Sustentabilidade: uma palavra, muitas significações

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BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

Sustentabilidade: uma palavra, muitas significações Cristina Pontes Bonfiglioli1

1. Uma palavra, muitas histórias e algum consenso Qual é a quantidade mínima de terra capaz de sustentar a estrutura de solo de uma encosta durante chuvas torrenciais? Qual é a quantidade máxima de pessoas que uma trilha interpretativa em uma área de preservação florestal pode receber, sem que haja impacto ambiental elevado no entorno da trilha e na própria área de preservação? Qual é a quantidade máxima de poluição química que um lago ou rio consegue receber antes que a toxicidade ameace toda forma de vida orgânica em seu interior? Quantos indivíduos de uma população de animais selvagens (sejam eles salmões, caranguejos, baleias, elefantes, onças pintadas, focas ou caribus) ou de plantas nativas (em especial, árvores, como cedro, carvalho, jacarandá ou castanheira) podem ser abatidos/derrubados sem colocar em risco de extinção a espécie que representam? Qual é a quantidade máxima de matéria orgânica que pode ser despejada em um lago sem que ele entre em processo de eutrofização? Qual é a quantidade máxima de herbicida que pode ser utilizada sem colocar em risco o agricultor que o aplica, o lençol freático que o receberá pelo escoamento da água da chuva e o consumidor das frutas e hortaliças? De modo semelhante, qual é a quantidade de variedades agricultáveis que podem ser cultivadas conjuntamente, de maneira a evitar o uso indiscriminado de agrotóxicos, mas com a vantagem de garantir a segurança alimentar dos consumidores? Ainda, qual é a quantidade máxima de material particulado, em suspensão no ar, ou a concentração de ozônio, durante o inverno, capaz de ser suportada pelos habitantes de uma cidade, sem que haja uma incidência muito acima da média de internações hospitalares ou mesmo da média de mortalidade no período? Todas essas questões podem parecer simples de responder, pois dão a impressão de apontar para razoáveis equações matemáticas e/ou estatísticas, capazes de definir com precisão e segurança aquilo que se convencionou chamar em Ecologia de capacidade de carga (ODUM, 1971)2 e, mais tarde, de resiliência – um termo nascido na Física de Materiais, “que se refere à propriedade, de que são dotados alguns materiais, de acumular energia quando exigidos ou submetidos a estresse, sem ocorrer ruptura”3. Esse conceito é importante para diversas especialidades da Engenharia, como a Engenharia de Materiais, a Engenharia Mecânica e a Engenharia Metalúrgica, mas foi por intermédio dos ramos da Engenharia ligados ao manejo de recursos naturais – as Engenharias Florestal, Agronômica e de Pesca -

que o termo ganhou a

significação mais tarde apropriada pela Ecologia de Ecossistemas: Resilience is the capacity of a system to absorb disturbance and reorganize while undergoing change so as to still retain essentially the same function, structure, identity, and feedbacks. (…) the focus is on the dynamics of the system when it is disturbed far from its modal state. The notion of speed of return to equilibrium (Pimm 1991)4 leads to

Pesquisadora convidada e colaboradora do Átopos, doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e bolsista FAPESP de Pós-Doutorado junto ao FiloCom – Núcleo de Estudos Filosóficos da Comunicação da ECA-USP. 1

ODUM, E.P., 1971. Fundamentals of Ecology, 3ª ed. Sandeurs, Philadelphia, Pa. (Trad. portuguesa Fundamentos de Ecologia, 5ª ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997), Capítulo 7. 2

3

Wikipedia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Resili%C3%AAncia Acesso em: 23 Mai. 2011.

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PIMM, S. L. 1991. The balance of nature? University of Chicago Press, Chicago, Illinois, USA. (Referência da Citação). Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo, Julho/2011

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BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

what has been termed “engineering resilience” (Holling 1996)5 and, although related to one aspect of “ecological resilience,” cannot be considered as the measure of resilience. Because of the possibility of multiple stable states, when considering the extent to which a system can be changed, return time doesn’t measure all of the ways in which a system may fail - permanently or temporarily - to retain essential functions. It is also important to bear in mind that “systems” consist of nested dynamics operating at particular organizational scales - “sub-systems,” as it were, of households to villages to nations, trees to patches to landscapes.6 (WALKER et all., 2004)7.

De fato, como aponta VEIGA (2010), Até os anos 1980, o adjetivo “sustentável” era jargão de engenheiros agrônomos, florestais ou de pesca, para evocar a possibilidade de um ecossistema permanecer robusto e estável (resiliente), apesar de agredido por alguma exploração humana. O exemplo mais óbvio é o da pesca que não compromete a reprodução dos cardumes. Por extensão, alguns raros economistas se serviam do termo para exprimir a ideia de estabilidade da taxa de aumento do PIB, em oposição a crescimento econômico oscilante ou volátil. (VEIGA, 2010)8.

Hoje, opta-se, ainda, pela utilização de um outro termo derivado, porém mais amplo: o de biocapacidade ou capacidade biológica. Tal noção, está também relacionada à noção de resiliência e, conseqüentemente, de Sustentabilidade: Biocapacity measures how biologically productive land is. It is measured in ‘global hectares’: a hectare with the world average biocapacity. Biologically productive land includes cropland, pasture, forests and fisheries. 16% of the world’s biocapacity is in Brazil. The biocapicity of a territory is affected by physical conditions and people’s actions. A pertinent example of this is Iraq, the Mesopotamian marshes were once part of the fertile crescent. Much of this marshland has been drained and become desert. Trade sanctions and social upheavals also reduce people’s ability to use land productively. Iraq’s land is now estimated to be the least productive in the world.9 (WORLD MAPPER, 2006)10.

Essa noção de potencial de previsibilidade, numericamente calculável e quantificável, para o estabelecimento de um limite absoluto e único de capacidade de carga (resilência) ou para a determinação da

HOLLING, C. S. 1996. Engineering resilience versus ecological resilience. In P. C. Schulze, editor. Engineering within ecological constraints. National Academy Press, Washington, D.C., USA. (Referência da Citação). 5

“Resiliência é a capacidade de um sistema de absorver distúrbios e de se reorganizar enquanto submetido à mudança, de maneira a continuar a reter essencialmente a mesma função, estrutura, identidade e processos de retroalimentação. (…) o foco está na dinâmica do sistema quando é perturbado muito além de seu estado característico/inicial. A noção de velocidade de retorno ao equilíbrio (Pimm 1991) leva ao que foi cunhado como “resiliência de engenharia” (Holling 1996) e, apesar de estar relacionado a um dos aspectos de “resiliência ecológica”, não pode ser considerado como a medida de resiliência. Devido à possibilidade de múltiplos estados estáveis, quando se considera a extensão à qual um sistema pode ser alterado, o tempo de retorno não mede todas as maneiras pelas quais o sistema poderia fracassar – permanentemente ou temporariamente – para reaver funções essenciais. É também importante ter em mente que “sistemas” consistem de dinâmicas aninhadas operando em escalas organizacionais particulares – “sub-sistemas,” por assim dizer, de casas a vilarejos a nações; de árvores a pequenos pedaços de terra a paisagens.” (Tradução Livre). 6

WALKER, B., HOLLING, C. S., CARPENTER, S. R., KINZIG, A. (2004). Resilience, adaptability and transformability in social–ecological systems. Ecology and Society 9 (2): 5. Disponível em: http://www.ecologyandsociety.org/vol9/iss2/art5/ Acesso em: 23 Mai. 2011. 7

VEIGA, José Eli. Sustenatbilidade equivocada – gerações futuras e o discurso de hoje. Folha de São Paulo. Caderno Ilustríssima. 05 Set. 2010 Disponível em: http://zeeli.pro.br/artigos_folha/2010%20-%2009%20%20SUSTENTABILIDADE%20EQUIVOCADA.pdf Acesso em: 23 Mai. 2011. 8

“A Biocapacidade caracteriza uma área biologicamente produtiva. Essa caracterização é dada por uma medida em “hectares globais”: um hectare com a biocapacidade média mundial. Áreas biologicamente produtivas incluem plantações, pastos, florestas e áreas de pesca (rios, lagoas e áreas costeiras). 16% da biocapacidade mundial está localizada no Brasil. A biocapacidade de um território é afetada por condições físicas e pelas ações da população local. Um exemplo pertinente é o Iraque, onde as planícies inundáveis da Mesopotâmia formavam o crescente fértil [zona irrigada pelos rios Jordão, Eufrates, Tigre e Nilo]. Muito dessa área pantanosa foi drenada e se tornou desértica. Sanções comerciais e revoltas sociais também reduzem a habilidade de uma população local em usar a terra de forma produtiva. Estimativas indicam que o Iraque é considerado hoje o território de menor produtividade [e, portanto, biocapacidade] do mundo.” (Tradução Livre) 9

Projeto internacional colaborativo entre pesquisadores de quatro organizações: a Universidade do Michigan, nos Estados Unidos, e três instituições britânicas – a Universidade de Sheffield, o Leverhulme Trust, e a Geographical Association. Disponível em: http://www.worldmapper.org/posters/worldmapper_map321_ver5.pdf Acesso em: 10 Jan. 2011. 10

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BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

biocapacidade de uma área cultivável – seja o cultivo de peixes, de produção agrícola, pecuária, ou florestal - é a ideia central, embutida na significação bastante ampla, e muitas vezes considerada vaga, da palavra Sustentabilidade. Essa percepção de que o termo Sustentabilidade tem uma significação mais ampla do que a de resiliência ou capacidade de carga vem, de fato, da apropriação que sofreu durante a década de 80 do século XX. Do ponto de vista institucional, isto é, dos órgãos oficiais de onde um falar sobre meio ambiente ou sobre questões ambientais é politicamente validado e caracterizado como discurso ecológico, proferido com base em convenções e acordos multilaterais, o termo Sustentabilidade surge no documento Nosso Futuro Comum ou Relatório Brundtland., de 1987. A história que se poderia traçar a partir daí daria conta apenas dos vários encontros oficiais dos diversos órgãos da ONU que auxiliaram o processo de legitimação e fixação do termo nos veículos de informação e na população mundial. Um outro “começo” para buscar as origens do termo Sustentabilidade é o manejo florestal. Como veremos a seguir, em 1713, Hanns Carl von CARLOWITZ (1645 - 1714) publicou obra na qual define e usa, pela primeira vez na História, o termo Sustentabilidade (Nachhaltigkeit) e seus derivados (nachhaltige, nachhaltend). CARLOWITZ é considerado por muitos o fundador do campo do saber hoje estabelecido como engenharia florestal e também o criador do significado moderno do termo Sustentabilidade. Contudo, GROBER (2007) alerta que a noção de Sustentabilidade é uma derivação semântica de termos advindos do alemão (Nachhaltigkeit), do inglês (sustained yeld) e do francês (produit soutenu), cuja coesão de significação é resultado do aparecimento, de maneira concomitante nesses três países (Alemanha, Inglaterra e França) das ciências florestais, na segunda metade do século XVII: ‘Sustainability’ is a semantic modification, extension and transfer of the term ‘sustained yield’. This had been the doctrine and, indeed, the ‘holy grail’ of foresters all over the world for more or less two centuries. The essence of ‘sustained yield forestry’ was described for example by William A. Duerr11, a leading American expert on forestry: “To fulfill our obligations to our descendents and to stabilize our communities, each generation should sustain its resources at a high level and hand them along undiminished. The sustained yield of timber is an aspect of man’s most fundamental need: to sustain life itself.” A fine anticipation of the Brundtland-formula. The English term ‘sustained yield’, used since the middle of the 19th century, was a fairly literal translation of the German word ‘nachhaltig’. In its original version, the concept made its debut in print in a book published in 1713, more than 250 years before the Brundtland-Report. The ‘Sylvicultura oeconomica’, the earliest comprehensive handbook of forestry, was written by the German nobleman Hanns Carl von Carlowitz (1645 - 1714).12 (GROBER, 2007, p. 7)13.

