Textos sobre História das Mulheres

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ANDRÉ [André Bueno] Prefácio Dulceli T. Estacheski

TEXTOS SOBRE HISTÓRIA DAS MULHERES

Rio de Janeiro Ebook, 2016 3

André Bueno [ANDRÉ] Textos sobre História das Mulheres. Prefácio Dulceli T. Estacheski. Rio de Janeiro: Ebook, 2016. ISBN 978-85-65996-44-0 4

ÍNDICE Prefácio, 9 Introdução, 13 Glossário de Autores e Obras, 23 Antologia, 43 Retorno ao templo, Enheduana, 45 Cuidados com a mulher, Instruções de Shuruppak, 48 Leis sobre as mulheres, Código de Hamurabi, 49 Conselhos para lidar com mulheres, Instruções de Ptah-Hotep, 52 O nascimento de Hatshepsut, Inscrição no templo de Hatshepsut, 53 Devoção de Ísis, Hino a Ísis ou Hino do trovão da mente perfeita, 55 Sobre as mulheres, Leis de Manu [Manavadhasrmashastra], 58 Questões femininas, Livro das leis [Arthashastra], 60 Habilidades necessárias à mulher, Livro do desejo [Kama Sutra], 63 Lições femininas, Banzhao, 68 Mulheres fortes – A mãe de Mêncio, Liu Xiang, 71 A saúde da mulher, Tratado interno [Neijing], 72 A tristeza de ser mulher, Fu Xuan, 73 Hino a Terra, deusa-mãe, Hinos Homéricos, 74 Pandora e a origem das desgraças, Hesíodo, 75 Mulheres espartanas, Aristóteles, 79 O cuidado da casa, Aristóteles, 82 Poema de amor, Safo de Lesbos, 84 Consolação a minha mãe Hélvia, Sêneca, 86 O machismo na arte de amar, Ovídio, 89 A mulher sem pudor, Juvenal, 91 O pecado original, Gênesis, 93 A menstruação, Levítico, 96 Respeito pela união conjugal, Levítico, 97 Cuidado com a mulher estranha, Livro dos Provérbios, 99 Sobre as mulheres, Eclesiástico, 101 A mulher adúltera, Evangelho de João, 104 5

Sobre o divórcio, Evangelho de Marcos, 105 Matrimônio ou celibato?, Paulo de Tarso, 106 O véu das mulheres, Paulo de Tarso, 109 Mulheres sábias, Evangelho de Maria Magdalena, 111 Hipácia, a última filósofa do mundo antigo, Damascius, 115 A mulher para os primeiros pensadores medievais, 117 A mulher no Islã, Alcorão, 119 A mulher infiel, As Mil e uma Noites, 123 O filósofo que não sabe amar, Heloísa, 127 Os males humanos, Romance da Rosa, 129 Natividade e virgindade de Maria, Jacopo de Varazze, 133 Assunção de Maria, Jacopo de Varazze, 135 Lilith, a primeira mulher, Alfabeto Ben-Sirá, 137 Mulher, ser defeituoso, Tomás de Aquino, 139 Entre Eva e Maria há uma grande diferença, Alfonso X, 141 Por uma literatura feminina, Cristina de Pisano, 143 A atração das mulheres pelo oculto, O Martelo das Feiticeiras, 149 A tentação da bruxaria, O Martelo das Feiticeiras, 152 Opiniões de pensadores modernos, 154 A miséria das mulheres, L. Thomas, 160 Sobre as mulheres, Denis Diderot, 164 Crítica ao livro de Thomas, Madame d’Epinay, 166 Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, Olympe de Gouges, 170 A igualdade dos sexos e os direitos femininos, Mary Wollstonecraft, 174 Contra a escravidão, Soujourner Truth, 179 Liberdade e educação para a mulher brasileira, Nísia Floresta, 181 Igualdade de direitos no socialismo, August Bebel, 184 Igualdade de direitos entre os sexos no espiritismo, Allan Kardec, 186 Contra a sujeição feminina, Stuart Mill, 189 Sufrágio feminino, Emmeline Pankhurst, 191 O dia da mulher, Alexandra Kollontai, 193 A luta política da mulher socialista, Rosa Luxemburgo, 196 Controle de natalidade e aborto, Margaret Sanger, 199

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A descoberta da sexualidade, Sigmund Freud, 201 Identidades são construídas, Margaret Mead, 205 O segundo sexo, Simone de Beauvoir, 208 De palmares às escolas de samba, tamos aí, Lélia Gonzalez, 212 Revolução sexual, Shere Hite, 216 A luta dos sexos é uma luta política, Kate Millett, 220 A ditadura da beleza, Naomi Wolf, 224 Revendo conceitos, Judith Butler, 228 Falando de gênero, Joan Scott, 231 História das Mulheres no Ocidente, Michelle Perrot, 234 Ecofeminismo, Vandana Shiva, 238 Sejamos todos feministas, Chimamanda Adichie, 241 Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, Nova York, nações unidas, 1979, 243 Lei no 11.340: Lei Maria da Penha. Brasil, 2006, 249 Referências, 259

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PREFÁCIO § A História das Mulheres possui uma trajetória significativa. Sua escrita surgiu como uma forma de superar um longo silêncio em relação a elas, ou romper com o que Joan Scott chama de “problema da invisibilidade” 1 . É interessante notar que os primeiros escritos surgem dando destaque a trajetórias daquelas que eram consideradas ‘grandes mulheres’, rainhas, revolucionárias. A ‘História da Mulher’, que trazia, sobretudo essas biografias exemplares, veio como resposta a uma história que, no século XIX, em seu anseio pela afirmação como ciência, privilegiava determinados temas e fontes dos quais as mulheres estavam excluídas. Com o tempo, passamos a usar o termo ‘história das mulheres’, e isso se deu pela percepção de que não apenas ‘grandes mulheres’, aquelas que se destacavam no espaço público, eram dignas de ter sua história escrita, mas todas as mulheres, todas as pessoas, são sujeitos ativos da história e suas vivências, suas experiências, contribuem para a compreensão histórica das diferentes sociedades. O espaço na academia foi conquistado por feministas que nela ingressavam e passaram a reivindicar debates e disciplinas que considerassem o tema. Eventos foram surgindo, revistas especializadas e as reflexões avançaram ganhando diversidade e maturidade. E isso não foi uma caminhada fácil, já que as discussões em relação a uma legitimidade acadêmica eram constantes. A história das mulheres colocava em xeque uma 1

SCOTT, Joan. El problema de la invisibilidad. In: SCANDÓN, Carmem Ramos (org.) Género y Historia. México: Universidad Autónoma Metropolitana, 1992. p. 38.

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preocupação latente da historiografia, a neutralidade, a imparcialidade. A escrita da história das mulheres é política, é militante. A partir do momento que surge para romper com um silêncio, com uma exclusão, ela toma partido, não é neutra. Rüsen2 afirma que o pensamento histórico depende de carências de orientação causadas por interesses próprios e, portanto, histórias têm que tomar partido, pois são ‘estabilizadoras’ de identidade no fluxo do tempo. A noção de orientação é uma crítica à neutralidade científica. A ciência da História deve orientar a ação humana no presente e assim, a história das mulheres visa, não apenas preencher espaços antes vazios na escrita, mas contribuir para a superação das discriminações de gênero que inferiorizam as mulheres. Uma das preocupações apontadas por pensadoras como Scott 3 e Dias 4 era com uma possível marginalização da história das mulheres. Que ela ficasse restrita a determinados grupos de pesquisa, sempre como um apêndice da História e não como parte dela. Isso foi superado com o crescente avanço nas pesquisas e o número cada vez mais elevado de publicações na área. A história das mulheres não é escrita apenas por historiadoras feministas. Ela é ampla. Passou a ser valorizada por diferentes pesquisadoras e pesquisadores. Diferentes fontes históricas passaram a ser analisadas, diários, imagens, documentos pessoais, bem como registros policiais, jornalísticos, literários, entre outros. Não era a 2

RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: Teoria da História, os fundamentos e métodos da ciência Histórica. Brasília: UnB, 2001. 3 SCOTT, Joan. El problema de la invisibilidade. Op. cit. p. 50. 4 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Teoria e método dos estudos feministas: perspectiva histórica e hermenêutica do cotidiano. In: COSTA, Albertina de Oliveira; BRUSCHINI, Cristina (orgs.). Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992. p. 40.

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falta de fontes o problema da invisibilidade, era a falta de interesse. A obra que aqui apresentamos é reflexo da crescente valorização do tema. O historiador André Bueno assume que essa história é muitas vezes dolorosa por revelar exclusão, inferiorização e violência, porém ao mesmo tempo, sua existência evidencia a humanização da historiografia. Escrevemos para que? Para encher as prateleiras de bibliotecas, sites acadêmicos e currículos ou para provocar o pensamento que pode romper com estruturas discriminatórias ao entender que sim, somos produtos culturais, mas também somos produtores de cultura? Tanto o pensamento exposto pelo autor, quanto a trajetória da história das mulheres, demonstram que a mudança social é possível quando o pensamento histórico é estimulado. A coletânea de fontes aqui apresentada e realizada com maestria pelo autor, é significativa. Perpassa diferentes períodos e espaços históricos e representa uma série de discursos, masculinos e femininos sobre as mulheres. E qual a importância disso? Qual a utilidade de uma obra que resgata trechos de fontes históricas sobre as mulheres? Vejo isso em duas perspectivas: 1. A obra é estímulo para estudantes de história que muitas vezes tem o interesse em pesquisar sobre a história das mulheres, mas desconhecem as fontes possíveis. A leitura desses trechos traz o conhecimento sobre diferentes materiais e diferentes autores e autoras que tratam da temática, sendo útil para quem quer se aventurar nas primeiras leituras. 2. A obra é uma excelente coletânea de textos que podem compor o material didático de docentes. É sabido que o uso adequado de fontes históricas em sala de aula auxilia na aprendizagem histórica de estudantes. Ao analisarem fontes, desenvolvem sua capacidade de pensar historicamente. Como os livros didáticos escolares são ainda 11

precários em relação à inserção da história das mulheres nos diferentes períodos históricos que compõem o currículo, e a formação docente em relação ao tema é recente (quando acontece), estes recortes de fontes podem suprir tal carência. Aprendi muito com a obra. Descobri textos que não conhecia, principalmente em relação a períodos mais antigos da história. É um material que faltava para indicar a novos pesquisadores e pesquisadoras e para utilizar em sala de aula. Uma boa leitura e que ela estimule mais pesquisas, mais escritas, mais debates e mais transformação social. Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski5

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Coordenadora do Projeto Gênero e diversidade: ações afirmativas para combater a violência – UNESPAR; Direção da Revista Mais que Amélias http://rstmaisqueamelias.wix.com/maisqueamelias

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INTRODUÇÃO § Após adquirir certa experiência em produzir alguns livros fontes no campo da História Asiática6, comecei a delinear o projeto de construir um novo livro fonte sobre a História das Mulheres. O tema já estava presente, de modo específico, nas outras produções. Todavia, esse empreendimento exigiria um esforço bastante amplo, tanto em termos materiais como espaciais. A História das Mulheres no mundo é um tema vastíssimo, que pode ser abordado de múltiplas formas. Como minha pretensão era de criar um livro fonte, isso exigiu certas limitações de propósito. O objetivo do livro, em si, não é o de se tornar uma antologia definitiva ou completa: mas, antes de tudo, uma coleção de fragmentos sobre a História das Mulheres, com fins didáticos, que poderia ser utilizada como instrumento de aprendizagem histórica ou simplesmente, como referencial de pesquisa. A unidade da pesquisa, portanto, foi centrada em dois pontos fundamentais: a imagem e o feminino. Os fragmentos recolhidos visam proporcionar uma imagem da mulher num determinado período, contexto histórico e sociedade. Obviamente, tais relações variam: no caso de civilizações como Egito ou Mesopotâmia, falamos de processos históricos fundadores, que já não mais existem de forma direta, mas que influenciaram diretamente a história europeia e asiática. Já Índia e China construíram sistemas culturais que atravessaram a história, dando uma continuidade sem precedentes para seus alicerces morais e intelectuais. Seria na 6

Cem textos de História Chinesa [2009]; Cem textos de História Indiana [2010]; Cem textos de História Asiática [2011]; Textos de História da China Antiga [2016]; Textos de História da Índia Antiga [2016].

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Europa, pois, que a construção de uma nova perspectiva sobre o Feminino iria se fundar e revolucionar a história humana, principalmente a partir do século 19. Desse momento em diante, pode-se dizer que a maior parte dos fragmentos responde, igualmente, ao surgimento e desenvolvimento dos movimentos feministas. Novamente, foi necessário aqui fazer uma escolha de sentido nos textos. Há uma vasta literatura escrita por mulheres; e todas elas são fontes para a pesquisa histórica de uma determinada época. Contudo, como comentei anteriormente, o objetivo do livro é mais restrito; um empreendimento que tentasse englobar todas as escritoras seria monumental, levaria anos, e demandaria um trabalho que, admito, não teria condições de fazer sozinho. Assim, retornei a unidade proposta dos textos, buscando encontrar neles a imagem da Mulher que constituía o imaginário de uma época. Havia divergências, obviamente. O pensamento grego clássico sobre o feminino, por exemplo, é sinteticamente bem exposto por Aristóteles; mas Safo já fora capaz, antes dele, de mostrar as falhas do discurso ‘oficial’, revelando uma mulher autônoma e independente. Nesse ponto, é sempre bom lembrar um conceito fundamental do pensamento histórico chinês, que nos serve de baliza aqui: todo discurso oficial é uma tentativa de impor uma ideologia. Isso tanto pode significar que muitos compartilhavam dele, enquanto muitos outros faziam algo bastante diferente – e por isso, alguém precisava idealizar, legislar e aplicar tais propostas para impor, de cima pra baixo, uma visão de mundo. Ademais, o tema da História das Mulheres, hoje, é multifacetado. Por conta disso, a escolha das fontes aqui presentes foi pensado, conscientemente, como objeto de críticas. Alguns poderão objetar que o livro é tendencioso em tal ou tal sentido. Minha intenção foi montar um quadro geral, o que me levou a colocar fontes 14

díspares e conflitantes, dependendo do ponto de vista do leitor. A ideia é essa mesma: como historiador, penso que precisamos construir consciência crítica, e essa mesma consciência não virá sem uma análise prudente e lúcida das fontes. Afinal, a escolha dos fragmentos foi um processo longo e, muitas vezes, doloroso. A antiguidade tentou suprimir a voz feminina, e por isso, as leituras que temos são basicamente feitas por homens. Há brechas; mas o que temos pra ler é, de certa forma, o ‘discurso oficial’, aquilo que se pretendia a ‘mentalidade corrente’. Até o período moderno, isso seria basicamente uma regra – com as exceções notáveis de Heloísa e da pensadora medieval Cristina de Pisano, como veremos adiante. Há um sofrimento muito grande nesse material: raiva, desconfiança, insegurança e violência. Alguém poderia afirmar que, tendo em vista que a história [qual? feita por quem?] delegou ‘esse papel para a mulher’ – de ser submissa, reprimida –, discutir a História das Mulheres seria a tentativa de contestar um tabu cultural. Ora, a leitura desses fragmentos mostra justamente que a Humanidade evolui, ainda que isso demore. Se o argumento de que ‘o passado é melhor que o presente’ fosse verdadeiro, então, ainda usaríamos sangrias ao invés de aspirina. Isso se aplica às questões morais: a moralidade e os costumes tem se modificado, e num sentido positivo. Apesar da luta árdua que ainda se encontra pela frente, a conquista dos direitos humanos tem se ampliado em várias direções. A escravidão, antes geral, hoje é abominada; o racismo, antes comum, é combatido; o mesmo pode ser dito da luta empreendida para mudar a situação da Mulher na História humana. Ela se constrói como um contínuo processo de luta. Mas, apesar de suas raízes históricas, suas conquistas são muito recentes. Para termos uma ideia, como referência, o direito a voto só surge no século 20; a convenção para erradicação da violência 15

contra a mulher só foi firmada em 1979. Isso significa, portanto, que ainda temos muito a fazer em termos educacionais. O contexto atual diverge amplamente em como tratar essas questões, oscilando muitas vezes em direção aos extremos. E, no entanto, muitas vezes o meio ideal só surge da compreensão e do alcance desses extremos. Mas quaisquer mudanças ou mediações só podem ser estabelecidas com conhecimento das condições históricas que permearam esse processo – e muitas vezes, é o próprio conhecimento, justamente, um dos elementos mais ausentes nas discussões atuais. Ao mesmo tempo, a vivência líquida da modernidade [como diria Zygmunt Bauman] nos leva a rever as condições de que dispomos para analisar nossas vivências e experiências pessoais e sociais, conjunto esse cuja dimensão é fundamental para estabelecer nosso papel nas mudanças culturais. Assim sendo, a construção desse livro objetiva a criação de um instrumento para o ensino e a aprendizagem histórica. Sendo um ponto de partida, esperamos que ele sirva como material para reflexão e formação, fornecendo subsídios para uma discussão mais consciente sobre nossa história e sociedade. Uma breve introdução histórica Essa concisa introdução histórica não se pretende uma História das Mulheres completa e acabada. Antes de tudo, nos dispomos a montar um roteiro geral para guiar na leitura dos textos escolhidos. Pode-se dizer que a História escrita sobre o feminino acompanha o desenvolvimento das sociedades patrilineares, fundadas no domínio da agricultura e do pastoreio. Antes disso, é possível que existissem muitas comunidades nômades e semi-nômades matrilieneares. Um grande conjunto de evidências nesse sentido 16

foi levantado por historiadores como J. Bachofen e Marija Gimbutas. Bronislau Mallinowski e Margaret Mead provaram, no campo da antropologia, a viabilidade dessas hipóteses. Contudo, o alvorecer da urbanização humana, em algum momento distante entre o 10º e o 5º milênio aec, trouxeram o fortalecimento gradual e contínuo da ideologia patriarcal. As sociedades antigas da Mesopotâmia, Egito, Índia e China nos mostram os traços desse processo, em que os sistemas matriarcais e patriarcais conviveram durante um longo período, envoltos em conflitos e apropriações. As formações sócio-culturais dessas civilizações – seus mitos, crenças, linguagem, costumes – mostram inúmeras aberturas ao feminino, revelando sua presença ativa, e a tentativa de evitar uma completa submissão ao patriarcalismo. Todavia, a preponderância do masculino firmou-se. As legislações, a escrita autoral, as produções intelectuais, a sua grande maioria será masculina, e masculinizada; a produção feminina decai, ou não se salva. As exceções, porém, nos mostram as falhas de um enganoso discurso misógino. Enheduana, a sacerdotisa acadiana, é a primeira autora reconhecida na história mundial. Antes dela, todos os textos são de autores desconhecidos – usualmente, atribuídos a alguém, ou ao seu personagem principal – mas ninguém sabe de fato quem os fez. Enheduana nos mostra, pois, que naquela época muitas mulheres sabiam ler, escrever, e defender seus direitos – com sucesso, inclusive – numa sociedade em que os escribas eram homens. Como dissemos antes, a questão é que as civilizações da Mesopotâmia e do Egito desapareceram, mas deixaram seu legado. O ‘Hino do Trovão da mente perfeita’, que apresentamos nessa coletânea, é um exemplo disso: o texto louva a ‘Sabedoria’, fundindo sincreticamente a figura da Sophia grega, judaica e egípcia. Fragmentos de sua escrita e estilo reproduzem passagens 17

egípcias. Por isso, ele também é considerado um Hino a Isis – numa época em que a religião egípcia tradicional declinara quase ao fim. Por outro lado, Indianos e Chineses, embora de culturas muito diferentes, conseguiram manter uma continuidade cultural duradoura. Por isso, os textos usados aqui, apesar de centrados na antiguidade, serviram por milênios na história dessas civilizações – e como tal, mostram as dificuldades de ser mulher no mundo asiático. O mundo Greco-romano era igualmente masculinizado. Alguns dos mitos fundadores da cultura ocidental estão ali: Pandora, que libertou todas as desgraças sobre a face da terra; que ela deve ser dona de casa, como disse Aristóteles; que toda mulher é disponível e não resiste a uma sedução bem feita, como diz Ovídio; e que nenhuma delas é confiável, como informa Juvenal. O conjunto Judaico-cristão não seria muito diferente: o pecado original de Eva está na Bíblia, junto com as determinações rígidas do Levítico, e as recomendações vigilantes dos textos de Sabedoria. A figura paradigmática de Jesus manifesta um papel especial à mulher; mas as austeras recomendações de Paulo defenderão novamente sua submissão. O Evangelho apócrifo de Magdalena, porém, mostra que nem todos os cristãos concordavam com isso no início. Mas os pensadores envolvidos na consolidação do Cristianismo trabalharam assiduamente para apagar essa subversão feminina. Hipácia, em Alexandria, a última grande filósofa do mundo antigo, foi apedrejada até a morte pela turba cristã instigada pelo bispo Cirilo; Tertuliano e Agostinho teriam sérios problemas com a castidade e a concupiscência, recomendando distância e controle do feminino; por fim, Isidoro de Sevilha, mostra a tônica da sabedoria medieval sobre a mulher, afirmando que o sangue menstrual deixa a terra infértil... 18

A Idade Média une o romano ao cristão, criando os três modelos femininos do imaginário: Eva, Maria e Madalena [a pecadora, a pura, e a arrependida, respectivamente]. Elas são cantadas, louvadas e tomadas como referência. O amor cortês as torna distante, objetos de veneração, de erotismo contido. Mas são submissas. Exceto, claro, Heloisa. Apesar das tentativas de Abelardo, ela recusou-se a casar com ele. O filósofo não sabia o que fazer. Reclamou, passou pelas suas calamidades, mas não conseguiu dela o compromisso que ela não quis lhe dar. Casos como esse nos mostram que as mulheres podiam ter mais opinião do que se costuma acreditar. Mas foi Cristina de Pisano, e seu livro A Cidade das Damas, que mudaram de forma significativa esse panorama. A experiência com uma literatura absolutamente masculina transtornou a autora; ela se revolta, e elabora um texto inteiramente dedicado a Mulher. Tão bom que sobreviveu ao tempo. Muitas outras escritoras mulheres já existem nessa época: mas seus textos funcionam dentro da lógica cultural e religiosa do momento. Elas conquistaram espaço, mas não mudaram radicalmente as regras do jogo. Cristina de Pisano, porém, estava disposta a inventar um novo. A Idade Moderna respondeu a essas liberdades com a ampliação massificada da caça às bruxas e hereges. Muito se fala da Inquisição na Idade Média, quando ela teria surgido; mas ela atuou com muito mais ênfase e violência, de fato, quando as primeiras caravelas do novo mundo antropocêntrico singravam o mar. O Martelo das Bruxas, junto com o Manual do Inquisidor, se transformam nos dois grandes guias para reprimir bruxas, hereges, judeus, muçulmanos, pobres, loucos ou simplesmente diferentes. O Estado nascente, junto com a Igreja, buscava manter o monopólio da violência por meio da escolha de novos inimigos. 19

A massa, ignorante, aplaudia a execução dessas ameaças, e a tomada de seus bens. E nesse processo, a Mulher é indiciada como a criatura fadada ao serviço das trevas. Desde Eva, ela cede a tentação ao Mal. O curso da história transformaria, aos poucos, essa situação. A França e a Inglaterra do final do século 18 apresentam um mundo radicalmente diferente. Muitas já escrevem, estudam, debatem sua própria condição junto à sociedade. Quando L. Thomas lançou seu desastrado livro sobre a História das Mulheres, em 1772, ele foi criticado por pensadores e pensadoras importantes. Como veremos, o debate surgido desse episódio frutificou numa constatação importante para a história acerca da condição feminina e sua construção cultural. O final desse século revela mulheres revolucionárias, como Olympe de Gouges e Mary Wollstonecraft. Essa é uma questão importante: elas estão protagonizando a mudança de suas posições dentro da sociedade, buscando suas próprias conquistas, e não apenas concessões pontuais. No Brasil, Nísia Floresta responderá a esse desafio, tornando-se, no século 19, a primeira feminista no Brasil Imperial, lutando pela educação da mulher e pela igualdade de direitos. O século 19 foi intenso. A conscientização pelos direitos femininos alcançou novos patamares. Em meio a filósofos misóginos como Schopenhauer e Nietzsche, Stuart Mill combate de forma lógica e coerente a sujeição feminina. A literatura produzida pelas mulheres aumentara significativamente. O movimento espírita francês revoluciona o Cristianismo, afirmando que a espiritualidade não possui sexualidade definida. Delineiam-se dois tipos de feminismos nessa época: um defendia a integração mais abrangente das mulheres nas atividades políticas e públicas, desenvolvido principalmente na Inglaterra e Estados 20

Unidos. Outro modelo é o feminismo socialista, que propunha um novo modelo de sociedade igualitária, mostrando que sem equilíbrio econômico e legal, não haveria equidade moral e cultural. Na virada do século 19 para 20, uma geração de mulheres revoluciona a história: Emmeline Pankhurst e o movimento sufragista alcançam o direito a voto em 1918 na Inglaterra. Alexandra Kollontai e Rosa Luxemburgo trabalham por um novo modelo de civilização socialista, no qual o papel da mulher seria valorizado. O século 20 marcaria a grande transformação na história da História das Mulheres. Foi um longo século, como os fragmentos escolhidos nos mostrarão. As mulheres protagonizaram a formação de suas próprias linhas de pensamento sobre a História das Mulheres. Essa experiência seria multifacetada, e não isenta de contradições, discussões e questionamentos. Todavia, a inserção acadêmica feminina cresceu consideravelmente, e esse movimento esteve intimamente ligado tanto à constatação das capacidades e conhecimento científico da Mulher quanto a sua ação política e social, marcada pelo ativismo e pela preocupação constante pela construção de mudanças culturais necessárias. A instituição de Leis universais, salvaguardando os direitos da Mulher, marca avanços notáveis; mas o século 21 será, ainda, um grande desafio. Há muito ainda para se fazer no campo da educação, buscando-se preparar os seres humanos para uma sociedade mais justa, equilibrada, menos preconceituosa, ignorante e violenta. Nesse sentido, esse pequeno trabalho se propõe, pois, a ser uma humilde contribuição.

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GLOSSÁRIO DE AUTORES E TEXTOS § Enheduana Princesa e sacerdotisa do período Acádio, em torno do século 23 aec. É dela o primeiro texto com autoria reconhecida na história da humanidade. No Nin-me-sara, Enheduana narra como foi expulsa de seu templo por um rei [Lugal-Ane], mas após invocar a deusa Inanna [Ishtar] e apelar para o imperador Sargão, ela consegue sua posição de volta, retomando o controle do santuário dentro da cidade de Ur. Além desse texto, ela também escreveu vários hinos religiosos, dando início ao fenômeno da autoria. Instruções de Shuruppak Texto do 3º milênio aec. De autoria desconhecida, narra como Shuruppak teria instruído Ziusudra [em acádio, Utnaphstin, o Noé mesopotâmico] em uma série de conselhos morais, necessários à uma vida adequada. É um classificado como um dos ‘textos de sabedoria’ da literatura suméria. Hamurabi Soberano babilônico do século 18 aec, teria empreendido diversas conquistas na Mesopotâmia, tornando-se um soberano poderoso. Seu código, famoso na história mundial do Direito, consolida a concepção de uma lei universalista, que abrangesse povos e culturas diferentes. O principio fundamental era a equiparação da pena ao crime, embora haja diversidade de punições na obra. Não foi o primeiro dos códigos jurídicos mesopotâmicos, mas foi o primeiro preocupado em criar uma lei comum a todas as sociedades submetidas aos babilônios. 23

Instruções de Ptah-Hotep Inserido na literatura de sabedoria egípcia, os conselhos ou instruções dados por Ptah-Hotep se assemelham ao texto de Shuruppak. Ptah teria sido tjati [primeiro ministro, ou vizir] do faraó, e de sua experiência de vida, ele extrai as orientações que dá para o filho, de modo a encontrar uma vida segura e longa. Inscrição no templo de Hatshepsut Hatshepsut foi uma das faraós mulheres na história do Egito, tendo sido sua administração extremamente bem sucedida em vários campos. Uma das primeiras mulheres a escrever seu nome na lista dos grandes soberanos da antiguidade, área usualmente dominada pelo masculino. Hino a Ísis ou Hino do Trovão da Mente Perfeita Ísis era uma das principais divindades do Egito, sendo considerada a Mãe de todos. Progenitora de Hórus, o deus que governava o Egito, Ísis era representada também na forma de uma mãe que amamentava o filho, criando a iconografia mundialmente conhecida da mãe com o filho no colo, encontrada em quase todas as culturas mediterrânicas e depois, no Cristianismo. O hino em questão foi feito numa época em que o paganismo declinava [em torno dos séculos 1 a 3ec], mas encontrava-se vivo por meio de sincretismos com o Judaísmo e o Cristianismo. Esse é um dos textos encontrados em Nag Hammadi, Egito, pertencente a uma vasta coleção de textos gnósticos originais. Leis de Manu [Manavadhasrmashastra] Texto de autoria desconhecida, mas atribuído a Manu [o Noé indiano], que teria redigido esse código de leis após o renascimento do mundo pós-diluviano. É possível que tenha sido 24

escrito em torno de 1500 aec, mas não há certeza sobre essa data. Ele diz respeito ao aspecto da manutenção do principio religioso da cultura, Dharma, apresentando a lista de restrições das castas e sexos. Livro das Leis [Arthashastra] Escrito por Kautilia [370-283?aec], o ‘Maquiavel’ indiano, o livro aborda as leis sociais [Artha], criando um meio de disciplinar a conduta humana através de regras raciocinadas. Livro do desejo [Kama Sutra] Kama [desejo] é o terceiro aspecto fundamental da mentalidade religiosa hindu, e tema do livro de Vatsyayana [século 2ec?]. Diferente da visão comum ocidental, o livro propõe, de fato, a articulação do casamento, do prazer e da vida a dois como uma das questões fundamentais na existência humana. Quase todo o livro trata, pois, de regras e conselhos para o bom casamento. Banzhao Autora do século 2ec, intelectual reconhecida na corte chinesa da época, foi historiadora oficial e filósofa. Seu livro, Lições Femininas [Nujie], é um controverso texto de conselhos para a boa conduta da mulher em sociedade. Liu Xiang Historiador, Liu [77-6aec] escreveu uma Biografia de Mulheres Notáveis [Lienu Zhuan], no qual destacava modelos de mulheres boas, más, inteligentes, imorais, entre outras. A mãe de Mêncio é um texto famoso, pois mostra uma mulher sozinha que fez tudo ao seu alcance para tornar seu filho um sábio. Mãe Meng é um exemplo feminino de dedicação e força na cultura chinesa. 25

Tratado Interno De autoria desconhecida, o Tratado Interno [Neijing] é um texto do século 1 ou 2 ec, fazendo uma explanação abrangente sobre a questão da saúde e da medicina na cultura chinesa. Fu Xuan Poeta e intelectual destacado, viveu no século 3 ec, num período conturbado da história chinesa. Parte substancial de seus poemas são sobre as mulheres, manifestando sua admiração e preocupação com o feminino. Hinos Homéricos Coleção de Hinos atribuídos ao escritos Homero [séc. 10 aec], sem data identificada, mas preservados pela tradição grega. Hesíodo Junto com Homero, foi o outro grande escritor do período pré-clássico grego. É Hesíodo [séc. 8aec] que lança o Mito de Pandora, no qual a mulher é origem de todas as desgraças humanas. Seus livros principais são Teogonia [Origem dos Deuses] e Os Trabalhos e os dias, nos quais apresenta-nos essa história. Aristóteles Um dos grandes nomes da filosofia grega no século 4aec, Aristóteles [384-322aec] escreveu uma vasta obra filosófica, mas suas considerações sobre o feminino repercutem as ideias da época. Aqui, analisaremos um fragmento da Política e outro de Economia [que significa ‘cuidado da casa’].

