TENDÊNCIAS PARA A GESTÃO DO PROCESSO DE PROJETO E DO EMPREENDIMENTO NO SEGMENTO DE OBRAS POR ENCOMENDA: ESTUDO EXPLORATÓRIO EM SÃO PAULO-SP

June 24, 2017 | Autor: S. Burattino Melhado | Categoria: Construction Management, Selection Criteria, Data Gathering
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III Simpósio Brasileiro de Gestão e Economia da Construção

III SIBRAGEC UFSCar, São Carlos, SP - 16 a 19 de setembro de 2003

TENDÊNCIAS PARA A GESTÃO DO PROCESSO DE PROJETO E DO EMPREENDIMENTO NO SEGMENTO DE OBRAS POR ENCOMENDA: ESTUDO EXPLORATÓRIO EM SÃO PAULO - SP GRILO, Leonardo (1); MELHADO, Silvio (2) (1) Mestre em Engenharia Civil, Escola Politécnica da USP - [email protected] (2) Professor, Doutor em Engenharia Civil, Escola Politécnica da USP – [email protected]

RESUMO Este artigo discute as tendências para a gestão do processo de projeto e do empreendimento no segmento de obras por encomenda1. A coleta de dados consistiu na aplicação de entrevistas semi-estruturadas a clientes, projetistas, construtores e gerenciadores na cidade de São Paulo. O critério de seleção das empresas considerou a reputação, o acervo técnico e a representatividade no cenário nacional. Dentre as tendências observadas, destacam-se: o aumento da complexidade técnica e gerencial dos empreendimentos; a popularização de sistemas contratuais alternativos; a difusão de métodos de seleção qualitativos; a demanda por serviços globais de construção; a integração das fases do processo de produção pelas construtoras; e a perda da liderança do arquiteto na coordenação do processo de projeto.

ABSTRACT This paper describes some trends on design and project management in Brazilian building industry. Data gathering methods consisted of interviews with owners, contractors, designers and project managers in São Paulo. Research selection criteria for A/E/C firms considered: reputation, portfolio and prominence, in terms of business management, production organization and technological innovations. The study highlighted the following trends: popularization of alternative delivery systems, such as construction management and design-build; increasing use of qualitative selection criteria instead of competitive bids; demand for single point of responsibility; anticipation of design and production integration; and development of design competences in construction firms. Palavras-chave: construção de edifícios, projeto, empreendimento, gestão, contrato, qualidade. Keywords: building construction, design, project, management, contracts, quality.

1. TENDÊNCIAS PARA A GESTÃO DO PROCESSO DE PROJETO E DO EMPREENDIMENTO EM PAÍSES DESENVOLVIDOS Um estudo realizado em dez países ocidentais2 identificou tendências para a organização da produção na Construção Civil na primeira década do século 21. Embora

1

Segmento do subsetor de edificações onde contratos de empreitada e administração convencionam os direitos e as obrigações entre clientes (contratantes) e construtores (contratados). Do ponto-de-vista organizacional, existe uma separação entre a figura do cliente e do construtor, ao contrário do arranjo tipicamente conhecido como incorporação-construção, bastante explorado na literatura técnica.

2

Suécia, Finlândia, Dinamarca, Reino Unido, Países Baixos, Bélgica, França, Itália, Estados Unidos e Canadá.