DUERR, William A. The Role of faith in Forest Resource Management. In: RUMSEY, F.; DUERR, W. A. (Eds) Social Science in Forest. A Book of Reading. Philadelphia, W. B. Saunders, 1975. p. 35. (Referência da Citação). 11

“ ‘Sustainability’ (‘Sustentabilidade’) é uma modificação semântica, extensão e transferência do termo ‘sustained yield’ (‘rendimento sustentado’). Esta tinha sido a doutrina e, de fato, o ‘Santo Gral’ [Cálice Sagrado] dos engenheiros florestais/silvicultores em todo o mundo por mais ou menos dois séculos. A essência da ‘silvicultura de rendimento sustentado’ foi descrita, por exemplo, por William A. Duerr, um especialista norte-americano da engenharia florestal: “Para satisfazer nossas obrigações para com nossos descendentes e estabilizar nossas comunidades, cada geração deve manter/sustentar seus recursos em um alto nível e repassá-los [às gerações futuras] sem redução ou declínio. O rendimento sustentado da madeira de lei é um aspecto da necessidade humana mais fundamental: a de sustentar a própria vida.” 12 Uma admirável antecipação da fórmula Brundtland. O termo inglês ‘sustained yield’, usado desde a metade do século XIX, foi uma conveniente tradução literal da palavra alemã ‘nachhaltig’. Em sua versão original, o conceito fez sua estreia impressa em um livro publicado em 1713, mais de 250 anos antes do Relatório da Comissão Brundtland. A obra ‘Sylvicultura oeconomica’, o mais antigo e abrangente manual de silvicultura/engenharia florestal, foi escrito pelo aristocrata alemão Hanns Carl von Carlowitz (1645 - 1714).“ (Tradução Livre) 12

GROBER, Ulrich. Deep roots – A conceptual history of ‘sustainable development’ (Nachhaltigkeit). Berlin: 2007 (Wissenschaftszentrum Berlin für Sozialforschung gGmbH). Disponível em: http://www.umweltethik.at/download.php?id=373 e http://www.ssoar.info/ssoar/files/usbkoeln/2009/300/deeproots.pdf Acesso em: 06 Jan. 2011. 13

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É evidente, assim, que a noção atualizada de Sustentabilidade e sua derivação, a noção de desenvolvimento sustentável, sejam o resultado de uma convergência semântica de vários conceitos científicos, advindos das engenharias, da ecologia e da economia de tendência neoliberal, cujas bases teóricas e técnicas foram desenvolvidas e implementadas como práticas de gerenciamento e de gestão política dos chamados “recursos naturais”, desde o século XVII. Apesar de sua origem técnica, a adequação ou normalização do uso dos termos Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, e sua conseqüente disseminação pelo mundo ocidental moderno, são decorrentes de processos políticos multilaterais, que atingem o auge de sua caracterização durante a segunda metade do século XX, e, em especial, com a criação da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (a Comissão Brundtland), como, aliás, nos adverte VEIGA (2006): (...) desde 1987, um intenso processo de legitimação e institucionalização normativa da expressão “desenvolvimento sustentável” começou a se firmar. Foi nesse ano que, perante a Assembléia Geral da ONU, Gro Harlem Brundtland, a presidente da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, caracterizou o desenvolvimento sustentável como um “conceito político” e um “conceito amplo para o progresso econômico e social”. O relatório ali lançado com o belo título Nosso futuro comum foi intencionalmente um documento político, que procurava alianças com vistas à viabilização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a “Rio-92”. (...) O que fez surgir essa expressão foi o debate – principalmente americano, na década de 60 – que polarizou “crescimento econômico” versus “preservação ambiental”, inteiramente impregnado por um temor apocalíptico da “explosão demográfica”, mesclado ao perigo da guerra nuclear ou da precipitação provocada pelos testes. (VEIGA, 2006, p. 113)14.

Dessa forma, a principal significação atribuída ao termo Sustentabilidade tem sido, então, a de que encerra a percepção humana sobre o risco de escassez de recursos naturais para sua sobrevivência e a necessidade de poupá-los para gerações futuras. Sob a alegação de que há o risco de instalação da barbárie15, ou seja, de perda de governabilidade por parte dos países ocidentais devido aos efeitos devastadores a serem provocados pelo aumento do risco de catástrofes ambientais no mundo todo, - o que pode vir a desestabilizar o sistema econômico e financeiro hegemônico -, a noção da Sustentabilidade impõe-se como solução lógica, prática, “óbvia” e central, seja do ponto de vista técnico, político ou cultural. O termo parece, ainda, operar como motor de uma nova metanarrativa contemporânea – a da “busca pela Sustentabilidade”, que, ao ser institucionalizada pela ONU e por seus diversos ‘organismos’, em especial o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), torna aceitável e desejável a promoção de iniciativas de políticas públicas ou inovação tecnológica que, por sua vez, criam e legitimam novos termos “parentes” ou sinônimos como Green Economy, Environmental Governance, Green Procurement, Ecosystem Management, Renewable Energy, Low Carbon Economy, Climate Neutrality.16 A abordagem da genealogia do termo Sustentabilidade implica assumir e aceitar que ambos os termos Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável não podem ser pensados fora do contexto socioeconômico e cultural que os inventou17. Ainda que seja possível reinventar esses conceitos e nos apropriarmos deles para VEIGA, José Eli. Como pode ser entendida a sustentabilidade. In: VEIGA, José Eli. Desenvolvimento Sustentável – o desafio do século XXI. Rio de Janeiro, Garamond, 2006. p. 109-172. 14

Por barbárie, entendemos “o colapso do humano e sua regressão a uma violência despida de significado” (MATTÉI, JeanFrançois. A barbárie interior: ensaio sobre o i-mundo moderno. São Paulo, Editora UNESP, 2001.). 15

Respectivamente Economia Verde, Governança Ambiental, Licitações Públicas Verdes, Manejo (ou Gestão) de Escossistemas, Energia Renovável, Economia de Baixo Carbono, Neutralidade Climática. 16

Nesse sentido, um estudo genealógico do termo Sustentabilidade necessitaria fazer um esforço de visitar um grande conjunto de formações discursivas e enunciados que constituem esse “falar sobre o meio ambiente” ou sobre a “Natureza”. Para 17

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continuar a forçar nosso pensamento e nossas ações acerca das tão prementes questões socioambientais de nosso tempo, é de fundamental importância reconhecer que o contexto ao qual nos referimos é o da construção simbólica de um falar sobre a “Natureza”, como salienta Joseph BEAUDE na apresentação do livro de LENOBLE (1990): Não existe uma Natureza em si, existe apenas uma Natureza pensada. É ilusório representar a “história da humanidade como se se desenrolasse no seio de uma natureza que nada lhe devesse. Que em aparência a coisa se apresenta exatamente assim, é indiscutível. Todo o drama humano consiste justamente em escolher entre aparência e realidade. Veremos, aliás, que a natureza é uma realidade porque pode tomar um sentido espiritual, obrigando a humanidade a refletir sobre si mesma. Mas isso não faria que a natureza existisse se não fosse relativa ao espírito. Pois a história mostra-nos que só uma extrapolação esquematizante permite imaginar que a natureza tem um sentido qualquer independentemente da representação dos sujeitos pensantes”. A ‘natureza em si’ não passa de uma abstração. Não encontramos senão uma idéia de natureza., que toma “sentidos radicalmente diferentes segundo as épocas e os homens”. É bom, pois, que tentemos apreender estas significações diversas que a ideia tomou no decurso das idades. (BEAUDE, 1990, p. 17; In: LENOBLE, 1990)18.

É justamente essa tentativa de construção de um mapa que contenha todas (ou a maioria delas) as “significações diversas que a ideia tomou no decurso das idades” e as formações discursivas constituintes da genealogia do termo Sustentabilidade, isto é, todos os textos e os conceitos de pensadores que auxiliaram a construção dessa ideia, que DJALALI & VOLLAARD (2008)19 apresentam uma metanarrativa gráfica sobre a história do sistema de pensamento ecológico, a qual denominam “A história complexa da Sustentabilidade” (Figura 1).

compreender a ampla rede de relações e remissões criadas por esse discurso ecológico, caberia a tarefa de abordar, por exemplo, os textos que constituem a ‘naturalis historia’ , atribuídos a Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), Teofrasto (372 a.C. - 287 a.C.) e Plínio, o Velho ( 23/24-79 d.C.), passando pela sistemática natural, de Linneu (Systema Naturae, 1735), e abordando, ainda: as noções de seleção natural e de adaptação estabelecidas por Darwin em A Origem das Espécies (1856); a construção dos princípios de biogeografia vegetal e animal por Wallace (The Malay Archipelago, 1869); a invenção da noção de holismo, por Jan Christiaan Smuts (Holism and Evolution, 1926); a noção de sistemas biológicos, desenvolvida por Ludwig von Bertalanffy (Teoria Geral dos Sistemas, 1952). Além disso, seria preciso tratar da construção: dos conceitos de sistemas termodinâmicos e de entropia, de Sadi Carnot (Reflections on the Motive Power of Fire, 1824) e Rudolf Clausius (On the Moving Force of Heat and the Laws of Heat which may be Deduced Therefrom; 1850); da invenção da palavra ecologia, pensada em substituição aos termos ‘biologia’/’história natural’, proposta por Haeckel (Gennerelle Morphologie der Organismen, de 1866) e cuja aparição sofreu, por sua vez, remissões de saberes da Filosofia (monismo espinozista), da Biologia (Teoria da Evolução das Espécies, de Darwin) e do Romantismo alemão (Schelling e a Naturphilosophie); e da noção de defesa dos direitos civis, implicada nas obras de autores do Transcendentalismo norteamericano, em especial, Thoreau e sua obra Walden (1848). Haveria, ainda, a demanda para cobrir as Teorias Econômicas que abordam com maior ou menor intensidade questões sobre desenvolvimento e sustentabilidade. Isso nos faria passar pelas principais obras de Thomas Robert Malthus, John Stuart Mill (Principals of Political Economy, de 1848), David Ricardo, Adam Smith e adentrar a “querela” entre Gifford Pinchot e John Muir, que institucionalizou e legitimou a diferença técnica entre os termos conservação e preservação, cuja distinção orienta, por exemplo, a classificação e o zoneamento interno do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza do Brasil. Precisaríamos visitar a noção de ‘Reverência à Vida’ (“Ehrfurcht vor dem Leben") de Albert Schweitzer (Civilization and Ethics, de 1923), para quem Rachel Carson dedicou o seu Primavera Silenciosa (Silent Spring, de 1962); percorrer o pensamento ambientalista de Aldo Leipold em seu Pensar como uma Montanha (A Sand County Almanac, de 1949), além de rever o processo de construção das teorias econômicas que deram início aos estudos da Economia Ecológica (Ecological Economics) e as diferenças entre esta área e a economia ambiental de Alfred Marshall, Arthur Cecil Pigou, e Ronald Coase. Enquanto os trabalhos destes últimos levaram à criação do U.S. Clean Air Act, de 1990, - cujo conceito de cap-andtrade inspirou a criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL, ou CDM – Clean Development Mechanism), principal instrumento do Protocolo de Kyoto, os estudiosos da economia ecológica reabilitaram Nicholas Georgescu-Roegen (The Entropy Law and the Economic Process, de 1971), introduziram a noção de entropia nos processos econômicos e desenvolveram a teoria do estado estacionário (popularmente conhecida como “Teoria do Decrescimento” ou the Steady-State Economy, de Herman E. Daly). Ainda, a economia ecológica viu surgir a noção de Ecodesenvolvimento, de Inacy Sachs (Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir, de 1981), a economia evolutiva de Kenneth E. Boulding (Evolutionary Economics, de 1981) e os avanços teóricos promovidos por Robert Costanza (Ecological economics: The science and management of sustainability, de 1991). BRAUDE, Joseph. Apresentação. In: LENOBLE, Robert. História da ideia de Natureza. Lisboa, Edições 70, 1990. p. 1124. 18

