Teoria Contemporânea da Guerra Justa: uma entrevista com Helen Frowe

September 28, 2017 | Autor: Davi Silva | Categoria: Applied Ethics, Just War
Share Embed


Descrição do Produto

http://dx.doi.org/10.5007/1677-2954.2014v13n2p233

TEORIA CONTEMPORÂNEA DA GUERRA JUSTA: UMA ENTREVISTA COM HELEN FROWE1. DAVI JOSÉ DE SOUZA DA SILVA2 (UFSC, Brazil)

A presente entrevista foi realizada no segundo semestre de 2014 durante meu estágio de pesquisa na Goethe Universität em Frankfurt am Main. Seu objetivo é introduzir estudantes e pesquisadores à Teoria Contemporânea da Guerra Justa. Para isso contamos com a Prof. Helen Frowe, cujo trabalho é um dos mais competentes e promissores no campo. Ao longo da entrevista faço diversas notas explicativas dos conceitos articulados pela Prof. Frowe. Ao final, faço uma lista de referências bibliográficas úteis para ter um acesso qualificado a esse campo da ética e filosofia política. 1a. Pergunta. Professora Helen Frowe, obrigado pela disponibilidade. Esta entrevista é importante para o público brasileiro, filósofos, autoridades e cidadãos porque precisamos discutir bem mais os limites teóricos e práticos da guerra. Recentemente nosso país conquistou melhor posicionamento nas relações internacionais, inclusive participando de uma série de missões das Nações Unidas como Suez (UNEF I), Angola (UNAVEM III), Moçambique (ONUMOZ), Timor Leste (UNTAET-UNMISET) e Haiti (MINUSTAH) 3 . Contudo a atual discussão sobre a Teoria da Guerra Justa não é conhecida na esfera pública, instituições e departamentos de filosofia, a despeito de nossa tradição diplomática e permanente atividade em favor de soluções pacíficas. Se quisermos prestar mais atenção à guerra, a primeira questão que vem à tona é se é possível, pelo menos no nível teórico, falar de “Guerra Justa”? Por que não pensar que todas as guerras são injustas ou que a guerra não é uma questão de justiça, mas necessariamente de poder? Resposta: Essa é uma boa pergunta. Acho que muitas pessoas acreditam que a guerra ou está fora da esfera moral, porque se refere a poder e política, em vez de a certo e errado, ou que ela é sempre errada. Mas eu penso que essas duas visões são equivocadas. Penso que é certamente um erro acreditar que a guerra está fora da esfera da moralidade. A guerra é sobre previsível e intencionalmente matar (killing) e mutiliar (maiming) pessoas. É muito difícil ver ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

234

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

como essas coisas poderiam estar fora do escopo da preocupação moral. Pelo contrário: a permissibilidade de infligir esses danos parece ser uma dos assuntos morais mais importantes com que nós encaramos. A guerra é uma manifestação extrema de muitos problemas morais que nos preocupam na vida comum: a permissibilidade de causar danos, a diferença entre ter a intenção de causar e meramente permitir ou prever danos, a ideia de que nossas posições em determinadas circunstâncias possam criar obrigações morais especiais, nossos deveres de obedecer a ordens legais e etc. O fato de que guerras frequentemente são lutadas não por razões morais, mas por outras tais como poder e recursos, não significa que a guerra não é uma questão de justiça (assim como o fato de que muitos homicídios domésticos são cometidos por ganância ou vingança não nos mostra que tais crimes não constituem um problema moral). Na verdade, mesmo que todas as guerras que já tenham sido lutadas fossem injustas, isto não mostraria que não poderia haver guerras justas. Isso nos leva à segunda ideia: de que a guerra é sempre injusta. Eu penso que é importante aqui distinguir entre guerras que são erradas porque são injustas desde seu ponto de partida (por exemplo, porque travadas puramente para obter acesso a recursos aos quais o agressor não tem direitos) e guerras que são injustas em função do modo como são lutadas. Por exemplo, entendo que era permitido às Forças Aliadas se engajar numa guerra defensiva contra a Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Mas isso é compatível com o raciocínio de que os Aliados algumas vezes lutaram em guerras injustas, quando, por exemplo, bombardearam cidades alemãs ou jogaram bombas nucleares no Japão. Essas armas não são capazes de discriminar entre alvos legítimos e ilegítimos, sendo seu uso, portanto, não permitido. De fato pode ser verdade que historicamente não tenha havido uma guerra que tenha sido tanto justa desde seu início quanto lutada de maneira perfeitamente justa. Mas isso não significa que tais guerras não podem ser travadas - temos apenas que melhorar em aderir às regras morais. 2a. Pergunta. A discussão sobre a justiça da guerra remonta a Agostinho, Aquino, Suárez, Vattel e Grócio4. Porém, há todo um desenvolvimento contemporâneo do qual duas etapas podemos considerar como fundamentais: a primeira se refere ao clássico Guerras Justas e Injustas5 de Michael Walzer (1977), já a segunda tem como marco o livro Killing in War (2009)6 de Jeff McMahan (além de outros artigos). Quais são as principais diferenças entre as abordagens “clássicas” e “contemporâneas”? Resposta: uma das principais diferenças é a ausência da religião nos escritos contemporâneos ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

