Telejornalismo da TV Brasil: problematizações sobre o discurso da cidadania

July 22, 2017 | Autor: C. Cardoso de Que... | Categoria: Jornalismo, Telejornalismo Midiatização Narrativas Múltiplas, Telejornalismo, Jornalismo Publico
Share Embed


Descrição do Produto

Telejornalismo da TV Brasil: problematizações sobre o discurso da cidadania1 Caio Cardoso de Queiroz2 Diego Pereira Rezende3 Iluska Maria da Silva Coutinho4 Universidade Federal de Juiz de Fora. Resumo Criada em 2007, a TV Brasil surge com a intenção de preencher uma lacuna independente e democrática no sistema de radiodifusão brasileiro. Nesse sentido, o presente artigo tem o intuito de relacionar o discurso de criação de uma emissora pública como um “novo modelo de telejornalismo” com a análise sistemática do que é vinculado em sua programação, dentre os dias 14 de junho e 14 de julho, e a apreensão teórica da concepção de telejornalismo de qualidade. Para tal abordagem, pretendemos o diálogo com autores do campo da Educomunicação e do Telejornalismo para observar em uma perspectiva crítica em que medida há maior pluralidade de vozes, no sentido de difundir a diversidade cultural e a formação da cidadania, no telejornalismo da TV Brasil comparado ao conteúdo apresentado por emissoras privadas. Palavras-chave Telejornalismo; cidadania; TV Brasil; qualidade; público e privado.

Introdução Com o intuito de se construir uma percepção de análise mais crítica do telejornalismo hodierno, tornou-se imprescindível a apreensão de certos pressupostos relacionados à estética e ao discurso dos telejornais. A diversidade cultural e a pluralidade temática, geográfica e ideológica intrínseca à busca pela objetividade, imparcialidade e isenção na produção das notícias, o diálogo com o receptor, ou seja, a audiência, almejando a formação crítica para o exercício da cidadania, a democratização da comunicação e a Trabalho apresentado no DT Jornalismo, VII Encontro Regional de Comunicação, Juiz de Fora, outubro de 2010. 2 Graduando de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela FACOM – UFJF. Membro do Grupo de Pesquisa em Telejornalismo sob orientação da Professora Iluska Coutinho. Bolsista do projeto Telejornalismo e fotografia: novos olhares, orientado pelo professor Jorge Felz e pela professora Iluska Coutinho e membro do Programa de Educação Tutorial (PET Facom). [email protected] 3 Graduando de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela FACOM – UFJF. Membro do Grupo de Pesquisa em Telejornalismo sob orientação da Professora Iluska Coutinho. Bolsista do projeto “Educomunicação para a cidadania: processos de leitura crítica dos meios e construção identitária”[email protected] 4 Jornalista, doutora em Comunicação (Umesp), com estágio doutoral na Columbia University. Professora do departamento de Jornalismo e do PPGCOM da UFJF, desenvolve pesquisa sobre Telejornalismo e Público, com financiamento do CNPq. [email protected] 1

representação do interesse público são aspectos que devem ser levados em consideração como ponto de partida nesse estudo. Diante da interligação de tais pressupostos e do contexto em que se apresenta o telejornalismo brasileiro, podemos complementar algumas variáveis políticas e econômicas. A centralização editorial e a dependência publicitária presente nos meios de comunicação tradicionais entram em choque direto com a qualidade jornalística. Envolto nessa discussão, foi criado, em dezembro de 2007, a emissora pública TV Brasil. Tendo como discurso fundamento a realização de um “novo modelo de telejornalismo” – contrário à concepção comercial –, o canal “veio atender à antiga aspiração da sociedade brasileira por uma televisão pública nacional, independente e democrática. Sua finalidade é complementar e ampliar a oferta de conteúdos, oferecendo uma programação de natureza informativa, cultural, artística, científica e formadora da cidadania” (TV BRASIL, 2010). Sendo assim, indaguemos a procedência do seu discurso analisando um fragmento do seu conteúdo: os telejornais Repórter Brasil (dividido entre Manhã e Noite) e Jornal Visual. Busca-se por meio do acompanhamento analítico da produção veiculada pela emissora, dentre os dias 14 de junho e 14 de julho de 2010, avaliar em que medida os pressupostos apresentados são incorporados no telejornalismo da TV Brasil – tal avaliação permitirá o estudo em torno da concepção de um telejornalismo público de qualidade. Baseado em um “Manifesto pela TV Pública independente e democrática” redigido ao término do 1° Fórum Nacional de TVs Públicas, ocorrido em Brasília, em maio de 2007, uma TV Pública deve ser “independente e autônoma em relação a governos e ao mercado, devendo seu financiamento ter origem em fontes múltiplas, com a participação significativa de orçamentos públicos e de fundos não – contingenciáveis”. A Empresa Brasil de Comunicações (EBC), em sua Carta de Princípios, ao criar a TV Brasil, baseia-se no fato de que, sendo financiadas por empresas e instituições que se orientam pela lógica econômica ou política, as emissoras comerciais e estatais não possuem autonomia para o desenvolvimento de seu conteúdo. Ou seja, estruturalmente, a emissora pública distingue-se da comercial (sustentada por empresas e pela publicidade) e da estatal (sustentada pelo governo) por questões orçamentárias que influenciam diretamente a sua programação.

