Terrorismo de Estado e rotas de fuga

August 7, 2017 | Autor: Maria Moraes | Categoria: Terrorism
Share Embed


Descrição do Produto

II Jornadas de Trabajo sobre Exilios Políticos del Cono Sur en el siglo XX

Maestría de Historia y Memoria, el Instituto de Investigaciones en Humanidades y Ciencias Sociales de la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación de la Universidad Nacional de La Plata y la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación de la Universidad de la República.

Terrorismo de Estado e rotas de fuga: experiências sul-americanas1

Maria Lygia Quartim de Moraes

Professora titular de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, doutora em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo – USP; pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas- CNPq e Coordenadora da Pós-Graduação em Sociologia da UNICAMP. Rua Senador César Lacerda Vegueiro, 511 ap.102 CEP. 05435-060 São Paulo – SP Brasil. (tel. 55-11-32668127) (cel. 55-11-743699

1 Este texto fundamenta-se em pesquisas que venho realizando sobre o tema do terrorismo de Estado e resistência politica no Cone Sul, com o apoio do Conselho Nacional de Pesuisas – CNPq e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S.Paulo- FAPESP. Fica registrado meu enorme reconhecimento ao apoio que venho recebendo.

1

Resumo Na década dos anos 60 observou-se um fenômeno novo: o aparecimento, em várias partes do mundo ocidental, de uma juventude extremamente politizada e militante. Em sua maioria, estudantes secundaristas e universitários. Eles foram os novos atores coletivos dos anos 60/70 e as principais vítimas da repressão político-militar. Pois se as instituições democráticas permitiram um relativo compromisso com as reivindicações juvenis, a presença na América do Sul de ditaduras militares levou à radicalização do movimento estudantil e sua intensa participação na resistência armada. Na Argentina, cerca de setenta por cento dos quase 30 mil desaparecidos políticos tinham entre 16-30 anos. O terrorismo de Estado, que ensangüentou vários paises latino-americanos nas décadas de 70 e 80, parece justificar a conclusão de Imre Kertész com respeito ao fato que “Não devemos esquecer que Auschwitz não foi liquidado de modo algum por ter sido Auschwitz e sim porque a roda da fortuna da guerra mudou: e, desde Auschwitz, não aconteceu nada que pudéssemos interpretar como uma refutação dele”2. A generalização da tortura em presos e suspeitos, o desaparecimento de oponentes políticos, os presídios políticos e os tribunais militares dominaram a América Latina no período das ditaduras militares. Apesar das diferenças existentes entre os campos nazistas e os locais de tortura e sistemas prisionais das ditaduras militares, e da impossibilidade de comparações entre momentos históricos díspares, não resta dúvida que os prisioneiros políticos sul-americanos também vivenciaram o “estado de exceção”, em que a única norma era a vontade dos torturadores. Existe hoje uma volumosa bibliografia latino-americana sobre o tema da memória e do exílio, especialmente no Chile e Argentina, o que permite observar alguns temas recorrentes, como a constante referência ao país natal nas atividades e no dia-a-dia dos exilados e asilados. A “terra”, como o Brasil era conhecido no código dos militantes que passaram por Cuba (que, por sua vez, era a “ilha”) era a meta, a referência, a falta. Ao mesmo tempo, o exílio foi também uma fonte de novas experiências e vivências.

Palavras-chaves: terrorismo de Estado, Cone Sul, repressão militar, exílios e “desexílios”, direitos humanos, políticas de reparação.

2

KERTÉSZ. Imre. Eu, um outro. São Paulo: Planeta, 2007, p.95.

