televisão, família e escola: fontes informativas sobre deficiências

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Temas sobre Desenvolvimento 2011; 18(102). Original Vieira CM, Denari FE. Televisão, família e escola: fontes informativas sobre deficiências. Temas sobre Desenvolvimento 2011; 18(102):77-82. Artigo recebido em 25/03/2011. Aceito para publicação em 13/10/2011.

televisão, família e escola: fontes informativas sobre deficiências camila mugnai vieira1 fátima elisabeth denari2

(1) Mestre em Educação Especial, Docente da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA), SP. (2) Doutora em Educação, Docente da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), SP. Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) / PROESP / CAPES, SP. CORRESPONDÊNCIA Camila Mugnai Vieira e-mail: [email protected].

RESUMO TELEVISÃO, FAMÍLIA E ESCOLA: FONTES INFORMATIVAS SOBRE DEFICIÊNCIAS: As crianças, desde muito cedo, aprendem quais são os grupos estigmatizados e como devem ser tratados. Aprendem formal e informalmente, ouvindo e observando as pessoas e o mundo ao seu redor. A construção das representações infantis sobre as deficiências ocorre, entre outros meios, pelo acesso a informações sobre o tema, que podem vir de seus cuidadores, da mídia, da escola, entre outros. O presente trabalho fez parte de uma dissertação de mestrado em que se analisaram os efeitos de um programa educativo, que trata da temática da deficiência mental com estratégias voltadas ao público infantil, sobre as concepções e as atitudes de crianças não deficientes. O presente artigo tem como objetivo a caracterização inicial dessas crianças quanto a seu acesso a informações sobre deficiências, identificando se as crianças já tinham acesso a essas informações, qual a fonte e o que as crianças recordavam dessas informações. Participaram do estudo 40 crianças, de duas salas de primeira série de uma escola estadual de Marília, SP. As crianças passaram por entrevistas individuais semiestruturadas. Muitas crianças afirmaram não ter acesso a informações sobre o tema. Entre as que tiveram, a televisão foi a fonte de informações mais citada, e entre os conteúdos recordados estão características das deficiências, relações com doenças e incentivo à solidariedade. Os dados enfatizam a necessidade de a mídia ampliar sua preocupação com os conteúdos veiculados, de pais e professores envolverem-se mais com o tema, procurando se informar e rever as próprias concepções, com o intuito de transformar o assunto em algo que faça parte do cotidiano escolar e familiar. Descritores: Educação infantil, Deficiência, Família, Representações sociais. ABSTRACT TELEVISION, FAMILY AND SCHOOL: INFORMATIONAL SOURCES ON DISABILITIES: Children learn very early which groups are stigmatized and how they should be treated. They learn formally and informally, by listening and watching people and the world around them. The construction of children's representations about disabilities starts with access to information on the subject, which may come from their caregivers, media, school etc. This work is part of a monograph that examined the effects of an educational program involving strategies for non-disabled children on conceptions and attitudes concerning mental disability. This paper refers to the initial characterization of these children and their access to information on disability, and to identifying previous access, source and memory of such information. The study included 40 children from two classrooms of the first grade of a public school in Marília, SP. The children were interviewed using an individual semi structured questionnaire. Many children said they did not have access to information on the subject. Among those who had previous access to the information, the television was the most frequent source of information, and characteristics of the deficiencies, relations with diseases and encouragement of solidarity were among the contents reminded by them. The data emphasize the need for the media to expand concerns with the content presented to the public, for parents and teachers to become more involved with the issue, seeking to be informed and revise their own conceptions, in order to transform the subject into something that is part of daily school and family environment. Keywords: Children education, Disabilities, Family, Social representations.

