Surgimento de expressões usadas para relacionar design e sustentabilidade: aplicação de método de explicitação do discurso subjacente

October 1, 2017 | Autor: Mônica Carvalho | Categoria: Discourse Analysis, Design e sustentabilidade
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III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE

Surgimento de expressões usadas para relacionar design e sustentabilidade: aplicação de método de explicitação do discurso subjacente Mônica Maranha Paes de Carvalho1 e Alfredo Jefferson de Oliveira2

1. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

O debate acerca do significado do termo sustentabilidade vem sendo “apropriado por diferentes forças sociais que passam a lhe imprimir o significado que melhor expressa seus valores e interesses particulares” (LIMA, 2003, p. 107). Assim, existem os discursos oficiais, que são um desdobramento da proposta feita pela Comissão de Brundtland e pelas conferências da ONU e foram assimilados pelos empresários e pelas organizações não-governamentais, e existem os contradiscursos à versão oficial. Estes, por sua vez, apresentam concepções multidimensionais de sustentabilidade, que incluem princípios da democracia participativa e colocam a sociedade civil organizada em um papel de destaque na transição para a sustentabilidade, além de considerarem indispensável resolver os problemas de desigualdade social e incorporar valores éticos de respeito à vida e às diferenças culturais. Os variados discursos tiveram repercussões em diferentes práticas sociais, inclusive na área do design. Segundo Cardoso, “o ambientalismo tem passado por diversas fases na sua evolução histórica e cada uma destas correspondeu a uma visão diferente de como seria um design ambiental, ou ecodesign como querem alguns” (2008, p. 245). O autor identifica duas principais ondas de preocupações com o meio ambiente no campo do design, nas décadas de 1970 e 1980, respectivamente. Portanto, anteriores à disseminação do conceito de sustentabilidade. A primeira onda do movimento estava ligada à contracultura da década de 1970 e defendia uma ampla rejeição ao consumismo moderno, correspondendo assim à ideologia do ambientalismo da época, que se caracterizava pelas propostas de estilos de vida alternativos e da opção de não participar do sistema econômico e político vigente.

1

Mestranda

em

Design

pela

Pontifícia

Universidade

Católica

do

Rio

de

Janeiro.

[email protected] 2

Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituição de

Ensino Superior: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. [email protected]

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A segunda onda ocorreu com o aumento de estudos e denúncias sobre os impactos ambientais em decorrência de muitos acidentes que ocorreram na década de 1980, quando governos e empresas se viram pressionados a incluírem o meio ambiente em suas agendas. Naquela época, houve uma proliferação de produtos indicados na mídia e nas propagandas como “ecológicos” ou “verdes” e se começou a usar o termo “design verde”. No final da década de 1980, com a difusão dos princípios da ecologia, começaram a surgir referências à expressão “eco-design”, que significa design ecológico. Pretendiase fazer mudanças nos processos produtivos que causavam danos ambientais. Tais transformações podiam estar ligadas, por exemplo, ao uso de madeira certificada, à redução de recursos naturais, a melhorias no desempenho energético dos produtos, à reciclagem de materiais etc. A partir dos estudos de Magde (1997), podemos ver mais uma onda, a qual corresponde à propagação de outra expressão – o “design sustentável”. Segundo a autora, começaram a aparecer referências a este novo termo no final da década de 1990, em decorrência da difusão do conceito de sustentabilidade. Nessa época, retomou-se a discussão sobre responsabilidade ética e social que estava em pauta na década de 1970. Assim, além de continuar com as estratégias de redução dos impactos ambientais gerados durante os processos produtivos, o design sustentável também abordava questões relacionadas às desigualdades existentes entre países e enfatizava os princípios de equidade e participação.

1.1. O caso dos designers no Brasil No caso do Brasil, esse acompanhamento da expansão do ambientalismo e da difusão do conceito de sustentabilidade teve uma característica singular que refletiu dentro da área do design. Já na década de 1990, os dois movimentos que seguiam caminhos paralelos e independes se encontraram, como explica Capello:

De um lado o movimento social, dos intelectuais centrados em propor estratégias de inclusão e diminuição das desigualdades. Do outro, o ambiental, dos ativistas, que criavam programas de incentivo a produtos ecológicos e sistemas de certificação para impulsionar ações de redução de impactos no meio ambiente (2010, p. 257).