2

Terrorismo de Estado no Cone Sul O Brasil, a Argentina, o Uruguai e outros países da América Latina foram vítimas de ditaduras militares sanguinárias de meados dos anos 60 a meados dos anos 80. É difícil uma avaliação exata do número de pessoas atingidas no período das ditaduras militares dado que a repressão político-militar desenvolveu o método de desaparecer com os corpos. Em termos quantitativos, a ditadura argentina superou os recordes, com cerca de 30 mil casos de mortos e desaparecidos. O terrorismo imposto pela direita militar argentina e seus inúmeros e inescrupulosos aliados foi particularmente cruel com as mulheres e crianças. São mais de quinhentas crianças "desaparecidas", sequestradas pelos torturadores e entregues a famílias desejosas de adotar crianças, especialmente entre os próprios militares. No seu pungente relato “Memórias do esquecimento”, Flavio Tavares acentua a dimensão “pedagógica” da truculência militar: O medo e a intimidação visavam não somente aniquilar os oponentes que tinham passado para a resistência armada como, mais além, calar a sociedade em seu conjunto. Ao transformar o combate à “subversão interna” como a principal tarefa das Forças Armadas de um país os militares utilizaram largamente da propaganda intimidatória, da “demonização” dos oponentes, da repressão e de violências extremas. Essa descrição cabe às inúmeras ditaduras e regimes militares que assolam a América Ibérica, especialmente às sinistras ditaduras da Argentina, do Chile, do Uruguai e do Brasil, todas elas unidas pelos elos da “Operação Condor”, que unificava a repressão política no Cone Sul nos anos setenta e início dos anos oitenta. As vítimas da repressão militar foram brutalizadas, torturadas e assassinadas. E, como se não fosse suficiente a destruição dos corpos físicos, seguiu-se a tentativa de ocultamento, de “matar a morte”, fazendo desaparecer o principal indício do crime: o corpo da vítima. A experiência do exílio e os exilados latino-americanos Em seguida ao golpe de 1964, o exílio passou a ser uma realidade para muitos dos perseguidos pela ditadura militar brasileira. Lideranças políticas e sindicais asilaram-se, com alguma freqüência, em países do Cone Sul. O Chile, por sua relativa tradição democrática e pela presença de uma série de organismos e instituições como a CEPAL e a FLACSO, foi o destino de perseguidos políticos no Brasil a partir de 1964. Após 1969,

3

também foi o refúgio de remanescentes de grupos armados e de pessoas cujas atividades estavam sob a mira da repressão político-militar, como jornalistas, estudantes e professores universitários. O fluxo em direção ao Chile cresceu com a eleição de Salvador Allende em 1971 e a perspectiva de um governo popular num país tão próximo ao Brasil. Depois do golpe de Estado no Chile, os exilados e perseguidos políticos latinoamericanos ficaram sem refúgio no continente e deslocaram-se para a Europa. A França acolheu, a partir de 1973, não somente os asilados chilenos brasileiros, como também argentinos, brasileiros e bolivianos. Esta experiência européia foi sobretudo importante para as exiladas, que entraram em contato estreito com o movimento de mulheres e feminista franceses que viviam seu auge político. A importância do exílio europeu, na formação do feminismo latino-americano, é um tema presente nos relatos e testemunhos de exiladas chilenas, brasileiras, uruguaias e argentinas. O exílio afetou diferentemente as fugitivas, segundo sua classe social e grau de responsabilidade familiar. A sangrenta derrubada do governo Allende provocou um êxito mais dramático, pois o Chile representava a única opção da esquerda latino-americana depois do fracasso da luta armada e da escalada da Guerra Fria. Alguns países foram mais generosos, como o caso da França, e, com o tempo, Paris e suas cercanias passaram a ser o centro mais ativo dos militantes exilados. Por isso, não é de se estranhar a importância do feminismo francês na formação das brasileiras, especialmente com a constituição do Circulo de Mulheres composto por exiladas e estudantes brasileiras no exterior. Ademais, a experiência do exílio significou inicialmente um estranhamento com respeito ao país de abrigo. Para os banidos e os exilados com condenação no país, a única e remota perspectiva de retorno seria uma anistia. E foi em torno dela que os exilados se organizaram com apoio internacional, ao mesmo tempo em que eram impelidos a integrar-se à vida cotidiana nos países de exílio. Fluxos e contra-fluxos