Nesse sentido, o presente artigo possui o intuito de relacionar o discurso de criação da TV Brasil enquanto um “novo modelo de telejornalismo” (independente e democrático) com a análise sistemática do que é veiculado e a apreensão teórica da concepção de telejornalismo público de qualidade (plural, isento e pautado na difusão de notícias de interesse público) tendo em vista a pluralidade de vozes e a formação crítica dos telespectadores. Por uma análise qualitativa da produção dos telejornais da TV Brasil Os estudos acerca da pluralidade de vozes que aparecem nos telejornais da TV Brasil partiram de pressupostos teóricos de análise dramatúrgica na construção do discurso jornalístico do telejornalismo brasileiro. A aparição de vozes variadas na elaboração e veiculação das notícias, o volume com o qual elas aparecem e o papel desempenhado por elas nesta construção são relevantes quando se traz à tona a relação estabelecida entre os telejornais e os espectadores. A participação “popular” no conteúdo e na forma da programação da televisão comercial é diferente daquela verificada na TV pública desde uma questão inicial colocada quanto aos objetivos de cada tipo de empresa. Se a TV comercial tem por princípio primeiro a realização do lucro, a empresa pública se pauta muito mais nos temas que prezem pelo interesse público. Nas análises dos produtos ofertados pelos telejornais destes tipos de televisão não podemos escapar de uma análise sobre a qualidade desses produtos televisivos que trabalham com as notícias. Como diz Gomes (1998), a análise sobre a qualidade dos telejornais deve passar por dados concretos de programas reais de jornalismo. Assim, poderemos pensar “questões sobre o controle das emissoras, a função social do jornalismo, a popularização da audiência e a qualidade de imagem e som da TV (...) a partir do exame de como elas incidem sobre programas jornalísticos concretos” (GOMES, 1998). Assim, a análise da qualidade daquele produto deve ser “o julgamento sobre o bem-suceder de um programa específico, realizado em condições históricas, sociais e culturais específicas”. Dado que o jornalismo é feito da seguinte forma e sob os aspectos e limitações que o cercam, o rumo tomado para que os efeitos fossem o melhor possível podem nortear esta análise. A partir do que Becker (2006) propõe como bases para um jornalismo de qualidade, percebemos uma necessidade de se enxergar toda uma pluralidade de vozes no cerne da

