Tensões Políticas na Cibercultura

June 24, 2017 | Autor: D. Farias | Categoria: Political Theory, Cyberculture
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TENSÕES POLÍTICAS NA CIBERCULTURA: UMA PESQUISA SOBRE CIBERATIVISMO E CAMPO POLÍTICO BRASILEIRO1 Deusiney Robson de Araújo Farias2

RESUMO

O ciberativismo, por meio da deficiência de comunicação do campo político com a sociedade – ou mesmo pela forte presença da incomunicação –, tem atraído muitos adeptos nos últimos anos, em todo o mundo. No Brasil, ações ciberativistas têm sido cada vez mais frequentes, desde pedidos de cassação de Senadores e Deputados Federais à divulgação das manifestações que ficaram conhecidas como Movimentos de Junho, no ano de 2013. Esta prática transnacional nos coloca diante de novas demandas, muitas vezes deslocadas, realocadas ou mesmo glocais. Disputas “silenciosas” por atenção, visíveis para grande parte da sociedade e, na maioria das vezes, invisíveis para o campo político. Lutas que nascem e morrem antes mesmo de serem travadas, limitando-se apenas ao espaço virtual. Todavia, quando conseguem chegar ao espaço de aparência da política, encontram resistência por parte das engrenagens existentes. As fórmulas políticas parecem ser demasiadamente fortes ao ponto de manter o campo intocável, enquanto o ciberativismo parece ser “excessivamente online” para conseguir romper as barreiras dessa estrutura. A pesquisa teórico-empírica, de natureza descritiva e com análise qualitativa dos dados, incidirá sobre as lutas existentes entre os movimentos ciberativistas e o campo político brasileiro, focando as vicissitudes existentes e a ineficácia recorrente em muitos casos, na era do ciberespaço. Para isso, faremos uma revisão bibliográfica nos estudos sobre ciberativismo no Brasil e estudaremos casos de três sites referenciais de “ativismo” na Internet, que têm como premissa principal a utilização das novas tecnologias da comunicação para a realização da política e, principalmente, como legitimação de suas propostas para o campo político: Avaaz, Votenaweb e Petição Online. Com isso, nosso objetivo principal é revisar a bibliografia sobre o ciberativismo, ativismo digital ou ativismo online no Brasil à luz da crítica teórica e compreender por que ações propostas por estes movimentos têm pouca penetração e sustentação no campo político brasileiro e, também, na sociedade, tendo como principal referencial teórico, as obras de Pierre Bourdieu, Eugênio Trivinho, Paul Virilio e Jean Baudrillard, além das referências secundárias, mas não menos importantes, que discorrem sobre movimentos sociais contemporâneos, com forte envolvimento de ciberativistas: Manuel Castells, David Harvey, Slavoj Zizek; sobre movimentos sociais e democracia no Brasil: Boaventura de Sousa Santos e Raymundo Faoro; e autores que abordam assuntos, que terão muita importância na fundamentação de nossas ideias, como elites, tecnologia, mídia, poder, biopolítica, que são: Muniz Sodré, Michel Foucault, Félix Guattari, Joseph Schumpeter, Roberto Esposito, Thomas Lemke e John Armitage.

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Artigo apresentado no Seminário Mídia, Política e Eleições, realizado nos dias 03 e 04 de novembro de 2014, na PUC-SP. 2 Doutorando em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Mestre em Comunicação pela Universidade Paulista (UNIP). Bacharel em Comunicação Social pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina (CEUT). E-mail: [email protected].