4

No Brasil, diferentemente do Chile, o exílio político não atingiu milhares de pessoas de todas as classes sociais, mas sim uma parcela menor em grande parte pertencente à classe média intelectualizada. A experiência do exílio permitiu o contato íntimo com outras realidades, quando não a aculturação de muitos exilados. Em O homem desenraizado, Tzvetan Todorov fala da capacidade humana de “aquisição progressiva de uma nova cultura, de que todos os seres humanos são capazes”.3 Cada país em que os exilados se fixaram permitiu um tipo específico de aculturamento, isso é, de mudanças de valores, de perspectivas, etc.4 Existem três experiências que considero as mais profundas: a experiência do “socialismo real” para todos aqueles que viveram em Cuba; a experiência do Estado de Bem Estar numa democracia capitalista, como a França e a Suécia; e a experiência da transição pacífica (e frustrada) para o socialismo daqueles que viveram no Chile. Dado fato de que o Brasil rompera relações com Cuba, a ida à ilha implicava num esquema clandestino utilizado preferencialmente pelos militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN), cujo dirigente mais conhecido, Carlos Marighella, aderira às teses castro-guevarista5 e se consolidara como principal interlocutor político com os cubanos. Dessa maneira, a maior parte dos militantes brasileiros em Cuba lá estava para realizar treinamento militar - com a exceção dos familiares, que precisavam de um asilo seguro para educar seus filhos, como no caso de Maria Lamarca em 1969. Nessas condições, a estada em Cuba tinha um custo muito alto para os retornado(a)s brasileiro(a)s que tinham feito treinamento militar. Denise Rollemberg, com uma certa dose de humor negro, refere-se a esse treinamento como “um vestibular para o cemitério”.6Como o maior contingente de exilados na Europa provinha da classe média, as formas de sobrevivência também passavam pelo apoio familiar, ademais da solidariedade internacional e ou local. Essa é uma grande diferença para com respeito aos demais latino-americanos. Éramos poucos e fomos os primeiros da leva 1968. Os tupamaros, que até hoje militam no 3

TODOROV, T. O homem desenraizado. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 24.

4

A historiadora Denise Rollemberg foi a primeira a realizar um estudo acadêmico e aprofundado sobre o exílio brasileiro dos anos 70, tema de seu doutorado (orientada pela profa Angela de Castro Gomes, outra especialista no tema da ditadura militar). A tese foi publicada com o titulo Exílio: entre raízes e radares, em 1999 pela Ed. Objetiva. Trabalho pioneiro de leitura imprescindível. 5

A adesão ocorreu no encontro da Organização Latino- Americana de Solidariedade (OLAS), em 1966.

6

ROLLEMBERG, Denise. Op. cit., p. 190.

5

Uruguai, tinham uma ligação com sindicatos e movimentos populares e seu declínio é mais lento do que o tempo médio de existência das organizações revolucionárias no Brasil. As proporções atingidas pelas crises econômica e política no Uruguai, somadas à repressão, e as que posteriormente atingiram a Argentina, não encontraram precedentes no Brasil. E o exílio seguiu uma rota nova. Quando a débâcle argentina ocorreu foram milhares os mortos, desaparecidos e aprisionados em condições abomináveis. O seqüestro das crianças criou uma situação traumática inédita na história do país, em que o movimento das mães é o símbolo e a grande força moral do país da “guerra sucia”. Nos anos 80, a configuração política internacional era muito diferente. A queda do muro de Berlin, as políticas neoliberais e a reconquista da democracia na Espanha modificaram as rotas dos exílios. Portugal, com a Revolução dos Cravos em 1974, e a Espanha, com a consolidação do processo de abertura política, passaram a ser a meta dos milhares de perseguidos políticos do Cone Sul. Até mesmo o Brasil começou a receber latino-americanos no contra fluxo. Rotas de fuga e a geografia do asilo/acolhimento A França ocupa um lugar ímpar na geografia do exílio europeu. Como observa MariaOliveira Cezar, na segunda metade do século XX muitos latino-americanos ali buscaram asilo, fugindo das ditaduras de seus países. Nos anos 60, chegaram guatemaltecos, brasileiros e argentinos. A autora destaca o forte apoio, apesar de não serem muitos: “Entre as figuras relevantes que denunciavam o regime militar e integravam o Comité de Défense des Prisonniers Politiques Argentins (CODEPPA), se encontravam Marguerite Duras, Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Gisele Freund, François Maspéro, Alain Labrousse, Régis Debray, Laurent Schwartz, Nathalie Sarraute, Michel Rocard, e os participantes da revista Esprit”.7

A partir de 1973, em conseqüência “da terrível repressão desencadeada pelos militares golpistas”, foi quando se produziu “a chegada maciça de exilados do Cone Sul”, especialmente chilenos. Por volta de 1975, temendo a ação dos grupos de direita, como o 7

CEZAR, María-Oliveira. El exilio argentino en Francia. Amérique Latine Histoire et Mémoire, n. 1, 2000, Migrations en Argentine. Disponível em: http://alhim.revues.org/document67.html., p.6 Consultado em 18 de julho de 2006.