notícia, desde a elaboração da pauta até a edição. O jornalismo se faz com qualidade quando “representa a pluralidade de interpretações e a diversidade de temas e atores sociais, quando imaginamos que existem novas elaborações e outros modos de construir sentidos sobre o mundo real cotidiano na tela da TV” (BECKER, 2006). Dado que a empresa pública tem compromisso mais aproximado com o que há de interesse público e menos com o lucro empresarial, ela deveria ser capaz de abarcar um maior volume de vozes na formação desta pluralidade mais próxima o possível da realidade dos espectadores. Daí mostrou-se extremamente necessária a realização de uma análise de tal tipo nos telejornais da TV Brasil. Fizemos, então, um recorte que compreende o período entre os dias 14 de junho e 14 de julho de 2010; elaboramos planilhas na forma de espelhos diários para estudo dos telejornais Repórter Brasil Manhã e Jornal Visual das segundas às sextasfeiras e do Repórter Brasil Noite das segundas aos sábados, já que este era o único com exibição aos sábados. Estas fichas nos permitiram observar quais eram as temáticas mais recorrentes no dia-a-dia dos telejornais, a distribuição e a dinâmica editorial dos temas que mais recorrentemente tinham presença nos jornais além de uma diferença no método expositivo e das presenças de vozes em cada um dos jornais. A partir destas fichas surgiram também modos diferentes de enxergar e pensar a hierarquia de cada telejornal, comparando-os aos produtos das TVs comerciais. Partindo deste ponto e das diferentes necessidades criadas por cada foco de estudo de tais jornais dentro do Grupo de Pesquisa, novos textos eram propostos para que as dúvidas relativas a métodos de leitura dos dados e de análises qualitativas dos mesmos fossem sanadas e pudessem dar espaço ou até mesmo gerar outras discussões. Desta maneira, todos os integrantes do Grupo sempre se colocavam a par do material existente nos telejornais e pudemos desenvolver diferentes abordagens temáticas de pesquisa. O estudo do conteúdo dos jornais, dos enquadramentos privilegiados em cada um deles, da relação entre o público e o privado e da presença de diferentes vozes no discurso televisivo são temas por nós investigados. No presente artigo, além das análises qualitativas de telejornais, apresentadas por Itania Maria Mota Gomes e Beatriz Becker, nos valemos de conceitos de Cicília Peruzzo para pensar questões ligadas à comunicação e cidadania e ao direito à Comunicação além dos conceitos de Iluska Coutinho para as questões dos papéis representados por vozes variadas no discurso dos telejornais.

Estas vozes são distribuídas de formas diferentes quando se compara o jornalismo comercial ao público. No primeiro, o telejornalismo serve como espaço de prestação de serviço público para as empresas que o fazem. As concessões públicas que modelam a estrutura das comunicações no país funcionam através da permissão dada a empresas para utilização do meio público (o ar) em seu favor. Em contrapartida essas empresas oferecem dados relevantes que se referem ao que há de utilidade pública. Justamente neste espaço do telejornal, estas corporações fazem uso dos telejornais para uma espécie de “prestação de contas” e de cumprimento do dever. Estes itens de utilidade pública que são veiculados no telejornalismo aparecem de maneira muito expositiva e menos participativa, o que nos leva a uma análise acerca desta participação popular no fazer do telejornalismo. O volume das vozes, a forma como elas aparecem nas tevês públicas e o compromisso desse jornalismo com a pluralidade de vozes são temas que abordamos por meio de uma mensuração da quantidade e dos papéis das vozes que são verificadas nos telejornais da TV Brasil. Omar Rincón (2004) observa que a televisão possui um aspecto cultural e social que, em primeiro lugar, se consumou como uma indústria de produção em série e massiva, portanto, tem a responsabilidade de fazer bons negócios, gerar empregos e prover divisas para a sociedade; em segundo lugar, a televisão se desenvolveu e ocupou dois nichos específicos, o de testemunhar e contar a realidade e o de entreter e divertir as massas urbanas excluídas da oferta cultural elitista e, em terceiro lugar, a boa televisão será sempre a que contar histórias divertidas e, se possível, também instrutivas, que se convertam em bons negócios. Então, a televisão de boa qualidade será sempre aquela que conseguir se entranhar nas rodas de conversas cotidianas. O audiovisual busca, através de diferentes produtos, ligar-se à audiência trazendo alguns elementos novos e enriquecedores à maioria das pessoas. Uma produção enriquecedora na televisão, portanto, deve mesclar diferentes gêneros e variadas formas de discurso sobre uma ação. Assim, a quantidade de personagens a construir esta ação se amplia cada vez mais e as produções televisivas se tornam mais enriquecedoras. No telejornalismo a formação de um produto de qualidade também deve utilizar de tais recursos? Afinal, o telejornalismo é uma importante forma de deliberação política e de conhecimento e, enquanto forma de conhecimento, passa por algumas deliberações básicas.

