SUBSÍDIOS PARA IMPLEMENTAR UM PERFIL DE INOVAÇÃO COM SUSTENTABILIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL, NA PROPOSIÇÃO DE FORMAÇÃO DE UM CURRÍCULO DE ENGENHEIROS

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COBENGE 2016
XLIV CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO EM ENGENHARIA
27 a 30 de setembro de 2016
UFRN / ABENGE




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SUBSÍDIOS PARA IMPLEMENTAR UM PERFIL DE INOVAÇÃO COM SUSTENTABILIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL, NA PROPOSIÇÃO DE FORMAÇÃO DE UM CURRÍCULO DE ENGENHEIROS.


Msc. MACIEL, Rosali Gomes Araújo [email protected]
UFRRJ/ UBM
27310-020 Barra Mansa- RJ

Dr. FERREIRA, Marcus Vinicius Anátocles da Silva [email protected]
UFSC
88.040-400 Florianópolis – SC

CRUZ, Aurealice de Ataíde Calderado Nogueira [email protected]
UFRRJ/ UBM
27310-020 Barra Mansa- RJ



Resumo: a sociedade do conhecimento impulsiona as instituições de ensino superior que oferecem cursos de engenharia e outras ciências, a incorporarem novas ferramentas de aprendizagem, mudando radicalmente a relação entre professor, aluno e conhecimento, a partir de ajustes, reformas e transformações importantes em sua estrutura. Esse artigo tem como objetivo refletir sobre a formação de engenheiros para inovação com sustentabilidade, e responsabilidade social, adotando como caminho metodológico as modalidades de pesquisa descritiva e bibliográfica e o método de pesquisa dedutivo. O artigo propõe subsidiar a reflexão sobre as contradições para a construção de um itinerário de formação que privilegie uma concepção de educação orientada para a interdisciplinaridade, para o autodesenvolvimento e para a autonomia do discente, por meio de diferentes trilhas de formação, para além do espaço da sala de aula, onde se integrem o ensino, a pesquisa e a extensão.

Palavras-chave: Ensino de Engenharia. Competências para Inovação e Sustentabilidade. Ensino Superior e Educação Continuada.