6

Triplo A (ação anticomunista argentina), alguns argentinos fugiram para a França., e o maior contingente de exilados chegou entre 1976-79. A repressão atingiu proporções aberrantes com a prática sistemática de desaparição de pessoas e roubo de crianças. Estima-se que as diversas categorias de exilados na França somariam entre 2.200 e 2.500 pessoas adultas. A pesquisadora chilena Loreto Rebolledo coordenou uma pesquisa sobre o título El exilio y el retorno en la experiencia e hombres y mujeres chilenos: del recuerdo individual a la memoria coletiva. Essa extensa pesquisa gerou uma série de artigos8. Livros e teses com reflexões aprofundadas sobre o impacto do extenso e amplo exílio a que foram submetidos. Ela distingue três fluxos/contextos políticos com respeito ao caso chileno. O primeiro é dos asilados políticos, acolhidos na França no período que se situa entre 1973-4; o segundo contingente corresponde aos presos políticos que foram expulsos do país; e um terceiro contingente, que corre paralelo às saídas registradas, de diversos tipos de perseguidos políticos e cujas cifras são mais difíceis de precisar.9 Ela conclui que o exílio chileno caracteriza-se por sua magnitude, por sua dispersão geográfica e por seu pluriclassismo pois "afectó tanto a ministros de Estado, altos funcionarios del gobierno de la Unidad Popular, dirigentes sindicales, obreros, estudiantes, campesinos y profesionales que salieron acompañados de sus grupos familiares”.10

8

Em 2005 ministrei aulas em um curso de pós-graduação em genero da Universidade do Chile . Nessa ocasião, fui apresentada a Loreto Rebolledo que me forneceu tres trabalhos sobre suas pesquisas, ainda não publicados: “Identidades en transito, memórias de la diáspora chilena”; ”El exilio chileno em Italia”, “Memórias del des/exílio”. 9

Idem, ibidem. “La cifra de exiliados políticos es difícil de establecer ya que existen grandes diferencias entre las cifras oficiales y las de los organismos de derechos humanos. La información oficial da cuenta de alrededor de 20 mil personas incluidos los familiares. Por su parte ACNUR (Alto Comisionado de Naciones Unidas para los Refugiados) registró en Argentina por lo menos a 9.000 refugiados políticos chilenos y a otros 2.900 en Perú. Según la Liga Chilena de los Derechos del Hombre fueron 400.000 los chilenos y chilenas que debieron abandonar el país por razones políticas (Bolzman, 1993), cifra que duplica la entregada por otros organismos. De acuerdo a las cifras manejadas en 1990 por la Oficina Nacional de Retorno (ONR), Servicio Universitario Mundial y Comité Intergubernamental para los Migraciones ,CIM, (Vaccaro, 1990), los exiliados políticos representaban alrededor de 200 mil personas dispersas entre los cinco continentes y en una diversidad amplia de países. Esta cifra es cercana a la que da la Vicaría de la Solidaridad que calcula que alrededor de 260 .000 personas habían sido obligadas a vivir”. 10

REBOLLEDO, Loreto. Op. cit. P.12.

