Texto e biografia do/no texto em “The Rabbit Catcher” de Sylvia Plath e de Ted Hughes

July 9, 2017 | Autor: Manuela Moreira | Categoria: Feminism, Ted Hughes, Sylvia Plath
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Texto e biografia do/no texto em “The Rabbit Catcher” de Sylvia Plath e de Ted Hughes

Manuela Moreira Julho de 2012

Introdução/ Políticas de edição “The Rabbit Catcher” é o título de um poema criado em 21 de Maio de 1962, por Sylvia Plath e apropriado por Ted Hughes em 1998, que servirá de mote a um outro poema, de sua autoria. Será objecto deste trabalho fazer uma análise comparatista do poema de Plath e de Hughes. Antes, porém, de partir para tal empreitada, far-se-á uma contextualização temporal da génese dos poemas de Plath e de Hughes, bem como do que se passa a designar por políticas de edição, que permitirão apenas a visibilidade do poema de Plath em 1981 e a consequente emergência do poema de Hughes, em 1998. Wayne K. Chapman, autor do ensaio, “Last Respects: The Posthumous Editing of Virginia Woolf and Sylvia Plath” (Chapman, 2006: 69) refere que Plath tinha preparado uma colectânea de poesia, conhecida como “the Ariel manuscript”, constituída por 41 poemas, da qual constava “The Rabbit Catcher”, escrito a 21 de Maio de 1962, e figurando, na mesma colectânea, como o terceiro poema. Este ensaísta menciona a supressão de 14 poemas do manuscrito pensado e organizado por Plath, pelas mãos de Ted Hughes, aquando da edição de Ariel, em Londres, em 1965. Para além de suprimir poemas da edição pensada e organizada por Plath, Hughes acrescenta-lhe outros que Plath não havia contemplado para o seu Ariel e que foram: “Sheep in Fog”; “The Hanging Man”; “Little Fugue”; “Years”; “Totem”; “Paralytic”; “Balloons”; “Poppies in July”; “Kindness”; “Contusion”; “Edge” e “Words”. Esta mesma questão é tratada em (Perloff, 1985: 178-81). Vide anexo. Mais tarde, porém, “The Rabbit Catcher” é inserido por Ted Hughes, na obra intitulada Sylvia Plath – Collected Poems, publicada em Londres pela Faber & Faber, em 1981. Posteriormente, em 2004, Frieda Hughes, filha de Sylvia Plath e Ted Hughes, dá à estampa uma nova edição de Ariel, onde aparecem publicados os poemas na ordem sugerida por Plath e onde são repostos aqueles, que o pai excluíra. Esta edição coordenada por Frieda Hughes, e com um prefácio seu, é publicada sob o nome de Ariel: The Restored Edition. Quanto ao poema de Ted Hughes, com o título homónimo ao de Plath, surge inserido na colectânea Birthday Letters, publicada em 1998 e constituída por oitenta e oito poemas. A excisão de “The Rabbit Catcher” da colectânea organizada por Hughes prende-se, como o próprio assume, com o facto de este ser um poema ‘more openly vicious’(Vice, 2003:166) e ‘more personally aggressive’ (Hughes,1981: 15). Ao expurgar Ariel,

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Hughes oferece-nos uma edição bem diferente da pensada por Plath. Isto é, da mensagem de esperança expressa por “love” no primeiro poema “Morning Song”, que ele mantém, à conclusão da colectânea com o poema “Wintering”, que termina com a palavra “Spring”. Hughes suprime “Wintering” e substitui-o por “Words”. No prefácio a Brirthday Letters, o próprio Hughes diz: “Sometime around Christmas (…) she pointed out

that it began with the word ‘Love’ and ended with the word ‘Spring’’ (Hughes, 1981: 14-5). Esta adulteração na finalização da colectânea não é de todo inocente. A estrofe final de “Wintering” conclui o poema da seguinte forma: Will the hive survive, will the gladiolas Succeed in banking their fires To enter another year? What will they taste of, the Christmas roses? The bees are flying. They taste the spring.

