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June 15, 2017 | Autor: Mojana Vargas | Categoria: Estudos Africanos
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Workshop: Os Estudos Africanos em Debate: Campos de Saber e Interdisciplinaridade
A motivação dessa apresentação surgiu dos debates na disciplina de QAEMCS, na qual a questão sobre a natureza dos Estudos Africanos era frequente.
Por meio da discussão e do contraste entre diferentes abordagens, tentávamos estabelecer os limites epistemológicos desse campo de estudo o mais claramente possível.
Logo no início da disciplina, fomos provocados a participar desse workshop, no qual deveríamos refletir sobre o diálogo existente entre o campo dos Estudos Africanos e as áreas nas quais temos interesse particular, seja a Antropologia, a Sociologia, ou, em meu caso particular, o campo das Relações Internacionais.
Adoto a expressão "campo", no lugar de "disciplina", por entender que diferentemente de outras áreas do conhecimento que possuem uma identidade definida pelo seu objeto de estudos e metodologias específicas, tanto a área de Estudos Africanos quanto a área de Relações Internacionais são tributárias das reflexões teóricas e metodológicas de outras áreas do conhecimento, mobilizando um conjunto múltiplo de especialistas seja da Antropologia, da História ou da Economia, por exemplo, para ampliar o seu escrutínio da realidade.
Partindo desse ponto, me questionei sobre qual o tipo de diálogo que é possível estabelecer entre esses dois campos? Considerando a diversidade de abordagens existentes nas duas áreas, me pareceu mais adequado iniciar essa aproximação por duas questões que são levantadas pelo trabalho de Assis Malaquias:
A teoria de Relações Internacionais não é adequada para o estudo da política internacional africana.
Essa questão inicial parte de um pressuposto que precisa ser explicitado: que a teoria de Relações Internacionais forma uma unidade, o que está muito longe dos fatos. Ao contrário disso, atualmente não se fala nem mesmo na existência de UMA teoria das Relações Internacionais, mas em VÁRIAS abordagens teóricas, tal como ocorre no âmbito dos Estudos Africanos.
Desde a sua origem no âmbito da Ciência Política, a área de Relações Internacionais passou por um longo processo de diversificação em termos teóricos e metodológicos, em que a incorporação de contribuições de todas as áreas das Ciências Sociais permitiu que os pesquisadores pudessem ampliar o leque de temas abordados. Essa diversificação também permitiu o surgimento de correntes críticas (notadamente os Dependentistas, o conjunto de pesquisadores de matriz marxista, a teoria feminista, o construtivismo, o pós-modernismo e até o chamado Realismo Periférico) que questionam os pressupostos das teorias consideradas hegemônicas na área.
Há no mínimo duas grandes divisões que podemos fazer no contexto das teorias sobre relações internacionais em relação à sua epistemologia (discussão sobre como o conhecimento é produzido), tal como proposto por Lapid (1989): as abordagens teóricas chamadas de positivistas e as que são chamadas de pós-positivistas. Poderíamos ainda classificar tais abordagens em relação à sua ontologia (discussão sobre o quê deve ser estudado), tal como na divisão clássica de E.H. Carr (1939), dividindo-as em realistas e idealistas (ou liberais). Contudo, essas divisões não nos ajudam a entender como o diálogo entre as áreas de Relações Internacionais e Estudos Africanos pode ser construído.
Para nós, seria muito mais útil uma classificação das abordagens pensando em como cada uma delas se posiciona em relação ao continente africano. Nesse sentido, Thomas Tieku (2013) propõe uma divisão que consideramos mais operativa para pensar essa questão. Ele divide as abordagens mais difundidas nos meios acadêmicos (o que chama de theoretical mainstream) em duas categorias: as abordagens racional-utilitaristas e as abordagens sociológicas.
A leitura de Tieku procurou demonstrar quais eram os parâmetros a partir dos quais cada uma dessas abordagens refletia sobre a inserção do continente africano no cenário internacional e, a partir daí, perceber as possibilidades e limites de cada uma para a compreensão das relações internacionais africanas.