7

No texto ”El exilio chileno em Italia”, Rebolledo comenta que neste país, em especial em Roma, congregaram-se os representantes dos mais altos postos políticos do governo da Unidade Popular. Este grupo seleto teve menores dificuldades de inserção e entre os fatos mais positivos da experiência do exílio, além das dimensões políticas, destacam-se as mudanças culturais. “El goce estético, la valoración del pasado, de los pequenõs espacios, de la creatividad para responder a nuves situaciones, asi como el placer de la cocina, de los sabores y olores”.11 Tais afirmações encontram eco na avaliação de muito exilados brasileiros em Paris para os quais a experiência do exílio possibilitou ganhos culturais muito importantes, tanto do ponto de vista da aquisição de conhecimentos quanto do ponto de vista das relações interpessoais. Tal avaliação é especialmente enfatizada no caso das mulheres e suas vivencias feministas, A revista francesa Les Cahiers de ALHIM (América Latina História e Memória) toma o México como tema central. Isso porque se trata do país com maior tradição de asilo da América Latina. No artigo de Mónica Palma Mora12 é feito um pequeno histórico dessa tradição, que tem origem desde o princípio da vida independente, mas cuja formalização inicia-se com a assinatura do Tratado de Direito Internacional, em 1889, em Montevidéu. O Tratado reconhece o direito “de asilo para los perseguidos políticos y su inviolabilidad, la denegación de asilo a favor de los delincuentes comunes y la delimitación de los derechos del Estado expulsor y del otorgante.” Em 1954, em Caracas, é assinada a Convenção sobre Asilo Diplomático e Territorial, que afirma o direito do Estado em conceder asilo, e que se estende aos desertores por motivos políticos. Por fim, em 1973, a Convenção Americana sobre Direitos Humano estabelece que o asilo é um direito humano; “que en ningún caso el asilado puede ser expulsado o devuelto a su país por delitos políticos o comunes conexos con los políticos, de acuerdo con la legislación de cada país y las leyes internacionales en la materia, ni si su libertad y derecho a la vida está en riesgo.”13O artigo cita dados que comprovam que, até meados dos anos 50, a 11

REBOLLEDO, Loreto. ”El exilio chileno em Italia”, mimeo, 2004, p.27.  

12

MORA, Mónica Palma. Destierro y Encuentro: aproximaciones al exilio latinoamericano en México, 19541980. Amérique Latine Histoire et Mémoire, n. 7, 2003, Migrations Etats-Unis Mexique terre d'accueil. Disponível em: . Consultado em 18 de julho de 2006. 13

Idem, ibidem.

8

prática do asilo era relativamente pequena na América Latina; e que essa situação mudará radicalmente com a sucessão de ditaduras militares que assolam o Cone Sul entre 1964/85. Entre todos os países latino-americanos, o México destaca-se pela acolhida e abrigo aos refugiados políticos. A partir da guerra civil e da derrocada da república na Espanha em 1936, a longa ditadura do general Franco e a violenta repressão política desencadeada pelo regime franquista, milhares de espanhóis abandonaram o pais. Cerca de 20 mil espanhóis encontram refugio no México, assim como, fugindo do fascismo e do nazismo, europeus de outros países. Uma das maiores dificuldades com as cifras precisas destes deslocamentos de refugiados políticos deve-se ao fato de que poucos são aqueles que entram nesta categoria, a maior parte vivendo como residente e, em alguns casos, naturalizando-se. Do exílio ninguém volta igual Estas reflexões incidem sobre experiências de deslocamentos territoriais resultantes de perseguições políticas e riscos de integridade física daí decorrentes. Nesse sentido, em um primeiro momento não vou diferenciar entre banidos, exilados oficiais, "expulsados" (como aconteceu para milhares o Chile) e auto-exilados. Constituem situações diferenciadas que modificam em alguns aspectos seus destinos nos locais de exílio mas, que, fundamentalmente, concernem ao fato de que à pátria não podem regressar a não ser como clandestinos e correndo risco de vida. Duas dimensões importantes definem o status do exilado: a situação política no país de acolhimento e a quantidade de exilados. Na França do final do anos 70, os exilados brasileiros recebiam apoio de várias entidades, da mídia e mesmo da população. Já na Espanha dos anos 80 a massa de exilados provenientes da América Latina e a lógica neoliberal reduziram em muito o apoio e a receptividade. O exilado político metamorfoseou-se em imigrante em busca de trabalho, tendo perdido sua aura romântica. O "real" de Zizek emergiu sem disfarces. O retorno, melhor dizendo, os retornos pois também aí existem enormes diferenças, também obrigou a metamorfoses. No Brasil, aqueles que voltaram antes da anistia

