Sociologia Econômica e migração: lados opostos da realidade

October 5, 2017 | Autor: Rogério Campos | Categoria: Critical Theory, Pierre Bourdieu, Migration Studies
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Doutoranda em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UNESP/FCLAr. Email: [email protected]

Doutorando em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia – UNESP/FCLAr. Email: [email protected]
Entre os anos de 1994 – 1995, o número de mulheres mexicanas que migrava pra os EUA era em torno de 9,8%. Já entre os anos 2000 – 2001 esse número aumentou para 20,5%. (PIÑERO, 2009).
"Coyotes": aliciadores (agentes) que cobram para transportar e atravessar os imigrantes na fronteira para os EUA.
ZENTENO QUINTERO, R. M. Migración hacia la frontera Norte de México: Tijuana, B.C..Disponível em: http://books.google.com.br/books/about/Migraci%C3%B3n_hacia_la_frontera_Norte_de_M.html?id=-Rh3ugAACAAJ&redir_esc=y
O que lhes proporcionaria a possiblidade de realizarem outras atividades mais especializadas.
Muitos destes trabalhadores são obrigados a pagar uma porcentagem de seus salários para os "empreiteiros", o que resulta numa renda bruta diminuída para estes trabalhadores.
Sociologia Econômica e migração: lados opostos da realidade
Géssica Trevizan Pera e Rogério Pereira de Campos
Mande notícias
Do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço
Venha me apertar
Tô chegando...
Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero...
Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega prá ficar
Tem gente que vai
Prá nunca mais...
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai, quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim chegar e partir...
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem
Da partida...
A hora do encontro
É também, despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida...
A hora do encontro
É também, despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida...
(ENCONTROS E DESENCONTROS, Milton Nascimento e F. Brandy)

O crescimento da preocupação acerca da relação trabalho/sociedade nas estruturas contemporâneas é facilmente notado pela própria dinâmica que cada equação citada busca desempenhar. A influência de cada qual na vida do indivíduo não só se torna mais importante como também cria parte da concepção cognitiva social, elemento primordial ao se discutir sobre a construção de campos, como será esclarecido adiante.
Em termos de realidade, vive-se hoje o mais próximo possível de uma concepção proposta por Weber quando tratamos de instituições e modelos burocráticos legais que visam dar sustentação à estrutura social do Estado. O desenvolvimento desta estrutura foi erigido sob influência direta da própria evolução da indústria no mundo ocidental e a evolução de cada processo acaba por se mesclar e se confundir. Essa organicidade social mostrou-se um dos grandes fatores para a ascensão da humanidade como um todo, porém mais favorável a alguns que outros atores.
Musgrove, autor britânico da Sociologia foi um dos principais estudiosos na área da migração, sofrendo influência de Weber em seu trabalho. Ele tinha como um dos principais argumentos em seu trabalho a maior flexibilidade das elites em termos de residência no final do século XIX. Ou seja, a influência determinante regional deixou de ser ligado ao tempo de convivência do local e sim das relações que poderiam ser estabelecidas e os benefícios decorrentes.
Levando-se isso em conta, pode-se dizer que a construção de campos em determinada região não é mais elaborada necessariamente por um ator social local, mas sim por um ator que possua origens comuns culturais que gerem influência para todo o grupo. A determinação de liderança é aliada ao nível de influência financeira, cultural e social, gerando então na sociedade globalizada grupos descristalizados territorialmente. A determinação geográfica deixa de ser determinante para ser apenas complementar.
Para Swedberg (2004), um dos destacados autores da sociologia econômica:
Bourdieu possui uma abordagem muito mais estrutural e talvez também mais realista. Baseado nos quatro conceitos-chave de habitus, campo, interesse e capital (social, cultural etc.), Bourdieu parece menos interessado na maneira como opera a economia oficial do que na maneira como as pessoas vivenciam suas vidas na economia, ao enfrentar e ao mesmo tempo sofrer o impacto das condições econômicas.
Esse pensamento coloca claramente os atores centrais como pivôs do mundo atual, condutores das esferas de influência de cada qual e a forma de inserção na sociedade moderna. Essa invasão direta da economia na vida social traz uma transformação na estrutura, exige uma adaptação dos indivíduos e condiciona as relações pessoais a trâmites cada vez mais intermediados pelo valor, pelo fetiche dos bens de consumo e a imagem de melhoria da qualidade de vida. A construção desse cenário acaba atraindo ilusoriamente os indivíduos para redutos aos quais não fazem parte ou são marginalizados e, apesar de ser o motor condutor dessa máquina, não usufruem dos melhores benefícios que estão à disposição.