Segundo a autora, a primeira geração de ecodesigners e designers sociais no país nasceu com as crescentes preocupações acerca dos efeitos da perda de florestas, da poluição industrial e do descaso com resíduos urbanos, criando as bases para um design consciente:

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Madeiras caídas na mata, certificadas ou de reflorestamento ganharam ateliês e movelarias. O artesanato com matérias-primas naturais uniu o manejo sustentável dos recursos e a geração de trabalho e renda para comunidades carentes, antes desprovidas de esperança no amanhã. Juntos, o social e o ambiental formaram mais que o vocábulo socioambiental, mas um jeito novo de fazer design. (Capello, 2010, p. 257)

Atualmente, há uma quantidade significativa de designers que trabalham com grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade. O intuito dessas ações é aumentar a geração de renda dos grupos, melhorar sua qualidade de vida e valorizar sua identidade cultural e os conhecimentos tradicionais. Em muitos dos projetos, podemos encontrar referências à sustentabilidade em seus relatórios, sites e materiais de divulgação oficiais, notícias em jornais, premiações recebidas etc. Em alguns casos, por exemplo, trabalhase com manejo sustentável de recursos naturais, reciclagem e reaproveitamento de materiais. Com base nesses indícios, foi realizada uma pesquisa exploratória que teve como principal finalidade identificar e analisar o uso de expressões que relacionam design e sustentabilidade. Foram entrevistados 11 designers que fazem projetos a fim de promover a inclusão social e o desenvolvimento sustentável dos grupos produtivos com os

quais

eles

trabalham.

Buscou-se

compreender

como

os

próprios

designers

caracterizam sua área de atuação. O ponto de partida de todas as entrevistas foi a investigação da experiência profissional dos participantes. A partir disso, puderam ser extraídas informações sobre a opinião dos entrevistados acerca da expressão “design sustentável” e de outras que eles disseram preferir.

2. METODOLOGIA Os procedimentos da pesquisa de campo foram feitos com base no Método de Explicitação do Discurso – MEDS, desenvolvido por Nicolaci-da-Costa (2007, 2009a, 2009b) e empregado em diversas pesquisas (Romão-Dias, 2001; Ramalho, 2005; MatosSilva, 2011). Onze designers foram entrevistados – nove, individualmente, e dois, em conjunto – o que gerou um total de dez entrevistas.

2.1. Sujeitos A seleção dos participantes em pesquisas qualitativas pode ser feita segundo os princípios de homogeneidade ou de heterogeneidade. No caso do MEDS, normalmente se procura adotar o primeiro princípio, uma vez que o método é bastante utilizado para investigar

o

comportamento

de

um

grupo

com

características

específicas.

A

homogeneidade pode ser ampla ou fundamental. Na primeira, combina-se uma série de características que os entrevistados precisam ter em comum, como faixa etária,

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profissão, gênero, bairro onde mora etc. Na segunda, escolhe-se uma ou poucas características que os entrevistados precisam atender. Nesta pesquisa, foi utilizada uma amostra com homogeneidade fundamental. A única característica individual que os entrevistados precisaram atender foi: ser um profissional de design. Os outros critérios de recrutamento diziam respeito à sua atuação profissional, ou seja, os sujeitos foram escolhidos em função de projetos dos quais eles participam atualmente ou estiveram envolvidos no passado. Assim, esses projetos deveriam: (a) apresentar a promoção da sustentabilidade como um de seus objetivos em materiais institucionais e de divulgação (sites institucionais, notícias em meio eletrônico ou impresso etc.); ser citados como exemplos de design sustentável em artigos e livros; ou ter participado de prêmio ligado ao tema da sustentabilidade; e (b) visar à inclusão social, aumento de renda ou geração de trabalho de algum pequeno grupo produtivo em situação de vulnerabilidade (grupo de mulheres ou de jovens de baixo poder aquisitivo, grupo de costureiras, grupo de artesãos, grupo de pequenos agricultores, grupo de seringueiros, comunidade indígena etc.). As restrições de gênero, idade e tempo de atividade profissional foram consideradas irrelevantes. Com a finalidade de conservar o anonimato dos entrevistados, seus nomes próprios foram trocados por letras (de A a K) e foram omitidos os trechos dos depoimentos que facilitariam sua identificação. A partir desses critérios, foram recrutados onze designers, sendo dois homens e nove mulheres. Suas idades variaram entre a mínima de 26 anos e a máxima de 55 anos. Quatro entrevistados atuam como consultores em diferentes regiões do Brasil. Os demais pertencem (ou pertenceram) a instituições sediadas nos seguintes estados: Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal. A maior parte dos projetos descritos havia sido executada em diversos estados brasileiros – Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal. Quatro entrevistados relataram também projetos realizados no exterior – Argentina e Paraguai, na América do Sul, e São Tomé e Príncipe e Moçambique, na África.

