Sustentabilidade Demográfica e Desenvolvimento Territorial em Portugal

August 24, 2017 | Autor: Nuno Leitão | Categoria: Demography, Clustering and Classification Methods, Factorial Analysis
Share Embed


Descrição do Produto

‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia

Sustentabilidade Demográfica e Desenvolvimento Territorial em Portugal M. N. Oliveira Roca(a), Z. Roca(b), N. Leitão(c) (a) e-GEO Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, Universidade Nova de Lisboa, [email protected] (b) CeIED Centro de Estudos Interdisciplinares de Educação e Desenvolvimento, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, [email protected] (c) e-GEO Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, Universidade Nova de Lisboa, [email protected]

Resumo No modelo conceptual SUSTENDEMO, que se apoia na abordagem sistémica da sustentabilidade do desenvolvimento, a sustentabilidade demográfica compreende duas dimensões: (i) quantitativa; (ii) e qualitativa. Este modelo foi aplicado à realidade portuguesa com o objectivo de se elaborar uma tipologia de concelhos (conseguida através da aplicação de análises factoriais e de clusters). Concluiuse que, em 2011, 40% dos concelhos, maioritariamente no interior de Portugal Continental já não têm assegurada a sua sustentabilidade demográfica, quer quantitativa, como qualitativamente. Em 40% de outros concelhos, localizados, tanto na faixa litoral, como no interior, a sustentabilidade estava garantida, ou pela componente natural ou pela componente migratória da dimensão quantitativa; não obstante a qualidade do capital humano desses concelhos é fraco. Por fim, 20% dos concelhos, localizados em áreas metropolitanas ou de cidades de média dimensão, costeiras ou interiores, concentram a maior parte do capital humano do país, sendo demograficamente sustentáveis, sobretudo na perspectiva qualitativa. Palavras-chave: sustentabilidade demográfica, tipologia, desenvolvimento territorial, análise factorial, análise de clusters

1. Introdução A abordagem sistémica da sustentabilidade é a mais, comumente usada entre os investigadores e decisores nas áreas do desenvolvimento territorial. Nessa abordagem, a sustentabilidade é vista como um sistema equilibrado a longo prazo, constituído pelos subsistemas ambiental, económico e social, em interacção. Porém, nessa abordagem, a sustentabilidade demográfica é entendida de forma redutora (Thomson e Snadden, 2002), ou seja, como sendo apenas uma dimensão da sustentabilidade social. Porém, e uma vez que a população é essencial ao funcionamento da sociedade e da economia de um qualquer território, a sustentabilidade demográfica deve ser, também, encarada como um dos subsistemas da sustentabilidade (Lutz et al, 2002). Além disso, a própria sustentabilidade demográfica é, regra geral, concebida de um modo demasiado restrito, isto é, considera apenas o crescimento da população, a sua composição etária e por sexo. Autores como Sleebos (2003) e Kapitza (2004) definem a sustentabilidade demográfica como a manutenção de um tamanho constante da população, que corresponde, pelo menos, à sua reprodução simples, ou por outras palavras, à garantira da reposição quantitativa da geração antecedente. Outros reduzem esse conceito à relação entre a população em idade activa e pós-activa ou ao equilíbrio numérico entre sexos. Contudo,

680

‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia

como Lutz et al (2002:6) enfatizam, a sustentabilidade demográfica deveria, também abranger as características socioeconómicas da população.

