Tensões e distensões no campo educomunicativo da televisão: o conceito de ecossistema comunicativo na visão latinoamericana

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RESUMO O artigo aqui proposto pretende discutir o conceito de ecossistema comunicativo, com aplicação sui generis na interface da Educomunicação e da televisão, sob a visão de autores latino-americanos. Assim, este trabalho objetiva compreender as tensões (aproximações) e distensões (distanciamentos) conceituais a partir do contexto da diversidade cultural, política, econômica e social que circunda não apenas o continente, mas também as reflexões advindas do “modo de ser latino” destes pensadores. A metodologia utilizada, tratando-se de uma abordagem teórica, são os referenciais bibliográficos já publicados sobre o tema. As considerações são

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Jornalista (FACNOPAR). Especialista em Comunicação, Cultura e Arte (PUCPR). Mestrando em Comunicação (PPGCOM/UFPR), PR, Brasil. Membro do Núcleo de Estudos em Ficção Seriada (Nefics) da UFPR e bolsista Capes. E-mail: ** Jornalista (PUCRS). Mestre e Doutor em Literatura (UFSC). Professor permanente no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da UFPR. Professor na licenciatura em Linguagem e Comunicação da UFPR Litoral. Coordenador do Nefics da UFPR, PR, Brasil. E-mail: Data da submissão: 20/janeiro/2014. Data da aprovação: 6/fevereiro/2014.

Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul – v. 12, n. 24, jul./dez. 2013

Anderson Lopes da Silva* Fábio de Carvalho Messa**

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Tensões e distensões no campo educomunicativo da televisão: o conceito de ecossistema comunicativo na visão latinoamericana Tensions and distensions between educommunication and television: the concept of communicative ecosystem in latinamerican vision

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parciais e apontam para a discussão entre o potencial educativo da televisão e o trabalho de ressignificação da ficção seriada como um dos pontos centrais do desenvolvimento dos ecossistemas comunicativos.

Anderson Lopes da Silva e Fábio de Carvalho Messa • Tensões e distensões no campo educomunicativo...

Palavras-chave: Ecossistema comunicativo. Educomunicação. Ficção seriada. Estética televisiva.

ABSTRACT The proposed article here discusses the concept of communicative ecosystem, in the educommunication and television interface, under the vision of Latin American scholars. Thus, this work aims to understand the tensions (similarities) and distension (differences) from the conceptual context of cultural, political, economic and social surrounding the continent and the reflections arising from the “Latin way of life” these thinkers. The methodology used in the case of a theoretical approach, are the bibliographic references have been published on the subject. The considerations are partial and point to the discussion between the educational potential of television and reframing work of serial fiction as one of the central points of the development of communicative ecosystems. Keywords: Communicative ecosystem. Educommunication. Soap operas. Aesthetic of television.

Introdução

F

alar em educação e em sua relação com os meios de comunicação social não é algo que se possa classificar como recente. Entretanto, as conclusões obtidas por várias das linhas de pesquisa – principalmente as de caráter funcionalista ou as advindas da crítica Escola de Frankfurt – sempre trazem uma relação tensa e, na maioria das vezes, como instâncias “incomunicáveis” e “incondizentes” com um mesmo objetivo final, ou seja, educar. É interessante observar que apenas a partir dos Estudos Culturais e, na nossa realidade com a Escola Latino-Americana de Comunicação (e, por conseguinte, com a Teoria das Mediações) é que o olhar metodológico transferiu-se de um lugar onde termos como manipulação, massa amorfa e espectador acrítico estavam presentes, para outro lugar onde as possibilidades de apropriação, de ressignificação e ressemantização, por parte do espectador, ganhavam importância nas discussões entre mídia, cultura, sociedade e educação. Especificamente neste artigo, o que se tem em mente é trazer a discussão

Até que ponto as visões destes pesquisadores confluem para uma mesma definição ou problematização? Quando é possível perceber que determinada linha de pensamento restringe ou amplia a ideia de “uso” deste conceito em outras grades de leituras? São as visões desses autores díspares ou comuns? Como se dá essa tensão (aproximação) e distensão (distanciamento) entre um mesmo conceito visto sob diferentes primas reflexivos? Esta é a busca deste artigo. Uma busca diminuta e, logicamente, insatisfatória para responder de uma vez por todas as questões levantadas acima. Por isso, este trabalho, visto como um recorte de uma realidade conceitual contextualizada, analisa a partir da interface da educação e comunicação a possibilidade de uma saída para tentar responder (ou pelo menos criar mais) perguntas que são motivos de interesse para o campo da Educomunicação.

O campo educomunicativo O termo Educomunicação foi criado e citado pela primeira vez por um latino-americano, o argentino, filósofo da educação, Mario Kaplún, na década de 70. (BERNARDI, 2006, p. 3). Amigo e parceiro de Paulo Freire, outro grande personagem da educação brasileira, Kaplún se interessou pelo tema da Educomunicação como meio de inter-relacionar as duas áreas vistas até então como campos de pouca interação ou quase nenhuma atividade conjunta.