orientadas para a realidade dos países desenvolvidos, algumas tendências constituem um referencial para a indústria brasileira (BORDEAU, 1994), tais como: demanda por serviços globais de construção; personalização dos empreendimentos segundo as necessidades do cliente; transição do conflito de interesses para uma cooperação durável; modificação nos papéis dos agentes; participação mais intensa do cliente; e convivência de diversos contratos segundo as necessidades do empreendimento. Uma pesquisa da Association of General Contractors com executivos da construção nas 500 maiores empresas da Fortune evidenciou as seguintes mudanças (MULVEY, 1998): empreendimentos mais complexos e sofisticados; redução dos prazos, visto que os clientes não arriscam o capital até o último momento; os clientes praticam qualidade e esperam o mesmo dos fornecedores; valor não significa necessariamente menor preço; integração antecipada do projeto e da construção; os clientes desejam se desobrigar da coordenação e arbitragem durante a construção; as equipes devem enfocar o desempenho do empreendimento, ao invés de interesses particulares, evitando conflitos. De acordo com o Professional Service Management Journal (2001), um cliente do setor farmacêutico norte-americano asseverou: “Nossa empresa não está no ramo da engenharia. Fazemos produtos para vender aos consumidores”. Adicionalmente, enumerou expectativas dos clientes quanto aos serviços de arquitetura e engenharia: liderança e gerenciamento, provisão de soluções, compreensão das expectativas, comunicação clara, entendimento do contrato, controle do cronograma, relatório dos problemas, redução dos prazos, disponibilização de pessoal, espírito coletivo, críticas construtivas, acompanhamento à obra, qualidade e postura proativa. Os complexos requisitos do cliente e as mudanças na estrutura competitiva do setor têm impulsionado a adoção de sistemas contratuais alternativos e a redefinição dos papéis dos agentes em diversos países. Na Alemanha, as construtoras têm integrado o papel dos projetistas e, muitas vezes, do cliente. Apesar da qualificação dos projetistas, suas responsabilidades têm sido cada vez mais atribuídas a outros agentes (SYBEN, 2000). As construtoras passaram a oferecer serviços globais na Inglaterra, onde o arquiteto tradicionalmente desempenha o papel de gerenciador e coordenador. A mudança devese, em parte, a deficiências no diálogo com o cliente, aspecto no qual construtores e gerenciadores têm obtido maior êxito (HOWELL; HARDCASTLE, 1996). Os engenheiros reclamam que os arquitetos abandonaram suas responsabilidades junto à equipe nos Estados Unidos, onde muitos clientes não confiam nos projetistas como líderes de equipe (WEINGARDT, 1996). Na França, critica-se o reduzido envolvimento dos arquitetos com as definições técnicas e a produção no canteiro. Muitos profissionais acreditam que o seu trabalho se relaciona apenas com a criatividade (MELHADO; HENRY, 2001), embora “mesmo os clientes que desejam sonhos estejam sendo cada vez mais dominados por restrições de prazos e orçamento” (ALLINSON, 1997). Gray; Hughes (2001) observaram mudanças nos papéis dos arquitetos e engenheiros no Reino Unido: surgimento de novas profissões; redefinição dos papéis tradicionais; perda da autoridade do arquiteto para gerenciadores e projetistas especializados; menor controle sobre os detalhes do projeto, elaborados por especialistas; valor como ponderação entre qualidade, prazo e custo; atribuição do gerenciamento a outros profissionais; e variedade de sistemas contratuais para integrar o projeto e a construção. O nível de exigências do cliente, a complexidade do empreendimento e a desilusão com os métodos tradicionais têm estimulado a adoção de arranjos organizacionais inovadores e a redefinição dos papéis dos agentes na indústria da construção em diversos países. No Brasil, as privatizações, as concessões de serviços públicos, a entrada de concorrentes estrangeiros e o aporte de investimentos externos têm induzido mudanças na gestão do processo de projeto e do empreendimento, conforme discutido no item 3.

2. A APLICAÇÃO DE ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS O método de pesquisa consistiu na aplicação de entrevistas a profissionais atuantes em São Paulo - SP. Ao todo, foram entrevistados 42 profissionais, em 31 empresas: 18 de projetistas de arquitetura, três gerenciadores, três coordenadores de projeto em construtoras, dois diretores de incorporadoras e 16 engenheiros. O critério de seleção das empresas considerou a reputação, o acervo técnico e a representatividade, em termos de gestão empresarial, organização da produção e inovações tecnológicas. Os questionários foram elaborados a partir de uma revisão bibliográfica e contemplaram perguntas abertas e fechadas. As entrevistas foram gravadas, transcritas e compiladas em relatórios individuais. Durante a análise dos dados, foram identificadas tendências gerais e específicas relativas à gestão do processo de projeto e do empreendimento, integração entre o projeto e a construção, sistemas contratuais e desempenho do empreendimento, conforme a percepção dos respondentes. A análise dos dados pode ser subdividida em três conjuntos de atividades: i) seleção: análise dos relatórios individuais, compilação das informações relevantes em um único documento; ii) classificação: reorganização dos dados em categorias, permitindo a identificação de tendências gerais; iii) síntese: análise e reorganização dos dados das categorias, possibilitando a identificação de tendências específicas. 3. TENDÊNCIAS PARA A GESTÃO DO PROCESSO DE PROJETO E DO EMPREENDIMENTO NO SEGMENTO DE OBRAS POR ENCOMENDA Os itens seguintes discutem tendências para a gestão do processo de projeto e do empreendimento no segmento de obras por encomenda. Trechos dos depoimentos foram incorporados ao texto para ilustrar a percepção dos respondentes, cuja identificação foi propositalmente suprimida, a fim de assegurar a sua incolumibilidade. 3.1. A crescente complexidade técnica e gerencial dos empreendimentos Os clientes comerciais, industriais e institucionais apresentam requisitos cada vez mais rígidos. Segundo um gerenciador: “Para empresas que produzem ou vendem, a obra é quase um mal necessário. Um investimento alto, com um desembolso muito alto, responsabilidades muito altas. Unidades comerciais, como um supermercado, faturam milhões em um mês, então atrasos geram prejuízos enormes”. Os empreendimentos, cada vez mais multidisciplinares, exigem um esforço adicional dos gerentes. Em contrapartida, os programas e os contratos tornam-se cada vez mais específicos, demandando soluções individualizadas. O cliente, por sua vez, pode possuir diversos interlocutores, com diferentes níveis de exigências, como no built to suit. De acordo com um projetista: “O contrato entre o investidor e a pessoa que está alugando o imóvel é fechado com as plantas do executivo como prova. Não pode haver uma mudança de custo, senão você tem mudança no custo do aluguel”. A competência técnica, o atendimento aos clientes e o preço de mercado tornaram-se critérios qualificadores para a contratação de serviços de projeto. Além de soluções alinhadas com os requisitos de custo e prazo, os escritórios provêem projetos com maior qualidade, freqüentemente associada com valores estéticos e simbólicos difíceis de mensurar. Segundo um arquiteto: “Toda vez que você fecha um contrato, a competência e a qualidade são dadas como premissas básicas. Fechamos um contrato cujo problema do cliente é custo e prazo. Então, qual é a forma de surpreender? A qualidade. Foi feito no prazo e no custo, ficou bonito. É a forma de ganhar o cliente para projetos futuros”. Conforme o gerente de uma construtora, a programação de uma obra de 70 milhões foi realizada em 24 horas: “o planejamento da obra se restringiu a cronogramas”. A