2.2. Coleta de dados A coleta de dados nas pesquisas que fazem uso do MEDS se dão por meio de entrevistas

individuais

com

roteiro

semi-estruturado,

as

quais

podem

ocorrer

presencialmente ou pela internet. É dada grande importância à informalidade do contexto, para que os entrevistados se sintam relaxados e seus discursos fluam com naturalidade. Assim, acredita-se que eles possam ser mais espontâneos e revelem até mesmo ideias que considerem “politicamente incorretas”, o que dificilmente ocorreria em contextos mais formais. Nestes, seria possível que o entrevistado se autocensurasse ou,

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ainda, respondesse de determinada maneira apenas “por educação” (MATOS-SILVA, 2011, p. 95-96). Nesta pesquisa, as entrevistas foram feitas individualmente – com exceção de uma, em que dois participantes foram entrevistados ao mesmo tempo. Com relação ao ambiente, oito foram presenciais e duas foram realizadas através de um programa de computador que transmite voz e imagem. O roteiro foi construído a partir de entrevistas piloto e seus itens versavam sobre os seguintes tópicos: (1) nome; (2) idade; (3) ocupação; (4) experiência de trabalho; (5) descrição do(s) projeto(s); (6) opinião sobre a expressão “design sustentável"; (7) se usa essa expressão. Os itens não estavam em formato de interrogação, como seria comum em um questionário. Com isso, em cada entrevista as perguntas foram formuladas de uma maneira diferente, a fim de acompanhar o fluxo da conversa, respeitando, na medida do possível, a linha de raciocínio do entrevistado. As duas perguntas do roteiro que se referiam explicitamente ao termo “design sustentável” tiveram como objetivo investigar a opinião dos entrevistados acerca desta expressão e se a usam com frequência. Propositalmente, estes itens foram colocados na parte final do roteiro. O motivo para tal foi permitir que os entrevistados falassem livremente sobre seu trabalho na parte inicial e observar quais expressões eles mencionariam. Considerou-se que, caso estes dois itens viessem no início da conversa, estar-se-ia incluindo um vocabulário novo que poderia ser repetido de forma não natural. Dito de outra maneira, caso o entrevistado repetisse a expressão depois que as perguntas tivessem sido feitas, não haveria maneira de saber se ele possui ou não o costume de usar tais termos, ou se o fazia por ter sido estimulado.

2.3. Análise dos dados A análise dos depoimentos coletados foi feita em duas etapas: (a) a análise interparticipantes, na qual foram consideradas as respostas de todos os participantes, e (b) a análise intra-participantes, em que os depoimentos de cada um foram analisados individualmente. Na primeira etapa, as respostas de todo o grupo foram sistematicamente comparadas com o intuito de se buscar recorrências. Esta etapa permitiu que se tivesse uma visão geral dos depoimentos, indicando a dimensão social da questão. Aqui emergiram categorias êmicas3 as quais foram usadas para se chegar aos valores do grupo social pesquisado.

3

As categorias “êmicas” são aquelas que emergem das falas dos entrevistados. (NICOLACI-DA-

COSTA, 2007, p. 70).