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Safo de Lesbos Conhecida escritora e poetisa grega, fundadora de uma escola feminina, legou poesias belíssimas para a humanidade. Sua relação amorosa com uma de suas alunas grifou o termo ‘Lesbianismo’, embora Safo mantivesse relações amorosas com ambos os sexos [Vida: séc. 7 aec]. Sêneca Pensador romano [-4aec -65ec], seguidor do estoicismo, foi um dos mentores do imperador Nero. Em Consolações a Mãe Hélvia, Sêneca chama a matrona aos deveres de sua posição, dentro da lógica machista romana. Ovídio Arte de Amar é o livro que inaugura o mito machista de que todas as mulheres são seduzíveis, e que só são infelizes as decepcionadas. Ovídio [43aec – 18ec] é considerado um dos grandes nomes da literatura latina, e nesse livro, ele revela muito das práticas machistas romanas. Juvenal Juvenal [60-127ec] escreveu suas Sátiras, e a número 6, em especial, traz uma forte carga misógina. Nesse texto, o autor mostra o desprezo romano pela condição feminina, e sua preocupação com a dominação do sexo oposto. Gênesis Texto inicial do Antigo Testamento, mas de redação ou edição atribuída a Moisés [séc. 13aec?]. Nesse fragmento, o Mito de Eva e o pecado original, que marcariam a história do Ocidente, são apresentados. 27

Levítico Parte do Antigo Testamento que mostra uma série de normas para a vida religiosa na comunidade judaica antiga. Livro dos Provérbios Atribuído ao Rei Salomão [séc. 10aec?], mas as datas e autorias de fato são incertas. Há um grande paralelismo desse texto com os Conselhos de Amenemope, do Egito, o que levanta discussões sobre possíveis intertextualidades. O livro se insere na tradição dos livros de conselhos do Oriente antigo, todo organizado em aforismos. Eclesiástico Um dos poucos livros de Sabedoria aceito e amplamente utilizado nas comunidades judaica e cristã. Na Idade Média, ele foi bastante utilizado pela Igreja cristã, e será amplamente utilizado e citado no Martelo das Feiticeiras. Evangelho de João, Evangelho de Marcos e Paulo de Tarso Textos integrantes do Novo Testamento, que marca o surgimento dos textos cristãos. Os Evangelhos são atribuídos tradicionalmente aos apóstolos, mas não há comprovações plenas disso. Quanto a Paulo [5-67ec], este foi um dos grandes difusores do pensamento cristão no Mediterrâneo, imprimindo uma nova face para o Cristianismo, tornando-o ecumênico e universalista. Aqui, o fragmento presente é a Primeira Carta aos Coríntios, quando ele dialoga com a comunidade cristã de Corinto. Evangelho de Maria Magdalena Escrito apócrifo, do início do Cristianismo, provavelmente dos séculos 1 ao 3 ec. Propunha que Maria Magdalena era uma das 28

apóstolas de Cristo, superior mesmo aos homens, e uma das principais divulgadoras do Cristianismo nascente. Esse evangelho desenhava um novo papel para a mulher dentro do pensamento cristão pós-Paulino, mas acabou sendo banido. Damascius Escritor do século 6ec, escreveu uma Vida de Isidoro, filósofo cristão que teria sido companheiro de Hipácia. Curiosamente, é o trecho sobre Hipácia que mais se destaca em sua obra, enquanto Isidoro foi eclipsado pela história. Tertuliano Pensador cristão radical, um dos mais severos combatentes dos costumes pagãos [após sua conversão], adepto de uma teologia de culpabilidade e severidade contra o pecado. Dono de vasta obra, no qual a figura feminina não é valorizada.[Vida: 160-220ec] Agostinho de Hipona Considerado um dos pais da Igreja cristã, Agostinho [354-430ec] teve uma trajetória de vida conturbada, que o levou a conversão após um esgotamento espiritual. Agostinho tinha um ponto de vista complexo, que é objeto de debate até os dias atuais. Seu tratamento ao feminino era severo e distante; todavia, era grande admirador de sua mãe, considerada por ele modelo de mulher. De qualquer modo, a leitura de seus textos aponta para o surgimento do modelo interpretativo Eva-Maria-Magdalena, que veremos no mundo medieval. Isidoro de Sevilha Um dos principais escritores da Antiguidade Tardia, realizou uma reinterpretação do vocabulário latino dentro de moldes filosóficos. 29

Sabe-se hoje de muitos equívocos de sentido que o mesmo teria criado: todavia, sua obra foi referência no pensamento medieval posterior.[Vida: 560-636ec] Alcorão Livro sagrado e fundador do Islamismo, cuja redação teria começado ainda no tempo de vida do profeta Muhammad [Maomé], no século 7ec. O texto estrutura os fundamentos da história, das crenças e práticas da religião islâmica, sendo um dos textos religiosos fundamentais da história da humanidade. As Mil e uma Noites Coleção de histórias diversas, redigido em árabe, e composto em torno do século 9 ec. Os episódios são entrelaçados por uma história central, narradas pela princesa Xerazade, a grande heroína do romance. O rei Chariar, cansado de ser traído, institui a lei terrível de deitar-se com mulheres e executá-las na manhã seguinte. O terror se instaura em seu reino, e é a sabedoria de Xerazade, ilustrada pelas diversas histórias que conta, que o levarão a mudar de ideia. Heloísa Heloísa [1090-1164ec] foi um jovem estudante de filosofia no período medieval, cujo romance com o pensador Abelardo tornou o casal famoso. Embora conheçamos melhor A História de minhas calamidades, de Abelardo, as cartas trocadas entre Heloisa e ele mostram o quão inteligente e ousada essa jovem era. No fragmento dessa antologia, Heloísa critica o comportamento de Abelardo em relação a sua estreita visão de amor.

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Romance da Rosa Romance francês do século 13 ec, escrito primeiramente por Guilherme de Lorris, e continuado por Jean de Meun. É a obra-prima do amor cortês medieval, que nos mostra a construção de muitos personagens do imaginário medieval em relação ao feminino. Jacopo de Varazze Autor italiano [1228-1298] que redigiu a Legenda Áurea, resgatando a biografia dos principais santos da igreja católica. Sua obra uma enciclopédia da vida dos santos, fundamental para conhecermos esses personagens basilares na história cristã. Alfabeto Ben-Sirá Texto judaico de autoria desconhecida, que teria sido composto em torno do século 8ec. No entanto, só foi conhecido muitos séculos depois [em torno do século 12 ec], encontrando uma divulgação razoável na Europa Medieval. O texto traz tradições folclóricas do Judaísmo, incluindo o mito de Lilith – que depois, foi incorporado as tradições de feitiçaria ocidentais. Tomás de Aquino Considerado o grande ‘Doutor da Igreja’, o italiano Tomás Aquino [1225-1274] foi canonizado por escrever sua Suma Theologica, na qual conseguia cumprir o desafio de unir Aristóteles e Pensamento Cristão. Em sua consideração, a Mulher era um ‘ser defeituoso’, incompleto, reforçando os velhos estereótipos cristãos, como veremos adiante. Alfonso X Rei de Castela e Leão [1221-1284ec], era considerado um sábio, 31

pensador ativo, que empreendeu uma reforma na escrita, estimulou os estudos nos mais diversos campos filosóficos e ainda, devoto fervoroso de Maria, organizou as Cantigas de Santa Maria – coleção de quatrocentos e trinta cantigas e poemas de louvor a Nossa Senhora. No fragmento selecionado, vemos claramente o embate do modelo feminino medieval ‘Eva x Ave [Maria]’. Cristina de Pisano Intelectual e escritora veneziana [1363-1430ec], sua obra marca um momento de inflexão na literatura mundial. Cidade das Damas é o primeiro livro ocidental a questionar o papel masculinizado da literatura e da filosofia, propondo um novo modelo de pensar através da ótica feminina.

O Martelo das Feiticeiras , de Heinrich Kraemer e James Sprenger Publicado em 1487, esse manual de caça as bruxas marcaria o tom da Idade Moderna europeia: a perseguição cruel e insana contra as bruxas, escolhidas muitas vezes entre as mulheres pobres, prostitutas, judias ou simplesmente, indefesas. A inquisição, nesse momento, buscava retomar as rédeas do poder religioso numa Europa convulsionada por crises sociais e culturais. Nicolau Maquiavel Conhecido pela razão prática na política, o pensador florentino [1469-1527ec] não atentou as questões de gênero em sua época, mas revela em um curto fragmento de sua obra máxima, O Príncipe, sua noção sobre o tratamento feminino. Michel de Montaigne Em seus Ensaios, o escritor francês Michel de Montaigne 32

[1533-1592ec] erudito de amplos conhecimentos clássicos, revela uma visão diferenciada e consciente com relação ao feminino, mostrando uma mudança lenta e gradual do pensamento europeu. Jean Bodin Francês [1530-1596ec], Jean Bodin escreveu Os república, propondo uma análise dos sistemas história. Ele considerava a Ginecocracia [governo uma das piores possibilidades políticas existentes, sua concepção sobre o feminino.

seis livros da políticos na de mulheres] manifestando

Martinho Lutero O grande reformador alemão [1483-1546ec] tinha uma visão controversa sobre a questão da mulher. Sua ampla obra parece contraditória, ora concedendo um papel relevante à mulher, ora caindo numa misógina clara. Uma leitura definitiva de suas posições constitui um objeto de difícil definição, e passível de debates contínuos. João Comenius Comenius é conhecido pela sua fundamental obra educativa, a Didática Magna, um dos textos iniciadores da moderna pedagogia. Em sua visão, a educação deveria ser proporcionada igualmente para as mulheres, embora suas opiniões sobre o feminino ainda estivessem carregadas de preconceitos próprios da época. [1592-1760ec] Immanuel Kant O notável pensador alemão I. Kant [1724-1804ec] aprofundou-se nos mais diversos campos do pensamento e da ciência, 33

constituindo uma obra paradigmática. Todavia, suas observações antropológicas sobre a questão sexual eram absolutamente conservadoras, repetindo considerações próprias da época, sem ter nada acrescentado nesse quesito. Leonard Thomas Em 1772, Antoine Leonard Thomas lançou, na França, o seu livro O ensaio sobre o caráter, os costumes e o espírito das mulheres em diferentes séculos. O livro foi criticamente arruinado por não menos que Denis Diderot e Madame d’Epinay, duas das maiores figuras intelectuais francesas da época. O autor era reconhecidamente virgem sexualmente, e por isso, considerado por seus detratores como ‘inapto’ para a missão de falar do outro sexo. Além disso, ele trazia uma série de informações que eram razoavelmente conhecidas na época, o que parecia torná-lo redundante. Todavia, a enxurrada de críticas tornou o livro abominável – e ao mesmo tempo, um sucesso – justamente por ser tão criticado. Thomas, porém, lançara indiretamente a pergunta que influenciaria, de modo profundo, o pensamento sobre o feminino nos séculos seguintes – questão essa reconhecida mesmo por Diderot e D’Epinay, e talvez só resolvida com Simone de Beauvoir: o que é ser mulher? Denis Diderot No ensaio Sobre as Mulheres, o iluminista francês [1713-1784] Diderot busca responder a obra de Thomas, criticando-a nos mais diversos aspectos. Suas reflexões, porém, apontam para o surgimento de novas questões no campo da História das Mulheres.

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Madame d’Epinay Pensadora francesa, ativa, de vasta obra literária, correspondente de Diderot, Rousseau, D’Alembert e Von Grimm, mas praticamente desconhecida no Brasil. Premiada na época [1783] por sua produção literária, escreveu uma carta sucinta sobre a obra de Thomas, mas cujo trecho, esclarecedor, mostra muito sobre a consciência crítica de suas posturas intelectuais. [1726-1783ec] Olympe de Gouges Na escalada política da Revolução Francesa, as mulheres pareciam esquecidas. Olympe de Gouges [1784-1793ec] assistiu a proclamação dos Direitos do Homem, mas não das Mulheres. Reagiu escrevendo o efemérico Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, documento que marca uma clara mudança de atitude em relação à participação feminina na política. Como muitas, na época, foi executada. Sua frase: ‘a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, então ela deve ter o direito igualmente de subir à tribuna’ fora premonitória sobre a intolerância que as mulheres teriam que enfrentar doravante. Mary Wollstonecraft Do outro lado do Canal, a inglesa Mary Wollstonecraft [1759-1797ec] iniciara também a luta pelos direitos das mulheres inglesas. Escreveu o seu livro Reivindicação dos Direitos da Mulher [A Vindication of the Rights of Woman, 1792], e participou da Revolução Francesa, tentando difundir suas ideias, na mesma época que Olympe de Gouges. Acabou viajando por toda a Europa, voltando ao Inglaterra por fim, mas continuou sempre ativa na luta pelos direitos da Mulher.

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Soujourner Truth Falecida em 1883, a ex-escrava americana Soujourner Truth colocou seu nome na história ao realizar, em 1851, um célebre discurso contra a escravidão. Simples, direto, consciente, sua breve apresentação marcou a história dos Estados Unidos, sendo registrado e difundido como uma importante peça na luta contra a Escravidão. Nísia Floresta A primeira feminista brasileira, Nísia Floresta [1810-1885ec] escreveu um importante tratado sobre a questão da igualdade no país, intitulado ‘Direitos das mulheres e injustiça dos homens’ [1832]. Sua inspiração teria sido a leitura de Mary Wollstonecraft, mas Nísia revela originalidade própria, adaptada a realidade brasileira. É, pois, uma autora fundamental na compreensão da História de nosso país. August Bebel Revolucionário socialista alemão [1840-1913ec], cuja obra mostra a preocupação em criar uma nova concepção de igualdade sexual a partir do socialismo. Allan Kardec Fundador do Movimento Espírita, Kardec [França, 1804-1869ec] publicou sua primeira grande obra espiritualista, o Livro dos Espíritos, em 1857. Nela, era defendida a igualdade entre os sexos, posto que o espírito, em sua essência, não teria sexualidade definida. O mecanismo da reencarnação garantiria, igualmente, que os espíritos revezassem de corpos, podendo ser homens ou mulheres em vidas distintas. 36

Stuart Mill A sujeição das mulheres é o texto fundamental do pensador inglês Stuart Mill [1806-1873ec], que defendeu vigorosamente a instituição dos direitos femininos e o seu direito a voto. Nele, o autor examina, numa interpretação filosófica e histórica, a questão da submissão e da igualdade feminina na sociedade. Emmeline Pankhurst Ativista inglesa [1858-1928ec] do sufrágio feminino, suas estratégias para chamar a atenção pública foram consideradas violentas e ilegais, levando-a a prisão e a várias condenações. Ela dividiu o movimento feminino inglês, e publicou suas memórias, Minha própria história, em 1914, defendendo seus pontos de vista. Conseguiu, porém, o direito a voto, reconhecido na Inglaterra em 1918. Alexandra Kollontai Revolucionária russa [1872-1952ec], uma das principais pensadoras do feminismo socialista, uma alternativa integradora e equitativa do papel dos sexos na sociedade. Aqui, apresentamos o fragmento em que ela defende a instituição do Dia da Mulher, tal como hoje conhecemos. Rosa Luxemburgo Intelectual socialista de origem russa [Vida: 1871-1919ec], mas que atuou principalmente na Alemanha, onde viveu até o fim da vida, quando foi executada pela polícia. Uma das principais articuladoras do fracassado movimento socialista alemão para governar o país, após o final da Primeira Guerra. Rosa nos apresenta um importante texto sobre como o papel da mulher estava indissociavelmente ligado à luta de classes. 37

Margaret Sanger Pensadora americana [1897-1966ec], responsável pela popularização de métodos contraceptivos e pela teoria do controle de natalidade. Embora sua defesa sobre a posse do corpo feminino pela própria mulher seja considerada legítima, sua trajetória intelectual foi maculada pelo envolvimento com teorias eugenistas, racistas, xenofóbicas, por sua associação com a Ku Klux Klax e por projetos controversos aos quais estava ligada, como o de esterilização compulsória dos pobres. Todavia, esse era um discurso comum na época, como evidenciado no contexto da Segunda Guerra Mundial. Alguns elementos dessas questões estão presentes em seu livro A Mulher e a nova Raça, de 1920. Sigmund Freud Fundador do movimento Psicanalítico, o vienense Sigmund Freud [1856-1939ec] preocupou-se em entender a questão do psiquismo e da sexualidade na formação da personalidade, criando uma nova perspectiva para os estudos de gênero. Aqui, apresentamos um fragmento do texto Sobre a Sexualidade Feminina [1931], em que algumas de suas teorias [bastante discutidas e criticadas atualmente] são apresentadas. Margaret Mead Em Sexo e Temperamento [1935], a pesquisadora americana M. Mead [1908-1978ec] conseguiu provar, de forma definitiva, que as identidades sexuais são construídas culturalmente. Ao examinar três tribos bastante diferentes entre si, ela pode demonstrar que atitudes, hábitos e costumes usualmente classificados como ‘masculinos’ ou ‘femininos’ podiam ser encontrados de modo absolutamente distinto em sociedades ‘primitivas’. 38

Simone de Beauvoir A filósofa francesa [1908-1986ec] foi autora do livro O Segundo Sexo [1949], praticamente um divisor de águas na História das Mulheres. Examinando elementos históricos, culturais, sociais e filosóficos da questão do Feminino na trajetória da humanidade, Beauvoir lançou o famoso epíteto: ‘Não se nasce mulher: torna-se’, que explica como o ser mulher é uma construção cultural. O livro funde seus estudos e uma apreciação pessoal das questões levantadas, tornando-se uma leitura fundamental. Lélia Gonzalez Feminista Negra, Lélia Gonzalez [1935-1994ec] foi uma importante intelectual brasileira, defensora dos direitos da Mulher e árdua combatente contra as questões de preconceito racial. Defendia um novo entendimento do papel da cultura afro-descendente na formação da história do Brasil, e associava a exploração racial e de gênero num plano único, realizando um novo tipo de ativismo nesse sentido. Possui uma obra ampla e significativa, cuja divulgação ainda não tem sido suficiente. Shere Hite Pesquisadora americana [1942], autora do conhecido Relatório Hite [publicado em 1976] no qual se revelava uma nova visão do entendimento do corpo feminino, relacionado às questões do prazer e do erotismo. Na época, o texto foi considerado impactante, por mostrar que muitas crenças relacionadas ao prazer feminino eram, de fato, elaborações masculinas [machistas], que não encontravam reciprocidade nos dados levantados pelo estudo. Kate Millett Escritora e intelectual Americana [1934] cujo livro Política Sexual 39

[1970] colocou em questão a continuidade das relações patriarcais na cultura contemporânea. Para ela, a relação entre patriarcalismo e política é indissociável, e sua compreensão seria a chave para qualquer nova forma de elaboração política possível. Naomi Wolf Escritora Americana [1962] que revelou os padrões autoritários e masculinos de beleza sobreviventes na cultura moderna. Cunhou os termos ‘ditadura da beleza’, ‘ditadura da moda’, mostrando que os padrões estéticos ainda se impõem ante a História das Mulheres. Seu principal trabalho é O mito da Beleza [1991]. Judith Butler Uma das principais teóricas sobre a questão de gênero na atualidade, a pesquisadora americana Judith Butler [1956] tem atuado fortemente na elaboração da agenda feminista atual, propondo novas interpretações e questões conceituais. Seu trabalho principal, ao qual nos remetemos, é Problemas de Gênero [Gender Trouble, 1990] Joan Scott Igualmente ativa na História das Mulheres, pela perspectiva do Gênero, Joan Scott [Estados Unidos, 1941] tem se destacado na elaboração de um novo tipo de interpretação histórica, reconstruindo visões e personagens. Seu trabalho mais divulgado é Gênero: Uma Categoria Útil para a Análise Histórica [1990]. Michelle Perrot Historiadora francesa [1928], uma das principais responsáveis pela construção do novo campo da História das Mulheres na França, tendo colaborado na revolucionária coleção História das 40

Mulheres no Ocidente [1993], escrito o marcante Mulheres ou os silêncios na História [2005] e mais recentemente, Minha História das Mulheres [2007]. Atuando a partir da linha da História Social Francesa, e influenciada por Michel Foucault [História da Sexualidade], é uma importante ativista feminista no campo universitário da atualidade. Vandana Shiva [1952] é uma importante ativista ambiental na Índia, tendo unido a causa feminista com a preservação ambiental e a educação. Em sua visão, a conservação da natureza deve começar por uma reforma educacional, que priorize a conscientização de mulher acerca das questões ecológicas, permitindo sua atuação mais direta frente à família. Vandana tem conseguido resultados revolucionários na economia e na sociedade indiana. Seu principal trabalho é Ecofeminismo [1993-97]. Chimamanda Adichie Escritora Nigeriana [1977] com amplo destaque internacional, tanto por seus romances quanto por suas obras acadêmicas. Seus ensaios ‘O perigo das histórias únicas’ [2009] e ‘Sejamos todos feministas’ [2012] alcançaram uma grande divulgação mundial, mostrando a força de uma nova geração de pensadoras africanas. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, Nova York, Nações Unidas, 1979: Documento produzido a partir de convenção realizada pela ONU, visando o estabelecimento de um projeto internacional para o combate à violência e a sujeição feminina. O texto é revelador sobre a conscientização acerca dos problemas enfrentados pela mulher em diversas partes do mundo, bem 41

como, da persistência de práticas misóginas. Lei No 11.340: Lei Maria da Penha. Brasil, 2006: Embora a convenção para erradicação da violência contra a mulher tenha sido constituída em 1979, apenas em 2006 o Brasil instituiu uma lei contra a violência sexual e de gênero. A Lei Maria da Penha tem esse nome em função de sua figura emblemática, Maria da Penha Maia Fernandes [1945], que sofreu duas tentativas de assassinato pelo próprio marido. Desde então, o movimento contra a violência feminina no Brasil tem aumentado significativamente.

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ANTOLOGIA

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RETORNO AO TEMPLO Enheduana § No Girapu, determinada pelo destino, eu tinha entrado para você. Eu, a sacerdotisa, eu, En-Heduana. Enquanto eu carregava a cesta, Cantando em júbilo Como se eu nunca tivesse vivido ali Fui sacrificada de morte, banida A luz se tornou escaldante Fui tomada pela sombra Encoberta pela tempestade Minha doce boca tornou-se venenosa Retornei ao barro Meu destino, com Suen e Lugal-Ane, Eu vou denunciar a An An pode resolver isso! Eu vou denunciar a An: 'Sua senhor foi arrancada do destino por Lugal-Ane Foi lançada em terra hostil E no meio de inundações Pela mentira Ela fará tremer a cidade E no tribunal Ela tornará meu coração calmo por mim!' En-Heduana sou eu! Agora, eu farei essa prece Minhas lágrimas, como cerveja doce Eu agora as lanço contra você, livre E que Inana determine seu destino 45

Esse será o seu julgamento! Quanto a Asimbabbar, não se preocupe Ao mudar os ritos de purificação Lugal-ane mudou tudo para ele Ele arrancou o templo de An! Ele não mostrou nenhum temor. Essa casa, que nunca foi conspurcada em sua beleza Não faltou em abundancia Lugal-ane transformou esse templo numa casa desprezada! Ele aqui chegou, tempo atrás, como amigo Mas se aproximou por inveja A minha deusa, vaca selvagem, me guie! Você deve afastar esse alguém Você deve medir esse alguém Nesse lugar inóspito, quem sou eu? Esse lugar rebelde, Nanna deve forçar sua rendição! Sacuda essa cidade com violência, de cima a baixo! Enlil, amaldiçoe-a! A mãe não deve acalmar o grito de sua criança Rainha, seu lamentos forma ouvidos pela terra Seu choro ficou pra trás nas terras estranhas Seu canto determinou seu destino Inanna cuidou de mim Me protegeu em terra estranha Asimbabbar não lançou uma decisão final sobre mim Ele [Lugal-ane] se perguntava: haverá algo? Ele falava: haverá algo? Depois que me expulsou, ficou lá em triunfo Me fez voar como andorinha E destruiu minha vida [...] Eu sou a radiante sacerdotisa de Inanna! 46

Minha rainha, só você pode acalmar meu coração Isso deve ser conhecido: Ela me disse: 'Ele é seu!' Nanna proclamou seu decreto! Que você é tão alta quanto o céu, deve ser conhecida! Que você é tão grande quanto a terra, deve ser conhecida! Aniquila os inimigos, deve ser conhecida! Ruge contra os adversários, deve ser conhecida! Devora os cadáveres dos predadores, deve ser conhecida! Esmaga os líderes, deve ser conhecida! Seu olhar é terrível, deve ser conhecida! Sua visão aterradora,deve ser conhecida! Seu olhar fulminante,deve ser conhecida! Inabalável, inflexível,deve ser conhecida! triunfante, sempre, deve ser conhecida! Inanna proclamou seu decreto: 'ele é seu!' [...] A canção de Enheduana foi recebida pela Deusa Inana a ama mais uma vez O dia foi bom para Enheduana Ela colocou suas joias Vestiu-se de modo soberbo Nanna desponteou, adornada de Lua Quando Ningal, mãe de Inana, surgiu Ele abençoou o templo E em seu portal, declarou-lhe: Retornaste!

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CUIDADOS COM A MULHER Instruções de Shuruppak § Você não deve brincar com uma jovem mulher casada: as calúnias podem ser graves. Meu filho, você não deve sentar-se sozinho em um quarto com uma mulher casada. Uma mulher fraca é sempre guiada pelo destino. Diga ao seu filho para vir à sua casa; diga a sua filha para ir para os aposentos de suas mulheres. Uma mulher com a posse de suas próprias propriedades é a ruína da casa. Você não deve sequestrar uma mulher; você não deve fazê-la chorar. As amas de leite dos aposentos das mulheres determinam o destino de seu senhor. Você não deve ter relações sexuais com a tua escrava: ela irá prejudicá-lo. Você não deve estabelecer um lar com um homem arrogante: ele vai tornar sua vida como a de uma escrava. Você não poderá ir a casa de mais ninguém sem ouvir os gritos: ‘lá vai você, lá vai você!” Quando você traz uma escrava das colinas, ela traz o bem e o mal com ela. O bem está em suas mãos; o mal está no seu coração. Você não deve escolher uma esposa durante um festival. Seu interior é ilusório; sua parte externa é ilusória. A prata nela é emprestada; os lápis-lazúlis são emprestados. As joias são emprestadas. O vestido é emprestado; a veste é emprestado. Você não deve comprar uma prostituta: ela é uma boca que morde. 48

LEIS SOBRE AS MULHERES Código de Hamurabi § Se uma irmã de um deus [sacerdotisa] abrir uma taverna ou entrar numa taverna para beber, então esta mulher deverá ser condenada à morte. Se alguém "apontar o dedo" (enganar) a irmã de um deus ou a esposa de outro alguém e não puder provar o que disse, esta pessoa deve ser levada frente aos juízes e sua sobrancelha deverá ser marcada. Se um homem tomar uma mulher como esposa, mas não tiver relações com ela, esta mulher não será esposa dele. Se a esposa de alguém for surpreendida em flagrante com outro homem, ambos devem ser amarrados e jogados dentro d'água, mas o marido pode perdoar a sua esposa, assim como o rei perdoa a seus escravos. Se um homem violar a esposa (prometida ou esposa-criança) de outro homem, o violador deverá ser condenado à morte, mas a esposa estará isenta de qualquer culpa. Se um homem acusar a esposa de outrém, mas ela não for surpreendida com outro homem, ela deve fazer um juramento e então voltar para casa. Se o "dedo for apontado" para a esposa de um homem por causa de outro homem, e ela não for pega dormindo com o outro homem, ela deve pular no rio por seu marido. Se um homem for tomado como prisioneiro de guerra, e houver sustento em sua casa, mas mesmo assim sua esposa deixar a casa por outra, esta mulher deverá ser judicialmente condenada e atirada na água. 49

Se um homem for feito prisioneiro de guerra e não houver quem sustente sua esposa, ela deverá ir para outra casa, e a mulher estará isenta de toda e qualquer culpa. Se fugir de sua casa, então sua esposa deve ir para outra casa. Se este homem voltar e desejar Ter sua esposa de volta, por que ele fugiu, a esposa não precisa retornar a seu marido. Se um homem quiser se separar de uma mulher ou esposa que lhe deu filhos, então ele deve dar de volta o dote de sua esposa e parte do usufruto do campo, jardim e casa, para que ela possa criar os filhos. Quando ela tiver criado os filhos, uma parte do que foi dado aos filhos deve ser dada a ela, e esta parte deve ser igual a de um filho. A esposa poderá então se casar com quem quiser. Se um homem quiser se separar de sua esposa que lhe deu filhos, ele deve dar a ela a quantia do preço que pagou por ela e o dote que ela trouxe da casa de seu pai, e deixá-la partir. Se a esposa de um homem, que vive em sua casa, desejar partir, mas incorrer em débito e tentar arruinar a casa deste homem, negligenciando-o, esta mulher deverá ser condenada. Se seu marido oferecer-lhe a liberdade, ela poderá partir, mas ele poderá nada lhe dar em troca. Se o marido não quiser dar a liberdade a esta mulher, esta deverá permanecer como criada na casa de seu marido. Se uma mulher brigar com seu marido e disser "Você não é compatível comigo", as razões do desagrado dela para com ele devem ser apresentadas. Caso ela não tiver culpa alguma e não houver erro de conduta no seu comportamento, ela deverá ser eximida de qualquer culpa. Se o marido for negligente, a mulher será eximida de qualquer culpa, e o dote desta mulher deverá ser devolvido, podendo ela voltar para casa de seu pai. Se ela não for inocente, mas deixar seu marido e arruinar sua casa, negligenciando seu marido, esta mulher deverá ser jogada na água. 50

Se um homem tomar uma esposa e esta der ao seu marido uma criada, e esta criada tiver filhos dele, mas este homem desejar tomar outra esposa, isto não deverá ser permitido, e que ele não possa tomar uma segunda esposa. Se um homem tomar uma esposa e esta não lhe der filhos, e a esposa não quiser que o marido tenha outra esposa, se ele trouxer uma segunda esposa para a casa, a segunda esposa não deve ter o mesmo nível de igualdade do que a primeira. Se um homem for culpado de incesto com sua filha, ele deverá ser exilado. Se um homem prometer uma donzela a seu filho e seu filho ter relações com ela, mas o pai também tiver relações com a moça, então o pai deve ser preso e ser atirado na água para se afogar. Se alguém for culpado de incesto com sua mãe depois de seu pai, ambos deverão ser queimados.