indústria foi projetada e construída em 160 dias: “os únicos dados disponíveis eram fotografias aéreas”. Em obras industriais, prazos inferiores a 120 dias são corriqueiros e, muitas vezes, vinculam-se ao prazo de importação de um equipamento. Os contratos prevêem multas por atraso severas e os projetos são elaborados em menos de 72 horas. Embora os empreendimentos estejam se tornando mais complexos e multidisciplinares, não existe uma preocupação correspondente com a formalização dos acordos comerciais entre as empresas. De acordo com um gerenciador: “Um volume enorme de obras se inicia sem a assinatura do contrato ou de uma carta autorizando com alguns dados básicos. Esse contrato, às vezes, será assinado a poucos dias do fim da obra (...) já existem diferenças no contrato, a construtora e o cliente já se conhecem, eles vão levando, vão tocando, aquelas diferenças não são resolvidas”. 3.2. A complexidade na gestão das interfaces do processo de projeto Analogamente, os projetos têm se tornado mais multidisciplinares. As responsabilidades são distribuídas entre diversos especialistas, incumbidos de parcelas cada vez menores do projeto, dependentes de informações de terceiros, cujas definições provocam interferências múltiplas. Algumas interfaces são sutis e difíceis de antecipar, mesmo por coordenadores experientes, sendo freqüentemente identificadas durante a execução da obra, requerendo a intervenção da coordenação. Os arquitetos tornaram-se muito dependentes dos profissionais especializados. Segundo um gerenciador: “Outra coisa que o arquiteto fica muito dependente: do projeto de impermeabilização. Hoje, todo projeto tem projeto de impermeabilização. Isso acaba definindo certas cotas de acabamento. Então o arquiteto fica dependendo: ‘E a impermeabilização, quanto que eu deixo?’” Uma arquiteta reconheceu a necessidade de revisão da forma de trabalho com os outros projetistas, apesar do papel direcionador do projeto de arquitetura: “Mas talvez seja preciso rever esses papéis. Não é ninguém mandando em ninguém. Mas é muito difícil fazermos isso como arquitetos, pois temos um papel muito direcionador. Tudo é complementar, porque a arquitetura é o grande direcionador. Você não faz os outros projetos se não tiver o projeto de arquitetura. Mas a gente precisa saber lidar com outras atividades”.

Os projetistas podem se beneficiar do trabalho em conjunto, mesmo quando escritórios diferentes desenvolvem um mesmo projeto. Segundo um gerenciador: “Estamos fazendo agora uma estrutura especial, um estádio de futebol. Então tem questões como a freqüência própria da estrutura. São dois escritórios trabalhando juntos, cada um faz um pedaço do projeto e se coordenam. Dá para trabalhar junto, isso é que é importante. Às vezes, você tem um certo porte, você pode colocar dois escritórios para trabalharem juntos, se eles tiverem respeito um pelo outro”. 3.3. As novas formas de contratação e organização dos empreendimentos Sistemas contratuais alternativos têm redesenhado as relações funcionais e contratuais entre clientes, projetistas e construtores. Conforme um arquiteto: “Estamos em um processo no qual as relações entre cliente, o usuário, o arquiteto e o construtor estão se redefinindo completamente. E não é só por causa do ‘design-build’ e de outros métodos. Estão aparecendo novas formas de contratação que não passam nem por aí”. Com freqüência, as obras têm sido iniciadas antes da conclusão do projeto, em virtude da demanda por redução do prazo, a fim de antecipar o retorno do investimento. A seleção do construtor tem ocorrido com documentos cada vez menos completos. Os projetos têm sido detalhados no decorrer da obra, demandando a coordenação entre a construtora, os projetistas e fornecedores, de modo a conciliar os fluxos de informações. Algumas vezes, os construtores estabelecem preços máximos com base em um estudo