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Na segunda etapa, fez-se uma análise sistemática dentro de cada um dos depoimentos, ou seja, cada entrevistado teve suas respostas comparadas em busca de inconsistências, contradições, novos conceitos e novos usos de linguagem. Além de indicar a dimensão pessoal, tal análise é considerada imprescindível, pois se acredita que as contradições dos depoimentos podem dar acesso ao discurso subjacente do indivíduo. Uma das formas de identificar as contradições que aparecem nos depoimentos é contrastar

informações

concretas

e

respostas

abstratas

que

são

dadas

pelos

entrevistados. Porém, é preciso levar em conta que há a possibilidade de que tal comparação não resulte em nenhuma inconsistência. Outra forma é procurar pelo uso de neologismos ou pelo emprego de palavras antigas com novos significados, os quais podem indicar conflitos psicológicos decorrentes de processos de transformações social (NICOLACI-DA-COSTA, 2009b).

3. RESULTADOS Já foi exposto que dois itens do roteiro referiam-se explicitamente à expressão “design

sustentável”.

O

primeiro

gerava

perguntas

para

saber

a

opinião

dos

entrevistados acerca dela, enquanto o segundo servia para obter uma informação mais específica – se os participantes a usavam de fato ou não. Uma vez que foram feitas perguntas abertas e foi estimulado que os participantes falassem livremente sobre o assunto, a partir dessas duas questões, aparentemente simples, levantaram-se muitas outras.

3.1. Design sustentável: uma expressão controversa Os discursos coletados mostraram que o termo “design sustentável” é pouco usado pelo grupo entrevistado e bastante controverso. Muitos participantes disseram discordar fortemente da expressão ou evitam usá-la por a considerarem incorreta, como pode ser visto nos depoimentos de dois entrevistados:

“O mercado avança com essa ideia do design sustentável. Não é bem isso. Não existe esse produto ainda, não existe esse design. Existe na teoria, mas a estrutura, o sistema, ainda não estão prontos para nada ser sustentável. Nós não sabemos como se faz as coisas sustentáveis.” (A) “A expressão ‘design sustentável’ eu acho um surto completo. (...) Porque o design não tem como ser sustentável. Sustentável em que sentido? (...) Porque eu acho que é muito purismo da minha parte também. Mas efetivamente eu não escrevo isso nos meus textos.” (B)

Mesmo o entrevistado C, que, a princípio, mostrou-se indiferente a esta questão, fez uma crítica ao termo:

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“Para te falar a verdade, não é que eu uso ou deixo de usar né? Não acho nem boa, nem ruim, eu acho... Não sei o que te dizer. (...) Não é ele [o design] que vai dizer se a coisa vai ser sustentável ou não. (...) então, para te falar a verdade, eu nunca usei.” (C)

Somente os entrevistados D, H e J afirmaram que não veem problema no uso do termo, sendo que um deles chegou a dizer que acha a expressão necessária. É interessante observar que, apesar de parecerem favoráveis ao uso da expressão de forma geral, eles não consideram que seus próprios trabalhos possam ser designados como design sustentável. Sendo assim, nenhum dos entrevistados da pesquisa fez uso dessa expressão para falar de sua área de atuação. Ao contrário do que aconteceu com o termo “design sustentável”, outra expressão explicitamente ligada à questão da sustentabilidade pareceu ter grande aceitação: design para sustentabilidade. Para entrevistada E, por exemplo, “o correto seria falar em ‘design para a sustentabilidade’.” Já a entrevistada F, quando perguntada sobre qual expressão seria mais adequada, afirmou: “Design e sustentabilidade. Né? No mínimo, assim!”. A mesma opinião foi ouvida nos discursos de dois entrevistados, mostrados a seguir:

“Eu escrevo ‘design para sustentabilidade’, ‘visando’, ‘em prol’, qualquer coisa assim sabe?” (B) “Então é melhor usar ‘sustentabilidade’ tanto para desenvolvimento sustentável quando para design sustentável.” (G)