235

sobre a ética da guerra. Os primeiros teóricos da guerra justa, tais como Agostinho e Aquino, eram estudiosos religiosos cujo trabalho foi em parte preocupado com a reconciliação da permissibilidade da guerra com os ensinamentos cristãos. A doutrina do duplo efeito 7, por exemplo, surge da ideia de que, embora matar intencionalmente seja pecado (e viola um dos Dez Mandamentos), alguém poderia estar permitido a matar uma pessoa como efeito colateral (side-effect) de perseguir algum fim bom proporcional8. Alguns autores também consideravam que a propagação da religião poderia ser uma causa justa para a guerra e pensavam que o papa poderia ser uma “autoridade legítima” 9 para fins de declaração da guerra. Assim, guerras poderiam ser justificadas porque eram uma forma de impedir que os inimigos continuassem a pecar, o que era descrito como um ato de beneficência, sendo necessárias para criar as condições pacíficas sob as quais seres humanos poderiam estabelecer um relacionamento mais próximo com Deus. De modo geral, havia talvez uma visão mais ampla do que contava como uma causa justa para a guerra - por exemplo, assim como nas guerras de expansão religiosa como as Cruzadas, alguns teóricos acreditavam que a punição poderia ser uma causa justa para guerra. Hoje muitos teóricos contemporâneos não endossariam essa visão. Vários aspectos dessas teorias clássicas permanecem influentes – como a doutrina do duplo efeito ainda desempenha um papel central no pensamento da guerra justa, fundamentando a ideia de que danos previstos mas não intencionais a civis podem ser permitidos, ainda que alvejar civis não o seja – mas são versões secularizadas explicadas em termos de direitos humanos e não na vontade de Deus. Esta ênfase nos direitos é uma importante diferença entre as teorias clássicas e contemporâneas. Tanto Michael Walzer quanto Jeff McMahan desenvolveram abordagens da guerra baseadas em direitos (critériobase accounts of war). É claro, suas explicações ainda se distinguem significativamente, porque têm entendimentos bem distintos do que envolve respeitar direitos humanos. 3a. Pergunta. A partir desse último ponto, qual é a principal diferença entre a teoria de Michael Walzer, algumas vezes chamada de abordagem coletivista, e Jeff McMahan, algumas vezes denominada individualista ou responsibility-based account of War? Resposta: a diferença central diz respeito a como cada um entende o papel do Estado na guerra. É famosa a descrição da guerra em Walzer como uma relação entre entidades políticas e não entre pessoas. Em sua visão isso significa que a guerra irredutivelmente um empreendimento coletivo, por isso deve ser julgada por regras morais específicas que sejam aplicadas às coletividades políticas e não aos indivíduos. Por exemplo, Walzer argumenta que ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

236

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

é defesa do social, da “vida comum” dos cidadãos, que justifica a defesa letal de um Estado. Esta vida comum é evidentemente um bem coletivo, uma vez que se trata da relação entre indivíduos10, portanto, não podendo ser reduzida para o valor dos indivíduos em si mesmo11. A visão oposta de McMahan argumenta no sentido de que a guerra é antes de tudo uma relação entre indivíduos12. Sendo assim, as regras morais que regulam a guerra são as mesmas que governam a relação moral de dano13 entre indivíduos na vida comum14. Para julgar a guerra nós devemos entender os direitos e deveres dos indivíduos envolvidos. Uma das implicações mais importantes dessa diferente explicação consiste na tese da igualdade moral (Moral Equality) entre combatentes15. A visão tradicional de Walzer defende que os combatentes têm igual permissão para matar uns aos outros independentemente se lutam ou não do lado justo da guerra. Isso decorre da crença de Walzer de que a justiça da guerra como um todo – o que pode ser chamado de jus ad bellum – é determinada pela ação dos líderes políticos, sendo injusto julgar e responsabilizar os combatentes comuns pelas decisões de seus líderes. Combatentes não podem controlar e determinar se sua guerra é em última instância justa: tudo que eles podem fazer é lutar a guerra de maneira justa. Isto é, seguir as determinações do jus in bellum, como por exemplo, a proporcionalidade e necessidade 16 . Assim que os combatentes aderem a essas regras, entende Walzer, ao matar ou causar dano a combatentes justos combatentes injustos não cometem ilícitos. A posição de Walzer é o reflexo do direito internacional que não distingue entre combatentes justos e injustos. O trabalho de McMahan desafia essa visão tradicionalmente dominante ao apontar a ampla implausibilidade do argumento que aqueles que estão engajados na defesa justificada são moralmente iguais em relação àqueles que lhes ameaçam injustificadamente.

Se

ilicitamente eu tentar te matar e passas a usar a força para te defender, o fato de que nós agora ameaçamos um ao outro não nos torna moralmente iguais. Pelo contrário, você como vítima mantém seu direito comum de não sofrer dano, enquanto eu (como agressor) renuncio ao meu direito de não sofrer dano, na medida em que causar dano contra mim é necessário para evitar a ameaça que eu inflijo. Se nós rejeitarmos a ideia que aqueles que estão engajados na violência política coletiva gozam de permissões especiais para causar dano, a assimetria moral entre vítima e agressor deveria ser mantida na guerra. Isso significa que nos deveríamos rejeitar a ideia de que combatentes injustos são moralmente iguais a combatentes justos. Pelo contrário, combatentes injustos violam os direitos de combatentes justos (e civis) ao causar danos, por sua vez, combatentes justos estão engajados em legítima defesa e não renunciam aos seus direitos básicos ao ter que fazer uso defensivo da força. ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