Palavras-chave: Ciberativismo; Campo Político; Internet; Política; Comunicação.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o Brasil tem sido cenário de ações ciberativistas, cada vez mais frequentes. Prática transnacional que nos coloca diante de novas demandas, muitas vezes deslocadas, realocadas ou mesmo glocais. Disputas “silenciosas” por atenção, visíveis para grande parte da sociedade e, na maioria das vezes, invisíveis para o campo político brasileiro. Lutas que nascem e morrem antes mesmo de serem travadas, limitando-se apenas ao espaço virtual. Todavia, quando conseguem chegar ao espaço de aparência da política, encontram resistência por parte das engrenagens existentes. As fórmulas políticas parecem ser demasiadamente fortes ao ponto de manter o campo intocável, enquanto o ciberativismo parece ser “excessivamente online” para conseguir romper as barreiras dessa estrutura. No mês de fevereiro de 2013, foi notícia no Brasil, que um grupo de manifestantes havia levado ao congresso um abaixo-assinado com mais de 1.600.000 (um milhão e seiscentas mil) assinaturas, com o pedido de impeachment do presidente do Senado Renan Calheiros.3 Alguns meses após, um novo abaixo-assinado começou a ser divulgado para a cassação do deputado federal Marcos Feliciano, do Partido Socialista Cristão de São Paulo (PSC-SP). Essas ações devem fazer parte do estado democrático de direito e não deveriam parecer novidades em um país onde sua sociedade vive em estado de liberdade e de “pleno gozo” de seus direitos políticos. Entretanto, ações desse tipo são novidades pela forma como têm circulado entre a sociedade, não somente aqui, mas em muitos países do mundo. Todas as assinaturas foram colhidas por meio da Internet e, praticamente, todo o movimento foi feito em silêncio (com exceção da entrega, que teve ampla divulgação da mídia televisa e presença mínima de manifestantes no Congresso Nacional). Parecendo constituir um novo espaço de aparência das discussões políticas.

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Notícia pode ser encontrada no site R7.com. Disponível em: . Acesso em: 09 abr. 2013.

A petição de cassação do deputado Marcos Feliciano em um site ciberativista foi criada em setembro de 2012, após oito meses ela contava com apenas 89 assinaturas.4 Em contraposição, em outro site, outra petição foi criada, contra a cassação do deputado, essa com apenas 12 assinaturas até aquele momento. 5 Enquanto o primeiro caso (petição de cassação de Renan Calheiros) reuniu mais de 1.600.000 (um milhão e seiscentas mil) assinaturas em pouco tempo, outra petição, tão polêmica quanto, atingiu uma média ínfima, se as comparamos. De toda forma, apesar de todos esses dados serem importantes para nossa pesquisa, essa não é a questão que esse projeto se propõe a estudar. Esses são apenas exemplos daquilo que está acontecendo na prática política brasileira. A petição de impeachment de Renan Calheiros, até o momento, não obteve nenhum êxito e, pelo visto, a que pede a cassação de Marcos Feliciano também não logrará. Assim como elas, várias outras petições demonstraram-se ineficazes ao chegarem ao espaço de visibilidade do campo político. No mês de junho do mesmo ano, após uma série de fatos políticos que provocaram certa indignação na sociedade e, principalmente, após um grupo de manifestantes ter sido tratado com truculência por parte da polícia do estado de São Paulo em manifesto na Avenida Paulista, e terem sido classificados como “vândalos” por muitos veículos da imprensa, uma grande massa saiu às ruas, em grandes passeatas, por vários dias, contra o próprio poder do Estado e com uma série de demandas desordenadas. Podíamos encontrar nas ruas pautas infinitas de anseios, uma sociedade insatisfeita e um campo político embaraçado pelo acontecimento que há muitos anos não víamos no Brasil. A Internet, naquele momento, ganhara o status de meio de comunicação política mais eficiente e menos corruptível e controlado dos últimos anos. Os sites ciberativistas passaram a divulgar a “vitória” de sua proposta e do início de uma nova era.6 Entretanto, até o momento, pouca ou nenhuma mudança foi percebida no cenário político.