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CONSELHOS PARA LIDAR COM MULHERES Instruções de Ptah-Hotep §

Evitar as mulheres Se desejas conservar a amizade numa casa em que entres como senhor, irmão ou amigo, em qualquer lugar onde entres evita aproximar-te das mulheres Não é bom o lugar onde isso acontece nem é perspicaz quem se insinua a elas. Mil homens podem enlouquecer por seu (próprio) impulso: num breve momento, parecido a um sonho, e a morte chega por havê-las conhecido. É um delito. (como se) concebido por um inimigo, e (já) ao sair (de casa) para cometê-lo o coração o rejeita. Aquele que se consome por causa de seu desejo por elas não prosperará. Conduta com a esposa Quando prosperares e construíres teu lar, ama tua mulher com ardor, enche seu estômago, veste suas costas. O ungüento é um tônico para seu corpo. Alegra seu coração enquanto viveres, ela é um campo fértil para o seu senhor. Não a julgues. (mas) afasta-a de uma posição de poder. Reprime-a, (pois) seu Olho é um vento de tempestade quando ela encara. [Abranda seu coração com o que acumulaste], assim ela permanecerá em tua casa. Se a repelires, virão lágrimas. Uma vagina é o que ela oferece por sua condição, (contudo) O que indaga é quem lhe fará um canal? Conduta com a concubina Se tomares uma mulher como concubina, alegre e conhecida pelos de sua cidade, ela está duplamente (protegida) na lei. Sê bom para ela (durante) algum tempo. Não a repilas. Deixe-a comer (à vontade). (Uma mulher) alegre distribui felicidade. 52

O NASCIMENTO DE HATSHEPSUT Inscrição no templo de Hatshepsut § Amon chamou a Grande Enéada no céu e proclamou a eles sua decisão de criar, para a terra do Egito, um novo rei, e ele fez os deuses prometerem que seriam todos bons com ele. Como sucessor, Hatshepsut foi a única mulher escolhida; e assim, reivindicou sua posição . "Ela constrói seus santuários", disse Amon a Enéada. "Ela consagra templos... Ela faz ofertas ricas... O orvalho do céu cairá em seu tempo... E o Nilo deve ser elevado em sua época. Cerquem-na com sua proteção, com a vida, a felicidade até a eternidade". A Enéada respondeu: "Vimos tudo isso. Nós a cercaremos com nossa proteção, com vida e felicidade..." Amnn cobrou Thoth, o deus da sabedoria e das letras, para buscar a rainha Iahmes, a esposa do faraó reinante, a quem ele selecionou como a futura mãe da sucessora, e Thoth lhe respondeu da seguinte forma:... "Esta jovem mulher é uma princesa. Ela é chamada Iahmes. Ela é mais bonita do que todas as mulheres em toda a terra Ela é a esposa do rei, o rei do Alto e do Baixo Egito, Tutmés I, e sua majestade ainda é um jovem. Vamos, pois, para ela...” Então Thoth levou Amon à rainha Iahmes. Chegando o grande deus, Amon, Senhor do trono das Duas Terras, assumiu a forma da majestade de seu marido, o rei do Alto e do Baixo Egito, Tutmés I. Encontrou-a enquanto ela descansava na mais íntima (área) de seu palácio. Então ela acordou por causa do cheiro do deus, e ela sorriu para sua majestade. Ao mesmo tempo, ele foi lá para ela, e estava cheio de desejo por ela. Ele deu-lhe o seu coração e lhe permitiu reconhecer-lo em sua forma 53

divina, depois que ele se aproximou dela. Ela regozijou-se para mostrar sua beleza, e seu amor passou por cima em seu corpo. O palácio foi inundado com a fragrância do deus. Todo o cheiro dele era a fragrância de Punt. A esposa real e mãe, Iahmes, falou com a majestade do esplêndido deus Amon, o senhor do trono das Duas Terras, "Meu senhor, quão grande é a sua glória. Como é bonito ver o seu rosto. Você domina minha majestade com o teu olhar. Sua fragrância está em todas as minhas partes ". [Assim falou,] após o Deus ter feito com ela tudo o que ele desejava. Em seguida, Amon, o senhor do trono das Duas Terras falou com ela, "Hatshepsut é, portanto, o nome desta sua filha que eu coloquei em seu corpo, de acordo com as palavras de sua boca. Ela vai exercer o esplêndido reinado na terra inteira. Minha glória irá pertencer a ela, a minha autoridade pertence a ela, e minha coroa irá pertencer a ela. Ela vai governar as Duas Terras (o Egito)... Eu vou envolvê-la todos os dias com a minha proteção em comum com o deus que rege cada respectivo dia".

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DEVOÇÃO DE ÍSIS Hino a Ísis ou Hino do Trovão da Mente Perfeita § Eu fui emitida do poder, e eu vim para aqueles que refletem sobre mim, e eu fui encontrada entre aqueles que me buscam. Olhem-me, vocês que refletem sobre mim, e vocês ouvintes, ouçam-me. Vocês que estão me esperando, tomem-me para si próprios. E não me expulse da sua visão. E não faça a sua voz me odiar, nem a sua audição. Não seja ignorante a meu respeito em qualquer lugar ou qualquer hora. Esteja em guarda! Não seja ignorante a meu respeito. Pois eu sou a primeira e a última. Eu sou a estimada e a rejeitada. Eu sou a prostituta e a sagrada. Eu sou a esposa e a virgem. Eu sou a (mãe e) a filha. Eu sou os membros da minha mãe. Eu sou a estéril e muitos são os filhos dela. Eu sou aquela cujo casamento é grandioso, e eu não tomei um marido. Eu sou a parteira e aquela que não dá à luz. Eu sou o consolo das minhas dores do parto. Eu sou a noiva e o noivo, e foi meu marido quem me gerou. Eu sou a mãe do meu pai e a irmã do meu marido 55

e ele é a minha prole. Eu sou a escrava daquele que me preparou. Eu sou a governanta da minha prole. Mas ele é quem me gerou antes do tempo numa data de nascimento. E ele é a minha prole no devido tempo, e o meu poder vem dele. Eu sou o bastão do poder dele na juventude dele, e ele é o cajado da minha velhice. O que quer que ele deseje, me acontece. Eu sou o silêncio que é incompreensível e a idéia cuja recordação é frequente. Eu sou a voz cujo som é diversificado e a palavra cuja aparência é múltipla. Eu sou a declaração do meu nome. Por que, você que me odeia, me ama, e odeia aqueles que me amam? Você que me nega, me admite, e você que me admite, me nega. [...] Pois eu sou sabedoria e ignorância. Eu sou timidez e coragem. Eu sou impudente; eu sou envergonhada. Eu sou força e eu sou medo. Eu sou guerra e paz. Atente para mim. Eu sou aquela que é desonrada e a grandiosa. [...] Eu sou a sabedoria da minha averiguação, e a descoberta daqueles que me buscam, e a influência daqueles que me solicitam, 56

e o poder dos poderes na minha sabedoria dos anjos que foram enviados pela minha palavra, e dos deuses em suas estações pelo meu conselho, e dos espíritos de cada homem que existe comigo, e de mulheres que habitam dentro de mim. Eu sou aquela que é reverenciada e que é glorificada, e que é menosprezada com desprezo. [...] Pois eu sou aquela que existe sozinha, e eu não tenho ninguém que irá me julgar. Porque muitas são as formas agradáveis que existem em numerosos pecados, e incontinências, e paixões vergonhosas, e prazeres fugazes, que os homens aderem até que eles fiquem sóbrios e subam até o lugar de repouso deles. E eles me encontrarão lá, e eles viverão, e eles não morrerão novamente.

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SOBRE AS MULHERES Leis de Manu [Manavadhasrmashastra] § Uma mulher está sob a guarda do seu pai durante a infância, sob a guarda do marido durante a juventude, sob a guarda de seus filhos em sua velhice; ela não deve jamais conduzir-se à sua vontade. O testemunho isolado de um homem isento de cobiça, é admissível em certos casos; enquanto que o de um grande número de mulheres, ainda que honestas, não o é (por causa da inconstância do espírito delas) como não o é o dos homens que cometeram crimes. Dia e noite, as mulheres devem ser mantidas num estado de dependência por seus protetores; e mesmo quando elas têm demasiada inclinação por prazeres inocentes e legítimos, devem ser submetidas por aqueles de quem dependem à sua autoridade. Deve-se sobretudo cuidar e garantir as mulheres das más inclinações, mesmo as mais fracas; se as mulheres não fossem vigiadas, elas fariam a desgraça de suas famílias. Que o marido designe para função à sua mulher a receita das rendas e despesa, a purificação dos objetos e do corpo, o cumprimento de seu dever, a preparação do alimento e a conservação dos utensílios do lar. Se se compara o poder procriador masculino com o poder feminino, o macho é declarado superior porque a progenitura de todos os seres animados é distinta pelos sinais do poder masculino. Uma mulher dada aos licores inebriantes, tendo maus costumes, sempre em contradição com seu marido, atacada de uma moléstia incurável, como a lepra, ou de um gênio mau e dissipa seu bem, deve ser substituída por outra mulher. 58

Uma mulher estéril deve ser substituída no oitava ano; aquela cujos filhos têm morrido, no décimo; aquela que só põe no mundo filhas, no undécimo; aquela que fala com azedume, imediatamente. Mas, aquela que, embora doente, é boa e de costumes virtuosos, não pode ser substituída por outra, senão por seu consentimento e não deve jamais ser tratada com desprezo. Um homem de trinta anos deve desposar uma rapariga de doze que lhe agrade; um de vinte e quatro, uma de oito; se ele acabou antes seu noivado, para que o cumprimento de seus deveres de dono da casa não seja retardado, que ele se case logo. Ter pequenos cuidados com uma mulher, mandar-lhe flores e perfumes, gracejar com ela, tocar nos seus enfeites ou nas suas vestes, sentar-se com ela no mesmo leito, são provas de um amor adúltero. Se uma mulher, orgulhosa de sua família e de suas qualidades, é infiel ao seu esposo, que o rei a faça devorar por cães em um lugar bastante freqüentado. Que ele condene o adúltero seu cúmplice a ser queimado sobre um leito de ferro aquecido ao rubro e que os executores alimentem incessantemente o fogo com lenha até que o perverso seja carbonizado. Quando não se tem filhos, a progenitura que se deseja pode ser obtida pela união da esposa, convenientemente autorizada, com um irmão ou com um outro parente. Que uma fidelidade mútua se mantenha até a morte, tal é, em suma, o principal dever da mulher e do marido.

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QUESTÕES FEMININAS Livro das Leis [Arthashastra] §

Prostitutas Pagando-lhe um salário fixo, o superintendente das prostitutas empregará na corte uma prostituta, reputada pela sua beleza, juventude e qualificações, seja ou não de uma família de prostitutas. Será também nomeada uma prostituta substituta com um salário de metade do valor do primeiro. Quando uma dessas prostitutas viajar, ou se vier a falecer, a filha ou irmã poderá tomar o seu lugar, recebendo seu salário e patrimônio. Este poderá caber a sua mãe ou a uma outra prostituta. Se isso não ocorrer, o patrimônio ficará para o soberano. Para acrescentar ao brilho das prostitutas que levam as insígnias do soberano e que o servem quando está no leito real, no trono ou numa carruagem, as prostitutas devem ser classificadas em três graus, de acordo com sua beleza e as joias que usam; e seu salário variará da mesma forma. A prostituta que perder sua beleza será empregada como serviçal. Se, depois de ter recebido a quantia que lhe for devida, uma prostituta se recusar a atender quem a pagou, será multada em duas vezes essa quantia. Quando uma prostituta recusar seu cliente, será multada em oito vezes o valor da quantia cobrada, a menos que o cliente esteja prejudicado por uma doença ou defeito pessoal. Se uma prostituta matar seu cliente será queimada viva ou afogada. Ao cliente de uma prostituta que roubar sua roupa ou suas joias, ou deixar de pagar-lhe o que é devido, será imposta multa igual a oito vezes o valor do que foi roubado. Toda prostituta informará 60

o superintendente sobre seus clientes, sua receita diária e renda prevista. A propriedade da mulher está representada por meios de subsistência e joias, para as quais não há limite de valor. No caso dos meios de subsistência, seu dote será sempre superior a dois mil dinheiros. A esposa poderá lançar mão desses recursos para manter-se, ou para manter os filhos ou a nora, caso o esposo esteja ausente e não tenha deixado recursos para isso. Quanto ao esposo, poderá também utilizar esses recursos em caso de calamidade, doença ou fome, para afastar perigo ou em atos de caridade. Se uma viúva voltar a casar-se com um homem que não tenha sido escolhido pelo seu sogro perderá tudo o que lhe tiver sido dado por este e pelo falecido esposo.

Os deveres da esposa A esposa que praticar quaisquer atos sexuais, ou beber, violando desta forma uma proibição, pagará multa de três dinheiros. No caso de sair durante o dia para assistir a um evento esportivo ou um espetáculo, pagará multa de doze dinheiros. Se a falta ocorrer durante a noite, a multa será dobrada. A esposa que sair quando o esposo estiver dormindo, ou embriagado, será penalizada com doze dinheiros; o mesmo se impedir a entrada do cônjuge em sua casa à noite. Se um homem e uma mulher trocarem palavras ou sinais com o propósito de marcar um encontro amoroso, a mulher será multada em 24 dinheiros, o homem em 48. Relações sexuais com meninas Aquele que violar uma virgem da sua casta, quando for uma menina, terá a mão amputada ou pagará a multa de quatrocentos dinheiros. Se a virgem vier a morrer, o violador será executado. No caso da 61

virgem ter mais idade, o violador terá o dedo médio da mão amputado, ou pagará a multa de duzentos dinheiros, além de dar ao pai da moça uma compensação adequada. Nenhum homem pode ter relações sexuais com uma mulher sem o consentimento dela. Aquele que violar uma virgem com o seu consentimento pagará multa de 54 dinheiros; a virgem pagará também uma multa de metade desse valor.

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HABILIDADES NECESSÁRIAS À MULHER Livro do Desejo [Kama Sutra] § Portanto, a mulheres devem aprender os Kama Shastra ou, pelo menos, uma parte, sendo nessa leitura orientadas por alguma amiga intima. Devem estudar as sessenta e quatro artes relacionadas com os Kama Sutra, praticando-as na intimidade. As professoras podem ser: (a) a filha de uma aia, criada em sua companhia e casada; (b) uma amiga, digna de toda confiança; (c) uma tia materna; (d) uma velha aia, que goze das vantagens de uma tia; (e) uma mendiga, que durante anos tenha morado na casa da família; (f) ou uma irmã, em quem ela poderá sempre depositar confiança. As artes que devem ser estudadas, juntamente com os Kama Sutra, são as seguintes: 1 - Canto. 2 - Musica instrumental. 3 - Dança. 4 - Canto, música instrumental e dança associadas. 5 - Caligrafia e desenho, 6 -Tatuagem. 7 - Adornamento e enfeite de um ídolo com espigas de arroz e flores. 8 - Feitura de colchões de flores nas camas ou no chão. 9 - Pintura dos dentes, das vestes, dos cabelos, das unhas, do corpo, de acordo com a cor da epiderme. 10 - Enfeite de um soalho com pedras ou lâminas de vidro coloridas. 11 - Arrumação de leitos ou de tapetes e almofadas para descanso. 12 - Execução de músicas em jarros cheios de água. 63

13 - Acumulação e conservação de água em cisternas, reservatórios, aquedutos. 14 - Pintura, adornos, decorações. 15 - Confecção de rosários, colares, grinaldas, coroas de flores. 16 - Confecção de turbantes, diademas, plumas, ramalhetes de flores. 17 - Representações teatrais. Exercícios para representação em palco. 18 - Arte de fazer brincos para orelhas. 19 - Arte de fazer perfumes e essências. 20 - Arte de dispor as joias, os enfeites e os ornamentos no vestuário. 21 - Magia ou feitiçaria. 22 - Habilidade e destreza das mãos. 23 - Arte culinária, ou seja, a de cozinhar e assar. 24 - Preparo de limonadas, sorvetes, bebidas ácidas, licores de gosto e cor variados. 25 - Costurar, cerzir e consertar vestidos. 26 - Fazer papagaios; flores, plumagens, borlas, ramalhetes, botões, cartões, com fios de algodão ou de lã. 27 - Solução de enigmas, logogrifos, charadas, quebra-cabeças, e frases sibilinas. 28 - Um jogo que se faz do seguinte modo: alguém recita um verso; imediatamente, outra pessoa também diz um verso que se inicia com a última letra do verso recitado antes. Quem deixar de dizer um verso, imediatamente, cuja primeira letra seja a última do anterior, é considerado perdedor e tem de pagar uma multa, que pode ser uma prenda ou algo diverso. 29 - A arte da mímica ou da imitação. 30 - A leitura, inclusive o canto e a entonação correta das palavras (califasia). 64

31 - O estudo de frases de pronúncia difícil. É um exercício divertido principalmente para as mulheres e os meninos. Quando se repete, rapidamente, uma frase de pronúncia fácil, as palavras são trocadas ou mal pronunciadas, frequentes vezes. 32 - Esgrima, manejo de cacete; defesa com um pau, tiro de flechas com um arco. 33 - A arte dos raciocínios ou das inferências. 34 - Carpintaria ou arte do carpinteiro. 35 - Arquitetura ou arte das construções. 36 - Conhecimento das moedas de ouro/e de prata, das jóias e pedras preciosas. 37 - A química e a mineralogia. 38 - Coloração das joias, pedras preciosas e pérolas. 39-Conhecimento de minas e pedreiras. 40-Jardinagem. Tratamento das doenças das arvores e plantas, sua nutrição e maneira do conhecer-lhes a idade. 41 - A arte da briga de galos, codornizes e carneiros. 42 - A arte de ensinar papagaios a falar e também estorninhos. 43 -A arte de aplicar óleos perfumados no corpo, pomadas e perfumes nos cabelos e penteá-los, fazendo tranças. 44 -A arte de decifrar escritas secretas (criptografia) e de ler palavras grafadas de várias maneiras. 45 -A arte de falar, alterando a forma das palavras. Isso se faz de várias maneiras. Algumas pessoas alteram o início e o fim dos vocábulos. Outras intercalam letras desnecessárias entre cada sílaba de uma palavra. 46 - Conhecimento das línguas e dos dialetos provinciais. 47 - A arte de armar carruagens de flores. 48 - A arte de traçar diagramas ou círculos mágicos, (mandalas), preparar feitiços, encantamentos, e ajustar pulseiras. 49 - A prática de exercícios intelectuais: completar estrofes ou 65

versos dos quais se sabe apenas uma parte. Quando algumas linhas de um ou mais versos são tomadas ao acaso, escrever uma, duas, três ou mais linhas, de modo que apareça um verso com significado completo. Arranjar as palavras de um verso, que estaria escrito irregularmente, ou separando as vogais das consoantes ou não as pronunciando. Traduzir em verso ou prosa, frases representadas por sinais ou símbolos. Há muitos outros exercícios desta espécie. 50 - Composição de poemas. 51 - Conhecimento de dicionários e vocabulários. 52 - A arte de alterar sob disfarces, a aparência das pessoas. 53 - A arte de alterar a forma exterior das coisas, de modo que um tecido de algodão pareça de seda, objetos grosseiros e vulgares pareçam finos e raros. 54 - As várias formas de jogo. 55 – A arte de se apossar dá propriedade alheia, mediante mantras ou encantamentos. 56 - A arte da agilidade nos esportes da mocidade. 57 - O conhecimento das regras da vida na boa sociedade e da arte de apresentar a terceiros cumprimentos e felicitações. 58 - A ciência da guerra, dos armamentos, dos exércitos. 59 - A arte da ginástica. 60 - A arte de conhecer o caráter de um indivíduo pelos seus traços fisionômicos. 61 - A arte da medida ou da redação de versos. 62 - As recreações aritméticas. 63 - A confecção de flores artificiais. 64 - A modelagem em barro de figuras e imagens. A mulher pública, animada de boa disposição, cuja beleza se associa outros atrativos e que também conhece as artes acima 66

referidas, recebe o título de Ganika, mulher pública de alta qualidade. Nas reuniões de homens, dão-lhe um lugar honroso. Sempre respeitada pelo rei, louvada pelos letrados, e como todos solicitam seus favores, ela se torna um objeto da estima universal. Do mesmo modo, a filha de um rei ou de um ministro se conhecer todas as artes acima referidas, pode ter a certeza da preferência do seu esposo, ainda que este disponha de mil outras mulheres. Além disso, no caso de uma mulher separar-se do marido e ficar desamparada, poderá ganhar sua vida, facilmente, ainda que vá residir em outro país, graças ao seu conhecimento dessas artes. Basta este conhecimento para tornar-se uma mulher atraente, embora a sua prática somente seja possível em certas circunstâncias. Um homem versado nessas artes, que saiba falar bem, praticando a arte do galanteio, conquista depressa os corações femininos, embora seja recente o seu trato com essas mulheres.

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LIÇÕES FEMININAS Banzhao §

Humildade No terceiro dia após o nascimento de uma menina, os antigos observavam três costumes; primeiro, colocar o bebe debaixo da cama; segundo, dar-lhe um caco de cerâmica quebrada para brincar; terceiro, anunciar seu nascimento para seus antepassados por meio de uma oferenda. Colocar o bebê debaixo da cama indica claramente que ela é humilde e fraca, e que deve considerar antes seus deveres para com os outros do que para si mesma. O caco de cerâmica a ensina que deve conhecer bem cedo seus ofícios, e trabalhar bastante para ser conhecida como dedicada. O anúncio do nascimento aos antepassados significa nitidamente que ela tem o dever fundamental de dar continuidade à família, aos ritos e ao serviço. Estes três costumes antigos definiram os modos de vida de uma mulher comum, bem como o que ela deve aprender dos ritos, das tradições e das cerimoniais. A mulher modesta serve, antes de tudo, aos outros; põe-se por último, antes mesmo de si. Se faz algo de bom, não menciona; se faz algo ruim, nunca o nega. Nunca deixa desonrar-se, e resiste quando outros lhe falam ou fazem mal. Aparenta sempre ser temerosa e medrosa. Quando uma mulher segue tais preceitos, ela pode ser dita humilde, mesmo na frente dos outros. Uma mulher deve dormir tarde e acordar cedo para seus deveres. Não deve recusar trabalhos fáceis ou difíceis. Deve ser arrumada, laboriosa, cuidadosa e sistemática. Quando uma mulher realiza estas coisas, ela pode ser dita dedicada. Uma mulher deve ser correta na maneira de servir, humildemente, ao seu marido. Deve proporcioná-lo paz de espírito e tranquilidade, cuidando de seus casos. Não deve ser 68

bisbilhoteira, e não rir de modo idiota. Deve ser limpa, e arrumar de modo higiênico os vinhos e a comida, bem como as oferendas aos antepassados. Quando uma mulher observa estes princípios, pode ser considerada como continuadora dos deveres de adoração ancestral. Nenhuma mulher que observa estes três princípios caiu em desonra ou teve má reputação. Se uma mulher não observar estes princípios, como pode querer ser honrada? Como pode evitar atrair desgraça para si mesma?

Marido e Esposa Os caminhos da esposa e do marido estão intimamente ligados, tal como yin e yang, e estão ligados desde o tempo dos deuses e dos antepassados. Grandes são o Céu e a Terra, os alicerces de todos os relacionamentos humanos. Por isso As Recordações dos ritos (Liji) louvam a união entre homem e mulher; e o Tratado das poesias (Shijing), na primeira ode, manifesta os princípios desta união. Por isso mesmo este relacionamento é um dos mais importantes. Se um marido for indigno de sua esposa, então ele não pode controlá-la; se uma esposa for indigna de seu marido, então ela não pode servi-lo corretamente. Se um marido não controla sua esposa, as regras de conduta nas quais se baseiam sua autoridade são quebradas e abandonadas. Se uma esposa não serve seu marido, o relacionamento apropriado entre homens e mulheres não segue o curso natural das coisas, sendo então negligenciados e destruídos. De fato, a finalidade destes dois princípios – o controle da mulher e o serviço ao homem – é o mesmo. Examinemos agora os cavalheiros da época atual. Sabem somente que suas esposas devem ser controladas, e que as regras de conduta que manifestam seu poder devem ser estabelecidas. No entanto, eles ensinam os meninos a lerem os livros e a estudar a história. Mas eles não têm a menor ideia de como os mestre e 69

maridos devem ser seguidos, e quais ritos para manter um relacionamento apropriado devem ser seguidos. Ora, se apenas se ensina aos homens, e não as mulheres, isso não ignora a relação essencial entre eles? De acordo com os ritos, a regra para começar a ensinar as crianças a ler fixa o seu inicio na idade de oito anos, e aos quinze elas devem estar preparadas para o exercício da cultura. Porque apenas os meninos, e não as meninas, podem seguir este princípio?

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MULHERES FORTES-A MÃE DE MÊNCIO Liu Xiang § A mãe de Mêncio era chamada Mãe Meng. Ela morava perto de um cemitério, quando Mêncio era pequeno. Ele começou a brincar de construir tumbas e fazer rituais funerários. A mãe de Mêncio disse: “este não é um bom lugar para educar meu filho”, e se mudaram. Foram morar perto de um mercado, e Mêncio começou a brincar de comprar, vender e negociar bons preços. A mãe de Mêncio disse: “este não é um bom lugar para educar meu filho”, e se mudaram. Finalmente, foram morar perto de uma escola. Mêncio começou a brincar com os livros, lê-los, aprender os rituais, estudar e discutir sobre o caminho. A mãe de Mêncio disse: “finalmente, este é um bom lugar para morar”. Quando Mêncio já era maior, um dia chegou da escola e sua mãe perguntou: “como você está indo nos estudos?”. “O mesmo de antes”, respondeu ele. Sua mãe pegou uma faca e cortou um tecido que ele estava bordando. Mêncio, surpreso, perguntou por que ela fez isso. Ela respondeu: “meu filho desiste dos estudos, assim como cortei este bordado. Um cavalheiro dedica-se ao que faz, para desenvolver a si mesmo. Ele pergunta sempre sobre o conhecimento e a sabedoria. No entanto, sua resposta demonstra que você não avançou nada. Se você negligencia seus estudos, desfaz tudo aquilo que foi feito antes, e esta é a causa dos acidentes e infortúnios. Se você abandona seu trabalho pelo meio, como pode alcançar o conhecimento? (...) Mêncio ficou impressionado, e depois disso, dia e noite, nunca mais parou de estudar. Procurou Zisi, o neto de Confúcio, para ser seu mestre, e depois, conquistou a fama de ser um grande letrado. 71

A SAÚDE DA MULHER Tratado Interno [Neijing] § Quando uma menina tem sete anos, as emanações dos seus rins tornam-se abundantes, começa a mudar os dentes e seu cabelo fica mais comprido. Quando completa o décimo quarto ano começa a menstruar, pode engravidar e o movimento do pulso da grande artéria é forte. A menstruação ocorre em períodos regulares e assim a moça pode dar à luz uma criança. Quando a moça atinge a idade de vinte e um anos, as emanações dos seus rins são regulares, o último dente saiu e está completamente desenvolvida. Quando a mulher atinge a idade de vinte e oito anos, os seus músculos e ossos são fortes, o seu cabelo atingiu o comprimento máximo e o seu corpo está vigoroso e fecundo. Quando a mulher atinge a idade de trinta e cinco anos, o pulso que indica a região da “Luz Solar” deteriora-se, o rosto começa a enrugar-se e o cabelo a cair. Quando atinge a idade de quarenta e dois anos, o pulso das três regiões do Yang deteriora-se na parte superior do corpo, o rosto enruga-se todo e o cabelo começa a embranquecer. Quando atinge a idade de quarenta e nove anos já não pode engravidar e a circulação do pulso da grande artéria diminui. A menstruação acaba, as portas da menstruação deixam de estar abertas; o corpo deteriora-se e a mulher deixa de poder gerar filhos.

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A TRISTEZA DE SER MULHER Fu Xuan § Como é amargo ser mulher! Nada no mundo vale tão pouco. Menino fica comandando, na porta, Como um deus caído do céu. Seus corações vagam pelos quatro mares, Milhares de quilômetros de vento e de pó. Ninguém se alegra quando nasce uma menina: Por ela, a família nem lhe prepara o quarto. Quando cresce, esconde-se nos quartos do fundo, Com temor de olhar um homem no rosto. Choram quando ela deixa a casa para se casar, Apenas uma chuva rápida, depois poucas nuvens. Com a cabeça inclinada, ela compõe seu rosto, Seus dentes brancos contra os lábios vermelhos; Ela inclina-se e ajoelha-se vezes sem conta. Diante das concubinas e dos servos. Se seu amor é forte como duas estrelas, Ela é como o girassol, sempre seguindo o sol, Mas quando seus corações são água e fogo – Milhares de demônios caem sobre ela. Seu rosto acompanha a passagem dos anos: Seu senhor vai encontrar novos prazeres Os dois, que eram uma vez corpo e sombra, Estarão remotos como chineses e mongóis Às vezes, até mesmo chineses e mongóis se encontram Mas estarão tão distantes quanto estrelas polares. 73

HINO A TERRA, DEUSA-MÃE Hinos homéricos § Cantarei a Mãe Terra, A mais velha de todos os seres Ela alimenta a todas as criaturas em cima da terra Que estão nos mares e rios Todos que andam e voam, ela os alimenta Abençoados são seus filhos Que a honram Que colhem fartamente, Sua terra é fecunda e cheia de grão Suas pastagens são cobertas de gado Sua casa está cheia de coisas boas Tais homens governam, tais mulheres são justas Suas riquezas e bens são enormes Seus filhos são fortes, suas filhas formosas como flores do campo Assim é a Deusa com aqueles que a honram Salve Mãe, esposa do Céu estrelado Concede ao meu coração E te lembrarei, sempre, em minha canção.

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PANDORA E A ORIGEM DAS DESGRAÇAS Hesíodo §

Teogonia “...e então [Prometeu] feriu profundamente o coração de Zeus, o alto senhor do trovão, que ficou furioso quando ele viu ao longe a luz do fogo entre os homens, e imediatamente ele lhes deu um problema para que pagassem pelo fogo. O famoso Deus Pacífico misturou argila e lhe deu a forma de uma virgem tímida, exatamente como Zeus queria, E Athena, a deusa de olhos de coruja, A vestiu em roupas prateadas E com suas próprias mãos lhe colocou um véu na cabeça, Uma coisa complexa, bonita de se olhar. Ele [Zeus] fez este lindo mal para equilibrar o bem, Então ele a levou aos outros deuses e aos homens ...eles ficaram boquiabertos, deuses imortais e homens mortais, quando eles viram A arte de seduzir, irresistível aos homens. Da sua raça vem a raça das mulheres fêmeas, Esta raça mortífica e população de mulheres, Uma grande infestação entre os homens mortais, Que viviam com riqueza e sem pobreza. Acontece o mesmo com as abelhas nas suas colméias Alimentando os zangões, conspiradores maus. As abelhas trabalham todo dia até o por do sol, Ocupadas o dia inteiro fazendo pálidos favos, Enquanto os zangões ficam dentro [da colméia] nos favos vazios, Enchendo o estômago com o trabalho dos outros. Foi assim como Zeus, o alto senhor do trovão, 75

Fez as mulheres como uma maldição para os homens mortais, Conspiradoras do mal. E ele juntou outro mal Para contrabalançar o bem. Qualquer um que escape ao casamento E à maldade das mulheres, chega à velhice Sem um filho que o mantenha. Ele não precisa de nada Enquanto viver, mas quando ele morre, parentes distantes Dividem seus bens. Por outro lado, quem se casa Como é mandado, e tem uma boa esposa, compatível, Tem uma vida equilibrada entre o mal e o bem, Uma luta constante. Mas se ele se casa com uma mulher abusiva Ele vive com dores no seu coração o tempo todo, Dores no espírito e na mente, o mal incurável.”