9

tiveram de enfrentar riscos semelhantes aos ex-presos que sairam das prisões: esconder sua identidade e seu passado "criminoso". Para os brasileiros que chegavam ao Chile em 1971, era emocionante escutar um hino nacional cujo refrão afirma que o Chile “ou a tumba será dos livres ou o asilo contra a opressão” (o la tumba serás de los libres o el asilo contra la opresión). Em poucas horas, no 11 de setembro de 1973, vimos o Chile transformar-se de asilo contra a opressão em uma verdadeira e terrível tumba da liberdade. Muitas décadas decorreram e o pais , aos poucos, recuperou as instituições democráticas. No entanto, o dano foi irreparável e muito pouco, no Chile de hoje, lembra a energia de transformação e os projetos de um futuro mais justo que animaram os anos Allende. Como na guerra civil espanhola 1936, o acerto de contas com os vencidos foi implacável, levando ao êxodo forçado de milhares de chilenos. Dado o fato de que o espanhol é a língua dominantes na America Latina, a barreira da língua foi bem menos complicada do que no caso brasileiro. Os chilenos buscaram asilo nos países vizinhos e no México, que também recebeu milhares de argentinos. Como bem observa a pesquisadora Monica Palma Mora: El exilio latinoamericano en México del período 1950-1980 se forma de varias nacionalidades de exiliados, los cuales, si bien comparten la condición de perseguidos, desterrados, de desarraigados, se distinguen, entre otros aspectos, por las circunstancias históricas específicas que motivaron la salida de su país, por su tamaño, por su perfil sociopolítico. Por ejemplo, los exilios guatemalteco, boliviano y brasileño se integram 14

Os "desexilios" Talvez porque o contingente de exilados brasileiros tenha sido relativamente pequeno e mais homogêneo de que seus congêneres dos demais paises do Cone Sul, a verdade é que existem muitos poucos estudos sobre o impacto do retorno, do 'desexilio" para utilizarmos a expressão cunhada por Loretano.

14

MORA, Monica Palma. Destierro y Encuentro. Aproximaciones del exilio latino-americano en México, 1954-1980 in Amerique Latina Histoire e M´moire .Les Cahiers ALHIM, numéro 7-2003 (http//alhim.revues.org./document363.html, p.3.

10

Não cabe generalizações acerca dos retornos, mas alguns parâmtreos podem ser traçados. O primeiro fato a ser levado em conta concerne ao país para o qual se retorna, vale dizer, o contexto político. `No Brasil, em que a "redemocratização". imposta pelos militares, foi "lenta e gradual". A partir do aniquilamento dos grupos armados e frente à constatação de que a a ditadura militar se consolidara, os militantes menos envolvidos ou que não tinham sido denunciados, retornavam ao país, discretamente e discretamente viviam. Mesmo no caso que mantivessem pretensões políticas o campo de possibilidades restringia-se à imprensa "alternativa" e ao trabalho de concientização politica realizado muitas vezes sob a proteção da igreja católica ou nos quadros do partido de oposição criado pela ditadura quando foi instaurado o bipartidarismo. Já aqueles que retornaram após a anistia de 1979 foram recebidos como heróis e festejados na chegada. Na Argentina ensanguentada por 30 mil mortos e desaparecidos e de uma profunda crise politica, completo desgaste dos militares após a derrota sofrida nas Malvinas, não havia muito a comemorar e o retorno ainda não se completou dadas as sucessivas crises economicas. O Uruguai tem uma experiência próxima à Argentina enquanto que a redemocratização chilena seguiu o modelo brasileiro e foi administrada pela cúpula militar que se auto-anistiou. A demora na apuração dos fatos e reparação dos atingidos é um processo longo e complexo. Basta citar o caso espanhol, Quando nos damos conta de que só hoje, passados mais de 70 da guerra civil espanhola, o levantamento das atrocidades cometidas na ditadura de Franco e o reconhecimento da nacionalidade aos filhos e netos dos exilados espanhóis,

A impunidade em questão: a atualidade dos direitos humanos Na América Latina, os militares e seus cúmplices se auto-anistiaram através de leis e decretos que coibiram qualquer punição às arbitrariedades cometidas. Ora, como salientam as normas contemporâneas do Direito Internacional, um dos primeiros compromissos dos governos democráticos, após sua posse, é a reparação dos atos