19DJALALI,

Amir and VOLLAARD, Piet. The Complex History of Sustainability: An index of Trends, Authors, Projects and Fiction. Volume#18, Dec. 2008. Disponível em: http://volumeproject.org/blog/2008/12/19/volume-18/; http://issuu.com/archis/docs/thecomplexhistoryofsustainability?mode=embed&viewMode=presentation&layout=http%3A% 2F%2Fskin.issuu.com%2Fv%2Flight%2Flayout.xml&showFlipBtn=true e http://issuu.com/archis/docs/thecomplexhistoryofsustainability/1?mode=a_p Acesso em: 10 Jan. 2011. Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo, Julho/2011

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BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

A figura ilustra o entrecruzamento de incontáveis enunciados, representados por vários campos de expressão cultural. Do ponto de vista logocêntrico, há, no centro do gráfico, os filósofos, físicos, economistas, cientistas naturais, biólogos e demais pensadores clássicos, modernos e pós-modernos, cujos nomes estão ‘plotados’ em linhas de confluência coloridas. Acima e abaixo dessa área central, há as formações discursivas de, digamos, menor reforço do logos e maior apelo ao pathos: títulos de filmes, jogos eletrônicos, livros de ficção e romances seguem a linha do tempo na borda inferior do gráfico, enquanto os títulos de grandes obras e projetos arquitetônicos acompanham a linha do tempo pela borda superior do gráfico. São os produtos culturais estéticos, digamos, contornando a área central da figura. O gráfico aponta, sem dúvida alguma, para a imensa complexidade (MORIN, 1990)20 característica do termo, que se consagrou como substantivo máximo de uma era, entendido como sinônimo da noção de unidade ecológica planetária a ser conquistada ou atingida. A Sustentabilidade pode ser meta civilizatória, motivação para organizações da sociedade civil, desafio tecnológico para a indústria, disputa política em órgãos da ONU, alvo de marketing para o consumo e para a imagem de praticamente todas as corporações contemporâneas, sejam elas governamentais ou privadas. É essa polivalência do termo que nos atordoa e nos instiga. Veremos, a seguir, alguns dos princípios, noções ou conceitos que possibilitaram a fundamentação teórica da palavra Sustentabilidade durante o século XVII. Acredita-se que, a partir dessa conceituação formal, seja possível ver surgir na Europa mercantilista uma escola do “bem gerir os recursos naturais” de uma nação. Esse enfoque de administração pública dos bens naturais institucionaliza-se nos séculos seguintes por meio do desenvolvimento cada vez mais eficiente de práticas e metodologias científicas aplicadas ao crescimento ou à manutenção das áreas florestadas21 europeias, o que levará, muito mais tarde, ao aparecimento do ambientalismo – primeiro como forma de rebater, em relação ao comportamento humano, a preponderância do genético em detrimento do ambiental e depois como uma ética em relação a tudo o que é vivo, ideia presente com maior ou menor intensidades em todas as obras do Romantismo alemão, do Transcendentalismo norte-americano e, mais tarde, na Ética de Albert SCHWEITZER (1875 -1965), no embate Pinchot versus Muir, na origem do Sierra Club, na Ecosofia de Arne NAESS (1912-2009) e no pensamento de Rachel CARSON (1907-1964).

É desse modo que se percebe a possibilidade de se atribuir à palavra Sustentabilidade usos como sinônimo de Ecologia e Ecossistema e observar sua “migração semântica” para gestar significados em campos de saber tão diversos como os que, hoje, chamamos de Ecologia Política, Justiça Ambiental, Biologia da Conservação, Direito Ambiental, Economia Ecológica, Ambientalismo22 e, é claro, 20

MORIN, Edgar. La Méthode. 6 volumes. Paris, Editions du Seuil. 1977; 1980; 1986; 1991; 2001; 2004.

A maioria das tecnologias e técnicas florestais atualmente empregadas na produção madeireira realizada por estratégias de manejo sustentável tem origem nesse período. 21

Existe uma preocupação na produção acadêmica brasileira em precisar as significações para os termos ‘ambientalismo’ e ‘ecologismo’. Percebe-se uma tendência do uso de ‘ecologismo’ como sinônimo de ‘ecologismo profundo’, que defende a ruptura com os modos de produção e consumo do capitalismo avançado, sendo considerado subversivo e radical, em oposição ao uso de ‘ambientalismo’, referido como o discurso ecológico empresarial ou governamental, ou seja, o discurso ecológico apropriado pelas instituições do sistema econômico hegemônico. Estas diferenças de significação aparecem em LAYRARGUES, 2000; VIOLA e LEIS, 1991; e LEIS, 1991. Tal distinção técnica parece estar relacionada à disputa teórica e política entre Gifford PINCHOT (1865-1946) e John MUIR (1838-1914), iniciada em 1896, devido à decisão do primeiro de permitir o pastoreio de ovelhas em reservas florestais. PINCHOT era, então, Chefe do Serviço Florestal dos Estados Unidos, formado na 22

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BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

Desenvolvimento Sustentável. Nesses usos estão implícitos saberes advindos das ciências ecológicas e econômicas (biogeografia, biologia da conservação, ecologia humana, fitosociologia, etologia, ciências florestais, agronomia, economia política, engenharia de pesca), das filosofias sobre a ética ambiental e o direito da Natureza, das teorias econômicas ecológicas e dos textos jurídicos. Todos esses saberes constroem e constituem as operações discursivas características da experiência de se viver a chamada crise ambiental ou ecológica cada vez mais evidenciadas neste início de século XXI.

Europa entre 1889 e 1890, na École Nationale Forestière, em Nancy, França, no período de expansão do Cameralismo alemão e das escolas nacionais florestais, cuja fundamentação teórica era a obra de CARLOWITZ. De acordo com GROBER (2007), PINCHOT fora treinado por Dietrich BRANDIS (1824 - 1907) nas mais avançadas práticas de manejo florestal da época, adotadas em florestas e bosques da Alemanha, Áustria e Suíça. Para GROBER, é também de PINCHOT a defesa da posição técnica acerca do “wise use”, isto é, o uso dos recursos naturais para o bem maior, do maior número de pessoas, pelo mais longo período de tempo. Esse conceito sustentou a plataforma do movimento conservacionista norte-americano, especialmente após a cisão entre PINCHOT e MUIR, que defendia a preservação total de paisagens e regiões naturais, isto é, o não-uso dos recursos naturais de determinadas regiões que fossem consideradas especialmente importantes do ponto de vista da biodiversidade ou da beleza natural. Foi defendendo esse ponto de vista, que MUIR convenceu, o então presidente, Theodore ROOSEVELT (18581919) a criar o Yosemite National Park em 1890. Importante ressaltar que a disputa entre PINCHOT e MUIR atingiu seu ápice, em 1897, durante a polêmica sobre a construção da represa de Hetch Hetchy Valley, área localizada dentro do Yosemite National Park, com o objetivo de garantir o abastecimento de água para a população, em franco crescimento, da cidade de São Francisco. A construção da represa foi finalizada em 1923 e, hoje, ela fornece água e energia elétrica para cerca de 2,4 milhões de californianos em São Francisco, São Mateo e outros condados menores. O Sierra Club, organização fundada por MUIR, é uma das muitas entidades preservacionistas que defende, ainda hoje, a remoção da represa. (Wikipedia. Acesso em 30 Jun. 2011; GROBER, 2007; STEIGUER, J. Edward. The Origins of Modern Environmental Thought. Tucson, The University of Arizona Press, 2006). Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo, Julho/2011

102 BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

Figura 1. The Complex History of Sustainability. DJALALI & VOLLAARD (2008)

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103 BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

2. “Scarcity as the mother of invention”23: o aparecimento da Sustentabilidade como ideia e como vocábulo. A Europa do século XVII viu o fortalecimento do mercantilismo e a continuidade do período das grandes navegações. Inglaterra, Holanda, Itália, Alemanha e França têm grande crescimento econômico, graças ao conjunto de medidas que garantia grande controle e intervenção do Estado na economia. Tais práticas baseavam-se no acúmulo de metais preciosos, no protecionismo comercial, na garantia de matérias-primas para uma indústria manufatureira em crescimento e o intenso incentivo ao comércio exterior com base nos excedentes da produção. O período marcado pelas ideias mercantilistas viu surgir, também, uma forma de administração pública, o Cameralismo, inicialmente restrito à Alemanha, mas que passou a ser a doutrina dominante na arte do bem governar. Surgidas com o Renascimento na Itália, as ideias cameralistas espalharam-se pelas principais monarquias europeias, que já se encontravam mobilizadas politicamente pela Restauração inglesa, promovida e implementada pelo Rei Carlos II, a partir de 1660, e pelo mercantilismo francês de Jean Baptiste Colbert (1619-1683), conselheiro do rei Luís XIV (o “Rei-Sol”), Intendente de Finanças e Secretário da Marinha Real. Foi, também, nesse quadro de referências que surgiram as primeiras ideias sobre a relevância que a ciência e a tecnologia poderiam ter para o progresso da civilização e dos Estados Nacionais Modernos, que tinham sido estabelecidos ao longo do século XV: Western modernity and the belief in progress are almost synonymous. During the Renaissance ideas of cyclical recurrence were propagated, but Reformation thinkers recovered their belief in the linear progress of humanity (Nisbet 198024: 103, 117 – 119). In 1683 the French scientist Fontenelle first articulated the Great Idea of Progress, i.e. ‘that mankind with the new science and improved technology had entered on a road of necessary and unlimited progress’ (Von Wright 199725: 3). During the Enlightenment and its aftermath (1750 - 1900) the idea of progress reached its zenith in the Western civilization and as a result of the work of Turgot, Condorcet, Saint-Simon, Comte, Hegel, Marx, Spencer and many others became the dominant idea of the period (Nisbet 1980: 171). The link between progress and modern, empirical, and exact science was consolidated and the conviction that science was the golden avenue to the future and would give humankind mastery over nature grew stronger (Nisbet 1980: 208; Von Wright 1997: 3, 4).26 (PISANI, 2006) 27.

23

“A escassez como a mãe da invenção.” (Tradução Livre).

24

Nisbet R. 1980. History of the idea of progress. London: Heinemann.. (Referência da Citação).