Neste remate do poema, observamos a luta pela sobrevivência, a liberdade no movimento das abelhas e o saborear da primavera, que simboliza o acto de renascer. Se aplicarmos uma leitura biografista a este final, verificamos que a metáfora das abelhas funciona como o eu da poeta e da sua vontade de viver livre e de desabrochar para uma nova vida. Há assim uma nota de esperança e eu diria de fruir a vida e de continuar a vivê-la em pleno. Se assim acabava o Ariel de Plath, perguntar-se-á por que terá Hughes escolhido o poema “Words”, do qual se transcreve a última estância:

Words dry and riderless, The indefatigable hoof-taps While from the bottom of the pool, fixed stars Govern a life.

Ao contrário de “Wintering”, o final de “Words” não é auspicioso, mas elegíaco. Na conclusão deste poema, verificamos que a poeta não cria poesia porque as palavras estão “dry” e são “riderless”, ou seja, a poeta não domina e manipula as palavras porque estas pereceram e/ou são indomáveis. Sem palavras, não se faz poesia e se a poesia, por metonímia, se ler como a vida, então não há mais vida e vive-se num estádio que

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anuncia a morte onde, “fixed stars/ Govern a life.”. Se acrescentarmos que “Edge” é o penúltimo poema da edição preparada por Hughes confirma-se não só o tom elegíaco da colectânea mas também o final trágico do texto, que se traduz no final trágico da vida. Daqui poder-se-á concluir que a obra mutilada e profanada de Plath na edição de Ariel de 1965 pretende ilibar Hughes da acusação de algoz que se lhe colará durante muitos anos. Ao fechar Ariel com “Words” e não com “Wintering”, Hughes perpassa a ideia do desejo de suicídio de Plath, querendo, já nesta altura, eximir-se da culpa que lhe é atribuída pela morte trágica desta. Ao mesmo tempo, desconstrói o texto original de Ariel e constrói um texto, que ele pretende que seja lido de forma biografista. Este trabalho de dilapidação do texto de Plath pré-anuncia o tom conspicuamente biografista de Birthday Letters, como se poderá ver em “ The Rabbit Catcher” de sua autoria. “The Rabbit Catcher” – texto e biografia do/no texto Em “The Rabbit Catcher” de Sylvia Plath, atentar-se-á a uma leitura do poema de per si, recusando uma leitura porventura mais superficial, ou seja, uma interpretação biografista do poema. Esta minha posição é secundada pelas palavras de Jacqueline Rose que a propósito diz: “ But if biography is relevant to the work of Sylvia Plath, this does not make the work biographical.” (Rose, 2002). Porém, no que se refere ao poema homónimo de Hughes, parece-me impossível rejeitar uma leitura biografista, atendendo a que é o próprio poeta que, ao comentar o poema de Plath, se serve de elementos da vida pessoal desta, de si próprio e da sua relação conjugal, por forma a desconstruir o texto de Plath, e a “completá-lo” de sentido que justifique a sua redenção perante o mundo leitor da obra plathiana, com base na experiência vivida na relação conjugal do casal, num momento atribulado da concepção de “The Rabbit Catcher”, por Plath. Isto é, “(…) the brief interval when Plath and Hughes were still living together despite her discovery of his infidelity” (Perloff, 1981:304). As leituras exclusivamente biografistas do poema de Plath, não levando em consideração o eu poético, como o eu ficcional, produzido por via da imaginação e da laboração da poeta, identificaram o “eu” do poema com o “eu” da sua autora e apressaram-se a identificar Plath como a vítima de uma história de folhetim, cujo carrasco é identificado com o seu ex-marido Ted Hughes. Sempre que se tenta ler na obra de Plath a sua vida, ficamo-nos por uma crítica impressionista, baseada não na