Pensando-se na massa de trabalhadores de baixa renda, o efeito de inserção em um campo correlacionado mostra-se bem diferente em relação aos atores centrais. A necessidade voraz de mão-de-obra não qualificada para a produção de matéria-prima e de alimentos cria espaços dentro de estruturas já definidas, porém às margens do que seria considerada uma real inclusão dessas pessoas. Não há a possibilidade de se romper esse ciclo e criar uma nova esfera de poder, assim como também não há interesse de ambas as partes, em um mutualismo obscuro. Essa deformidade permite o funcionamento de estruturas dinâmicas como podemos colocar o caso das nações centrais e a alocação de imigrantes ilegais.
O que Marx definiu no princípio da Revolução Industrial como exército reserva de mão de obra hoje ganhou uma nova definição e mesmo um novo modelo de participação nesse sistema capitalista dinâmico. Se por um lado a mecanização elimina boa parte da necessidade de mão de obra bruta industrial, por outro, abre espaço para o uso abusivo de recursos humanos em funções pouco salutares ou de ambição da maioria dos países desenvolvidos. Assim sendo, a migração sazonal, ilegal e massiva de trabalhadores de regiões mais pobres para os grandes centros econômicos tornou-se praxe e visa suprir carências em trabalhos braçais e de baixa remuneração.
A inserção dessa massa trabalhadora se faz então de forma marginal, nas esferas mais distantes do campo de certo país, como por exemplo, os Estados Unidos e os imigrantes mexicanos. A grande demanda desse tipo de mão de obra cria uma resistência no país em abarcar tais trabalhadores, que se fazem necessários. A aceitação do grupo por uma margem mínima necessária desses trabalhadores é tolerada no inconsciente da nação estadunidense, e tal cultura foi se mesclando. Sendo os Estados Unidos um país de migrantes desde sua origem, não é incomum a formação de diversos grupos culturais inseridos na estrutura central.
Vários fatores contribuem para a migração, podem ser consequências nas relações sociais de subordinação e poder que se expressam na pobreza, na dificuldade de acesso a terra, educação, saúde, bem-estar, entre outros. É parte de um movimento determinado pela expulsão, seja ele social, econômico, étnico-racial, religioso ou político, em busca de outros locais e alternativas de sobrevivência. Além disso, a migração inclui também avaliações individuais ou familiares que se situam dentro das condições do mercado de trabalho globalizado. Aspirações, desejos de renda e sustentação de projetos de vida familiares compõem o complexo quadro de decisões de saída do migrante.
Entre a última década do século XX e os anos 2000, estes fluxos migratórios entre México e EUA têm apresentado algumas mudanças relacionadas ao perfil dos trabalhadores imigrantes. Segundo dados do Censu (PIÑERO, 2009), o perfil dos imigrantes até a década de 1990 era majoritariamente de homens jovens, que migravam sozinhos em busca de trabalho. Nos dias atuais, o que se nota é que, estes homens, passaram a migrar com amigos ou parceiros (as), esposas e filhos, além de notarmos um crescimento substancial da migração de mulheres solteiras, que buscam encontrar trabalho e constituir família no país de destino.
Tabela 1: Perfil das famílias imigrantes que vão para os Estados Unidos:

Outra questão também necessita ser abordada, de modo a compreendermos estes fluxos migratórios e desta forma, traçarmos quem são os migrantes mexicanos que estão trabalhando nos Estados Unidos. Anterior a este fluxo migratório internacional, observamos que o fenômeno migratório interno no México, também nos apresenta importantes fontes para essa reflexão.
As cidades fronteiriças mexicanas com o território estadunidense são polos de atração para imigrantes ilegais, sendo essa considerada a chance mais clara de adentrar no território vizinho. Porém, a construção dessas cidades "exportadoras" de mão de obra possui em primeira instância responsabilidade dos Estados Unidos, ao implantar ali suas empresas para valer-se da baixa remuneração local. O passo seguinte foi o crescimento da economia local criando polos de atração populacional e além da fronteira a promessa de melhores condições de vida. Como pode ser observado no mapa a seguir, a ligação é clara entre a existência de maquiladoras, trabalhadores e imigrantes ilegais, sem levar em conta o tráfico de drogas, tema não analisado neste trabalho e que demandaria um grande espaço para discussão.