preliminar de arquitetura, assumindo a contratação dos projetistas e a coordenação do projeto. Prazos reduzidos e informações incompletas requerem a adoção de contratos de administração e do fast-track. De acordo com um arquiteto: “Os clientes varejistas trabalham com contrato de administração, porque as obras são muito rápidas e existe o fast-track. Então, se fosse feito um projeto, licitado, contratado. Se houvesse tempo, que não existe, porque tem que se sair de uma decisão empresarial de construir uma loja em fevereiro. Na pior das hipóteses, esta obra tem que estar pronta em novembro”.

Os clientes têm buscado a redução do prazo e a certeza do preço final. Por conseguinte, os construtores têm desenvolvido competências em coordenação e adotado uma fase de simulação de alternativas técnicas e econômicas para administrar os riscos dos contratos de preço fixo. De acordo com o coordenador de projetos de uma construtora: “Você tem diversos tipos de contratação, por administração, com uma taxa de 10% do valor da obra, tudo o que comprasse, 10% era da construtora. Isso era até a década de 80. Agora a gente tem um tipo de contratação que é o seguinte: você tem o valor global, aí a gente passa por um período de pré-construção e após quatro meses a gente tem que confirmar este preço. Se você conseguir reduzir esse preço, esse ganho geralmente é negociado, 50% é da gerenciadora ou do proprietário e 50% da construtora. Por isso é importante o trabalho da engenharia. 90% das concorrências estão virando deste tipo, que é o preço fechado”.

3.4. A necessidade de avanço na seleção das equipes de projeto e construção Os profissionais ressaltaram a influência da seleção no sucesso do empreendimento. De acordo com um arquiteto, a “análise por preço, contratação por preço, solução de obra por preço” constitui o principal obstáculo para a qualidade. Um coordenador de obras criticou a ausência de critérios na seleção dos projetistas: “Existe essa cultura por parte do leigo, do construtor. Verificam-se situações em que a empresa contratada não tinha condições de desenvolvê-los. Acontece até mesmo em contratantes institucionais”. Um arquiteto criticou as licitações do tipo menor preço, que ignoram a reputação e o acervo dos concorrentes, podendo ocasionar contratações desvantajosas para o cliente. A dificuldade de determinar o preço do projeto antes da definição do escopo justifica o emprego de critérios técnicos: “Muitas vezes, você faz um projeto e não oferece o mesmo trabalho que o outro. Então tem que ser bem explicado na concorrência. Muitas vezes, empresas oferecem trabalho a mais que outras. Conseqüentemente, o preço dele é um pouco maior. Mas, às vezes, isso para o cliente é interessante”. Os clientes exercem uma influência notável no empreendimento, uma vez que definem, pessoalmente ou por meio de terceiros, o método de seleção e o tipo de contrato. Um engenheiro apontou deficiências na montagem do empreendimento, atribuídas à falta de planejamento, à intenção de reduzir custos e à falta de experiência dos clientes: “Muitas vezes, o cliente não sabe exatamente o que quer e não tem tempo de começar algo planejado, porque tem que começar. Ele não quer gastar nesta parte inicial, não quer que tenha o gerenciador, o projetista, ele acha que tem muita gente. Depende do nível de cliente, do tipo de cliente, mas acho que os principais são esses: a dúvida com a intenção de economizar”.

Conforme um gerenciador, a inexperiência e o despreparo do cliente, desprovido de um suporte técnico adequado, podem comprometer a programação e o orçamento: “Há o episódio de um hospital em São Paulo, no qual o proprietário começou uma ampliação até o terceiro mês, achando que conseguiria conduzir a obra. Mas está dando a maior confusão. Os projetos estavam incompatíveis, tinha problema desde as fundações, o que estava projetado não pode ser executado, teve que mudar o projeto, parar a obra, a construtora estava cobrando custos adicionais por causa da paralisação”.