As abordagens racional-utilitaristas caracterizam-se por uma visão que pressupõe que os governos africanos possuem interesses materiais semelhantes, tais como a manutenção da independência territorial, a garantia da segurança, prestígio internacional e desenvolvimento econômico. Esses interesses são praticamente fixos e independem da alternância dos grupos dirigentes no poder. Para garantir a materialização desses interesses, os governantes fariam cálculos de custo/benefício, nos quais diferentes linhas de ação seriam cuidadosamente avaliadas, optando por aquela decisão que lhes permitisse os melhores meios para atingir esses fins. É uma aplicação da teoria da escolha racional às RI's.
Aqui cabe ressaltar que essa pressuposição do interesse estatal como algo dado, é muito presente nas formulações teóricas dos adeptos tanto do realismo, quanto do liberalismo na Teoria de Relações Internacionais.
Partindo desse pressuposto, os teóricos utilitaristas sugerem que a análise teórica deve iniciar-se pelo exame da distribuição do poder entre os atores e instituições presentes em determinado contexto. Assim, prossegue Tieku, a análise das RI's de qualquer continente é melhor observada olhando-se de fora para dentro, pois a posição de cada um na estrutura do poder global irá determinar suas relações internacionais. Atores localizados na periferia do sistema – tal como a África – têm o seu comportamento ditado pelas ações das regiões que hospedam os atores mais poderosos do sistema internacional.
Nessa linha de análise, não há diferença significativa entre os interesses dos atores internacionais, já que todos estariam em busca de objetivos parecidos. Assim, o que diferencia a atuação internacional dos atores são os recursos de que cada dispõe para realizar seus objetivos. Esse raciocínio é contraposto por outro analista da política internacional africana, Christopher Clapham, que defende que as relações internacionais do continente guardam diferenças importantes da política internacional dos chamados "grandes poderes". Muito embora os dirigentes africanos busquem a sobrevivência de seus estados (tal como o fazem todos os demais dirigentes), pressuposto para qualquer outro objetivo, diferentemente do que ocorre com atores de outras regiões, há a preocupação com a liberação do domínio externo, derivada da experiência com o Colonialismo e com a Guerra Fria (Clapham, 1996. Pp. 5).
Já as abordagens sociológicas propõem duas etapas sejam seguidas para que seja possível explicar as RI's africanas: primeiro, examinar o processo de formação de preferências dos atores envolvidos, pois acreditam que tal processo possui grande influência no comportamento dos atores e nos resultados que serão obtidos pelos mesmos. O segundo passo é avaliar o processo de tomada de decisão na política internacional africana.
Essas etapas não são apresentadas por acaso, pois a literatura sociológica sustenta que os atores não perseguem interesses dados, existentes a despeito dos arranjos estruturais, das condições materiais e dos eventos imprevistos. Ao contrário, tais interesses são socialmente construídos por meio da interação social entre os atores políticos e desses atores políticos com o próprio Estado, criando-se uma compreensão intersubjetiva do que seja a constituição do interesse estatal.
Na visão de Tieku, a grande vantagem das abordagens sociológicas é a possibilidade de incorporar elementos que ele considera fundamentais para a compreensão das RI's africanas e que as abordagens racional-utilitaristas desconsideram: o processo de decisão por consenso, o processo de formação de grupos de preferência e o princípio da solidariedade baseado no pan-africanismo.
Por outro lado, há também ao menos uma insuficiência significativa apontada pelo autor (existem outras, mas que também podem ser debatidas em outros contextos) especificamente relacionada ao caso africano, que é a negligência com que é tratado o papel das ideias que estão profundamente enraizadas em entidades sociais como grupos regionais e subnacionais. Para Tieku, essa negligência para com a tessituras regionais limita a aplicabilidade da abordagem sociológica ao contexto africano.

Da necessidade de se construir uma formulação teórica que seja capaz de explicar e prever o desenvolvimento das relações internacionais africanas.
Além da discussão teórica referida no ponto anterior, o trabalho de Malaquias também levanta a necessidade de se construir formulações teóricas mais adequadas ao estudo das relações internacionais africanas. O autor elabora essa questão a partir do estudo de caso que realizou acerca da atuação da UNITA no processo de pacificação em Angola durante os anos 1990.
Em seu ponto de vista, a problemática central das relações internacionais africanas é a inadequação do modelo de estado homogêneo implantado pela colonização e continuado pelos governos pós-coloniais que não enfrentaram o desafio de dar uma resposta adequada à diversidade de arranjos políticos existentes antes da colonização.