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Assim, é a partir do debate entre o que pensadores como Martín-Barbero, Orozco Gómez, Omar Rincón, Ismar Soares, Adilson Citelli, Maria A. Baccega, Angela Schaun, entre outros, entendem pelo conceito de ecossistema comunicativo (ainda que algumas vezes a essência do conceito seja falada sem nomeá-lo como tal), que este trabalho tem seu norte direcionador.

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acerca da televisão e sua presença na educação – uma televisão que é “amada e odiada” na mesma intensidade por acadêmicos e estudiosos do assunto, numa clara acepção do que se entende por “apocalípticos e integrados” na visão de Umberto Eco. Mais do que isso: objetiva-se problematizar aqui as formas de se apropriar, ressignificar e ressemantizar o que é veiculado pela televisão brasileira e, com isso, torná-la peça-chave também do processo educacional e não apenas cultural. Tentar visualizála como um bom caminho para a construção e o desenvolvimento/ manutenção de ecossistemas comunicativos abertos e potencialmente bemsucedidos.

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Todavia, nos alerta Bernardi (2006, p. 3) que, antes de Kaplún, ainda na década de 70, o estudioso espanhol Franscisco Gutiérrez já abordava o tema, sob os pensamentos de Paulo Freire, afirmando que era preciso preparar o aluno para a vida social “com sua afetividade, percepções, sentidos, crítica, criatividade”. Desse modo, na visão de Kaplún (1998, p. 11, tradução nossa), quando estas inter-relações são construídas se está “sempre buscando, de uma maneira ou outra, um resultado formativo”. Isso mostra a real possibilidade de ambos os conceitos se complementarem e serem pesquisados sob uma ótica pluralista, ou seja, tanto da Educação quanto da Comunicação. Dessa maneira, o conceito de Educomunicação pode ser entendido como uma área intrinsecamente ligada à Comunicação Social e à Educação. A Educomunicação aborda desde temas como o uso das mídias em sala de aula e no processo de ensino e aprendizagem, até as novas formas de assimilação cognitiva do conhecimento por meio das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação). Porém, se engana quem imagina ser fácil definir ou delimitar forçosamente a área de atuação desse campo de estudo. Kenski (2008, p. 3) diz que “quanto mais ampliamos o sentido dos dois termos – educação e comunicação – mais compreendemos a estreita relação entre os mesmos”. E Baccega complementa ao dizer que o campo da comunicação e a educação são áreas de grandes desafios contemporâneos. Entre esses desafios ela destaca “sua complexidade obriga a inclusão de temas como mediações, criticidade, informação e conhecimento, circulação das formas simbólicas, ressignificação da escola e do professor, recepção, entre muitos outros”. (BACCEGA, 2004, p. 384). Aliás, a criticidade é um dos objetivos maiores que se pretende obter ao fazer-se uso da Educomunicação. Soares (2002, p. 8), professor na USP e pesquisador referência no assunto, afirma que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Cultura e a Ciência (Unesco) tem como uma de suas preocupações o patrocínio de várias pesquisas, algumas publicações e até mesmo eventos sobre o tema, “defendendo uma postura construtivista que leve as crianças e os jovens a promoverem uma análise crítica dos meios de comunicação a partir especialmente do seu manuseio”. Assim, um dos focos que norteia todo o campo da educação/comunicação é a criação de ecossistemas comunicativos; em outras palavras, ambientes nos quais haja interação real entre produtores, receptores e partilhadores do conhecimento e no que diz respeito ao universo das comunicações a que tem acesso alunos e professores.

Reconhecendo assim a multiplicidade das áreas de atuação da Educomunicação, pode-se afirmar que o jornal escolar, por exemplo, é uma (e não a única) forma de se tentar criar e desenvolver um ecossistema comunicativo dentro da escola e até mesmo no seu entorno. Muito antes de Kaplún, de Gutierrez e até mesmo de Paulo Freire, outro educador e pesquisador da educação já revolucionava a didática e a maneira de entender a pedagogia em sua época. Francês e pastor de rebanhos, Célestin Freinet (1896-1966), foi o grande nome de seu tempo, e ainda o é, no que diz respeito à utilização da imprensa dentro da sala de aula. Todavia, o espaço da televisão neste ambiente parece não ter conseguido o mesmo êxito da imprensa escolar. De igual modo, também se faz necessário compreender quais são as especificidades estéticas e, por conseguinte, quais são os elementos que compõem a cultura televisiva tal qual a conhecemos: uma televisão que é já parte da cultura, dos hábitos e do imaginário coletivo de toda uma sociedade.