As crianças aprendem quais os grupos estigmatizados e os estereótipos sobre esses grupos por intermédio dos pais, dos professores, da televisão, dos livros e de outros 1 agentes de socialização . O papel da família é fundamental na formação de toda criança. Os pais influenciam ativamente a formação de opiniões, valores e os sentimentos de seus filhos, por meio de seus próprios comportamentos, servindo, assim, como

modelo, mediante regras e conselhos repetidos ao longo da vida da criança e mediante condições intelectuais, culturais e sociais oportunizadas a seus filhos, tais como o contato com diferentes grupos e ambientes sociais, o acesso a livros, música e programas televisivos, entre outros. Muitas vezes, a família não se sente à vontade para falar com seus filhos sobre a diversidade do mundo e as deficiências. Isso pode ocorrer pelo desconhecimento do

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Temas sobre Desenvolvimento 2011; 18(102). assunto ou pelo desconforto psicológico causado pelo tema. Os adultos têm pouco conhecimento sobre o tema e concepções equivocadas especialmente sobre as dificul2 dades de aprendizagem . Assim, os pais não falam sobre o tema, não respondem às perguntas das crianças, desviando o assunto quando questionados, ou ainda transmitem suas concepções equivocadas, reproduzindo estereótipos e preconceitos. Desse modo, as crianças aprendem que a diferença é motivo de constrangimento e que tem conotação negativa. É evidente que a escola também tem papel essencial na formação das pessoas. Os conteúdos trabalhados na escola, tanto formais quanto aqueles transmitidos informalmente na relação professor-aluno e entre os próprios alunos, são responsáveis por grande parte das concepções e das atitudes das crianças frente ao mundo. Portanto, os professores devem tomar cuidado em relação a como apresentam seu ponto de vista sobre a deficiência. Esse deve ser um esforço consciente, uma vez que, sem perceber, o professor pode passar mensagens equivoca3 das e perpetuar estereótipos . A mídia e a literatura também influenciam e contribuem para a construção de visões de mundo e de atitudes. Todos os dias as pessoas têm acesso a enorme gama de imagens e informações dos meios de comunicação, especialmente da televisão. São mensagens que, além de informar e entreter, influenciam de alguma forma opiniões, atitudes e comportamentos, ditam padrões de beleza e de normalidade. Atualmente, os meios áudio-visuais têm compartilhado cada vez mais com a escola e com os pais o papel educativo. Torna-se fundamental refletir sobre esses meios de comunicação e repensar seu papel social na formação de opiniões 4 e atitudes, especialmente das crianças . De um modo geral, a mídia valoriza a perfeição corporal, a habilidade mental, a proficiência verbal, e desvaloriza deficiências e desfigurações. Um estudo sobre mensagens televisivas sobre o tema das deficiências revelou que muitas veiculações induzem a uma visão não realista do deficiente e podem construir visões mistificadas e não levar a um 5 entendimento crítico do assunto . Algumas mudanças vêm sendo observadas neste âmbito, com a presença de pessoas com deficiência em telenovelas, filmes, telejornais e comerciais, em interação com a sociedade geral, mostrando suas limitações e habilidades. No entanto, a maioria das mensagens, especialmente em campanhas publicitárias, ainda é respaldada por apelos emocionais, parecendo buscar e/ou produzir nas pessoas um sentimento de responsabilidade pela deficiência, imputando-lhes certa dose de culpa. Além disso, geralmente relacionam a deficiência ao apelo financeiro das instituições. Tais mensagens tendem a gerar sentimentos de comiseração diante das pessoas com deficiência, como se fossem incapazes e desprotegidas, e comportamentos de caridade e superproteção, permanecendo, assim, atreladas ao assistencialismo exacerbado.