Um equívoco na seleção do escritório de cálculo estrutural colocou um empreendimento paulista em risco segundo um gerenciador: “Em um certo ponto da obra, a construtora estava a uma laje do projeto, estavam projetando a laje de cima e concretando a laje de

baixo. Bateu um desespero horroroso. Nós tivemos que contratar todos os projetistas de protendido de São Paulo”. 3.5. A popularização do gerenciamento da construção Reconhecido no Brasil com uma função independente, não como uma profissão, o gerenciamento tem sido usualmente exercido por engenheiros ou arquitetos, autônomos ou contratados por gerenciadoras. Na prática, muitas firmas pequenas têm atuado como gerenciadoras, gerando uma variação do escopo dos serviços e nos resultados obtidos. Conforme um gerenciador: “No Brasil, o ‘Project Management Institute’ está tentando formalizar os processos de gerenciamento e certificar os profissionais. Existem muitos profissionais no mercado. Todo mundo acha que faz gerenciamento”. A heterogeneidade dos procedimentos e do escopo dos serviços tem repercutido na percepção de clientes, projetistas e construtores. De acordo com um gerenciador: “um cliente nos procurou, dizendo que não queria gerenciamento para inglês ver: ‘não quero papel, quero resultados’”. O depoimento de um arquiteto evidencia a dificuldade em reconhecer a liderança do gerenciador, embora, superficialmente, pareça existir um respeito mútuo entre as partes: “Eles são mal formados para o que querem fazer. São péssimos em montar programas, não planejam. Não sei se foi azar. Não é tanto azar porque é uma grande empresa, no mercado ela é uma das maiores, de gerenciamento”. Em alguns casos, os gerenciadores centralizam as informações, dificultando o contato direto entre a construtora e os projetistas. De acordo com o diretor de uma construtora: “quando o gerenciamento não é bem feito, ao invés de ajudar atrapalha, porque ele não resolve as coisas. Fica um a mais, ao invés de diminuir o caminho, aumenta”. Segundo os arquitetos, as exigências dos gerenciadores, comumente, extrapolam o escopo do contrato: “Muitas vezes, a gerenciadora exige do escritório de arquitetura alguma coisa além do que está sendo contratado”. Contudo, a coordenadora de uma construtora ressalta a importância do gerenciamento frente à depreciação da qualidade dos projetos e ao reduzido envolvimento do arquiteto nas atividades de construção: “Eu acho que eles agregaram muita coisa, principalmente os que vêm de fora. Os arquitetos reclamam das gerenciadoras, porque elas cobram qualidade, coisa que a gente está deixando para trás”. 3.6. A perda da liderança do arquiteto na gestão do empreendimento O escopo de serviço dos arquitetos tem sido restrito devido ao afastamento do controle de custos e do gerenciamento, assim como da especialização em projeto e a decorrente perda de visão sistêmica. Atividades tradicionalmente atribuídas aos arquitetos têm sido transferidas para outros agentes. De acordo com uma coordenadora de uma construtora: “Como os escritórios de arquitetura perderam essa liderança, geralmente, quando nós participamos dessa pré-construção, quem acaba coordenando o projeto é a construtora. Por quê? Como ela tem uma bagagem, mais da realidade, é difícil o empreendimento que ela não está liderando este processo”. A baixa qualidade da coordenação dos projetistas conduz uma gerenciadora a assumir a atividade: “Muitas vezes, os projetistas não conseguem conduzir essa compatibilização, de forma que tudo esteja resolvido na hora de orçar aquele projeto. Então a empresa decidiu também interferir na compatibilização, envolvendo um profissional interno”. Uma coordenadora criticou a qualidade dos projetos de arquitetura, citando que a construtora tem assumido o detalhamento e a coordenação em muitos contratos. De acordo com o coordenador de obras, os arquitetos se afastaram do gerenciamento e da construção, atendo-se a aspectos funcionais e estéticos: “O arquiteto não quer, ou ao menos a maioria não quer tomar partido dos problemas da obra. É o lado chato, o lado