introdução
As empresas estão abrindo suas portas para atuarem de forma colaborativa com centros de pesquisa, instituições de ensino superior e outros segmentos econômicos, de modo a construírem soluções de interesse coletivo e sustentável, agregando valor a todos os envolvidos nesse processo, alcançando competitividade e sucesso.
Nessa perspectiva, cabe aos cursos de graduação em engenharia combinar o máximo de qualidade acadêmica por meio da adoção de estratégias de ensino pesquisa e extensão, visando desenvolver em seus estudantes competências para promover a inovação de processos e/ou de produtos sustentada no equilíbrio ambiental, na justiça social e com viabilidade econômica. Ficar fora desse processo é formar profissionais para um cenário do século passado, ultrapassados e sem autonomia.
Portanto, o contexto maior em que se inscreve o tema deste artigo é a formação de engenheiros e outras ciências afins e o fio condutor será o entendimento de que para promover inovação com sustentabilidade o processo educacional deve proporcionar formação para inserção no mundo do trabalho e no sistema produtivo, sempre aliado, a reflexões que permitam aos estudantes e docentes se afirmarem como pessoa autônoma, de modo a não se sujeitarem ao modelo dominante. Para isso, o caminho formativo deve conter conhecimentos capazes de promover o desenvolvimento profissional, pessoal e social, em um movimento contínuo capaz de gestar possibilidades para estudantes e docentes se apropriarem das relações de poder e desvendar as armadilhas ideológicas contidas nos conteúdos curriculares, que levam professores e estudantes a reproduzirem conhecimentos, sem compreender os componentes críticos necessários à sua aplicação.
De acordo com Pereira (2015), a engenharia é uma ciência que aplica conhecimentos matemáticos, técnicos e científicos no desenvolvimento, aprimoramento e implementação de materiais, estruturas, máquinas, aparelhos, sistemas ou processos. Conjuga vários conhecimentos para viabilizar as utilidades dessas criações, considerando a sociedade, a técnica, a economia e o meio ambiente. Neste milênio o grande desafio é o de não fixar o olhar apenas nos aspectos matemáticos, técnicos e científicos, mas o de valorizar e integrar conteúdos das ciências sociais e humanas no escopo de formação, visando romper com a inercia e a fragmentação da educação atual descontextualizada de um mundo globalizado.
A metodologia adotada nesse artigo combina as modalidades de pesquisa descritiva e bibliográfica e o método de pesquisa dedutivo, propõem a reflexão sobre um "Itinerário de Formação", que privilegie uma concepção de educação baseada na interdisciplinaridade, sustentada por conhecimentos pertinentes, capazes de apontar soluções para problemas fundamentais locais e globais, para além do espaço da sala de aula e seus impedimentos, a partir dos fundamentos teóricos da História das Ciências e dos autores Zarifian e Le Boterf.
Este artigo parte da concepção de que compete às instituições de ensino superior atender a demanda de profissionais altamente qualificados, vinculados ao mundo do trabalho e ao sistema produtivo, formando recursos humanos em cursos de graduação e pós-graduação, com competências capazes de promover o desenvolvimento socioeconômico e cultural, como também, produzir inovações de forma sustentável.
Para assumir esse compromisso, inúmeros desafios precisam ser vencidos pelas instituições de ensino. Dentre eles está o de responder a seguinte indagação: as estruturas curriculares dos cursos de engenharia e outras ciências afins favorecem o desenvolvimento de competências para inovação com sustentabilidade e permitem o formando ter a autonomia necessária ao desenvolvimento da pratica com responsabilidade social.
O artigo está estruturado em uma introdução que determina a abordagem da proposição de um currículo de formação de engenharia que privilegie a inovação com sustentabilidade e responsabilidade social. O item dois do artigo descreve o modelo de construção da proposta dividida em uma contextualização do tema e proposição do mecanismo para construção do currículo formativo dos cursos de engenharias e ciências afins e a introdução do foco na formação baseado nas competências. No terceiro item é desenvolvida uma abordagem comparativa entre o positivismo e o humanismo na construção e influência nos processos de criação de currículos acadêmicos, no caso em questão, o currículo de formação de engenheiros e em ciências afins. Consolidando o artigo, é demonstrado o alinhamento dos resultados propostos com relação a inovação com sustentabilidade social.


desenvolvimento
A emergência da ênfase na inovação, no desenvolvimento de materiais já conhecidos buscando ampliar e melhorar seu desempenho, no desenvolvimento de novos materiais para aplicações conhecidas e para novas aplicações, aponta para uma formação sustentada por conteúdos e trilhas de aprendizagem que possibilitem a integração entre a objetividade da Ciência e os aspectos sociais e políticos envolvidos na aplicação nessa empreitada.
Mas, como desconstruir as crenças que sustentam uma formação tecnicista e reprodutora que desconsidera a criatividade e opta pela repetição de experiências e pequenos aprimoramentos? Como alcançar esse ideal em uma ciência que no Brasil tende a focar somente a racionalidade, a objetividade?
A resposta a essas questões passa pela necessidade de promover rupturas em instituições de ensino que adotam o modelo de formação focado em ensinar engenharia de forma tradicional, linear, disciplinar e compartimentada.
A história das ciências pode ser um dos caminhos nesse processo de desconstrução criativa. Ela oferece pistas sobre a perigosa sedução do positivismo, apontando para o fato de que aspectos metafísicos, éticos, estéticos, religiosos e sociais sempre estiveram presentes na construção do conhecimento científico (GAVROGLU, K et al,2008;KUHN T. S, 2011;LATOUR, B :2000).