Von Wright GH. 1997. Progress: Fact and fiction. In: Burgen A, McLaughhlin P, Mittelstrab J, (eds). The idea of progress. Berlin: Walter de Gruyter, pp 1 – 18. (Referência da Citação). 25

“A modernidade ocidental e a crença no progresso são quase sinônimos. Durante o Renascimento, ideias de recorrência cíclica foram propagadas, mas os pensadores reformistas recuperaram sua crença no progresso linear da humanidade (Nisbet 1980: 103, 117 – 119). Em 1683, o cientista francês Fontenelle foi o primeiro a articular a Grande Ideia do Progresso, i.e. ‘que a espécie humana, com o auxílio da nova ciência e do desenvolvimento da tecnologia entrou numa rota do progresso necessário e ilimitado’ (Von Wright 1997: 3). Durante o Iluminismo e suas consequências (1750 – 1900), a ideia de progresso alcançou seu ápice na civilização ocidental e como resultado do trabalho de Turgot, Condorcet, Saint-Simon, Comte, Hegel, Marx, Spencer e muitos outros tornou-se a ideia dominante do período (Nisbet 1980: 171). A ligação entre o progresso e a ciência exata, moderna e empírica foi consolidada e a convicção de que a ciência era a avenida dourada para o futuro e poderia dar ao Homem o domínio sobre a natureza cresceu fortemente.” (Tradução Livre). 26

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104 BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

Tendo em vista o cenário político, econômico e científico de meados do século XVII, todas as grandes monarquias começam, quase que simultaneamente, a vislumbrar os primeiros sinais de uma crise energética, devido à escassez de madeira para a construção naval e civil, a renovação das embarcações avariadas e o fornecimento de carvão vegetal para a nascente indústria manufatureira e a metalurgia. Timber was an strategic resource. Most of the new manufactures would heavily depend on sufficient and reasonably-priced char-coal. The continual growth of foreign trade, a decisive element of mercantilist economy, was impossible without an efficient merchant navy. Commerce was considered a form of warfare. It demanded protection by an armada of warwessels.28 (GROBER, 2007, p. 13).

PISANI (2008) lembra, ainda, que, Wood was both as fuel and construction material an indispensable raw material up to at least the 18th century and it was used in almost all production processes. Georg Agricola (195029: 8), a German mining engineer, described the negative impacts of woodcutting and mining on wildlife as early as the 16th century. By the 18th century, because of the massive consumption of wood for ship-building, mining and many other purposes, a shortage of wood became a very real danger in Europe. Fears that such a shortage would threaten the basis of people’s existence stimulated a new way of thinking in favour of the responsible use of natural resources in the interest of the present and future generations, very similar to the thinking behind sustainable development today (Van Zon 200230: 19, 20, 55 – 56, 58 – 66).31 (PISANI, 2006, p. 85-86).

Na Inglaterra, John Evelyn (1620-1706), renomado escritor e paisagista da corte do Rei Carlos II, fora indicado, em 1662, pela Royal Society32, - instituição a qual ele ajudara a fundar dois anos antes -, a liderar uma equipe de nobres especialistas da época, para lidar com a questão da redução de madeira disponível para a construção naval, a pedido dos altos comissários da British Royal Navy. Segundo GROBER (2007), Those fears were not unfounded. Since 1500, Britain had been continually losing much of her woodlands and house-building material. New glass factories and ironworks consumed huge amounts of charcoal, their only fuel. During the Civil War (1642 –1651) many of the PISANI, Jacobus A. Du (2006) 'Sustainable development - historical roots of the concept', Journal of Integrative Environmental Sciences, 3: 2, 83 — 96 Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/15693430600688831 Acesso em: 10 Fev. 2011. 27

“A madeira de lei era um recurso estratégico. A maioria dos produtos manufaturados dependia pesadamente de carvão vegetal fornecido de maneira suficiente e a preços razoáveis. O crescimento contínuo do comércio estrangeiro, um elemento decisivo para a economia mercantilista, era impossível sem uma marinha mercante eficiente. O comércio era considerado uma forma de combate, pois demandava proteção por uma armada de navios de guerra.” (Tradução Livre). 28

Agricola G. 1950. De re metallica. Translated from the first Latin edition of 1556 by Herbert Clark Hoover and Lou Henry Hoover. New York: Dover. (Referência da Citaçâo). 29

Van Zon H. 2002. Geschiedenis & duurzame ontwikkeling. Duurzame ontwikkeling in historisch perspectief: enkele verkenningen. Nijmegen/Groningen: Werkgroep Disciplinaire Verdieping Duurzame Ontwikkeling. 30

“Até o final do século XVIII, a madeira de lei constituía matéria-prima indispensável, como combustível e como material para construção, sendo utilizada em praticamente todos os processos produtivos do período. Já bem antes disso, no século XVI, Georg Agricola (1950: 8), um engenheiro de minas alemão, descreveu os impactos negativos do corte de lenha/derrubada de árvores e da mineração sobre a vida selvagem. No século XVIII, devido ao consumo intensivo de madeira de lei para a construção naval, a mineração e várias outras atividades, a diminuição da disponibilidade de madeira tornou-se um perigo bastante real para a Europa. O medo de que tal redução pudesse ameaçar o modo de vida da população européia estimulou uma nova forma de pensar em favor do uso responsável dos recursos naturais, tendo em vista os interesses das gerações presentes e futuras, muito similar ao pensamento por trás da noção atual de desenvolvimento sustentável. (Van Zon 2002: 19, 20, 55 – 56, 58 – 66).” (Tradução Livre). 31

A Royal Society of London for Improving Natural Knowledge, também conhecida por Royal Society é uma associação de especialistas voltada para a promoção da ciência em geral. Ela é considerada uma das mais antigas associações desse tipo. Inicialmente proposta para ser um local para pesquisa e debate, atua, hoje, como conselheira científica do governo britânico, recebendo auxílio financeiro do Parlamento para custear pesquisas e incentivar empreendimentos científicos. (Tradução e Adaptação Livres. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Royal_Society Acesso em: 30 Jun. 2011.) 32

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105 BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

traditional feudal laws and customs protecting the woods had collapse or were abandoned. As the countryside was more and more deforested, a potentially disastrous resource crisis came in sight.33 (GROBER, 2007, p. 8).

Em 16 de fevereiro de 1664, Evelyn apresentou ao rei, à Royal Society e ao público sua obra ‘Sylva or a Discourse of Forest Trees and the Propagation of Timber in His Majesties Dominions’. O livro foi, desde então, reeditado com revisões e ampliações inúmeras vezes, sendo reconhecido largamente como uma publicação da área florestal. GROBER (2007, p.9) destaca que “the book became a 17th century best-seller and instigated, according to Evelyn’s remarks in later editions, the planting of millions of trees all over England. It tackled the timber problem in a way that certainly went beyond the schemes of the Royal Navy.”34 A obra é descrita por GROBER (2007) como um abrangente ensaio sobre o conhecimento dendrológico da época. A obra combinava descrições detalhadas de numerosas espécies arbóreas tais como carvalho, olmo, faia, azevinho e cedro, trazendo instruções precisas de como e quando plantá-las, transplantá-las, podá-las e derrubá-las de modo a aumentar a beleza das florestas e o valor de mercado das madeiras de lei. O lema apaixonado de Evelyn era “Let us arise then and plant!” [“Levantemo-nos, então, e plantemos!” ] inspirado em exemplos de bem-sucedidos projetos de recuperação e conservação florestal na Europa da época, como a Floresta de Nuremberg, na Alemanha, o Bosque de Montello, no norte da Itália, e mesmo a legislação de Luxemburgo que não permitia que um fazendeiro derrubasse uma árvore de madeira de lei sem que fosse obrigado a plantar outra em seu lugar. À medida que descreve práticas como as dos donos de terra na França e na Alemanha, os quais dividiam os bosques e as florestas em oitenta partições, derrubando árvores apenas de uma delas, de modo a garantir que nenhuma madeira de lei fosse derrubada em menos de oitenta anos, o livro aborda os métodos básicos dos primórdios do rendimento florestal sustentado (sustained-yield forestry). Segundo GROBER (2007), numerosas citações, que vão da Bíblia a autores clássicos gregos e romanos, tais como Plínio, o Velho, Virgílio, Ovídio e contemporâneos de Evelyn como Nikolaus Cusanus, Philipp Melanchthon e William Shakespeare, são utilizadas em sua argumentação. A partir de seu levantamento e sua experiência pessoal como paisagista da corte, Evelyn deduz algumas aplicações. Ele recomenda, por exemplo, o deslocamento da indústria metalúrgica da Velha Inglaterra para os territórios densamente florestados da Nova Inglaterra, isto é, as colônias norte-americanas. Contudo, para GROBER (2007), o principal apelo de Evelyn – e o leitmotiv de seu livro – é considerar o problema dos interesses das gerações futuras, ou seja, o problema da posteridade. Para Evelyn, cada geração é “non sibi soli natus”35, ou seja, não nasce apenas para si mesma, para sua própria sobrevivência e crescimento, mas também com a responsabilidade de garantir a prosperidade das gerações futuras, da posteridade. Neste sentido, Evelyn desenvolve a ética de uma sociedade responsável e prudente: “Esse medo não era infundado. Desde 1500, a Grã-Bretanha continuava a perder grandes áreas florestadas e material para a construção civil. Novas fábricas de vidro e siderurgias consumiram enormes quantidades de carvão vegetal, o único combustível da época. Durante a Guerra Civil (1642 –1651), a maioria das tradicionais leis feudais e dos costumes voltados para a proteção das florestas e bosques entrou em colapso e foi abandonada. À medida que o campo era cada vez mais desflorestado, uma crise potencialmente desastrosa de recursos veio à tona.” (Tradução Livre). 33

“O livro tornou-se um campeão de vendas no século XVII e instigou, de acordo com as anotações de Evelyn em edições mais tardias, o plantio de milhões de árvores por toda a Europa. O livro atacava o problema da escassez da madeira de lei de um modo que certamente estava além dos esquemas da Marinha Real.” (Tradução Livre). 34

“Homo non sibi soli natus, sed patriae, sed suis. [Cícero, De Finibus 2.45, adaptado] O homem não nasceu só para si, mas para a pátria, mas para os seus.” Disponível em: http://www.hkocher.info/minha_pagina/dicionario/h04.htm Acesso em 30 Jun. 2011. 35

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“... men should perpetually be planting, that so posterity might have Trees fit for their service... which it is impossible they should have, if we thus continue to destroy our Woods, without this providential planting in their stead, and felling what we do cut down with great discretion, and regard to the future”36 (EVELYN apud GROBER, 2007, p. 11).

Praticamente no mesmo período em que Evelyn publicava Sylva, a França de Luís XIV começava a enfrentar também os mesmos problemas que os ingleses em relação à escassez dos recursos naturais fundamentais para a manutenção de seu desenvolvimento econômico: (…) Historians of forestry estimate that in the few decades since the beginning of the 17th century, the size of the woodlands in France had diminished from about 35% of the nation’s territory to roughly 25%.37 (GROBER, 2007, p. 13-14)

O alarme soou em 1661. GROBER (2007) explica que uma instrução do Rei Luís XIV interrompeu a venda de madeira de lei proveniente de florestas reais, pois o jovem Rei-Sol, preocupado com o “rétablissement de la navigation” [“restauração da navegação”] em seu país, entendeu – e expressou em uma declaração escrita à mão “combien il était nécessaire de faire un bon ménage des bois” [“quão necessário é fazer um bom manejo das florestas”] (GROBER, 2007, p. 12). Autor de diversas práticas econômicas específicas do mercantilismo francês, coube também a Jean Baptiste Colbert, a ideia de aperfeiçoar radicalmente o manejo do suprimento de madeira de lei e das florestas. Como Secretário do Tesouro e da Marinha Mercante e Naval, mas especialmente como homem de confiança do rei, Colbert foi responsável pela implementação de uma impressionante “réformation des forêts” por acreditar que a França pereceria devido à escassez iminente de madeira de lei. Até 1661, a marinha francesa era praticamente inexistente, enquanto seus grandes rivais ingleses e holandeses já possuíam avançadas forças navais. Luís XIV e Colbert reconheciam esse ponto fraco em sua estratégia reformista e por isso decidiram que a construção de navios tornar-se-ia uma prioridade. Assim, para assegurar o fornecimento de carvalho e outras madeiras de lei aos recém-construídos estaleiros, a devastação das florestas do país precisava ser interrompida ou dramaticamente minimizada o quanto antes. A reforma, supervisionada pessoalmente por Colbert, teve início em 1662 com uma investigação sobre a condição das florestas reais. Essa iniciativa resultou em um inventário geral sobre as regiões florestadas da coroa. Durante os anos seguintes, uma enorme coleção de relatórios e de dados estatísticos foi reunida, fornecendo um estudo detalhado da localização e da quantidade de áreas florestadas, as espécies e idades das árvores, as áreas autorizadas para pastagens, os direitos de corte/derrubada de árvores e o valor monetário das derrubadas. De acordo com GROBER (2007), o quadro revelou aquilo que o governo real considerava um abuso grave das propriedades do Rei, pois com a ajuda de oficiais corruptos, a apropriação