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leitura da obra em si, mas de uma leitura do texto, à qual subjazem leituras prévias com base na vida da poeta e na criação de um mito que resulta da identificação do sujeito poético com o eu autoral. Assim sendo, o texto fica sempre (in)formado de outras leituras e portanto (de)formado de uma leitura, que se quer aplicada única e exclusivamente ao texto. Também, ao proclamar a interpretação do poema de Plath, de o reescrever, de entrar numa relação dialógica com o sujeito poético de Plath, está o eu poético de Ted Hughes a criar um outro mito. Porém, aqui não é um mito forjado a partir da leitura biográfica de um poema, mas sim a partir de uma resposta a outro poema, em que o mito emerge do próprio poema. Pergunta-se: “Quem será afinal o carrasco e quem será a vítima?” A meu ver, e, segundo a leitura do poema de Hughes, a dicotomia entre carrasco e vítima aparece deliberadamente revertida. Contudo, esta interpretação será fornecida ao analisar a relação intertextual entre “The Rabbit Catcher” da obra Plathiana e “The Rabbit Catcher” de Hughes. Iniciar-se-á a leitura comparatista dos dois poemas, começando pelo texto de Plath que se pretende lido em função do eu ficcional, ou seja, como Joyce Carol Oates o percepciona “(…) the self – especially de ‘I’ of lyric poetry – is a personality who achieves a kind of autonomy free not only of the personal life of the artist but free as well, of the part-by-part progression of individual poems; (…)”(Oates, 1973). “The Rabbit Catcher” de Plath, sendo um poema lírico, é também um poema narrativo em que o sujeito poético descreve o lugar inóspito, onde a diegese se desenrola e a tensão e horror que daí decorrem. Querendo evadir-se desse espaço sufocante, o sujeito poético anseia por um espaço que lhe não seja hostil e descreve-o por oposição ao lugar que o asfixia. Também noutro espaço, possivelmente contíguo ao lugar da tormenta e da tortura, o eu narra um episódio em que nos mostra os sentimentos relativamente a uma personagem, que se traduz no referente “him”. O eu lírico/ diegético encerra a narrativa com o referente “we” e caracteriza uma relação anterior entre as personagens que o constituem e os efeitos perversos desta sobre o sujeito poético. “The Rabbit Catcher” de Hughes constitui uma resposta ao poema de Plath. Escrito numa linguagem coloquial, o sujeito poético estabelece uma relação dialógica com o eu poético de Plath e pretende lançar alguma luz sobre o predicamento que nos é mostrado no poema desta. O poema de Hughes começa com questões que o eu lírico coloca a si próprio e com as quais pretende iluminar o poema de Plath. A partir das questões, o sujeito poético vai dando respostas, recuando no tempo e no espaço e aludindo a estes a

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partir do poema de Plath. Apropriando-se de alguns dos seus vocábulos, vai desconstruindo o sentido do poema dela e construindo o seu próprio sentido, explanando as razões do estranhamento de Plath, através da incompreensão desta, face aos lugares que habitam o seu poema e, por metonímia, em relação à dificuldade da poeta americana em compreender uma Inglaterra ainda sob os feitos de devastação da Segunda Guerra Mundial. Tal como em “The Rabbit Catcher” de Plath, o poema homónimo de Hughes narra diferentes episódios e momentos e produz uma narrativa completamente nova. Deste modo, no poema de Hughes, inscreve-se a narrativa que o poeta inglês quer imprimir ao texto, ou seja, a sua desculpabilização e consequente redenção do “mal” que a crítica de pendor biografista e feminista o tinha culpabilizado em relação ao fim trágico de Plath. A minha análise parte do poema de Plath, analisa excertos e contrapõe-nos com o poema de Hughes, quer comparando-os, mas sobretudo contrastando-os. Compara também a utilização de significantes iguais, porém portadores de significados distintos. A primeira estrofe do poema de Plath, que aqui se transcreve: It was a place of force— The wind gagging my mouth with my own blown hair, Tearing off my voice, and the sea Blinding me with its lights, the lives of the dead Unreeling in it, spreading like oil.

situa e escreve o lugar em que a narradora se encontra como um espaço perturbador para o eu, uma paisagem adversa, em que os elementos “wind” e “sea” mutilam o corpo, dando lugar a uma paisagem textual, que escreve o corpo violado pela natureza. Assim, o vento amordaça a boca do eu com o seu cabelo. Saliente-se aqui que o vento, ao amordaçar a boca, está a privar o eu da linguagem e da capacidade de a produzir, sendo que, neste caso, a produção de linguagem se equaciona com a criação de poesia. Porém, se o vento amordaça a boca do sujeito poético, ele fá-lo com o cabelo deste, e, assim, poderemos atrever-nos a dizer que, por metonímia, o sujeito poético se envolve também no acto de brutalização exercido pela natureza sobre o seu próprio corpo. Também, “the sea” é um elemento da natureza que cega o sujeito poético com os seus reflexos de luz, que, por sua vez, se identificam com as vidas dos mortos, espalhando-se “like oil”, ou seja, o óleo que é aplicado na extrema-unção a que o eu lírico alude na segunda estrofe. Sendo que o mar é frequentemente usado como símbolo da imaginação criadora, ele é aqui para o eu lírico, o símbolo da morte da criação imaginativa, logo