O CONTEXTO ATUAL
A sociedade do conhecimento está impulsionando as instituições de ensino superior a adotarem novas ferramentas de aprendizagem, mudando radicalmente a relação entre professor, aluno e conhecimento, a partir de ajustes, reformas e transformações importantes em sua estrutura (MACIEL, 2008).
Ainda de acordo com esse autor, o progresso tecnológico e as economias estão exigindo cada vez mais profissionais dotados de competências contemporâneas. O movimento da internacionalização do conhecimento e dos mercados tem desafiado as instituições de ensino superior a buscarem inovações tecnológicas, a valorizarem a criatividade, transformando conhecimentos em desenvolvimento de pessoas, comunidades e do país. Esse contexto aponta para o fato de que as instituições de ensino superior precisam repensar a forma de como vem conduzindo a formação de engenheiros.
Segundo Lobo (2012), cada vez mais a criação e a produção de bens com valor agregado fazem a diferença na balança comercial. A evolução tecnológica e a inevitável obsolescência são fatos incontestáveis. A capacidade de inovação dependerá de vários fatores, entre eles a existência, quantidade e qualidade de profissionais de Engenharia. Diante disso, recomenda-se que a formação de engenheiros privilegie conteúdos essenciais para a inovação, com um aprendizado focado na autonomia, ensinando-os a se adaptarem rapidamente aos novos conhecimentos, técnicas e contextos.
Sampaio (2011), após estudo sobre o papel dos órgãos de fomento no desenvolvimento da gestão do conhecimento no Brasil, em especial, o do FINEP escreve:

"O Brasil tem hoje 2% dos artigos científicos de revistas e jornais internacionais, mas o número das patentes é baixo. Apenas 0,18% das patentes internacionais é brasileira, o que reforça nossa tradição de importar e adaptar tecnologias, em vez de criá-las. Enquanto outros países em desenvolvimento, como China, Índia e Coreia estão se transformando em produtores de conhecimento graças a investimentos na formação de pesquisadores em áreas tecnológicas- e com isso alavancando suas economias-, o Brasil segue dependente de seus bens naturais crescendo em um ritmo menor" (SAMPAIO, 2011:347).

Essa dificuldade pode ser analisada a partir do diagnóstico realizado por Brito (2011) sobre o perfil dos cursos de engenharia no Brasil. Esse autor detectou que, em sua maioria, os cursos oferecem uma estrutura curricular onde o estudante cursa todas as disciplinas do ciclo básico nos primeiros dois anos, depois as do ciclo formação profissional geral para então adentrar nas disciplinas específicas do curso escolhido. Essa fragmentação e modularização curricular pode ser superada pela adoção de metodologias que gravitam em torno de projetos integradores verticais e horizontais, sejam projetos que integram as disciplinas do semestre letivo em módulos temáticos ou ao longo do curso de forma contextualizada, usando simulação computacional, vivências entre teoria e prática, conforme figura 01 por exemplo.

Figura 01: Modelo de currículo

Fonte: BRITO, Wellington Alves. http://www.abenge.org.br/CobengeAnteriores/2011/sessoestec/art2114.pdf

Considerando que inovar é um processo que visa à superação das contradições existentes entre necessidade e desejo e os obstáculos que impedem esta realização, uma das ações necessárias para enfrentar o desafio da inovação é rever a formação do engenheiro para as próximas décadas, privilegiando ações que promovam relações entre as instituições de ensino, as empresas e os órgãos de fomento, criando novas oportunidades para a inovação. Nesse sentido, as instituições de ensino devem oferecer informações tecnológicas, educação continuada, cursos e consultorias, além de pesquisa e ensino voltados os três pilares da sustentabilidade: equilíbrio ambiental, justiça social e viabilidade econômica para o desenvolvimento de novos produtos e processos (LOBO, 2012; TALARICO, 2015, SAMPAIO, 2011; ETHOS, 2015).
Nesse paradigma, os estudantes vão construindo suas trilhas de aprendizagem, caminhos alternativos e flexíveis, a partir de suas conveniências, necessidades, pontos de partida e de chegada, integrando em seu planejamento de carreira as expectativas da organização, o desempenho esperado, suas aspirações, as competências que já possui e aquelas que necessita desenvolver (FREITAS, 2002).
Para promover essa ruptura, o mundo acadêmico deve superar as discussões entre os puristas e tecnicistas, reinventando sua prática com ética, evitando que os conhecimentos se tornem obsoletos, tornando-os compatíveis com as necessidades técnicas, éticas e sociais. Na perspectiva dos puristas/humanistas, as instituições de ensino não devem se aproximar das demandas econômicas para não se contaminarem com as ideologias do mercado e preservar a liberdade intelectual. Na perspectiva dos tecnicistas, as instituições de ensino devem se aproximar e cooperar com o mundo corporativo (MACIEL, 2008). Para fazer o seu dever de casa, a academia deve equilibrar essa discussão e oferecer um ensino que desenvolva competências técnicas, humanas, sociais e planetárias, em diálogo permanente com a sociedade. As instituições de ensino superior são espaços de liberdade acadêmica e de compromisso com o desenvolvimento social e pessoal, mas também devem cumprir a missão de preparar para o trabalho e contribuir com o seu "locus" de vida.

