Telenovela mexicana no Brasil: produções de sentido sobre \"A Usurpadora\"

Share Embed


Descrição do Produto

TELENOVELA MEXICANA NO BRASIL: PRODUÇÕES DE SENTIDOS SOBRE “A USURPADORA” Joana d’Arc de Nantes1 Resumo: O presente artigo se propõe a investigar quais os sentidos produzidos pela audiência brasileira sobre as telenovelas mexicanas. A pesquisa tem como objeto de estudo a telenovela “A Usurpadora”, que foi transmitida seis vezes pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) e manteve êxito entre a audiência em todas as transmissões. Para o desenvolvimento deste trabalho, será apresentado o formato ficcional mexicano, salientando as características do modelo clássico, o qual coincide com o da telenovela estudada. Através de dados coletados em uma pesquisa realizada por meio de questionários e entrevistas com um grupo da audiência de “A Usurpadora”, composto por 204 pessoas na faixa etária de 14 a 55 anos, busca-se refletir se os sentidos produzidos pela recepção correspondem aos que o produto ficcional propaga. Palavras-chave: telenovela mexicana, A Usurpadora, audiência, produção de sentido. Introdução A cultura veiculada pelos meios de comunicação influi na constituição da vida cotidiana. Ela “[...] fornece o material com que muitas pessoas constroem o seu senso de classe, de etnia e raça, de nacionalidade, de sexualidade, de ‘nós’ e ‘eles’” (KELLNER, 2001, p. 9). Contudo, a recepção dos produtos advindos das mídias não ocorre de forma homogênea, direta e passiva. Nesse sentido, quando um produto midiático apresentar um discurso hegemônico, o público poderá concordar e reiterar, como também poderá resistir, ressignificar e desconstruir o que foi transmitido. Na América Latina, entre os produtos difundidos pela mídia televisiva, destacase a telenovela – um dos mais importantes formatos ficcionais da região (MAZZIOTTI, 2006). O gênero advém do melodrama, que segundo Martín-Barbero (1997) trata-se do modo de expressão mais próximo à maneira de viver e sentir do povo latino-americano, ele traz “muito do que somos – machistas, fatalistas, supersticiosos – e do que sonhamos ser, o roubo da identidade, a nostalgia e a raiva” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 304).

1

Mestranda em Comunicação na Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: [email protected]

As telenovelas circulam2 por diversas regiões e muitas questões que elas apresentam pautam conversas dentro e fora dos lares das populações. No contexto brasileiro, as narrativas nacionais não são as únicas que suscitam discussões. Nota-se que há uma parcela significativa de telespectadores que se interessam por tramas importadas, debatem e criam sentidos sobre conteúdos que elas oferecem. A medição de audiência do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), entre março e julho de 2015, aponta que, na maior parte do tempo, as telenovelas mexicanas exibidas a tarde no Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) mantiveram o segundo lugar. Dentre essas tramas estava “A Usurpadora”3 que foi lançada no Brasil em 1999 e reprisada pela sexta vez no ano de 2015, quando alcançou picos de 10 pontos de audiência – o que equivale a aproximadamente 6,8 milhões de indivíduos. Tendo em vista essas questões, o presente artigo busca apresentar e refletir sobre os sentidos produzidos pelos brasileiros acerca das questões apresentadas nas tramas mexicanas, utilizando-se como objeto de estudo a telenovela “A Usurpadora”. Para tal, evidenciam-se dados coletados por meio de um estudo4 com os telespectadores desse produto ficcional. Além disso, pontua-se como se constitui o modelo de tramas mexicanas desenvolvidas pela Televisa e exibidas no Brasil pelo SBT, uma vez que essas narrativas são diferentes do formato brasileiro. Assim, busca-se analisar se as perspectivas do público correspondem às da narrativa importada.

A telenovela mexicana

2

Desde 1950, há um fluxo de comercialização internacional de telenovelas. O primeiro país a exportar uma trama foi o México, em 1958, graças a chegada do videoteipe no país. Contudo, os mexicanos só se firmaram como exportadores desses produtos ficcionais na década de 1970 (MOTTA, 2006, p. 66), no mesmo período em que a Rede Globo deu início a venda internacional de telenovelas brasileiras. 3 “A Usurpadora” foi exibida pelo SBT nos anos: 1999, 2000, 2005, 2007, 2012/ 2013 e 2015. 4 O estudo apresentado neste artigo foi embasado na monografia Audiência da telenovela mexicana no Brasil: o caso de A Usurpadora, defendida na Universidade Federal Fluminense em 2016.