Os movimentos de independência seriam então em última instância, originados da luta contra a determinação colonial de suprimir as realidades da nação e da etnicidade como elementos importantes da vida política africana.
Dessa forma, os estados pós-coloniais tornaram-se herdeiros dos conflitos entre as nações locais que ainda buscam autodeterminação e o modelo de entidade política unitária, afetando todo o continente africano, com características e intensidade que variam de uma região para outra. Malaquias qualifica esse conflito como um enfrentamento ETNONACIONALISTA (tal como definido por Stanley Tambiah), de resistência à imposição de uma identidade nacional homogênea.
O caso de Angola então é representativo desse conflito e a atuação da UNITA é avaliada a partir dessa perspectiva.
Malaquias constrói seu argumento em torno da ação internacional da UNITA e da utilização da ferramenta da diplomacia, visando atingir seus objetivos.
"O sucesso político e militar da UNITA está diretamente ligado à sua habilidade de manter uma vigorosa política externa que a manteve continuamente no centro da política regional de forma consistente, com implicações internacionais óbvias" (Malaquias. 19).
Chama atenção o conjunto de conceitos que o autor mobiliza na construção de sua análise: nação, etnicidade, diplomacia e política externa são os conceitos fundamentais para a construção da análise feita pelo autor, e aqui p que queremos não é discutir se os conceitos foram bem ou mal utilizados (nem mesmo questionar a sua definição, muito embora isso não seja muito trabalhado no texto), mas mostrar que a despeito de todas as reservas que o autor possui em relação ao que chama de "teorias contemporâneas", ele acaba por trabalhar com o mesmo conjunto de conceitos que essas mesmas teorias incorporaram a partir do contato com a Antropologia ou com a Sociologia africanas (entendidas aqui como sobre a África).
Em outra passagem, Malaquias defende a necessidade de se evitar a simples adaptação de modelos ocidentais e estadocêntricos à análise das RI's na África, mas a despeito dessa preocupação e do esforço de reflexão presente nesse trabalho, fica muito clara a dificuldade (e até o momento, impossibilidade) de se trabalhar fora desse arcabouço conceitual.
O próprio enunciado do autor já demonstra uma contradição nesse aspecto, pois, ao requerer uma teoria capaz de prever os desenvolvimentos da política internacional africana, o autor demonstra seu apego a um dos pontos cruciais das teorias hegemônicas em Relações Internacionais, que é a pressuposição da racionalidade dos atores no processo de tomada de decisão. A previsibilidade só é possível quando assumimos que o ator fará a escolha mais racional em uma situação específica, o que pode não ser possível ou nem mesmo desejável se o mesmo ator tiver de considerar questões como etnicidade, tal como sugerido pelo autor.
Por mais que tais conceitos sejam necessariamente eurocêntricos e estadocêntricos, é a partir da sua utilização com uma postura crítica e consciente do seu lugar de fala que os pesquisadores podem operar adequadamente com eles.
Claro que esta apresentação foi apenas uma primeira aproximação do tema. Muitos outros problemas ainda poderiam ser levantados a partir das proposições de Malaquias, por exemplo, sobre as possibilidades reais de conciliar as demandas nacionais com a existência do Estado, pois, se a autodeterminação etnonacional for levada às últimas consequências, cria-se uma incompatibilidade insolúvel.

Bibliografia
CARR, E. H. "Vinte anos de crise". Brasília/São Paulo. Editora UNB/IOESP.
HOUNTONDJI, P. "Conhecimento de África, Conhecimento de Africanos: Duas perspectivas sobre os Estudos Africanos". Revista Crítica de Ciências Sociais, nº80, março 2008: 149-160.
LAPID, Y. "The Third Debate. On the Prospects of International Theory in a Post-Positivist Era". International Studies Quarterly. Vol. 33 n.3 p.235-254, 1989.
MALAQUIAS, A. "Reformulating International Relations Theory: African Insights and Challenges". Dunn, K. C. & SHAW, T.M. Africa's Challenge to International Relations Theory. New York. Palgrave. 2001
TIEKU, T.K. "Theoretical Approaches to Africa's International Relations". MURITHI, T. Handbook of Africa's International Relations. New York. Routledge. p. 11-2013.




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