Até os anos de 1990, a região Norte do México, onde está localizada a fronteira com os EUA, representou ótimas oportunidades de desenvolvimento. No entanto, como resultado de um modelo de desenvolvimento econômico iniciado de forma ineficiente, os processos sociais nesta região aconteceram de forma desordenada e desarmoniosa. Ocorreu que muitos mexicanos das regiões Sul e Centro do país, em busca de melhores condições de vida e trabalho, passaram a migrar para as cidades fronteiriças no Norte. Esta região passou a ser considerada a "terra das oportunidades", onde se poderia, no mínimo, encontrar trabalho nas maquiladoras – que lhes possibilitaria a oportunidade de conquistar um visto ou green card para entrar nos EUA.
Mapa 1 : Número de Maquiladoras por Estado Fronteiriço México – Estados Unidos e Número de trabalhadores contratados
Fonte: Twin Plant News – Aug. 06


Todavia, mesmo em condições adversas, estes migrantes preferem morar na região norte, buscando sempre fugir da vida que tinham nas outras regiões do país. Buscam melhores condições de vida, de trabalho, sonham com a vida no EUA e com a possibilidade de se estabelecerem lá com a família. Para isso, arriscam suas vidas das mais diferentes formas: viajam por dias pelo deserto na tentativa de atravessar a fronteira sem autorização, pagam os conhecidos "coyotes" para os auxiliarem, aceitam todo e qualquer tipo de trabalho precário que os permita a entrada no país, se submetem aos baixíssimos salários e a altas jornadas de trabalho estipuladas pelos contratantes vizinhos, etc.
Nos últimos anos, especificamente entre 2006-2010, cerca de 1,2 milhões de imigrantes foram deportados para o México. Os motivos são os mais variados: falta de documentação, infrações, demissão. Muitos destes são das regiões Sul e Centro, no entanto, optam por ficar na região norte do país, na expectativa de conseguirem voltar para os Estados Unidos. Destes, 46% viviam há mais de um ano nos Estados Unidos, segundo estudo do Colégio da Fronteira Norte (Colef) do México, coordenado pelo pesquisador René Martín Zenteno e desde Setembro de 2010 também é o subsecretário de população, migração e assuntos religiosos do México.
Desse modo, outro paradoxo deve ser apontado: Pode-se dizer baseado nas estatísticas do Censu que do ponto de vista do migrante, migrar para os Estados Unidos, ainda que sob condições adversas, lhes oferece a possibilidade de construir e conquistar melhores condições de vida e trabalho do que as que estavam submetidos no seu país de origem. Um conceito de Weber que pode ser utilizado para avaliar as diferenças ao longo da história é a definição de liderança tradicional e a racional-legal. Enquanto a primeira tinha importância até o início do século XIX, a segunda mostra-se fundamental para entender as relações presentes na sociedade dinâmica atual.
Nesse caso, tem-se a necessidade de um agente mobilizador, para articular o grupo de pessoas em torno de sua cultura, crenças, símbolos e motivações. Esses agentes hábeis farão a organização dessa estrutura com a função de mobilizar membros com objetivos comuns e intermediar diálogos com outros grupos de influência. Um desses casos que pode ser citado seriam os Worker Centers, comunidades de base, geralmente criadas e lideradas por latinos ou descendentes que tem como objetivo prestar auxílio aos imigrantes – legais e ilegais - que vão para os Estados Unidos trabalhar.
A construção de um simbolismo em torno dessas comunidades migrantes trazem raízes de sua origem, mas também buscam novos referenciais no seu destino final, onde a realidade permeativa traz elementos para essa mutação. Sendo a formação da identidade um processo intersubjetivo, cognitivo e auto-reflexivo – como dito por autores como Honneth, Mead e Fraser – a troca entre o indivíduo e o meio proporciona mudanças em ambos. Alguns autores chamam isso de habilidade social, essa interação simbólica intersubjetiva para a criação da identidade pela atuação na sociedade.
Adentrando ainda mais no subconsciente formador da personalidade de cada indivíduo – e aqui mais na área da intersubjetividade e de questões de formação de individualidade – na busca de pistas para o comportamento padronizado da migração ilegal e do trabalho exploratório, usemos os estudos de Walter Benjamim. Para o autor, a linguagem, ligada a experiência de cada indivíduo, traz o perigo da alienação do mundo contemporâneo. O condicionamento a um cotidiano repetitivo não reflexivo gera um esvaziamento crítico do indivíduo frente à sociedade.