As telenovelas mexicanas tiveram origem na década de 1950 e, ao longo de todos esses anos, carregam marcas dos seus antecessores. É constante a presença do maniqueísmo, dos personagens arquétipos e do estímulo de diferentes emoções no espectador, aspectos esses comuns ao melodrama. Observam-se também os cortes regulares que mantêm o suspense da narrativa, tal como no romance-folhetim. O formato audiovisual em série descende da soap opera, enquanto a ênfase na oralidade durante a atuação provém da radionovela. Inicialmente, as tramas mexicanas se consolidaram como designadas para o público feminino, assim como as soap operas, sendo apresentadas no período vespertino, geralmente tratando sobre o amor. Em seguida, se coloca como uma programação para os telespectadores adultos, tanto homens, quanto mulheres, inaugurando as produções no horário noturno. Aos poucos passa a abranger as audiências jovens e também começa a desenvolver narrativas para as crianças. Assim sendo, a telenovela mexicana firma-se como um produto para públicos variados. De acordo com Orozco (2006), a trajetória das telenovelas mexicanas é dividida em cinco fases5. A primeira corresponde à etapa denominada “pré-histórica” – vai de 1951 até 1956 – onde as telenovelas eram apresentadas ao vivo. A segunda fase é chamada “artesanal” e se inicia em 1957, com a chegada do videoteipe no país. Nesse período a temática mais comum é da necessidade do reconhecimento pelo outro, com histórias de “[...] reconhecimento do filho pela mãe ou pai desconhecido, reconhecimento da mãe pelo seu filho, do avô rico pelo neto desaparecido, [...] o reconhecimento do que ama em segredo, sem poder confessar” (OROZCO, 2006, p. 25, tradução nossa) e tantos outros. O terceiro momento é intitulado “industrialização” e começa em meados dos anos 1970 e perdura até o final dos anos 1980. Nesse período, há uma diferenciação de temáticas entre as telenovelas mexicanas. Além disso, se consolida a produção industrial em países como Brasil e México, e grandes emissoras como a Televisa e a Rede Globo se firmam em seus territórios. 5

As quatro primeiras fases foram estabelecidas por Nora Mazziotti em sua obra La industria de la telenovela (1996) e são listadas por Orozco (2006) que acrescenta uma última etapa.

Nos anos 1990 ocorre a fase seguinte e refere-se à “transnacionalização”. Como relata Orozco (2006), nesse momento as telenovelas mexicanas transformam-se em um fenômeno de audiência. Elas transitam não só pela região através das tramas, de seus atores e outras múltiplas formas, como também viajam por todo o mundo (OROZCO, 2006, p. 27). A produção sistemática de melodramas televisionados se estabelece no México e em outros países. A última etapa, acrescida por Orozco (2006) à categorização de Mazziotti, é a denominada “mercantilização” e acontece dos anos 2000 em diante. Nela, as telenovelas mexicanas são feitas acima e antes de tudo para serem vendidas. O pesquisador destaca que nesse estágio surge a fórmula de franquia de telenovelas, em que se compra a obra e inúmeras indicações e elementos que devem ser mantidos para garantir a origem da trama (OROZCO, 2006, p. 32). No decorrer do percurso das telenovelas mexicanas, é possível classificá-las em alguns subgêneros contínuos: “as clássicas, conhecidas também como os grandes sabões, as telenovelas infantis ou juvenis, as educativas e as tradicionalistas, que tendem a mesclar a comédia com o sentimental.” (GALLARINO, 2011, p. 55, tradução nossa). A pesquisadora Nora Mazziotti (2006) aponta que o modelo mexicano, em especial

aquele

desenvolvido

pela

Televisa,

apresenta

ainda

características

fundamentais, tais como: 1) a moralidade católica como um ponto determinante – as expressões de religiosidade estão sempre presentes e só se alcança a redenção através sofrimento; 2) os valores morais estabelecidos são respeitados e com isso as transgressões são castigadas e não há espaço para novos pontos de vista; 3) as histórias têm alto nível de obviedades, que podem torná-las tanto engraçadas quanto comoventes; 4) não há lugar para erotismo nas tramas, – a sensualidade é associada ao vilão e deve ser vista como algo negativo; 5) os personagens normalmente são arquetípicos (entre eles, são comuns a mãe, a vilã, a inocente, o ambicioso entre outros) e apresentam caracteres imutáveis os quais são revelados não só através da atuação mas também da maquiagem e da vestimenta. Atualmente, pode-se afirmar que algumas produções mexicanas estão apresentando modernizações. Nota-se a inclusão de personagens híbridos, ou seja, não são inteiramente bons ou ruins. Há também a presença de personagens homossexuais, a