2. Enquadramento conceptual-metodológico Neste

artigo

é

proposto

o

modelo

conceptual SUSTENDEMO para o estudo da sustentabilidade demográfica, o qual compreende duas dimensões de igual importância: (i) a quantitativa; (ii) e a qualitativa (ver Figura 1). A dimensão quantitativa

é

constituída

pelas

componentes do crescimento efectivo

Figura 1 – O subsistema da sustentabilidade demográfica

(natural e migratório), e pela composição por idade e sexo da população. De acordo com esse modelo, um território é, quantitativamente sustentável se houver uma relação óptima entre os sexos e faixas etárias quanto ao seu tamanho e crescimento. A dimensão qualitativa, por sua vez, corresponde às características socioeconómicas da população, nomeadamente, a educação, a qualificação profissional e a actividade económica. Essa dimensão é baseada no pressuposto de que a população constitui a totalidade do capital humano de um território, ou seja, os conhecimentos, as competências e as capacitações dos indivíduos. Assim, um território é demograficamente sustentável em termos qualitativos, quando a população possui uma estrutura socioeconómica equilibrada. As componentes de cada dimensão do subsistema da sustentabilidade demográfica interagem entre si. Também, as componentes da dimensão quantitativa influenciam as componentes da dimensão qualitativa e vice-versa. Deve ser, também mencionado que, a longo prazo, uma componente da sustentabilidade demográfica não pode compensar a outra, isto é, assegurar o equilíbrio desse subsistema. O modelo SUSTENDEMO foi aplicado à realidade portuguesa com o objectivo de se elaborar uma tipologia de concelhos de acordo com a sua sustentabilidade demográfica, a qual poderia ser considerada no desenho de políticas de desenvolvimento territorial. A análise incluiu os 278 concelhos de Portugal Continental e refere-se aos últimos períodos intercensitários, ou seja, 2001 e 2011. Neste período, relativamente curto, alguns factores que afectam o crescimento e as relações entre grupos etários podem ter sido mais fortes do que outros, provocando um efeito compensatório. Também, o contexto socioeconómico que caracterizou a primeira década deste

681

‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia

século, especialmente a sua segunda metade, a qual foi marcada pelo crescimento exponencial do desemprego e recrudescimento da emigração, pode ter influenciado, desfavoravelmente a formação e utilização de capital humano e, assim, a dimensão qualitativa da sustentabilidade demográfica. As variáveis “crescimento natural”, “migrações”, “sexo”, “idade”, “naturalidade” e “distribuição da população” foram seleccionadas para representar a dimensão quantitativa da sustentabilidade demográfica. As variáveis socioeconómicas “nível de instrução”, “actividade económica”, “situação na profissão”, “grupo socioeconómico”, “grupo de profissões” e “horas semanais de trabalho”, serviram para caracterizar a dimensão qualitativa. Para cada uma destas variáveis, foram construídos 35 indicadores que representavam, tanto o estado como a dinâmica das dimensões quantitativa e qualitativa da sustentabilidade demográfica. Os modelos estatísticos utilizados para obter a tipologia espacial foram a análise factorial e a análise de clusters1.

3. Os concelhos portugueses segundo as dimensões da sustentabilidade demográfica No Factor 1 (componente natural da dimensão quantitativa da sustentabilidade demográfica), que representa 43,6% do total da variância comum, a maioria dos indicadores que registam um peso factorial igual ou maior que 0,5 estão relacionados com o crescimento natural, a composição e as relações entre os grupos etários. Os outros indicadores representam as características socioeconómicas da população que estão fortemente correlacionadas com a composição etária como, por exemplo, a taxa de analfabetismo e a taxa de actividade. Os indicadores que compõem este factor estão polarizados, pois tanto há pesos factoriais elevados positivos como negativos. Por um lado, a proporção de população em idade pré-activa, a taxa de crescimento de população em idade activa, o índice de renovação da população activa, a taxa de crescimento efectivo da população e a taxa de actividade têm valores positivos elevados. Por outro lado, a percentagem de idosos, os índices de envelhecimento, de dependência demográfica dos idosos e de longevidade, bem como a taxa de analfabetismo registam pesos factoriais negativos elevados. No Factor 2 (componente migratória da dimensão quantitativa da sustentabilidade demográfica), que representa 16,4% do total da variância comum, quase todos os indicadores com valores positivos elevados exprimem a importância dessa componente, principalmente da imigração (proporção de população de naturalidade estrangeira que entrou no país entre 2006 e 2011; proporções de população de nacionalidade e naturalidade estrangeira). Estes indicadores estão correlacionados com aqueles que exprimem uma dinâmica demográfica favorável, tais como a taxa de crescimento da população com menos de 15 anos, o

1

Para informação detalhada sobre análise fatorial e de clusters ver Maroco (2003) e Rencher (2002).