Ou seja, mesmo não estando tratando do tema deste trabalho, Benjamim consegue deixar rastros sobre formação de opiniões inconsistentes com a realidade apresentada. A ilusão construída nesse cenário fetichista de consumo e produção pelos Estados Unidos e seu American Way of Life formam um atrativo para países periféricos com problemas graves de abismo social. A narrativa do imigrante ilegal aos seus pátrios não expressa a verdadeira imagem, porém ainda sim transmite um cenário melhor do que o vivido em suas raízes. O abismo social não é eliminado, mas um pouco reduzido do panorama inicial.
Para Habermas, Benjamim não quer apreender como a mercadoria sofre um processo de valorização e poder sobre o indivíduo, mas somente a forma de apreensão do fetiche na consciência coletiva. Em um ajuste cronológico dos estudos de Mauss, Benjamim busca as raízes que os objetos possuem na união social, independente de qual seja ou do período histórico. A mistificação sempre existiu na humanidade, a curiosidade do mundo moderno é a abstração do valor monetário. Nesse caso, a própria individualidade traga o suplemento para a equação, onde cada qual pode buscar seu tipo de objeto de adoração por meio do dinheiro. Se assim for, então o mutualismo entre capitalismo e individualidade é incontestável. Somente com o conceito de indivíduo e de sociedade moderna podemos entrar na discussão sobre a construção de campos e de atores centrais e atores compositivos.
Os atores hábeis possuem uma relevância grande nesse processo, pois estes irão formular metas e esferas de interesses nos quais precisará deslocar todo seu grupo de influência para realizar. Cria-se então uma espécie de modelagem da identidade coletiva na busca de um alinhamento da discussão de uma agenda comum e também argumentos para enfrentar oposições. Não é de surpreender que tais atores privilegiados se utilizam dessas estruturas para reproduzir sua posição ou fundar novos campos de seu interesse. A busca pela estabilidade em um dado campo se faz justamente por essa aceitação coletiva.
Na contramão desse modelo, temos a relutância natural de homogeneização no aspecto cultural, em sua diversificação. Mesmo dentro da estrutura de uma indústria pode-se notar a formação de diversos grupos com identidades diferentes, ligados a um determinado processo e grupo de pessoas. O mesmo é válido para a estrutura social, seja em um bairro, região ou estado. Modelos produtivos não podem ser simplesmente inseridos fora da região onde foi elaborado por não levar em conta esses fatores, o que impedirá seu funcionamento de forma eficiente.
No caso do migrante ilegal, a lógica aqui se mostra invertida. Quem precisa se adaptar ao modelo é o trabalhador, por estar inserido de forma "invasiva" no sistema estabelecido. Porém, como Bourdieu debate em sua definição sobre campos, não é possível um ator externo atuar dentro de outro campo, somente em situações de ruptura e de reformulação estrutural. Na questão do migrante, ele não se mostra um ator de mudança da estrutura, até por ser o mais marginal de todos os membros componentes e aqui a questão principal se coloca. Sendo mão de obra necessária ao funcionamento dessa organização, este se mostra um ator membro desse campo e como tal trabalha para o funcionamento da estrutura. Sua participação, ainda que considerada ilegal, é necessária e ajuda a organizar tal grupo de forma que, sua condição se mostra ilegal na estrutura jurídica presente e essencial na questão social e econômica do grupo.
Essa distorção de conceitos no estudo sobre organizações inserindo a questão do imigrante ilegal traz um debate privilegiado e de difícil resolução. As diversas esferas componentes de um campo entram em conflito interno, o que leva a uma desestruturação e possível fragmentação desse grupo. As frentes de resistência a um sistema estabelecido ganham espaço para o combate e a busca de novos centros de influência.
E aqui entram as teorias ditas "neo-institucionais" das ciências sociais na tentativa de repensar as estruturas e a ação atuais. Essas teorias são construções sociais no sentido de abordarem a criação de instituições como resultado da interação social entre atores se confrontando em campos. As regras existentes de interação e distribuição como fontes de poder, servindo como base para construção e reprodução das instituições. Se por um lado os atores privilegiados podem utilizar as instituições para reproduzir sua posição ou fundar novas arenas de ação, por outro os atores sem recursos são coagidos por essas instituições, via de regra podem valer-se das regras existentes para criar novos campos.