apresentação de situações relacionadas com fatos reais e em voga na sociedade mexicana. O gênero mistura-se com outros, gerando novos tipos de telenovela. Contudo, salienta-se que embora atualmente estejam sendo apresentados tipos mais diversificados de tramas mexicanas, o modelo “sabão” ainda é predominante e, em todas as tramas, mesmo que as modernas, se mantém a estrutura básica do melodrama. As tramas continuam tendendo para o exagero das emoções e das ações, impulsionando distintas sensações no telespectador (GALLARINO, 2011). Nesse sentido, é necessário pontuar que as telenovelas mexicanas se diferenciam das atuais produções brasileiras, onde são apresentadas temáticas que refletem mais questões do cotidiano. Nas tramas brasileiras os personagens não são apresentados de maneira marcada como nos dramas mexicanos, o modelo é mais condescendente em relação à moralidade. Os atores interpretam de forma mais natural as emoções (MAZZIOTTI, 2006). Dessa forma, a maioria das telenovelas brasileiras se aproximam mais do realismo. Porém, acrescenta-se que o modelo brasileiro nem sempre se estruturou desse modo, nos primeiros anos as produções se inspiravam em roteiros latino-americanos (argentinos, cubanos e mexicanos) com atuações excessivamente dramáticas. A transformação na linguagem da telenovela brasileira iniciou-se devido à “Beto Rockfeller” (1968), que se configurou como “um divisor de águas” na teledramaturgia nacional (ALENCAR, 2004, p. 51). A partir de então, as produções inteiramente locais se intensificaram. Contudo, em 1982, no sentido contrário a esse movimento, o canal de TV SBT recuperou os textos estrangeiros, importando e transmitindo a primeira telenovela mexicana no Brasil. Assim, durante seus 34 anos no ar, a emissora de Silvio Santos ainda mantém em sua programação tramas importadas. A história que “A Usurpadora” conta Nora Mazziotti (2006) afirma que o interesse em escutar e relatar histórias existe há muitos anos. Em todas as culturas circulam anedotas, acontecimentos, contos. Para ela, todas as pessoas têm alguma experiência em contar ou ouvir narrativas. Então, se em um primeiro momento havia apenas relatos orais e depois acrescentaram-se os

escritos, nos últimos sessenta anos, na TV, a telenovela também ocupa esse papel. Ela envolve os telespectadores contando seus romances através de imagens, falas e sons. De fato, a história que a ficção seriada televisiva narra constitui-se como um dos pontos para conquistar a audiência. A trama central de “A Usurpadora” – título original “La Usurpadora” – conta a história de Paulina Martins e Paola Bracho, duas mulheres com aparência idêntica, mas com personalidades e classes sociais diferentes. Paulina é uma mulher boa e simples, enquanto Paola é rica, fria e calculista. Por uma casualidade do destino, Paola e Paulina se conhecem e Paola vê nesse encontro a oportunidade de se afastar um pouco de sua família para aproveitar a vida. Então, Paola propõe que Paulina assuma seu lugar por um ano. A princípio Paulina não aceita, mas Paola forja um roubo e a ameaça para forçá-la a aceitar a proposta. Dessa forma, Paulina é obrigada a aceitar o acordo e passa a viver como uma usurpadora na família Bracho. O que essas mulheres não sabem é que elas, na verdade, são gêmeas. Paola havia sido abandonada pela mãe e adotada por uma família rica, e Paulina continuou sendo criada pela sua mãe biológica. Durante sua estadia na casa da família Bracho, se passando por Paola, Paulina consegue conquistar a todos, dedicando-se à família de sua irmã e aos negócios dos Bracho. No decorrer da trama, Paulina se apaixona pelo marido de sua irmã, Carlos Daniel – interpretado por Fernando Colunga –, e ele se vê cada vez mais encantado por sua mulher, que tem se tornado uma pessoa bondosa e amorosa, mas, na verdade, é Paulina. Quando toda família já sabe que Paulina é uma usurpadora e a aceitam, inclusive Carlos Daniel, Paola volta para retomar seu lugar. Ao final da trama, Paulina é julgada pelo crime de usurpação e inocentada. Já Paola sofre um grave acidente e em seu leito de morte pede perdão à sua irmã Paulina e à sua família. Após receber o perdão de todos, Paola morre. No fim da telenovela, Paulina e Carlos Daniel se casam e vivem felizes com sua família.