237

4a. Pergunta. Ainda sobre a abordagem individualista de Jeff McMahan há um conceito de suma importância para o raciocínio moral sobre a justiça da guerra: o conceito de autodefesa. A Sra. poderia nos fornecer, para fins didáticos, uma breve definição do que é a autodefesa, por que ela é importante para o ponto de vista moral, bem como do que torna possível extrair dela orientações e conclusões para tantos assuntos da guerra, dada a sua aparente limitação do conceito? Resposta: autodefesa é o uso da força para evitar ou mitigar danos para si mesmo. Ela importa do ponto de vista moral porque a autodefesa é uma exceção para a nossa usual estrita proibição de causar danos para outra pessoa. A maioria das pessoas concordaria que eu posso matar outra pessoa que injustamente me mataria (ou mataria um terceiro inocente). Por exemplo, seria permissível para mim matar um sequestrador que, caso eu não o mate, me obrigue passar fome até morrer. Porém, como Judith Jarvis Thomson apontou, não seria permissível para mim matar ou comer um bebê (que de outra forma sobreviveria) para poder saciar minha fome, mesmo que fosse o caso de ser a única maneira para salvar a minha própria vida. Em outras palavras, nós não podemos apenas fazer qualquer coisa para salvar nossas próprias vidas: existem restrições até mesmo sobre o uso necessário da força. Trabalhos filosóficos sobre a autodefesa focam em como explicar a permissiblidade de matar pessoas em autodefesa e como nós deveríamos entender os limites da sua permissão. Para aqueles que endossam a posição de McMahan, pensar sobre conceitos familiares como autodefesa pode iluminar aspectos significativos da ética da guerra. Por exemplo, a autodefesa permissível é sujeita às condições de necessidade e proporcionalidade. Em termos gerais isso significa que em autodefesa eu deveria utilizar os meios menos danosos disponíveis para evitar uma ameaça e que qualquer dano que eu cause não deveria ser significantemente maior do que o bem que eu estou tentando realizar. Então, se eu posso te impedir de me matar te mantando ou apenas quebrando suas pernas, a moralidade requer de mim que eu quebre a sua perna. Mas se você estiver tentando apenas me beliscar e eu lhe impedir quebrando a sua perna, o dano que eu causo (quebrar a sua perna) amplamente ultrapassa o bem de evitar que me belisques. Nesse caso, devo deixar que me belisques, porque tenho apenas meios desproporcionais à minha disposição. Muitos autores que estudam a guerra acreditam que tanto a guerra como um todo (ad bellum), assim como ações específicas ofensivas na guerra (in bellum), estão sujeitas às exigências da necessidade e proporcionalidade. Então, pensar sobre como essas condições ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

238

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

funcionam na autodefesa nos ajuda a entender a ética da guerra. Por exemplo, Jeff McMahan e Thomas Hurka tem argumentado que pensar nas condições de proporcionalidade tal como ela se aplica na autodefesa tem significativas implicações para a possibilidade de combatentes injustos lutarem guerras justas. Proporcionalidade trata sobre

pesar (weighing) o bem

moralmente importante que se realiza diante do dano que se inflige. Todavia, combatentes injustos não realizam bons fins moralmente: o sucesso de uma guerra injusta é moralmente uma coisa ruim. Isso significa que combatentes injustos não realizam um bem com o qual que eles possam contrabalançar os danos que eles infligem ao lutar, portanto todos os danos que eles infligem são desproporcionais e não permitidos. Esta é apenas uma maneira de pensar sobre autodefesa que pode revelar importantes tensões nas tradicionais explicações da guerra justa. No meu trabalho tenho sustentado que é permissível matar em autodefesa não apenas aqueles que nos matariam, mas, também, outras pessoas que são responsáveis por ameaçar nossas vidas. Por exemplo, se eu contrato um matador profissional para lhe matar, entendo que seria permissível o uso do meu corpo para proteger você das balas do assassino contratado por mim, mesmo que não seja eu quem vai lhe matar diretamente. Uma vez que tanto o matador profissional e eu somos moralmente responsáveis pela injusta ameaça à sua vida, nós dois renunciamos ao direito de não sermos mortos por você. Se isto for verdade, e se a ética da guerra for fundamentada na ética da defesa individual, então o meu argumento terá implicações para os direitos dos não combatentes que contribuem para a guerra injusta. Assim, não serão apenas os combatentes que travam a guerra que renunciam ao seu direito de não sofrer dano: os não combatentes que fornecem armas, transporte e inteligência também renunciarão ao seu direito de não serem atacados17. 5a. Pergunta. A realidade da guerra tem mudado significativamente. Até a Segunda Guerra Mundial os conflitos eram prioritariamente entre Estados nacionais. Os profundos e violentos crimes praticados para e pelos Estados naquele período, não é um equívoco afirmar, nos levaram a construção de organismos e instituições internacionais e uma plataforma política global de direitos humanos. Depois do fim da Guerra Fria temos assistido a mudança na caracterização dos conflitos. Podemos dizer que hoje eles são mais assimétricos, isto é, ao invés de dois ou mais Estados nacionais com níveis de aproximados de poder militar e político, a maioria dos conflitos são agora entre Estados ou coalização de Estados e grupos dentro de Estados fracos, entre Estados e Estados fracos e entre Estados e grupos não oficiais como o crime organizado e o terrorismo internacional, assim por diante. Quais são as ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

239

implicações teóricas e normativas para a teoria contemporânea da guerra justa que esta nova realidade da guerra assimétrica traz? Resposta: é bem verdade que muitos conflitos hoje são assimétricos da forma que você descreveu, sendo esta nova realidade, para alguns18, um problema real para o framework da guerra justa tradicional. Se partirmos de teorias centradas no Estado como a defendida por Michael Walzer (dentre outros) fica realmente difícil visualizar como se poderia, por exemplo, conceber conflitos como o dos EUA e Al-Qaeda como guerra e julgá-lo a partir dos standards da teoria da guerra justa. Tal dificuldade também está presente no direito internacional 19 , particularmente no que diz respeito a como nós deveríamos classificar pessoas que lutam em nome de grupos não estatais. Os Estados Unidos classificam os membros da Al-Qaeda como “combatentes ilegais” e negam a eles direitos que são comumente garantidos a combatentes, como o status de prisioneiros de guerra. Mas a classificação como “combatentes ilegais” é teoricamente problemática, pois parece haver um duplo padrão na forma com que é aplicada para alguns membros de grupos não estatais mas não para outros. Contudo, algumas dessas dificuldades advém do significado que nós atribuímos quando queremos pensar se algo conta ou não como guerra. Se, por um lado, se acredita que regras morais específicas surgem uma vez que estamos em guerra, então se um conflito conta ou não como guerra será importante. Se, por outro lado, se nega que há alguma coisa moralmente específica sobre a guerra, então, alguns problemas decorrentes da então considerada assimetria da guerra desparecerão. O que realmente importará é se um grupo tem uma justa causa para lutar, se esta justa causa é proporcional, se a guerra é o último recurso, etc20. Não é necessário ser um Estado para satisfazer essas condições. Talvez a parte da teoria da guerra justa que é mais desafiada face os conflitos entre Estados e grupos não estatais é a exigência de que a guerra seja travada por meio da autoridade legítima. Tradicionalmente a “autoridade legítima” tem sido interpretada como as autoridades competentes do Estado21, mas é claro, no contexto de grupos não estatais pode não haver tais figuras. Para algumas explicações da teoria da guerra justa, apenas conflitos travados pela autoridade legítima podem contar como guerra. Algumas também entendem apenas os conflitos travados pela autoridade legítima podem ser justos. O papel e a importância desse princípio é controverso mesmo entre os adeptos das teorias revisionistas e individualistas. Se for negado o significado moral do Estado e o foco passar a ser o indivíduo, não é mais claro o papel que o princípio da autoridade legítima poderia ocupar na teoria da guerra justa. Ou é permissível para os indivíduos perseguir sua causa pelo uso forca ou não é. ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