“Os homens devem permanentemente plantar para que a posteridade possa ter árvores saudáveis a seu serviço... algo que será impossível garantir a eles, se continuarmos a destruir nossas florestas sem plantio preventivo em seu lugar e se derrubarmos o que precisamos sem grande discrição e consideração pelo futuro.” (Tradução Livre). 36

“Historiadores da silvicultura estimam que dentro das poucas décadas desde o início do século XVII, o tamanho das áreas florestadas da França, que representavam cerca de 35% do território nacional, diminuíram para aproximadamente 25%.” (Tradução Livre). 37

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ilícita dos direitos de corte e a derrubada ilegal de florestas tornaram-se procedimentos corriqueiros.38 As áreas florestadas da coroa estavam sendo implacavelmente

superexploradas por especuladores,

comerciantes de madeira e residentes adjacentes às florestas, por pequenos senhores feudais, pela baixa nobreza proprietária de terras e, também, pelos mendigos, pequenos criadores de animais, pobres sem-terra e vadios. GROBER (2007) esclarece que, assim que o quadro desolador tornou-se mais evidente, um conjunto de medidas foi desenhado para colocar um fim em tais abusos e para garantir o poder e o controle austero do governo sobre as florestas reais. Dessa forma, Colbert almejava o restabelecimento e a conservação das áreas florestadas da França, reduzindo a pressão do uso de maneira a adaptar o consumo de madeira de lei à capacidade de manutenção das florestas. O lema “La réduction des usages à leur possibilité” [“a redução do uso para a possibilidade delas (as florestas, mesmas, e as gerações futuras)”] foi promovido como uma diretriz severa. Foram criadas regulamentações contra o corte-raso, ordenando aos silvicultores para deixar árvores com menos de 10 anos e um certo número de velhas sementeiras39 intocadas. O esboço final da “grande ordonannce forestière” [a grande organização florestal] incluía muitos detalhes burocráticos, especificando a idade mínima dos silvicultores, a cobrança de multas por vadiagem, incêndios criminosos etc.. As reformas decisivas pretendiam: 1) substituir oficiais ‘desnecessários’ por silvicultores competentes, que obtinham a jurisdição sobre florestas privadas ou públicas; 2) reduzir o pastoreio de rebanhos nas florestas; 3) reorganizar o sistema de vendas de madeira de lei; 3) estabelecer um controle rígido sobre os direitos de uso das áreas florestadas, especialmente a abolição geral do antigo direito de uso livre de lenha. GROBER (2007) aponta para o contraste nítido e óbvio entre os métodos de administração de Colbert e a estratégia de Evelyn de mobilizar seu próprio grupo social, os proprietários de terra da baixa nobreza inglesa. Contudo, apesar dessa diferença, o preâmbulo do texto francês evidencia a presença da ideia de responsabilidade pelas gerações futuras: “Il ne suffit pas d’avoir rétabli l’ordre et la discipline, si par de bons règlements on ne les assure pour en faire passer le fruit à la posterité.”40(DEVÈZE, 196241, p. 55 apud GROBER, 2007, p. 15). A nova ‘ordonnance’ entrou em vigor em 1669 e causou sucesso imediato. Durante os dez anos seguintes, os rendimentos reais com as vendas de madeira de lei aumentaram consideravelmente. Porém, o triunfo não foi duradouro. Fazer cumprir as novas regras e fiscalizar os procedimentos adotados tornaram-se ‘un veritable travail des Sisyphe’ [um verdadeiro trabalho de Sísifo]. Devido à apatia e à negligência da administração pública francesa, aos individualismos locais e à força de velhos costumes, ‘la grande réformation des forêts’ realizou muito pouco ou quase nada. Infelizmente, às vésperas da Revolução de 1789, havia menos áreas florestadas na França do que em 1669.

Situações como esta continuam a ser realidade em praticamente todas as grandes áreas florestadas do planeta. Estudo recente sobre o tema pode ser encontrado em DRIGO, Isabel Garcia. As barreiras para a implantação de concessões florestais na América do Sul: os casos de Bolívia e Brasil. Tese de Doutorado. Programa de Ciências Ambientais da USP. São Paulo, 2010. 38

Também chamadas “árvores-mães”, as sementeiras são fundamentais, pois são árvores mais velhas com capacidade de produzir sementes que serão aproveitadas para novos plantios, auxiliando o processo de reflorestamento. 39

“Não é o suficiente ter restaurado a ordem e a disciplina, se por meio dos bons regulamentos não se pode assegurar passar o fruto à posteridade.” (Tradução Livre). 40

DEVÈZE M. Une admirable reforme administrative: La grande reformation des foretsr oyales sous Colbert (1662-1680). Annales de L'École Nationale des Eaux et Forêts de la stationde Recherche et Expériences. Nancy, École Nationale des Eaux et Forêts, 1962. (Referência da Citação). 41

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À luz dos acontecimentos na Inglaterra e na França, não é de se estranhar o aparecimento de outra publicação fundamental relacionada ao manejo de florestas e à garantia de provisão de recursos florestais na Alemanha do século XVIII. Fortemente organizada com base no Cameralismo, que ali tomou formas extremamente rebuscadas42, a Alemanha também via com preocupação o risco de redução de suas florestas e seus efeitos maléficos na economia. GROBER (2007) esclarece que o transporte de madeira de lei, desde as distantes florestas nas montanhas de Erzgebirge, para uso como carvão-vegetal nas minas e fábricas siderúrgicas localizadas nos sopés das montanhas, tornou-se uma questão-chave para a economia do país. As áreas rodeando as cidades mineradoras foram totalmente desnudadas de bosques e florestas devido aos longos períodos de superexploração madeireira. In 1665, a year after the publication of ‘Sylva’, while Colbert’s ‘grand réformation’ was well underway, Carlowitz set off for his ‘grand tour’ of Europe. (…) He was in Leyden, the Dutch bastion of early ‘European Enlightenment’, when Spinoza’s pantheistic philosophy that claimed the identity of God and Nature (deus sive natura) was the talk of the town.43 (GROBER, 2007, p. 17)

Em 1770, Carlowitz regressou de sua viagem pela Europa e pelos 30 anos seguintes, trabalhou como oficial de alto escalão do governo para a administração das minas de prata da Saxônia, em Freiberg. Segundo GROBER (2007, p.8), “Carlowitz had two important sources and models: a folio-sized book published in 1664 in London: John Evelyn’s Sylva and Jean-Baptiste Colbert’s Ordonnance of 1669, concerning the royal forests of France.”44

Para KEITH (2006) “Cameralism was a form of academic pedagogy aimed at the future administrators of the eighteenthcentury German territorial states. As a written discourse it was embodied in the several hundred textbooks produced for use by students in German, Austrian, and Baltic universities between the 1720s and the 1790s. The first chairs dedicated to it were founded in 1727; the period 1760–80 saw its consolidation and diffusion, but during the later 1790s it entered a phase of terminal intellectual and institutional decline. The name persisted up to the end of the nineteenth century as a synonym for the economics of state administration, although its function had long been displaced by faculties of law, and its substance by Nationalökonomie. Its very nature and purpose as a pedagogic discourse rendered it unsuitable for contemporary translation into English, French, or Italian; consequently it had no manifest resonances among those writers who provided the foundations of political economy. Moreover, commentary upon it has been to this day largely confined to the German language, placing it therefore on the margins of Anglo-French eighteenth-century studies.” (TRIBE, Keith. Cameralism and the sciences of the state. The Cambridge History of Eighteenth-Century Political Thought. Eds. Mark Goldie and Robert Wokler. Cambridge University Press, 2006. Cambridge Histories Online. Disponível em: http://histories.cambridge.org/extract?id=chol9780521374224_CHOL9780521374224A020 Acesso em; 05 Jul. 2011) - “O Cameralismo foi uma forma de pedagogia acadêmica voltada para os futuros administradores dos estados territoriais alemães do século XVIII. Como discurso escrito, agregou várias centenas de livros-textos produzidos para uso de estudantes nas universidades da Alemanha, Áustria e Bálcãs [região que hoje compreende Albânia, Bósnia, Herzegovina, Bulgária, Grécia, República da Macedônia, Montenegro, Sérvia, Kosovo, Croácia, Romênia, Eslovênia e Trácia, a porção da Turquia que está situada no continente europeu] entre os anos 20 e 90 do século XVIII. As primeiras cátedras dedicadas ao Cameralismo foram fundadas em 1727; o período de 1760 a 1780 viu sua consolidação e difusão, mas durante o final do século XVIII (anos 1790), o Cameralismo entrou em uma fase terminal de declínio intelectual e institucional. O nome persistiu até o final do século XIX como sinônimo para ‘Economia da Administração do Estado’., embora sua função tenha sido deslocada para as Faculdades de Direito e sua substância para a Nationalökonomie [Economia]. Sua própria natureza e finalidade como discurso pedagógico tornava-o inadequado para a tradução contemporânea em inglês, francês ou italiano; conseqüentemente, o Cameralismo não possuía nenhuma ressonância evidente entre aqueles autores que forneceram os fundamentos teóricos da economia política. Além disso, a produção de explanações e comentários sobre ele tem sido extremamente restrita à língua alemã, deixando-o, portanto, em posição marginal nos estudos anglo-franceses sobre o século XVIII. “ (Tradução Livre). 42

“Em 1665, um ano após a publicação de ‘Sylva’, enquanto a ‘grand réformation’ de Colbert estava em andamento, Carlowitz partiu em sua ‘grand tour’ pela Europa. (…) Ele esteve em Leyden, bastião holandês do início do ‘Iluminismo Europeu’, quando a filosofia panteística de Espinoza, que afirmava a identidade entre Deus e a Natureza (deus sive natura), era o assunto do momento.” (Tradução Livre). 43

“Carlowitz tinha duas fontes e modelos importantes: um livro in-fólio [no qual a folha de impressão é dobrada ao meio, resultando cadernos com quatro páginas - no passado, páginas de 22cm x 32cm] publicado em 1664, em Londres: Sylva, de John Evelyn, e a Ordonnance de Jean-Baptiste Colbert, impressa em 1669, referente às florestas reais da França.” (Tradução Livre). 44

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109 BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

Apesar de Carlowitz nunca ter mencionado o nome, nem feito citações ao livro, para GROBER (2007) é altamente provável que tenha estado em contato com os círculos de pensadores e especialistas ao redor de John Evelyn e, em vista de seu interesse por silvicultura, tenha conhecido ‘Sylva’, uma vez que o livro que Carlowitz escreveu, já idoso, está repleto de pistas indicando que ele estudou cuidadosamente a publicação, marco do pensamento sobre o manejo florestal. Foi desse modo, então que, em 1713, Carlowitz publicou sua obra Sylvicultura eoconomica. Anweisung zu wilden Naumzucht (Sylvicultura eoconomica. Instruções para o cultivo de árvores nativas.). Em linhas gerais, Carlowitz criticizes the contemporary short-termed way of thinking which was centred solely on making money: woodland was being cleared because agriculture seemed more profitable than forestry. The common man had no motivation to plant trees, knowing he would not harvest them in his lifetime. He wasted timber, thinking the supplies were inexhaustible. Once the forests were ruined, however, the revenues would cease for many years to come. In the name of apparently quick profits, unrepairble damage had been done. (…) Against the devastation of the forests, Sylvicultura oeconomica puts up the strict rule: “Daβ man mit dem Holtz pfleglich umgehe” [that we use timber with care, p. 87]. The term ‘pfleglich’ is – according to Carlowitz – an ‘age-old term’ meaning ‘oeconomically’, but also indicating the need to care for the renrewal of forests that had been cleared. A balance should be reached between renewal and cutting so that timber could be used for ever, continously and perpetually.45 (GROBER, 2007, p. 18-19; itálico nosso).