O Trabalho e os Dias É que os deuses mantêm escondido dos humanos o sustento. Pois senão trabalharias fácil, e só um dia, e, mesmo ocioso, terias o bastante para o ano. Logo colocarias o timão sobre a lareira, os trabalhos dos bois e das mulas incansáveis desapareceriam. Mas Zeus escondeu-o, encolerizado em seu coração, porque o enganara Prometeu de curvo pensar. Por isso maquinou amargos cuidados para os humanos, e escondeu o fogo. Por sua vez, o bom filho de Jápeto roubou-o do sábio Zeus para dá-lo aos humanos numa férula oca, passando despercebido a Zeus a quem alegra o trovão. Encolerizado, disse-lhe Zeus que ajunta nuvens: “Filho de Jápeto, mais que todos fértil em planos, alegras-te de ter roubado o fogo e enganado minha inteligência, o que será uma grande desgraça para ti próprio e para os homens futuros. Para compensar o fogo lhes darei um mal, com o qual todos se 76

encantarão em seu espírito, abraçando amorosamente seu próprio mal.” Assim falou, e riu alto o pai de homens e deuses. Então ordenou ao ilustre Hefesto que o mais rápido possível misturasse terra com água e ali infundisse fala e força humanas, e que moldasse, de face semelhante à das deusas imortais, uma forma bela e amável de donzela; depois ordenou a Atena que lhe ensinasse trabalhos, a tecer uma urdidura cheia de arte; a Afrodite dourada, que lhe espargisse a cabeça com graça, penoso desejo e inquietação que devora os membros. Que nela colocasse uma mente desavergonhada e um caráter fingido, ordenou a Hermes mensageiro, o matador do monstro Argos. Assim falou, e eles obedeceram a Zeus soberano, filho de Crono. Logo o célebre deus coxo moldou-a da terra, à semelhança de uma virgem respeitável, seguindo a vontade do filho de Crono; deu-lhe um cinto e enfeitou-a a deusa Atena de olhos brilhantes; as deusas Graças e augusta Persuasão envolveram seu corpo com joias douradas; as Horas de belas cabeleiras coroaram-na com flores primaveris; Palas Atena ajeitou no seu corpo todo o ornamento. Então, o mensageiro matador de Argos fez em seu peito mentiras, palavras sedutoras e um caráter fingido, por vontade de Zeus que grave troveja; assim o arauto dos deuses nela colocou linguagem, e chamou essa mulher Pandora, porque todos os que têm moradas olímpias deram essa dádiva, desgraça para os homens que vivem de pão. Depois, quando completou o irresistível profundo engano, o Pai enviou a Epimeteu o célebre matador de Argos, o rápido emissário dos deuses, levando o presente. E Epimeteu não pensou no que lhe dissera Prometeu: ‘nunca um presente aceitar de Zeus 77

olímpio, mas mandar de volta, para que não venha a ser um mal para os mortais’. Mas ele, depois de o receber, bem quando tinha o mal, compreendeu. Antes, de fato, as tribos dos humanos viviam sobre a terra sem contato com males, com o difícil trabalho ou com penosas doenças que aos homens dão mortes. [Rapidamente em meio à maldade envelhecem os mortais.] Mas a mulher, removendo com as mãos a grande tampa de um jarro, espalhou-os, e preparou amargos cuidados para os humanos. Sozinha ali ficava a Antecipação, na indestrutível morada, dentro, abaixo da boca do jarro, e para fora não voou. Pois antes baixou a tampa do jarro por vontade de Zeus que ajunta nuvens, o detentor da égide. Mas outras incontáveis tristezas vagam entre os homens. Na verdade, a terra está cheia de males, cheio o mar; doenças para os humanos, algumas de dia, outras à noite, por conta própria vêm e vão sem cessar, males aos mortais levando em silêncio, já que privou-as de voz Zeus sábio. Assim, de modo algum pode-se escapar à inteligência de Zeus.

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MULHERES ESPARTANAS Aristóteles § A despreocupação com a conduta das mulheres não é menos nociva à prosperidade do Estado do que à felicidade das cidades. Como o homem e a mulher fazem parte de cada família, é de se esperar que o Estado esteja dividido em dois, metade homens, metade mulheres; donde se segue que todo Estado em que as mulheres não têm leis está na anarquia pela metade. É o que acontece na Lacedemônia. Licurgo, que pretendia enrijecer seu povo com todos os trabalhos penosos, só pensou nos homens e não prestou nenhuma atenção nas mulheres. Elas se entregam a todos os excessos da intemperança e da dissolução; assim, em tal Estado é necessário que as riquezas sejam honradas, principalmente quando as mulheres dominarem, como acontece na maioria das nações guerreiras, com exceção dos celtas e dos povos em que o amor pelos rapazes está publicamente em uso. Não é sem razão que a fábula associa Marte a Vênus, pois todos os povos guerreiros são dados tanto ao amor dos jovens quanto ao amor das mulheres. Este mal manifestou-se ainda mais na Lacedemônia, onde, desde a origem, as mulheres se envolveram em tudo. Pois o que importa que as mulheres mandem ou que os que mandam sejam comandados pelas mulheres? É a mesma coisa. Enquanto a audácia não serve para nada nos negócios ordinários, a não ser na guerra, a audácia das mulheres lacedemônias é sempre nociva, como vimos no tempo da invasão dos tebanos, quando, longe de servir melhor do que as mulheres de outros lugares, deram mais trabalho do que os próprios inimigos. Qual pode ter sido a causa desta excessiva liberdade que os 79

lacedemônios deram a suas mulheres? Sem dúvida, a necessidade em que se viram de se ausentar por longo tempo de casa durante as guerras contra Argos, Messênia e Arcádia. Depois da paz, acharam-se totalmente preparados para manter sua Constituição militar, gênero de vida que abre as portas para grandes virtudes. Dizem que Licurgo tentara sujeitar as mulheres às suas leis, mas a resistência delas fez com que abandonasse a tentativa. Daí toda a desordem que se seguiu. Nossa intenção não é de modo algum decidir quem se deve desculpar, mas apenas examinar o que está bem ou mal estabelecido. Se as mulheres são indisciplinadas, trata-se, repito, não somente de uma indecência para o Estado, mas também de um germe de cobiça e de corrupção. Outro vício a observar é a desigualdade de riquezas. Uns são muito ricos, outros não têm quase nada. Todo o país pertence a um pequeno número de cidadãos. A culpa é da lei: considera muito pouco honroso comprar e vender imóveis - e nisso talvez tenha razão -, mas permite a quem o queira doá-los por testamento. Disso resultam os mesmos inconvenientes. Estando a Lacônia dividida em cinco partes ou tribos, duas delas passaram quase que inteiramente para as mulheres, através das heranças que lhes couberam, além dos ricos dotes que lhes deram. Seria melhor ou proibir inteiramente estes últimos ou só permiti-los quando forem muito módicos ou no máximo medíocres. Atualmente, é permitido dar tudo o que se tem a quem se quiser por testamento, e até entre vivos, sem que se precise instituir herdeiro. Disso resultou que o país, que podia alimentar mil e quinhentos cavaleiros e trinta mil infantes, não alimenta mais do que mil no total. A experiência tornou evidente o vício do regime atual. Reduzido a esta escassez de homens, o Estado desde então não pôde evitar nenhum fracasso, nem sua total ruína. Dizem que, desde os tempos dos primeiros reis, para solucionar o problema do 80

despovoamento, a cidadania foi concedida a vários estrangeiros, de sorte que, apesar da longa duração das guerras, não houve falta de homens. Chegou-se a contar dez mil espartanos; não garanto nenhum desses fatos; porém, verdadeiros ou falsos, seria antes pela partilha eqüitativa dos bens territoriais que se deveria repovoar o Estado. A lei que, para encorajar a fecundidade e multiplicar os nascimentos, dispensa do serviço de guarda quem tiver três filhos, e de todos os impostos quem tiver quatro, vai diretamente contra o seu objetivo. Quanto mais crianças nascerem, mais pobres haverá.

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O CUIDADO DA CASA Aristóteles § No que se refere ao elemento humano, o primeiro cuidado a ter será com a mulher; com efeito, a vida em comum da fêmea e do macho constitui a situação mais natural de todas. Estabelecemos já noutros trabalhos o princípio de que a natureza procura produzir muitas associações desse tipo, como ocorre nas várias espécies de seres vivos. No entanto, é impossível à fêmea sem o macho ou ao macho sem a fêmea cumprir esse desígnio: por conseguinte, a sua vida em comum decorre da própria necessidade. Ora, entre os restantes seres vivos, esta união acontece sem o concurso da razão, já que resulta da partilha de um mesmo instinto natural e visa somente a reprodução; nos animais domésticos e mais providos de inteligência, a articulação é também mais complexa, uma vez que demonstram maior propensão para a ajuda, a benevolência e a colaboração recíprocas. Isto é válido sobretudo para as pessoas, pois a colaboração mútua entre mulher e homem tem por objetivo não apenas a existência, mas ainda o bem-estar. Por outro lado, a procriação de filhos não está somente ao serviço da natureza, mas é também uma forma de garantir o interesse dos progenitores: de fato, as canseiras que, em pleno vigor das forças, suportam pelos filhos ainda fracos, obtêm-nas de volta, na fraqueza da velhice, daqueles que tornaram fortes. Ao mesmo tempo, com esta sucessão periódica, a natureza cumpre o desígnio de assegurar a perenidade da existência, pois, já que o não pode fazer individualmente, fá-lo através da espécie. Desta forma, a natureza de ambos, tanto do homem como da mulher, foi disposta de antemão pela divindade com vista à vida em comum. São diferentes no fato de possuírem capacidades que 82

não se aplicam sempre a idênticas tarefas, pois que algumas vezes as suas funções são opostas entre si, embora venham a contribuir para um objetivo comum. Na verdade, a um sexo fê-lo mais forte e ao outro mais débil, para que o receio levasse este a ser mais cauteloso e a coragem desse àquele a força para repelir os ataques; para que um buscasse o sustento fora de casa e o outro zelasse pelo que existe no seu interior. Quanto ao trabalho, tornou um sexo mais propenso à vida sedentária e sem força para as tarefas ao ar livre; ao outro, fê-lo menos apto para a quietude, mas bem constituído para atividades agitadas. E quanto à descendência, ambos participam na procriação, mas cada um lhes presta uma função própria: a elas compete a alimentação, a eles a educação. Ora, em primeiro lugar, o homem não deve ser injusto para com a mulher; desta forma, também ele ficará menos sujeito a injustiças. Isto aconselha também a norma comum: como afirmam os Pitagóricos, a esposa é como «uma suplicante arrastada do seu lar», pelo que deve ser o menos possível alvo de injustiças: ora injustiça é o que o homem comete, quando mantém ligações fora do lar. Quanto às relações mais íntimas, ela não deve solicitá-lo quando está presente, nem ser incapaz de manter-se sossegada, quando se encontrar ausente; pelo contrário, quer ele esteja presente ou não, deve habituar-se a andar satisfeita. É acertado o conselho de Hesíodo ‘Desposa uma donzela, para lhe moldares o caráter à sabedoria’. É que as diferenças de caráter estão longe de favorecer o afeto. No que se refere a requintes, não devem partilhar a intimidade alardeando um ao outro falsas qualidades, tanto de caráter como de aspecto físico. Uma vida conjugal baseada na afetação em nada se distingue da que representam os atores trágicos, revestidos das suas roupagens. 83

POEMA DE AMOR Safo de Lesbos § Contemplo como o igual dos próprios deuses esse homem que sentado à tua frente escuta assim de perto quando falas com tal doçura e ris cheia de graça. Mal te vejo o coração se agita no meu peito, do fundo da garganta já não sai a minha voz, a língua como que se parte, corre um tênue fogo sob a minha pele, os olhos deixam de enxergar, os meus ouvidos zumbem, e banho-me de suor, e tremo toda, e logo fico verde como as ervas, e pouco falta para que eu não morra ou enlouqueça. [...] Quando eu te vejo, penso que jamais Hermíone foi tua semelhante; que justo é comparar-te à loura Helena, não a qualquer mortal; porque só assim faria justiça à beleza dela: Quando eu te vejo, penso que jamais 84

Hermíone foi tua semelhante; que justo é comparar-te à loura Helena, não a qualquer mortal; Oh, eu farei à tua formosura o sacrifício dos meus pensamentos, todos eles, eu digo, e adorar-te-ei com tudo quanto eu sinto.

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CONSOLAÇÃO A MINHA MÃE HÉLVIA Sêneca § Então, minha querida mamãe, não tens, pelo que me diz respeito, nenhum motivo para te consumires em pranto: resta examinar, ainda, se podem estimular-te motivos particulares; isto é, se pode magoar-te a idéia de que perdeste uma ajuda e uma defesa, ou a idéia de que não podes suportar minha falta. Para a primeira bastam poucas palavras, porque conheço tua alma, e sei que ela, em seus entes queridos, não ama senão eles mesmos. Esta idéia se refere às mães, que, com feminina incapacidade de controle, querem controlar os poderes dos filhos; às mães que, como as mulheres não podem exercer os cargos públicos, satisfazem à própria ambição por meio dos filhos, pondo-a a serviço dos outros. Tiveste grande prazer nos bens de teus filhos, muito pouco gozaste dos mesmos, impuseste sempre um limite à nossa generosidade, sem impor limite algum a ti mesma; quando ainda vivo teu pai, aumentaste a riqueza, que já teus filhos possuíam; administraste nossos haveres com o mesmo cuidado como se fossem teus, com o mesmo escrúpulo como se fossem de outrem; não procuraste nenhuma vantagem de nossa influência, como se fosse coisa de outrem, e de nossas honras não te foi dado mais do que o comprazimento e as despesas: nunca teu afeto visou ao útil. Não podes, pois, magoar-te, porque ao filho, que te foi arrancado, faltem as coisas que, quando ele se encontrava no primitivo estado, nunca as achaste necessárias a teu afeto. Para te dar conforto, devo bater sobre a verdadeira origem de tua grande dor de mãe: "Tenho, então, que me privar do abraço de meu filho amadíssimo; não posso ter a alegria de vê-lo e de falar-lhe! Onde está aquele em cuja presença a tristeza desaparecia 86

de meu rosto e no qual derramava qualquer pensamento triste meu? Onde estão os colóquios, que não me saciavam, os estudos dos quais participava com maior interesse do que é de costume entre as mulheres, com maior camaradagem do que é comum ver nas mães? Onde estão os encontros, nos quais, ao ver sua mãe, ele se iluminava de um riso de eterna criança?" [...] Não é razoável que te desculpes dizendo que és mulher, porque às mulheres é concedido o direito de chorar em demasia, mas não sem um limite. Nossos antepassados estabeleceram onze meses de luto para as mulheres que choravam o marido: por meio desse decreto público vinham a uma transação com a pertinácia da aflição feminina. Não proibiam o luto, mas lhe impunham um termo; afligir-se sem medida, mesmo quando se perde alguém dos entes mais queridos, é um gosto tolo, e não afligir-se em absoluto é dureza desumana: entre o sentimento e a razão o meio-termo ideal é sentir a dor da perda e reprimi-la. Não é razoável que penses em certas mulheres a cuja dor só a morte põe fim (e tu conheces algumas que, pondo o luto pela morte de um filho, nunca mais o tiraram). De ti, ao contrário, pela energia que tua vida exigiu desde o começo, temos o direito de esperar mais: não pode assumir como desculpa o ser mulher quem sempre foi imune aos defeitos das mulheres. Não te arrastou no número das demais o pior vício de nosso tempo, a falta de pudor; não te dobraram nem as jóias nem as pérolas; a riqueza nunca conseguiu brilhar a teus olhos como o máximo bem do gênero humano; a imitação dos piores, que é perigosa mesmo para os honestos, não afastou do caminho certo a ti, que foste criada numa casa antiga e austera; nunca te envergonhaste de tua fecundidade como se fosse coisa repreensível no teu tempo; nunca escondeste, como se fosse um peso vulgar, 87

teu ventre prenhe, como fazem as outras, que se dedicam somente à beleza; nunca suprimiste no seio os filhos concebidos; Não manchaste o teu rosto de cosméticos; nunca te agradaram os vestidos com os quais, quem os veste, está mais nua do que se estivesse nua: único enfeite, beleza superior a qualquer outra e não vinculada a idade alguma, máximo orgulho foi para ti sempre a pudicícia. Não podemos, pois, para legitimar tua dor, servirmo-nos do pretexto de teu sexo, do qual tuas virtudes te afastaram: deves manter-te tão longe dos prantos femininos quanto te mantiveste dos defeitos. Nem as mulheres te deixarão consumir sobre tua ferida, se querem tomar como exemplo aquelas cuja admirada virtude pôs entre o número dos grandes. A sorte reduziu a dois os doze filhos de Cornélia: dez mortos (se repararmos no número) e Gracos (se quisermos fazer a estimação da perda). Contudo, às pessoas que ao redor dela choravam e imprecavam contra seu destino impôs não acusar a sorte, que lhe dera por filhos os Gracos. De uma tal mulher é justo que nascesse aquele que na assembleia ousou dizer: "Tu ousas dizer mal de minha mãe, que gerou a mim?" Mas muito mais corajosas me parecem as palavras da mãe: porque o filho mostrou ser orgulhoso de sua estirpe, a mãe mostrou ser orgulhosa também da morte dos filhos.

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O MACHISMO NA ARTE DE AMAR Ovídio § Esteja, antes de tudo, intimamente persuadido que podes conquistar todas as mulheres; e elas serão tuas; terá apenas que estender tuas armadilhas. Será mais fácil que os pássaros emudeçam na Primavera ou as cigarras no Verão, ou que o cão de Mênalo fuja diante das lebres do que uma mulher resistir à carinhosa solicitude de um homem. Aquela que tens como mais difícil de alcançar, também cederá. O amor furtivo agrada tanto ao homem quanto à mulher. Só que o homem não sabe dissimular e a mulher esconde muito melhor os seus desejos. Ora, se o sexo forte não tomar a dianteira, a mulher vencida tomará para si este papel. Nos prados verdejantes, a fêmea chama o touro com os seus mugidos; é sempre a fêmea quem, com os seus relinchos, chama o garanhão de duros cascos. Entre nós, homens, a paixão é mais comedida, o desejo menos furioso; o ardor do homem respeita as leis. [...] Adiante, pois; não duvides de que podes triunfar de todas as mulheres; entre mil, apenas uma te resistirá. Quer cedam, quer resistam, desejam sempre que se lhes faça a corte; e, mesmo no caso de seres repudiado, que mal poderia te fazer? E por que haverias de fracassar, se achamos sempre mais prazer numa nova volúpia, e aquilo que não temos nos seduz sempre mais do que aquilo que já temos? A seara do campo alheio é sempre mais abundante, e as vacas do vizinho tem os úberes mais cheios! Procura, antes de tudo, conquistar a boa vontade da escrava daquela que queres seduzir. Ela te facilitará os primeiros passos. Verifique se a dona deposita confiança nela, e que se prestará a ser 89

tua cúmplice segura e discreta. Para conquistá-la, use tanto promessas como súplicas; o que almejas, será possível, se ela quiser. Ela escolherá o momento propício (tal como fazem os médicos), quando o ânimo de sua ama esteja bem disposto e pronto para ser seduzido. Esta alma estará pronta para a sedução quando estiver desabrochando de alegria, tal como uma seara madura está pronta para a ceifa. Quando o coração está feliz, não toldado pelo pesar, abre-se sozinho; e nesse momento Vênus, com seus ardis, habilmente o envolve.

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A MULHER SEM PUDOR Juvenal § Olha as rivais das deusas: escuta o que Cláudio suportou. Logo que sua esposa percebia que ele dormia, a augusta meretriz, ousando preferir uma esteira ao leito imperial, ousando cobrir-se com um capuz noturno, largava-se acompanhada por uma só confidente. Depois, disfarçando seus negros cabelos com uma peruca loura, ela entrava pelas cortinas remendadas de um lupanar calorento até um quarto vazio que era o seu. E se deitava nua, expondo os bicos dourados de seus seios, fazendo-se chamar pelo falso nome de Licisca, e mostrando o ventre que te pariu, ó generoso Britânico. Graciosa, recebia os que entravam e até acertava o preço. Tendo já o cafetão despachado suas meninas, ela, triste, logo partia, e, fechando o mais tarde possível o seu quarto, saía com a vulva inchada ainda queimando, cansada de homem, mas não saciada, e, emporcalhada pelas faces sujas e pela fumaça da lamparina, levava, fétida, o cheiro do lupanar para o seu travesseiro. [...] Enquanto a sogra estiver viva tu não terás sossego. É ela que ensina a filha a depenar o marido, a se alegrar com a sua ruína. É ela que lhe ensina a responder grosseiramente ou delicadamente as cartas de um pretendente. É ela que engana ou suborna 91

um vigia. É ela que manda buscar Arquígenes, ainda que a filha esteja bem de saúde, e tira as pesadas cobertas, enquanto o amante, bem escondido no quarto, esperando caladinho e, impaciente, manipula o prepúcio. Esperas acaso que a mãe ensine a filha modos mais corretos que os seus? A velha nojenta faz da filha uma pessoa igual a ela. [...] Se tens a intenção de ser um bom marido e de dedicar-te a uma só mulher, abaixa a cabeça e prepara o teu pescoço para o jugo. Não encontrarás nenhuma disposta a poupar aquele que a ama. Ainda que ela te ame, alegrar-se-á com as preocupações e desgraça do amante.

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O PECADO ORIGINAL Gênesis § E Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos céus, e a todo o animal do campo; mas para o homem não se achava ajudadora idônea. Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar; E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão. E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada. Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne. E ambos estavam nus, o homem e a sua mulher; e não se envergonhavam. Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim? E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos, Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais. Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; 93

tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela. Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais. E ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim pela viração do dia; e esconderam-se Adão e sua mulher da presença do Senhor Deus, entre as árvores do jardim. E chamou o Senhor Deus a Adão, e disse-lhe: Onde estás? E ele disse: Ouvi a tua voz soar no jardim, e temi, porque estava nu, e escondi-me. E Deus disse: Quem te mostrou que estavas nu? Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses? Então disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi. E disse o Senhor Deus à mulher: Por que fizeste isto? E disse a mulher: A serpente me enganou, e eu comi. Então o Senhor Deus disse à serpente: Porquanto fizeste isto, maldita serás mais que toda a fera, e mais que todos os animais do campo; sobre o teu ventre andarás, e pó comerás todos os dias da tua vida. E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar. E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos, e cardos também, te produzirá; e comerás a erva do 94

campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás. E chamou Adão o nome de sua mulher Eva; porquanto era a mãe de todos os viventes. E fez o Senhor Deus a Adão e à sua mulher túnicas de peles, e os vestiu. Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal; ora, para que não estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma e viva eternamente, O Senhor Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden, para lavrar a terra de que fora tomado. E havendo lançado fora o homem, pôs querubins ao oriente do jardim do Éden, e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o caminho da árvore da vida.

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A MENSTRUAÇÃO Levítico § A mulher que deu à luz O Senhor falou a Moisés: “Fala aos israelitas: Quando uma mulher engravida e dá à luz um menino, ficará impura durante sete dias, como nos dias da menstruação. No oitavo dia o menino será circuncidado. A mãe ficará mais trinta e três dias em casa, purificando-se do sangue. Não poderá tocar nada de santo, nem entrar no santuário, até se completarem os dias da purificação. Se der à luz uma menina, ficará impura durante duas semanas, como na menstruação, e permanecerá em casa durante sessenta e seis dias, purificando-se do sangue. Completados os dias da purificação pelo filho ou pela filha, apresentará ao sacerdote, na entrada da Tenda do Encontro, um cordeiro de um ano como holocausto e um pombinho ou uma rola como sacrifício pelo pecado. O sacerdote os oferecerá diante do Senhor, fazendo por ela a expiação, e ela será purificada do fluxo de sangue. Esta é a lei para a mulher que dá à luz um menino ou uma menina. Se não dispuser de recursos suficientes para oferecer um cordeiro, tomará duas rolas ou dois pombinhos, um para o holocausto e outro para o sacrifício pelo pecado. O sacerdote fará por ela a expiação, e será purificada”.

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RESPEITO PELA UNIÃO CONJUGAL Levítico § O Senhor falou a Moisés: “Dize aos israelitas: Eu sou o Senhor vosso Deus. Não imiteis as práticas do Egito, onde morastes. Não imiteis as ações que se praticam em Canaã, aonde vos estou levando; não sigais os seus costumes. Praticareis meus decretos e guardareis minhas leis. Eu sou o Senhor vosso Deus. Guardareis minhas leis e meus decretos, pois o homem que os cumprir, por meio deles viverá. Eu sou o Senhor. Ninguém de vós se aproximará de uma parenta próxima para ter relações sexuais com ela. Eu sou o Senhor. Não desonrarás teu pai, tendo relações sexuais com tua mãe; é tua mãe: não terás relações com ela. Não terás relações sexuais com a concubina de teu pai: seria desonrar o teu pai. Não terás relações sexuais com tua irmã por parte do pai ou por parte da mãe. Tenha nascido na casa ou fora dela, não terás relações com ela. Não terás relações sexuais com tuas netas, pois seria desonrar-te a ti mesmo. Não terás relações sexuais com a filha da concubina de teu pai: sendo nascida de teu pai, é tua irmã; não terás relações com ela. Não terás relações sexuais com tua tia paterna: é o sangue de teu pai. Não terás relações sexuais com tua tia materna: é o sangue de tua mãe. Não desonrarás teu tio, irmão de teu pai, aproximando-te de sua mulher: é tua tia. Não terás relações sexuais com tua nora. É a mulher de teu filho: não terás relações com ela. Não terás relações sexuais com tua cunhada; seria desonrar teu irmão. Não terás relações sexuais com uma mulher e com sua filha, nem tomarás sua sobrinha por parte do filho ou da filha para ter relações com ela: seria uma infâmia, pois são parentes. Não casarás com duas irmãs, criando rivalidades, ao ter relações sexuais com uma enquanto a outra está 97

viva. Não te aproximarás de uma mulher para ter relações sexuais durante a impureza da menstruação. Não dormirás com a mulher de teu próximo,manchando-te com ela. Não darás um filho teu para ser passado pelo fogo em honra de Moloc. Não profanarás o nome de teu Deus. Eu sou o Senhor. Não dormirás com um homem como se dorme com mulher: é uma abominação. Não terás relações carnais com um animal, manchando-te com ele. A mulher não se oferecerá a um animal para copular com ela; é uma perversidade. Não vos mancheis com nenhuma destas coisas, pois é com elas que se mancharam os povos que vou expulsar diante de vós. A terra ficou manchada, eu castiguei sua culpa, e a terra vomitou seus habitantes. Vós, porém, guardai minhas leis e meus decretos e não pratiqueis nenhuma dessas abominações, tanto o nativo como o estrangeiro que reside no meio de vós. Pois os que habitavam esta terra antes de vós praticaram todas essas abominações, e a terra ficou manchada. Não vos vomite a terra pelo fato de a terdes manchado, como vomitou os povos que antes de vós a habitavam. Todo aquele que praticar alguma dessas abominações será eliminado do meio do povo. Guardai minhas ordens. Não sigais nenhum desses costumes abomináveis que se praticavam antes de vós e não vos mancheis com eles. Eu sou o Senhor vosso Deus”.

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CUIDADO COM A MULHER ESTRANHA Livro dos provérbios § Cuidado com a mulher estranha; Meu filho, atende à minha sabedoria e dá ouvido à minha prudência. Assim guardarás teus pensamentos e teus lábios conservarão a disciplina. Pois os lábios da meretriz destilam o mel e mais untuosa que o óleo é a sua conversa. Seu fim, porém, é amargo como o absinto e cortante como uma espada de dois gumes. Seus pés descem para a morte, para o Abismo tendem os seus passos: como não segue a vereda da vida, seus passos são inseguros, e ela própria não sabe. Agora, pois, filho, escuta-me e não te afastes das palavras de minha boca: passe longe dela o teu caminho e não te aproximes da entrada de sua casa. Não cedas a estranhos a tua honra, nem teus anos a um desalmado, para que estranhos não venham a fartar-se de tuas forças e teus trabalhos não terminem em casa alheia. Caso contrário, virias a gemer, no fim de tudo, consumidas tuas forças e teu corpo, dizendo: “Por que fui detestar a disciplina e meu coração rejeitou as advertências? Por que não escutei a voz dos que me ensinavam e não inclinei meu ouvido aos mestres? Por pouco não cheguei ao cúmulo da desgraça, no meio da assembléia e da comunidade!” [...] A sabedoria das mulheres edifica a casa, a insensatez a destrói com 99

as mãos. [...] É melhor morar num canto do sótão do que, com mulher briguenta, na mesma casa. [...] A mulher de valor, quem a encontrará? Ela é muito mais preciosa do que as joias. Seu marido confia nela plenamente e não precisa de outros recursos. Ela lhe proporciona sempre alegria, nunca desgosto, todos os dias de sua vida. Ela procura lã e linho, e trabalha prazerosamente com suas mãos. [...] Seu marido é respeitado no tribunal, quando se assenta entre os anciãos do lugar. Ela fabrica tecidos de linho para vender e fornece cinturões aos comerciantes. Fortaleza e dignidade são seus adornos; ela sorri para o futuro. Abre a boca para a Sabedoria, e uma instrução bondosa está na sua língua. Ela supervisiona o andamento da casa, e não come o pão na ociosidade. Seus filhos levantam-se para felicitá-la e seu marido, para fazer-lhe elogios: “São muitas as mulheres de valor, mas tu ultrapassaste a todas!” O encanto é enganador e a beleza, passageira; a mulher que teme o Senhor, essa sim, merece elogios! Dai-lhe do fruto de seu trabalho, e suas obras a louvem na praça da cidade!

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SOBRE AS MULHERES Eclesiástico § Não tenhas ciúme da tua esposa, para que ela não pense mal de ti! Não dês à mulher poder sobre ti, para que não se meta no que é da tua competência e passes vergonha. Não te dirijas a uma mulher da vida, para que não venhas a cair em seus laços. Não frequentes a sedutora nem a ouças, para que não venhas a perecer por seus atrativos. Não fixes o olhar numa virgem, para que não venhas a cair por sua beleza. Não te entregues às prostitutas em momento algum, para que não venhas a perder-te e a perder a tua herança. Não circules os olhos pelas ruelas da cidade nem vagueies por suas praças. Desvia teu olhar da mulher enfeitada e não olhes com curiosidade para a beleza alheia. Pela beleza de uma mulher muitos pereceram, pois daí se abrasa a concupiscência como o fogo. Jamais te sentes à mesa com mulher casada nem te recostes a seu lado a beber vinho, para que teu coração não venha a inclinar-se para ela e, apaixonado, escorregues para a perdição.