A sustentabilidade foi descrita por alguns participantes como um ideal, uma meta ou uma utopia, o que possivelmente explica a preferência pelas expressões “para a”, “em prol de” ou “visando a”. Tal justificativa aparece claramente num depoimento:

“Porque olha só, sustentabilidade, desenvolvimento sustentável, é uma utopia, uma meta a ser alcançada, é uma realidade ideal e é um contrato moral de sociedade. A sociedade mundial, e é irreversível, decidiu por parâmetros morais que a gente vai seguir numa perspectiva de desenvolvimento sustentável. (...) a gente está em busca desse ideal de sustentabilidade (...). Então acho que dá para, eu acho que dá para falar de ‘design para a sustentabilidade’, visando à sustentabilidade”. (C)

Alguns entrevistados demonstraram certo desejo em comum, de que todo o design fosse sustentável, o que pode ser visto nos seguintes trechos de F e H:

“Não vejo nenhum sentido em pensar design sem pensar uma sustentabilidade disso, sabe?” (F)

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“Acho que é aquela coisa que a gente tem que parar de pensar no design sustentável como uma linha dentro do design. Mas tratar tudo que vem do design como design sustentável. Ter isso em qualquer projeto como um foco (...)” (H)

Contudo, a entrevistada H completou seu raciocínio dizendo saber que esta não corresponde à realidade atual, mas a um desejo para o futuro, como disse também a entrevistada E. Vejamos suas falas:

“Mas [por] enquanto isso ainda é uma utopia, porque a gente sabe que a maioria dos designers ainda não pensa, não colocam nos seus projetos essas questões sustentáveis.” (H) “(...) eu acho que, daqui a uns 20 anos, espero que a gente não precise mais falar nisso. (...) mas que as pessoas possam pensar nisso.” (E)

Foi percebido que estes entrevistados acreditam que não seria necessário usar expressões tão específicas como “design sustentável”, ou “design para sustentabilidade”, se todo designer pensasse nos impactos que os produtos por ele projetados geram ao meio ambiente e à sociedade. Em contrapartida, apareceu uma visão antagônica, a qual segmenta ou aproveita diferenças conceituais para

tentar diferenciar tipos de abordagem. Trata-se da

comparação entre ecodesign e design para sustentabilidade feita pela entrevistada C. Ela disse que o ecodesign está muito mais ligado a essa abordagem de ciclo de vida, ou seja, à análise dos impactos que os produtos causam ao ambiente natural em todas as etapas de seu ciclo de vida. Segundo a entrevistada, é mais complexo trabalhar com ecodesign, pois trata-se de uma abordagem na qual vários fatores precisam ser levados em consideração. Ela comenta que, contudo, esta abordagem se restringe muito ao item ecologia. Já o design para sustentabilidade é visto por ela como algo mais abrangente, um pensamento de integração, algo que engloba não apenas questões ecológicas, como também preocupações com o desenvolvimento econômico local, questões culturais etc. Alguns entrevistados enfatizaram a questão de se buscar outros caminhos, ou seja, de se propor soluções alternativas ao que se é feito atualmente pelos profissionais da área, a fim de resolver os problemas pelos quais estamos passando, ligados, por exemplo, ao consumo desenfreado e à poluição do ambiente natural. A entrevistada I pareceu otimista e disse que talvez esse discurso sobre design e sustentabilidade nos conduza a um novo caminho, no qual fosse possível “ir mudando com o auxílio da tecnologia”. Outro entrevistado também falou sobre buscar outros rumos, porém, não demostrou o mesmo otimismo:

“Tem caminho para ser menos poluente, tem caminhos onde o design pode colaborar. Mas aí é no universo das ideias, no universo das boas intenções que não

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dá dinheiro para ninguém. A estrutura montada hoje tem um custo, tem um movimento, tem uma sinergia. Não dá parar, descer e criar uma nova porque o caos gerado nesse parar, pensar e fazer uma nova, acabou o mundo. Então o menos ruim é ir aos pouquinhos melhorando. Se vamos ter tempo ou não... Não se sabe, vamos descobrir juntos lá na frente. Mas minha ideia de ver essa ideia de sustentabilidade é pensando diferente e não fazendo o que está sendo feito hoje.” (A)