Ou seja, em alguns aspectos os discursos apresentados pelo telejornalismo são iguais, mas fazê-lo de forma diferente cabe a cada um dos meios de comunicação. Respeitando os critérios básicos de noticiabilidade, um produto telejornalístico se mantém competitivo e atualizado, mas como fazê-lo de forma diferenciada e potencialmente mais singular? Estudos quantitativos de tais produtos nas TVs comerciais podem demonstrar, por exemplo, um tempo igual para alguns temas de interesse público, mas a forma de abordagem desse tema é um diferencial que muitas vezes não é considerado. O discurso acerca da democratização da comunicação se coloca exatamente neste ponto. É proposta da TV Brasil que uma pluralidade de vozes e discussões mais aprofundadas construam a notícias que vão ao ar nos noticiários da emissora. Para pensar a cidadania Sendo a televisão a mídia contemporânea de maior acesso dentre a população brasileira, a criação de uma emissora pública possui um papel relevante e problematizador de difusão cultural e formação cidadã no contexto social de complexidade identitária em que vivemos. Proposto por Mário Kaplún (1998), o método de “leitura crítica dos meios”, a Educomunicação, tem o intuito de construir através da educação um receptor ativo e crítico diante do conteúdo vinculado pelos meios de comunicação. No entanto, o acesso à informação não garante que as pessoas sejam mais ativas. É necessário aguçar a percepção e a formação crítica dessas pessoas por meio da transitoriedade de um discurso jornalístico baseado em um paradigma informacional para um discurso que se embasa em um paradigma comunicacional que possui em seu âmago o caráter dialógico. Em outras palavras, ao invés de meramente transmitir uma informação, procurar estabelecer uma forma de comunicação. Segundo Paulo Freire (2007), a Educomunicação emergiria no indivíduo uma curiosidade epistemológica que tomaria o lugar de uma curiosidade ingênua que desacredita e extingue a sua liberdade, consciência e espírito crítico. A busca de uma “comunicação horizontal”, na qual os emissores e receptores estão em um mesmo patamar simbólico de construção de conhecimento, é a essência motivadora da Educomunicação. A “verticalidade” historicamente construída no telejornalismo

brasileiro torna-se obstáculo nesse processo quando pretende abstrações opostas e subordinadas – como: ativo e passivo; sujeito e objeto; emissor e receptor etc. – que estão intimamente relacionadas às condições de seu surgimento financiado por iniciativas empresariais que enquadram suas pretensões em uma lógica de consumo e mercado. Para a emancipação de uma comunicação crítica, Mário Kaplún descreve que não basta que os setores populares tenham acesso aos meios de comunicação para que a participação se torne uma realidade, é preciso que estes se tornem protagonistas do processo e não somente espectadores. A “leitura crítica dos meios” tem como objetivo a composição emblemática de sujeitos históricos que assumem uma postura dialética diante do mundo – sujeitos que transformam o contexto em que vivem na medida que transformam a si próprios. Contudo, para que isso seja possível, é necessária uma maior abertura para que tais potencialidades se aflorem e se transformem em criatividade. Nesse sentido, trazemos à tona a função social de uma emissora pública. Em sua carta de princípios, o jornalismo da TV Brasil se define como “empenhado em oferecer informação completa e objetiva, desprovida de opinião” (TV BRASIL, 2010), sendo assim capaz de oferecer elementos para que o cidadão tire suas próprias conclusões. Para tal objetivo, a emissora tem como finalidade “complementar e ampliar a oferta de conteúdos, oferecendo uma programação de natureza informativa, cultural, artística, científica e formadora da cidadania” (TV BRASIL, 2010). Ou seja, tem a pretensão, através da veiculação da programação, de emergir no telespectador reflexões plurais sobre o contexto histórico que vive. Atrelar a Educomunicação ao uso de tecnologias nas escolas assim como restringir a concepção de cidadania ao campo político é uma maneira pragmática e instrumental de generalizar o pensar sobre os mesmos. Atualmente, quando refletimos sobre cidadania, é necessário envolver toda uma dinâmica de relações complexas que compreendem a atuação de indivíduos na sociedade e para a sociedade. Tal atuação consiste em uma ação recíproca de transformação que parte do direito à comunicação. Um dos aspectos fundamentais da cidadania, segundo Cicília Peruzzo (1998), é o direito de se comunicar através dos meios tecnológicos que a humanidade desenvolveu e colocou a serviço de todos.