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poética e, se para os poetas a poesia é vida, o mar surge então como um elemento criminoso que atenta contra a propriedade de ver e de viver. Passemos agora à análise dos versos de Hughes com referência a “the sea”. Como foi dito antes, far-se-á neste caso uma leitura biografista, dado que é o próprio que se socorre de aspectos biográficos e históricos para a interpretar a “dybbuk fury” da sua ex-mulher. Aliás, a linguagem referencial e a utilização dos vocábulos no seu valor denotativo prestam-se à leitura que sugiro: We tried to find the coast. You Raged against our English private greed Of fencing off all coastal approaches, Hiding the sea from roads, from all inland. You despised England's grubby edges when you got there The day belonged to the furies.

Este excerto do poema localiza-se num momento em que o casal, numa manhã de Maio, se dirige para um piquenique algures na Cornualha. Percorrendo o caminho, Hughes diz-nos que Plath se insurge contra a vedação entre a terra e o mar, impedindo, assim, o acesso livre ao oceano. Esta privação funciona, assim, para Plath, como uma barreira imposta, um impedimento de liberdade, que Hughes interpreta como uma reação contra um costume ancestral britânico, que contrasta com a forma como o mar aparece na geografia norte-americana, ou seja, ao acesso de todos. Assim, o mar na paisagem americana representa a natureza ainda no seu estado bruto, sem a profanação exercida pelo ser humano, ao contrário do que acontece em Inglaterra, em que o mar aparece vedado e escondido. Para Plath, o costume britânico representa um impedimento à liberdade de existir, de criar e de escrever. Deste modo, a vedação do mar enfurece a poeta americana, privando-a de liberdade de criação. Sem liberdade, Plath fica “fenced off”, o que leva Hughes a concluir que o dia “belonged to the furies”. Para além da vedação do mar, Hughes acrescenta que Plath “despised England's grubby edges when she got there”. Digno de registo, é o emprego do vocábulo “there”, local de destino de uma manhã de Maio ou da Inglaterra. Janet Malcolm refere a este propósito o seguinte: “She (Plath) occasionally permitted herself a few words to her mother or to her American friends about the uncleanliness and dismal of English kitchens and bathrooms(…)”.(Malcolm, 1994.53) Continuemos ainda com Hughes e com a forma como este inicia o seu poema:

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It was May. How had it started? What Had bared our edges? What quirky twist Of the moon's blade had set us, so early in the day, Bleeding each other? What had I done? I had Somehow misunderstood. Inaccessible In your dybbuk fury, babies Hurled into the car, you drove.

O sujeito poético situa a ação do poema e questiona o que terá contribuído para “bleeding each other”. De imediato pergunta-se “What had I done?” e responde “I had somehow misunderstood”. Assistimos aqui à incapacidade de compreensão da mente do eu do poema do poema de Plath, para quem esta é “(…) Inaccessible/In your dybbuk fury(…)” e que o autor do poema só compreende em função do sobrenatural , isto é, em função do corpo possuído pelo demónio e dominado por este. Por outras palavras, o sujeito poético do texto de Hughes serve-se de perguntas retóricas endereçadas a um “eu” ausente, impossibilitado de defesa, para se desculpabilizar do que não foi a tempo de compreender e, imediatamente, remete para o domínio do irracional a atitude de Plath, através do sintagma “dybbuk fury”. Deste modo, Hughes mascara o lamento, lido, em algo que só se poderá entender, à luz do parapsicológico. Sob este prisma, a desculpabilização apresenta-se desde já como uma acusação e o “carrasco” inscreve-se como vítima. Passemos agora à segunda estrofe do poema de Plath:

I tasted the malignity of the gorse, Its black spikes, The extreme unction of its yellow candle-flowers. They had an efficiency, a great beauty, And were extravagant, like torture.