bonito é você fazer lá, desenhar, projetar, criar e depois dar para alguém construir”. Contudo, enfatiza as vantagens do acompanhamento à obra e critica a cultura dos arquitetos: “Se o arquiteto sabe o que ele está fazendo, se ele sabe que é importante o gerenciamento, e sabe que está sendo feito do jeito que foi previsto, eu acho que ele vai querer gerenciar, porque ele vai querer estar lá acompanhando e vendo se as coisas estão saindo do jeito que ele pensou e até para retroalimentar o próximo projeto dele”. Segundo um coordenador, a baixa qualidade dos projetos tem justificado, parcialmente, a entrada dos escritórios estrangeiros: “A qualidade do projeto de arquitetura caiu muito. E, com a perda da qualidade, abriu-se espaço para empresas de fora, que vêm com projeto de uma qualidade muito superior. Estamos ficando cada vez mais defasados”. Internamente, as firmas de arquitetura começaram a sofrer a concorrência de escritórios que respondem por todas as fases do processo de produção, beneficiandose da sinergia de equipes multidisciplinares cooperando no mesmo espaço físico. O projeto passou a receber influências de investidores, locatários, consultores de vendas e paisagistas. Desta forma, deve atender diferentes expectativas e restrições técnicoeconômicas diversas. Conforme uma arquiteta: “Percebe-se uma nova responsabilidade para o arquiteto. Em alguns momentos é maior. Em outros momentos é uma relação de quase submissão a questões econômicas. Existe uma dualidade muito grande. Que é uma oportunidade de fazer mais, mas, ao mesmo tempo existe uma restrição. Tendo que ser vista como uma outra forma de trabalhar, não como uma desvalorização”. 3.7. A demanda por serviços globais de construção O design-build tem se popularizado entre os clientes, especialmente em obras industriais e comerciais. As organizações têm dissolvido as equipes internas de engenharia e focalizado as competências centrais. Muitos clientes não desejam mais se envolver na administração dos contratos, coordenação e arbitragem do empreendimento. Empregado usualmente por clientes experientes, em obras com programas simples e prazo reduzido, o design-build tem se difundido na construção de escolas, hotéis e edifícios comerciais. Algumas construtoras têm desenvolvido competências para coordenação e estabelecido parcerias com projetistas, de modo a controlar os riscos nos contratos de preço fixo, proporcionar foco na construtibilidade e gerar valor para o cliente. Segundo uma arquiteta, o principal apelo do design-build reside no ponto único de responsabilidade: “Não tem nem como falar que ‘o projeto está mal feito’, ‘o preço não foi o que eu tinha imaginado’, ‘porque não vai dar para executar assim’. Aí é mais uma questão de responsabilidade já ser passada de imediato, quando pensou em orçar a obra”. Durante uma concorrência, a coordenadora de uma construtora questionou o coeficiente de aproveitamento adotado, constatando que o terreno permitia a construção de duas torres adicionais. Um estudo foi encomendado a um arquiteto, sendo posteriormente encaminhado e aprovado pelo cliente, que contratou a construtora: “Com certeza, o cliente vai ter um ganho muito maior do que estava prevendo. Então, é isso que eu estou falando. Está vendo como é importante o projetista estar junto?” Dentre os inibidores da difusão do design-build, foram citados: falta de confiança por parte do cliente; conflito de interesses com as gerenciadoras, influentes nas concorrências privadas; restrições da legislação pública, que limita o vínculo entre projetistas e construtores; e a carência de competências em projeto nas construtoras. Segundo o gerenciador: “É um papel que as construtoras poderiam assumir. Aqui as construtoras não conseguem fazer esse papel, conduzir o projeto. Preferem se manter somente na construção, abrindo um espaço para as gerenciadoras”.

3.8. A integração das fases do processo de produção pelas construtoras Algumas construtoras têm adotado iniciativas para oferecer serviços globais de construção, controlar o risco dos contratos de preço fixo, diversificar o escopo de atuação e incrementar as margens de lucro, tais como: parcerias com fornecedores e projetistas, introdução de uma fase de pré-construção e uma participação mais intensa na viabilização do negócio e na conceituação, concepção e detalhamento do produto. Segundo o coordenador de uma construtora: “Uma tendência muito forte do mercado é de acontecer essas concentrações. É uma coisa que estamos procurando fazer aqui. A gente tem uma fidelidade, parceria com vários fornecedores. Começamos a fazer a mesma coisa com projetistas. Quando a gente ganha a concorrência, eles vão com a gente também, eles ganham e ficam com o projeto”.

Diversos fatores, tais como o aumento das exigências dos clientes, que não procuram apenas o menor preço, mas o melhor valor, têm estimulado as construtoras a reformular estratégias de produção, negócio e competição, analisar sua estrutura interna, inserção no mercado, imagem junto aos clientes e posicionamento frente à concorrência. O depoimento de um coordenador ilustra o processo de reorganização de uma construtora: “A gente estava perdendo muito mercado. Por quê? As construtoras médias têm uma estrutura mais enxuta e competem em um mesmo tipo de obra. A gente tinha uma despesa indireta interna muito grande. Fora isso, então, a partir de repensar a estrutura da empresa, que precisa sobreviver, começou o trabalho de engenharia, porque sentimos que não adianta comportar tudo, se você não agregar valor você não ganha, só custo não ganha mais obra”.