682

‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia

saldo migratório e o índice de tendência. Por outro lado, o único indicador com valor negativo elevado é a proporção de emigrantes que regressaram ao país entre 2006 e 2011 no total das entradas nesse período. No factor 3 (dimensão qualitativa da sustentabilidade demográfica), que representa 10,6% do total da variância comum, todos os indicadores, excepto um, exprimem o nível de formação e de utilização do capital humano, traduzido nas características socioeconómicas da população. Foram registados valores negativos elevados nos seguintes indicadores: proporção da população entre os 30 e 34 anos com o ensino superior completo, proporção de profissões intelectuais, científicas e técnicas, proporção da população com ensino superior completo, proporção da população com pelo menos o ensino secundário completo e densidade populacional. Por outro lado, pesos factoriais positivos altos estão associados a altas proporções de população com ensino básico completo, mas que não frequenta mais o ensino (um indicador do abandono escolar) e a taxa de crescimento da população que trabalha menos de 35 horas mas, ao mesmo tempo, a taxas elevadas de crescimento da população que frequenta o ensino superior e de crescimento da população com profissões intelectuais, científicas ou técnicas. Os pesos obtidos pelos concelhos em cada factor (factor scores) foram utilizados como input para a

análise de clusters. Obtiveram-se, assim, quatro grupos de concelhos (ver Figura 2) que representam combinações de diferentes estados e dinâmicas das dimensões quantitativa e qualitativa da sustentabilidade demográfica (ver Figura 3).

Figura 3 – Médias fatoriais por cluster.

Figura 2. Tipologia de clusters.

683

‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia

O Cluster 1 é constituído por 115 concelhos, localizados nas regiões raianas e/ou serranas do interior de Portugal Continental. Este grupo apresentou a mais fraca dimensão quantitativa da sustentabilidade demográfica na componente do crescimento natural. São concelhos marcados pelo decréscimo populacional, por uma população envelhecida com uma taxa de analfabetismo bastante elevada. No passado, a ausência de oportunidades de emprego a par da falta de equipamentos de educação e saúde causaram fortes fluxos migratórios, dando origem às tendências demográficas negativas indicadas acima. O Cluster 2 é formado por 52 concelhos semi-rurais, em áreas litorais ou próximas do litoral das Regiões Norte (Minho-Lima, Cávado, Ave, Tâmega, Entre Douro e Vouga) e Centro (Baixo Vouga e Pinhal Litoral). Caracterizam-se pela industrialização difusa e pela agricultura como actividade secundária. Apresenta scores positivos elevados no factor 1, indicador de uma dimensão quantitativa forte na componente do crescimento natural. Por outro lado, a dimensão qualitativa da sustentabilidade está em risco, pelo menos, no curto prazo, atendendo às altas taxas de abandono escolar e ao crescimento da população empregada a tempo parcial. Esses concelhos são, também os que mais se destacam nas migrações de regresso. O Cluster 3 abrange o Porto, Lisboa e os concelhos suburbanos mais antigos da primeira coroa das suas áreas metropolitanas. Incluem-se ainda concelhos que abrigam cidades de pequena e média dimensão com funções administrativas, industriais ou comerciais, quase todas com universidades ou ensino politécnico. Distingue-se dos outros clusters por registar uma forte dimensão qualitativa da sustentabilidade, ou seja, um alto nível de desenvolvimento do capital humano. O Cluster 4 inclui 60 concelhos localizados, maioritariamente nas áreas periurbanas da Área Metropolitana de Lisboa, no Algarve, no Alentejo Litoral e em algumas áreas do Alentejo Interior. Destaca-se pela forte componente migratória da dimensão quantitativa. A importância dessa componente não se reflecte apenas de forma directa, mas, também, de forma indirecta corroborada por taxas elevadas de crescimento da população mais jovem, uma vez que a maioria dos imigrantes pertence aos grupos etários mais férteis. Contudo, também neste cluster a dimensão qualitativa é bastante fraca. Em suma, em 2011, em 40% dos concelhos (cluster 1), maioritariamente no interior de Portugal Continental, a sustentabilidade demográfica, tanto em termos quantitativos como qualitativos, já não estava assegurada. Em outros 40% dos concelhos (clusters 2 e 4), localizados na faixa litoral mas, também, no interior, a sustentabilidade é garantida ou pela componente natural ou migratória da dimensão quantitativa. Contudo, a sustentabilidade pode ser apenas garantida a curto e médio prazo, uma vez que, e como já foi referido, uma componente demográfica não pode compensar outra a longo prazo. Além disso, o nível de desenvolvimento do capital humano desses concelhos é fraco. Por fim, 20% dos concelhos,