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Petição criada pelo site Petição Pública. Disponível em: . Acesso em: 09 abr. 2013. 5 Petição criada no site Avaaz.org. Disponível em: . Acesso em 09 abr. 2013. 6 Em meio às manifestações, vídeos eram gravados, posteriormente editados e enviados para milhares de pessoas com a mensagem de “uma nova era”. Alguns vídeos incitam a participação por meio da emoção,

Podemos dizer que o movimento que encadeou toda essa série de manifestações nas ruas foi o Movimento Passe Livre (MPL), “um grupo de pessoas comuns que se juntam para discutir e lutar por outro projeto de transporte para a cidade”.7 O grupo que tem mais de dez anos de existência, teve uma ampla visibilidade por parte da sociedade após sua ação contra o aumento no valor do transporte público paulistano e, principalmente, após a ação truculenta do poder policial do estado e da classificação humilhante do poder midiático com a qual foram tratados os seus manifestantes. As ações citadas anteriormente, provavelmente, tenham ajudado a dar visibilidade ao movimento, assim como a própria mídia, com seu discurso inicialmente difamatório e posteriormente exaltante. Contudo, não nasceram do ciberativismo, sequer classificam-se desta maneira, como muitos querem acreditar.

Um campo latente para pesquisa Há, no campo político, lutas simbólicas nas quais os adversários dispõem de armas desiguais, de capitais desiguais, de poderes simbólicos desiguais. (BOUDIEU, 2011, p. 204)

Segundo Bourdieu, o campo político8 é um microcosmo autônomo, combinado por ideias-força e corpo politicamente e estrategicamente definido, dentro de um macrocosmo social. Este campo de forças possui regras próprias e é composto por responsáveis políticos, “que competem pelo monopólio da manipulação legitima dos bens políticos” (2011, p. 2003). Neste sentido, Bourdieu sugere a existência de um sistema de controle e disputa de forças internamente, que não se deixa invadir por forças externas e atraem aquelas pelas quais tem interesse, dando preferência para expoentes 9 que se convertam em capital político. O ciberativismo, por sua vez, se constitui como fenômeno recente de enorme potencial político. Afluência de forças externas ao campo político, que muitas vezes o

de imagens de manifestantes sendo maltratados pela polícia e com músicas de fundo que abordam a temática da revolta. Como exemplo dessas ações, podemos citar um clipe-doc elaborado por ciberativistas com imagens das manifestações e compartilhado nas redes sociais da Internet, disponível em: . O refrão da música, em inglês, diz: “Wellcome to the new age”; que em português significa: “Bem-vindos à nova era”. 7 Apresentação do Movimento no seu site. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2013. 8 Segundo Boudieu (2011, p. 206), o campo político também pode ser descrito como “um jogo no qual o que esta em disputa e a imposição legítima dos princípios de visão e divisão do mundo social”. 9 Ao aplicarmos este termo estamos querendo falar não apenas de sujeitos, mas de ideias também.

invade, mas encontra dificuldades na concretização de suas demandas. Para muitos autores (BORGES; MCCAUGHEY, AYERS; RIGITANO; URGATE; SILVEIRA), trata-se de um ativismo realizado por meio da utilização da Internet para a difusão massiva de novas mensagens, com a intenção de alcançar metas e/ou lutar contra injustiças. Esta prática se inicia com a percepção de que os novos meios de comunicação digital conferem à sociedade maior facilidade na distribuição de ideias. Devemos, sem embargo, ressaltar que na acepção do termo, ciberativismo se realiza exclusivamente nas redes cibernéticas,10 deixando para o ativismo tradicional, outras esferas da vida, como: as ruas, os impressos, a imprensa etc. Pois, no decorrer da pesquisa, esses sujeitos se encontrarão e poderão entrar em colapso, por possuírem gêneses diferentes. O ativismo surge em uma lógica social e o ciberativismo em outra. Ambos lutam por visibilidade e eficiência, tornando-os termos conflitantes. Neste trabalho, é importante a compreensão de que ciberativismo seja apenas parte de um todo, revelando a existência de sujeitos (sites e pessoas) que atuam apenas na Internet – esses são originalmente ciberativistas – e outros que atuam em várias esferas, tanto on, quanto off-line – estes deverão ser encarados como ativistas que incluíram a Internet em seus campos de atuação11 ou que fizeram inversamente – e podem optar por serem chamados ciberativistas ou não. Contudo, esta não é questão central em nosso trabalho, apenas apreensão do termo para a composição do próprio corpus. Aquilo que nos interessa, são as lutas políticas contemporâneas travadas entre sujeitos que têm a Internet como arena de atuação e o campo político brasileiro. É diante das vicissitudes existentes neste contexto que nasce a questão basilar para a nossa pesquisa: em que pesem essas características de existência – transnacional e 10