A amostragem A partir de um questionário disponibilizado on-line e da realização de entrevistas individuais coletou-se informações com telespectadores de telenovelas mexicanas, especificamente os que assistiram “A Usurpadora”. A amostra de público desta investigação constitui-se por 168 mulheres e 36 homens, entre 14 e 55 anos,

apresentando um número maior de telespectadores na faixa etária de 21 a 30 anos. Dentre essas pessoas foram entrevistados individualmente cinco mulheres e um homem, na faixa etária de 20 a 25 anos, através de videoconferências e chamadas por telefone. Na amostragem, constataram-se moradores de 20 estados brasileiros, sendo: 85% oriundo da região sudeste, 5% da região nordeste, 4% da região norte, 3% da região sul e 3% da região centro-oeste. Quanto ao nível de escolaridade, mais da metade tem o nível superior incompleto, em andamento ou concluído. Enquanto entre as ocupações foram citadas 71 diferentes, como por exemplo: advogados, chefes de cozinha, contadores, engenheiros, militares, servidores públicos etc. Destaca-se que foram contabilizados 59 estudantes e 29 professores, o que corresponde a 43% da amostragem. Observou-se também que apenas 8 pessoas estão desempregadas e 1 está aposentada. Em relação à renda familiar dos pesquisados, 8% recebe até um salário mínimo; 35% tem uma renda acima de um salário mínimo alcançando até três; 43% soma de quatro a seis salários mínimos; e 14% possui uma renda de sete salários ou mais. Durante a pesquisa com a audiência, propunha-se investigar as motivações para o êxito das tramas mexicanas no Brasil, mas, para além disso, as falas assinalaram alguns sentidos produzidos sobre as telenovelas mexicanas e as questões que elas abarcam, especialmente as relacionadas com “A Usurpadora”. Assim sendo, serão apresentadas a seguir algumas dessas significações que apareceram entre a amostragem. Diferentes olhares e produções de sentidos sobre “A Usurpadora” O enredo central da maioria das telenovelas mexicanas corresponde ao modelo da “novela rosa”. Refere-se a “história da moça pobre, que se apaixona por um rapaz rico e passa por diversas dificuldades para que o amor dos dois seja aceito. Sempre há uma vilã que deseja unir-se ao dito cujo, na maioria das vezes para herdar sua fortuna” (MOTTA, 2006, p. 43). Nas apreciações de parte do público estudado, devido a essa característica, as telenovelas mexicanas são apontadas como “conto de fadas”: “[...] um conto de fadas trazido para nossos dias” (Mulher, 25 anos, produtora/ gerente financeira, RJ) e “As novelas mexicanas são como contos de fadas, porém sem magia e príncipe encantado” (Mulher, 19 anos, agente de atendimento, SP). Além disso, alguns

comentários compararam as telenovelas mexicanas e brasileiras, indicando a preferência pelas importadas devido à história “fantasiosa” que apresentavam, em comparação à “realidade” 6 das tramas nacionais. [...] as novelas brasileiras sempre entram num drama cotidiano. As novelas mexicanas não, quase sempre é aquela coisa do conto de fadas. É a mocinha pobre que fica rica, que se apaixona pelo mocinho rico, que tem uma vilã que quer destruir tudo. Então, esse fato de você ver uma fantasia é a principal diferença. Eu costumo brincar, falando que eu não assisto novelas brasileiras, no caso novelas da Globo, porque elas tentam retratar, assim, entre aspas, a vida real. E para ver vida real, eu prefiro assistir um noticiário policial do que uma novela. A novela eu assisto para ter aquela fantasia, por isso que eu prefiro as tramas latinas (Mulher, 25 anos, recepcionista).