Neste contexto, a sobrevivência das construtoras demanda flexibilidade e capacidade de adaptação constante aos desafios impostos por um ambiente competitivo e turbulento, tais como o monitoramento da concorrência, a identificação de novos mercados, o desenvolvimento de competências e a prospecção de oportunidades de negócio: “Em concorrências tem-se de tudo. Desde investidores estrangeiros, investidores nacionais, gerenciadoras de fora. Varia muito, porque não está segmentado a um nicho, porque atuamos em diversas áreas: indústrias, hotéis, shoppings, hospitais, escritórios, residencial. Se tiver uma concorrência ela forma grupos, como se fossem cotas. São cotistas, é um novo tipo de empreendimento. A pessoa então compra o andar. Se tiver uma concorrência para isso, ela vai estar participando. Então, o cotista pode ser você ou eu, que comprou uma parte de um andar. Então, não tem muito um enfoque só, hoje a empresa que tem um enfoque só não sobrevive”.

3.9. O relacionamento e a integração entre os agentes do processo de produção De acordo com o gerente de uma construtora, os clientes e os fornecedores valorizam mais as relações pessoais do que os contratos. A qualidade do serviço depende razoavelmente da relação pessoal, o que ocasiona dificuldades para as construtoras estrangeiras, afeitas a contratos rigorosos. No Brasil, as relações técnicas e comerciais entre os agentes são marcadas pela informalidade, ao contrário de outros países, onde os acordos são convencionados por contratos específicos. Usualmente, o construtor não participa da concepção do edifício a ser executado e questiona as decisões de projeto, embora não tenha participado da definição do programa. Contudo, a relação de trabalho com o arquiteto depende, invariavelmente, da confiança. Segundo um projetista de arquitetura: “O construtor tem que confiar no seu projeto, você fez um projeto consciente e este projeto está adequado às necessidades. Porque, muitas vezes, o construtor não participa da fase inicial do projeto, que são as necessidades do cliente, o que ele quer, o que ele pediu, o que o arquiteto fez. Tem que haver uma confiança mútua entre as duas partes para que a coisa continue”. Por outro lado, o projetista desconhece como as necessidades e expectativas do cliente foram transmitidas para o construtor, deduzindo que este procura erros e omissões no projeto, a fim de obter recursos adicionais ou extensões no prazo. Conforme um

arquiteto: “E o cara vai tentar achar brecha no seu projeto, para ganhar mais ou para justificar o prazo que não deu ou para derrubá-lo de algum jeito, então essa relação é complicada”. O cliente, por sua vez, ignora a repercussão de uma alteração de projeto ou do atraso em uma decisão sua no cronograma e no orçamento, embora requeira gerenciamento e controle dos custos. Segundo o coordenador de obras: “O principal causador dos problemas é principalmente o cliente. O cliente que não sabe a hora mais que pode mudar as coisas, o cliente que não quer mais o azulejo azul, quer o verde, e acha que vai custar a mesma coisa e não vai atrasar”. De uma maneira geral, falta confiança, transparência e objetividade na relação entre o cliente, o projetista e o construtor. Se os projetistas e construtores se respeitarem, as visões antagônicas da qualidade do produto e do processo podem ser fundidas, contribuindo para otimizar as soluções técnicas e a satisfação dos clientes: “Esse conflito não é necessariamente negativo. Se não existisse o conflito, a obra não aconteceria com qualidade. Na realidade, este conflito faz parte, não é um conflito de natureza prejudicial, mas conflitos técnicos que vão gerar soluções técnicas. Pode ser até estimulante, se não parte para o lado da mesquinharia do arquiteto e do engenheiro”. Um experiente arquiteto defende a sintonia entre os arquitetos e engenheiros: “Uma obra é composta pelo trabalho de arquitetura e de engenharia e os dois têm que trabalhar em completa sintonia, não dá para você trabalhar separado”. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS No segmento de obras por encomenda, os clientes têm dissolvido as equipes internas de engenharia, desobrigando-se, gradativamente, da gestão de múltiplos contratos e da coordenação e arbitragem entre projetistas e construtores. A demanda por redução no prazo tem estimulado a seleção antecipada do construtor e do início da obra. Freqüentemente, os projetos são detalhados durante a fase de execução, envolvendo os fornecedores e as construtoras, que têm desenvolvido competências para coordenação, a fim de controlar os riscos técnicos e financeiros associados ao projeto em contratos de preço fixo, além de oferecer ponto único de contato para os clientes. Os métodos competitivos de seleção e as concorrências com projetos completos estão sendo substituídos por negociações e qualificações, conduzidas no anteprojeto, estudo preliminar ou conceituação. Sistemas contratuais alternativos, tais como o design-build e o gerenciamento, têm proporcionado a integração entre o projeto e a construção, assim como a redefinição dos papéis tradicionais dos agentes. Contudo, a sua difusão esbarra freqüentemente na falta de confiança dos clientes, no conflito de interesses entre os agentes, nas restrições da legislação pública e na carência de informações. Os clientes começam a buscar o melhor valor, entendido como uma ponderação entre qualidade, custo e prazo, ao invés de simplesmente o menor custo. Apesar dos avanços nas relações entre clientes e fornecedores, as concorrências competitivas são largamente utilizadas, principalmente no setor público, em virtude de imposições estatutárias e, em parte, da interpretação conservadora da legislação. As relações técnicas e comerciais entre os agentes são marcadas uma grande informalidade. Entretanto, a entrada de concorrentes estrangeiros, o aporte de investimentos externos e as mudanças nos padrões de riscos dos contratos podem estimular alterações neste cenário futuramente. O escopo de serviço dos arquitetos tem sido restrito devido à especialização em projeto, em prejuízo do gerenciamento e controle de custos e prazos. Os arquitetos têm perdido a liderança na gestão do projeto e do empreendimento para coordenadores, gerenciadores e construtores, tornando-se profissionais generalistas, com um controle cada vez menor