Podemos encontrar respaldo referencial na compreensão de vários autores. Para Sérgio Amadeu da Silveira (2010, p. 31, grifo nosso), o ciberativismo pode ser visto como “um conjunto de práticas em defesa de causas políticas, socioambientais, sociotecnológicas e culturais, realizadas nas redes cibernéticas, principalmente na Internet. O ciberativismo se confunde com a própria expansão da rede mundial de computadores.” Existe, portanto, uma definição sobre o campo de prática do ciberativista. Jussara Borges (2012, p. 126, grifo nosso) também identifica esse campo de ação: “O ciberativismo diz respeito ao uso dos meios eletrônicos, principalmente da internet, para convergir num mesmo espaço a divulgação de ideias e informações, a busca de apoio para uma causa, a abertura de espaços para a discussão, mas principalmente a organização e mobilização das pessoas para participar de ações que podem acontecer no mundo real e no virtual, como a assinatura de abaixo-assinados, o envio de petições, as passeatas, entre outros.” (BORGES, 2012, p. 126). 11 Exemplo disto é o Greenpeace. A organização existe desde 1971 e sempre atuou em várias frentes. Nos últimos anos, adotou o ciberativismo como mais um de seus campos de atuação. Em seu site, na página “ciberativista”, a seguinte mensagem transmite exatamente o que entendemos por ciberativismo: “Há muitas maneiras para se tornar um ciberativista. Você pode assinar e compartilhar nossas petições on-line, comentar nossas notícias, publicar reportagens, vídeos e banners do Greenpeace em sua rede social ou blog. Cada uma destas ações é fundamental para que mais pessoas se engajem e se mobilizem pelo meio ambiente.” (GREENPEACE, 2013).

transpolítica12 – por que demandas e ações propostas pelos ciberativistas têm pouca repercussão e sustentação no campo político brasileiro e na sociedade, muitas vezes chegando ao desaparecimento temporário ou ao ocaso? Hipóteses de uma pesquisa

Neste ponto, algumas considerações se fazem necessárias – mesmo que fundamentadas apenas na observação e na literatura – ainda que não façam parte do conjunto de nossas hipóteses: o ciberativismo parece ser mais um espetáculo em nossa sociedade, um ativismo social que chega ao fim por meio da proposta de “movimento” online e da tentativa de interferência nos espaços reais da vida. Ele representa a ideia que busca atravessar o político e seu campo de forças, ao mesmo tempo em que acomoda os corpos da sociedade em suas cadeiras, de frente às suas máquinas, propondo uma política mais mediada e simulada que aquela já existente. Resulta, portanto, em um instigante simulacro da vida real no mundo digitalizado, conferindo aos discursos uma velocidade e visibilidade jamais alcançadas, típicas das “necessidades” pós-modernas. Para que este simulacro seja realizado, se faz necessária a ajuda de dois elementos: o computador e a Internet. O computador surgiu da necessidade matemática de resolução de cálculos no menor espaço de tempo. A Internet, por sua vez, foi pensada a partir do desejo militar de encurtar distâncias, criando uma rede de comunicação mais eficiente. Juntos, conseguem diminuir o espaço e o tempo, tornando a vida mais rápida, efêmera e deslocada de seus ambientes naturais. O ciberativismo prega a atividade política a partir dessa junção, do espaço político deslocado e da comunicação no menor tempo possível. Mesmo que as considerações acima façam parte do quadro de influências teórico-empíricas do projeto de pesquisa do autor deste artigo, a proposta principal versa sobre as seguintes hipóteses: 1) Consideramos que o ciberativismo favoreça muito mais uma alteridade com o meio de comunicação, representado pela máquina (computador) e seus links de