Mazziotti (1993) ao constatar que a telenovela Carrossel, transmitida pelo SBT no início da década de 1990, passou a Rede Globo em audiência, aponta que talvez as pessoas estivessem saturadas de novelas que abordavam o que elas experimentavam diariamente. Assim, buscavam romper com a realidade e “viver”, ao menos por uma hora, em um mundo imaginário, no qual o bem e o mal estariam em lugares precisos (MAZZIOTTI, 1993, p. 45). No contexto brasileiro, destaca-se o caso da telenovela Pantanal (1990), exibida pela TV Manchete, que, embora, tenha abordado a identidade brasileira, fugiu das problemáticas da população urbana e resgatou um mundo rural. Em um período no qual o país estava assolado pela crise política desencadeada pelo Presidente Collor, Pantanal trouxe a natureza como cenário principal. A trama apresentou um “lugar mágico, bonito, sensual, livre de toda a turbulência do mundo urbano, onde os homens poderiam existir em comunhão com a natureza” (BECKER; MACHADO, 2008, p. 2). Assim como Carrossel, Pantanal foi um sucesso de público e chegou a ultrapassar a audiência da Rede Globo em São Paulo. Nas falas dos entrevistados é notável que as colocações dos pesquisadores são percebidas ainda nos anos de hoje. Assim, as telenovelas mexicanas são compreendidas por algumas pessoas como um “mundo irreal”, no qual é possível escapar por um tempo dos problemas enfrentados dentro e fora da vida privada. Contudo, esse aspecto não 6

Salienta-se que mesmo abordando questões da vida cotidiana, a telenovela brasileira continua sendo um produto ficcional e, como tal, não abarca a simples realidade; trata-se do ponto de vista do autor sobre as questões retratadas.

impossibilita que a audiência associe elementos da trama com seu dia-a-dia e formulem sentidos sobre o que é exibido. Pelo contrário, notou-se nas respostas dos telespectadores de “A Usurpadora” que há um reconhecimento com o conteúdo apresentado e distintas interpretações. De acordo com Mazziotti (2004), as telenovelas falam de situações humanas básicas – amor, ódio, desencontros, fracassos e triunfos e aprendizagem – que podem ser compartilhadas por todas as pessoas (MAZZIOTTI, 2004, p. 396-397). Nesse sentido, argumenta-se que assuntos como a luta e a superação contra um problema pessoal, como o vício, contribuem para cativar e envolver o público. Nas respostas, observou-se que os pesquisados indicaram essa questão presente na telenovela estudada através da personagem Vovó Piedade, que sofria de alcoolismo, por culpa de Paola, e com a ajuda de Paulina consegue se libertar do vício. Alguns relataram ainda ser uma das partes que mais gostavam. Na história de “A Usurpadora”, assim como no melodrama clássico, há um apreço por valores tradicionais, como, por exemplo, o valor à família. Duas entrevistadas notabilizaram essa questão em alguns aspectos da trama: “[...] história de amor entre Paulina e Carlos Daniel e o respeito dela com o casamento da Paola, mesmo sabendo que a esposa trai o marido” (Mulher, 30 anos, Estudante, RJ) e “Os valores passados na novela, o que raramente vemos hoje” (Mulher, 20 anos, Estudante, PA). Observa-se também na trama a característica moralizante do pilar melodramático expressa pelo triunfo do bem contra o mal. O que garante que ao final, embora a Paola reconheça suas maldades, ela será castigada com a morte. Dessa forma, a princípio, poderia se esperar que a Paola fosse odiada pelas suas crueldades. Porém, para mais da metade da amostragem, a vilã é eleita a personagem de mais destaque. Existem diversas razões para o favoritismo da antagonista. Alguns afirmam gostar de suas vilanias, sem fazer juízo de valor sobre os atos: “Eu gosto das vilanias de Paola Bracho” (Mulher, 32 anos, Secretária, RJ) e “[...] o que mais gosto é das perversidades da Paola” (Mulher, 21 anos, Assistente Administrativa, RJ). Outros reconhecem as maldades, mas destacam outras características que aparentemente sobressaem: “[...] eu acho que é a mais vilã que eu já vi. Pior vilã que já vi, eu acho. Mas assim, ao mesmo tempo uma vilã alegre, divertida” (Mulher, 25 anos, advogada).

Em contrapartida, têm aqueles que frisam, como motivo pela predileção pela Paola, diferentes atributos da personagem. A entrevistada M2, por exemplo, assinala a personalidade, a determinação e a sensualidade: [...] é claro que eu prefiro a Paola, né? Não que eu me pareça com ela, mas eu admiro uma personalidade como a dela, que faz o que quer, da forma que quer, atinge os objetivos. Porque no fundo, no fundo, todo mundo quer conseguir o que se deseja. Mas nem todo mundo tem coragem de passar por cima de tanta coisa. Então, a maioria das pessoas que gostam da Paola são porque gostam do boy e não tem coragem de chegar nele e a Paola lá seduz todo mundo, né? Então, é praticamente impossível olhar a Paola e não ter algo dela que você gostaria de ter (Mulher, 21 anos, autônoma).