As teorias neo-institucionais se interessam pelo modo como os campos de ação surgem, permanecem estáveis e podem ser transformados. No caso dos migrantes ilegais, estes se mostram atores que geram conflitos internos em determinado grupo estabelecido, mesmo sendo necessários. A crise gerada por esses atores pode se tornar um ponto de ruptura do campo, por gerar instabilidade interna, aumentando o risco de desestruturação.
Assim como o termo acima descrito foi confeccionado para o modelo atual de produção, nasceu também o termo "nova economia", onde se busca uma falsa homogeneização das práticas econômicas e dos seus significados culturais em escala global. Essa busca de naturalização do trabalhador no ambiente de trabalho, inserção no campo ao qual participa, busca motivacional para melhor produtividade e participação "efetiva" na empresa são algumas das características dessa definição. Assim como Durkheim define o funcionamento da sociedade orgânica pela separação e complemento funcional de cada parte do todo, a nova economia busca explicar o funcionamento das estruturas econômicas pós-modernas em um cenário que envolve todo um conjunto de eventos não mais limitados pelo ambiente do trabalho.
Giddens considera que organização e ambiente, duas esferas do mesmo campo participativo de um indivíduo, podem ser consideradas unidas e vinculadas no momento atual e regidas por normas e regras sociais. Dessa forma, teremos a inserção da organização no ambiente. Para o imigrante ilegal, esta realidade não está presente e teremos então um anacronismo existencial na identidade desses indivíduos.
A composição de um cenário que mescla dois momentos diferentes das estruturas sociais, econômicas e políticas pode ser definida como uma aberração organizacional, onde a ordem da organização é a mesma existente a todos os outros indivíduos, porém o ambiente é tangente ao campo e não inserido. A ilegalidade da condição do trabalhador mexicano, por exemplo, não permite que este se insira no campo composto pelos atores da região em que este atua. Esse choque das microesferas componentes traz benefícios mútuos, desde que um grau de tolerância seja permitido na condição irregular do trabalhador de acessar sua região de trabalho.
Noventa por cento dos trabalhadores agrícolas da Califórnia são imigrantes mexicanos ou centro-americanos clandestinos e sem documentos. Em plena expansão, a agricultura local não pode passar sem eles porque não há quem queira trabalhar a terra nas duras condições de exploração. Poucos são os que têm um parente munido de um título legal ou que se casará com um cidadão norte-americano e poderão obter, ao fim de longas diligências burocráticas, uma licença de trabalho e um endereço, o famoso green card. (Le Monde Diplomatique, 2006).
De modo geral, os trabalhadores agrícolas na Califórnia incluem agricultores, gestores, consultores e outros prestadores de serviços técnicos, bem como muitos trabalhadores agrícolas sazonais submetidos a baixos salários. As ocupações mais qualificadas (os atores hábeis) são bem remuneradas, e esse segmento do mercado de trabalho está bem integrado com o resto da economia, o que indica uma demanda de oferta de formação qualificada relevante para as ocupações agrícolas especializadas.
Condições do ambiente, baixos salários para a força de trabalho contratada nas fazendas, fazem com que se levantem algumas questões. O emprego agrícola contratado na Califórnia implica frequentemente, em trabalhos fisicamente exigentes. Muitas comunidades agrícolas na Califórnia estão classificadas entre os maiores índices de pobreza e desemprego no Estado. Muitos trabalhadores rurais não têm educação, desconhecem a língua do país e poucos possuem documentação legal. No lado da demanda, as fazendas da Califórnia dependem do acesso a um pronto fornecimento de mão de obra, tanto para empregos fixos, quanto para o emprego sazonal. A Califórnia é um grande produtor de culturas de trabalho intensivo, tais como frutas e legumes. Os salários comparativamente baixos no setor agrícola não fazem concorrência frente ao trabalho dos setores industriais e de serviços nos centros urbanos na Califórnia. Para tanto, o setor agrícola do estado, depende do trabalho dos imigrantes.
A natureza sazonal e de emprego agrícola temporário combinada com os baixos salários apresenta um quadro de trabalhadores muito pobres para os padrões da Califórnia. Mesmo quando os salários estão bem acima do salário mínimo estadual, os trabalhadores com frequência vivem na pobreza. Além disso, a maioria dos trabalhos realizados por estes migrantes estão isentos de seguro de saúde adequado e outros benefícios sociais aos trabalhadores e suas famílias. Assim, elevadas taxas de pobreza em algumas áreas agrícolas acarretam custos sociais, tais como, a falta de familiaridade com o local ou o compromisso das comunidades locais para com esses trabalhadores, bem como a dificuldade de acesso à alimentação adequada e a cuidados de saúde.