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Apesar da argumentação exposta neste projeto ainda não apresentar aprofundamento teórico no que tange o termo transpolítica, é importante ressaltar que ela “[...] transpassa a política sem estar sujeita diretamente à sua jurisdição executiva, legislativa e penal, e, portanto, sem ser por ela integralmente apanhada, gerenciada e controlada. [...] Transpolítica significa justamente isto: existência (de algo) aquém da potência institucional e racional da política, vis-à-vis, à sombra da impotência da política.” (TRIVINHO, 2012. p. 129; 132). Tal conceito merece atenção especial no decorrer da pesquisa.

conexão, simulando o ativismo político no espaço virtualizado e distanciando os sujeitos dos espaços públicos reais, constituindo, desta maneira, a seguinte ideia-força na sociedade: os espaços reais da política podem ser substituídos por um espaço virtual glocalizado. Por este motivo, acaba não alcançando seus objetivos no campo político, por já nascer de uma proposta virtual, diferente das forças reais e ativas, influentes nessa esfera de poder. 2) A proposta de Pierre Bourdieu, de que ideias-força só atinjam o campo político quando autorizadas pelos seus integrantes, fundamentam nossa segunda hipótese: o ciberativismo só atinge o campo de força da política quando os políticos permitem, quando há interesses estratégicos por trás da demanda, que beneficiarão os próprios componentes do campo. Quando não existe interesse em determinadas demandas, elas são esquecidas pelos políticos e também pela sociedade.13 Para isso, são utilizadas todas as fórmulas, capitais e influências políticas em outros campos do macrocosmo social. 3) A terceira hipótese de nosso trabalho considera que o ciberativismo seja um reforço na comunicação política, assim como o fizeram e ainda o fazem outros meios de comunicação. Não obstante, é uma proposta que não atinge diretamente as articulações do campo político, apenas sua imagem, como já acontece por meio da ação da mídia tradicional. As demandas ciberativistas ganham visibilidade instantânea, entrementes, tornam-se efêmeras, rápidas e frustradas quando não são respondidas pelo campo político. Quando a sociedade passa a se articular apenas no espaço virtual, os sentidos das palavras “movimento” e “atividade” se perdem na ideologia política. Além das hipóteses expostas acima, é importante ressaltar que não há ativismo quando se interioriza uma ideologia e não a exteriorizamos no mundo real. Somente quando o ciberativismo deixa de ser ciber14 para se tornar realmente ativo,15 algo no 13

As referências de petições citadas na introdução a respeito do Dep. Marcos Feliciano, nada mudaram cinco meses após. Tanto a demanda que pede a cassação quanto a que pede a não cassação estagnaram em 89 e 11 assinaturas respectivamente. Este pode ser um indício para confirmação de nossas hipóteses. Acesso em: 21 set. 2013. 14 A palavra ciber vem do inglês cybernetic, de origem grega kyvernitikí (κσβερνητική), que significa dirigir, dirigir um navio, pilotar. Mesma raiz que dá origem às palavras kyvernítis (κσβερνήτης) e kyvernochóro (κσβερνοτώρο), que significam condutor ou governador e ciberespaço, respectivamente (MANIATOGLOU, 2008, p.965). Essa afirmação é feita também com base no trecho do livro “Cyberpunk and Cyberculture: Science Fiction and the Work of William Gibson” a seguir: “As raízes de cyberpunk não são, é claro, puramente literárias. O „cyber‟ em cyberpunk se refere à ciência e, em particular, para a revolucionária redefinição da relação entre os seres humanos e máquinas trazidas pela ciência da cibernética. A palavra cibernética foi introduzida em 1948 pelo matemático Norbert Wiener (1894-1964), em um livro intitulado Cybernetics, or Control and Communication in the Animal and the Machine. Cibernética deriva da palavra grega kibernetes, que significa „timoneiro‟, para implicar que o