Conforme aponta GROBER (2007), na opinião de Carlowitz, o termo tradicional “pfleglich” parecia expressar de maneira insuficiente a idea da necessidade de se utilizar os recursos naturais com moderação e visando o longo prazo. Ao discutir como alcançar tal tipo de conservação de modo a produzir madeira de lei garantindo seu uso contínuo, estável e sustentável ["wie eine sothane Conservation und Anbau des Holtzes anzustellen, daß es eine continuirliche beständige und nachhaltende Nutzung gebe“ (CARLOWITZ, 1713 apud GROBER, 2007, p. 19)], o termo “nachhaltend” ou “nachhaltig” aparece com a significação moderna atual pela primeira vez na história. Outros aspectos importantes na obra de Carlowitz são os modos como ele conceitua aquilo que entende por “Natureza”. Segundo GROBER (2007), Carlowitz caracteriza o ambiente natural como “suave” e “gentil” mãe-natureza, mencionando o “poder do sol em dar a vida”, a “vegetação maravilhosa” e o “admirável espírito provedor de alimentos da vida dentro do solo”. Carlowitz coloca a aparência externa das árvores em um contexto de forma interna, “a assinatura e a constelação do céu, abaixo do qual elas florescem e verdejam”, com sua “matriz”, a Mãe-Terra e sua obra natural. A Natureza, para Carlowitz, é “indizivelmente bela” e insondável, mantendo aspectos alheios ao Homem. Contudo, acreditava ser

“Carlowitz critica o modo contemporâneo de pensar a curto prazo centrado somente em fazer dinheiro: as áreas florestadas estavam sendo removidas, porque a agricultura parecia mais lucrativa do que a silvicultura. O homem comum não tinha motivação para plantar árvores, sabendo que não faria sua derrubada em vida. Ele desperdiçava a madeira de lei, imaginando que seu suprimento era inesgotável. Quando as florestas estivessem arruinadas, porém, a fonte de renda deixaria de existir por muitos anos. Em nome do lucro aparentemente rápido, um dano irreparável estava sendo feito. (…) Contra a devastação das florestas, ‘Sylvicultura oeconomica’ traz à cena a regra austera: “Daβ man mit dem Holtz pfleglich umgehe” [que nos utilizemos da madeira de lei com cuidado, p. 87]. O termo ‘pfleglich’ é – de acordo com Carlowitz – um ‘termo antigo’, significando ‘oeconomically’ [econômico, em português, no sentido de “caracterizado pelo uso cauteloso, eficiente e ponderado dos recursos materiais, evitando desperdícios”], mas também, indicando a necessidade do cuidado com a renovação das florestas que já tinham sido derrubadas. Um equilíbrio deveria ser alcançado entre a renovação e a derrubada de maneira que a madeira de lei pudesse ser utilizada para sempre, isto é, continuamente e perpetuamente.” (Tradução Livre). 45

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110 BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

possível “ler o livro da Natureza” ["wie die Natur spielet"] e encontrar “o modo como a Natureza se comporta” por meio de experimentos. (CARLOWITZ, 1713, p. 20-39 apud GROBER, 2007, p. 20-21)46 GROBER (2007) indica, ainda, que o modo como Carlowitz pensa a economia em seu livro está bastante relacionada com a moral protestante. Carlowitz afirma que, como o Homem não mais habita os Jardins do Éden, não pode mais confiar na Natureza como provedora de abundância eterna. Ao invés disso, o Homem deve vir em auxílio da Natureza e trabalhar com ela ("mit ihr agiren", p. 31)47. Assim como Evelyn antes dele, Carlowitz cita passagens do Gênesis de onde extrai palavras que servem até hoje como uma fórmula para a Sustentabilidade: ‘Abad’ and ‘schamar’, ‘dress’ and keep’ the soil. In Luther’s translation, which the pious Lutheran Carlowitz was familiar with: “Bebauen und bewahren”, cultivate and preserve. Here are the fundamentals of ecological economics: Recognizing that there are limits to the use of natural resources, man must not act against nature ("wider die Natur handeln"). Instead he must “follow” her and be a true housekeeper with her offerings. Every lavish, wasteful and harmful use of nature, the over-use, the ruinous exploitation is sinful. 48 (GROBER, 2007, p. 20)

A devastação das florestas foi interrompida.O novo sistema de gestão do tempo e do espaço em uma floresta, no entanto, levou a uma redução drástica de biodiversidade. A antrópica “Normalwald” (“floresta normatizada/ordenada”) tinha que ser tão homogênea quanto possível: uma monocultura. O mosaico de uma floresta intocada transformou-se no padrão quadriculado de uma plantação de madeira de lei. Em 1841, Gottlob König49, habitante da Turíngea (região da Alemanha central) e “Forstklassiker” (“Silvicultor clássico”), advertiu que pressionar a vida de uma floresta para que se ajuste em fórmulas e números, era um processo que acabaria por provocar uma “vingança da natureza”. Segundo GROBER (2007), para König “O crescimento e a saúde dos bosques e florestas dependem de fios muito finos e profundamente escondidos”. Sua advertência foi dirigida contra a arrogância profunda de seus companheiros silvicultores, mas especialmente contra o novo liberalismo “laissez-faire” que tentou tornar o maior rendimento possível Esse aspecto do pensamento de Carlowitz pode ser, como apontado por GROBER (2007), reflexo de seu contato com o pensamento de Espinoza, para o qual Deus e a Natureza coincidem como identidades imanentes. De acordo com NAESS (2005), para Espinoza, Deus, como causa, não pode ser distinguível daquilo que as próprias coisas particulares do mundo causam, a não ser conceitualmente. Dessa forma, Espinoza coloca uma relação de dependência entre Deus e as coisas do mundo. Deus não é nada sem as essências das coisas particulares e estas, por sua vez, também estão desamparadas sem Deus. Sem a nossa essência, não há Deus e sem Deus nós não somos nada. (NAESS, Arne. Spinoza and Attittudes Towards Nature. 1983. In: DRENGSON, Alan. (ed.) The Selected Works of Arne Naess. New York: Springer, 2005.). Além de Espinoza, é preciso levar em consideração o Sturm und Drang, movimento literário e musical do início do pensamento romântico, relevante entre as décadas dos anos 1760 e 1780 para todos os pensadores das mais diversas áreas do conhecimento no século XVIII. 46

47

CARLOWITZ, 1713 apud GROBER, 2007.

“‘Abad’ [em hebraico significa ‘trabalhar’ ou ‘servir’] e ‘shamar’ [em hebraico significa ‘guardar’, ‘cuidar’], [foram respectivamente traduzidos como] ‘dress’ [que significa ‘adornar’, ‘enfeitar’, ‘ornar’, ‘compor com alinho ou asseio’] e ‘keep’ [que significa ‘cuidar’, ‘tomar conta’, ‘proteger’, ‘favorecer’, ‘resguardar’, ‘defender’] o solo. Na tradução de Lutero, com a qual o devoto luterano Carlowitz estava familiarizado dizia-se: “bebauen und bewahren”: cultivar e preservar. Aqui estão os fundamentos da economia ecológica: reconhecendo que há limites para o uso dos recursos naturais, o Homem não deve agir contra a Natureza ("wider die Natur handeln"). Ao invés disso, o Homem deve “segui-la” e ser um verdadeiro mantenedor de suas ofertas. Qualquer desperdício, esbanjamento, dano, abuso ou exploração devastadora da Natureza é pecaminosa.“(Tradução Livre). Obs.: As palavras ‘dress’ and ‘keep’ foram citadas por GROBER (2007) com base no texto do Gênesis 2: 1-15 extraído da primeira versão autorizada da Bíblia Sagrada na Inglaterra, em 1611, chamada Versão Rei James ou KJV. No versículo 15, lêse: "Then the LORD God took the man and put him in the garden of Eden to tend [dress, na KJV] and keep it". (Fontes: http://www.impactnetwork.net/pdf/shamar.pdf; http://www.bibletools.org/index.cfm/fuseaction/Bible.show/sVerseID/26/eVerseID/26; http://www.biblegateway.com/passage/?search=Genesis+2%3A1-15&version=NIV; http://en.wikipedia.org/wiki/Authorized_King_James_Version Acesso em: 25 Jul. 2011). 48

Gottlob König (1779 – 1849), renomado cientista florestal (silvicultor) alemão, autor de Die Forst-Mathematik mit Anweisung zur Forstvermessung, Holzschätzung und Waldwerthberechnung, nebst Hülfstafeln für Forstschätzer, de 1835 (algo como “A matemática florestal com instruções para levantamento topográfico e cálculo do valor da floresta, juntamente com tabelas para auxiliar a avaliação do silvicultor.” em tradução livre). Suas contribuições para as ciências florestais são consideradas de tal forma relevantes que ele é tido como uma das referências clássicas do tema. (Referência da Citação). 49

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111 BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

de madeira de lei (e de ganhos financeiros) no objetivo final da silvicultura. GROBER (2007) salienta que foram necessárias longas e intensas disputas, muitas das quais estão em curso ainda hoje, para restabelecer e fortalecer a ideia de que a “Nachhaltigkeit” depende da capacidade natural de regeneração dos ecossistemas, o que tem de incluir uma multiplicidade de funções. Florestas não são meras plantações ou fazendas de madeira de lei. Elas são, também, habitats de plantas e animais selvagens e áreas para a proteção de bacias hidrográficas. Importante lembrar, inclusive, que no mesmo período, trabalhos sobre o problema do crescimento populacional começam a ganhar a atenção dos governantes: Also in the 18th century concern about population growth and its consequences for the consumption of resources started surfacing. Authors such as Matthew Hale50 and William Petty51 had already in the 17th century drawn attention to this issue. However, the most famous work in this regard, Essay on the principle of population as it affects the future improvement of society, by Thomas Robert Malthus, was published in 1798. He stated that because it threatened to outstrip food production the increase in population had to be restricted 52 (Malthus 192653: iii, 13, 14, 346; Van Zon 2002: 87 – 92). (PISANI, 2006, p. 86).