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A criação e o desenvolvimento de novos ecossistemas comunicativos envolvem, em primeira instância, a compreensão do contexto geral dos processos comunicativos, ou seja, o entendimento dos agentes, dos impactados e dos resultados que podem ser obtidos de acordo com o conteúdo e a forma como a mensagem é apresentada. Nesse sentido, entrase no aspecto da linguagem e dos símbolos utilizados. Vê-se então como é necessário que, em um ecossistema – um ambiente no qual existe a troca e a interdependência –, exista a interação entre os interlocutores para a construção do conhecimento. A interação, o diálogo, a comunicação horizontalizada, a sensibilidade, a criação e o fortalecimento de vínculos, o estímulo ao afeto e um processo de ensino e aprendizagem calcados na liberdade dos homens são os termos que mais denotam a relação entre a Educomunicação e os ecossistemas comunicativos.

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A Educomunicação e sua ligação com os ecossistemas comunicativos pressupõe indubitavelmente uma relação baseada nas seguintes características: uma educação empreendedora, criativa, multicultural, de saberes não normativos, que respeita e acolhe o diferente, plena em sua essência e que dá espaço à educação e a aprendizados não escolarizados. Os que atuam neste cenário educomunicativo podem ser chamados de atores coletivos: são eles que detêm o poder de mudar os rumos e as cenas de uma educação que ainda “não se comunica” com os seus, para reescrever uma nova história fundamentada nos pilares supracitados.

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Estética televisiva: especificidades A televisão raramente é considerada relevante quando o tema da discussão está voltado à estética. Talvez mais do que isso: a televisão não é vista como “séria” o bastante para que tal discussão seja levada a cabo. Quem faz esta afirmação é Fahle (2006, p. 190), logo no início de seu debate epistemológico e metodológico acerca da construção de uma teoria da imagem televisiva. E aqui, é importante ressaltar, fala-se de uma “estética” no sentido que Talon-Hugon (2009) lhe confere, isto é, uma estética analítica em contraposição à estética frankfurtiana ou a estética fenomenológica: uma estetização do “objeto” a partir do olhar do sujeito. E tal sujeito, no campo estrito da recepção televisiva, de acordo com Orozco Gómez não é “passivo”. Quer dizer: “Assumir o telespectador como sujeito – e não só como objeto – frente à TV su-põe, em primeiro lugar, entendê-lo como um ente em situação e, portanto, condi-cionado individual e coletivamente [...]”. (2005, p. 28). O mais interessante das afirmações de Fahle é que elas não estão imbuídas de engodo ou de desmesuradas críticas. Ao contrário: são poucas as discussões acadêmicas, de acordo com ele, que tratam do veículo TV de modo a entendê-lo em suas especificidades visuais e imagéticas. Uma vez que a televisão é um meio de comunicação de massas, impregnado pelos mais diversos discursos de poder, são raros os estudos sobre o potencial dos seus produtos no que diz respeito à formação e alteração do conceito de imagem e visível. A partir dessa perspectiva, omite-se um aspecto essencial da experiência estética, quando não se esclarece em que medida a televisão é parte de uma evolução estética que não começa com ela, mas que surgiu a partir de modernos meios técnicos de imagem [...]. (FAHLE, 2006, p. 190).

Dessa forma, uma estética da televisão permite conceber seus produtos e processos comunicacionais de um modo não mais voltado, por exemplo, a comparar a imagem televisiva com a imagem cinematográfica nas discussões acadêmicas, sendo esta última nitidamente “superior” à primeira, quando o binômio qualidade-cultura está em pauta. (RINCÓN, 2007, p. 26). Ou seja, perceber que a televisão e sua imagem possuem especificidades equivale a empreender um pensamento voltado, por exemplo, à compreensão de um modelo de TV que ora é clássico, ora é moderno, que às vezes confunde-se numa mescla da paleo-televisão com a neotelevisão

Da mesma forma, observar os gêneros e formatos estilísticos das produções televisivas permite que uma crítica mais cuidadosamente elaborada – seja ela positiva ou negativa – possa ser efetuada de fato. Reconhecer que a televisão possui uma narrativa própria, como comenta Jason Mittell, é reconhecer que seus gêneros podem ser analisados de acordo com vieses próprios, isto é, com uma definição, uma interpretação e uma avaliação específica. O autor prossegue sua linha de raciocínio afirmando que as práticas culturais de reconhecimento e reapropriação da especificidade dos gêneros televisivos também seguem estes três vieses. (MITTELL, 2004, p. 16). Entretanto, Mittell, apresentando a avaliação como um viés de destaque, comenta a forma preconceituosa e criadora de estigmas que se perpetua em análises de gêneros televisivos quando se fala sobre telenovelas e ficção seriada. (2004, p. 51). Por sua vez, o adjetivo melodramático também parece evocar significados pejorativos e, de um modo generalista, reiteradamente é visto como sinônimo de “mau gosto” e antônimo de “sobriedade”, isto é, a mais pura tradução da “cultura do excesso”, tal qual a define Brooks (1995). O mesmo parece se dar quando tal adjetivação está ligada às narrativas ficcionais da televisão brasileira – vistas como produtos e processos culturais que representam com distinção o termo. (MARTÍN-BARBERO; REY, 1999, p. 98). Por conseguinte, o conceito de imaginação melodramática encaixa-se perfeitamente na teledramaturgia, e sua especificidade enquanto gênero próprio da TV permeado de referências de outras artes, é possuidora de um modelo singular que não se restringe apenas às avaliações de “evoluções ou revoluções no campo da tecnologia”, como afirma Motter (2009, p. 52). Daí a advertência lúcida de que “telenovela [...] é gênero próprio, com afinidades e diferenças significativas. [...] Jamais o produto televisivo poderá ser julgado com conceitos herdados de artes ou ciências filhas de tecnologias anteriores ao pós-modernismo”. (TÁVOLA, 1996, p. 48-49).