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Entende-se que a televisão pode e deve servir como um veículo importante para informar, esclarecer a temática da deficiência, tornar o desconhecido familiar, incentivar 6 interações e valorizar as diferenças , principalmente pelo seu poder de influência e pelo grande número de pessoas que a ela têm acesso. Ela deve mostrar pessoas deficientes como modelos, relacionando-as com habilidades. É importante que seja dada “visibilidade” à deficiência, que as pessoas com deficiência apareçam na TV, em lugares públicos cotidianos. O aumento da visibilidade pode, por um lado, encorajar os deficientes à participação social mais ampla e, por outro lado, sensibilizar as pessoas sem 6 deficiência para diminuir preconceitos . É fundamental ressaltar o papel dos pais e da escola na escolha e no julgamento qualitativo dos livros e dos programas televisivos aos quais as crianças têm acesso. Também lhes cabe promover uma leitura crítica e reflexiva por parte da criança, para que ela não tenha apenas acesso a um material sobre o tema, mas sim a um material de qualidade, que não reproduza estereótipos e que, a partir do seu conteúdo, possa, de alguma forma, transcender algo para sua vida. O contato com pessoas com deficiência geralmente não é propiciado na grande maioria dos ambientes sociais. Quando ocorre, geralmente não há qualquer preparo prévio dos envolvidos, o que pode prejudicar toda e qualquer forma de interação, devido às dificuldades em lidar com as diferenças significativas. Ocorre acúmulo progressivo de informações inadequadas sobre a deficiência que todos recebem desde a infância. Logo, a forma mais eficaz de se combater o preconceito é impedir que ele se instale ainda 7 na infância por meio da informação adequada . Considerando esses aspectos, o presente trabalho analisou o acesso de crianças a informações sobre as deficiências, tendo como objetivo investigar se as crianças já haviam tido acesso a informações sobre o tema, qual a fonte dessas informações e quais conteúdos foram retidos pelas crianças.

Método Participaram do estudo 40 crianças sem deficiências de duas salas do primeiro ano do ciclo I do Ensino Fundamental, de períodos opostos (chamadas de salas 1 e 2, cada uma com 20 crianças), de uma escola estadual de uma cidade do oeste paulista. A todas as crianças foram aplicadas entrevistas individuais semiestruturadas, que foram gravadas. As entrevistas foram realizadas após uma contextualização da temática para as crianças, por meio de um vídeo que apresentava crianças com deficiência e após a solicitação para que cada criança realizasse um desenho dela própria e de uma criança deficiente mental (como ela conhece ou imagina que seja). Este desenho não foi analisado e serviu

Temas sobre Desenvolvimento 2011; 18(102). apenas como um disparador para a entrevista, um elemento que permitiu iniciar a abordagem da temática com as crianças. Vários assuntos foram abordados nas entrevistas, com o objetivo de investigar as concepções e atitudes das crianças com relação à deficiência mental e à inclusão. Entre as perguntas feitas, questionou-se às crianças se elas já haviam ouvido algo a respeito de pessoas com deficiência mental ou se alguém já lhes tinha explicado algo a respeito. Caso isso tivesse ocorrido, perguntou-se quem havia dito algo ou onde haviam ouvido sobre o tema, inclusive indicando possíveis alternativas às crianças, como pais, professores, televisão e livros. Além disso, perguntou-se o que elas recordavam do que haviam ouvido. As entrevistas foram transcritas na íntegra. A pesquisadora realizou várias leituras das entrevistas, e as respostas foram organizadas em categorias, a partir da análise de conteúdo. Após essa etapa, foram calculadas as frequências absolutas e percentuais das categorias em cada questão, e os resultados foram analisados à luz da literatura pertinente.