Nesta parte do poema, acentua-se a adversidade da natureza e do sofrimento que atinge cada vez mais o sujeito poético. Para tal, contribuem a escolha de vocábulos como “malignity” e “torture”. Por outro lado, este é um sofrimento que traduz a pulsão de morte, da narradora do poema, já anunciada na estrofe anterior com o verso “The wind gagging my mouth with my own blown hair”, a qual se complementa com as imagens de uma liturgia fúnebre como “The extreme unction” e “yellow candle-flowers”. No entanto, a escolha de vocábulos e de expressões com conotação negativa, quer violenta quer funerária, contrasta com a conotação positiva de “a great beauty” e de “efficiency”, que, no texto são “extravagant, like torture”. Assim, nos dois últimos versos da estrofe,

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deparamo-nos com a escolha de vocábulos com conotação positiva qualificados por outros com conotação negativa o que se traduz numa poética de tensão, onde se confrontam a contenção e o excesso.

Voltemos agora a Hughes:

We crossed a field and came to the open Blue push of sea-wind. A gorse cliff. Brambly, oak-packed combes. We found An eyrie hollow, just under the cliff-top. It seemed perfect to me. Feeding babies, Your Germanic scowl, edged like a helmet, Would not translate itself.

O sujeito poético prossegue a narrativa aludindo aos elementos da natureza, até chegar a “an eyrie hollow”, local que qualifica como: “It seemed perfect to me”. Digno de nota e de contraste é a escolha do vocábulo “hollow” no poema de Plath, como a seguir se verá. Como foi dito, em Plath, a natureza é hostil, mas simultaneamente libertadora, atendendo a que a sua violência é mutiladora, o que provoca o desejo de morte, como um desejo de libertação, exercido por via da prova de “gorse”. Em Hughes, a natureza surge no seu aspecto bucólico, logo inofensivo. “A gorse cliff. Brambly, oak-packed combes” contrasta nitidamente com “I tasted the malignity of the gorse”. Alheio à revulsão de pensamentos e sentimentos no interior de Plath, Hughes descreve a destinatária do seu poema com a expressão “Your Germanic scowl, edged like a helmet” e conclui que “would not translate itself”. Isto é, o eu de Hughes não é capaz de ver a dor de Plath porque esta não quer que ele a veja. Retorno ao poema de Plath na terceira estrofe:

There was only one place to get to. Simmering, perfumed, The paths narrowed into the hollow. And the snares almost effaced themselves— Zeros, shutting on nothing,

Após uma situação de dor e de angústia, que leva ao desejo de morte, o sujeito poético procura agora algo que se sobreponha à tragédia anunciada. Em termos diegéticos, parece-me, haver uma pausa na narrativa e um recuo de intenções. A diegese é intercalada por um parêntesis onde, da descrição das forças da natureza à sua

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degustação, a morte já não surge como a evasão da realidade sofrida, mas será substituída por “only one place to get to”, que no texto é apresentado com o vocábulo “hollow”. Este “hollow” apresenta-se como um refúgio, um locus amoenus, “simmering, perfumed”, onde “the snares almost effaced themselves” e conduzem a “Zeros, shutting on nothing”. Isto é, um lugar onde o sujeito poético já não se encontra encurralado, e onde as armadilhas / snares quase se apagam e se apresentam como inexistentes. Elas transformam-se em zeros, ou seja, já não representam uma ameaça. O que é corroborado pelos versos que aparecem na estrofe seguinte como “The absence of shrieks” e “the thickets quiet”. A natureza já não é o locus horrendus, aniquilador e destruidor do corpo e da mente, mas um espaço que parece ir de encontro ao estado de alma do sujeito poético. Compare-se agora com o poema de Ted Hughes: And I found a snare Copper-wire gleam, brown cord, human contrivance, Sitting new-set. Without a word You tore it up and threw it into the trees. I was aghast. Faithful To my country gods - I saw The sanctity of a trap-line desecrated.