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Compreender as especificidades do campo televisivo torna possível entender de que modo a televisão e a teledramaturgia, num contexto mais específico, criam juntamente e partilham de valores morais, sociais, culturais e educacionais com seus espectadores. Meyerholz, falando sobre o assunto, chega a comentar que dificilmente se discute a presença da televisão no cotidiano das pessoas. Entretanto: “[...] a televisão segue sendo o referencial mais massivo de conteúdos sociais que nos permitem compartilhar uma cultura e as reflexões em torno dela”. (MEYERHOLZ, 2007, p. 55, tradução nossa).

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e, em alguns casos, torna una a antiga separação entre imagem e visibilidade, como afirma Fahle. (2006, p. 200).

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A imaginação melodramática, dessa forma, consiste em pensar o melodrama não como gênero, mas como uma imaginação transgenérica que ultrapassa barreiras de formatos e escolas, mantendo ao menos duas posições em comum: a ideia de moral oculta e de cultura do excesso. Brooks explica que a moral oculta pode ser entendida com a reordenação do mundo moderno (desinteressado pela religião e ciência, mas apegado ao melodrama e às suas representações). Já o “reino da moral oculta” não é nitidamente visível e precisa ser descoberto, registrado e articulado no plano real, para operar na “consciência individual” das pessoas. (BROOKS, 1995, p. 21). E sobre a cultura do excesso na imaginação melodramática, Brooks afirma que nada escapa a ela no melodrama, seja na dramatização de palavras e gestos, seja na intensidade e na polarização dos sentimentos. (1995, p. 4). Por isso, eis aí o espaço mais profícuo e específico para a presença da imaginação melodramática: a telenovela. Assim, utilizando-se de uma análise da telenovela que preza por suas especificidades junto a uma compreensão deste produto pela teoria das mediações – exposta a seguir –, torna-se possível compreender suas funções sociais e educacionais na atualidade, de modo substancioso e sólido, por meio da construção e do desenvolvimento de ecossistemas comunicativos. O deslocamento metodológico proposto pela teoria das mediações O título da obra escrita originalmente em 1987, pelo espanhol, mas radicado colombiano, Jesús Martín-Barbero, traz consigo a essência do que seria classificado posteriormente como Teoria das Mediações. O livro em questão é Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Em suma, o leitor menos íntimo da obra poderia pensar que se trata apenas de mais um livro falando sobre meios de comunicação, manipulação discursiva ou então sobre como os meios hegemônicos são poderosos a ponto de nós, meros espectadores, não termos armas ou forças para resistir ao que nos é imposto: simplesmente assimilamos como uma massa amorfa. É justamente o oposto desse pensamento. Martín-Barbero escreve sua obra no auge dos pensamentos voltados ao funcionalismo e à Escola de Frankfurt (e, consequentemente, quando expressões tais como: indústria cultural, cultura de massa e dominação, estavam em alta). Entretanto, na Inglaterra, a Escola de Birminghan e os Estudos Culturais já traziam a grande novidade da época que era justamente

Mesmo tendo uma matriz de pensamento que vigorava nos estudos da Escola Latino-Americana de Comunicação, Martín-Barbero consegue sair do lugar comum – isto é, pensar a comunicação para além dos moldes do que era feito pela matriz marxista e cristã – para chegar ao conceito de mediação, um conceito que marca não apenas a obra do pesquisador, mas que se transforma em um marco nas pesquisas comunicacionais. É importante uma ressalva: a questão econômica e seus vínculos de dominação são citados em seu trabalho; entretanto, elas não adquirem tanta expressividade e demasiada importância quanto nas pesquisas comunicacionais dos cunhos já citados. (KUNSCH, 2002, p. 14). A ideia da Teoria das Mediações dificilmente pode ser definida por uma frase lacônica ou simplista. Justamente por que trata de questões complexas, como as inter-relações entre comunicação, cultura e hegemonia. Todavia, o que é explícito nesta teoria é o deslocamento metodológico de análise, compreensão e estudo das comunicações pautando-se não nos meios em si, mas sim nas mediações causadas por estes e nas mediações culturais, sociais e políticas que fazem parte do convívio e da socialização humana. Em prefácio escrito por Canclini, o pesquisador mexicano atesta que a Teoria das Mediações não separa ou se mostra rudimentar ao estudar, por exemplo, as relações entre cultura de massa, cultura popular e cultura erudita. Canclini (apud MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 23) diz: “Com uma visão menos ingênua de como se alteram as sociedades e do que fazem com seu passado quando irrompem tecnologias inovadoras, o autor indaga como se foi desenvolvendo a massificação antes que surgissem os meios eletrônicos”. 1