sobre os detalhes técnicos do projeto, elaborados por fornecedores e especialistas. A coordenação de projeto tem despontado como uma função independente, cada vez mais atribuída a coordenadores autônomos e escritórios especializados. As mudanças na gestão do projeto e do empreendimento no segmento de obras por encomenda vêm ao encontro das expectativas dos clientes, tais como compreensão das necessidades, redução do prazo, integração antecipada do projeto e da construção, certeza do preço, comunicação clara, resolução de disputas, gerenciamento, liderança, entendimento do contrato, qualidade e valor, ao invés de simplesmente menor preço. Neste contexto, a mudança organizacional, a capacidade de adaptação às novas tendências e a cooperação entre os agentes devem ser vistas como um requisito para a sobrevivência das empresas de projeto e construção em ambiente dinâmico e turbulento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLINSON, K. Getting there by design, an architect’s guide to project and design management. Boston: Architectural Press, 1997, 224 p. BORDEAU, L. Quelques grands déterminants de l’evolution future du processus de construction dans les pays occidentaux: une analyse par le groupe de travail W82 du CIB. Cahiers du CSTB, Cahier 2749, Oct., 1994, p. 1-21. GRAY, C.; HUGHES, W. Building design management. Oxford: ButterworthHeinemann, 2001. 177 p. HOWELL, P.; HARDCASTLE, C. Integrating and managing the project team: an analysis of design-build contracts. In: RICS CONSTRUCTION AND BUILDING RESEARCH CONFERENCE, 1. Proceedings. The Royal Institution of Chartered Surveyors, 1996. MELHADO, S. B.; HENRY, E. Quality management in French architectural offices and its singularities. In: IMPLEMENTATION OF CONSTRUCTION QUALITY AND RELATED SYSTEMS: A GLOBAL UPDATE, Lisbon, 2000. Proceedings. Lisbon: CIB Task Group 36, 2000. p. 371-384. MULVEY, D. Project delivery trends: a contractor’s assessment. Journal of Management in Engineering, Nov./Dec., 1998, p. 51-54. PROFESSIONAL SERVICE MANAGEMENT JOURNAL. A client’s view of service. Disponível em: Acesso em: junho de 2001. SYBEN, G. Contractors take command: from a demand-based towards a producer oriented model in German Construction. Building Research & Information, v. 28, n. 2, 2000, p. 119-130. WEINGARDT, R. Partnering: building a stronger design team. Journal of Architectural Engineering, v. 2, n. 2, June, 1996, p. 49-54. AGRADECIMENTOS Verticon Engenharia; Método Engenharia; Serplan Desenvolvimento Imobiliário e Comercial; Racional Engenharia; Bross Consultoria; U. S. Equities Realty; Hochtief do Brasil; Construtora Toda do Brasil; Ícaro de Castro Mello Arquitetura; Zarvos Engenharia; Meta Gerencial Projetos e Obras; Planservice; Grafite Arquitetura; BKO Engenharia; Edison Musa Arquitetura; José Arduin Arquitetura; BlochSó Arquitetura e Urbanismo; Barbosa e Corbucci Arquitetos Associados; Luongo & Associados; Carvalho e Silveira Arquitetura; Evolução Empreendimentos Imobiliários e Construções; Piratininga Arquitetos; Escritório Técnico Julio Neves; Batagliesi & Associados; Ruy Ohtake Arquitetura e Urbanismo e Rocco Associados.

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