A construção de um discurso imagético enquanto conhecimento social Segundo Rezende (2000), a televisão “desfruta de um prestígio tão considerável que assume a condição de única via de acesso às notícias e ao entretenimento de grande parcela da população” (REZENDE, 2000). Desta forma, como observa Bucci (1997), a importância da televisão em países onde há altos índices de analfabetismo e subdesenvolvimento, como o Brasil, é ainda maior. Esta, mais que um veículo, atuaria como um ambiente capaz de integrar expectativas diversas em um “imaginário nacionalmente construído”. Partindo do pressuposto de que uma grande parcela da população brasileira tem acesso aos telejornais como um “ritual transitório” para as telenovelas, os telespectadores passam a vivenciar o que Bucci denomina efeito-sanduíche (realidade-ficção / ficçãorealidade), no qual os telejornais se organizam como melodramas e as novelas se alimentam da realidade. Perante uma programação televisiva que se alterna dentre o real (noticiário, documentário etc.) e a ficção (novelas, filmes etc.), Debord (1997) argumenta que há a criação de “uma realidade própria para que a sociedade se solidarize e crie novos critérios de julgamento e justiça conforme seus conceitos manipuladores” (DEBORD, 1997). Partindo da teoria de que a realidade seria manipulada por meio de imagens, Debord construiu a concepção de Sociedade do Espetáculo. Segundo ele, o universo construído na televisão torna a vida, socialmente vivida, incolor, desinteressante, monótona e desprovida de fetichismo. O corriqueiro só se torna identificável ao olhares da realidade quando é remodelado por imagens, ou seja, quando, de fato, torna-se espetáculo. As relações humanas transmutam-se em experiências vazias, apáticas e frustrantes quando padecidas de um tom glamour de espetacularização. Como observa Bauman (2001): Imagens poderosas, “as mais reais que a realidade”, em telas ubíquas estabelecem os padrões da realidade e de sua avaliação, e também a necessidade de tornar mais palatável a realidade “vivida”. A vida desejada tende a ser a vida “vista na TV”. A vida na telinha diminui e tira o charme da vida vivida: é a vida vivida que parece irreal, e continuará a parecer irreal enquanto não for remodelada na forma de imagens que possam aparecer na tela. (BAUMAN,2001, pág. 99).

Ao se referir a tal “espetacularização da vida”, Debord descreve a onipresença de construções imagéticas em nosso cotidiano. Ou seja, a concepção de que a imagem passou a conduzir a sociedade, destituindo a autonomia do indivíduo e fragmentando a sua

identidade. Em instâncias gerais, a “construção de imagens” passou a reger a “construção histórica”, o movimento humanitário dialético. Sendo a cultura brasileira amplamente influenciada pela oralidade e pelo discurso imagético, percepções características dos meios televisivos, a imagem se torna um potencial meio de construção social de conhecimento. Tendo em vista que tal construção se dará aliada à mobilização e educação crítica dos telespectadores. Como destaca Rezende, a existência do “telespectador passivo” amplia ainda mais a importância do telejornalismo. De acordo com Genro Filho (1987), tornou-se necessário reconhecer as potencialidades dos meios de comunicação não só no que tange às configurações culturais e políticas, que estavam nascendo na modernidade e apontavam para o futuro, mas, igualmente, em relação a uma nova forma de conhecimento. Em outras palavras, admitir o surgimento de uma nova forma social de conhecimento: Se é verdade que o gênero de conhecimento produzido pelo jornalismo corresponde, em certo sentido, às "mesmas funções que realiza a percepção para o indivíduo", essa comparação não pode ser levada às últimas consequências. Na percepção individual, a imediaticidade do real, o mundo enquanto fenômeno é o ponto de partida. No jornalismo, ao contrário, a imediaticidade é o ponto de chegada, o resultado de todo um processo técnico e racional que envolve uma reprodução simbólica. Os fenômenos são reconstruídos através das diversas linguagens possíveis ao jornalismo em cada veículo. Consequentemente, não podemos falar de uma correspondência de funções entre o jornalismo e a percepção individual, mas sim de uma simulação (GENRO FILHO, 1987, pág. 54).

Telejornalismo da TV Brasil Sendo apresentado de três cidades distintas (São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília), o telejornal Repórter Brasil Noite pretende uma descentralização do seu discurso, entretanto, tal objetivo não é obtido de forma plena, pois a maioria das reportagens é apurada nas intermitências regionais dentre Rio de Janeiro e São Paulo. Comprado aos demais telejornais, este possui uma variedade temática mais ampla e reportagens de caráter mais dinâmico. Tendo em vista o compromisso dialógico com o público, os apresentadores possuem em seu discurso um caráter informacional, ou seja, de apenas de locução sobre determinado assunto. Nota-se uma mínima deliberação na fala dos apresentadores e não há qualquer comunicação dentre os mesmos, tornando fragmentado o discurso do telejornal como um todo.