FORMAÇÃO POR COMPETÊNCIAS
Considerando que cursos de engenharia são experiências de inovação, as instituições proponentes dessa formação devem se pautar na adoção de metodologias que privilegiem o desenvolvimento de competências, visto que uma das características do profissional de novo milênio está em saber mobilizar e combinar, de modo pertinente o conjunto de recursos disponíveis, em situações cada vez mais complexas (BOTERF, 2003), indo além dos limites mínimos colocados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais.
Segundo Sarsur (2007), o interesse pelo desenvolvimento de competências para o mundo do trabalho decorre do cenário mundial que sinaliza quais as competências – core competences – que as empresas precisam desenvolver para se sustentarem, impulsionando a adoção de desenvolvimento de competências individuais. "[...] aumentar a competência das pessoas é antes de tudo, criar as melhores condições possíveis para que os trabalhadores aceitem assumir responsabilidades e se mobilizar subjetivamente [...]" (SARSUR, 2007:11).
Zarifian (2001) indica que a competência não está no posto de trabalho ou na descrição das atividades de uma determinada função, ela só se revela nas ações do indivíduo:

Para um operador (ou uma equipe) assumir responsabilidades é aceitar assumir suas responsabilidades, logo, é aceitar ser julgado e avaliado pelos resultados obtidos no campo dos desempenhos pelos quais é responsável. Logo, é tornar-se explicitamente devedor dos resultados de sua atividade...falando mais claramente: é correr riscos (ZARIFIAN, 2001, p.76).

Para Le Boterf (2003), a competência é a faculdade de saber mobilizar e combinar recursos pessoais e do meio. Os recursos pessoais são constituídos por saberes teóricos, procedimentais e os do meio, pelo saber-fazer, pelas aptidões e experiências acumuladas.
O conceito de competência adotado neste artigo resulta da combinação dos propostos por Bitencourt, Zarifian e Le Boterf: competência é um processo contínuo e articulado de formação e desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes, a partir da interação com outras pessoas (BITENCOURT, 2001) que possibilitam ao indivíduo saber agir e reagir com pertinência, saber combinar recursos e mobilizá-los em um contexto, saber transpor, saber determinar e interpretar indicadores de contexto, saber criar as condições de transponibilidade com o auxílio de esquemas transferíveis, saber aprender e aprender a aprender, saber envolver-se, saber assumir riscos e saber empreender e ter ética profissional (BOTERF, 2003).
A competência se materializa na maneira como o indivíduo enfrenta as situações do trabalho, por isso, envolve o desejo do indivíduo de colocar seus saberes em prática, no ato de iniciar e assumir responsabilidades diante das situações com as quais depara (ZARIFIAN, 2001). A lógica não é mais disciplinar e controlar, mas co-responsabilizar e partilhar as experiências e decisões (ZARIFIAN, 2001; CAMPOS, 2000). Isso muda o paradigma da administração científica para a da competência, com sérias e consequentes mudanças no âmbito das instituições de ensino.
Assim, as recomendações contidas na Resolução CNE/CES 11, DE 11 DE MARÇO de 2002 para a formação do engenheiro devem ser cuidadosamente seguidas, de modo a dotar o profissional com as seguintes competências e habilidades gerais:

"I - aplicar conhecimentos matemáticos, científicos, técnicos e instrumentais à engenharia; II - projetar e conduzir experimentos e interpretar resultados; III - conceber, projetar e analisar sistemas, produtos e processos; IV - planejar, supervisionar, elaborar e coordenar projetos e serviços de engenharia; V - identificar, formular e resolver problemas de engenharia; VI - desenvolver e/ou utilizar novas ferramentas e técnicas; VI - supervisionar a operação e a manutenção de sistemas; VII - avaliar criticamente a operação e a manutenção de sistemas; VIII - comunicar-se eficientemente nas formas escrita, oral e gráfica; IX - atuar em equipes multidisciplinares; X - compreender e aplicar a ética e responsabilidade profissionais; XI - avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental; XII - avaliar a viabilidade econômica de projetos de engenharia; XIII - assumir a postura de permanente busca de atualização profissional".

Atingir a meta de formar engenheiros com competências de inovação e sustentabilidade social implica no rompimento da representação de que as instituições de ensino não devem dialogar com o mercado; de que o mercado é passivo, de que não está pronto para receber os frutos de P&D que são gestados nas empresas, nos centros de pesquisa e nas linhas de pesquisa definidas por professores doutores. De que o mercado é a fonte das ideias que direcionam as atividades de P&D. Pressupõe a concepção de que inovação é o resultado das necessidades da sociedade, do mercado e dos avanços científicos (STOECKICHT et al, 2010), sempre balizado pela avaliação do impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental.
Nesse novo paradigma todo estudante deve ser visto como uma pessoa com potencial para inovação, a partir das competências e expertise desenvolvidas ao longo do período de formação. As salas de aula devem possibilitar um ambiente colaborativo, onde empresas e instituições de ensino se integram em rede para perseguirem as inovações sustentáveis necessárias, sejam elas incrementais ou disruptivas; de imitação de um produto existente ou de melhoria desse produto ou de processos; ou de abordagem mista: mescla inovação e imitação (SAMPAIO, 2011).

CONTRASTE DAS CIÊNCIAS COM AS ESCOLAS

COMO UNIR INOVAÇÃO COM SUSTENTABILIDADE: UMA CIÊNCIA FRAGMENTADA
De acordo com Bazzo (1997) o ensino de engenharia no Brasil remonta ao início do século XIX, sendo pioneiro nas Américas. Apesar de perceber a existência de uma preocupação crescente por parte das instituições de ensino de engenharia em formular estruturas curriculares mais integradas e em usar novas metodologias de ensino, as ações existentes são ainda pontuais. Estudos nessa área apontam para um currículo tradicional, pouco integrado e com técnicas de ensino do século passado é preponderante no mercado.
A estrutura curricular dos cursos de Engenharia não sofreu grandes alterações ao longo dos séculos. O modelo das Écoles francesas fundadas no século XVIII ainda prevalece. A organização curricular dos cursos ainda privilegia a divisão dos conteúdos básicos em disciplinas fragmentadas e, descontextualizadas do seu meio de inserção e de aplicação (OLIVEIRA, 2013). Essa dificuldade pode ser apreciada a partir das discussões de Thomas Khum, Stengers, Bruno Latour, Gravoglu e Fleck .
Ao longo de sua história, as instituições de ensino tornaram-se especialistas em ensinar conteúdos separados. Essa visão impregnou os currículos escolares que adotaram como estratégia de ensino separar, compartimentar e isolar ao invés de unir e integrar os conhecimentos. As complexidades se tornaram invisíveis, os grandes problemas humanos desapareceram ao se estudar isoladamente cada situação humana, social, econômica e ambiental (MORIN, 2001).
Assim, as instituições de ensino continuam a seguir o modelo linear empregado para compreender o universo, buscando relações de causa e efeito, resultando no surgimento de uma visão simplista dos fatos, se isso acontece é porque aquilo provocou. Nesse sentido, nas salas de aula transitam conteúdos definidos pelos professores a partir de suas próprias experiências de formação. Altamente impregnada pelo paradigma cartesiano a escola dificulta e cria obstáculos às grandes mudanças que visam a alcançar o resgate da complexidade humana.
Ao desprezar a visão sistêmica, a interdependência existente entre todos os elementos, a instituição educacional produziu um novo homem, obcecado pelo rigor científico, pelo método, pelos procedimentos, porém sem sagacidade para perceber a amplitude de seus atos em termos globais. Preocupado com resultados imediatos, desconsiderou que o mundo é um tecido, e, que cada fio que o compõe tem sua função e se relaciona com a posição de todos os outros fios. Mexer em um fio significa mexer em todos os outros e alterar a configuração total desse tecido (MORIN, 2005).
Considerando que o conhecimento está diretamente ligado à vida, fazendo parte do existir humano, as instituições de ensino superior devem proporcionar uma formação acadêmica capaz de provocar reflexos no mundo do trabalho, substituindo as teorias ancoradas em estudos fragmentados, reducionistas e mutiladoras por conhecimentos que resgatam a complexidade do ser humano e do cenário de um mundo globalizado. Todos devem ter consciência de que a empresa existe em um contexto ambiental e não existe sem ele (NETO, 2005).