11

delituosos das ditaduras militares. Mais ainda, considera-se que determinados tipos de crime, como a tortura, não são passíveis de anistia. Para

as

vitimas

do

terrorismo

de

Estado,

chamadas

de

bandidos e terroristas” por seus algozes, o reconhecimento de que foram patriotas movidos pela indignação contra a ditadura militar, possibilita que seus familiares e descendentes possam se orgulhar e respeitar sua memória. Para os sobreviventes, o reconhecimento oficial da validade de sua ação politica também significa um reforça mento do sentido da identidade e da auto-estima. E, para a nação, o restabelecimento da verdade dos fatos, por mais dolorosa que seja, é o ponto de partida da reconciliação. Apurar os crimes, reparar as vítimas e punir os responsáveis constituem três momentos necessários para o estabelecimento da justiça e da verdade. No Brasil, a apuração dos fatos sempre ficou a cargo dos parentes das vítimas, que encontraram enormes dificuldades, por exemplo, até hoje as Forças Armadas não abriram seus arquivos. Insistir no resgate da verdade e dizer não ao esquecimento é chamar a atenção para uma violência que impregna a sociedade e o Estado. Lembrar o passado é uma forma de buscar recursos para pensar o presente.

BIBLIOGRAFIA ACHUGAR, H. La voz del otro: testimonio, subalternidad y verdad narrativa. Lima, Pittsburg: Latinoamericana Editores, 1992. ARTIGAS, José del Pozo (ed.) Exiliados Emigrados Y Retornados: Chilenos En América Y Europa 1973-2004. Editorial: Ril (2006) ISBN: 9562844986 BAUMAN, Z. Modernidade e Holocausto. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. BETTELHEIM, B. Sobrevivência e outros estudos. Tradução Maria Christina Monteiro. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. CADERNOS PAGU. Dossiê: Gêneros, Narrativas, Memórias. Campinas, SP, n. 8/9, 1997. CARUTH, C. Modalidades do despertar traumático (Freud, Lacan e a ética da memória). In Arthur Nestrovski; Márcio Seligman-Silva (Orgs.) Catástrofe e Representação. São Paulo: Escuta, 2000. 2000, p. 111-136. CHAMBERS, Ian, Migraciones, cultura e identidad, Buenos Aires, Amorrourtu editores, 1995 ELIAS, N. e SCOTSON, J.L. Os Estabelecidos e os Outsiders – sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. ENRIQUEZ, E Psicanálise e Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Agora, 2005. 12

FLACKS Richard e WHALEN, Jack Beyond the barricades The sixties generation grows up. (1989). Temple University Press, Philadelfia, 1989 GRINBERG, León y Rebeca Grinberg, Psicoanálisis de la migración y el exilio, Alianza Editorial, Madrid, 1984. HALBWASCHS, M. A memória coletiva. Tradução Laurent Leon Schaffter. São Paulo: Vértice Editora, 1990. HALL, S. Da Diáspora – identidades e mediações culturais. Tradução Adelaine La Guardia Resende et al. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003. IZQUIERDO, I. Lembranças e omissões (entrevista). Pesquisa Fapesp, n. 99, 2004, p. 16-21. JOZEF, B. “(Auto)biografia”: os territórios da memória e da história. In Leenhardt, J.; Pesavento, S. J. (Orgs.). Discurso Histórico e Narrativa Literária. Campinas, SP: Unicamp, 1998, p. 295-308. LEVI, P. É isto um homem? Tradução Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988. LEVI, P. Os Afogados e os Sobreviventes.Os delitos, os castigos, as penas, as impunidades. Tradução Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. MENDES, L. A. Memórias de um Sobrevivente. São Paulo: Cia das Letras, 2001. POLLAK, Michael. Une identité blessée : études de sociologie et d’histoire. Paris: Editons Métailié, 1993. POLLAK, M. Le Témoignane. Actes de la recherche en sciences sociales. Paris, 62-63, 1986, p. 3-29. POLLAK, M. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos. RJ, vol. 5, n.10, 1992. REBOLLEDO, Loreto. Memórias del desarraigo. Testimonios de exílio y retorno de hombres y mujeres de Chile.Santiago: Editorial Catalonia, 2006 (217 páginas). ROLLEMBERG, Denise o titulo Exílio: entre raízes e radares, São Paulo: pela Ed. Objetiva,1999. SELIGMANN-SILVA, M. A escritura da memória: mostrar palavras e narrar imagens. Terceira Margem,VI, n. 7, 2002, p. 91-107. SELIGMANN-SILVA, M. e NESTROVSKI, A. Catástrofe e Representação. São Paulo: Escuta, 2000. TODOROV, TZVETAN. O homem desenraizado. Rio de Janeiro-São Paulo: Editora Record, 1999.

13

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.