Não é desmedido assumir, assim, que a genealogia da noção de Sustentabilidade confunde-se com a genealogia das ciências florestais, das ciências biológicas, das ciências ecológicas e do próprio movimento ambientalista54, entendido como movimento contracultural nascido na década de 60 do século passado. GROBER (2007) destaca que, It was this new focus on the ‘bom ménage’, the good management of natural resources that led in the first half of the 18th century to a fast rise of interest in the ‘Oeconomia naturae’, as the Swedish naturalist Carl Linné55 in 1749 called his field of research. The Matthew Hale (1609 - 1676), influente juiz e advogado das Cortes e Tribunais Superiores da Inglaterra, conhecido por seu tratado Historia Placitorum Coronæ (The History of the Pleas of the Crown) sobre legislação criminal naquele país. (Referência da Citação). Fonte: Wikipedia. Acesso em 30 Jul. 2011. 50

William Petty (1623 - 1687), economista inglês, membro da Royal Academy, considerado um dos primeiros a defender uma menor intervenção do Estado nas transações comerciais privadas. (Referência da Citação). Fonte: Wikipedia. Acesso em 30 Jul. 2011. 51

“Ainda, no século XVIII, a preocupação acerca do crescimento populacional e de suas consequências para o consumo dos recursos começaram a aparecer. Autores como Matthew Hale e William Petty já tinham chamado a atenção para este assunto no século XVII. Contudo, o trabalho mais famoso a esse respeito, Essay on the principle of population as it affects the future improvement of society, de Thomas Robert Malthus, foi publicado em 1798. Ele afirmava que devido à ameaça de sobrepujar a produção de alimentos, o aumento populacional tinha de ser contido.” (Tradução Livre). 52

Malthus TR. 1926. First essay on population. (An essay on the principle of population as it affects the future improvement of society, with remarks on the speculations of Mr Godwin, M. Condorcet, and other writers, 1798). London: Macmillan (1926 edition with notes by James Bonar). (Referência da Citação). 53

Ainda que, de acordo com JAMIESON (2008), o termo ‘ambientalismo’ seja muito mais antigo e sua significação também não tenha surgido originalmente como vinculada à noção de preservação das chamadas “paisagens naturais”: “The term ‘environmentalism’ was coined in 1923, to refer not to the activities of John Muir and the Sierra Club, but to the idea that human behavior is largely a product of the social and physical conditions in which a person lives and develops. This view arose in opposition to the idea that a person’s behavior is primarily determined by his or her biological endowment. These environmentalists championed the “nurture” side in the “nature versus nurture” debate that raged in the social sciences for much of the twentieth century. They advocated changing people by changing society, rather than changing society by changing people.” [“O termo ‘ambientalismo’ foi cunhado em 1923, para referir-se não às atividades de John Muir e o Sierra Club, mas à idéia de que o comportamento humano é largamente um produto das condições físicas e sociais nas quais uma pessoa vive e se desenvolve. Esta visão surgiu em oposição à ideia de que o comportamento de uma pessoa é primariamente determinado por sua dotação biológica (ou seja, sua carga genética). Estes ambientalistas patrocinaram o lado dos aspectos educacionais/ambientais no que tange ao debate “natureza versus ambiente”. que assolou as ciências sociais durante boa parte do século XX. Eles defendiam, antes, mudar as pessoas por meio da mudança da sociedade, do que mudar a sociedade por meio da mudança das pessoas.” (Tradução Livre).] (JAMIESON, Dale. Ethics and Environment. An Introduction. New York. Cambridge University Press. 2008) 54

O sistema lineano é o “sistema de classificação natural” dos seres vivos, também denominado nomenclatura binomial, nomenclatura binominal ou nomenclatura binária. Ele designa, nas ciências biológicas, o conjunto de normas que regula a atribuição de nomes científicos às espécies de seres vivos. Chama-se binominal porque o nome de cada espécie é formado por duas palavras: o nome 55

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112 BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

botanic works of René Antoine Réaumer, Georges Louis Buffon and Henri Louis Duhamel du Monceau, widely read throughout Europe, developed ideas of the ‘Ordonnances’ and prepared the way to the birth of ‘Oecologie’56 as a offspring of scientific biology. This concept57 was first presented in 1866 by Ernst Haeckel58, an ardent admirer of Goethe59, Humboldt and Darwin. (...) Despite the failure of Colbert’s strategy, concepts like ‘bon ménage’ (good housekeeping) and ‘bon usage’ clearly paved the way to

do gênero e o restritivo específico, normalmente um adjetivo que qualifica gênero. A utilização do sistema de nomenclatura binomial é um dos pilares da classificação científica dos seres vivos, sendo regulada pelos códigos específicos da nomenclatura botânica, zoológica e bacteriológica. Foi primeiramente proposta pelo naturalista suíço Gaspard BAUHIN (1560 - 1624), no século XVII, e formalizada pelo naturalista sueco Carl von LINNÉ (1707 - 1778) no século seguinte. Os nomes utilizados são em latim, ou numa versão latinizada da palavra ou palavras que se pretende utilizar. O nome genérico e o epíteto específico devem sempre ser escritos em tipo itálico, ou, na sua indisponibilidade, ser sublinhados, sendo, sempre que possível, seguidos pelo autor ou autores da descrição (em geral, referido como a autoridade). O sistema lineano é utilizado, hoje, para iniciar o processo de classificação dos seres vivos, mas, em seguida, os dados são reexaminados à luz da teoria da evolução e, principalmente, da sistemática filogenética de Willi HENNIG (1913 - 1976), que promoveu a grande revolução do século 20 na taxonomia. Os princípios de Hennig mudaram, pelo menos desde a década de 1970, a maneira de classificar os seres vivos. Para ele, os organismos devem ser classificados de acordo com as suas relações evolutivas e o método para descobrir essas relações é analisar os caracteres ancestrais e os caracteres derivados de cada espécie. (Síntese baseada em: http://agencia.fapesp.br/8020 e http://pt.wikipedia.org/wiki/Nomenclatura_binomial Acesso em: 20 Jul. 2011) GOLLEY (1993) cita a existência de uma tradução para o inglês do parágrafo em que Ernst HAECKEL (1834 - 1919) define a palavra ecologia: “By ecology we mean the body of knowledge concerning the economy of nature – the investigation of the total relations of the animal both to its inorganic and its organic environment; including above all, its friendly and inimical relations with those animals and plants with which it comes directly and indirectly into contact – in a word, ecology is the study of all those complex interrelations referred to by Darwin as the conditions of the struggle for existence. This science of ecology, often inaccurately referred to as ‘biology’ in a narrow sense, has thus far formed the principle component of what is commonly referred to as ‘Natural History’ “ (HAECKEL, 1866 apud ALLEE, W. C.; EMERSON, Alfred E.; PARK, Orlando; PARK, Thomas; and Schmidt, Karl P. Principles of Animal Ecology. Philadelphia, W.B. Saunders, 1949. apud GOLLEY, 1993, p. 207). [“Por ecologia nós queremos dizer o corpo de conhecimento concernente à economia da natureza – a investigação das relações totais do animal, considerando tanto seu ambiente inorgânico, como o orgânico; incluindo, acima de tudo, suas relações amigáveis e adversas com esses animais e plantas com que tem diretamente e indiretamente em contato – para resumir, a ecologia é o estudo de todas essas relações mútuas complexas referidas por Darwin como as condições da luta pela existência. Esta ciência da ecologia, freqüentemente e incorretamente referida como "biologia" num sentido estreito, até aqui constituiu o componente do princípio ao qual comumente é referida a 'História Natural' “. (Tradução Livre).]. (GOLLEY, Frank B. A History of Ecosystem Concept in Ecology: more than the sum of the parts. New York, Yale University Press, 1993.) 56

Para ACOT (1990), com a invenção do termo ecologia, HAECKEL pretendia, de um lado, nomear um novo campo científico, que ainda não estava instituído, mas cujo “objeto” - as relações entre os seres vivos e o meio físico-químico – já se encontrava em desenvolvimento pelos trabalhos de pesquisadores como Charles Lyell (1797-1875; geólogo escocês), Alexander von HUMBOLDT (1769-1859; naturalista alemão) e Alphonse de CANDOLLE (1806-1893; botânico suíço), - para citar alguns -, e, de outro, reorganizar, em bases evolucionistas, uma Biologia em estado de crise desde 1859 - ano da publicação de The Origin of Species, de Charles DARWIN (1809-1882). (ACOT, Pascal. História da ecologia. Rio de Janeiro, Editora Campus, 1990.) A crise na Biologia é, portanto, uma crise entre dois grupos de sistemas de pensamento diametralmente opostos: os fixistas, representados basicamente pelos cientistas naturais adeptos do sistema lineano, e os transformistas, representados por poucos cientistas já seduzidos pelas ideias de Jean-Baptiste LAMARCK (1744-1829), Alfred Russel WALLACE (1823-1913) e, é claro, Charles Darwin. 57

“In virtually all studies of the history of ideas in the nineteenth century, Haeckel is seldom, if ever, separated from the general progressive, scientific, and modernistic tradition of European culture and his name is found to be synonymous with materialism, naturalism, mechanism, and of course, Darwinism. He is traditionally been thought to embody optimism, progress, liberalism, socialism, and tireless opposition to arbitrary state power. He is invariably accepted as the intellectual embodiment within Germany of the feeling of optimism and security, engendered by science and industrialism, which suffused bourgeois civilization before the cataclysm of 1914.” (GASMAN, 1971, p. xiv) [“Em praticamente todos os estudos da história das ideias do século XIX, Haeckel é raramente, se jamais, separado da tradição geral de cultura europeia progressiva, científica, e moderna e seu nome é tido como sinônimo de materialismo, naturalismo, mecanicismo, e obviamente, Darwinismo. Ele é tradicionalmente considerado como um pesquisador que abordou o otimismo, o progresso, o liberalismo, o socialismo, e a oposição infatigável ao poder arbitrário do Estado. Ele invariavelmente é aceito como a encarnação intelectual, dentro da Alemanha, do sentimento de otimismo e segurança, gerado pela ciência e pela industrialização, que difundiram a civilização burguesa antes do cataclismo de 1914.” (Tradução Livre).]. (GASMAN, Daniel. The Scientific Origins of National Socialism. Social Darwinism in Ernst Haeckel and the German Monist League. London, Macdonald & Co., 1971.). 58

“The idea of evolution which the romantics entertained was, of course, similar to the idea of evolution proposed by Darwin later on, but it was at the same time very different from it. For Darwin, each event in the evolutionary process was a new event. On the other hand, for the romantic nature-philosophers the evolutionary process in a sense, went no place. For them the idea of nature in its fullness existed before the event. It was for this reason that Göethe (whom Haeckel admired as much as Darwin) in his biological work, for example, was constantly looking for archetypal forms in nature. (GASMAN, 1971, xxix).” [“A ideia de evolução que os românticos tinham em consideração era, naturalmente, semelhante à ideia de evolução que seria proposta por Darwin mais tarde, mas era ao mesmo tempo muito diferente da dele. Para Darwin, cada acontecimento no processo evolutivo era um novo acontecimento. Por outro lado, para os românticos filósofos-da-natureza, o processo evolutivo num sentido, não levava a nenhum lugar. Para eles a ideia de natureza em sua plenitude existida antes do acontecimento. Era por esta razão que Göethe (a quem Haeckel admirou tanto como a Darwin) no seu trabalho biológico, por exemplo, constantemente procurava formas arquetípicas na natureza.”. (Tradução Livre) ]. 59

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113 BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

the 20th century ideas of ‘wise use’ and ‘sustainable development’. Especially, they inspired a new and closer look at nature’s forces and time-scales.60 (GROBER, 2007, p. 15-16).