Podemos observar, também, matérias regionais cuja temática tem sido excluída dos telejornais tradicionais. Porém, tais matérias de viés cultural e folclórico, além de possuírem espaço reduzido na estrutura do telejornal, são tratadas enquanto entretenimento cuja construção pretende uma contemplação leve por parte dos telespectadores. Por ser em potencial uma fonte do debate questionador que nos referimos no desenvolvimento problemático central de nosso artigo, a reportagem de cunho social e cultural possui uma importância singular no discurso de cidadania do telejornal. Contudo, a maneira que é apresentada não condiz com tal embate pedagógico. Restritas ao final do telejornal, as reportagens são oferecidas em tom leve como uma expressão de “alívio” após noticias de economia, judiciário e política. Dentro dessa perspectiva pedagógica, pode se perceber uma preocupação didática em quadros específicos do telejornal. No quadro Repórter Brasil Explica, utiliza-se de “artes gráficas” para se aprofundar sobre determinada temática tratada em uma reportagem. Nota-se uma superioridade quantitativa de temas de interesse público, como: direitos autorais e estatuto do consumidor. O espaço na estrutura do telejornal Repórter Brasil Noite, ausente no telejornal diurno, que sustenta um caráter de debate público são os quadros Outro Olhar e o Repórter Brasil Pergunta, sendo o último presente no final de cada bloco. Embatendo a estrutura dos dois jornais, ao final de cada bloco no Repórter Brasil Manhã é apresentado a previsão do tempo – dando mais efetividade a perspectiva de agenda matinal na construção diária de seu conteúdo. O quadro Um Outro Olhar é composto por vídeos postados pelos telespectadores no site da TV Brasil. Tais vídeos são de temáticas diversas, variando de questões cotidianas a considerações políticas internacionais. Esse aspecto interativo, no qual os telespectadores se tornam repórteres, parece ser uma nova tendência no jornalismo brasileiro e se defronta com o movimento de democratização do meio televisivo. Entretanto, é necessário se levar em consideração que quadros como esses são, ainda, um pequeno traço perante a estrutura discursiva no Repórter Brasil – que representa a situação nacional se percorrermos nossa perspectiva pelos telejornais convencionais. Presente ao final de cada bloco, o Repórter Brasil Pergunta possui entrevistas (no máximo três) com a população sobre um determinado tema abordado pelo telejornal. Sendo

pautado em perguntas objetivas e respostas rápidas, o “Povo Fala” é uma tentativa de dialogar com os telespectadores sobre temas de interesse comum. Já durante as análises do telejornal Repórter Brasil Manhã, percebemos uma presença muito forte de um jornalismo de “agendamento”, como se o telejornal fosse a primeira manifestação jornalística do dia para o espectador. O aprofundamento em alguns temas através de entrevistas está muito presente e, com isso, dá-se uma maior visibilidade a temas que nas emissoras comerciais não têm tanto espaço. Iniciativas populares de apoio a pessoas com problemas de saúde, discussão sobre endividamento da população e alternativas econômicas para algumas regiões do país que geralmente não são lembradas pelas grandes corporações de mídia podem ser vistos durante o telejornal. Matérias produzidas em toda a rede são apresentadas durante o jornal matinal, algumas delas com repercussão muito mais local do que nacional. Esse dado nos permite uma importante observação no que de refere à homogeneidade do discurso jornalístico comercial, pois tipos de matérias assim não iriam ao ar nas emissoras privadas. A dimensão do público que interessa às emissoras comerciais é pautada principalmente através da sua localização no Sudeste do país, onde se concentram as formas de financiamento publicitário destas redes, sendo as regionalidades mostradas como formas culturais exóticas. Neste Repórter Brasil há a presença de matérias acerca de feiras populares do norte do país, itens culturais do nordeste e notícias que coloquem em evidência algum tipo de notícia sobre o sul, além das notícias já vistas sobre a situação política e econômica que envolvam estados de todo o país. Como na maioria das vezes estas matérias com temática que foge às redes comerciais e de apelo regional são produzidas pelas próprias redes locais, a abordagem não possui tanto o viés de curiosidade ou de observação do exótico. O olhar de quem vive aquilo como realidade atribui um grau de naturalidade saudável às matérias sem perder de vista o ineditismo que algumas características podem suscitar em outras regiões do Brasil. A presença excessiva de entradas ao vivo dos repórteres para fazer entrevistas acerca dos temas apresentados demonstra uma preocupação (que às vezes pode se tornar exagerada) com a discussão ampliada, através da presença de especialistas, da maioria das temáticas abordadas. No caso do Jornal Visual, o material apresentado pelo telejornal se mostra totalmente produzido pelas redes de TVs públicas associadas pelo Brasil, somente adaptadas através da presença de uma tradutora da Linguagem Brasileira de Sinais presente