240

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

É difícil ver que diferença moral faria ter o uso da força sancionado ou não por alguma figura central. Contudo, alguns autores como Massimo Renzo argumentam que combatentes podem ter razões morais para obedecer até mesmo ordens injustas dadas por suas autoridades legítimas 22 . Contra McMahan, ele sustenta que isso afetaria a permissibilidade dos combatentes que lutam guerras injustas, inclusive numa abordagem reducionista. 6a. Pergunta. Quando tratamos de intervenções humanitárias armadas muitas questões vêm à tona: o que lhe faz permissível, como avaliar as motivações dos agentes interventores, que ações durante sua execução devem tomar as tropas, quanto tempo deve ser sua duração e como ela deve ser encerrada. Diante de tantos questionamentos, quais são as orientações que a Teoria da Guerra Justa pode oferecer quando tratamos das intervenções armadas humanitárias? Resposta: a permissibilidade (e legalidade) das intervenções humanitárias se tornou bastante importante a partir do conflito do Kosovo (1999), bem como com a Primavera Árabe nos últimos anos. Talvez, inevitavelmente, a literatura filosófica não tenha ajustados os passos com a política e, em muitos aspectos, o tema ainda não foi suficientemente pesquisado. Apesar disso, parece plausível que o assunto possa ser amplamente avaliado com base nos princípios da guerra justa como a justa causa dentre outros. Historicamente as intervenções não tem recebido bastante atenção da teoria da guerra justa, na qual o importante lugar reservado à soberania tenciona com a ideia de que se deve intervir nos assuntos internos de um outro país. Porém atualmente a soberania não é mais tratada como absoluta: o advento das democracias significa (dentre outras coisas) que o povo está muito mais inclinado a enxergar as revindicações das autoridades governamentais por liberdade e independência de atuação como dependentes de quão bem protegem os seus cidadãos. Num evento em que um governo causa sérios danos ou falha em proteger seus cidadãos, é possível que seus direitos de não intervenção sejam enfraquecidos ou renunciados. Mas isso é apenas parte do problema, pois muitas pessoas acreditam que mesmo diante da ausência de direitos contra a intervenção, ainda assim, seria errado terceiros promoverem intervenção. Isso decorre da suspeita de motivos ulteriores23. Por exemplo, um Estado que reivindique intervir pelo bem de outros mas que, na realidade, quer tentar assegurar seu acesso à reservas de petróleo. Poderíamos pensar que utilizar a força nesses casos apenas exarcerbaria o problema, causando uma escalada de conflitos e talvez criando vácuos de poder a serem preenchidos por líderes igualmente indesejáveis. ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

241

Suspeito que a preocupação com os motivos ulteriores é frequentemente sobrevalorizada. Mesmo que seja verdade que o Estado interventor tenha sua própria agenda quando intervem, não entendo que isso torne a intervenção não permissível, desde que a intervenção seja realizada de uma forma que seja consistente com fins humanitários. Por sua vez, a preocupação com a efetividade da intervenção é mais problemática: é possível que para alguns Estados a intervenção provavelmente seja mal sucedida e torne as coisas piores. Mas também penso que nós devemos deixar mais claro as nossas abordagens sobre intervenções: há uma tentação (como sugere o rótulo “Primavera Árabe”) de unificar conflitos de diferentes países e assumir que uma vez que as intervenções sejam imprudentes em algum desses Estados elas seriam imprudentes em geral. Todavia a probabilidade de sucesso pode variar amplamente dependendo da história e das causas do conflito, dos detalhes de como o conflito está sendo lutado e de prospectos sobre a instalação de novas lideranças. Eu entendo que foi um erro não ter sido feita intervenção para prevenir o genocídio em Ruanda, bem como entendo que era permissível intervir para cessar o genocídio em Kosovo. A questão da duração e êxito da intervenção é também bastante difícil. Quando Michael Walzer escreveu Guerras Justas e Injustas em 1977 defendeu que interventores deveriam seguir a regra in and out (“entrar e sair”) com vistas a evitar qualquer suspeita de tentativa de conquista territorial. Já em seu trabalho mais recente ele voltou um pouco atrás dessa posição, concedendo que a reconstrução e estabilidade do Estado que sofre a intervenção pode demandar um compromisso de longo prazo por parte do interventor 24 . Entendo que essa última posição revisada é mais plausível. Todavia, Walzer acredita que o dever de intervir é um dever geral25, portanto não pode ser atribuído a nenhum Estado em particular26. Uma vez que o Estado escolha intervir, passa a incorrer em deveres em relação às vítimas, mas, até que isso ocorra, não há ônus algum para qualquer Estado em mandar suas tropas para resgatar pessoas de outros países. Eu penso que isso é equívoco, pois entendo que cada Estado que seja capaz de intervir tem o dever de agir. Disso não decorre que todos os Estados deveriam intervir - o que não é necessário nem prático - porém os custos da intervenção e da reconstrução deveriam ser compartilhados por aqueles que estivesse apto para contribuir e não apenas o Estado específico que decidiu intervir. 7a. Pergunta. É impossível falar de guerra e não mencionar o atual conflito que os EUA e seus aliados travam no Afeganistão. A guerra contra o terror é uma das principais questões das relações internacionais e do direito internacional público. Como a teoria contemporânea da ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