Resultados Quarenta e cinco por cento (45%) das crianças de cada sala disseram já ter ouvido algo ou já ter recebido alguma explicação sobre pessoas com deficiência mental. Mais da metade das crianças (55%) disse nunca ter tido acesso a informações sobre a deficiência mental, o que possivelmente se estende a todas as deficiências, uma vez que grande parte das crianças não as diferenciava. Das crianças que disseram já ter recebido explicações sobre pessoas com deficiência mental, algumas apontaram mais de uma fonte de informação. A fonte de informação mais citada foi a televisão, representando 70% das respostas em uma das salas e 40% na outra, ou seja, sete e quatro crianças, respectivamente. As demais fontes de informação foram distribuídas na sala 1 em 10% das respostas cada uma (professores, pais e outros parentes), ou seja, uma criança cada. Na sala 2, os professores foram a fonte menos citada, estando presentes no relato de apenas uma criança. Os pais foram citados por duas, e outros parentes, por três crianças. Entre os outros parentes citados pelas crianças estão irmãos, avós e tios. Entre as informações recordadas pelas crianças estão aquelas relacionadas às deficiências física e sensorial, aspectos relacionados à deficiência mental e conteúdos que associam a deficiência à doença ou buscam explicar suas causas. Exemplos desses conteúdos podem ser observados nos relatos a seguir: Meus pais falaram que as crianças retardadas mental nasceram com um problema na cabeça que não informou um pouco direito e quando é nenê não pode bater forte a cabeça, senão fica com esse probleminha. (Paulo, sala 1).

Minha mãe me falava às vezes. Ela falava que alguns não podia andar, não tinha braço pra comer, igual aqueles que fica só até o cotovelo, um só tem a perna até o joelho. (Ingrid, sala 2).

Outras respostas mencionam conteúdos que incentivam o respeito e a solidariedade com as pessoas deficientes. O relato abaixo exemplifica esses conteúdos: Minha professora falou que não pode maltratar eles, não pode brigar com eles, maltratar eles, senão eles ficam muito tristes, nervoso. (Caio, sala 1).

O conteúdo das informações menos apontado por ambas as salas se refere a explicações sobre as capacidades e as habilidades das pessoas com deficiência mental, o qual foi indicado por apenas uma criança da sala 1. A Tabela 1 aponta os resultados:

Tabela 1. Informações prévias sobre deficiências recordadas por 40 crianças. SALA 1 ASPECTOS RELACIONADOS A

n

%

Doença / problema

2

Capacidades

1

Respeito e solidariedade

SALA 2 n

%

16,7

2

22,2

8,3

0

0

3

25,0

3

33,3

Deficiência física e sensorial

4

33,3

3

33,3

Deficiência mental

2

16,7

1

11,1

TOTAIS

12

100

9

100

Discussão A falta de acesso a conhecimentos e informações sobre a temática das deficiências condiz com outros estudos já 8-10 realizados . Esse desconhecimento pode se refletir nas respostas apresentadas a outras questões da entrevista por algumas crianças, nas quais apresentam confusão entre as deficiências, pouca percepção das habilidades dos deficientes e pouca compreensão de suas limitações. A literatura indica que, entre as implicações da falta de informações sobre o tema, está o aumento do preconceito e 11 dos estereótipos . Assim, alguns autores defendem a ampliação de informações oferecidas sobre o tema à socieda12-15 de em geral e, especialmente, à comunidade escolar . A televisão foi apontada pela maioria das crianças como a principal fonte de informações sobre deficiências. Tais crianças pareceram remeter-se a programas de TV, telejornais, filmes e campanhas institucionais. Esses dados ressaltam a importância apontada por vários autores de se estudarem os efeitos da televisão nas concepções e 7-9 nas atitudes das pessoas, em especial das crianças .