É significativo como a leitura de cada pessoa será diferente sobre cada personagem. A estagiária de 21 anos discorreu sobre a Paola como o retrato de uma mulher livre: “[...] a Paola é toda aquela sensualidade, né? Representa libertação da mulher, que a mulher não deve ser submissa ao marido e tal. Isso me chama bastante atenção”. Assim, ela deixa em segundo plano as vilanias da personagem e não indica como negativo a Paola ter traído tantas vezes o marido.

Considerações finais Entende-se que as produções ficcionais das mídias carregam sentidos quando são produzidas. Porém, eles não são fechados, uma vez que o público pode ter distintas interpretações sobre o que é apresentado, bem como a criar novos sentidos ou corroborar com aquele oferecido pelo produto. Além disso, sabe-se que a recepção não se dá apenas no ato de assistir, ela inicia antes e tem continuidade depois através das conversas sobre as narrativas (LOPES; BORELLI; RESENDE, 2002, p. 40-41). Dessa forma, existem diversos fatores que podem atravessar os olhares da audiência, tais como: o ano de exibição da trama, o local onde a pessoa mora, o ambiente em que ela circula, entre outros inúmeros aspectos. Através dos dados coletados, observou-se que os telespectadores de “A Usurpadora” possuem distintas percepções sobre o que a trama apresenta. Evidencia-se isso nos casos em que uma pequena parcela do público salientou os valores tradicionais presentes na trama, enquanto a maioria destacou a vilã, que vai contra todo e qualquer valor tradicional e moralidade.

É fundamental pontuar que não é a intenção deste trabalho abarcar a totalidade de sentidos produzidos pela audiência sobre as questões expostas nas telenovelas mexicanas no Brasil. Busca-se assinalar as distintas interpretações dos públicos, que direcionam para algumas considerações, as quais podem nortear estudos posteriores. Desse modo, destaca-se, por exemplo, a ressignificação feita pelo público da vilã, sendo vista entre os pesquisados – a maioria mulheres – como um sinônimo de sexualidade e um reflexo da libertação da mulher. A partir dessa colocação é possível refletir em novos trabalhos sobre a construção de gênero, bem como a noção de sexualidade, entre outros aspectos.

Referências bibliográficas ALENCAR, Mauro. A Hollywood brasileira: panorama da telenovela no Brasil. Rio de Janeiro: Senac, 2004. BECKER, B.; MACHADO, A. . Pantanal: a reivenção da telenovela. In: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2008, Natal - RN. XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, v. 1, 2008. GALLARINO, Florencia. El melodrama y las telenovelas mexicanas. In: Ensayos sobre la Imagen. Edición IX Trabajos de estudiantes de la Facultad de Diseño y Comunicación Año VIII, Vol. 42, Noviembre, Buenos Aires, Argentina, 2011, p. 53-56. IBOPE.

Audiência

de

Vídeo.

22

jul.

2015.

Disponível

em:

. Acesso em: 29 abr. 2016. KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru, SP: EDUSC, 2001. LOPES, M.I.V.; BORELLI, S.H.S. e RESENDE, V.R. Vivendo com a telenovela. Mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo: Summus Editorial, 2002. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. MAZZIOTTI, Nora. Creer, llorar, reír. In: Chasqui, n. 46, jul, 1993. p.42-45. MAZZIOTTI, Nora. Telenovela: Industria y Prácticas Sociales. Buenos Aires: Grupo Editoral Norma, 2006.

MOTTA, Fernanda Gosser. Muito além da maquiagem carregada: O sucesso das telenovelas mexicanas no Brasil – A visão dos telespectadores. Vitória: FAESA, 2006, 110 p. Monografia (Comunicação Social, habilitação em Jornalismo), Faculdades Integradas São Pedro, Vitória, 2006. OROZCO, Guillermo. La telenovela en Mexico: ¿de una expresión cultural a un simple producto para la mercadotecnia? In: Comunicación y Sociedad, Guadalajara, n. 6, p. 1135, jul./dez. 2006.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.