A mulher maldosa Toda ferida é tristeza do coração e toda malícia é maldade de mulher. Toda ferida, mas não a ferida do coração; e toda maldade, mas não a maldade da mulher. Toda desgraça, mas não a causada pelos que nos odeiam; toda 101

vingança, mas não a dos inimigos. Não há veneno pior do que o da cobra, e não há ira pior do que a da mulher É melhor morar com leão e dragão do que conviver com mulher má. A maldade da mulher lhe altera o rosto e lhe obscurece o semblante como o de um urso. Seu marido põe-se à mesa no meio dos vizinhos e, constrangido, suspira amargamente. É pequena toda maldade em comparação com a maldade da mulher: a sorte dos pecadores caia sobre ela. Como a subida pela areia para os pés de um velho, assim é mulher faladeira para marido quieto. Não te deixes levar pela beleza da mulher e não cobices as suas posses Irritação, desrespeito e grande vergonha causa a mulher, se tem o comando sobre o marido. Coração humilhado, rosto sombrio, ferida no coração, eis a obra da mulher má. Mãos enfraquecidas e joelhos vacilantes, eis o que faz a mulher que não torna feliz o seu marido. Da mulher veio o princípio do pecado, e é por causa dela que todos morremos. Não deixes, de tua água, nada escapar, nem dês, à mulher má, liberdade de falar. Se não anda conforme teus acenos, ela te envergonhará à vista dos teus inimigos: corta-a, então, de tua convivência e despacha-a de tua casa.

A boa e a má esposa Feliz o marido que tem uma boa esposa: o número de seus dias será duplicado. A mulher virtuosa é a alegria do marido, que passará em paz os 102

anos de sua vida. Boa esposa é herança excelente, reservada aos que temem o Senhor: ela será dada ao marido em recompensa pelas boas obras. Rico ou pobre, seu marido tem alegria no coração, e em qualquer circunstância mostra um rosto prazenteiro. De três coisas meu coração tem medo, e com a quarta meu rosto esmoreceu: a acusação de uma cidade, o ajuntamento do povo e a calúnia mentirosa, coisas todas piores do que a morte; mas dor profunda e aflição é mulher ciumenta de outra, pois o flagelo da língua a todos atinge. Como a canga dos bois mal ajustada, assim é a mulher má: quem a tem é como se tivesse pegado um escorpião. A mulher beberrona provoca muita raiva e injúria, pois a sua torpeza não fica oculta. A impudicícia da mulher vê-se no movimento dos olhos e se reconhece pelas pálpebras. Com a filha atrevida redobra a vigilância, para que não aproveite a ocasião que encontrar. Cuidado com o olhar de uma desavergonhada e não te admires, se vier a te deixar. [...] Mulher sensata e silenciosa é dom do Senhor e nada é comparável à pessoa bem educada. Mulher santa e pudica é graça sobre graça, e não há medida que determine o valor da alma casta. Como o sol que se levanta para o mundo nas alturas de Deus, assim o encanto da boa esposa na casa bem arrumada.

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A MULHER ADÚLTERA Evangelho de João § PORÉM Jesus foi para o monte das Oliveiras; E pela manhã cedo tornou para o templo, e todo o povo vinha ter com ele, e, assentando-se, os ensinava. E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; E, pondo-a no meio, disseram-lhe: ‘Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu pois que dizes?’ Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra. E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela. E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. Quando ouviram isto, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio. E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: ‘Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?’ E ela disse: ‘Ninguém, Senhor’. E disse-lhe Jesus: ‘Nem eu também te condeno: vai-te, e não peques mais’.

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SOBRE O DIVÓRCIO Evangelho de Marcos § Depois, partindo dali, ele se dirigiu para a região da Judéia, cruzando o rio Jordão. Uma grande multidão se juntou novamente ao redor de Jesus e ele, como era seu costume, os ensinava. Alguns fariseus [a] também se aproximaram dele e lhe perguntaram: —É permitido a um homem se divorciar de sua esposa? (Eles perguntaram isso para colocá-lo à prova.) 3 Ele respondeu: —O que Moisés ordenou? Eles responderam: —Moisés permitiu ao homem dar carta de divórcio e mandar a sua mulher embora. Jesus, porém, lhes disse: —Moisés lhes deu essa lei por causa da dureza de vossos corações. Pois desde o princípio da criação, como foi dito, “Deus os fez homem e mulher”. “Por isso o homem deve deixar seu pai e sua mãe e unir-se à sua esposa, e os dois serão um só”. Portanto, eles não são mais dois, mas sim um só. Por isso, que ninguém separe o que Deus uniu. Quando chegaram a casa, os discípulos voltaram a perguntar sobre este assunto. E Jesus lhes disse: —Quem se divorcia de sua esposa e se casa com uma outra mulher comete adultério contra sua esposa. E a mulher que se divorcia de seu marido e se casa com outro homem também comete adultério.

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MATRIMÔNIO OU CELIBATO? Paulo de Tarso § Passemos agora ao que me escrevestes: «É bom que o homem se abstenha de mulher». Todavia, para evitar a imoralidade, cada homem tenha a sua esposa, e cada mulher o seu marido. O marido cumpra o dever conjugal para com a esposa, e a esposa faça o mesmo com o marido. A esposa não é dona do seu próprio corpo, mas sim o marido. Do mesmo modo, o marido não é dono do seu próprio corpo, mas sim a esposa. Não se recusem um ao outro, a não ser que estejam de comum acordo e por algum tempo, para se entregarem à oração; depois disso, voltem a unir-se, a fim de que Satanás não os tente por não poderem dominar-se. Digo isto como concessão, e não como ordem. Eu gostaria que todos os homens fossem como eu. Mas cada um recebe de Deus o seu dom particular; um tem este dom, e outro tem aquele. Aos solteiros e às viúvas, digo que seria melhor que ficassem como eu. Mas, se não são capazes de dominar os seus desejos, então casem-se, pois é melhor casar-se do que ficar abrasado. Aos que estão casados, ordeno. Aliás, não eu, mas o Senhor: a esposa não se separe do marido; e caso venham a separar-se, não se case de novo, ou então reconcilie-se com o marido. E o marido não se divorcie da sua esposa. Viver unido ou separar-se? — Aos outros, sou eu que digo, não o Senhor: Se algum irmão tem esposa que não é cristã, e ela concorda em viverem juntos, não se divorcie dela. E se alguma mulher tem marido que não é cristão, e ele concorda em viverem juntos, não se divorcie dele. Pois o marido não cristão é santificado pela esposa cristã; e a esposa não cristã é santificada pelo marido cristão. Se assim não fosse, os seus filhos seriam impuros, quando 106

na realidade são consagrados a Deus. Se o não cristão quiser separar-se, que se separe. Nesse caso, o irmão ou irmã não estão vinculados, pois foi para viver em paz que Deus nos chamou. Na verdade, ó mulher, como podes ter a certeza de que salvarás o teu marido? E tu, marido, como podes saber que salvarás a tua mulher? Qual a novidade de ser cristão? — De resto, cada um continue a viver na condição em que o Senhor o colocou, tal como vivia quando foi chamado. É o que ordeno em todas as Igrejas. Alguém foi chamado à fé quando já era circuncidado? Não procure disfarçar a sua circuncisão. Alguém não era circuncidado quando foi chamado à fé? Não se faça circuncidar. Não tem nenhuma importância estar ou não estar circuncidado. O que importa é observar os mandamentos de Deus. Cada um permaneça na condição em que se encontrava quando foi chamado. Eras escravo quando foste chamado? Não te preocupes com isso. Mas, se podes tornar-te livre, não deixes passar a oportunidade. Porque o escravo, que foi chamado no Senhor, é liberto no Senhor. Da mesma forma, aquele que era livre quando foi chamado, é escravo de Cristo. Alguém pagou alto preço pelo vosso resgate: não vos torneis escravos de homens. Irmãos, cada um permaneça diante de Deus na condição em que se encontrava quando foi chamado. E a virgindade? — Quanto às pessoas virgens, não tenho nenhum preceito do Senhor. Porém, como homem que pela misericórdia do Senhor é digno de confiança, dou apenas um conselho: considero boa a condição das pessoas virgens, por causa das angústias presentes. Claro, é bom que o homem continue assim. Estás ligado a uma mulher? Não te separes. Não estás ligado a uma mulher? Não procures mulher. Contudo, se casares, não estarás a cometer pecado; e se uma virgem se casar, não comete pecado. No entanto essas pessoas terão que suportar fardos pesados, e eu desejaria poupar-vos. Uma 107

coisa vos digo, irmãos: o tempo tornou-se breve. De agora em diante, aqueles que têm esposa comportem-se como se não a tivessem; aqueles que choram, como se não chorassem; aqueles que se alegram, como se não se alegrassem; aqueles que compram, como se não possuíssem; os que tiram partido deste mundo, como se não desfrutassem. Porque a aparência deste mundo é passageira. Eu gostaria que estivésseis livres de preocupações. Quem não tem esposa, cuida das coisas do Senhor e do modo de agradar ao Senhor. Quem tem esposa, cuida das coisas do mundo e de como agradar à esposa, e fica dividido. Assim também, a mulher solteira e a virgem cuidam das coisas do Senhor, a fim de serem santas de corpo e espírito. Mas a mulher casada cuida das coisas do mundo e de como possa agradar ao marido. Digo isto para o vosso bem, não para armar uma cilada; simplesmente para que façais o que é mais nobre e possais permanecer sem distração junto do Senhor. Como decidir? — Se alguém, transbordando de paixão, acha que não conseguirá respeitar a noiva, e que as coisas devem seguir o seu curso, faça o que quiser. Não peca; que se casem. Ao contrário, se alguém, por firme convicção, sem constrangimento e no pleno uso da sua vontade, resolve respeitar a sua noiva, está agindo bem. Portanto, quem se casa com a sua noiva faz bem; e quem não se casa, procede melhor ainda. As viúvas podem casar-se de novo? — A esposa está ligada ao marido durante todo o tempo em que ele viver. Se o marido morrer, ela ficará livre para casar-s com quem quiser; mas apenas no Senhor. A meu ver, porém, ela será mais feliz se ficar como está. Penso que eu também possuo o Espírito de Deus.

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O VÉU DAS MULHERES Paulo de Tarso § Elogio-vos, porque em todas as ocasiões vos lembrais de mim, e porque conservais as tradições conforme eu vo-las transmiti. Todavia, quero que saibais que a cabeça de todo o homem é Cristo, que a cabeça da mulher é o homem, e a cabeça de Cristo é Deus. Todo o homem que reza ou profetiza de cabeça coberta, desonra a sua cabeça. Mas, toda a mulher que reza ou profetiza de cabeça descoberta, desonra a sua cabeça; é como se estivesse com a cabeça rapada. Se a mulher não se cobre com o véu, mande cortar os cabelos. Mas, se é vergonhoso para uma mulher ter os cabelos cortados ou rapados, então cubra a cabeça. O homem não deve cobrir a cabeça, porque é a imagem e a glória de Deus; mas a mulher é a glória do homem. Pois o homem não foi tirado da mulher, mas a mulher foi tirada do homem. E o homem não foi criado para a mulher, mas a mulher foi criada para o homem. Sendo assim, a mulher deve trazer sobre a cabeça o sinal da sua dependência, por causa dos anjos. Portanto, diante do Senhor, a mulher é inseparável do homem, e o homem da mulher. Pois, se a mulher foi tirada do homem, o homem nasce da mulher, e tudo vem de Deus. Julgai por vós mesmos: será conveniente que uma mulher reze a Deus sem estar coberta com o véu? A própria natureza ensina que é desonroso para o homem ter cabelos compridos; no entanto, para a mulher é glória ter longa cabeleira, porque os cabelos lhe foram dados como véu. Contudo, se alguém quiser contestar, não temos esse costume, e nem as Igrejas de Deus. Eucaristia e coerência — Dito isto, não posso elogiar-vos, porque as vossas assembleias, em vez de vos ajudarem a progredir, prejudicam-vos. Antes de tudo, ouço dizer que, quando vos reunis 109

em assembleia, há divisões entre vós. E, em parte, acredito nisso. É preciso mesmo que haja divisões entre vós, a fim de que se veja quem dentre vós resiste a essa prova.

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MULHERES SÁBIAS Evangelho de Maria Magdalena § O Salvador disse: "Todas as espécies, todas as formações, todas as criaturas estão unidas, elas dependem umas das outras, e se separarão novamente em sua própria origem. Pois a essência da matéria somente se separará de novo em sua própria essência. Quem tem ouvidos para ouvir que ouça." Pedro lhe disse: "Já que nos explicaste tudo, dize-nos isso também: o que é o pecado do mundo?" Jesus disse: "Não há pecado; sois vós que os criais, quando fazeis coisas da mesma espécie que o adultério, que é chamado 'pecado'. Por isso Deus Pai veio para o meio de vós, para a essência de cada espécie, para conduzi-la a sua origem." Em seguida disse: "Por isso adoeceis e morreis [...]. Aquele que compreende minhas palavras, que as coloque-as em prática. A matéria produziu uma paixão sem igual, que se originou de algo contrário à Natureza Divina. A partir daí, todo o corpo se desequilibra. Essa é a razão por que vos digo: tende coragem, e se estiverdes desanimados, procurais força das diferentes manifestações da natureza. Quem tem ouvidos para ouvir que ouça." Quando o Filho de Deus assim falou, saudou a todos dizendo: "A Paz esteja convosco. Recebei minha paz. Tomai cuidado para ninguém vos afaste do caminho, dizendo: 'Por aqui' ou 'Por lá', Pois o Filho do Homem está dentro de vós. Segui-o. Quem o procurar, o encontrará. Prossegui agora, então, pregai o Evangelho do Reino. Não estabeleçais outras regras, além das que vos mostrei, e não instituais como legislador, senão sereis cerceados por elas." Após dizer tudo isto partiu. 111

Mas eles estavam profundamente tristes. E falavam: "Como vamos pregar aos gentios o Evangelho ao Reino do Filho do Homem? Se eles não o procuraram, vão poupar a nós?" Maria Madalena se levantou, cumprimentou a todos e disse a seus irmãos: "Não vos lamentais nem sofrais, nem hesiteis, pois sua graça estará inteiramente convosco e vos protegerá. Antes, louvemos sua grandeza, pois Ele nos preparou e nos fez homens". Após Maria ter dito isso, eles entregaram seus corações a Deus e começaram a conversar sobre as palavras do Salvador. Pedro disse a Maria: "Irmã, sabemos que o Salvador te amava mais do que qualquer outra mulher. Conta-nos as palavras do Salvador, as de que te lembras, aquelas que só tu sabes e nós nem ouvimos." Maria Madalena respondeu dizendo: "Esclarecerei a vós o que está oculto". E ela começou a falar essas palavras: "Eu", disse ela, "eu tive uma visão do Senhor e contei a Ele: 'Mestre, apareceste-me hoje numa visão'. Ele respondeu e me disse: 'Bem aventurada sejas, por não teres fraquejado ao me ver. Pois, onde está a mente há um tesouro'. Eu lhe disse: 'Mestre, aquele que tem uma visão vê com a alma ou como espírito?' Jesus respondeu e disse: 'Não vê nem com a alma nem com o espírito, mas com a consciência, que está entre ambos - assim é que tem a visão' [...]". "E o desejo disse à alma: 'Não te vi descer, mas agora te vejo subir. Por que falas mentira, já que pertences a mim?' A alma respondeu e disse: 'Eu te vi. Não me viste, nem me reconheceste. Usaste-me como acessório e não me reconheceste'. Depois de dizer isso, a alma foi embora, exultante de alegria." "De novo alcançou a terceira potência, chamada ignorância. A potência inquiriu a alma, dizendo: 'Onde vais? Estás aprisionada à maldade. Estás aprisionada, não julgues!' E a alma disse: 'Por que me julgaste apesar de eu não haver julgado? Eu estava aprisionada; 112

no entanto, não aprisionei. Não fui reconhecida que o Todo se está desfazendo, tanto as coisas terrenas quanto as celestiais'." "Quando a alma venceu a terceira potência, subiu e viu a quarta potência, que assumiu sete formas. A primeira forma, trevas,; a segunda , desejo; a terceira, ignorância,; a quarta, é a comoção da morte; a quinta, é o reino da carne; a sexta, é a vã sabedoria da carne; a sétima, a sabedoria irada. Essas são as sete potências da ira. Elas perguntaram à alma: 'De onde vens, devoradoras de homens, ou onde vais, conquistadora do espaço?' A alma respondeu dizendo: 'O que me subjugava foi eliminado e o que me fazia voltar foi derrotado..., e meu desejo foi consumido e a ignorância morreu. Num mundo fui libertada de outro mundo; num tipo fui libertada de um tipo celestial e também dos grilhões do esquecimento, que são transitórios. Daqui em diante, alcançarei em silêncio o final do tempo propício, do reino eterno'." Depois de ter dito isso, Maria Madalena se calou, pois até aqui o Salvador lhe tinha falado. Mas André respondeu e disse aos irmãos: "Dizei o que tendes para dizer sobre o que ela falou. Eu, de minha parte, não acredito que o Salvador tenha dito isso. Pois esses ensinamentos carregam idéias estranhas". Pedro respondeu e falou sobre as mesmas coisas. Ele os inquiriu sobre o Salvador: "Será que ele realmente conversou em particular com uma mulher e não abertamente conosco? Devemos mudar de opinião e ouvirmos ela? Ele a preferiu a nós?" Então Maria Madalena se lamentou e disse a Pedro: "Pedro, meu irmão, o que estás pensando? Achas que inventei tudo isso no mau coração ou que estou mentindo sobre o Salvador?" Levi respondeu a Pedro: "Pedro, sempre fostes exaltado. Agora te vejo competindo com uma mulher como adversário. Mas, se o Salvador a fez merecedora, quem és tu para rejeitá-la? Certamente 113

o Salvador a conhece bem. Daí a ter amado mais do que a nós. É antes, o caso de nos envergonharmos e assumirmos o homem perfeito e nos separaremos, como Ele nos mandou, e pregarmos o Evangelho, não criando nenhuma regra ou lei, além das que o Salvador nos legou." Depois que Levi disse essas palavras, eles começaram a sair para anunciar e pregar.

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HIPÁCIA, A ÚLTIMA FILÓSOFA DO MUNDO ANTIGO Damascius § Hipácia, filha de Theon, o geômetra e filósofo de Alexandria, era ela mesma uma filósofa bem conhecida. Ela teria sido esposa do filósofo Isidorus, e floresceu sob o imperador Arcádio. Autor de um comentário sobre Diofanto, ela também escreveu uma obra chamada O Cânone Astronômico e um comentário sobre Apolônio. Ela foi dilacerada pelos alexandrinos, e seu corpo foi ridicularizado e espalhado por toda a cidade. Isso aconteceu por causa da inveja em relação a sua sabedoria notável, especialmente em astronomia. Alguns dizem que Cirilo foi responsável por este ultraje; outros culpam a ferocidade e as violentas tendências inatas dos alexandrinos: eles lidavam com muitos de seus bispos da mesma forma, como por exemplo, com Jorge e Proterius. Hipácia foi nascida, criada e educada em Alexandria. Dado que ela tinha um gênio maior que seu pai, ela não estava satisfeita com o seu conhecimento em assuntos matemáticos; ela também se dedicou com afinco em toda a filosofia. A mulher costumava colocar a sua capa de filósofa e caminhava pelo meio da cidade e interpretar publicamente Platão, Aristóteles ou as obras de qualquer outro filósofo para aqueles que quisessem ouvi-la. Além de sua experiência em ensino, ela atingiu o topo da virtude cívica. Ela era justa e casta, e permaneceu sempre virgem. Ela era tão bonita e tão bem torneada que um de seus alunos se apaixonou por ela, sendo incapaz de controlar a si mesmo, e abertamente mostrou-lhe um sinal de sua paixão. Relatos contraditórios dizem que Hipácia teve que curá-lo de sua aflição com a ajuda da música. A verdade é que a história sobre a música é mentira. Na verdade, ela reuniu trapos que tinham sido 115

manchados durante o seu período e lhes mostrou, como um sinal da descida de sua impureza e disse: "Isto é o que você ama, meu jovem, e não é bonito!" Ele ficou tão chocado pela vergonha e espanto ao ver a feiura da cena que experimentou uma mudança de coração, e foi embora um homem melhor. Tal era Hipácia, articulada e eloquente ao falar, prudente e civilizada nos seus atos. Toda a cidade justamente a amava e adorava ela de uma forma notável, mas os governantes da cidade a invejavam, algo que muitas vezes aconteceu em Atenas também. Pois, se a própria filosofia havia perecido, no entanto, seu nome ainda parecia magnífico e venerável aos homens que exerciam a liderança no Estado. Assim aconteceu um dia que Cirilo, bispo da seita opositora [ou seja, o cristianismo] estava passando pela casa de Hipácia, e ele viu uma grande multidão de pessoas e cavalos na frente de sua porta. Alguns estavam chegando, alguns partindo, e outros estavam ao redor. Quando ele perguntou por que havia uma multidão lá, e que todo o alarido era esse, ele foi informado por seus seguidores que era a casa de Hipácia, a filósofa, e ela estava prestes a recebê-los. Cirilo ficou tão impressionado que foi tomado pela inveja, e imediatamente começou a traçar o seu assassinato da forma mais hedionda e criminosa. Pois, quando Hipácia saiu de sua casa, de maneira habitual, uma multidão de homens impiedosos e ferozes que não temia nem punição divina nem humana atacaram-na de vingança, e cortaram-na de cima a baixo, cometendo assim um ato ultrajante e vergonhoso contra a sua pátria. O Imperador estava com raiva, e ele teria se vingado, se Edésio [encarregado da punição] não tivesse sido subornado. Assim, o Imperador lançou o castigo sobre sua cabeça e família, e seus descendentes pagaram alto preço. A memória desses eventos ainda está viva entre os alexandrinos. 116

A MULHER PARA OS PRIMEIROS PENSADORES MEDIEVAIS §

Tertuliano E tu não sabes que és uma Eva? A sentença de Deus sobre este teu sexo vive nesta era: a culpa deve necessariamente viver também. Tu és a porta do demônio; és a que quebrou o selo daquela árvore proibida; és a primeira desertora da lei divina; és a que convenceu aquele a quem o diabo não foi suficientemente valente para atacar. Assim facilmente destruíste a imagem de Deus, o homem. Devido à tua deserção, incluso o Filho de Deus teve que morrer. ["De Culta Feminarum", 1.1] Agostinho E a serpente, desejando para seus fins perversos ludibriar a vontade de Deus, tentou primeiramente a mulher, a parte mais fraca da aliança humana, para que pudesse assim ganhar a tudo, já que sabia que o homem não lhe daria ouvidos tão facilmente, nem seria enganado, mas que poderia se render ao erro por causa da mulher. Pois Abraão não cedeu quando quiseram que ele fizesse um ídolo, nem Salomão foi cego de cair na tentação dos ídolos por causa da sedução das mulheres. Por isso, não podemos acreditar que Adão foi enganado, cedendo ao erro e provando ser a palavra do Diabo verdadeira. Ele não transgrediu a lei de Deus, mas rendeu-se aos apelos da mulher, a esposa do marido, o humano que veio de seu ser. Adão não caiu em engano, mas Eva sim, pois que transgrediu a lei de Deus; porque a mulher aceitou como verdade o que a serpente disse à ela, e ele não podia separar-se dela, suportando assim a cumplicidade no pecado. [Cidade de Deus, 14, 11] 117

Isidoro de Sevilha “Mulher”: O nome de varão (vir) se explica porque nele há maior força (vis) que na mulher: daqui deriva também o nome de virtude (virtus); ou talvez porque obriga a mulher por força. A mulher (mulier) deriva a sua denominação de doçura (mollities), como se disséssemos mollier, suprimindo ou alterando letras resulta o nome de mulier. A diferença entre o homem e a mulher radica na força e na debilidade de seu corpo. A força é maior no homem e menor na mulher, a fim de que a mulher possa suportá-lo, e além disso, não aconteça que, ao ver-se rechaçado pela mulher, o marido se veja empurrado pela concupiscência a buscar outra coisa ou deseje o prazer homossexual. “Menstruação”: Menstrua é o sangue supérfluo das mulheres. Denomina-se menstrua devido ao ciclo lunar, tempo que costuma mediar na repetição do fluxo; pois a lua se denomina mene. É conhecido também com o nome de muliebria, pois a mulher é o único ser vivente que tem menstruação. Ao contato com este sangue, os frutos não germinam, os mostos azedam, as ervas se esgotam, as árvores perdem seus frutos, o ferro fica corroído pela ferrugem, os bronzes se tornam enegrecidos. Se os cães comerem algo que esteve em contato com ele, tornam-se loucos. O betume do asfalto, que não se dissolve nem com o ferro nem com a água, desmorona-se no ponto em que é salpicado por este sangue. {Etimologias]

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A MULHER NO ISLÃ Alcorão § Está-vos permitido, nas noites de jejum, acercar-vos de vossas mulheres, porque elas são vossas vestimentas e vós o sois delas. Deus sabe o que vós fazíeis secretamente; porém, absorveu-vos e vos indultou. Acercai-vos agora delas e desfrutai do que Deus vos prescreveu. Comei e bebei até à alvorada, quando podereis distinguir o fio branco do fio negro. Retornai, então ao, jejum, até ao anoitecer, e não vos acerqueis delas enquanto estiverdes retraídos nas mesquitas. Tais são as normas de Deus; não as transgridais de modo algum. Assim Deus elucida os Seus versículos aos humanos, a fim de que O temam. Consultar-te-ão acerca da menstruação; dize-lhes: É uma impureza. Abstende-vos, pois, das mulheres durante a menstruação e não vos acerqueis delas até que se purifiquem; quando estiverem purificadas, aproximai-vos então delas, como Deus vos tem disposto, porque Ele estima os que arrependem e cuidam da purificação. Vossas mulheres são vossas semeaduras. Desfrutai, pois, da vossa semeadura, como vos apraz; porém, praticai boas obras antecipadamente, temei a Deus e sabei que compareceis perante Ele. E tu (ó Mensageiro), anuncia aos fiéis (a bem-aventurança). Não tomeis (o nome de) Deus como desculpa, em vosso juramento, para não serdes benevolentes, devotos e reconciliardes os homens, porque Deus é Oniouvinte, Sapientíssimo. Deus não vos recriminará por vossos juramentos involuntários; porém, responsabilizar-vos-á pelas intenções dos vossos corações. Sabei que Deus é Tolerante, Indulgentíssimo. Aqueles que juram abster-se das suas mulheres deverão aguardar 119

um prazo de quatro meses. Porém, se então voltarem a elas, saibam que Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo. Quando vos divorciardes das mulheres, ao terem elas cumprido o seu período prefixado, tomai-as de volta eqüitativamente, ou liberta-as eqüitativamente. Não as tomeis de volta com o intuito de injuriá-las injustamente, porque quem tal fizer condenar-se-á. Não zombeis dos versículos de Deus e recordai-vos das Suas mercês para convosco e de quanto vos revelou no Livro, com sabedoria, mediante o qual vos exorta. Temei a Deus e sabei que Deus é Onisciente. Se vos divorciardes das mulheres, ao terem elas cumprido o seu período prefixado, não as impeçais de renovar a união com os seus antigos maridos, se ambos se reconciliarem voluntariamente. Com isso se exorta a quem dentre vós crê em Deus e no Dia do Juízo Final. Isso é mais puro e mais virtuoso para vós, porque Deus sabe e vós ignorais. As mães (divorciadas) amamentarão os seus filhos durante dois anos inteiros, aos quais desejarem completar a lactação, devendo o pai mantê-las e vesti-las eqüitativamente. Ninguém é obrigado a fazer mais do que está ao seu alcance. Nenhuma mãe será prejudicada por causa do seu filho, nem tampouco o pai, pelo seu. O herdeiro do pai tem as mesmas obrigações; porém, se ambos, de comum acordo e consulta mútua, desejarem a desmama antes do prazo estabelecido, são serão recriminados. Se preferirdes tomar uma ama para os vossos filhos, não sereis recriminados, sempre que pagueis, estritamente, o que tiverdes prometido. Temei a Deus e sabe que Ele vê tudo quanto fazeis. Quanto àqueles, dentre vós, que falecerem e deixarem viúvas, estas deverão aguardar quatro meses e dez dias. Ao cumprirem o período prefixado, não sereis responsáveis por tudo quanto fizerem honestamente das suas pessoas, porque Deus está bem 120

inteirado de tudo quanto fazeis. Tampouco sereis censurados se fizerdes alusão a uma proposta de casamento e estas mulheres, ou pensardes em fazê-lo. Deus bem sabe que vos importais com elas; porém, não vos declareis a elas indecorosamente; fazei-o em termos honestos e não decidais sobre o contrato matrimonial até que haja transcorrido o período prescrito; sabei que Deus conhece tudo quanto ensejais. Temei-O, pois, e sabeis que Ele é Tolerante, Indulgentíssimo. Não sereis recriminados se vos divorciardes das vossas mulheres antes de as haverdes tocado ou fixado o dote; porém, concedei-lhes um presente; rico, segundo as suas posses, e o pobre, segundo as suas, porque conceder esse presente é obrigação dos benfeitores. E se vos divorciardes delas antes de as haverdes tocado, tendo fixado o dote, corresponder-lhes-á a metade do que lhes tiverdes fixado, a menos que, ou elas abram mão (disso)(105), ou faça quem tiver o contrato matrimonial em seu poder(106). Sabei que o perdão está mais próximo da virtude e não esqueçais da liberalidade entre vós, porque Deus bem vê tudo quanto fazeis.

Esposas Se temerdes ser injustos no trato com os órfãos, podereis desposar duas, três ou quatro das que vos aprouver, entre as mulheres. Mas, se temerdes não poder ser eqüitativos para com elas, casai, então, com uma só, ou conformai-vos com o que tender à mão. Isso é o mais adequado, para evitar que cometais injustiças. [...] Não vos caseis com as mulheres que desposaram os vosso pais – salvo fato consumado (anteriormente) – porque é uma obscenidade, uma abominação e um péssimo exemplo. Está-vos vedado casar com: vossas mães, vossas filhas, vossas 121

irmãs, vossas tias paternas e maternas, vossas sobrinhas, vossas nutrizes, vossas irmãs de leite, vossas sogras, vossas enteadas, as que estão sob vossa tutela – filhas das mulheres com quem tenhais coabitado; porém, se não houverdes tido relações com elas, não sereis recriminados por desposá-las. Também vos está vedado casar com as vossas noras, esposas dos vossos filhos carnais, bem como unir-vos, em matrimônio, com duas irmãs – salvo fato consumado (anteriormente) -; sabei que Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo. Também vos está vedado desposar as mulheres casadas, salvo as que tendes à mão. Tal é a lei que Deus vos impõe. Porém, fora do mencionado, está-vos permitido procurar, munidos de vossos bens, esposas castas e não licenciosas. Dotai convenientemente aquelas com quem casardes, porque é um dever; contudo, não sereis recriminados, se fizerdes ou receberdes concessões, fora do que prescreve a lei, porque Deus é Sapiente, Prudentíssimo. E quem, dentre vós, não possuir recursos suficientes para casar-se com as fiéis livres, poderá fazê-lo com uma crédula, dentre vossas cativas fiéis, porque Deus é Quem melhor conhece a vossa fé – procedeis uns dos outros; casai com elas, com a permissão dos seus amos, e dotai-as convenientemente, desde que sejam castas, não licenciosas e não tenham amantes. Contudo, uma vez casadas, e incorrerem em adultério, sofrerão só a metade do castigo que corresponder às livres; isso, para quem de vós temer cair em pecado. Mas se esperardes, será melhor; sabei que Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo.