242

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

guerra justa define o terrorismo e quais são os princípios em sua visão que tornam ações na realidade desse conflito permissível ou proibida? Resposta: existem várias explicações concorrentes tanto do que é o terrorismo quanto do que, se há algo assim, o torna proibido. Uma definição mais geral seria considerar o terrorismo como uma espécie de “dano intencional sobre não combatentes para realizar fins políticos”. Contudo (como em muitas definições) é possível pensar em muitos casos que seriam capturados por essa explicação mas que não se enquadrariam como terrorismo. Por exemplo, um britânico racista poderia esfaquear um imigrante não branco porque ele acredita que o Reino Unido deveria ser uma sociedade apenas de homens brancos. Tal ataque seria, com certeza, bastante errado, mas não me parece que ele possa ser considerado como um ato terrorista. Por outro lado, alguns pensam que ataques à instalações militares também poderiam ser considerados como ataques terroristas, a exemplo dos EUA que considerou o ataque da AlQaeda ao seu navio de guerra USS Cole como um ato de terrorismo, embora aqueles que foram atacados não fossem não combatentes. O meu entendimento é de que o terrorismo é melhor pensado quando o encaramos como um grupo de características e que alguns atos de terrorismo terão apenas algumas dessas características. À medida que nos tornemos mais precisos em apontar uma característica distintiva do terrorismo podermos ver que é a natureza instrumental do ataque que lhe marca. O terrorismo quer é causar danos não como um fim em si mesmo, mas como um meio para causar pânico nas pessoas de forma a determinar como elas devam se comportar, geralmente, assegurando um bem político. Diferente de outros teóricos, eu não penso que se segue da natureza do terrorismo que ele seja sempre proibido, porque entendo que o elemento de terror reside na natureza instrumental do dano e não na possibilidade se causar danos às pessoas inocentes. Posso imaginar circunstâncias em que poderia ser permitido matar algumas pessoas para aterrorizar outras tendo por objetivo por fim às injustiças gravemente sérias. A tática do Congresso Nacional Africano na sua campanha para por um fim ao arpatheid é com certeza um clássico candidato para um terrorismo justificado. Por outro lado, seria muito difícil justificar o terrorismo se o fizermos a partir de premissas que consideram como terrorista todo e qualquer ato que cause dano à pessoas inocentes. Boa parte das pessoas atacadas pelo CNA era parte do regime que sustentava o apartheid, assim, sua resposanbilidade pelos ilícitos do regime afetava a permissibilidade de matá-los. Todavia, se assumirmos que faz parte do que é terrorismo tornar alvo pessoas inocentes, haveriam pouquíssimas circunstâncias em que o terrorismo poderia ser justificado. Teria de haver uma significativa previsão de que causar ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

243

danos a inocentes seria efetivo em prevenir graves injustiças para um número significativo de pessoas. Por outro lado, nós poderíamos pensar num caso em que nós temos uma justa causa que justificasse a guerra - incluindo até mesmo a possibilidade de danos colaterais à pessoas inocentes. Nesse caso métodos terroristas poderiam ser preferíveis em relação a um ataque tradicional a um alvo militar se menos pessoas inocentes fossem mortas como efeito colateral. Frances Kamm tem defendido que se há pessoas inocentes alvo de um ataque que fazem parte de um grupo que provavelmente seria colateralmente morto, então seria moralmente permissivo matá-las tendo por fim evitar a morte de um número maior de pessoas como efeito colateral de uma guerra tradicional. Esta visão é bastante controversa, mas não penso que seja obviamente falsa. 8a. Pergunta. Tanto as intervenções humanitárias quanto a guerra ao terror levantam questões sobre os danos causados contra os não combatentes na guerra. Os indesejáveis efeitos colaterais de uma ação militar mal planejada e, sobretudo, os riscos assumidos e calculados de causar danos a civis se tornaram mais evidentes. Qual é a posição da teoria da guerra justa sobre os danos causados a civis nesses casos? Quais são os limites morais quando nós lidamos com a possibilidade de matar ou mutilar civis? Resposta: muitos teóricos contemporâneos da guerra justa aderem à visão tradicional de que apenas combatentes podem ser intencionalmente mortos na guerra e que danos aos não combatentes devem ser não intencionais e proporcionais ao bem (good) que se pode realizar pela ação ofensiva. Então, sobre a este respeito, os limites morais que se aplicam são determinados pela comparação do bem (good) que realiza com os danos (harms) que se infinge. No momento, evidentemente, a proporcionalidade está sendo debatida amplamente no contexto da operação do Estado de Israel em Gaza que já matou cerca de 2000 pessoas (a maioria não combatentes) causando uma catastrófica destruição para Gaza, cuja infraestrutura já é bastante primitiva. Mesmo se pensarmos que um ataque de mísseis partindo de dentro da Palestina asseguram a resposta militar do Estado de Israel, o dano que este tem causado parece claramente desproporcional ao bem (good) que o Estado de Israel espera realizar, dado que a ameaça posta pelos mísseis palestinos (e seis túneis) são comparativamente menores. Em parte esta é uma questão de necessidade. O Iron’s Dome (escudo antiaéreo) do Estado de Israel previne que os foguetes causem danos aos seus cidadãos. Portanto, mesmo que houvessem foguetes palestinos mais precisos - de tal forma que um significativo bem (good) pudesse ser realizado pela guerra, [evitar o dano de foguetes mais precisos]27 - a guerra ainda ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