na imagem. Os temas abordados, na maior parte das vezes, são de notícias de conteúdos mais “frios” voltados para a saúde e para economia, sem um discurso próprio (nas notícias) para os deficientes auditivos que são o público-alvo do telejornal. A pluralidade geográfica e temática é presente, mas sem focar exatamente em algum ponto específico aos deficientes visuais. As matérias que são veiculadas no Jornal Visual são, em sua maioria, material já publicado anteriormente em algum outro telejornal da rede. Comumente estas matérias são provenientes das redes públicas de televisão de outras regiões do país. Sendo assim, ele cumpre uma função de disseminação da diversidade cultural sem um enfoque necessariamente noticioso em seu conteúdo. Há dois quadros que ficam por conta da produção do Jornal Visual e são material exclusivo dele, um quadro interativo por meio do qual internautas mandam vídeos com temática “inclusiva” produzida por eles mesmos e o quadro Aprendendo Libras que ensina a Linguagem de Sinais através do vocabulário de palavras simples do cotidiano. Representação e pluralidade de vozes A função social das emissoras privadas, muitas vezes, transcende a representação de um “fórum de debate de ideias”, como destaca Iluska Coutinho (2002), “convertendo-se também em espaço do jogo político efetivo, de disputa pela hegemonia, em uma ‘democracia eletrônica’” (COUTINHO, 2002). Partindo de tal abordagem, podemos destacar o papel independente de uma emissora pública. Ou seja, autônoma perante tais questões políticas visando a pluralidade democrática de vozes em sua programação. Portanto, tomaremos como ponto de partida em nosso estudo a hipótese de que em um canal público, como a Tv Brasil, há uma maior distribuição de vozes, atrelada ao tempo e a representação da diversidade identitária das entrevistas, compara às emissoras privadas. Ressaltando que “as entrevistas exibidas nos telejornais sejam analisadas também como expressões de uma disputa por poder de fala, de visibilidade” (COUTINHO, 2002). Ao pensarmos a pluralidade de vozes por meio da análise que propomos, é preciso que levemos em consideração uma instância muitas vezes “maquiada” pelos próprios meios de comunicação. Tal instância se dá quando as falas são selecionadas, editadas e utilizadas apenas para afirmar um determinado ponto de vista, argumento, ideologia.

O ato de dizer, em si mesmo, é singular e autônomo. Sendo assim, apresentar muitas vozes se distingue de representar uma pluralidade sincrética de discursos. Paralelamente, ao tratarmos de grupos culturais, sociais e políticos, torna-se necessário a compreensão da complexidade identitária que engloba as relações humanas pós-modernas que, segundo Bauman, são marcadas por uma permanente busca pela identidade: Em vista da volatilidade e instabilidade intrínseca de todas ou quase todas as identidades, é a capacidade de “ir às compras” no supermercado das identidades, o grau de liberdade genuína ou supostamente genuína de selecionar a própria identidade e de mantê-la enquanto desejado, que se torna o verdadeiro caminho para a realização das fantasias de identidades. Com essa capacidade, somos livres para fazer e desfazer identidades à vontade. Ou assim parece. (BAUMAN, 2001, pág.98).

Nesse contexto, a voz, enquanto linguagem oral humana, torna-se representação, expressão e modo de transformação. Outro aspecto do telejornalismo da TV Brasil que diverge das emissoras comerciais é a “linguagem local”. Inerentes à fala do repórter, sotaques e vocábulos incrementam a pluralidade cultural do discurso jornalístico. Comparado ao Jornal Nacional, por exemplo, que possui um sistema no qual um mesmo repórter cobre uma ampla “rede” de localidades, as reportagens no Repórter Brasil e no Jornal Visual são produzidas por jornalistas da própria região. Como a maioria dos repórteres da Rede Globo é da região Rio-São Paulo, estes se deslocam para outras regiões caso sejam designados para cobrir uma matéria. Como destacado anteriormente, essa perspectiva local, regional, é algo característico da emissora, como declarado pela mesma, “a TV Brasil busca oferecer ao telespectador programação diferenciada e privilegia conteúdos nacionais e regionais em suas diferentes faixas:

infantil,

jornalismo,

documentários,

debates,

programas

culturais

e

entretenimento” (TV BRASIL, 2010). Sendo a linguagem em si um meio de expressão plural, a “linguagem regional” é um modo potencial de representação e identidade no discurso de uma determinada mídia. O regionalismo, em uma cultura fragmentada por múltiplas identidades, é uma maneira de dialogar com o público através da representação. Como assinala Peruzzo, ao participarem de uma práxis cotidiana voltada para o grupo a que pertencem, os indivíduos se inserem em um processo social de “educação

informal” que contribui para a reelaboração das culturas populares e para a formação da cidadania. A presença, ao final de cada bloco, do “Povo Fala” no Repórter Brasil Noite, emerge uma voz popular independente às reportagens. Observamos que os argumentos, na maioria das vezes, contrários ou favoráveis, são colocados em sintonia numérica ao decorrer dos blocos no intuito de se equilibrar o debate em torno do tema tratado. Ao contrário do Repórter Brasil Manhã, que pauta a base do seu discurso em entrevistas com especialistas, o telejornal noturno possui uma maior preocupação em ouvir a população. No entanto, tal preocupação muitas vezes se torna confusa ao telespectador. A ocorrência de equívocos na legenda aliada ao grande número de fontes faz com que não haja uma identificação adequada dos entrevistados. Considerações finais Podemos observar na construção das matérias veiculadas no Repórter Brasil e no Jornal Visual, uma presença consideravelmente maior do que aquela verificada nas televisões comerciais. Seja através de um espaço maior para a presença popular durante as matérias, pelas discussões de temas polêmicos em quadros com sucessivas entrevistas antes da publicação da matéria relativa àquele tema ou mesmo com uma intenção mais abrangente de abarcar matérias de todas as regiões do país através de produções locais. Entretanto, tal pluralidade se esbarra no intuito da emissora de criar um modelo original de telejornalismo formador crítico de cidadania. Ou seja, apesar de se diferenciar em diversos aspectos do discurso das emissoras privadas (dando destaque à pluralidade de vozes), ainda se apresenta distante de um “novo modelo de telejornalismo”, já que a oferta de conteúdos variados de natureza informacional, cultural, artística e científica se coloca aquém do que está presente na carta de princípios da própria TV Brasil. Dentro deste novo modelo de telejornalismo a pluralidade de vozes seria maior em fatores que levam à construção de conceitos ligados à cidadania e à formação crítica de pessoas desde a escolha da pauta a ser executada até a forma de veiculação dessa notícia e, neste sentido, não percebemos uma variação temática que se mostrasse tão diferente nos telejornais da TV Brasil com relação aos outros meios de comunicação comerciais.

Dessa forma, torna-se necessário a continuidade em torno do estudo e do debate sobre um novo modelo de telejornalismo público de qualidade formador social de cidadania atrelada à construção coletiva e dialógica de uma emissora pública nacional. Referências bibliográficas BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Trad. Mauro Gama, Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: JZE, 2004. BECKER, Beatriz. Telejornalismo de qualidade: um conceito em construção. Anais do XV Congresso da Compôs. Bauru, UNESP, 2006. BUCCI, Eugênio. Brasil em tempo de TV. São Paulo: Boitempo Editorial. 1997. COUTINHO, Iluska. Dramaturgia do telejornalismo brasileiro: a estrutura narrativa das notícias em TV. Tese de doutorado (Umesp). São Bernardo do Campo, SP, 2003. ____________. Democracia eletrônica e televisão no Brasil: Os telejornais como espaço de disputa por hegemonia política e cultural. Anais do XI Congresso da Compós. Rio de Janeiro, UFRJ, 2002. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. FREIRE, PAULO. Ação Cultural para a Liberdade e outros escritos. São Paulo: Paz e Terra, 1984. GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide – para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Tchê, 1987. GOMES, Itania Maria Mota. Telejornalismo de qualidade – pressupostos teóricometodológicos para análise. Anais do XV Congresso da Compôs. Bauru, UNESP, 2006. KAPLÚN, Mario. Una Pedagogia de la Comunicación. Madrid (Espanha): Ediciones de la Torre, 1998. PERUZZO, Cicilia M.K. Comunicação nos movimentos populares - a participação na construção da cidadania. Petrópolis: Vozes, 1998. RINCÓN, Omar. In: Lutando por uma televisão melhor, Entrevista a João Freire Filho, ECO PÓS -publicação da pós-graduação em comunicação e cultura, v.7, n.1, E- papers Serviços Editoriais Ltda., Rio de Janeiro, 2004, p.113-125 TV Brasil. Disponível em http: www.tvbrasil.org.br. Acesso: 28 de setembro de 2010.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.