Enquanto em Plath, o termo “snares”, se refere a um enredamento da mente e do corpo do sujeito poético, em Hughes as “snares” representam “the sancity” “of ancient custom”. Daí, que o sujeito poético em Hughes não consiga compreender por que Plath “Without a word/ You tore it up and threw it into the trees”. Assim, Hughes vê o gesto de Plath como “The sanctity of a trap-line desecrated”, visto que ele é “Faithful/To my country gods”. O acto de Plath é entendido por Hughes como uma dessacralização de um costume ancestral do seu país, e dos aspectos da ruralidade, que ainda hoje são bem preservados em Inglaterra. Na realidade, Ted Hughes, era um “catcher” de “animais, pássaros e peixes”, costume que adquirira desde tenra idade, bem como “a keen countryman”. Para ele, caçar era sagrado, tão sagrado como criar um poema. O próprio o afirma ao dizer “porque é sempre de uma captura que se trata e o poema não é senão um novo ser, um novo espécime de uma vida que acontece fora da nossa própria vida”. (Hughes, 2002:17). Será que Hughes se estará também a referir à dessacralização que Plath faria da sua poesia? Ou será apenas que se poderá ler esta parte do poema de Hughes como a Englishness que Plath não consegue compreender devido ao facto de ser oriunda de Boston, de se identificar com a urbanidade característica de uma América em

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pujança, resistindo à Englishness rural de Hughes com a sua Americanness. De facto, a destruição de “snares”, por parte de Plath, tem por objecto a morte do instrumento utilizado para matar/ caçar coelhos, o que conduzirá à destruição da caça enquanto forma de subsistência do proletariado rural. Daí, Plath igualar os caçadores a “Murderers”, como se pode ver neste momento do poema de Hughes:

You saw snare after snare And went ahead, riving them from their roots And flinging them down the wood. I saw you Ripping out precarious, precious saplings Of my heritage, hard-won concessions From the hangings and the transportations To live off the land. You cried "Murderers!"

Centremo-nos agora na penúltima estrofe do poema de Plath: I felt a still busyness, an intent. I felt hands round a tea mug, dull, blunt, Ringing the white china. How they awaited him, those little deaths! They waited like sweethearts. They excited him.

Neste excerto, o eu poético mostra-nos “hands round a tea mug, dull, blunt, ringing the white china”. As mãos são, por metonímia, o caçador de coelhos afagando a “tea mug”, que tal como “snare” funciona como a armadilha que se prepara para caçar os coelhos “those little deaths”, que, por sua vez são comparados a “sweethearts” que “excite” “the rabbit catcher”. “Those little deaths” funcionam também como metáfora do eu lírico, que depois de ter esgotado todas as tentativas de fuga da realidade, de renascimento e de busca de encontro consigo, não consegue fugir às armadilhas e sucumbe às mãos do assassino. Assim, poder-se-á concluir que o sujeito poético nos aparece aqui desprovido de poder e se apresenta como vítima de um “ensnarement”(casamento) que nos é sugerido pelo vocábulo “ringing”. Poder-se-á de novo ver o desejo de morte por parte do sujeito poético, às mãos do assassino, como forma de fuga do encurralamento do corpo e da mente. Comparemos agora a inscrição da biografia no poema e o diálogo entre o sujeito poético de Hughes com o “you”, indubitavelmente referente a Plath.

You saw blunt fingers, blood in the cuticles, Clamped round a blue mug. I saw Country poverty raising a penny, Filling a Sunday stewpot. /You saw baby-eyed Strangled innocents, I saw sacred

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Ancient custom. /You saw snare after snare And went ahead, riving them from their roots And flinging them down the wood. /I saw you Ripping out precarious, precious saplings Of my heritage, hard-won concessions From the hangings and the transportations To live off the land. / You cried "Murderers!" You were weeping with a rage That cared nothing for rabbits.