Em algumas entrevistas, as soluções alternativas foram vistas como algo que poderia vir não dos designers, mas de pessoas comuns e até de grupos considerados à margem da sociedade, já que estes precisam “se virar” para atender suas necessidades:

“É você conseguir de um produto que existe, que você tem, é você achar um jeito de conseguir produzir aquilo que você precisa ou de fazer aquilo que você precisa com aquilo. Então assim, eu acho que a sustentabilidade está nisso também. Está nesse tipo de solução criativa que só quem está à margem, quem tem que ter essa criatividade, esse tal do jeitinho brasileiro. Todo mundo usa de uma maneira pejorativa, daquela pessoa que quer ganhar em cima dos outros ou que quer quebrar as regras. Mas tem uma questão de criatividade que eu acho difícil você ver em outros países. É uma coisa assim, aqui não é fácil, aqui você tem que dar um jeito. A ‘sevirologia’.” (G)

Um exemplo semelhante foi ouvido no depoimento da entrevistada J, que se surpreendeu com as pessoas das comunidades que ela visitou, devido à maneira como lidavam com os recursos que tinham e à sua capacidade de adaptação. Como já pôde ser percebido em alguns trechos apresentados até aqui, apareceu em diversos momentos a ideia de que a sustentabilidade – e, consequentemente, o design a ela voltado – engloba também aspectos de trabalho com comunidades, de resgate e valorização de identidade cultural, de território e de desenvolvimento local. Um comentário feito pela entrevistada I foi que, sua opinião, ela começou a fazer um trabalho mais ligado à sustentabilidade quando passou a entender o processo produtivo inserido no contexto da localidade e a pensar na comercialização dos produtos para o mercado local. Não pensava mais que aqueles produtos seriam apenas produzidos lá e que, posteriormente, seriam vendidos principalmente em grandes cidades, as quais, normalmente, estavam muito longe dos grupos que ela atendia:

“Então eu acho que a gente conseguiu nesse projeto ter no local... que eu acho que aí que a gente começa a falar um pouco de sustentabilidade. (...) E a gente já tinha abandonado a ideia de que o lucro viria do externo. E sim que o lucro tinha que vir dali e que eles tinham que conseguir ser sustentáveis dentro da própria cidade, com sua barraquinha na praça.” (I)

Neste caso, ela estava falando de um grupo que fazia artesanato voltado para o turismo local, pois se tratava de uma pequena cidade que recebia muitos turistas. Outra participante também mencionou alguns desses aspectos em um trecho de sua entrevista:

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“Sustentabilidade não é só o ambiental. Por saber disso, quando você faz alguma coisa voltada para o lado humano e para o lado social, e você quer que ele tenha melhoria da qualidade de vida, que ele possa ter uma ascensão ali naquele local que você está trabalhando. Você vê, a identidade... No meu trabalho eu não fujo da identidade deles então eu estou trabalhando na parte local, então por esses aspectos de território que aí eu vejo como fazendo parte da sustentabilidade. Porque também tem essa questão né, você trabalhar o local para depois você atingir os outros níveis (...). E as pessoas, porque quando a gente fala nos produtos também, como é economia solidária, que tem essa questão que não é o lucro sabe, é uma questão de um preço justo. Então também tem outros princípios que estão ligados aos princípios da sustentabilidade. Então assim, a questão do respeito, a questão do comprometimento com o ser humano, com a natureza, tem todos esses aspectos.” (D)

A entrevistada E disse que a sustentabilidade também está associada às ações de integrar os saberes populares e acadêmicos, de melhorar a qualidade de vida e de valorizar as pessoas e suas atividades. Em contrapartida, a entrevistada C fez uma crítica a projetos ligados às comunidades. Apesar de vê-los como uma postura de sustentabilidade, diz que, em algumas vezes, eles acabam deixando a desejar quanto ao lado ecológico:

“Claro, todo esse envolvimento de projetos ligados à comunidade é uma postura de sustentabilidade. Às vezes eles escorregam um pouquinho no ecológico. Porque ecológico é um pouquinho mais complicado.” (C)