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Temas sobre Desenvolvimento 2011; 18(102). Com relação às deficiências e às mensagens que são transmitidas, ressalta-se a preocupação com o conteúdo veiculado. Muitas vezes, a exibição de pessoas com deficiência na TV está relacionada ao apelo emocional ou financeiro e acabam por gerar sentimentos de culpa e 8 comiseração por parte dos telespectadores . O fato de pais, professores e outros parentes serem indicados por poucas crianças como fontes de informação sobre o tema pode indicar que não estão intermediando os conteúdos transmitidos pela mídia e que não têm abordado a questão junto a seus filhos e alunos, pelo menos de uma forma que tenha sido significativa para as crianças. As dificuldades em a família e os professores falarem sobre as deficiências e as diversidades com as crianças são apontadas por vários autores. Tais dificuldades podem estar relacionadas ao desconhecimento sobre o assunto e a aspectos emocionais e psicológicos por ele disparados, que 1,3,5,15 influenciam as concepções e as atitudes das crianças . As falas das crianças revelam a postura dos pais diante do tema de modo bastante interessante: Quando eu via (pessoas com deficiência), eu falava: “Mãe, por que essas crianças são diferentes da gente?” Minha mãe nunca falou para mim. Falava que também não sabia, mas tava na cara dela que ela tava mentindo... Eu acho que ela queria falar, mas a boca dela não queria. Minha mãe já falou um pouco, mas não é de tocar nesse assunto... Ela já me contou que os deficientes... Falou: “Mônica, essas crianças são diferentes porque são deficientes”. ... Na TV é difícil ver essas coisas. Assisto Cultura, Futura, mas tem às vezes umas propagandas, mostra no colégio uma criança deficiente com o lápis na mão. Não na TV, num cartaz grande. (Mônica, sala 1). ... os adultos têm cabeça e coração diferente das crianças e não entendem as coisas. Às vezes, não gostam de algumas pessoas e nem sabem por que, nem sabe o que é deficiente e não gostam nem de olhar. Eu acho que estão errados. (Priscila, sala 1).

As crianças costumam ter curiosidade sobre a diversidade humana e buscam respostas às suas perguntas junto aos pais ou aos educadores, ou seja, junto às autoridades significativas para elas. No momento em que os pais e professores não respondem às questões das crianças, mudam de assunto ou respondem de forma sucinta, não esclarecedora, apenas para se livrar da própria ansiedade, as crianças vão buscar suas respostas por outras vias, seja por meios de comunicação, como a TV, seja por livros, podendo encontrar concepções estereotipadas e equivocadas ou, ainda, criar respostas próprias que podem ser fantasiosas e também inadequadas. Além disso, o incômodo do adulto diante do tema é percebido pela criança, que passa a entender que a diferença é algo ruim, que deve ser evitada, segregada, devi2,15 do ao desconforto que gera .

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Os dados ressaltam a importância de trabalhos sobre o tema com a comunidade como um todo, incluindo familiares e professores, incentivando-os a debatê-lo com seus filhos e alunos. Esses trabalhos devem englobar aspectos informativos, para que essas pessoas se sintam seguras em relação ao assunto, mas também aspectos emocionais, para que reflitam sobre suas atitudes e concepções sobre as pessoas com deficiência, pois, só revendo os próprios conceitos, poderão transmitir concepções adequadas às crianças. O levantamento de informações sobre a escola junto às professoras das salas participantes e à coordenadora indicou que o único trabalho realizado na escola acerca do tema junto aos alunos participantes da pesquisa foi uma visita à classe especial e à sala de recursos, na primeira semana de aula, durante uma visita por toda a escola e uma visita da professora da sala de recursos para deficientes visuais às salas, mostrando o funcionamento da escrita Braile. Essas visitas, apesar de importantes, parecem ter sido insuficientes, uma vez que foram lembradas por pouquíssimas crianças, o que indica a necessidade de um trabalho mais contínuo e sistematizado. O papel da escola no sentido de construir concepções adequadas sobre as deficiências e atitudes positivas é fundamental. De todo modo, ainda é necessário que se amplie o acesso das crianças a informações sobre o tema, e isso é uma tarefa de toda a sociedade, em especial da família e da escola. A indicação da televisão como principal fonte de informações ressalta também a importância de a mídia aumentar a visibilidade de pessoas com deficiência, veiculando informações adequadas, enfocando habilidades além de limitações, podendo ser um veículo de transformação das concepções estereotipadas e da segregação. O relato a seguir ilustra como a mídia pode incitar a piedade com relação às pessoas deficientes, chegando a ter conotação religiosa, e promover, inclusive, que a criança relacione a deficiência a uma espécie de castigo: Na TV vi um vídeo que fala dessas crianças. Mostra crianças brincando, no sol. Eu gosto mais da parte do sol, que ele brilha e chama as criancinhas. Elas não conseguem andar, não tem olho. Mostra muito bem pra quem sabe ler, escreve que não é de verdade, é inventado... Eu aprendi com o vídeo que não pode contar mentira, tem que falar a verdade, ir muito pra igreja e rezar pra Deus. (Gabriela, sala 2).