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A MULHER INFIEL As Mil e uma Noites § Conta-se - mas só Alá sabe tudo - que havia nas dobras do tempo e dos séculos um rei da dinastia dos Sassan que reinava nas ilhas da Índia e da China. E tinha dois filhos: Chahriar e Chahzaman. Ambos eram governantes justos, e seus povos amavam-nos. Certo dia, Chahriar sentiu irresistível saudade do irmão e enviou seu vizir para convidá-lo. Chahzaman respondeu: "Ouço e obedeço”. Fez os preparativos necessários, encarregou o vizir de governar na sua ausência e partiu. No meio do caminho, lembrou-se de que havia esquecido um documento que queria mostrar ao irmão e voltou para apanhá-lo. Ao chegar ao palácio, encontrou a mulher deitada no seu leito imperial com um escravo negro. Pensou: "Se tais coisas acontecem quando ainda não saí da cidade, qual não será a conduta desta devassa se demorar-me muito tempo no reino de meu irmão?" Sacou da espada, cortou as duas cabeças e retomou viagem. Mas uma grande tristeza apoderou-se dele. Emagreceu, empalideceu. Ao vê-lo assim, o irmão preocupou-se e indagou-lhe sobre as causas de sua depressão. Ele não quis contar. Para distraí-lo e diverti-lo, Chahriar organizou uma excursão de caça e um safári, em sua honra. Assim mesmo, no último momento, desculpou-se, e seu irmão saiu sozinho com os convidados.No palácio do rei, havia janelas que davam para o jardim. O rei Chahzaman olhou através de uma delas e viu vinte escravas saírem do palácio acompanhadas por vinte escravos e dirigirem-se para um açude no meio do jardim. E ficou espantado ao reconhecer no meio do grupo a própria esposa do irmão, a qual, num determinado momento, chamou a si um negro gigante e entregou-se a ele na presença de todos, dando assim sinal para 123

que escravos e escravas se juntassem e imitassem a rainha. Observando tudo isso, Chahzaman pensou: "Por Alá, minha desgraça é menos pesada que a de meu irmão”.E, instantaneamente, a alegria voltou-lhe ao coração e as cores às faces pálidas. Quando Chahriar voltou, alegrou-o ver o irmão recuperado e quis saber a causa de mudança tão repentina. "Posso contar-te a causa de minha depressão, não de meu restabelecimento”, disse Chahzaman. E contou-Ihe o que acontecera entre ele e sua mulher. Mas o irmão queria saber também o segredo de seu restabelecimento e insistiu. Chahzaman acabou por lhe contar o que observara da janela do palácio. - Primeiro, gostaria de ver tudo isso com os próprios olhos, disse Chahriar. -É fácil, replicou o irmão. Proclama que estás viajando para um país longínquo, sai publicamente da cidade e a ela volta em segredo, e poderás assistir a tudo da janela como fiz. Imediatamente, o rei encarregou um pregoeiro de anunciar a sua ida numa viagem demorada. Os soldados acompanharam-no e instalaram um campo fora da cidade. O rei entrou em sua tenda e ordenou aos criados que não deixassem entrar pessoa alguma. Depois, disfarçou-se em mercador e, voltando secretamente ao palácio, pôs-se à janela indicada. Menos de uma hora depois, viu vinte escravas e vinte escravos rodearem a rainha, viu o negro gigante e tudo o que seu irmão lhe descrevera. O rei quase perdeu a razão e disse ao irmão: "Vamos procurar outro destino pelos caminhos de Alá, pois só teremos direito a voltar a nossos tronos se localizarmos homens mais desgraçados que nós." Saíram do palácio e viajaram dias e noites até que chegaram a um prado à beira-mar. Naquele prado havia um córrego de água fresca. Os dois irmãos sentaram-se debaixo de uma árvore para beber e descansar. Logo, viram o mar agitar-se e dele sair uma 124

coluna de fumaça negra, e a fumaça transformar-se num gênio de enorme estatura, carregando um cofre. Aproximou-se da árvore, sentou-se e abriu o cofre, e os dois irmãos viram nele uma mulher de grande beleza que lembrava as palavras do poeta: “Apareceu na noite e transformou-a em dia”. E os viajantes se orientaram pela sua luz. Seus olhos eclipsam os sóis e as luas. As criaturas dançam de alegria quando ela chega. E a natureza chove lágrimas quando ela se vai.” O gênio tirou a mulher do cofre e disse-lhe: "Vou dormir um pouco”. E, apoiando a cabeça nos joelhos dela, fechou os olhos e dormiu. Ao ver os dois reis, a mulher acenou-Ihes para se aproximarem. Mas eles explicaram por sinais que tinham medo do gênio. "Não tenhais medo”, replicou. "Ele nunca acorda antes da hora habitual. Dispondes de muito tempo”.E como eles continuaram a hesitar, tirou a cabeça do gênio de cima dos joelhos, depositou-a sobre uma pedra e disse aos reis: "Se não vos aproximardes e me furardes, acordarei o gênio que vos submeterá à mais horrível das mortes." Então eles fizeram o que ela queria. E ela mostrou-lhes um pequeno saco cheio de anéis: - Sabeis o que são estes anéis? Perguntou. São os anéis de 60 homens que copularam comigo sob os cornos deste cretino Afrit. Agora, dai-me vossos anéis para que os junte à minha coleção. Acrescentou: “Este Afrit apaixonou-se por mim, raptou-me na noite de meu casamento e me encarcerou neste cofre, sendo mortalmente ciumento. Mas ele não sabe que seja o que for que uma mulher deseja, nada a impedirá de consegui-lo”. Disse o poeta: 125

“Não confies nas mulheres E não dês fé às suas juras. Pois seus humores dependem de seus ovários. Exibem amor fingido E agem com perfídia. Que a história de José te ponha de pré-aviso. Não vês que o demônio expulsou Adão do paraíso Por causa de uma delas?” Os irmãos olharam um para o outro e disseram: "Se a este gênio acontecem coisas assim apesar de sua força e vigilância, podemos sentir-nos consolados”. E regressaram a seus palácios. Chahriar mandou cortar a cabeça de sua esposa e dos quarenta escravos e escravas. E a fim de prevenir qualquer futura traição, decidiu casar-se cada noite com uma nova donzela e mandar matá-la na aurora.

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O FILÓSOFO QUE NÃO SABE AMAR Heloísa § Tens uma ciência eminente, eu só tenho a humildade da minha ignorância; melhor que eu, sabes quantos tratados os Pais da Igreja já escreveram para a instrução, a direção e o consolo das mulheres santas, e que cuidados eles puseram em compô-los. Também me espantei grandemente em ver há quanto tempo deixas em esquecimento a obra mal começada de nossa conversão. Nem o respeito de Deus, nem nosso amor, nem os exemplos dos Santos Padres puderam te decidir a sustentar, de viva voz ou por carta, minha alma vacilante e constantemente afligida de dor! E não obstante sabes que laço nos prende e te obriga, e que o sacramento nupcial te une a mim, de uma maneira tanto mais estreita porquanto sempre te amei, diante do mundo, de um amor sem medida. Sabes, meu bem-amado, e todos o sabem, quanto perdi em ti; sabes em que terríveis circunstâncias a indignidade de uma traição pública arrancou-me do século ao mesmo tempo que a ti, e sofro incomparavelmente mais pela maneira por que te perdi do que pela própria perda. Quanto maior o objeto da dor, maiores devem ser os remédios do consolo. Tu só, e não um outro, tu só, que és a causa única da minha dor, me trarás a graça do consolo. Tu só, que me contristaste, poderás trazer-me alegria, ou ao menos amenizar minha pena. Tu só o deves a mim, pois cegamente cumpri todas as tuas vontades, a ponto de, não podendo me decidir a te opor a menor resistência, ter a coragem de me perder a mim mesma, sob tua ordem. Nem mais, por um efeito inacreditável, meu amor tornou-se tal delírio que se arrebatou, sem esperança de jamais recuperar o único objeto do 127

seu desejo, no dia em que, para te obedecer, tomei o hábito e aceitei mudar de coração. Provei-te assim que reinas como único senhor tanto sobre minha alma como sobre meu corpo. Deus o sabe, jamais procurei em ti senão a ti mesmo. Era somente tu que eu desejava, não aquilo que te pertencia ou aquilo que representas. Não esperava nem casamento nem vantagens materiais, não pensava nem em meu prazer nem nas minhas vontades; buscava apenas, bem o sabes, satisfazer teus desejos. O nome de esposa parece mais sagrado e mais forte, entretanto o de amiga sempre me pareceu mais doce. Teria apreciado, permiti-me dizê-lo, o de concubina ou de mulher de vida fácil, tanto me parecia que, em me humilhando ainda mais, aumentaria meus títulos a teu reconhecimento e menos prejudicaria a glória do teu gênio. Não o esqueceste completamente. Nessa carta de consolo a teu amigo, bem quiseste expor tu mesmo algumas das razões que eu invocava para te afastar dessa infeliz união. Não obstante, calaste a maior parte daquelas que me faziam preferir o amor ao casamento e a liberdade à ligação. Tomo Deus por testemunha: o próprio Augusto, o senhor do mundo, tivesse ele se dignado a pedir minha mão e a me assegurar para sempre o império do universo, eu teria considerado mais doce e nobre conservar o nome de cortesã junto a ti que tomar o de imperatriz junto a ele! A verdadeira grandeza humana não provém nem da riqueza nem da glória: aquela é o efeito do acaso; esta, da virtude. A mulher que prefere esposar um rico a um pobre vende-se a ele e ama em seu marido mais os seus bens que a ele próprio. Aquela que uma tal cobiça leva ao casamento merece um outro pagamento que não o amor. Ela se prende menos, efetivamente, a um ser humano do que às coisas; se se apresentasse a ocasião, certamente ela se prostituiria a um mais rico ainda. 128

OS MALES HUMANOS Romance da Rosa § A seguir, estava pintada a Inveja, que nunca havia sorrido em toda a sua vida, e nunca havia se alegrado por nada, a não ser por ter visto ou escutado alguém contar uma grande desgraça: nada a agradava tanto quanto a dor e a calamidade. O que ela mais gosta é de ver que um grande infortúnio caiu sobre uma pessoa próxima. Então, ela alegra seu coração da mesma forma quando vê uma grande linhagem ser destruída ou insultada. Contudo, se contempla alguém que cresce em honra graças ao seu bom senso e por seus próprios méritos, isso é o que mais lhe fere, pois se entristece quando acontece algo bom. A Inveja é tão cruel que não mantém a lealdade com seus companheiros e não admite companheirismo; ela é inimiga de todos os seus familiares, pois certamente não deseja o bem nem para o seu pai. Contudo, é certo que ela paga caro por sua maldade, pois sofre tanto e sente tanta dor quando as pessoas fazem o bem, que pouco falta para se desmanchar. Desse modo, seu coração traidor a golpeia, e então Deus e os homens podem se vingar. A Inveja nunca deixa de falar mal dos outros: se conhecesse o mais nobre de todos que existe desse lado do mar ou do outro, ela tentaria ofendê-lo; e se fosse um homem tão íntegro que ela não conseguisse fazê-lo cair de seu mérito, nem derrubá-lo, ao menos lhe agradaria diminuir seu valor e sua honra, falando dele o menos possível. Na pintura vi que a Inveja tinha um olhar mau, pois não olhava de frente, somente de soslaio, dissimulando; esse era um mau costume seu, não contemplar nada abertamente, pelo contrário, só fechava um olho com desprezo, desdenhando e ardendo de raiva ao ver alguém nobre, formoso ou gentil, querido e estimado por todos. 129

[...] Logo depois, estava retratada a Velhice, um passo atrás do lugar que deveria ocupar, pois ela mal se mantinha em pé, de tão velha e maltratada. Sua beleza havia murchado, tornara-se muito feia. Tinha a cabeça velha e branca, como se os cabelos tivessem florescido. Meu Deus, sua morte não seria uma grande perda nem uma grande desgraça, pois todo o seu corpo havia secado e se enrugado pela idade. Seu rosto, cheio de rugas, outrora fora suave e liso; agora estava repleto de cicatrizes. Suas orelhas eram cabeludas e não lhe restava nenhum dente, pois havia perdido todos. Era tão velha que parecia que não podia andar quatro passos sem a ajuda de muletas. O tempo, que corre noite e dia sem pausa nem repouso, passa por nós tão silenciosamente que por um momento acreditamos que ele se deteve, quando na verdade nunca descansa nem deixa de correr, de forma que não se pode pensar que existe o presente; e, se perguntares a um homem douto nas letras, antes que ele tenha respondido, haverá transcorrido três tempos. O tempo, aquele que não pode ser detido e que sempre avança sem voltar, como a água que flui sem que regresse uma gota; o tempo, a quem ninguém resiste, nem o ferro, nem qualquer outro objeto duro; o tempo, que faz com que as coisas cresçam depressa, que rapidamente cria e tudo destrói e faz apodrecer; o tempo, que envelheceu nossos pais, que envelheceu prematuramente reis e imperadores, e que todos nós tornará velhos e adiantará nossa morte; o tempo, que tem o poder de envelhecer todas as coisas, a havia envelhecido tanto que, em minha opinião, fez com que ela não pudesse amparar-se sozinha, e assim, a fez retornar à infância, pois não tinha mais capacidade, nem força e juízo que um menino de um ano de idade. Embora, segundo creio, ela tivesse sido discreta e culta quando estava na idade madura, nada havia lhe restado e ficara atordoada. 130

[...] Por fim, uma donzela nobre e formosa abriu o portão, que era de carpelo. Essa donzela tinha os cabelos loiros como uma bandeja de cobre, seu rosto era mais doce que um pequeno pintinho, sua fronte brilhava, tinha as sobrancelhas arqueadas e bem separadas, amplas e bem proporcionais, seu nariz era bem-feito e seus olhos eram vivos como os de um falcão. Para dar inveja aos loucos, tinha um vigor doce e agradável, um rosto branco e escarlate, uma boca pequena e carnuda e uma pequena cova no queixo; seu colo era bem proporcional e a pele era mais suave que um velocino, sem cravos ou espinhas – daqui até Jerusalém não havia mulher com o colo mais charmoso, pois o dela era reluzente e muito suave ao tato; seu pescoço era tão branco que parecia como a neve recém caída sobre os galhos das árvores. Seu corpo era elegante e esbelto: era inútil buscar em outras terras um corpo feminino mais belo. Trazia uma formosa auréola de seda e ouro. Nunca houve uma donzela tão elegante, nem que se vestisse melhor; bem a vi e a contemplei. Sobre a auréola de seda e ouro ela trazia uma guirlanda de rosas frescas; tinha na mão um espelho, e na cabeça um rico fixador prendia seu cabelo trançado. Para dar maior elegância, as duas mangas de seu vestido estavam costuradas, e para evitar que suas mãos brancas se sujassem, ela usava luvas também brancas. Vestia uma cota de rico tecido verde de Gand, com um cordãozinho bordado em volta. Por seu aspecto, bem se via que tinha pouco o que fazer. Penteando-se, vestindo-se e preparando-se: era assim que passava o dia. Para ela, fazia sempre bom tempo e era sempre maio, pois nada a preocupava nem a inquietava, a não ser se arrumar com elegância. Quando a donzela de corpo formoso abriu o portão, com bons modos lhe dei graças, e lhe perguntei como se chamava e quem era. Ela não se mostrou altiva nem desdenhosa ao responder: 131

– Sou chamada Ociosa por meus conhecidos. Sou uma mulher rica, afortunada, e levo uma vida agradável, pois com nada me ocupo senão gozar e desfrutar, pentear-me e fazer-me tranças. Sou amiga íntima de Lazer, o jovem, o agradável, dono deste formoso jardim: ele trouxe da terra de Alexandria as árvores que aqui estão plantadas. Depois, quando elas cresceram, fez construir ao redor do pomar o muro que vistes e ordenou que pintassem na parte externa as imagens que há, que não são nem belas, nem agradáveis, mas dolorosas e tristes, tal como acabais de ver. Muitas vezes vêm aqui para se divertir e ficar à sombra. Lazer e seus seguidores, que vivem em contínuo gozo e alegria. Agora Lazer deve estar aqui dentro, escutando o canto dos rouxinóis, dos melros e de outros pássaros; ele se entretém e se distrai nesse pomar com suas gentes. Não poderia encontrar um lugar mais belo, nem um lugar melhor para desfrutar. Sabeis que as gentes mais formosas que poderíeis ver são os companheiros de Lazer, que os traz a seu lado e os guia.[...] Os pássaros cumpriam seu dever doce e agradável, cantando lais de amor e canções corteses, uns com voz alta, outros em tom baixo. O canto não era nada depreciável, e a melodia conseguiu que a doçura voltasse a brotar em meu coração. Depois de escutar um pouco os pássaros, não pude resistir aos meus desejos de estar diante de Lazer para ver seu aspecto e contemplar sua pessoa. Sem deter-me, fui à direita, por uma pequena trilha cheia de erva-doce e de menta, e não demorei em encontrar o Lazer, pois estava no bosquezinho em que me meti. Ali estava se distraindo com pessoas de tanta beleza que, ao vê-las, perguntei-me de onde poderiam ter vindo, pois eram como anjos com asas: nunca vi jovens mais belos. Puseram-se a bailar ao coro e ao som das canções que lhes cantava uma dama chamada Alegria. 132

NATIVIDADE E VIRGINDADE DE MARIA Jacopo de Varazze § Em primeiro lugar, o nascimento de Cristo foi milagroso em três aspectos: quanto à geratriz, quanto ao que foi gerado, quanto ao modo de geração. Primeiro quanto à geratriz, que foi virgem antes e depois do parto. Prova-se de cinco maneiras que ela permaneceu virgem. Primeira, pela profecia de Isaías, 7: "Eis a virgem que conceberá e dará à luz um filho etc.". Segunda, pelos símbolos que a prefiguraram: a vara de Aarão floriu sem cuidado humano e a porta de Ezequiel permaneceu sempre fechada. Terceira, por aquele que a guardou: José sempre cuidou dela, e foi testemunha da sua virgindade. Quarta, pela comprovação: no momento do parto (como podemos ler na compilação de Bartolomeu e no Livro da infância do Salvador), apesar de não duvidar que Deus ia nascer de uma virgem, José, segundo o costume local, convocou duas parteiras, uma chamada Zebel, outra, Salomé. Depois de examinar a parturiente com cuidado, Zebel verificou que era virgem e exclamou: "Uma virgem deu à luz!" Salomé que não acreditou quis comprovar, mas sua mão secou de imediato. Entretanto apareceu-lhe um anjo, que a fez tocar a criança e ela ficou imediatamente curada. ?inta, pela evidência do milagre: segundo conta Inocêncio III, Roma viveu em paz por doze anos, e para comemorar ergueu-se à paz um templo magnífico, no qual colocaram a estátua de Rômulo. Consultaram Apolo para saber quanto tempo a paz duraria e obtiveram a resposta: "Até o momento em que uma virgem der à luz" Ouvindo isso, todos disseram: "Então vai durar para sempre", pois achavam impossível que uma virgem pusesse um filho no mundo. Colocaram então nas portas do templo a inscrição "Templo da paz eterna", mas na 133

mesma noite em que a virgem deu à luz o templo desabou, e nesse lugar situa-se hoje a igreja de Santa Maria Nova.

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ASSUNÇÃO DE MARIA Jacopo de Varazze § Um livro apócrifo atribuído a São João Evangelista informa sobre as circunstâncias da assunção da bem-aventurada Virgem Maria. Enquanto os apóstolos percorriam as diferentes partes do mundo para pregar, a Virgem beata permaneceu, pelo que se diz, em uma casa perto de monte Sião. Enquanto viveu, visitou com grande devoção todos os locais que lhe lembravam seu filho, como os que testemunharam seu batismo, seu jejum, sua prece, sua Paixão, seu sepultamento, sua Ressurreição e sua Ascensão. Segundo Epifânio, a bem-aventurada Virgem tinha catorze anos quando concebeu Cristo, quinze quando o pôs no mundo, viveu com ele 33 anos, sobreviveu 24 anos à morte e Ascensão de seu filho, estava com 72 quando morreu. [...] Dioniso, discípulo do apóstolo Paulo, afirma a mesma coisa em seu livro Nomes divinos, onde diz que os apóstolos se reuniram e assistiram juntos a morte da Virgem e que logo a seguir cada um deles fez um sermão em honra de Cristo e da Virgem. Ele falou a Timóteo: "Nós e muitos santos nossos irmãos nos reunimos para ver o corpo que produziu a vida e carregou Deus. Ali estavam Tiago, o irmão de Deus, e Pedro, e o maior e mais perfeito dos teólogos, Paulo. Depois se combinou que todos louvassem, cada um conforme sua hierarquia, a infinita bondade daquele que se revestira de nossa humanidade". Assim escreveu Dioniso. Quando a bem-aventurada Maria viu todos os apóstolos reunidos, bendisse o Senhor e, depois que haviam acendido lâmpadas e tochas, sentou-se no meio deles. Por volta da terceira hora da noite, Jesus chegou com os anjos, a assembleia dos patriarcas, a tropa dos mártires, o exército dos confessores e os 135

coros das virgens. Todos se agruparam em torno do trono da Virgem e entoaram sem parar doces cânticos. Aprende-se no citado livro atribuído a São João como foram os funerais então celebrados. Jesus começou e disse: "Venha, minha eleita, e eu a colocarei em meu trono porque desejo sua beleza" Ela: "Meu coração está preparado, Senhor, meu coração está preparado". Então todos os que tinham vindo com Jesus entoaram docemente estas palavras: "Aqui está quem conservou seu leito sem mácula e que por isso receberá a recompensa que cabe às almas santas" Ela cantou a si própria, dizendo: "Todas as gerações me chamarão bem-aventurada, pois o Todo-Poderoso, cujo nome é santo, fez em mim grandes coisas". Por fim o chantre começou a entoar: "Venha do Líbano, minha esposa, venha do Líbano e você será coroada" E ela: ''Aqui estou, pois está escrito no Livro da Lei que eu faria sua vontade, Deus, porque meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador". Foi assim que a alma de Maria saiu de seu corpo e voou nos braços de seu filho, liberada da dor da carne da mesma forma que fora isenta da corrupção. [...] Ela foi assim alegremente recebida no Céu e colocada à direita de seu filho em um trono de glória. Os apóstolos viram sua alma resplandecente de tal brancura que nenhuma língua humana poderia descrever.

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LILITH, A PRIMEIRA MULHER Alfabeto Ben-Sirá § Logo após, o jovem filho do rei adoentou-se. Disse Nabucodonosor: “Cura meu filho. Se não o fizeres, irei matar-te”. Ben Sirá de imediato sentou-se e escreveu um amuleto com o Santo Nome e inscreveu nele os anjos encarregados da medicina via seus nomes, formas e imagens, e via suas asas, mãos e pés. Nabucodonosor olhou para o amuleto. “O que é isso?” “Os anjos encarregados da medicina: Snvi, Snsvi e Smnglof. Depois que Deus criou Adão, que estava só, ele disse, ‘Não é bom que o homem esteja só’ (Gênesis 2:18). Então criou uma mulher para Adão, a partir da terra, como havia criado o próprio Adão, e a chamou de Lilith. Adão e Lilith imediatamente começaram a brigar. Ela disse, ‘Eu não ficarei por baixo’, e ele disse, ‘Eu não ficarei embaixo de ti, apenas em cima. Pois és digna apenas da posição inferior, enquanto a posição superior é minha’. Lilith respondeu, ‘Somos iguais um ao outro na medida em que fomos ambos criados da terra’. Mas eles não deram ouvidos um ao outro. Quando se deu conta disso, Lilith pronunciou o Nome Inefável e saiu voando no ar. Adão pôs-se a orar diante do seu Criador: ‘soberano do universo!’ ele disse, ‘a mulher que tu me deste fugiu’. De uma vez, o Eterno, abençoado seja, mandou esses três anjos para trazê-la de volta. “Disse o Eterno a Adão, ‘Se ela concordar em retornar, tudo bem. Senão, ela deverá permitir que cem de seus filhos morram todos os dias’. Os anjos deixaram Deus e partiram em perseguição atrás de Lilith, a quem eles tomaram no meio do mar, nas águas poderosas aonde os egípcios estavam destinados a se afogar. Eles 137

lhe disseram as palavras de Deus, mas ela não quis retornar. Os anjos disseram, ‘Iremos afogar-te no mar’. “‘Deixai-me!’ ela disse, ‘eu fui criada apenas para causar doença em crianças. Se a criança for menino, terei domínio sobre ele por oito dias depois do seu nascimento, e, se menina, por vinte dias’. “Quando os anjos ouviram as palavras de Lilith, eles insistiram que ela voltasse. Mas ela jurou para eles em nome do Deus eterno e vivo: ‘Sempre que eu vir a vós ou vossos nomes ou vossas formas num amuleto, não terei qualquer poder sobre aquela criança’. Ela também concordou em permitir que cem de seus filhos morressem todos os dias. De acordo, a cada dia cem demônios perecem, e por esse mesmo motivo escrevemos o nome dos anjos nos amuletos de recém-nascidos. Quando Lilith vê os nomes, ela se lembra do juramento, e a criança se reestabelece”.

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MULHER, SER DEFEITUOSO Tomás de Aquino § Eu respondo que, era necessário para a mulher ser feita, como diz a Escritura, como um "ajudante" para o homem; Não, na verdade, como uma companheira em outros trabalhos, como alguns dizem, desde que o homem pode ser mais eficientemente ajudado por outro homem em outros trabalhos; mas como um ajudante na obra de geração. Isto pode ser visto claramente se observarmos o modo de geração realizado em vários seres vivos. Algumas coisas vivas não possuem em si mesmas o poder de geração, mas são geradas por algum outro agente específico, como algumas plantas e animais por a influência dos corpos celestes, de alguma matéria estranha e não a partir de sementes: outros possuem o poder gerador ativo e passivo juntos; como vemos em plantas que são geradas a partir de sementes; para as plantas a mais nobre função vital é a geração. Portanto observa-se que nestas o poder ativo de geração, invariavelmente, acompanha a potência passiva. Entre os animais perfeitos, o poder ativo de geração pertence ao sexo masculino, e o poder passivo para o sexo feminino. E, como entre animais não há uma operação vital mais nobre do que a geração, para isso sua vida é principalmente dirigida; Por conseguinte, o sexo masculino não é encontrado em união contínua com a fêmea em animais perfeitos, mas apenas no momento do coito; de modo que podemos considerar que, desta forma, o macho e a fêmea são um, como em plantas que estão sempre unidas; embora em alguns casos, um dos quais predomina, e em alguns outro. Mas o homem é ainda condenado a uma ação vital ainda mais nobre, que é a operação intelectual. Por isso houve maior razão para a distinção destas duas forças no 139

homem; de modo que a mulher teve de ser produzida separadamente do sexo masculino, embora sejam carnalmente unida para geração. Por isso, após a formação da mulher, dizia-se: "E eles serão dois numa só carne" (Gn 2:24.). [Suma teológica, I, q. 92, art. 1] No que se refere à natureza individual, a mulher é defeituosa e mal nascida, porque o poder ativo da semente masculina tende à produção de um ser perfeito semelhante em homens, enquanto a produção de uma mulher vem de uma falta de potência ativa, de algum mal estar ou mesmo de uma influência externa. Por outro lado, dada a sal natureza humana, ela está incluída nas intenções da Natureza, dado o seu trabalho de geratriz. A intenção da Natureza depende de Deus, que é o seu autor universal. Portanto, na produção da Natureza, Deus é formado e o formador de macho e fêmea. [Suma teológica I, q. 92, art. 1, ad 1]

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ENTRE EVA E MARIA HÁ UMA GRANDE DIFERENÇA Alfonso X § Este é o louvor de Santa Maria E a diferença que há entre Ave e Eva Entre Ave e Eva Há uma grande diferença Eva nos tolheu O paraíso de Deus Ave nos colocou lá de volta Por isso, amigos meus Entre Ave e Eva Há uma grande diferença Eva nos jogou Na prisão do Demônio Ave foi nos tirar de lá E por essa razão Entre Ave e Eva Há uma grande diferença Eva nos fez perder O amor e o bem de Deus Ave reaveu ele para nós Assim, 141

Entre Ave e Eva Há uma grande diferença Eva nos fechou a porta do céu Sem chave E Maria britou as portas Pela Ave Entre Ave e Eva Há uma grande diferença