estratégia contra as armadilhas da fragmentação do conhecimento
Ao escrever sobre o passado das ciências, Gravoglu (2008) estudou os aspectos internos e externos envolvidos na construção de um saber. Constatou que ao longo do tempo vários homens tentaram persuadir outros homens sobre as verdades que acreditaram, legitimando os processos pelos quais conceberam suas verdades. Segundo esse autor, a Ciência não representa a verdade, os conhecimentos são proposições compartilhadas e aceitas por grupos específicos de investigação ou pesquisa, segundo modelos de validação dos mesmos construídos de forma particular e questionável. Portanto, ela é construída por pesquisadores que compõem um círculo de expertise que pesquisam e escrevem sobre um fato ou fenômeno, criando um coletivo de pensamento que impõe o estilo de pensamento, o método de investigação, a forma de ver e agir, determinando as visões de mundo que o teórico deve seguir. No seio desse coletivo transitam conhecimentos e poder (FLECK, 2010, KHUM, 2011).
Thomas Khun, Stengers, Bruno Latour, Gravoglu e Fleck são teóricos que colocaram em questão a objetividade e a neutralidade do conhecimento científico. Refletiram sobre a importância do contexto de produção de um saber, sobre as armadilhas políticas, filosóficas, ideológicas, econômicas e de poder que estão em jogo quando uma teoria é proposta para uma comunidade científica.
Thomas Khun (2011) aponta que o cientista trata os problemas a partir de um paradigma, ou seja, uma matriz disciplinar da comunidade científica, de um modelo prático e teórico, que se impõe pela força da evidência. Segundo Khun, o progresso científico deve-se à submissão do cientista ao paradigma de sua ciência, fato que permite o conhecimento avançar, cumulativamente, tornando os fenômenos inteligíveis, tecnicamente controláveis e teoricamente interpretáveis. Uma disciplina sem paradigma produz brigas e discussões entre teóricos, acusações de desvios e em escolas ideológicas.
Nesse sentido, uma das estratégias para evitar as armadilhas ideológicas escondidas no discurso de que a engenharia formula e segue através de normas científicas gerais de forma objetiva e racional, em uma estrutura lógica, garantindo conhecimentos científicos globais e verdadeiros; é pesquisar teóricos que se contrapõem a visão positivista de Ciência. Essa prática abre possibilidades para se pensar em um currículo sistêmico, onde as disciplinas e atividades de pesquisa estabeleçam um diálogo inter e multidisciplinar, desenvolvendo competências para a inovação com sustentabilidade, criando através da capacidade de aprender uma melhor visão do mundo e autonomia para enfrentá-lo. Desse processo surgem questionamentos como: a quem os conteúdos gerados na área das engenharias têm servido? Por que as escolas tendem mais a repetição de disciplinas fragmentadas do que propositivas ao estímulo à inovação? Por que, em sua maioria, as ações de inovação não produzem sustentabilidade?
Assim, um dos impedimentos à formação sistêmica é a concepção de ciência pura, objetiva, que para manter o status de Ciência, deve desconsiderar aspectos externos e/ou subjetivos e adjacentes da sua versão aplicada.