Neste excerto, inscrevem-se duas mundividências que se opõem e que resistem a qualquer forma de conciliação. Por um lado, aquilo que para Hughes é costume ancestral, forma de sobrevivência e de sustento de uma população, património de uma civilização que vive da e para a terra é, por outro lado, para Plath crueldade que a leva a chamar “Murderers” a todos os caçadores e a chorar contra a chacina que é perpetrada contra animais indefesos. Hughes, no entanto, conclui que a ira manifestada por Plath não se revê na repulsa das práticas campestres, mas que é apenas a manifestação visível de um “tortured, crying, suffocated self”, excerto de trecho que mais abaixo se transcreve. Hughes interpreta a visão do mundo de Plath como a do desconhecimento da História, uma vez que Plath é oriunda de um país novo, que não foi destruído pela Segunda Guerra Mundial, mas que, ao invés, surge dela, como a potência que passa a ser dominante no mundo. Daí que Plath não consiga integrar-se numa paisagem natural, histórica e civilizacional que lhe é estranha e que contribui para que a poeta veja e sinta essa paisagem como agressora e violadora do seu corpo e espírito. Finaliza-se a leitura do poema de Plath com a última estrofe: And we, too, had a relationship— Tight wires between us, Pegs too deep to uproot, and a mind like a ring Sliding shut on some quick thing, The constriction killing me also.

O sujeito lírico finaliza o poema, estabelecendo um paralelo com a relação entre “the catcher” e “the rabbits” e a relação que teve com o outro, “The Rabbit Catcher”. Sendo que a ambiguidade do texto poético se traduz na polissemia do mesmo, “a mind like a ring/Sliding shut on some quick thing”, poder-se-á ler como a mente violada pelo agressor, o “tu” do poema, que contribui para a morte anunciada de “ring”, metáfora do casamento moribundo, que significa a “constriction” para o sujeito poético e que se poderá expressar, recorrendo a um vocábulo usado pela poeta “a simmering death”, a

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morte a ferver em lume brando, a morte a acontecer, processo irrefutavelmente mais doloroso do que a morte imediata. Há críticos que se referem exclusivamente à violação do corpo. No entanto, embora não se possa dissociar a mente do corpo, a violação para mim traduz-se fundamentalmente numa violação da mente. Isto é, trata-se da mente do sujeito poético que o violador sufoca e asfixia num círculo, do qual o violado não poderá jamais sair. A mente enclausurada equivale à mente confusa, incapaz, dependente e impossibilitada da criação poética. É uma mente amputada, aniquilada e violada pelo outro. Uma mente num corpo que não resiste e que sente que está a ser morto. Observemos agora a forma como Hughes “vê” o eu de Plath: You were locked Into some chamber gasping for oxygen Where I could not find you, or really hear you, Let alone understand you.

Este trecho do poema de Hughes capta o que se está a passar na mente de Plath. Contudo, o poeta só o consegue nomear por força da relação que existe face a ele próprio. “(…) I could not find you, or really hear you,/ Let alone understand you.” Com estas palavras, Hughes afirma que não consegue compreender o eu de Plath. Caminhando para o fim da sua narrativa, Hughes abre o caminho para a vitimização.

In those snares You'd caught something. Had you caught something in me, Nocturnal and unknown to me? Or was it Your doomed self, your tortured, crying Suffocating self?

Neste passo, Hughes pergunta se Plath “In those snares” terá encontrado algo. Algo sobre si próprio, algo sombrio que o eu do poeta desconhece. Por outro lado, indaga a poeta se são as “snares” que a perturbam ou “Your doomed self, your tortured, crying/Suffocating self”, que ele iguala à conotação simbólica de “snares” e conclui o poema com: Whichever Those terrible, hypersensitive fingers of your verses closed round it and Felt it alive. The poems, like smoking entrails, Came soft into your hands.

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Não tendo respostas, Hughes conclui que é o eu torturado de Plath, o “crying, suffocating self”, que faz com que os poemas da poeta lhe saiam das entranhas e se transformem em Arte: “The poems, like smoking entrails,/Came soft into your hands.” Hughes acaba por prestar homenagem à qualidade da poesia de Plath. Ao finalizar o poema desta forma, Hughes quer-nos dizer que, apesar de tudo aquilo de que é acusado pela crítica, ele é, malgré lui, a razão que explica a grandeza da poesia de Plath. Desta maneira, Hughes redime-se da culpa e vira do avesso a imagem do carrasco.