Identifica-se, assim, um uso do termo Sustentabilidade associado à administração dos recursos ou de bens públicos, entre eles, as florestas do reino ou do Estado-nação, entendidas como aquelas que também estão localizadas no além-mar, ou seja, nas colônias e sua manutenção para uso presente e futuro. Há por um lado, o planejamento para uso racional dos recursos florestais, como matéria-prima para embarcações ou como fonte de energia, corroborando a compreensão de que a natureza é vista a partir de um ponto de vista utilitarista e comercial, voltado para interesses antropocêntricos. De outro lado, existe a preocupação de que o replantio vise o estabelecimento de um determinado grau de “saúde florestal”, tendo como objetivo o bem-estar futuro tanto das populações humanas, quanto da biodiversidade ou do direito à vida ou à existência das paisagens entendidas como belezas naturais ou das espécies entendidas como seres vivos com direito também à qualidade de vida. Esse conflito de ideias continuou participando da noção de Sustentabilidade mesmo mais tardiamente, com o advento da Ecosofia e da Ecologia Profunda já em meados do século XX. De todo o modo é importante perceber, especialmente pelas contribuições de GROBER (2007), que a ideia de Sustentabilidade e a invenção do termo têm cerca de 300 anos, estando fortemente vinculadas à administração pública, ao advento da engenharia florestal e mais especificamente ao manejo dos recursos naturais tendo em vista os interesses econômicos presentes e futuros de uma nação. PISANI (2006) esclarece: Although the terms ‘sustainability’ and ‘sustainable’ appeared for the first time in the Oxford English Dictionary during the second half of the 20th century the equivalent terms in French (durabilite´ and durable), German (Nachhaltigkeit, literally meaning ‘lastingness’, and nachhaltig) and Dutch (duurzaamheid and duurzaam) have been used for centuries (Van Zon 2002: 20, 21, 22). Van Zon (2002: 1, 9, 10) points out that the demand for raw materials and its impact on the environment have been a constant issue throughout human history. As early as the ancient Egyptian, Mesopotamian, Greek and Roman civilizations environmental problems such as deforestation and the salinization and loss of fertility of soil occurred, which we would today refer to as sustainability problems. Plato in the 5th century BC, Strabo and Columella in the 1st century BC and Pliny the Elder in the 1st century AD discussed different types of environmental degradation resulting from human activities such as farming, logging and mining (see Pliny the Elder 193861: 293; Columella62 1948: 3, 5; Strabo63 1949: 353; Van Zon 2002: 1, 2, 27, 29). These authors were not only aware of environmental degradation, but also recommended what we would call sustainable practices to maintain the ‘everlasting youth’

“Foi esse novo foco em ‘bon ménage’ [boa gestão], o bom manejo ou administração dos recursos naturais que, na primeira metade do século XVIII, levou ao rápido aumento do interesse na ‘Oeconomia naturae’, como o naturalista sueco Carl Linné, em 1749, denominou seu campo de pesquisa. Os trabalhos botânicos de René Antoine Réaumer, Georges Louis Buffon e Henri Louis Duhamel du Monceau, amplamente lidos em toda a Europa, desenvolveram ideas de ‘Ordonnances’ [ordem, organização, ordenança] e preparam o caminho para o nascimento da ‘Oecologie’ como descendência da biologia científica. Este conceito foi apresentado pela primeira vez em 1866 por Ernst Haeckel, um ardente admirador de Goethe, Humboldt e Darwin. (...) Apesar do fracasso da estratégia de Colbert, conceitos como ‘bon ménage’ (boa administração das despesas e recursos domésticos) e ‘bon usage’ (bom uso) claramente abriram o caminho para as idéias de ‘wise use’ (uso sensato, prudente) e ‘sustainable development’ (desenvolvimento sustentável) no século XX. Especialmente, elas inspiraram um olhar novo e mais próximo das forças da natureza e suas escalas de tempo.” (Tradução Livre). 60

Pliny the Elder. 1938. Natural history (Naturalis historia) in ten volumes, vol. 1 (praefatio, libri I&II). English translation by H. Rackham. Cambridge, MA: Harvard University Press. (Referência da Citação). 61

Columella LJM. 1948. Res rustica. Lucius Junius Moderatus Columella on agriculture, vol. 1 (Books I – IV). English translation by Harrison Boyd Ash. 1948 reprint. Cambridge, MA: Harvard University Press. (Referência da Citação). 62

Strabo. 1949. The geography, vol. II, Book V. English translation by Horace Leonard Jones. 1949 printing. London: Heinemann. (Referência da Citação). 63

Autorização da Editora Annablume para uso restrito como fonte bibliográfica do Curso EAD Licitação Sustentável Brasil da FUNDAP – Fundação para o desenvolvimento da Administração. Março e Abril de 2014.

114 BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

of the earth (Columella 1948: 3, 19). Varro (1st century AD) stated that ‘we can, by care, lessen the evil effects’ (Cato and Varro 195464: 13, 187).65 (PISANI, 2006, p. 84)

Assim, é forçoso considerar que a noção de preservação de recursos de maneira a garantir uma existência minimamente possível e confortável para gerações futuras já existia desde as civilizações antigas, como salienta McCORMICK (1991): Although the environmental movement is a postwar phenomenon, enviromental destruction has a long lineage. Nearly 3,700 years ago, Sumerian cities were being abandoned as the irrigated lands that had produced the world’s first agricultural surpluses became increasingly saline and waterlogged. Nearly 2,400 years ago, Plato bemoaned the deforestation and soil erosion brought to the hills of Attica by overgrazing and cutting of trees for fuelwood. In the first-century Rome, Columella and Pliny the Elder warned that poor husbandry threatened crop failures and soil erosion. By the seventh century, the complex Mesopotamian irrigation system built 400 years before was beginning to break down under the strain of mismanagement. Population growth meanwhile was sowing the seeds of the tenth–century collapse of the Mayan civilization. Shipbuilding for the fleets of the Byzantine Empire, of venice and Genoa and other Italian maritime states, reduced the coastal forests of the Mediterranean. Air pollution from coal-burning so afflicted medieval England that by the 1661 the diarist and naturalist John Evelyn was deploring the “Hellish and dismall Cloud” which made the City of London resemble “the Court of Vulcan… or Suburbs of Hell, [rather] than an Assembly of Rational Creatures”.66 (McCORMICK, 1991, p. vii)67.

Contudo, como exposto neste capítulo, foi somente a partir do século XVII que essa preocupação tomou a forma de textos, documentos e regulamentações explícitas para compor políticas públicas especificamente voltadas para o tema. Entendemos que as palavras não têm um significado único, estável ou permanente e que é, portanto, na revisão e na releitura de textos literários, filosóficos e científicos que se reconstrói a historicidade e a

Cato and Varro. 1954. Cato MP, Varro MT. 1954. Marcus Porcius Cato on agriculture; Marcus Terentius Varro on agriculture. English translation by William Davis Hooper. Revised edition, second printing. Cambridge, MA: Harvard University Press. (Referência da Citação). 64

“Apesar dos termos ‘sustainability’ e ‘sustainable’ terem aparecido pela primeira vez no Oxford English Dictionary durante a segunda metade do século XX, os termos equivalentes em francês (‘durabilité’ e ’durable’), em alemão (‘Nachhaltigkeit’, signficando literalmente ‘longevidade’, e ‘nachhaltig’) e o termo holandês (‘duurzaamheid’ e ‘duurzaam’) tem sido usados por séculos (Van Zon 2002: 20, 21, 22). Van Zon (2002: 1, 9, 10) indica que a demanda para matérias-primas e seu impacto no ambiente têm sido um assunto constante ao longo de toda a história da humanidade. Tão antigos quanto o aparecimento das civilizações egípcia, mesopotâmia, grega e romana, problemas ambientais como o desflorestamento e a salinização e perda de fertilidade dos solos ocorreram, os mesmos que hoje chamaríamos de problemas da sustentabilidade. Platão, no século V a.C., Estrabão e Columela, no Século I a.C., e Plínio, o Velho, no século I d.C. discutiram diferentes tipos de degradação ambiental resultante de atividades humanas tais como cultivo de plantas e animais, atividade madeireira e extração de minérios (ver Plínio, o Velho 1938: 293; Columela 1948: 3, 5; Estrabão 1949: 353; Van Zon 2002: 1, 2, 27, 29). Estes autores não estavam apenas cientes da degradação ambiental, mas também recomendaram o que poderíamos chamar hoje de práticas sustentáveis para manter a ‘duradoura juventude’ da terra (Columela 1948: 3, 19). Varrão (século I d.C.) afirmou que ‘nós podemos, pelo cuidado, minimizar os efeitos maléficos’ (Catão e Varrão 1954: 13, 187).” (Tradução Livre). 65

“Embora o movimento ambientalista seja um fenômeno do pós-guerra, a destruição ambiental tem uma longa linhagem. Aproximadamente 3,700 anos atrás, as cidades sumérias estavam sendo abandonadas à medida em que as terras irrigáveis, que produziram os primeiros excedentes agrícolas do planeta, tornaram-se cada vez mais salinas e alagadas. Cerca de 2,400 anos atrás, Platão lamentou o desflorestamento e a erosão do solo trazidos às colinas de Ática pelo pastoreio excessivo e a derrubada de árvores para lenha. Na Roma do século I, Columela e Plínio, o Velho advertiram que o ineficaz manejo da terra para a criação de rebanhos e a agricultura ameaçava o sucesso das colheitas e provocava erosão do solo. Ao redor do século XVII, o complexo sistema de irrigação do solo na Mesopotâmia, construído quatrocentos anos antes, começava a sucumbir sob a pressão da má gestão. Enquanto isso, o crescimento populacional estava plantando as sementes do colapso da civilização maia no século X. A construção de navios, para as frotas do Império Bizantino, de Veneza, Gênova e outras cidades-estado marítimas italiana, reduziu a área das florestas costeiras do Mediterrâneo. A poluição do ar advinda da queima de carvão vegetal afligiu de tal maneira a Inglaterra medieval que, por volta de 1661, o escritor e naturalista John Evelyn lamentava a “Nuvem Infernal e Lúgubre” que fazia a cidade de Londres assemelhar-se “ao Tribunal de Vulcano ... ou aos Subúrbios do Inferno, [mais propriamente] do que a uma Assembléia de Criaturas Racionais”. “ (Tradução Livre). 66

McCORMICK, John. Reclaiming Paradise. The Global Environmental Movement. Bloomignton: Indiana University Press. 1991. 67

Autorização da Editora Annablume para uso restrito como fonte bibliográfica do Curso EAD Licitação Sustentável Brasil da FUNDAP – Fundação para o desenvolvimento da Administração. Março e Abril de 2014.

115 BONFIGLIOLI, Cristina Pontes. Sustentabilidade: uma palavra, várias significações. In: Di FELICE, Massimo; TORRES, Julliana Cutolo e YANAZE, Leandro hey Higuchi. Redes digitais e sustentabilidade: as interações com o meio ambiente na era da informação. Annablume, São Paulo, 2012. p. 95-128.

complexidade de uma concepção pluralista e polissêmica do processo significacional: uma palavra é sempre modificada durante o processo de sua utilização sociocultural. Assim, pode-se dizer que a principal característica do termo Sustentabilidade é exatamente essa plasticidade de significação que possui. Apesar de cunhado originalmente a partir de um referencial técnico da área de Engenharia Florestal no século XVII, sua significação dá-se na contemporaneidade pela forma como extrapola, amplia, mescla-se, provoca anastomoses na língua, nos discursos, nas narrativas, nas ações abusando de derivações por metonímias, analogias ou metáforas, - mesmo advindas de campos do saber tão distantes das ciências sociais ou da antropologia cultural quanto a física ou a química -, ou, ainda, incitando o devir-conceito de outras áreas do conhecimento, problematizando os modos de existência em voga. Ao adentrarmos a segunda década do século XXI, o termo Sustentabilidade parece traduzir o antagonismo que o gerou: ele ainda se refere, a uma só vez, a uma meta racional tecnocientífica e a um sonho poético de todo ativismo político. É a partir dessa diferença que, talvez, novas vias de acesso ao termo, à sua significação e a novas formas de ação poderão surgir.

Autorização da Editora Annablume para uso restrito como fonte bibliográfica do Curso EAD Licitação Sustentável Brasil da FUNDAP – Fundação para o desenvolvimento da Administração. Março e Abril de 2014.

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