Os trabalhos em torno da espectatorialidade ganharam força nos Estudos Culturalistas Britânicos, em especial pelo cinema, a partir da leitura que as audiências realizam das produções. Saindo de uma visão funcionalista e crítica da indústria cultural (marcada pelos efeitos), as décadas de 1970 e 1980 abriram espaço aos estudos de espectatorialidade conferindo ao receptor um papel ativo e dando importância ao contexto e a situação desse “consumir/assistir” a determinado produto midiático. Pesquisadores como David Morley e Janice Radway (no cinema) e Ien Ang (televisão) são alguns dos nomes que se destacam na área.

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Martín-Barbero tem o seu diferencial em relação aos estudos culturais, especificamente por trazer uma nova visão de conceitos sobre nacionalismo, populismo, resistência, anarquismo, ressiginificação, apropriação e ressemantização no contexto de uma América Latina plural, multidiversa e rica em expressões e manifestações sociais, entre outras tantas ideias muito à frente do que se pensava até então.

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pensar de modo diferente acerca dos espectadores/consumidores de comunicação. Para eles, a recepção, a experiência da espectatorialidade1 era tão ou mais importante e forte do que imaginar pessoas que apenas recebiam conteúdo sem distinção, crítica ou filtro.

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Canclini exemplifica que isso ocorria por meio da escola e da Igreja, também da literatura de cordel e do melodrama e, obviamente, da organização massiva da produção industrial e do espaço urbano. Assim, afastado de uma visão tecnicista, Martín-Barbero consegue trabalhar a noção das mediações pelo seguinte esquema (Fig. 1): Figura 1 – O esquema das mediações DOS MEIOS ÀS MEDICAÇÕES LÓGICAS DE PRODUÇÃO institucionalidade

MATRIZES CULTURAIS

tecnicidade COMUNICAÇÃO CULTURA POLÍTICA

socialidade

FORMATOS INDUSTRIAIS

ritualidade COMPETÊNCIAS DE RECEPÇÃO (CONSUMO)

Fonte: MARTÍN-BARBERO (2009, p. 16). Este mapa conceitual move-se sobre dois eixos, os quais o autor denomina diacrônico e sincrônico. As interdependências entre as questões relativas ao eixo diacrônico (definido por sua longa duração) nos termos que envolvem as Matrizes Culturais e os Formatos Industriais fazem com que as relações entre o eixo sincrônico, isto é, aquele que se ocupa das Lógicas de Produção e das Competências de Recepção e Consumo, sejam completamente mediadas pelos relevantes aspectos oriundos da institucionalidade, da tecnicidade, da socialidade e da ritualidade presentes e atuantes na vida social, religiosa, cultural, política e econômica. É interessante destacar que dentre as mediações feitas entre as Matrizes Culturais de uma sociedade e suas referências, passando pelo tripé “comunicação, cultura e política” e, chegando até aos Formatos Industriais, o gênero melodrama é destacado por Martín-Barbero como sendo um exemplar estudo de caso. Por quê? Porque nele ocorrem os processos de apropriação, ressignificação e hibridização entre cultura massiva, cultura popular e cultura erudita. O pesquisador colombiano afirma que “[...] o gênero melodrama será primeiro

A “reviravolta” metodológica proposta por Martín-Barbero é a que se pretende pautar neste artigo, observando as mediações culturais pelas quais a telenovela passa e, por conseguinte, tenta-se aqui traçar um paralelo entre estas contribuições barbereanas e as contribuições da Educomunicação. Todas com um único fim: melhorar a forma de comunicar e participar do processo de ensino e aprendizagem, trazendo à baila a discussão dos meios de comunicação, das mediações, da política, da cultura e da educação não de forma fragmentada, mas inter-relacionada, mediada. Abaixo, como considerações ainda embrionárias, seguem-se as possíveis ações educativas que podem ser trabalhadas, apropriando-se (e ressignificando-se) daquilo que as telenovelas trazem diariamente às casas e escolas.