Dessa forma, reafirma-se a possibilidade de os adultos transmitirem concepções equivocadas sobre a deficiência mental, incitando a piedade ou mesmo certo temor. O relato a seguir ilustra essa possibilidade: Minha irmã falou que os deficientes estudavam aqui nessa escola, que eles conversavam só um pouquinho com as pessoas, que eles batem às vezes nas pessoas. Ela falou que nunca conversou com eles,

Temas sobre Desenvolvimento 2011; 18(102). mas que ela acha que eles são legais e divertidos, mas eles só são isso com as turmas que são igual eles. Com os outros não. (Bárbara, sala 1).

A empatia ou a solidariedade poderiam ser facilitadas, por exemplo, pela exibição de pessoas com deficiência no contexto comum da sociedade, ressaltando suas habilidades. O relato a seguir ilustra o potencial da TV e dos adultos de estarem construindo atitudes positivas com relação à deficiência a partir das mensagens transmitidas: Na TV tinha gente nas Olimpíadas que venceu. Pessoas deficientes, como no judô, foi o homem que era cego, na natação, um homem que só tinha uma perna e um braço. Eu achei isso legal porque eu nunca vi. (Carlos, sala 2).

A educação tem papel fundamental para as crianças com e sem deficiência, no sentido de promover, para as primeiras, o conhecimento de seus direitos e o desenvolvimento de habilidades para a vivência de sua cidadania e, para as últimas, o conhecimento da diversidade, podendo contribuir para colocar em prática a inclusão. As crianças serão os profissionais e os cidadãos do futuro; portanto, devem ter uma boa formação a respeito do tema, para mudar a sociedade e transmitir os pressupostos inclusivos às gerações posteriores. Sem informações vindas dos adultos, as crianças buscam outras vias para satisfazer suas curiosidades sobre a diversidade humana. Assim, acabam por captar informações equi15 vocadas e estereotipadas do meio, inclusive da mídia . Dentre as implicações da falta de informações sobre deficiências se destaca o aumento da superstição e de preconceitos, que se mantêm entre familiares, instituições e sociedade em geral, ocultando os problemas e dificultando a busca de suas soluções. Tendo em vista as dificuldades da sociedade em geral e das famílias em lidar com o tema das deficiências, a escola deve priorizar em seu planejamento um espaço para a discussão das deficiências, com base em informações científicas, adequadas ao público a que se destina em sua linguagem e seus conteúdos. A categorização entre as crianças ocorre comumente. O problema é que elas são ensinadas de que a única alternativa é a segregação, e de que ela não deve ser mudada. As crianças devem aprender a fazer a leitura correta do ambiente, das expectativas e dos critérios sociais vigentes, das pessoas que atendem ou não a esses critérios, e perceber as diferenças de cada um, entender os seus motivos e o quanto podem facilitar a vida e enriquecê-la, se socializadas. A desestigmatização só é possível quando as pessoas percebem as vantagens e a importância de se atentar mais para as similaridades compartilhadas do que para as diferenças. A diversidade, no caso, deve ser valorizada.

