Superação nos tempos de UFC

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Superação nos tempos de UFC
As lições de antigos mestres parecem não ter tanta serventia hoje. Mas ajudaram a formar cidadãos conscientes e maduros que ainda agradecem as lições
Nesta época ultracompetitiva, em que a ética parece ser definida por exames e mais exames antidoping, é quase anacrônico comentar a postura de mestres de outrora, guiados por ideais menos agressivos e mais focados em formação de jovens.
Irei abordar neste pequeno texto passagens da história do mestre de karatê Yasuyuki Sasaki, com quem treinei durante alguns anos da década de 90, seja sob suas orientações ou de seus alunos, como Roberto Bahrum e o sensei Rodolfo.
Quando comecei no karatê, eu ainda tinha, apesar da idade (mais de 22 anos), enormes problemas de coordenação e de baixa auto-estima. O aprendizado consistia de aulas que sempre seguiam os mesmos passos: aquecimento e alongamento, ensino de golpes e katás ou lutas.
Sasaki sempre foi cordial no tratamento com os alunos. Mas já nessa época havia uma certa dúvida quanto à efetividade dos treinamentos pelo método Shotokan. Havia quem achasse que o karatê por esse método era muito formal e pouco focado em resultados (por exemplo, vitórias em lutas).
Sasaki, assim como Bahrum e Rodolfo, sempre centrou seus ensinamentos na formação dos lutadores. A intenção sempre foi a de, melhorando a técnica utilizada, aprimorar o caráter do aluno. Mas a luta era, sim, levada muito a sério. Golpes mais duros não eram necessariamente desincentivados. A luta era levada muito a sério.
Cheguei a fazer treinamentos em fins de semana, exclusivamente dedicados ao karatê, e a participar de campeonatos. Não me saía especialmente bem nem mal. Dedicava-me ao máximo, e isso ajudou a temperar meu caráter em relação ao sofrimento físico.
Sasaki não perdia tempo dissertando sobre filosofia de vida ou técnicas de meditação em aulas normais. Mas quem se interessasse podia ouvir palestras a respeito, quase sempre focadas em superação e autocontrole.
Um dia, peguei carona com o Sasaki. Ele me contou que, em sua época, ser professor de karatê equivalia a ter uma ocupação com o status de leão-de-chácara. O pai dele opôs-se fortemente ao desejo do filho. Mas este seguiu seu caminho. Em 2006, Sasaki foi agraciado cidadão paulistano.
Sasaki formou muitos alunos. Alguns deles foram campeões de karatê em vários níveis, e o próprio Sasaki chegou, em sua época, a 3º do mundo. Todos os seus alunos tornavam-se, visivelmente, mais sérios e conscientes de seu papel nas aulas e na relação com os outros alunos e lutadores.
Mas Sasaki nunca forçou nada. Quem queria fazer um ou outro semestre de treinamento não era desincentivado a isso. Quem mostrasse maior dedicação podia puxar os alongamentos e aquecimentos. Ele mesmo me escolheu várias vezes para a tarefa. Isso melhorou muito minha auto-estima. Afinal, eu sempre fora o pior em exercícios físicos. Mas naquela ocasião eu podia tentar puxar o trabalho como eu acreditava.
No único campeonato de que participei, fiquei em terceiro lugar, em luta por equipe. Eu estava com febre na ocasião, mas não desanimei e lutei mesmo assim. Sasaki não elogiava ninguém em especial, nem escolhia favoritos. Suas escolhas sempre foram discretas, mas nunca aparentava estar em crise quanto aos critérios usados em aula. Alunos mais afoitos que ensaiavam atitudes de desafios contra os professores eram tratados como lutadores, simplesmente. Se o aluno se dispusesse a encarar, não havia problema. O professor estava preparado.
Todo o aprendizado oferecido por Sasaki durante meus anos no karatê foi consistente e suas lições ficaram em mim até hoje. Mesmo saindo do karatê (com faixa roxa), nunca deixei de compartilhar com meus amigos o rigor e sabedoria contidos nos treinos e nas lutas travadas em aula ou treinamentos. Sasaki e Bahrum serviram para dar lustro a um aluno que mal sabia se mexer e que aprendeu a ter orgulho (e dúvida) de si mesmo.
Hoje, quando vejo as lutas de UFC ou de outras categorias, sinto certa saudade dos treinamentos e das lutas. Mas também percebo nas atividades atuais um foco excessivo na vitória e na agressividade muitas vezes não tão acompanhada de técnica. Há lutadores, claro, que privilegiam a técnica acima de tudo. Mas não sinto que são a maioria.
É curioso, mas quando lembro do Sasaki não lembro de um lutador – que ele sempre foi. Lembro dele, do Bahrum e do Rodolfo, como professores, dispostos a passar suas lições de vida e sabedoria para o aprimoramento da formação moral e ética dos alunos. Acho que foi isso que causou realmente a diferença em minha história. Os golpes, katás e descobertas não foram esquecidos, claro. Mas o que ficou foi algo maior: a convicção de que luta envolve critério e que nada justifica a violência pura e simples.


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