Ecossistema comunicativo: aproximações e distanciamentos conceituais Uma das maiores contribuições da relação educomunicacional para o campo educacional está centrada na ideia de criação e desenvolvimento de ecossistemas comunicativos. São eles que possibilitam um novo uso dos meios comunicativos e até mesmo uma nova forma de se conceber a ideia de comunicação dentro do espaço escolar. O entendimento do que vem a ser um ecossistema comunicativo está relacionado a um espaço que se preocupa em cuidar da saúde e do bom fluxo das relações entre as pessoas e os grupos humanos no ambiente educacional. E este cuidar também se refere ao acesso de todos ao uso das tecnologias da informação e à produção de mídia (e não apenas à crítica ou ao consumo desta). Empoderar e dar vazão à expressão/comunicação

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É por essa linha de raciocínio que o autor, logo no início de seus escritos, sugeriu que, para entender a mediação como interferência e alteração da maneira como os receptores recebem os conteúdos midiáticos, é preciso repensar a cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competência cultural dos sujeitos como constituintes importantes do processo comunicativo. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 233).

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teatro e tomará depois o formato de folhetim ou novela em capítulos [...], daí passará ao cinema norte-americano, e na América Latina ao radioteatro e à telenovela”. (2009, p. 16-17). E, no decorrer desta migração, a memória popular tem papel fundamental, já que é a partir dela que as relações de identificação e projeção com a história representada na trama irão “se entrecruzar, hibridizar, com o imaginário burguês (das relações sentimentais do casal)”. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 16-17).

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de alunos, professores, comunidade, família e demais atores sociais ligados à educação é o maior entendimento que se pode traduzir por ecossistema comunicativo: é justamente essa potencialização que propõe a Educomunicação nos espaços educativos e suas ramificações culturais, sociais e políticas. Assim, usando-se a televisão e seus produtos, a Educomunicação e a visão de Martín-Barbero (o grande nome da Teoria das Mediações), a hipótese levantada neste artigo é a de que existe a possibilidade de que algo entendido apenas como mera obra da indústria cultural, como a telenovela, por exemplo, pode, sim, ter sua reapropriação educativa e social nos processos educomunicativos de uma escola. Desse modo, ao trazer para a sala de aula, por exemplo, as noções de merchandising social, hipótese do agendamento midiático, oralidade secundária, alfabetização midiática e culturas textualizadas (M ARTÍNBARBERO, 2009, p. 300), além da ideia de projeção e identificação promovida pela telenovela, entre tantas outras formas críticas e construtivas de trabalho, intenta-se questionar um paradigma tão constante no ambiente educacional e acadêmico: o de que a teledramaturgia nada tem a ensinar nos contextos educativos, sociais, culturais, políticos e históricos requeridos pela educação formal. E, por conseguinte, intenta-se criar ecossistemas comunicativos a partir disso. Assim, como contraponto a esta ideia cristalizada acerca da ficção seriada na educação, basta lembrar o que fala Martín-Barbero (2009, p. 293) sobre a importância da cultura audiovisual na vida latino-americana: “Se a televisão na América Latina ainda tem a família como unidade básica de audiência é porque ela representa para a maioria das pessoas a situação primordial de reconhecimento.” E é seguindo esta tese que o próprio Martín-Barbero define o conceito de ecossistema comunicativo, como […] a inserção da educação nos complexos processos de comunicação da sociedade atual, ou dito de outro modo, o ecossistema comunicativo que constitui o entorno educacional difuso e descentralizado no qual estamos imersos. Um entorno difuso de informações, linguagens e saberes, e descentralizado pela relação com dois centros – escola e livro – que ainda organizam o sistema educativo vigente. (2002, p. 332, tradução nossa).

Prosseguindo sua reflexão, o pesquisador explica esta relação de difusão e descentralização a partir da educação monástica, por exemplo, na qual o

Prosseguindo sua linha de raciocínio, ele chega a comentar que o espaço escolar não necessita de demasiadas preocupações com efeitos ideológicos e morais dos meios, mas, sim, deve voltar sua atenção para os ecossistemas comunicativos e a sua formação, a partir de um conjunto de linguagens, escritas, representações e narrativas que alteram, direta ou indiretamente, a percepção dos atores sociais envolvidos no processo educacional. (M ARTÍN -B ARBERO , 2003). Tal consideração acerca da fragmentação e descontinuidade do mundo e, a partir desta leitura, de uma educação que não se sustenta mais isolada e suprema, em especial no caso dos jovens, também é compartilhada por Canclini (2009, p. 216-217). Por sua vez, o pesquisador brasileiro Soares afirma, logo que inicia sua discussão conceitual acerca do assunto, que Martín-Barbero apresenta não apenas para uma ideia de leitura da mídia ou de apreensão de novas tecnologias educacionais, mas vai além e chega a apontar a necessidade de uma “nova ambiência cultural”, que dê conta das transformações sociais, culturais e políticas pelas quais a comunicação e a sociedade são atravessadas. Todavia, Soares destoa desta conceituação no que tange à sua “localização” e “aplicação”, já que o campo da Educomunicação pressupõe, segundo o autor, “um conjunto de ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos, programas e produtos destinados a criar e fortalecer ecossistemas comunicativos”. Em outras palavras, ele salienta que “de nossa parte, atribuímos um novo sentido ao conceito, estabelecendoo como algo a ser construído, no horizonte do devir: um sistema complexo,

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as transformações nos modos como circula o saber constituem uma das mais profundas mutações que uma sociedade pode sofrer. É disperso e fragmentado como o saber que escapa dos lugares sagrados que antes os prendiam e legitimavam, e das figuras sociais que os detinham e administravam. E é essa diversificação e difusão do saber que constitui um dos maiores desafios que o mundo da comunicação lança ao sistema educativo. (MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 332, tradução nossa).