Assim, os deficientes não seriam mais tratados em termos de categoria, mas como indivíduos, singulares. Alguns estudos têm indicado a importância da informação para a construção de percepções e de atitudes mais 3,6,16 adequadas . Esses trabalhos apresentam uma informação sistematizada sobre a deficiência mental e a orientação para interação com deficientes, sendo voltados para crianças, adolescentes e adultos. Os professores e familiares, ao falarem sobre o tema, devem se mostrar à vontade, prover informações honestas e apropriadas ao desenvolvimento da criança, focalizar tanto habilidades quanto necessidades especiais, incentivar a cooperação, mas não a piedade. Entre as estratégias que poderiam ser utilizadas estão: levar os pais de crianças com deficiência para falar sobre seus filhos, apresentar vídeos sobre o tema, simular situações reais, promover o contato com equipamentos utilizados por deficientes, elaborar um livro informativo, entre outros. O estudo indicou que a literatura infantil acerca do tema não tem chegado às crianças participantes, pelo menos não de modo significativo. Esses livros deveriam ser mais bem explorados, lidos e debatidos coletivamente. Os dados enfatizam a necessidade de a mídia ampliar sua preocupação com os conteúdos veiculados, de pais e professores envolverem-se mais com o tema, procurando se informar e rever as próprias concepções, com o intuito de transformar o tema em algo que faça parte do cotidiano escolar e familiar.

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Original Miccas C, D’Antino MEF. Avaliação de funcionalidade em atividades e participação de alunos com deficiência mental: estudopiloto para elaboração de protocolo escolar. Temas sobre Desenvolvimento 2011; 18(102):82-95.

avaliação de funcionalidade em atividades e participação de alunos com deficiência intelectual: estudo-piloto para elaboração de protocolo escolar camila miccas1 maria eloisa famá d’antino2

(1) Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. (2) Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP. CORRESPONDÊNCIA Camila Miccas [email protected].

RESUMO AVALIAÇÃO DE FUNCIONALIDADE EM ATIVIDADES E PARTICIPAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MENTAL: ESTUDOPILOTO PARA ELABORAÇÃO DE PROTOCOLO ESCOLAR: Esta pesquisa visou à elaboração inicial de um protocolo, baseado na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), para a avaliação de escolares com deficiência intelectual e verificar a sua aplicabilidade. O estudo passou por etapas distintas, a saber: desenvolvimento de um protocolo inicial, adequações sugeridas em exame de qualificação do estudo, análise por pesquisadores juízes e revisão pela pesquisadora. Ao final desse processo, convergiu-se apenas para o componente “Atividades e Participação” da CIF para a seleção dos itens componentes no protocolo proposto. A aplicabilidade dessa última versão do protocolo foi verificada em estudo-piloto junto a professores do Ensino Fundamental I que ministram aulas para alunos com síndrome de Down em salas regulares da rede municipal de ensino de Barueri, SP. O estudo-piloto com grupo-controle (crianças com desenvolvimento típico) e crianças com síndrome de Down mostrou que o protocolo pode servir para avaliação adequada de diferentes itens de funcionalidade em Atividades e Participação, e sua aplicação em ambiente escolar foi bem aceita pelos professores. Descritores: Deficiência intelectual, Síndrome de Down, Ensino Fundamental I, Inclusão escolar. ABSTRACT FUNCTIONALITY ASSESSMENT IN ACTIVITIES AND PARTICIPATION OF STUDENTS WITH INTELLECTUAL DEFICITS: A PILOT STUDY FOR A SCHOOL PROTOCOL ELABORATION: A protocol based on the International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF) was developed for the assessment of students with intellectual disability, and its applicability was verified. The elaboration of such protocol involved different steps: an initial version of the protocol, a reviewed version attending the recommendations of the members of the Research Examination Committee, and the submission of this reviewed version to the judgment of three expert researchers. At the end of the process, only the component “Activities and Participation” of the ICF was elected to take part of the protocol here proposed. The applicability of this final version was verified in a restrictive pilot-study including teachers of the first cycle of Basic Education who had students with Down´s syndrome in their regular classrooms of the public education system of Barueri, SP, Brazil. The pilot study with a control group (typically developing children) and children with Down syndrome showed that the protocol is able to properly evaluate some itens of functionality in Participation and Activities. A questionnaire applied to teachers evidenced good receptiveness to the use of the protocol in the school environment. Keywords: Intellectual disability, Down´s syndrome, Basic education, Inclusion.

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