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POR UMA LITERATURA FEMININA Cristina de Pisano § Um dia, estava eu, como de hábito, e com a mesma disciplina que rege o curso da minha vida, recolhida em meu gabinete de leitura, cercada de vários volumes, tratando dos mais diversos assuntos. Com a mente cansada por ter passado um bom tempo estudando sentenças complexas de tantos autores, levantei a vista do texto, decidindo deixar, por um momento, assuntos mais sutis para deleitar-me com a leitura de alguma poesia. E, com esse intuito, procurando à minha volta algum livrete, caiu entre minhas mãos um certo opúsculo que não me pertencia, mas que alguém havia deixado ali, com outros volumes, por empréstimo. Abri-o, então, e observei no título que se tratava de Mateolo. Pus-me, então, a rir, pois não o havia lido antes mas sabia que, entre outros livros, esse tinha a reputação de falar bem das mulheres! Pensei, então, que para me divertir um pouco, poderia percorrê-lo. Mas, a leitura mal tinha começado, minha mãe chamou-me à mesa. Chegara a hora do jantar. Comprometi-me assim a retomar a leitura no dia seguinte, abandonando-a por hora. Na manhã seguinte, retornando como de costume ao meu gabinete, não esqueci de colocar em prática minha decisão de retornar à leitura do livro de Mateolo. Pus-me a lê-lo. Avancei um pouco a leitura. Mas, o assunto parecendo-me tão pouco agradável – , aliás, para qualquer um que não se deleita com calúnias -, e sem contribuir em nada à edificação moral nem à virtude, considerando ainda a desonestidade da linguagem e dos temas por ele tratados, folheei-o aqui, ali, li o final, e, em seguida, abandonei-o para voltar a outros estudos mais sérios e de maior utilidade. Porém, a leitura daquele livro, apesar de não ter 143

nenhuma autoridade, suscitou em mim uma reflexão que me atordoou profundamente. Perguntava-me quais poderiam ser as causas e motivos que levavam tantos homens, clérigos e outros, a maldizerem as mulheres e a condenarem suas condutas em palavras, tratados e escritos. Isso não é questão de um ou dois homens, nem mesmo só deste Mateolo, a quem não situaria entre os sábios, pois seu livro não passa de gozação; pelo contrário, nenhum texto está totalmente isento disso. Filósofos, poetas e moralista, e a lista poderia ser bem longa, todos parecem falar com a mesma voz para chegar à conclusão de que a mulher é profundamente má e inclinada ao vício. Com essas coisas sempre voltando insistentemente à minha mente, pus-me a refletir sobre a minha conduta, eu, que nasci mulher; pensei também em outras tantas mulheres com quem convivi, tanto as princesas e grandes damas, quanto às de média e pequena condições, que quiseram confiar-me suas opiniões secretas e íntimas; procurei examinar na minha alma e consciência se o testemunho reunido de tantos homens ilustres poderia ser verdadeiro. Mas, pelo meu conhecimento e experiência e por mais que examinasse profundamente a questão, não conseguia compreender, nem admitir a legitimidade de tal julgamento sobre a natureza e a conduta das mulheres. Mesmo assim, continuei pensando mal das mulheres, dizendo-me que seria muito grave que tantos homens ilustres, tantos doutores importantes, do mais alto e profundo entendimento, com tanto esclarecimento – pois acredito que todos tenham sido assim - pudessem ter falado de maneira tão enganosa, e em tantas obras. Era quase impossível encontrar um texto moral, qualquer que fosse o autor, sem que antes de terminar a leitura não me deparasse com algum capítulo ou cláusula repreendendo as mulheres. Apenas esta razão, breve e simples, me fazia concluir que tudo isso havia de ser verdade, 144

apesar do meu intelecto, na sua ingenuidade e ignorância, não conseguir reconhecer esses grandes defeitos em mim própria nem nas outras mulheres. Deste modo, eu estava me baseando mais no julgamento de outrem do que no que eu mesma acreditava e conhecia. Estava tão profunda e intensamente mergulhada naqueles sombrios pensamentos que parecia estar como alguém em estado de letargia. À mente, vinha-me um número considerável de autores, e, como uma fonte jorrando, ia reexaminando-os um a um. No final, cheguei à conclusão de que, criando a mulher, Deus tinha feito uma coisa bastante vil. Espantava-me, assim, que um artesão tão digno pudesse ter realizado uma obra tão abominável, na qual, segundo a opinião daqueles autores, reside todos os males e vícios. Completamente absorta por essas reflexões, fui inundada pelo desgosto e a consternação, desprezando-me a mim mesma e a todo o sexo feminino, como se tivéssemos sido geradas monstros pela natureza. Lamentava-me assim: “Ah! Deus, como isso é possível? Como acreditar, sem cair no erro, que tua infinita sabedoria e perfeita bondade tinham podido criar alguma coisa que não fosse completamente boa? Não é verdade que criaste a mulher com um deliberado propósito? E desde então, não lhe deste todas as inclinações que gostarias que ela tivesse? Pois, como seria possível teres te enganado? E, no entanto, eis tantas acusações graves, tantos decretos, julgamentos e condenações contra ela! Eu não consigo entender essa aversão. E, se é verdade, meu Deus, que tantas abominações abundam entre as mulheres, como muitos o afirmam - e, como tu mesmo dizes que o testemunho de vários garante a credibilidade, por que não deveria pensar que tudo isso seja verdade?. Que pena! Meu Deus! Por que não me fizeste nascer homem para que minhas inclinações estivessem a teu serviço, para que em nada me 145

enganasse, para que eu tivesse esta grande perfeição que os homens dizem ter? Mas, como tu não quiseste, como não estendeste tua bondade até mim, perdoe minha negligência ao te servir, Senhor Deus, e não te descontente, pois o servidor que menos recebe de seu senhor, menos é obrigado a servi-lo”. Com essas palavras e outras mais, propaguei minhas lamentações a Deus, tristemente aflita, na medida em que em minha loucura desesperava-me o fato de Deus ter me posto em um corpo feminino. Abatida por esses pensamentos tristes, eu baixava a cabeça de vergonha. Os olhos repletos de lágrimas, a face na mão, apoiava-me no braço da poltrona, quando repentinamente vi descer no meu colo um feixe de luz, como se fosse um raio de sol penetrando ali naquele quarto escuro, onde o sol nunca poderia entrar naquela hora, então despertei-me em sobressaltos, como quem acorda de um sono profundo. Erguendo a cabeça para olhar de onde vinha aquele clarão, vi elevarem-se diante de mim três damas coroadas, de quão alta distinção. O esplendor, que de suas faces emanava, arrojava-se sobre mim, iluminando todo o compartimento. Inútil perguntar se fiquei deslumbrada, sobretudo porque as três damas conseguiram entrar, apesar das portas estarem fechadas. Temendo que fosse alguma visão tentadora, fiz o sinal da cruz na testa, tão grande era meu medo. Foi então que a primeira das três damas, sorrindo, dirigiu-se a mim nestes termos: “Cara filha, não tenhas medo, não viemos aqui para te fazer mal, ou te prejudicar, mas para te consolar. Ficamos muito comovidas com teu desespero, e queremos retirar-te desta alienação; ela te cega a tal ponto de rejeitares o que tens convicção de saber, para acreditar em algo que só conheces através da pluralidade de opiniões alheias. Pareces com aquele parvo, cuja história é bem conhecida, que tendo adormecido no 146

moinho, foi adornado com roupas de mulher e que, ao acordar, deu crédito às mentiras daqueles que lhe caçoavam, afirmando que ele havia se transformado em mulher, ao invés de recorrer a sua própria experiência. Mas, bela filha, o que aconteceu com teu bom senso? Esqueceste que o ouro é refinado na fornalha; e ele não se altera, nem muda suas características; pelo contrário, quanto mais ele é trabalhado, mais fica purificado. Não sabes que são as melhores coisas que são discutidas e debatidas? Se considerares a questão suprema, que são as ideias, quer dizer, as coisas celestiais, percebes que mesmo os maiores filósofos, aqueles que tu invocas contra teu próprio sexo, não conseguiram distinguir o certo do errado, e se contradizem e se criticam uns aos outros sem cessar, como tu mesma viste em Metafísica de Aristóteles, no qual ele critica e refuta igualmente as opiniões de Platão e de outros filósofos citando-os. E presta atenção ainda que santo Agostinho e outros doutores da Igreja fizeram o mesmo em certas passagens de Aristóteles, considerado o Príncipe dos filósofos, e a quem devemos as mais altas doutrinas da filosofia natural e moral. Ora, pareces acreditar que tudo o que dizem os filósofos é digno de fé e que eles não podem se enganar. Quanto aos poetas aos quais te referes, não sabes que utilizam frequentemente a linguagem figurada, e que muitas vezes deve-se compreender justamente o contrário do sentido literal? Pode-se, a propósito, atribuir-lhes a figura de retórica chamada antífrase, dizendo por exemplo – como bem sabes – que fulano é mau, deixando entender que ele é bom, ou igualmente o contrário. Recomendo-te, então, que tires proveito de tais escritos que recriminam as mulheres, voltando-os ao teu favor, quaisquer que fossem a intenção deles. É possível que aquele Mateolo em seu livro tivesse essa intenção, porque são várias as coisas que, se tomadas ao pé da letra, seriam pura heresia. Quanto à diatribe 147

contra o casamento –que, no entanto, é um estado digno, santo e de acordo com as leis de Deus -, a experiência demonstra claramente que a verdade é completamente o contrário do que o afirmam, procurando atribuir à mulher todos os males. Não se trata apenas desse Mateolo, mas de tantos outros mais, em particular do Roman de la Rose, que goza de um crédito maior em razão da autoridade maior de seu autor. Ora, onde encontrar um marido que tolere que sua mulher tenha um império tal, a ponto de poder descarregar sobre ele as ofensas e injúrias que todas as mulheres estão acostumadas a ouvir? Mesmo tendo lido nesses livros, duvido que tenhas visto com teus próprios olhos, pois não passam de propósitos vergonhosos e mentiras patentes. Concluindo, minha cara Cristina, digo-te: foi a tua ingenuidade que te levou a esta presente opinião. Concentra-te, retoma tua consciência e não te preocupas mais com essas tolices; sabe que uma difamação categórica das mulheres não conseguiria atingi-las, mas, sempre volta contra os seus autores”.

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A ATRAÇÃO DAS MULHERES PELO OCULTO O Martelo das Feiticeiras § Portanto, consideremos antes de mais nada às mulheres; e primeiro porque este tipo de perfídia se encontra num sexo tão frágil; mais que nos homens. E nossa investigação será antes de mais nada geral, e quanto ao tipo de mulheres que se entregam à superstição e a bruxaria; e terceiro de maneira específica, com relação às parteiras que superam em malignidade a todas as outras. Porque a superstição se encontra antes de tudo nas mulheres? Em quanto à primeira pergunta, porque há uma grande quantidade de bruxos do frágil sexo feminino, em maior proporção que entre os homens; trata-se na verdade de um fato que acabaria ocioso quando contrariado, já que a experiência o confirma, aparte do depoimento verbal de testemunhas dignas de confiança. E sem prejudicar de maneira alguma um sexo no qual Deus sempre achou grande glória pelo fato de que Seu poderio ser difundido, digamos que diferentes homens atribuíram diversas razões a este fato, ainda que coincidam em princípio. Portanto é conveniente, para admoestação* das mulheres, falar disto, e a experiência demonstrou muitas vezes que se mostram ansiosas em atendê-los, sempre que se exponham com discrição. Porém alguns homens sábios propõem esta razão: Que há três coisas na natureza: A Língua, o Eclesiástico e a Mulher, que não conhecem a moderação na bondade ou no vício, e quando superam os limites de sua condição chegam as maiores alturas ou ao abismo mais profundo da bondade ou do vício. Quando estão governados por um espírito bom, se excedem em virtudes; mais se for mau, dedicam-se aos piores vícios. [...] 149

E da maldade das mulheres fala-se em Eclesiastes XXV: “Não há cabeça superior à de uma serpente, e não há ira superior à de uma mulher. Prefiro viver com um leão e um dragão, que com uma mulher malévola”. E entre muitas outras coisas que nesse ponto precedem e seguem ao tema da mulher maligna, concluímos: Todas as malignidades são pouca coisa em comparação com a de uma mulher. Pelo qual São João Crisóstomo diz em texto: “Não convém se casar”. São Mateus, XIX: Que outra coisa é uma mulher, senão um inimigo da amizade, um castigo inevitável, um mal necessário, uma tentação natural, uma calamidade desejável, um perigo doméstico, um deleitável detrimento, um mal da natureza pintado com alegres cores! Portanto, se é um pecado divorciar-se dela quando deveria mantê-la, é na verdade uma tortura necessária. Pois ou bem cometemos adultério ao nos divorciar, ou devemos suportar uma luta quotidiana. Em seu segundo livro A Retórica, Cícero diz: “Os muitos apetites dos homens levam-no a um pecado, mas o único apetite das mulheres as conduz a todos os pecados, pois a raiz de todos os vícios femininos é a avareza”. E Séneca diz em suas Tragédias: “Uma mulher ama ou odeia; não há uma terceira alternativa. E as lágrimas de uma mulher é um engano, pois podem brotar de uma pena verdadeira, ou ser uma armadilha. Quando uma mulher pensa sozinha, pensa o mal”. Mas para as boas mulheres há tanto louvor que lemos que deram beatitude aos homens, e salvaram nações, países e cidades; como fica claro no caso de Judith, Déborah e Esther. Veja-se também Coríntios I: “Da mulher que tem um marido infiel, e consente em habitar com ele; não a dispense. Porque o marido infiel é santificado na mulher”. E Eclesiastes, XXVI: “Bendito o homem que tem uma mulher virtuosa, pois o número de seus dias se duplicará”. E ao longo desse capítulo se dizem muitos elogios sobre a excelência das 150

mulheres boas, o mesmo que no último capítulo dos Provérbios a respeito de uma mulher virtuosa. E tudo isto fica claro no Novo Testamento, a respeito das mulheres e virgens e outras mulheres santas que pela fé afastaram nações e reinos da adoração de ídolos, para leva-los à religião cristã. Quem ler Vincent de Beauvais - em Spec. Histor. XXM 9 - encontrará coisas maravilhosas na conversão da Hungria pela muito cristã Gilia, e dos francos por Clotilda, esposa de Clodoveo. Portanto, em muitas críticas que lemos contra as mulheres, a palavra mulher se usa para significar o apetite da carne. E como foi dito: Aqui verificamos que a mulher é mais amarga que a morte e, uma boa mulher está submetida ao apetite carnal. [...] Outros propuseram outras razões pela existência de mais mulheres supersticiosas do que homens. E a primeira é mais crédula; e como o principal objetivo do demônio é corromper a fé, prefere atacá-las. Veja-se Eclesiastes, XIX: Quem é rápido em sua credulidade, é de mente débil, e será decaído. A segunda razão é que, por natureza, as mulheres são mais impressionáveis e mais prontas a receber a influência de um espírito desencarnado; e que quando usam bem esta qualidade, são muito boas; mas quando a usam mal, são muito más. A terceira razão é que possuem língua solta, e são incapazes de ocultar de seus semelhantes as coisas que conhecem das artes do mal e como são débeis, encontram uma maneira fácil e secreta de justificativa por meio da bruxaria. Veja-se Eclesiastes, tal como citamos acima: “Prefiro viver com um leão e um dragão, do que habitar com uma mulher malvada”. Toda maldade é pouca coisa em comparação com a de uma mulher. E a isto pode se agregar que, como são muito impressionáveis, atuam em conivência.

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A TENTAÇÃO DA BRUXARIA O Martelo das Feiticeiras § E quanto a nossa segunda investigação, quais classes de mulheres são mais supersticiosas que outras e estão infectadas pela bruxaria, deve se dizer, como se mostrou no estudo precedente, que três vícios gerais parecem ter um especial domínio sobre as mulheres más, a saber: a infidelidade, a ambição e a luxuria. Portanto, inclina-se mais que outras à bruxaria, aquelas que mais se entregam a estes vícios. Além do que, dos três vícios, o último é o predominante, sendo as mulheres insaciáveis, etc. Daí que entre as mulheres ambiciosas, resultam mais profundamente infectadas aquelas com temperamento ardoroso para satisfazer seus repugnantes apetites; e essas são as adúlteras, as fornicadoras e as concubinas do Grande. Agora bem, como se diz na Bula papal, existem sete métodos por meio dos quais infectam de bruxaria o ato venéreo e a concepção do útero: Primeiro, levando a mente dos homens a uma paixão desenfreada. Segundo, obstruindo sua força de gestação. Terceiro, eliminando os membros destinados a esse ato. Quarto, convertendo os homens em animais por meio de artes mágicas. Quinto, destruindo a força de gestação das mulheres. Sexto, provocando o aborto. Sétimo, oferecendo as crianças aos demônios. Isso tudo, sem levar em conta, outros animais e frutos da terra com os quais se operam muitos danos. E tudo isso será considerado mais adiante; no momento dediquemos nossa reflexão aos danos causados aos homens. E antes de mais nada, a respeito de quem é enfeitiçado por amor ou ódio desmesurado, assunto de uma categoria difícil de analisar ante a indulgência geral. No entanto deve ser admitido como um fato. Porque São 152

Tomás IV, ao tratar das obstruções provocadas pelas bruxas, mostra que Deus outorga ao demônio maior poder sobre os atos sexuais dos homens, do que contra outras ações; e dá o seguinte motivo: e é possível que assim seja, já que têm, mais tendência de serem bruxas as mulheres mais dispostas a tais atos. Também diz, que desde a primeira corrupção do pecado, na qual o homem se tornou escravo do demônio, o legado chegou até nós pelo ato de engendrar; portanto Deus concede ao demônio maior poder neste ato que em todos os demais. Além do que, o poder das bruxas é mais evidente nas serpentes, como já dissemos, que em outros animais, porque por meio de uma serpente o diabo tentou a mulher. E também por esta razão: como se mostrará depois, mesmo o matrimônio sendo obra de Deus, instituído por Ele, é às vezes destruído pela obra do demônio; e não, em verdade, pela força, o que o faria ser considerado mais forte que Deus, mas é, com a permissão Dele mediante a provocação de algum impedimento temporário ou permanente no ato conjugal. E a respeito disso, podemos dizer do que se conhece pela experiência; que estas mulheres satisfazem seus sujos apetites, não só por si mesmas, mais inclusive através dos poderosos da vez, sejam eles de qualquer classe ou condição, e por todo tipo de bruxarias provocam a morte da alma devido à excessiva ânsia do amor carnal, de tal maneira, que nenhuma vergonha ou persuasão poderia dissuadi-las de tais atos. E por meio desses homens, já que as bruxas não permitem que lhes ocorra dano algum, seja por eles mesmos ou por outros, e uma vez os tendo sob seus poderes, surge o grande perigo da época, isto é, o extermínio da Fé. E deste modo aumentam as bruxas todos os dias.

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OPINIÕES DE PENSADORES MODERNOS § Concluo, pois, que variando a sorte e permanecendo os homens obstinados nos seus modos de agir, serão felizes enquanto aquela e estes sejam concordes e infelizes quando surgir a discordância. Considero seja melhor ser impetuoso do que dotado de cautela, porque a fortuna é mulher e consequentemente se torna necessário, querendo dominá-la, bater-lhe e contrariá-la; e ela mais se deixa vencer por estes do que por aqueles que procedem friamente. A sorte, porém, como mulher, sempre é amiga dos jovens, porque são menos cautelosos, mais afoitos e com maior audácia a dominam. [O príncipe, de Maquiavel] A Monarquia deve ser destinada unicamente aos machos, dado que a Ginecocracia é diretamente contra as leis da natureza que deu aos homens a força, as armas, o comando e a tirou das mulheres: e a lei de Deus ordena eloquentemente que a mulher seja submissa ao homem, não somente quanto ao governo dos reinos e impérios, mas também quanto à família de cada um em particular. E até mesmo a lei proibiu à mulher qualquer cargo e serviço próprios aos homens, como o julgar, o postular e outras coisas semelhantes: e isto não somente por falta de julgamento, mas também porque as ações viris são contrárias ao sexo, e ao pudor e castidade femininas. [Seis livros da República, de Jean Bodin] Mas venhamos ao meu tema: o que fez a ação genital dos homens, tão natural, necessária e justa, para que não ousemos falar dela sem envergonhar-se, e para excluí-la das conversas sérias e inteligentes? Resolutamente dizemos: matar, roubar, trair, e 154

muitas outras que não nos atrevemos a pronunciar senão entre os dentes. Isso não é revelar que as palavras mostram nossos pensamentos? [...] As mulheres não estão erradas quando rechaçam as regras de vida presentes na sociedade atual, pois foram os homens que as fizeram, sem seu concurso. Entre elas e nós, há, naturalmente, querelas e dificuldades: e a mais íntima união é possível manter com elas, mesmo com a de índole mais tempestuosa e tumultuada. Na opinião de nosso autor, não as tratamos com consideração nesse particular. Logo reconhecemos que são, sem comparação, muito mais capazes e ardentes do que nós nas questões do amor, como testemunhou aquele sacerdote da antiguidade, que foi algumas vezes homem e mulher e "Conheceu o prazer de ambos" [Ensaios, de Montaigne] Ainda que Eva fosse uma criatura extraordinária - similar a Adão no que se refere a imagem de Deus, a dizer, em justiça, sabedoria e felicidade - era, no entanto, uma mulher. Como o sol é melhor que a lua [ainda que a lua seja excelente], assim a mulher, apesar de ser a obra mais bela de Deus, no entanto, não era igual ao homem em glória e prestígio. No entanto, Moisés pôs os dois sexos juntos e disse que Deus criou o 'homem e a mulher', com o fim de indicar que Eva foi criada por Deus como uma participante da imagem divina e a semelhança divina, tendo domínio sobre tudo. Assim, inclusive nos dias de hoje, a mulher participa da vida futura, como Pedro disse que ela é conhecedora de Graça. O lugar da mulher é a sociedade na gestão, o interesse comum no cuidado com os filhotes e a propriedade, ainda que haja uma diferença entre os sexos. 155

O macho é como o sol, a fêmea como a lua, os animais como estrelas, sobre os quais o sol e a lua têm domínio sobre todos. Em primeiro lugar, portanto, vamos ressaltar que, por essa passagem, está escrito que este sexo [feminino] não pode ser excluído de qualquer glória da criatura humana, ainda que inferior ao masculino. [Comentário ao Gênesis, Martin Lutero] Que devem ser enviados às escolas não apenas os filhos dos ricos ou dos cidadãos principais, mas todos por igual, nobres e plebeus, ricos e pobres, rapazes e raparigas, em todas as cidades, aldeias e casais isolados, demonstram-no as razões seguintes: [...] Não pode aduzir-se nem sequer um motivo válido pelo qual o sexo fraco (para que acerca deste assunto diga particularmente alguma coisa) deva ser excluído dos estudos (quer estes se ministrem em latim, quer se ministrem na língua maternal). Com efeito, as mulheres são igualmente imagens de Deus, igualmente participantes da graça e do reino dos céus, igualmente dotadas de uma mente ágil e capaz de aprender a sabedoria (muitas vezes até mais que o nosso sexo), igualmente para elas está aberto o caminho dos ofícios elevados; uma vez que, frequentemente, são chamadas pelo próprio Deus para o governo dos povos, para dar salutares conselhos a reis e a príncipes, para exercer a medicina e outras artes salutares ao gênero humano, para pronunciar profecias e exprobrar sacerdotes e bispos. Porque é que, então, as havíamos de admitir ao abc e depois as havíamos de afastar do estudo dos livros? Temos medo que cometam temeridades? Mas quanto mais lhes tivermos ocupado o pensamento, tanto menor lugar encontrará a temeridade, a qual, normalmente, é originada pela desocupação da mente. Todavia, com que precaução? 156

De tal maneira que lhes não seja dado como alimento toda a espécie de livros (do mesmo modo que à juventude de outro sexo; sendo deplorável que, até aqui, este mal não tenha sido evitado com maior precaução), mas livros nos quais possam haurir constantemente, com o verdadeiro conhecimento de Deus e das suas obras, verdadeiras virtudes e a verdadeira piedade.[Didatica Magna, Comenius] A natureza implantou sabiamente no homem a propensão a se deixar de bom grado enganar, quer para salvar a virtude, quer para conduzi-lo a ela. A boa e honrosa decência é uma aparência exterior que infunde respeito aos outros (não se fazer vulgar). Sem dúvida, a mulher não ficaria satisfeita se o sexo masculino não parecesse prestar homenagem a seus encantos. Mas a pudicícia (pudicitia), uma autocoerção que oculta a paixão, é, como ilusão, muito salutar para produzir entre um e outro sexo a distância necessária para não rebaixar um a mero instrumento do gozo do outro. - Em geral, tudo o que se denomina decoro (decorum) é da mesma índole, a saber, nada mais que bela aparência. [...] A distração (distractio) é o estado em que se desvia a atenção (abstractio) de certas representações dominantes por se dividir essa atenção com outras representações heterogêneas. Se é premeditada, chama-se dissipação; a involuntária é ausência (absentia) de si próprio. Uma das fraquezas da mente é estar atada pela imaginação reprodutiva a uma representação a que se aplica grande atenção, ou uma atenção detida, e dela não poder se afastar, isto é, não poder tomar novamente livre o curso da imaginação. Se esse mal se toma habitual e se dirige a um único e mesmo objeto, pode resultar em demência. Estar distraído em sociedade é descortês, 157

frequentemente também ridículo. Habitualmente a mulher não está sujeita a esse comportamento; para tanto, elas teriam de se ocupar com assuntos referentes à erudição. Um criado que em seu serviço à mesa está distraído, tem em geral algo grave em mente, algo que, ou tenciona fazer, ou com as consequências do qual tem motivos de preocupação. [...] No progresso da civilização, cada uma das partes tem de ser superior de maneira heterogênea: o homem tem de ser superior à mulher por sua capacidade física e sua coragem, mas a mulher, por seu dom natural de dominar a inclinação do homem por ela; porque, pelo contrário, no estado ainda não civilizado, a superioridade está simplesmente do lado do homem. - Por isso, na antropologia a especificidade da mulher é um objeto de estudo para o filósofo, mais que a do sexo masculino. No rude estado de natureza tal especificidade não pode ser reconhecida, tão pouco quanto a das maçãs e peras silvestres, cuja variedade só se descobre por enxerto ou inoculação; pois não é a civilização que introduz essas qualidades femininas, mas só lhes dá ocasião de se desenvolver e, em circunstâncias favoráveis, tomar conhecidas. Feminilidades significam fraquezas. Graceja-se com elas, os tolos as utilizam para seu escárnio, mas os sensatos veem muito bem que são elas justamente as alavancas que dirigem a masculinidade, e que as mulheres as empregam para aquele seu fim. O homem é fácil de investigar, a mulher não revela seu segredo, ainda que não guarde bem o de outros (devido à sua loquacidade). Ele ama a paz do lar e se submete de bom grado ao regimento dela, simplesmente para não se ver estorvado em seus afazeres; a mulher não teme a guerra doméstica, em que ela combate com sua língua, e em vista da qual a natureza lhe deu a loquacidade e eloquência carregada de emoção, que desarma o homem. Ele se baseia no 158

direito do mais forte para mandar na casa, porque deve protegê-la contra os inimigos externos; ela, no direito do mais fraco: o de ser protegida pelo homem contra os homens; com lágrimas de amargura deixa o homem sem armas, ao lançar-lhe na cara a falta de generosidade dele. [Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático, Immanuel Kant]

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A MISÉRIA DAS MULHERES L. Thomas § Se percorrermos os países e os séculos, veremos quase em toda parte mulheres adoradas e oprimidas. O homem, que nunca perdeu uma oportunidade de abusar de sua força, ao render homenagem à beleza delas, por toda parte se prevaleceu de sua fraqueza. Foi ao mesmo tempo seu tirano e seu escravo. A própria natureza, ao formar seres tão sensíveis e tão meigos, parece ter cuidado bem mais de seus encantos do que de sua felicidade. Sempre cercadas de dores e temores, as mulheres compartilham todos os nossos males, e ainda se veem sujeitas a males que são só para elas. Não podem dar a vida sem que se exponham a perdê-la. Cada revolução que experimentam altera sua saúde e ameaça seus dias. Doenças cruéis atacam sua beleza: e quando escapam a esse flagelo, o tempo, que a destrói, tira-lhes todos os dias uma parte delas mesmas. Então, não podem mais esperar proteção, a não ser dos direitos humilhantes da piedade, ou da voz tão fraca do reconhecimento. A sociedade ainda aumenta, para elas, os males da natureza. Mais da metade do globo está coberta de selvagens; e em todos esses povos as mulheres são muito infelizes. O homem selvagem, ao mesmo tempo feroz e indolente, ativo por necessidade, mas levado por uma tendência invencível ao repouso, conhecendo quase que apenas a parte física do amor, e não tendo nenhuma daquelas ideias morais que são as únicas capazes de abrandar o império da força, habituado por seus costumes a encará-la como a única lei da natureza, comanda despoticamente seres que a razão fez seus iguais, mas que a fraqueza subjuga a ela. As mulheres são, entre os índios, o que os hilotas eram entre os espartanos: um 160

povo vencido, obrigado a trabalhar para os vencedores. Assim, viram-se nas margens do Orenoco mães matarem suas filhas por piedade, e sufocá-las assim que nasciam. Encaravam essa piedade bárbara como um dever. Entre os orientais, encontrareis um outro tipo de despotismo e de domínio: a prisão e a servidão doméstica das mulheres, autorizadas pelos costumes e consagradas pelas leis. Na Turquia, na Pérsia, na Mongólia, no Japão e no vasto império da China, uma metade do gênero humano é oprimida pela outra. O excesso de opressão ali nasce do próprio excesso de amor. A Ásia inteira está coberta dessas prisões onde a beleza escrava espera pelos caprichos de um senhor. Ali, multidões de mulheres reunidas só têm sentidos e vontade para um homem. Seus triunfos são apenas coisas de um momento; e as rivalidades, os ódios e os furores são coisas de todos os dias. Ali são obrigadas a pagar sua servidão até mesmo com o mais temo amor, ou, o que é mais horrível ainda, com a imagem de amor que elas não têm. Ali, o mais humilhante despotismo as submete a monstros que, não sendo de nenhum sexo, desonram a ambos. Ali, enfim, sua educação só tende a aviltá-las; suas virtudes são forçadas; seus prazeres chegam a ser tristes e involuntários e, depois de uma existência de alguns anos, sua velhice é longa e horrível. Nos países temperados, onde o clima, dando menos ardor aos desejos, permite mais confiança nas virtudes, as mulheres não foram privadas de sua liberdade; mas em toda parte a legislação severa as colocou na dependência. Ou bem foram condenadas à reclusão, e afastadas dos prazeres e dos negócios, ou bem uma longa tutela parecia um insulto à sua razão. Ultrajadas, num tipo de clima, pela poligamia, que lhes dá por companheiras eternas suas rivais; submetidas, em outro, a laços indissolúveis que muitas vezes juntam para sempre a doçura com a ferocidade, a 161

sensibilidade com o ódio; nos países onde são mais felizes, cerceadas em seus desejos, cerceadas na disposição de seus bens, privadas da própria vontade, da qual a lei as despoja, escravas da opinião que as domina autoritariamente, e que transforma sua própria aparência em crime; cercadas por todo lado de juízes que são ao mesmo tempo seus sedutores e seus tiranos, e que, depois de preparar seus erros, punem-nas por estes com a desonra, ou que usurparam o direito de aviltá-las com suspeitas; tal é, mais ou menos, o destino das mulheres em toda a terra. O homem, segundo os climas e as épocas, é, com relação a elas, indiferente ou opressor; mas elas experimentam ora uma opressão fria e calma, que é a do orgulho, ora uma opressão violenta e terrível, que é a do ciúme. Quando não são amadas, não são nada; quando adoradas, atormentam-nas. Estão sujeitas a temer quase tanto a indiferença quanto o amor. Em três quartos da terra, a natureza as colocou entre o desprezo e a infelicidade. Entre os próprios povos nos quais elas exerciam mais autoridade, encontraram-se homens que pretenderam impedir que tivessem qualquer tipo de glória. Um grego célebre [Tucídides] disse que a mulher mais virtuosa era aquela de quem se falava menos. Impondo-lhes assim os deveres, esse homem severo lhes tirava a doçura da estima pública; e exigindo delas as virtudes, considerava um crime que aspirassem à honra. Se alguma delas tivesse desejado defender a causa de seu sexo, teria podido dizer-lhe: "Qual é vossa injustiça? Se temos direito às virtudes como vós, por que não teríamos direito ao elogio? A estima pública pertence a quem sabe merecê-la. Nossos deveres são diferentes dos vossos; mas quando eles são cumpridos, fazem vossa felicidade, e o encanto da vida. Nós somos esposas e mães; somos nós que formamos os laços e a doçura das famílias. É através de nós que se abranda essa rudeza um tanto selvagem, que talvez esteja ligada à 162

força e que, a cada instante, pode fazer de um homem o inimigo de um homem. Cultivamos em vós aquela sensibilidade que se enternece com os males; e nossas lágrimas vos advertem de que há infelizes. Enfim, não o ignorais, precisamos de coragem, como vós. Mais fracas, temos talvez mais a vencer. A natureza nos põe à prova com a dor, as leis com a opressão, e a virtude com os combates. Algumas vezes, também, o nome de cidadã exige de nós sacrifícios”.