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saber e o conhecimento reservado a poucos – a saber: aqueles que detinham a habilidade e a competência da leitura/escrita – era sinônimo de poder, de conservação e, não raras vezes, de dominação. Entretanto, o que realmente preocupa é o contexto atual a partir de escolas que mantêm centralizadas na cultura livresca e na figura de um onipotente professor, e somente neles, a fonte de todo o conhecimento considerado culto e moralizante. Daí que

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dinâmico e aberto, conformado como um espaço de convivência e de ação comunicativa”. (SOARES, 2011, p. 44). Continuando sua conceituação e distinção frente ao pensamento barbereano, o pesquisador da ECA-USP justifica tal acepção ao termo por considerá-lo uma figura de linguagem, que, metaforicamente, nomeia um “ideal de relações, construído coletivamente em dado espaço, em decorrência de uma decisão estratégica de favorecer o diálogo social, levando em conta, inclusive, as potencialidades dos meios de comunicação e de suas tecnologias”. (SOARES, 2011, p. 44). Entretanto, a diferença que talvez mais se destaque nesta confrontação conceitual seja a do estabelecimento das relações entre ecossistema comunicativo e o conteúdo curricular escolar, além, obviamente, da comunicação em âmbito formal da educação. E tal relação se daria pelo menos a partir de seis áreas de intervenção, isto é, atividades nas quais os partícipes do processo de ensino e aprendizagem obteriam reflexão e compreensão de sua presença e importância nas práticas educomunicativas. (SOARES, 2011, p. 47). Assim, é relacionando a comunicação dos meios com o ecossistema comunicativo na/da escola que esta nova ressignificação do modelo comunicativo e das interações será possível de ocorrer nestes espaços. Soares se aprofunda na questão e exemplifica, de maneira sistematizada, as seis áreas de intervenção: (1) educação para comunicação; (2) mediação tecnológica nos espaços educativos; (3) gestão da comunicação nos espaços educativos; (4) expressão comunicativa através das artes; (5) pedagogia da comunicação; e, por fim, (6) reflexão epistemológica sobre a referida práxis. Tais “intervenções” pressupõem refletir acerca de um novo olhar e também de novas práticas educativas. Outros pesquisadores, como Adilson Citelli e Maria Aparecida Baccega, mesmo tendo importante participação no desenvolvimento do campo educomunicativo no Brasil, a partir da matriz de pensamento e prática dos escritos brasileiros (e, por conseguinte, de Ismar Soares e da USP), parecem ter sua conceituação voltada ao que Martín-Barbero define como ecossistema comunicativo. Tanto Citelli (2004, p. 239), quanto Baccega (2003, p. 65, 80, 102-103) utilizam-se de citações do autor, em especial acerca daquilo que ele entende como um novo sensorium a partir da comunicação e suas transformações. Ou seja, sua crítica à escola que ainda circunda o saber ao livro e à palavra escrita, deixando o mundo da imagem – sedutor e cheio de emotividade – do lado de fora das salas de aula, a imagem como “anátema”. A atitude defensiva da escola e de seu sistema, diz Martín-Barbero (2002, p. 33), é a causa do desconhecimento ou até

Já Schaun, mesmo fazendo menção de citar a Teoria das Mediações em Martín-Barbero, quando se pronuncia acerca do conceito, apodera-se das explicações de Soares e as replica – comentando-as segundo a mesma ordem das seis áreas de intervenção. (SCHAUN, 2002, p. 92-93). Seguindo a mesma acepção metafórica de Soares, a pesquisadora faz uso do ecossistema comunicativo como algo “que designa a organização do ambiente, a disponibilização dos recursos, o modus faciendi dos indivíduos e grupos envolvidos e o conjunto das ações que caracterizam determinado tipo de ação comunicacional”, afirma Schaun. (2002, p. 93). Por fim, o pensamento de Orozco Gómez é também baseado na afirmação de Martín-Barbero sobre o termo, mas o que mais chama a atenção é que a acepção de Gómez está explicitamente ligada ao papel da televisão na educação. (OROZCO GÓMEZ, 2001, p. 71). Um ecossistema comunicativo, que nas suas palavras, tem íntimas vinculações sobre o que pensa a escola acerca do veículo, já que seus conteúdos são divertidos, entretém seus telespectadores e, por essa razão, são considerados “suspeitos” e não podem ser “legitimados” como educativos, a não ser que sejam “complementares” ou “ilustrativos” ao discurso uníssono do professor. Em suma, uma visão ainda distorcida e obstinadamente anacrônica. Pensamento parecido é o de Fuenzalida (2007, p. 91, tradução nossa) que, comentando sobre a expectativa educativa a partir da audiência televisiva, vê uma TV que “se desacopla dos temas próprios da Escola [...] e das formas escolares sistemático-curricularizadas”, para dar espaço à experiência, às narrativas e à cotidianidade, como forma primordial de relacionamento com seu receptor.