684

‘A Jangada de Pedra’. Geografias Ibero-Afro-Americanas. Atas do XIV Colóquio Ibérico de Geografia

localizados nas áreas metropolitanas ou albergando cidades de média dimensão (cluster 3) concentram a maior parte do capital humano do país, sendo assim demograficamente sustentáveis, particularmente na sua dimensão qualitativa.

4. Considerações finais A fraca sustentabilidade demográfica de grande parte dos concelhos portugueses coloca em risco a própria sustentabilidade do desenvolvimento territorial. Esses territórios não apresentam massa demográfica crítica suficiente, em termos quantitativos e qualitativos, para que se desenvolvam actividades económicas diversificadas e funcionem equipamentos sociais e culturais básicos. Esse défice demográfico e as suas consequências para a sustentabilidade do desenvolvimento territorial tenderão a agravar-se se não houver a intervenção consertada de agentes locais e/ou externos dos sectores público, privado e da economia social. Nesse sentido, poderiam ser desenhadas e implementadas políticas a nível regional, de carácter económico, social e ambiental, com base no princípio da complementaridade na utilização de recursos humanos e de equipamentos e para o qual a massa crítica demográfica que conta é a regional e não a concelhia. Desse modo, estimular-se-ia o investimento produtivo ao mesmo tempo que a sobrevivência de equipamentos sociais e de protecção ambiental estaria assegurada. Assim, além de tornar possível a fixação da população natural dessas áreas, estariam criadas as condições para atrair pessoas mais instruídas e qualificadas, muitas desempregadas ou subempregadas, provenientes dos centros urbanos do litoral. Em suma, torna-se evidente que a noção de sustentabilidade demográfica deve ser integrada no desenho de políticas de desenvolvimento local e regional, as quais requerem coordenação a nível nacional uma vez que a sustentabilidade demográfica deve ser um objectivo comum de toda a sociedade portuguesa.

5. Bibliografia Kapitza, S. P. (1994). Education and information in a changing world. Helsinki, pp. 9-12. Lutz, W., Prskawetz, A. & Sanderson, W. (2002). Population and environment. New York: Population Council. Maroco, J. (2003). Análise estatística – com a utilização do SPSS. Lisboa: Edições Sílabo. Rencher, A. C. (2002). Methods of multivariate analysis. New York: A John Wiley & Sons, Inc. Rosa, M. J. V., Seabra, H. & Santos, T. (2004). Contributos dos imigrantes na demografia portuguesa – o papel das populações de nacionalidade estrangeira. Lisboa: FLAD/ACIME. Sleebos, J. E. (2003). Low fertility rates in OECD countries: facts and policy responses, Paris: OECD. Thomson, K. J. & Snadden, A. (2002). Developing a framework for assessing the contribution to rural sustainability of public policy in support of agriculture (annexes, vol. 4), Edinburgh.

685

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.