conclusão
Longe de ser uma análise epistemológica, esse artigo pretende dar subsídios para ressaltar a importância da interdisciplinaridade e do diálogo com as ciências sociais e humanas, numa ciência que tende a ser disciplinar, de modo a promover inovação com sustentabilidade.
Embora o perfil do engenheiro definido nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia aponte para a formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, para um profissional autônomo capacitado a absorver e desenvolver novas tecnologias, estimulando a sua atuação crítica e criativa na identificação e resolução de problemas, considerando seus aspectos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais, com visão ética e humanística, em atendimento às demandas da sociedade; estudos apontam que as representações sociais de boa parte dos estudantes e docentes ainda estão ancoradas no ideário positivista de Ciência que privilegia a repetição das experiências que deram certo no passado. O modelo de currículo seguido produziu até então avanços científicos e tecnológicos, mas trouxe com ele degradação do meio ambiente, das condições sociais e humanas. Segundo Santarém (2004), isso ocorre porque adotamos o paradigma da simplicidade para entender o mundo que é pura complexidade.
A educação para o século XXI deve proporcionar ao homem moderno, por exemplo, respostas para questões de como reverter o quadro de aquecimento global, como desenvolver condutas sustentadas nos pilares da moral e da ética, como inovar com sustentabilidade, como reduzir os altos índices de exclusão, como reduzir a violência, como humanizar as relações no trabalho e como as empresas devem agir para alcançar seus objetivos, e ao mesmo tempo assegurar os direitos humanos e de preservação ambiental.
Coordenadores, estudantes e professores de cursos de engenharia devem estar aptos e ter consciência critica para saber o que fazer com os conteúdos aprendidos em sala de aula.A questão como se apresenta induz a uma questão muito mais metodológica da abordagem curricular interdisciplinar, inovadora e autônoma, do que uma abordagem focada na instrumentalização de suportes tecnológicos na sala de aula e no processo de aprendizagem.
A opção pela análise dos impedimentos ao desenvolvimento de competências para inovação com sustentabilidade a partir da visão da História das Ciências visou produzir uma proposta contemporânea de formação de engenheiros e em ciências afins com inovação com sustentabilidade social, considerando as variáveis históricas que restringem as mudanças nos itinerários formativos, deixando como uma das sugestões para continuidade de estudos sobre o tema, a aplicação de modelos de formação por competências.

4. REFERÊNCIAS

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INSTRUMENTS TO IMPLEMENTATION OF THE SKILL FOCUSED IN INNOVATION PROFILE WITH SUSTAINABILITY AND SOCIAL RESPONSIBILITY: PROPOSAL OF THE CURRICULUM OF ENGINEERS

Summary: The knowledge society pushes higher education institutions offering engineering courses and other sciences, to incorporate new learning tools, radically changing the relationship between teacher, student and knowledge from adjustments, reforms and major changes in its structure. This article aims to reflect on the training of engineers for innovation with sustainability and social responsibility, adopting as a methodological way the modalities of descriptive and bibliographic research and deductive research method. The article proposes a reflection on the contradictions to the construction of a training itinerary that favors a conception of education oriented toward interdisciplinarity, for self-development and autonomy of the student through different training tracks, in addition to the space classroom where integrate teaching, research and extension.

Keywords: Engineering Education. Skills and Competences.Continuous Education .

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