244

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

assim não seria necessária para evitar que os foguetes causasses danos, porque o Iron’s Dome é bastante efetivo. Mas, dadas as circunstâncias, o atual conflito também é uma questão de proporcionalidade, uma vez que os mísseis do Hamas não são precisos, mas tipicamente pequenos e imprecisos, ameaçando muito pouco os cidadãos israelenses. Matar um grande número de pessoas para evitar esse tipo de ameaça parece ser claramente desproporcional. Muitos teóricos contemporâneos da guera justa concordam que qualquer dano causado a não combatentes deve ser necessário, porém há um amplo desacordo sobre o que conta como um dano necessário. Tal questão é parte do debate sobre a justa distribuição dos riscos entre combatentes e não combatentes e levanta a questão da assim chamada “forceprotection”, quando líderes militares priorizam a segurança de suas tropas sobre a segurança de não combatentes. A ideia de que tal priorização é permissível é amplamente contestável. Alguns teóricos como Michael Walzer defendem que combatentes devem buscar ativamente reduzir os riscos para não combatentes, assumindo riscos maiores para si mesmos para manter a salvo a vida de não combatentes. Walzer nos dá o exemplo de soldados dando voz de comando em alto e bom som na direção de prédios abandonados antes de um ataque com o objetivo de dar chances à não combatentes escondidos se mostrarem. O aviso em alto e bom som revela a posição dos combatentes e põe a sua vida em risco, porém Walzer entende que assumir esse riscos é parte das obrigações decorrentes do que significa ser um soldado. Porém, existem outros teóricos que discordam. Asa Kasher, por exemplo, tem sustentado que as tropas do Estado de Israel não precisam se pôr em risco para reduzir os riscos de não combatentes estrangeiros. Jeff McMahan também questionou a amplitude dos riscos adicionais que devem ser assumidos por combatentes envolvidos em intervenções humanitárias. Se é usualmente permitido tornar os beneficiários de um resgate responsáveis pelos custos da operação de salvamento, seria plausível pensar que combatentes interventores não precisam assumir riscos extras para prevenir danos para os não combatentes que eles estão tentando salvar. É digno de nota que em boa parte da literatura “pro-force protection” o que é comumente descrito como “protegendo” ou “salvando” não combatentes de danos na realidade implica em evitar matar não combatentes. Utilizar a linguagem do “salvamento” torna mais plausível pensar que combatentes não precisam arriscar demasiadamente suas vidas em benefício dos não combatentes, porque normalmente nós pensamos que arriscar nossa vida para salvar a de outras pessoas é moralmente super-rogatório. Mas o que combatentes estão de fato fazendo é considerar a utilização de táticas que irão possivelmente ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

245

matar civis ao mesmo tempo que reduz o risco para si mesmos. Por exemplo, combatentes podem decidir utilizar uma rota que possua um terreno com maiores facilidades, portanto mais seguro para eles, mas que provavelmente atrairá fogo inimigo em áreas populosas requerendo dos combatentes contra-atacar com fogo num cenário que claramente põe em risco de morte não combatentes. Nesse caso, o risco não reside na falha em salvar não combatentes, mas no fato de que não combatentes serão mortos, enquanto comumente “salvamentos” são supererrogatórios se abster de matar é comumente obrigatório. 9a. Pergunta. Mudando um pouco o foco, da ética aplicada a assuntos metateóricos. Se fosse possível localizar a teoria contemporânea da guerra justa um frame metaético, sobre as fontes da normatividade de onde se pode inferir os princípios morais da guerra, qual seria o lugar adequado para TGJ dentro das abordagens contemporâneas, como, por exemplo, realismo moral ou construtivismo moral? Resposta: A maioria dos teóricos contemporâneos da guera justa são realistas morais aderem a um frame deontológico que foca nos direitos, deveres e status moral dos indivíduos. Nós pensamos muito sobre agency28 e na forma em que danos podem ser produzidos. Muitos teóricos da guerra justa concordariam, por exemplo, que matar é moralmente pior do que deixar morrer e que danos intencionais (pelo menos contra pessoas inocentes) são mais difíceis de justificar do que danos previstos. Porém existem algumas exceções. Por exemplo, Yitzhak Benbaji defende uma teoria contratualista da guerra justa29. Teóricos da guerra justa passam bastante tempo refletindo sobre vários temas da filosofia moral: recentemente tem havido um grande debate sobre a distinção entre permissibilidade objetiva e subjetiva e sobre como as provas (evidences) de um agente podem afetar sua justificação. Seth Lazar também tem argumentado que a teoria da guerra justa precisa prestar mais atenção para a relação entre ética e risco, uma vez que várias situações que ocorrem na guerra acontecem em condições de extrema incerteza30. 10a. Pergunta. Para encerrar, considerando que a teoria da guerra justa levanta interesses e temas em diversas áreas como filosofia, direito e política, pensando nos estudantes e pesquisadores, que livros, revistas e artigos seriam recomendáveis para começar e ter um bom entendimento sobre a teoria da guerra justa? Resposta: Bem, Michael Walzer com Guerras Justas e Injustas é um bom lugar para começar, sendo imediatamente seguido por Jeff McMahan e seu Killing in War. Eu tenho uma ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

246

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

introdução à teoria da guerra justa - The Ethics of War and Peace que dá um visão panorâmica sobre os trabalhos recentes do campo. Quanto à revistas: Ethics and Philosophy and Pubblic Affairs são bons lugares para começar. Por último, bons autores que cobrem os temas que nós abordamos aqui são Seth Lazar, Victor Tadros, Cécile Fabre, David Rodin, Cheyney Ryan, Christopher Kutz and Noam Zohar.

Frankfurt am Main, 13 de setembro de 2014.

ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

247

Notas: 1

A professora Helen Frowe é pesquisadora e diretora do Centro para Ética da Guerra e Paz, Wallenberg Academy Research Fellow no Departamento de Filosofia da Universidade de Estocolmo onde desenvolve pesquisas sobre a Teoria da Guerra Justa, Legítima Defesa, etc. Membro do Comitê Executivo da Sociedade para Filosofia Aplicada, da Sociedade Britânica para Teoria Ética e Pesquisadora Associada do Oxford Instituto para Ética, Direito e Conflito Armado. Recentemente publicou Defensiving Killing (2014, Oxford University Press), How We Fight in War (2014, Oxford University Press), The Ethics of War and Peace (2011, Routlegde) e diversos artigos sobre Teoria da Guerra Justa. 2

Doutorando em Filosofia pelo Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (2012, em andamento), Florianópolis, Brazil. Estágio de Pesquisa no Justitia Amplificata - Advanced Centre, Goethe Universität, Frankfurt am Main, Alemanha. e-mail: [email protected] 3

Informações oficiais da Organização das http://www.onu.org.br/conheca-a-onu/brasil-na-onu/.

Nações

Unidas

no

Brasil

disponíveis

em

cf.

4

As raízes da doutrina contemporânea da guerra justa remontam aos medievais e primeiros pensadores jusnaturalistas pré-modernas. Para uma coletânea dos principais textos sobre a Ética da Guerra ver: Gregory M. Reichberg, Henrik Syse e Endre Begby. The Ethcis of War: Classic and Contemporary Readings. Blackwell Publishing, 2013. 5

No Brasil publicado Michel Walzer. Guerras Justas e Injustas: uma argumentação moral com exemplos históricos. Martins Fontes: São Paulo, 2003. 6

Ainda sem tradução: Jeff McMahan. Killing in War. Oxford, 2009.

7

A doutrina do duplo efeito - D.D.E. tenta explicar a “permissibilidade de uma ação que causa sérios danos,tais como morte de um ser humano, como um efeito colateral de uma ação que tenta promover um fim bom. De acordo com o princípio do duplo efeito, algumas vezes é permitido causar dano como efeito colateral ( ou “duplo efeito”) para produzir um bom resultado mesmo que não fosse permitido cusar tal dano como meio de produzir o mesmo bom fim”. Alison McIntyre. Doctrine of Double Effect, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Winter 2014 Edition), Edward N. Zalta (ed.), forthcoming URL = . 8

A aqui assumida por Helen Frowe não se trata de um raciocínio moral (moral reasoning) que vise identificar um bem X como sendo igual a um bem Y. Mas, sim, de um juízo moral que coloque um bem X numa balança em relação a Y em que os dois pesos possam ser mensurados. No teoria da guerra justa contemporânea, baseada no modelo da self-defense, a proporcionalidade é um juízo moral que tem por objeto a mensuração do dano: “Em linhas gerais, a condição de proporcionalidade estipula que o dano (harm) que eu inflijo ao meu atacante deve não ser significantemente maior do que dano (harm) que ele ameaça me infligir. Enquanto eu posso quebrar a perna dele para impedi-lo que ele não quebre a minha, eu não posso quebrar a perna dele para impedir que ele pare de me beliscar”. Helen Frowe. The Ethics of War and Peace. Routledge, 2011, p. 10. 9

A autoridade legítima (proper authority or legitimiate authorithy) é um dos princípios da teoria da guerra justa. Ele informa que “a guerra só pode ser justa apenas se ela é lutada por uma autoridade legítima. Isso significa que uma guerra só pode ser justa apenas se ela é sancionada pela chefia do Estado que guerreia, tal como o presidente, primeiro ministro, monarca ou um corpo representativo eleito tal como um Congresso ou Parlamento. Uma autoridade legítima é a pessoa ou grupo de pessoas que fala pelo Estado e que representa o Estado nas relações internacionais. Uma vez que a guerra é costumeiramente compreendida como relações entre Estados, apenas aqueles que representam a autoridade dos Estados tem a atribuição competente para declarar a guerra”. Helen Frowe. The Ethics of War and Peace. Routledge, 2011. 10

Marco a expressão toda porque ficará mais evidente em língua portuguesa o destaque que Helen Frowe quer dar para a importância da cultura e laços de pertença em Walzer. 11

Helen Frowe quer destacar aqui a consideração de que em Walzer a moralidade da guerra não pode ser considerada como levando em conta o individualismo metodológico que tem por ponto de partida ontológico e ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

248

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

normativo o indivíduo. Em Walzer a moralidade da guerra e sua justificação leva em conta primeiro as coletividades como sendo o ente com o qual a normatividade moral deve se preocupar em primeiro lugar. 12

A abordagem de Jeff McMahan é interacional individualista. Ao contrário de Walzer, entende que a moralidade da guerra deve levar em conta as relações interacionais entre indivíduos e não entre coletividades. 13

Nesse aspecto Helen Frowe se refere a morlidade do dano (Harm). Para explicações introdutórias sobre ver: Howard-Snyder, Frances, "Doing vs. Allowing Harm", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Winter 2011 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = . 14

O termo é importante para identificar a posição de Jeff McMahan. Aqui se trata de compreender que mesma moralidade da interações entre os indivíduos em circunstâncias da vida comum sem guerra deve orientar moralmente a interação entre os indivíduos nas circunstâncias da guerra. Isso não implica em afirmar que não hajam circunstâncias diferentes entre os dois momentos, mas, em defender que o raciocínio moral que julga a guerra não pode ser dividido em dois momentos, o da vida comum e o da guerra. 15

A tese da igualdade moral entre combatentes é a segunda das três que demarcam a abordagem de Michael Walzer, hoje compreendida como ortodoxa, das demais revisionistas baseadas na self-defense. A primeira é a tese da idependência lógica entre jus ad bellum e jus in bellum, o julgamento moral das causas e motivos para iniciar uma guerra não podem ser confundidos com o jugamento das ações praticadas durante a guerra, assim uma guerra justa pode ser lutada de maneira injusta ou uma guerra injusta pode ser travada de maneira justa. A terceira é a tese da imunidade dos não combatentes, que informa que não combatentes (civis) não podem ser considerados alvos legítimos durante a guerra. 16