Nesse ponto é notável essa participação parcial dos imigrantes ilegais no campo considerado seu. Participa ativamente da produção, contribuindo para a massiva mão de obra da indústria agrícola da Califórnia, contabilizado inclusive pelo próprio estado em suas estatísticas – o que poderia lhe inserir como um cidadão reconhecido da região – mas por outro lado não possui direito a assistência médica e social. Esse vácuo social cria novos problemas e diferentes interposições sociais e aumento da violência da região. Nesse momento, nota-se a ruptura entre o fetiche criado do mundo de consumo perfeito estadunidense e as possibilidades dos trabalhadores de o alcançarem. A riqueza e o investimento na agricultura não chegam aos trabalhadores rurais, criando esse abismo social entre produtores e trabalhadores. No mapa abaixo se pode notar o nível de investimento na área.
Mapa 2: Investimento na contratação de mão de obra na agricultura em 2007:


O grande sonho de trocar de espaço não só geograficamente vira uma ilusão quando o indivíduo percebe que trouxe consigo os condicionantes de seu estrato social e mais, adido a isso se pode dizer que um recorte do próprio México foi transmutado para a região a qual estes trabalhadores se instalam. Seus costumes, cultura e idioma não se alteram nessa transição, o que conflita com o próprio termo mudança. A fuga então do México que estes indivíduos habitam terá de ocorrer constantemente e só será concretizada quando o mesmo conseguir se inserir concretamente no campo ao qual os demais agentes sociais habitam, ser reconhecido como igual e participar igualmente da esfera econômica e política regional.
A formação de mercado demanda cada vez mais consumidores das mais diversas faixas econômicas e em plena crise econômica mundial os Estados Unidos continuam a desperdiçar esse fator extremamente relevante. Não se fala aqui de alguns trabalhadores, mas sim de uma mão de obra equivalente a quase 15% da população do Estado da Califórnia que, devidamente inseridos na sociedade, participariam mais efetivamente da economia. Essa associação poderia ser de ajuda mútua, se devidamente regulamentada.
A não participação efetiva desses trabalhadores no campo que executam trabalho acaba por minar inconscientemente a esfera econômica do grupo, onde uma evasão de finanças pode ocorrer. Grande parte desses imigrantes tem por objetivo acumular recursos que lhe permitam trazer outros membros de sua família, aumentando assim a oferta de mão de obra e diminuindo o capital de giro internamente ao campo. Se existe um benefício social e cultural pelo acréscimo diversificado da população, o preço a ser cobrado pode representar uma ruptura na estrutura em longo prazo.
As redes sociais poderiam ser uma alternativa para o problema, mas o grau de liberdade que esse tipo de organização permite a maleabilidade necessária para nada se alterar na realidade presente. As conexões não demandam realmente uma inserção no campo, permitindo relações meramente convenientes e exploradoras, como é utilizado no momento. A maior parte dos autores se utiliza da teoria de redes para definir consumidores e mercado, e a relação destes com a sociedade. Tratando-se nesse caso de indivíduos marginais, não fazem parte da rede social em resumo.
Essa condição sub-humana deixa claro que a deformidade social que é o migrante ilegal não tem como se enquadrar no perfil de análise da sociologia econômica, talvez somente como dado estatístico ou fator de erro em gráficos de avaliação financeira. Em um estudo centrado no cenário econômico social – deixando claro que em primeira instância sempre será o econômico – estes atores que poderiam ser considerados virais não são considerados. Essa anomalia movimenta quase totalmente uma economia de cerca de US$ 40 bilhões na agricultura, sem ter custo algum para o estado.
Não se trata de transformar os trabalhadores em máquinas, ou mesmo de regularizar esse tipo de atuação nos locais de atração de mão de obra braçal, mas sim de identificar o indivíduo como ser social. Este só poderá ser um ator do habitus se não for afastado convenientemente depois de exercer sua função. Essas pessoas não são estadunidenses e nem mexicanos, são trabalhadores sem pátria e sem direitos e essa lacuna não será preenchida pela economia. A ruptura a esse isolamento se dará ou pelo reconhecimento ou pela demanda, qual chegar primeiro aos atores nulos.


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