mundo real pode ser modificado. Dessa forma, o ativismo não pode ser apenas automatizado.

CONCLUSÃO

Para alguns autores (SILVEIRA; MCCAUGHEY, AYERS; RIGITANO), a utilização da Internet por movimentos politicamente motivados, com a intenção de alcançar metas ou lutar contra injustiças que ocorrem na própria rede cibernética traduzem o sentido de ciberativismo. Logo, este “movimento” apresenta-se como a solução para muitos problemas políticos, como forma de promoção de diálogo público colaborativo e de mobilização online, mediando os anseios da sociedade civil com o campo político. Não sabemos se, por meio de uma deficiência de comunicação do campo político com a sociedade ou mesmo pela forte presença da incomunicação, esse fenômeno tem atraído muitos adeptos nos últimos anos. Com ações promovidas apenas na Internet (desobrigando-se da participação em passeatas, mobilizações de rua, greves e protestos) torna seus adeptos mais comedidos, silenciosos e imóveis. Dando espaço, inclusive, a novas manifestações, como os flashmobs,16 cujo objetivo principal seria propagar vídeos na Internet produzidos por ciberativistas, no intuito de conscientizar

controle deve ser uma forma de „direcionamento‟, não de „ditadura‟. Wiener acreditava que os corpos biológicos e corpos mecânicos são sistemas de auto-regulação ligados pelo simples fato de que ambos trabalham em termos de controle e comunicação. Além disso, Wiener dividiu a história das máquinas em quatro etapas: a idade golemic (um mundo pré-tecnológico), a era dos relógios (séculos XVII e XVIII), a idade do vapor (final do século XVIII e XIX) e a idade de comunicação e controle (a era da cibernética). Para cada uma dessas etapas corresponde um modelo diferente de organismo físico: o corpo como uma forma de argila mágica, como um mecanismo de relógio, tal como um motor de calor e, por fim, como um sistema eletrônico. A noção do corpo como um sistema de recursos eletrônicos a partir da sua equação para uma rede de comunicações capaz de absorver informações através dos sentidos e de, posteriormente, agir de acordo com as informações recebidas. Central para a pesquisa no campo da cibernética é a idéia de que, se o corpo humano pode ser concebido como uma máquina, também é possível desenhar máquinas que simulam o organismo humano.” (CAVALLARO, 2000, p. 12, tradução nossa). 15 A palavra ativismo vem de “ativo”, do latim activus, de actus, “algo feito”, de agere, “agir, realizar, fazer, colocar em movimento”. Tendo a referência da nota anterior como base, a noção de que a raiz “ciber” possa significar a ciência da “redefinição da relação entre homens e máquinas” e a consciência de que o ciberativismo aconteça exclusivamente nas redes cibernéticas como explicitado anteriormente, podemos dizer que a palavra ciberativismo signifique “automação do fazer”, “controle do agir”, “governo do movimento”? Essa reflexão e proposição tornam-se importantes em nosso trabalho, visto que as os significantes transmitem ideias-força em qualquer sociedade e conceitos como este podem ser reavaliados. 16 O uso do termo flashmob é do século XIX, mas não da maneira como o conhecemos hoje. As aglomerações instantâneas de pessoas em certo lugar para realizar determinada ação inusitada previamente combinada são reconhecidas pela rapidez com que acontecem e se dispersam. A expressão geralmente se aplica a reuniões organizadas através de e-mails ou meios de comunicação social, que se espalham na Internet por meio de vídeos.

