Texto, território, desterritorialização
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Texto, território, desterritorialização [orelha de Geo-grafias da comunidade, de Frederico Canuto Editora Appris, 2015]
Texto é território. Escrever é, entre tantas outras possibilidades, cartografar, inventar distâncias, medir paisagens, fazer do espaço íntimo o infinito da rua, e também o seu contrário: tornar pessoal e solitário o mundo densamente povoado. A escrita é, nesse sentido, exercício geográfico
registro e partilha de traços, criação de lugares habitáveis,
de comunidades por vir.
Eis o que, como provocação e convite à imaginação, nos propõe o livro de Frederico Canuto, professor e pesquisador da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, a partir da análise minuciosa de dois autores
e de dois textos
centrais
da literatura portuguesa do século XX: Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, e Os passos em volta, de Herberto Helder. Em cada um deles, o autor localiza as coordenadas de um debate sobre o comum, sobre o que significa tomar parte, segundo palavras de Giorgio Agamben (um dos muitos pensadores caros a este trabalho, junto a Jean-Luc Nancy, Walter Benjamin, Roland Barthes e também Silvina Rodrigues Lopes) de uma
identidade, paradoxalmente, não são referências estruturantes e fundamentais. O comum é o inespecífico, nos lembra Canuto, isto é, aquilo que é impróprio e ao mesmo tempo apropriável por todos, por qualquer um. Aquilo que não pertence e é, ao mesmo tempo, objeto possível de um sujeito qualquer. O comum aqui é a linguagem, é o que se faz (ou não faz) com ela.
Proposta ensaística original e verdadeiramente multidisciplinar, Geo-grafias da
comunidade nos mostra que, de modos distintos mas comparáveis, Pessoa e Helder
constroem formas narrativas e tramas poéticas nas quais o espaço é intensamente figurado, assumindo ora dimensões bastante concretas
como é o caso da Lisboa
familiar palmilhada por Bernardo Soares, entrevista em ruas e praças cotidianas, desdobrada em quartos e escritórios
, ora aspectos fantasmáticos, pautado pela
desrealização do mundo exterior, que se torna fluido e movediço como os cenários em que deambula e se fragmenta o narrador de Os passos em volta, misturando países, paisagens e corredores. A partir do que a literatura oferece como potência nesses dois casos-limite da prosa poética portuguesa, o autor realiza a prospecção teórica que o interessa (e que gira, como dissemos, em torno das contradições e possibilidades daquilo que Barthes chamou de viver junto) combinando, para isso, áreas do conhecimento muito diversas entre si como a filosofia
principalmente a ética , a arquitetura, a política, a
teoria da arte e o urbanismo.
Se o autor pôde afirmar que a inquietação e atopia são duas marcas distintivas decisivas dos livros de Fernando Pessoa e Herberto Helder, o mesmo pode ser dito sobre o texto que se tem em mãos. Experimental, sem lugar pré-definido entre os compartimentos estáveis e estanques que a produção acadêmica quase sempre cria para si, Geo-grafias da
comunidade: investigações a partir do excesso da vida e a margem da multidão, inicialmente uma tese de doutorado desenvolvida entre a Faculdade de Letras da UFMG e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL (Universidade Nova de Lisboa), é um livro que desafia o leitor ao retirar dele o chão firme, o território seguro de referências conhecidas e tranquilizadoras. Ao instiga-lo a percorrer um novo local e a produzir novos mapas (outras formas de inscrição e leitura), o livro e seu autor propõem o risco
e também o prazer
Gustavo Silveira Ribeiro UFMG
de encontrar outras formas de pensar e de viver.
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