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Por outro lado, Citelli, noutra obra, ainda faz uso da concepção barbereana, mas se aproxima da visão de um ecossistema comunicativo com funções predefinidas, com “localizações e aplicações” tal qual Soares. Ele afirma que o conceito, no que diz respeito à sociedade e à educação formal, está imbricado por redes e fluxos de comunicação que abrigam: experiências culturais (em um sentido amplo e particular, com destaque aos bens culturais, simbólicos e representacionais produzidos pela mídia); um conjunto de possibilidades técnicas e tecnológicas vistas como mediadoras do processo educativo; e, finalmente, um ambiente escolar descentralizado, no qual o conhecimento é produzido e as informações são compartilhadas de modo não localizado. (CITELLI, 2006, p. 172).

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mesmo do “fingir desconhecer” que uma cultura e novos modos de ver, ler, pensar e aprender o mundo são trazidos pelo ecossistema comunicativo.

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Considerações finais Pensar as ações comunicativas é pensar a interface comunicação e educação com a preocupação de que os atores sociais que participam do processo possam criar ecossistemas comunicativos, ou seja, que eles possam criar ambientes nos quais haja interação real entre produtores, receptores e (com)partilhadores do conhecimento, e no que diz respeito ao universo das comunicações a que têm acesso. São estes ecossistemas comunicativos e suas ações comunicativas que, presenciais ou virtuais, têm o objetivo de melhorar o coeficiente educativo. Sobre o assunto foi possível observar que há diferenças, ainda que pequenas, acerca do entendimento do conceito de ecossistema comunicativo. Sob a leitura dos autores citados aqui, pode-se dizer que a preocupação no desenvolvimento desses espaços educacionais está, na maioria das vezes, ligada à escola, aos espaços formais, que devem se mostrar interessados em compreender e participar do entorno cultural do aluno e de seus pares de diálogo, ou seja, das suas relações entre colegas, família, mídia, Igreja, cultura, para daí planejar as ações que possibilitem a participação, a construção e o compartilhamento de uma rede de produção de sentidos. É preciso pensar as ações comunicativas de modo simbiótico, isto é, como indissociavelmente ligadas à prática pedagógica. É necessário ressaltar, ainda, a importância que os estudos envolvendo a interface comunicativa e educacional têm na representação de uma educação mais libertadora e formadora de pessoas capacitadas a ver e agir de modo transformador na sociedade. Quando se proporciona ecossistemas comunicativos aos educandos está se oferecendo condições para que eles possam se expressar autonomamente, sabendo conviver com a diferença dos grupos culturais, isto é, os educandos começam a pronunciar e visualizar um mundo que possui sentido, a partir de suas participações e transformações enquanto cidadãos portadores de direitos e deveres. Além disso, por parte dos educadores, é necessário pensar tais ecossistemas com vistas às estratégias pedagógicas que permitam lidar com a heterogeneidade e a diferença. Trata-se, portanto, de desafiar a pretensa estabilidade e o caráter histórico do conhecimento produzido no mundo ocidental, segundo a ótica do dominante e confrontar diferentes perspectivas, em pontos de vista, diferentes obras literárias, diferentes interpretações dos eventos históricos, de modo a favorecer o entendimento de como o conhecimento tem sido escrito de uma dada forma e como pode ser reescrito de outra.

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Nessa mesma direção, pode-se acentuar a necessidade de explicitar, também, como um dado conhecimento relaciona-se com os eventos e as experiências dos estudantes e do mundo concreto. Localiza-se aí a importância da televisão e da imagem nos processos educacionais. Buscar alternativas para uma educação que não fomenta, mas exclui, muitas vezes, um sensorium potencialmente cheio de possibilidades de troca e apreensão de conhecimento. Enfim, é preciso possibilitar que os atores sociais possam não apenas construir, mas também prezar pela manutenção e o desenvolvimento destes ecossistemas comunicativos, com objetivos ligados às demandas próprias e de real significado em sua vida educacional.

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Propõe-se, em última análise, não a substituição de um conhecimento por outro, mas sim a condição de propiciar aos estudantes a compreensão das conexões entre as culturas, das relações de poder envolvidas na hierarquização das diferentes manifestações culturais, assim como das diversas leituras que se fazem quando distintos olhares são privilegiados. Uma cultura que não se limite apenas à cultura livresca, mas que possa caminhar também pela imagem, pela oralidade, enfim, por uma cultura também midiática, a partir, no contexto trabalhado, da ficção seriada.

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