seu público de suas ações e de promovê-las perante o campo político. Para isso, não obstante, a participação necessita de corpos em comunhão com os aparelhos tecnológicos, replicando ou divulgando suas frases, imagens e vídeos de rápidas ações. Não significa, porém, que os ciberativistas em algum momento não tomem as ruas, passeatas, imprensa, etc. Isso pode acontecer e, historicamente, vem acontecendo com muita frequência nos últimos anos, como na Primavera Árabe, nas revoluções da Tunísia, no Egíto, nas revoltas da Islândia, nos Indignados da Espanha, no Occupy nos Estados Unidos e nos Movimentos de Junho no Brasil. Certamente, muitos ciberativistas tomaram as ruas, muitas vezes, sem abrir mão de seus aparelhos tecnológicos, que permitem o relato em tempo real, a gravação e compartilhamento de vídeos e até a incitação da sociedade para a participação no momento em que as mobilizações estão acontecendo. Entretanto, essa não era a natureza de sua participação. Não são eventos que acontecem com a frequência necessária para que este sujeito perca sua característica principal, aquilo que lhe identifica como ciberativista. Da mesma forma, o sujeito ativista desde o início do Greenpeace,17 em 1971, não se torna ciberativista por usar a Internet para sua comunicação, visto apenas como um ativista que usa uma rede cibernética – sem desviar sua característica principal de ação, mesmo com os aparelhos tecnológicos de comunicação digital. Certamente, se alguém lhe perguntar “o que seja” (entre as duas coisas), dirá ativista ou ambas as coisas. O ciberativista não, este precisa da comunicação com a rede cibernética para justificar sua existência. Como dito anteriormente, o campo político pode ser entendido como “um microcosmo autônomo no interior do macrocosmo social”, produtor e reprodutor de suas próprias regras e leis, com característica e princípios próprios, que não funcionam em outros campos, quase que “separado do resto do mundo” (BOURDIEU, 2011, p. 195). Por isso, torna-se necessário entender de que forma as demandas da sociedade, movidas pelos “movimentos” ciberativistas, chegam ao centro das discussões do campo político e como são tratadas. Pois, assim como a política espetacularizada têm se retroalimentado18 cada vez mais do público e da coisa pública, podemos indagar se 17

Greenpeace é um dos movimentos ativistas socioambientais mais conhecidos das últimas décadas. Surgiu no Canadá e, rapidamente, se tornou uma organização global e independente, atuando para defender o ambiente, promover a paz e inspirando as pessoas a mudarem atitudes e comportamentos. 18 Para o dicionário Michaellis, retroalimentação significa: “Modificações feitas em um sistema, comportamento ou programa, causadas pelas respostas à ação deste sistema, comportamento ou programa.” Em relação à informação, significa: “Informação ou dados passados de volta a um computador que, recebendo esses dados novos, pode mudar sua resposta ou atuação; feedback.”

existem, neste caso, interesses oclusos por parte dos integrantes do campo em determinadas discussões. Para Giddens (2007, p. 28), a política contemporânea continua a mesma por fora, mas muda constantemente por dentro, modificando sua forma de agir e modo de pensar, para se adaptar às mudanças. Deste modo, buscaremos compreender por que ações propostas por “movimentos” online não tem forte penetração e sustentação neste campo, tentando entender também a ideia de movimento e de ativismo inseridos nas redes cibernéticas. Pois, analisando a partir de Baudrillard (1985, p. 16), podemos encarar esses tipos de processos como “entrópicos, de modalidades do fim do social”. Posto isto, estudando as lutas existentes entre as propostas do ciberativismo e a proposta do campo político e, especialmente, entendendo a fundamentação de seus funcionamentos, além de seus sujeitos, demandas e lutas internas, esperamos contribuir para novos trabalhos que surjam dentro deste campo epistemológico.

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