Um trecho do depoimento da entrevistada F parece corroborar o comentário acima. Ela disse que a instituição onde trabalha, a qual lida com pequenos grupos de artesanato, apesar de também tentar abordar questões ambientais, possui um foco maior em questões sociais. Uma visão interessante, que também vai de encontro à última fala da entrevistada C mencionada, apareceu no discurso da entrevistada D. De acordo com esta última, para ser sustentável o projeto precisa ter o lado ambiental:

“Mas sustentabilidade para mim precisa do ambiental junto. Não só o humano. Se tiver o humano e o ambiental, ótimo. Agora se tiver só o humano eu fico meio assim. Se tiver só o político eu fico meio assim.” (D)

É interessante observar que, mesmo abordando questões de território, de identidade e de economia solidária ao atender os grupos, ela não considera seu trabalho como design para sustentabilidade, como pode ser observado em outro trecho de sua fala, após ter sido questionada se usa a expressão “design sustentável”:

“Lá na [instituição] na verdade eu não uso, esses grupos particularmente, não uso como sendo sustentabilidade. Eu não fiz nenhuma análise depois de descarte, resíduo, essas coisas.” (D)

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Devido ao fato de os questionamentos serem abertos o suficiente para permitir aos

participantes

que

falassem

livremente

e,

por

consequência,

sobre

o

que

considerassem mais importante, vieram à tona outras expressões.

3.2. Outras expressões A expressão “design social” foi citada em algumas entrevistas, sendo que três entrevistados a usaram para falar especificamente de sua área de atuação. Vejamos a seguir o que foi dito a este respeito. Uma das entrevistadas, apesar de ter se mostrado a favor do termo “design sustentável”, disse que se refere às ações que faz com os grupos na instituição onde trabalha como “design social” ou “interação com comunidades”, que é uma metodologia diferente da análise do ciclo de vida:

“Eu acho assim, quando você trabalha com o social você tem que ter uma metodologia muito mais de entender e compreender o ser humano do que fazer uma análise do ciclo de vida, por exemplo. (...) O social tem essa questão do tempo deles, do entendimento, se é isso mesmo, se essa solução vai fazer efeito. Às vezes que faz efeito com uma pessoa não faz com outra. Acho que é outra metodologia, mais participativa assim.” (D)

Outra afirmou que trabalha com o tema “design social” desde a época em que era estudante universitária, quando descobriu que queria

trabalhar no caminho da

transformação social. Falou que seu interesse está na transformação das pessoas, não das marcas:

“Então, essa transformação é diária, é diária. É na vida de cada uma delas que você vê a influência daquilo que você está falando, que você está fazendo (...). E eu falei que o meu foco era a transformação das pessoas, não das marcas. Eu lá quero saber de marca, meu? Eu quero saber das pessoas. São as pessoas que me interessam. Tudo bem, a gente tem que pensar nas pessoas que vão consumir as marcas e os produtos. Mas é uma relação muito mais interessante, a troca eu acho que é muito mais rica.” (G)

A designer K também disse trabalhar com “design social”, que é o foco de sua instituição, já que os projetos lá realizados visam à inclusão social de grupos que estão à margem da sociedade, por meio de melhorias como aumento de renda e da autoestima:

“O que a gente atua fortemente eu acho que é no design social. (...) A inclusão social tem sido o trabalho melhor que a gente tem feito. É pegar grupos que estão à margem da sociedade e a gente consegue que eles tenham alguma receita, melhorar autoestima. Existe realmente uma inclusão social, uma melhoria de várias formas. (...) Não deixa de ser um trabalho sustentável. Mas o foco da gente é o design social.” (K)

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Em mais de um momento de sua entrevista, a designer K defendeu que o design social é um grande mercado para profissionais da área, já que muitas empresas precisam fazer ações de responsabilidade social e deveriam contratar designers para ajudá-las nessas iniciativas. De todos os entrevistados que mencionaram a expressão “design social”, apenas uma disse discordar do uso do termo, citando o argumento de que todo o design é social:

“O que é o design social? O design ele é social. O design na origem ele é feito para as pessoas.” (J)

Além de “design social”, surgiram outros termos que alguns entrevistados disseram preferir: design socioambiental, foco no ser humano e design responsável ou consciente. Os designers A e I chamaram o trabalho que fazem de “design socioambiental”, pois tentam abordar os dois aspectos: social e ambiental. Posteriormente, quando se discutia sobre outros profissionais com perfis semelhantes aos deles, o designer A explicou que ele começou pela atenção ao meio ambiente e depois chegou a questões sociais, pois “uma coisa leva à outra”, o que disse ter acontecido também com outros designers.