CONCLUSÃO

Terminada a análise comparatista entre os dois poemas, verifica-se uma diferença na forma, no tom e no sentido dos mesmos. Em termos de forma e de tom, já foram referidas as diferenças. No que respeita, ao (s) sentido(s), estes foram amplamente debatidos em termos de unidades lexicais geradoras de diferenças semânticas

no

próprio texto, como em “The Rabbit Catcher” de Plath e também no co-texto do poema. Neste mesmo texto, fez-se uma análise intertextual, seguindo a linha de Kristeva que nos diz “each word (text) is an intersection of words (texts) where at least one other word (text) can be read (Gerbirg, apud 2002:2), tendo-se colocado o enfoque no texto, isolando-o do contexto. No que se refere ao texto de Hughes, foi meu propósito lê-lo de forma biográfica, dado que é o próprio que deliberadamente inscreve a biografia no texto. Desta forma, o contexto foi decisivo para ler o texto e para ler comparativamente os dois textos. De facto, há nos dois poemas uma busca de sentido, em termos de estilo poético, de heranças culturais, de História passada e coeva dos dois poetas e há, na história de cada um deles, a representação de uma América rica e liberal, por oposição a uma Inglaterra conservadora, classista e ainda refém de uma guerra que a despedaçou. Todos estes aspectos são geradores de uma tensão que se inscreve e escreve na produção poética de Plath, conspicuamente visível em “The Rabbit Catcher”. As diferentes heranças culturais são também determinantes para a poiesis de cada um dos poetas. Assim, nesta linha de pensamento, considero que as “snares”, consideradas elementos de culto e de veneração na tradição rural britânica, ao serem profanadas no poema de Plath, revelam a mente de uma poeta que destrói o sagrado e, como tal, se revela transgressora de um costume ancestral do patriarcado. Esta ousadia transforma o texto de Plath num texto

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feminista, a despeito de Plath ter vivido e escrito num tempo muito difícil para as mulheres, que justifico, com a seguinte citação: “Plath was neither a bohemian nor a feminist, but a product of our 1950s white American middle-class. She was a woman torn between her own desire to pursue a career and pressure to become a stay-at-home wife and mother.” (Moraski, 2002: 79).

“Bibliografia” Chapman, Wayne K. (2006) “Last Respects: The Posthumous Editing of Virginia Woolf and Sylvia Plath” in The South Carolina Review pp. 65/71. Hughes, Ted ((1991) (ed.) Sylvia Plath – Collected Poems, London, Faber & Faber. Hughes, Ted (1998), Birthday Letters, London, Faber & Faber. Hughes, Ted (2002), O Fazer da Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim. Malcolm, Janet (1994), The Silent Woman: Sylvia Plath and Ted Hughes, London, Papermac Moraski, Britney (2009), “The Missing Sequel: Sylvia Plath and Psychiatry” in Plath Profiles Essays, Poetry, Reviews, Artwork, Summer 2009, Volume 2 Oates, Joyce Carol ( 1973), “The Death Throes of Romanticism: The Poetry of Sylvia Plath”, in Ariel Ascending: Writings about Sylvia Plath. Paul Alexander (ed.) New York: Harper & Row Perloff, Marjorie (1981), “Sylvia Plath’s ‘Collected Poems: A Review-Essay” in Resources for American Literary Study, Vol. XI, No. 2, Autumn, 1981, p. 304 _____________ (1985), “The Two Ariels: The (Re) Making of the Sylvia Plath Canon” in Poetic License: Essays on Modernist and Postmodernist Lyric, Evanston, IL: Northwestern Univer-sity Press. Rose, Jacqueline (2002), “This is not a biography” in The London Review of Books, Vol. 24 No. 16 · 22 August 2002, pp. 12-15. Vice, Sue (2003), “Sylvia Plath: Ariel” in A Companion to Twentieth Century Poetry (Neil Roberts ed.), London, Blackwell

Webliografia Gerbig, Andrea( 2002) “Trapped in language: aspects of ambiguity and intertextuality in selected poetry and prose by Sylvia Plath – Critical Essay”, disponível em http://findarticles.com/p/articles/mi_m2342/is_1_36/ai_89985877/pg_2/?tag=content Acesso em 4 de Junho de 2012. Plath, Sylvia."A Comparison." Brick, winter 2006, 140-141.Acesso em 4 de Junho de 2012.

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