Neste ponto, proporcionalidade e necessidade são princípios morais do jus in bellum, embora tais princípios possam ser também considerados no julgamento sobre jus ad bellum. De acordo com Brian Orend, a proporcionalidade determina “que soldados empreguem apenas força proporciona a alvos legítimos. A regra não é sobre a guerra como um todo, mas, sobre tática dentro da guerra (...). Brian Orend. The Morality of War. Bradview Press, 2013, p. 125. Por sua vez a necessidade (or military necessity) explica Helen Frowe determina que “uma ação ofensiva seja planejada para obter algum tipo de vantagem militar”. Helen Frowe. Helen Frowe. The Ethics of War and Peace. Routledge, 2011, p. 106. 17

Para maiores explicações das ideias de Helen Frowe sobre este e outros pontos da ética da guerra, conferir Helen Frowe. Defensive Killing. Oxford, 2014. 18

Nesse sentido conferir David Rodin. The Ethics of Asymmetric War. In Richard Sorabji and David Rodin (orgs.). The Ethics of War: Shared Problems in Different Traditions. Ashgate, 2007. 19

Para uma qualificada introdução ao direito internacional e guerra ver Gary D. Solis. The Law of Armed Conflict. Cambridge University Press, 2010. 20

Helen Frowe aqui acentua os princípios da guerra justa, especialmente jus ad bellum: a. causa justa, b. proporcionalidade, c. chance razoável de sucesso, d. autoridade legítima, e. intenção justa, f. último recurso e e. declaração pública de guerra. 21

Helen Frowe utiliza a expressão head of state, para evitar confusões sobre a expressão, tais como imaginar que ela estaria especificamente se referindo à chefia de Estado, dada as diversas tradições constitucionais, optamos por traduzir a expressão fazendo referência às autoridades competentes para determinar a guerra. 22

Massimo Renzo. Democratic authority and the duty to fight unjust wars. Analysis (2013) 73 (4): 668-676.doi: 10.1093/analys/ant078. 23

Helen Frowe argumenta sobre a necessidade de cumprimento do princípio da intenção correta em: Helen Frowe. Judging armed humanitarian intervention. IN: Don E Sheid (ed.) The Ethics of Armed Humanitarian Intervention. Cambridge Press, 2014. 24

Essa posição nova pode ser lida em Michael Walzer. Arguing about War. Yale University Press, 2004.

ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

249

25

A expressão dever imperfeito é mais precisa para indicar a ausência de um agente obrigado claramente determinado. 26

Michael Walzer. The Argument about Humanitarian Interventions. Dissent, winter, 2002.

27

Acréscimo do tradutor.

28

Sobre agency ver Wilson, George and Shpall, Samuel, "Action", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Summer 2012 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = . Eshleman, Andrew, "Moral Responsibility", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Summer 2014 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = . Garrath Williams. “Responsibility”. Internet Encyclopedia of Philosophy. URL = http://www.iep.utm.edu/responsi/#SH2a. 29

De fato a abordagem de Yitzhak Benbaji é contractariana. Para a diferença entre as duas abordagens contemporâneas da tradição contratualista que vai de Hobbes a Rousseu ver D'Agostino, Fred, Gaus, Gerald and Thrasher, John, "Contemporary Approaches to the Social Contract", The Stanford Encyclopedia of Philosophy(Spring 2014 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = . Para a defesa contractariana de Yitzhak Benbaji conferir: Yitzhak Benbaji. Justice in Asymmetric Wars: A Contractarian Analysis. The Law & Ethics of Human Rights. Volume 6, Issue 2, Pages 172–200, ISSN (Online) 1938-2545, DOI: 10.1515/1938-2545.1072, January 2013. 30

Seth Lazar. Responsibility, Risk and Killling in Sef-Defense. Ethics, Vol. 119, No. 4 (July 2009), pp. 699;728.

ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

250

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

Referências Bibliográficas. A.

Sobre Ética da Guerra

Briand Orend. The Morality of War. Broadview Press, 2013. C. A. J. Coady. Morality and Political Violence. Cambridge University Press, 2008. Cecile Fabre. Cosmopolitan War. Oxford University Press, 2014. Cecilie Fabre and Seth Lazar (ed.). The Morality of Defensive War. Oxford University Press, 2014. David Rodin. Just War and Self-defense. Oxford University Press, 2002. David Rodin and Henry Shue. Just and Unjust Warriors: The Moral and Legal Status of Soldier. Oxford University Press, 2010. Deen Chatterjee. The Ethics of Preventive War. Cambridge University Press, 2013. Helen Frowe. The Ethics of War and Peace: an Introduction. Routledge, 2011. ___________. Helen Frowe. How we Fight: Ethics in War. Oxford University Press, 2014. ___________. Defensive Killing. Oxford University Press, 2014. Henry Shue. Preemption: Military Action and Moral Justification. Oxford University Press, 2009.

Jeff MacMahan. Killing in War. Oxford University Press, 2009. Michael Walzer. Guerras Justas e Injustas: uma argumentação moral com exemplos históricos. Martins Fontes: São Paulo, 2003. ______________. Arguing about War. Yale University Press, 2004. Richard Sorabji and David Rodin. The Ethics of War: Shared Probems in Different Traditions. Ashgate, 2007. B.

Sobre a Ética da Guerra na história da filosofia.

Alex J. Bellamy. Just Wars: from Cicero to Iraq. Polity Press, 2008. Greogory M. Reichberg, Henrik Syse and Endre Begby. The Ethics of War: Classics and Contemporary Readings. Blackwell Publishing, 2013.

ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

DA SILVA, D.J.S. Teoria contemporânea da guerra justa

C.

251

Sobre abordagens mais jurídicas

Christine Gray. International Law and the Use of Force. Oxford University Press, 3rd. edition, 2013. George P. Fletcher and Jens David Ohlin. Defending Humanity: When Force is Justified and Why. Oxfor University Press, 2008.

ethic@ - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, v.13, n.2, p.233-251, jul./dez., 2014.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.