“(...) disso que nós chamamos design socioambiental, não design sustentável, porque tentamos abordar essas 2 questões.” (A) “É, porque uma coisa leva à outra. Nós todos começamos pelo ambiente e o ambiente nos leva ao social porque é o segundo passo.” (A)

A entrevistada J pareceu procurar por uma definição que fosse bastante abrangente para seu trabalho e disse que seu foco é no ser humano.

“Na verdade, eu tenho conseguido me definir assim como uma designer que trabalha com o foco no ser humano assim. Então a minha ideia de gerar melhoria é mais ampla.” (J)

Em

grande

parte

das

entrevistas

foram

feitas

referências

às

ideias

de

responsabilidade e consciência, porém, a entrevistada que falou sobre isso de forma mais clara foi a designer F. Vejamos alguns trechos de seu depoimento nos quais ela discorreu sobre isso:

“Eu gosto mais das palavras ‘responsável’ e ‘consciente’ do que da palavra ‘sustentabilidade’.” (F)

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“Eu uso a palavra ‘responsável’ no sentido de... e ‘consciente’, no sentido de você compreender todas as conexões que aquilo que você está fazendo tem. Então, o consumo consciente e responsável é você compreender aquilo que você está consumindo. E você não está consumindo um objeto. Você está consumindo um objeto que é feito de coisas que vem de lugares e que pessoas estiveram em todos esses processos. Então, pra mim, consumir conscientemente e responsavelmente é buscar saber quais são essas histórias, quais são esses materiais, de onde eles vem, como eles chegaram até aqui e quem foram essas pessoas ou pelo menos como que essas pessoas trabalharam nisso. A mesma coisa pra produzir alguma coisa dentro do design.” (F)

Somente o entrevistado C não usou em momento algum de seu discurso uma expressão específica (como as citadas acima) para designar o tipo de design que faz. Ele se referiu a seu trabalho simplesmente como design, ou artesanato, dependendo do tipo de atribuição que teve em cada projeto.

4. CONCLUSÃO Apesar da expressão “design sustentável” ter se tornado usual, devido ao fato de facilitar a comunicação e divulgação dos objetivos dos projetos, os depoimentos coletados indicam que ela é controversa, pois seu uso foi tanto defendido quanto criticado pelos entrevistados. Contudo, nenhum deles caracterizou sua área de atuação desta maneira. Por outro lado, a expressão “design para sustentabilidade” se mostrou bastante aceita. O principal argumento em sua defesa é que o design não pode ser sustentável, mas ele pode contribuir para a promoção da sustentabilidade, que, por sua vez, foi vista como um ideal, uma meta a ser alcançada. Alguns

entrevistados

utilizaram

outras

expressões

para

caracterizar

suas

atuações, sendo que a mais citada foi “design social”, a qual apareceu como estreitamente ligada à promoção de inclusão social. Os outros termos mencionados foram “design socioambiental”, design com “foco no ser humano” e design “responsável e consciente”. Portanto, a presença de tantas denominações parece indicar que as referências à sustentabilidade feitas durante a divulgação de grande parte dos projetos estudados não corresponde à igual aceitação por parte dos designers envolvidos. Dito de outra forma, constatou-se que o grupo estudado se mostrou resistente à incorporação da qualificação “sustentável” – ou mesmo “para sustentabilidade” – à sua própria prática profissional.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CAPELLO, Giuliana. Ecodesigners e designers sociais. In: SANTANA, Pedro A. (Org.). Design Brasil: 101 anos de história. São Paulo: Abril, 2010, p. 257.

III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS) DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE

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