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SOBRE AS MULHERES Denis Diderot § Com um pouco de cor e de sensibilidade (ora, senhor Thomas, por que não vos deixais levar por essas duas qualidades que não vos são estranhas!), que ternura nos teríeis inspirado, se nos mostrásseis as mulheres sujeitas, como nós, às deficiências da infância, mais oprimidas e mais negligenciadas em sua educação, abandonadas aos mesmos caprichos da sorte, com uma alma mais móvel, órgãos mais delicados, e nada daquela firmeza natural ou adquirida que nos prepara para a vida; reduzidas ao silêncio na idade adulta, sujeitas a um incômodo que as prepara para se tornarem esposas e mães, então tristes, inquietas, melancólicas, ao lado de pais alarmados não só com a saúde e a vida de sua filha, mas também com o caráter, pois é nesse instante crítico que uma moça se transforma naquilo que será durante toda a vida penetrante ou estúpida, triste ou alegre, séria ou leviana, boa ou má, realizando ou frustrando a esperança da mãe. Durante uma longa sequencia de anos, cada lua trará o mesmo mal-estar. O momento que irá livrá-la do despotismo de seus pais chegou; sua imaginação abre-se para um futuro cheio de quimeras, seu coração nada numa alegria secreta. Regozija-te bem, infeliz criatura! O tempo teria enfraquecido incessantemente a tirania que deixas; o tempo aumentará incessantemente a tirania sob a qual vais colocar-te. Escolhem-lhe um esposo. Ela toma-se mãe. A gravidez é penosa para quase todas as mulheres; é na dor, com o perigo de suas vidas, à custa de seus encantos e com frequência em detrimento de sua saúde, que elas dão à luz filhos; o primeiro domicílio da criança e os dois reservatórios de sua alimentação, os órgãos que caracterizam o sexo, estão sujeitos a duas doenças 164

incuráveis. Talvez não haja alegria comparável à da mãe que vê seu primogênito; mas esse momento terá um preço muito elevado. O pai descarrega os cuidados com os meninos nas costas de um mercenário; a mãe permanece encarregada da guarda das filhas. A idade avança, a beleza passa; chegam os anos de abandono, da amargura e do tédio. É através do incômodo que a natureza as destinou a se tornarem mães; é através de uma doença longa e perigosa que lhes tira o poder de sê-lo. O que é, então, uma mulher? Negligenciada pelo esposo, abandonada pelos filhos, nula na sociedade, a devoção é seu único e último recurso. Em quase todas as regiões, a crueldade das leis civis uniu-se, contra as mulheres, à crueldade da natureza; elas foram tratadas como crianças imbecis. Não há vexame que, entre os povos civilizados, o homem não possa impor impunemente à mulher; a única represália que depende dela tem como consequência a perturbação doméstica e é punida com um desprezo mais ou menos marcado, dependendo da maior ou menor rigidez de costumes que a nação tenha. Não há vexame que o selvagem não imponha a sua mulher; a mulher infeliz nas cidades é ainda mais infeliz no fundo das florestas.

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CRÍTICA AO LIVRO DE THOMAS Madame d’Epinay § Quando se acaba de lê-la, não se sabe o que autor pensa, e se sua opinião sobre as mulheres difere da opinião corrente. Ele faz, com muita erudição, o histórico das mulheres célebres de todo tipo. Discute um tanto secamente o que elas devem à natureza, à instituição da sociedade e à educação; e em seguida, mostrando-as tais como são, não para de atribuir à natureza aquilo que evidentemente nos vem da educação ou da instituição etc. E depois, tantos lugares-comuns! - São elas mais sensíveis? Mais seguras na amizade do que os homens? - São mais isto? - São mais aquilo? - "Montaigne - diz ele - decide nitidamente a questão contra as mulheres, talvez como aquele juiz que temia tanto ser parcial, que tinha como princípio fazer com que seus amigos sempre perdessem o processo. E depois, num outro trecho: "A natureza - diz ele - as fez como as flores para brilhar docemente no canteiro que as viu nascer. Talvez devêssemos, portanto, desejar ter um homem como amigo, em grandes ocasiões; mas para a felicidade de todos os dias, deve-se desejar a amizade de uma mulher." Como todos esses detalhes são miúdos, comuns e pouco filosóficos! Ele pretende que elas não são susceptíveis de demonstrar, nos negócios, tanta ordem e constância quanto os homens, nem tanta coragem em suas resoluções. Esta é, creio, uma visão bem falsa; temos mil exemplos do contrário; alguns mesmo bastante recentes e notáveis. Por outro lado, a constância e a coragem na busca de um objetivo poderia ser calculada, parece-me, em função da ociosidade; e este seria um forte argumento a nosso favor. Não tenho tempo de dar a essa idéia todo o desenvolvimento que 166

gostaria. Mas felizmente isso não é necessário convosco, e adivinhareis o resto. "Viram-se - diz o senhor Thomas - em grandes perigos, exemplos de uma enorme coragem nas mulheres; mas foram todas ocasiões em que uma violenta paixão ou uma ideia que as mobiliza vivamente lhes rouba o domínio de si mesmas" etc. - Mas será a coragem outra coisa, nos homens? A opinião ou a ambição constituem aquilo que os mobiliza fortemente. "Usai, na instituição e na educação das mulheres, o mesmo preconceito de valor, e haverá tantas mulheres corajosas quanto homens, já que se encontram poltrões entre eles, apesar da opinião, e que o número de mulheres corajosas é tão grande quanto o número de homens covardes. Da soma geral dos males físicos espalhados na superfície da terra, as mulheres são aquinhoadas com mais de. dois terços. Está bem evidente também que elas os suportam com infinitamente mais constância e coragem do que os homens. Não há aí preconceito nem vaidade que se sustente: a constituição física tomou-se mesmo, pela educação, mais fraca do que a do homem. Pode-se, portanto, concluir daí que a coragem é um dom da natureza nelas, exatamente como DOS homens, e, numa visão mais abrangente, que é da essência da humanidade em geral lutar contra a dor, as dificuldades, os obstáculos etc. Poderíamos, com muito mais vantagem, Jazer o mesmo cálculo sobre as penas morais. Falando da menoridade de Luís XIV, ele diz: "As mulheres naquela época tiveram todas aquela espécie de agitação inquieta causada pelo espírito de partido, espírito esse menos distante do caráter delas do que se pensa." Isso é verdade, senhor.Thomas. Mas já que queríeis ser científico, seria o caso aí de examinar se essa disposição inquieta, que lhes é natural, é uma particularidade delas, e não se encontra igualmente nos homens; se eles, excluídos, como elas, de ocupações sérias e de negócios, ou 167

afastados de todos os grandes objetivos, não exibiriam essa mesma disposição inquieta, que se extingue, a vossos olhos, pelo alimento que lhe é conferido pelo papel que desempenham na sociedade. A prova é que ela não é notada em nenhum outro lugar como entre os monges, e nas casas religiosas. Vossa obra não é de modo algum filosófica: não examinais nada em profundidade, e mais uma vez, não percebo em vós nenhum objetivo. Como! Ousais criticar o papel de Crisale nas Sabichonas! Dizeis que esse papel nos faria retroceder duzentos anos. Pobre homem! Não vedes que esse papel, posto em oposição às sabichonas, atacava ao mesmo tempo os dois extremos: o abuso do saber, e o abuso dos costumes simples e do espírito econômico. Ele encerra sua obra fazendo votos pelo retomo dos bons costumes e da virtude. Assim seja, certamente! Essas últimas quatro páginas são as mais agradáveis de seu livro, pelo quadro que ele faz da mulher tal como ela deveria ser; mas encara isso como uma quimera. É bem evidente que os homens e as mulheres têm a mesma natureza e a mesma constituição. A prova disso é que as mulheres selvagens são tão robustas e ágeis quanto os homens selvagens: assim, a fraqueza de nossa constituição e de nossos órgãos pertence certamente à nossa educação, e é uma consequência da condição que nos destinaram na sociedade. Os homens e as mulheres, tendo a mesma natureza e a mesma constituição, são susceptíveis dos mesmos defeitos, das mesmas virtudes e dos mesmos vícios. As virtudes que se quis dar a elas, em geral, são quase todas contra a natureza, que só produzindo pequenas qualidades artificiais, e danos muito reais. Certamente seriam necessárias várias gerações para nos recolocar tais como a natureza nos criou. Poderíamos talvez sair vencedoras; mas os homens perderiam demais. Ficam bem felizes por não sermos piores do 168

que somos, depois de tudo o que fizeram para nos desnaturar por suas belas instituições etc. Isso é mesmo tão evidente, que dizê-lo não vale mais a pena do que dizer tudo o que disse o senhor Thomas. Era difícil fazer algo novo sobre esse assunto, e, em geral, como dizia outro dia o senhor Grimm, não há mais temas nem ideias novas: não necessitamos mais que cabeças novas para nos fazer ver os objetos sob pontos de vista diferentes.

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DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER E DA CIDADÃ Olympe de Gouges § Preâmbulo. Mães, filhas, irmãs, mulheres representantes da nação, pedimos para sermos constituídas [como representantes] como uma assembleia nacional. Considerando que a ignorância, negligência ou desprezo pelos direitos da mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção governamental, resolveu-se expor em uma declaração solene os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da mulher: assim, ele poderá estar constantemente disponível para todos os membros do corpo social, e tal declaração pode sempre lembrá-las dos seus direitos e deveres; de modo que, dada sua responsabilidade, ele poderá ser usado para comparação a todo tempo, em todas as instituições políticas, e os atos de mulheres e poderes dos homens podem ser o mais plenamente respeitados; e de modo que, sendo fundada doravante em princípios simples e incontestáveis, as demandas das cidadãs tenderão sempre para a manutenção da Constituição, dos bons costumes, e do bem-estar geral. Em consequência, o sexo que é superior em beleza como em coragem, necessária nos sofrimentos maternais, reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos da mulher e da cidadã. 1. A mulher nasce livre e continua a ser igual ao homem em direitos. As distinções sociais só pode se assentar na utilidade comum. 2. O propósito de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis da mulher e do homem. Esses 170

direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, especialmente, a resistência à opressão. 3. O princípio de toda soberania repousa essencialmente na nação, que é apenas a reunião da mulher e do homem. Nenhum corpo e nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente da nação. 4. Liberdade e justiça consistem em restaurar tudo o que pertence a outro; portanto, o exercício dos direitos naturais da mulher não tem outros limites do que aqueles que a tirania perpétua do homem se opõe a eles; Estes limites devem ser reformados de acordo com as leis da natureza e da razão. 5. As leis da natureza e da razão proíbem todas as ações que são prejudiciais para a sociedade. Nenhum obstáculo deve ser colocado no caminho de qualquer coisa não proibida por essas leis sábias e divinas, nem ninguém pode ser forçado a fazer o que elas não exigem. 6. A lei deve ser a expressão da vontade geral. Todas as cidadãs e os cidadãos devem participar, pessoalmente ou pelos seus representantes, na sua formação. Ela deve ser a mesma para todos. Todas as cidadãs e cidadãos, sendo iguais a seus olhos, devem ser igualmente admissíveis em todas as dignidades públicas, repartições e empregos, de acordo com sua capacidade, e sem outra distinção que a de suas virtudes e talentos. 7. Nenhuma mulher está isenta; ela é indiciada, presa e detida nos casos determinados pela lei. Mulheres gostam de homens que obedecem a esta lei rigorosa. 8. Só estritamente e evidentemente necessárias punições devem ser estabelecidas pela lei, e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada antes do momento do delito e legalmente aplicada às mulheres. 9. Qualquer mulher que for declarada culpada, todo rigor é 171

exercido pela lei. 10. Ninguém deve ser perturbado por suas opiniões fundamentais; a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, então ela deve ter o direito igualmente de subir à tribuna, desde que essas manifestações não criem problemas à ordem pública, como estabelecido por lei. 11. A livre expressão dos pensamentos e das opiniões é um dos mais preciosos direitos da mulher, uma vez que esta liberdade assegura a legitimidade dos pais em relação aos seus filhos. Toda cidadã pode, portanto, dizer livremente, 'eu sou a mãe dessa criança'; um preconceito bárbaro [contra as mulheres solteiras de ter filhos] não deve forçá-la a esconder a verdade, contanto que a responsabilidade seja aceita, não abusando desta liberdade nos casos determinados pela lei [as mulheres não estão autorizadas a mentir sobre a paternidade de seus filhos ]. 12. A salvaguarda dos direitos da mulher e da cidadã requer poderes públicos. Esses poderes são instituídos para a vantagem de todos, e não para o benefício privado daqueles a quem são confiados. 13. Para a manutenção da autoridade pública e para as despesas de administração, a tributação de mulheres e homens é igual; ela participa de todos os serviços de trabalho forçado, em todas as tarefas penosas; ela deve, portanto, ter a mesma proporção na distribuição de lugares, empregos, escritórios, dignidades, e na indústria. 14. As cidadãs e os cidadãos têm o direito, por si ou através de seus representantes, de demonstrar a eles a necessidade de impostos públicos. As cidadãs só podem concordar com eles no momento da admissão de uma divisão igual, não só em termos de riqueza, mas também na administração pública, e para determinar os meios de rateio, avaliação e recolha, bem como a duração dos 172

impostos. 15. A massa de mulheres, juntando-se com os homens no pagamento de impostos, tem o direito de responsabilizar todos os agentes públicos da administração. 16. Qualquer sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada ou a separação de poderes não foi resolvida, não tem Constituição. A constituição é nula e sem efeito, se a maioria dos indivíduos que compõem a nação não cooperou na sua elaboração. 17. A Propriedade pertence a ambos os sexos, se unidos ou separados; cabe a cada um deles um direito inviolável e sagrado, e ninguém pode ser privado dele como um verdadeiro patrimônio da natureza, salvo quando a necessidade pública, certificada por lei, obviamente exige isso, e, em seguida, apenas sob a condição de uma compensação com antecedência.

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A IGUALDADE DOS SEXOS E OS DIREITOS FEMININOS Mary Wollstonecraft § Para dar conta, e desculpar a tirania do homem, muitos argumentos engenhosos foram apresentadas para provar que os dois sexos, na aquisição de virtude, devem visar a obtenção de um caráter muito diferente; ou, para falar explicitamente, as mulheres não estão autorizados a ter força suficiente de mente para adquirir o que realmente merece o nome de virtude. No entanto, aparentemente, deve ser permitido aquelas que têm almas, que não há senão um caminho apontado pela Providência para conduzir a humanidade a qualquer virtude ou felicidade. Se, em seguida, as mulheres não são um enxame de levianas efêmeras, por que elas devem ser mantidas na ignorância sob o nome especioso de inocência? Homens queixam-se, e com razão, das loucuras e caprichos de nosso sexo, quando não profundamente satirizam as nossas paixões e vícios obstinados e vis. Eis o que eu deveria responder: o efeito natural da ignorância! A mente nunca deixará de ser instável se só lhe restam apenas preconceitos, ea tudo fará com fúria destrutiva, quando não existem barreiras para quebrar sua força. Mulheres são ensinadas a partir de sua infância, e ensinadas pelo exemplo de suas mães, que um pouco de conhecimento da fraqueza humana, justamente denominado astúcia, suavidade de temperamento, obediência exterior, e uma escrupulosa atenção a um tipo pueril de decoro, irão obter para elas a proteção do homem; e elas devem ser belas, tudo o resto é supérfluo, por pelo menos vinte anos de suas vidas. Assim, Milton descreve a nossa primeira mãe frágil; embora ele nos diga que as mulheres são criadas para dar suavidade e uma 174

doce graça atraente, eu não posso compreender o significado disso, a menos que, dentro da verdadeira estirpe maometana, ele quis dizer privar-nos das almas, e insinuar que fomos seres concebido apenas para a doce graça atraente e obediência cega dócil, para satisfazer os sentidos do homem quando ele não pode mais subir nas asas de contemplação. Como grosseiramente eles nos insultam, assim, aconselhando-nos para nós mesmos nos tornarmos suaves, [esses] brutos domésticos! [...] Li vários livros que versavam sobre o tema da educação, e observei pacientemente a conduta dos pais e a administração das escolas; mas qual foi o resultado? - a profunda certeza de que a negligenciada educação de meus co-humanos é a grande fonte da miséria que deploro, e que as mulheres, em especial, se tornam fracas e infelizes por diversas causas concorrentes, que se originam de uma conclusão apressada. De fato, a conduta e as maneiras das mulheres provam, evidentemente, que suas mentes não estão em estado saudável; pois, assim como acontece com as flores que são plantadas em solo fértil demais, a força e a utilidade são sacrificadas à beleza; e as folhas ostentosas, após deleitarem um olho cansado, fenecem, menosprezadas no talo, muito antes da estação em que atingiriam a maturidade. Uma causa dessa florescência infecunda, eu atribuo a um falso sistema de educação, recolhido dos livros escritos sobre esse assunto por homens que, considerando as fêmeas mais como mulheres do que como criaturas humanas, mostraram mais vontade de torná-las damas atraentes do que esposas afetuosas e mães racionais; e o entendimento do sexo foi tão confundido por essa homenagem especiosa que as mulheres civilizadas deste século, com algumas exceções, preocupam-se apenas em inspirar amor, quando deveriam cultivar uma ambição mais nobre e, por suas 175

capacidades e virtudes, cobrar respeito. Num tratado, portanto, sobre direitos e maneiras femininos, não se devem desprezar as obras que foram escritas particularmente para melhorá-los, especialmente quando se afirma, em termos diretos, que as mentes das mulheres são enfraquecidas por um falso refinamento; que os livros de instrução, escritos por homens de talento, tiveram a mesma tendência que as produções mais frívolas; e que, no verdadeiro estilo do maometanismo, elas são tratadas como uma espécie de seres subordinados, e não como uma parte da espécie humana, quando se admite que uma razão incomprovável é a distinção dignificada que eleva os homens acima da criação bruta e coloca um cetro natural numa mão fraca. Não obstante, como mulher que sou, não levaria meus leitores a supor que pretendo agitar furiosamente a contestada questão sobre a qualidade ou inferioridade do sexo; mas, já que o tema se me apresenta, e não posso deixá-lo passar sem submeter a principal tendência de meu raciocínio a equívocos, farei uma pausa para externar, em algumas palavras, a minha opinião. No governo do mundo físico pode-se observar que a fêmea em questão de força é, em geral, inferior ao macho. Essa é a lei da Natureza; e não parece que será suspensa ou revogada em favor da mulher. Não se pode negar, portanto, um certo grau de superioridade física, e isso constitui uma nobre prerrogativa! Não contentes, porém, com essa preeminência natural, os homens empenham-se em afundar-nos ainda mais, simplesmente para nos transformar por um momento em objetos atraentes; e as mulheres, inebriadas com a adoração que os homens lhes rendem, sob influência de seus sentidos, não procuram obter um interesse duradouro em seus corações, ou tornar-se as amigas dos companheiros que sentem prazer em sua companhia. [...] 176

A mais perfeita educação, em minha opinião, é esse exercício do intelecto mais bem calculado para fortalecer o corpo e formar o coração. Ou, em outras palavras, para capacitar o indivíduo a adquirir hábitos de virtude que o tornem independente. De fato, é uma farsa chamar de virtuoso um ser cujas virtudes não resultem do exercício de sua própria razão. Essa era a opinião de Rousseau a respeito dos homens; estendo-a às mulheres, e afirmo confiantemente que elas foram retiradas de sua esfera por um falso refinamento, e não por um esforço em adquirir qualidades masculinas. [...] Todavia, na educação das mulheres, o cultivo do intelecto está sempre subordinado à aquisição de alguma realização corpórea. Mesmo quando desvigorado pelo confinamento e por falsas noções de modéstia, o corpo é impedido de atingir aquela graça e beleza que membros enervados e semiformados nunca exibem. Além disso, na juventude suas faculdades não são desenvolvidas por emulação; e, como não há um estudo científico sério, se possuem uma sagacidade natural, é dirigida cedo demais para a vida e as boas maneiras. Elas insistem nos efeitos e modificações, sem descobrir-lhes as causas; e regras complicadas para ajustar o comportamento são um fraco substituto para os princípios simples. [...] Aventuro-me, portanto, a afirmar que, enquanto as mulheres não forem educadas com mais racionalidade, o progresso da virtude humana e a melhoria no conhecimento devem sofrer continuas resistências. E se for concedido que a mulher não seja criada apenas para saciar o apetite do homem, ou para ser a empregada mais elevada, que provê suas refeições e cuida de sua roupa, deve seguir-se que o primeiro cuidado dessas mães ou pais que 177

realmente se preocupam com a educação das filhas deveria ser, senão fortalecer o corpo, pelo menos não destruir-lhe a constituição com noções erradas de beleza e excelência femininas; tampouco dever-se-ia permitir que as moças se impregnem da noção perniciosa de que um defeito pode, por algum processo químico de raciocínio, tomar-se uma virtude. [...]

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CONTRA A ESCRAVIDÃO Soujourner Truth § Muito bem crianças, onde há muita algazarra alguma coisa está fora da ordem. Eu acho que com essa mistura de negros (negroes) do Sul e mulheres do Norte, todo mundo falando sobre direitos, o homem branco vai entrar na linha rapidinho. Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim? Olhem para meus braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia estar à minha frente. E não sou uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto qualquer homem – desde que eu tivesse oportunidade para isso – e suportar o açoite também! E não sou uma mulher? Eu pari 3 treze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! E não sou uma mulher? Daí eles falam dessa coisa na cabeça; como eles chamam isso... [alguém da audiência sussurra, “intelecto”]. É isso querido. O que é que isso tem a ver com os direitos das mulheres e dos negros? Se o meu copo não tem mais que um quarto, e o seu está cheio, porque você me impediria de completar a minha medida? Daí aquele homenzinho de preto ali disse que a mulher não pode ter os mesmos direitos que o homem porque Cristo não era mulher! De onde o seu Cristo veio? De onde o seu Cristo veio? De Deus e de uma mulher! O homem não teve nada a ver com 179

isso. Se a primeira mulher que Deus fez foi forte o bastante para virar o mundo de cabeça para baixo por sua própria conta, todas estas mulheres juntas aqui devem ser capazes de conserta-lo, colocando-o do jeito certo novamente. E agora que elas estão exigindo fazer isso, é melhor que os homens as deixem fazer o que elas querem. Agradecida a vocês por me escutarem, e agora a velha Sojourner não tem mais nada a dizer.

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LIBERDADE E EDUCAÇÃO PARA A MULHER BRASILEIRA Nísia Floresta § É um grande absurdo pretender que as ciências são inúteis às mulheres, pela razão de que elas são excluídas dos cargos públicos, único fim a que os homens se aplicam. A virtude e a felicidade são tão indispensáveis na vida privada como na pública, e a ciência é um meio necessário para se alcançar uma e outra. É por ela que se consegue a exatidão do pensamento, a pureza da expressão, a justeza das ações; sem ela não se pode jamais ter um verdadeiro conhecimento de si mesmo; é ela que nos põe em estado de distinguir o bem do mal, o verdadeiro do falso; é ela que nos torna capazes de regular nossas paixões, mostrando-nos que a verdadeira felicidade e virtude consiste em restringir nossos desejos, do que em aumentar o que possuímos. Além disso, seja-me permitido notar o círculo vicioso em que esse desprezível modo de pensar tem colocado os homens sem o perceberem. Por que a ciência nos é inútil? Porque somos excluídas dos cargos públicos; e por que somos excluídas dos cargos públicos? Porque não temos ciência. Eles bem conhecem a injustiça que nos fazem; e esse conhecimento os reduz ao recurso de disfarçar a má fé à custa de sua própria razão. Porém deixemos falar uma vez a verdade: por que se interessam tanto em nos separar das ciências a que temos tanto direito como eles, senão pelo temor de que partilhemos com eles, ou mesmo os excedamos na administração dos cargos públicos, que quase sempre tão vergonhosamente desempenham? O mesmo sórdido interesse, que os instiga a invadir todo poder e dignidades, os determina a privar-nos desse conhecimento, que 181

nos tornaria suas competidoras. Como a natureza parece haver destinado os homens a ser nossos subalternos, eu lhes perdoaria voluntariamente a usurpação, pela qual nos têm tirado das mãos o embaraço dos empregos públicos, se sua injustiça ficasse satisfeita, e parasse nisso, mas como um abismo cava outro, e os vícios sempre andam juntos, eles não se satisfazem somente com a usurpação de toda autoridade, têm mesmo a ousadia de sustentar que ela lhes pertence de direito, pois a natureza nos formou para ser-lhes perpetuamente sujeitas por falta de habilidade necessária para partilhar com eles do governo, e cargos públicos. Para refutar esse extravagante modo de pensar será preciso destruir os fundamentos sobre que está baseado. [...] Ela pode sem vaidade elevar-se ao nível da inteligência mais sublime, e com uma complacência natural à delicadeza de sua figura chegar sem baixeza ao alcance do espírito o mais moderado. Qual é o objeto que nós não possamos tratar, sem ofender à decência? Quando falamos do bem ou do mal, sabe-se muito bem que estamos em estado de conduzir a um, e desviar do outro, os homens os mais obstinados, por pouco que seus espíritos sejam susceptíveis de raciocinar, e capazes de seguir um argumento. Esse caráter de retidão, que tem todo nosso exterior quando falamos,faz nosso poder de persuadir ainda mais vitorioso. Certamente se temos uma eloquência mais comunicável que a sua, nós devemos ser, ao menos como eles, tão capazes de ensinar as ciências; e se não nos veem nas cadeiras das universidades, não se pode dizer que seja por incapacidade, mas sim por efeito da violência com que os homens se sustentam nesses lugares em nosso prejuízo; ou pelo menos deve-se reconhecer nisso, que temos mais modéstia, que eles, e menos ambição. Se quiséssemos aplicar-nos à jurisprudência, faríamos tantos progressos, como os 182

homens.Não se nos disputa o talento natural de explicar, e desenvolver os trabalhos os mais difíceis e complicados de bem estabelecer nossas pretensões, e as dos outros, de descobrir o fundo de uma dificuldade e de pôr em prática todos os meios capazes de nos fazer obrar justiça: isso basta, creio, para provar que, se questiona-se de satisfazer as funções de advogado, juiz, magistrado, nós apresentaríamos uma capacidade para esses trabalhos, de que bem poucos homens são susceptíveis. Mas a paz e a justiça são nosso único estudo; toda nossa ambição se reduz a reparar os danos que esse sexo corrompido procura fazer-nos com tanto furor. [...] Em uma palavra: as observações que as mulheres fazem em sua prática tem-se achado tão exatas e apoiadas sobre razões tão sólidas, que tem demonstrado mais de uma vez a inutilidade, e pedantaria da maior parte dos sistemas das escolas. Eu duvido que o nosso sexo quisesse passar tantos anos tão inutilmente, como fazem esses homens, que se apelidam filósofos; se quisesse aplicar-se ao estudo da natureza, estou persuadida que acharíamos um caminho mais breve para chegarmos a esse fim. Não faríamos, como certos homens, que empregam anos inteiros e algumas vezes mesmo toda sua vida, a raciocinar sobre entes de razão e bagatelas imaginárias, que só existem em seus próprios cérebros.

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IGUALDADE DE DIREITOS NO SOCIALISMO August Bebel § As mulheres que atuam no movimento sufragista burguês não reconhecem a necessidade de uma transformação tão completa. Influenciadas por sua posição social privilegiada, consideram os objetivos mais radicais do movimento proletário feminino doutrinas perigosas que devem ser combatidas. O antagonismo de classe que existe entre a classe capitalista e a trabalhadora e que está crescendo com o aumento dos problemas industriais, também se manifesta claramente dentro do movimento feminista. Ainda assim, essas mulheres irmãs, embora oponentes entre si quanto à classe, têm muitos mais pontos em comum do que os homens envolvidos na luta de classes, e embora marchem em exércitos separados podem infligir um golpe conjunto. Isso é verdade no que diz respeito a todos os esforços referentes a direitos iguais da mulher na presente ordem social; isto é, seu direito a ingressar em qualquer oficio ou profissão adequado à sua força e capacidade, e seu direito à igualdade civil e política. Estes são, como veremos, objetivos muito importantes e de longuíssimo alcance. Além de lutar por esses objetivos, é do particular interesse das mulheres proletárias trabalhar lado a lado com os homens proletários, porque as medidas e as instituições tendem a proteger a mulher trabalhadora da degradação física e mental, e a preservar sua saúde e sua força para o cumprimento normal de suas funções maternas. Além disso, é dever da mulher proletária unir-se aos homens de sua classe na luta por uma total transformação da sociedade, fazer emergir uma ordem que, por suas instituições sociais, capacite ambos os sexos a desfrutar de total independência econômica e intelectual. 184

Nossa meta é, então, não apenas obter a igualdade de homens e mulheres na presente ordem social, que constitui o único objetivo do movimento feminino burguês, mas ir mais além e remover todas as barreiras que tornam um ser humano dependente de outro, o que inclui a dependência de um sexo do outro. Essa solução da questão da mulher é idêntica à solução da questão social. Aqueles que buscam uma solução definitiva da questão da mulher devem, portanto, dar as mãos àqueles que inscreveram em sua bandeira a solução da questão social no interesse de toda a humanidade - os socialistas. [...] Assim, os homens, partindo dos mais variados pontos de vista, chegam às mesmas conclusões, em virtude de suas investigações científicas. A total emancipação da mulher e o estabelecimento de direitos iguais com o homem é um dos objetivos de nosso desenvolvimento cultural, cuja realização nenhum poder na terra pode impedir. Mas isso somente pode ser alcançado por meio de urna transformação que elimine o domínio do homem sobre o homem, inclusive o domínio do capitalista sobre o trabalhador. Somente então pode a humanidade atingir seu mais pleno desenvolvimento. A "idade de ouro" com que os homens vêm sonhando, e pela qual anseiam há milhares de anos, chegará finalmente. O domínio de classe chegará ao fim para sempre, e com ele o domínio do homem sobre a mulher.

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IGUALDADE DE DIREITOS ENTRE OS SEXOS NO ESPIRITISMO Allan Kardec § 200. Têm sexos os Espíritos? “Não como o entendeis, pois que os sexos dependem da organização. Há entre eles amor e simpatia, mas baseados na concordância dos sentimentos.” 201. Em nova existência, pode o Espírito que animou o corpo de um homem animar o de uma mulher e vice-versa? “Decerto; são os mesmos os Espíritos que animam os homens e as mulheres.” 202. Quando errante, que prefere o Espírito: encarnar no corpo de um homem, ou no de uma mulher? “Isso pouco lhe importa. O que o guia na escolha são as provas por que haja de passar.” [Os Espíritos encarnam como homens ou como mulheres, porque não têm sexo. Visto que lhes cumpre progredir em tudo, cada sexo, como cada posição social, lhes proporciona provações e deveres especiais e, com isso, ensejo de ganharem experiência. Aquele que só como homem encarnasse só saberia o que sabem os homens.] 817. São iguais perante Deus o homem e a mulher e têm os mesmos direitos? “Não outorgou Deus a ambos a inteligência do bem e do mal e a faculdade de progredir?” 818. Donde provém a inferioridade moral da mulher em certos países? “Do predomínio injusto e cruel que sobre ela assumiu o homem. É resultado das instituições sociais e do abuso da força sobre a 186

fraqueza. Entre homens moralmente pouco adiantados, a força faz o direito.” 819. Com que fim mais fraca fisicamente do que o homem é a mulher? “Para lhe determinar funções especiais. Ao homem, por ser o mais forte, os trabalhos rudes; à mulher, os trabalhos leves; a ambos o dever de se ajudarem mutuamente a suportar as provas de uma vida cheia de amargor.” 820. A fraqueza física da mulher não a coloca naturalmente sob a dependência do homem? “Deus a uns deu a força, para protegerem o fraco e não para o escravizarem.” [Deus apropriou a organização de cada ser às funções que lhe cumpre desempenhar. Tendo dado à mulher menor força física, deu-lhe ao mesmo tempo maior sensibilidade, em relação com a delicadeza das funções maternais e com a fraqueza dos seres confiados aos seus cuidados.] 821. As funções a que a mulher é destinada pela Natureza terão importância tão grande quanto as deferidas ao homem? “Sim, maior até. É ela quem lhe dá as primeiras noções da vida.” 822. Sendo iguais perante a lei de Deus, devem os homens ser iguais também perante as leis humanas? “O primeiro princípio de justiça é este: Não façais aos outros o que não quereríeis que vos fizessem.” a) — Assim sendo, uma legislação, para ser perfeitamente justa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher? “Dos direitos, sim; das funções, não. Preciso é que cada um esteja no lugar que lhe compete. Ocupe-se do exterior o homem e do interior a mulher, cada um de acordo com a sua aptidão. A lei humana, para ser equitativa, deve consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher. Todo privilégio a um ou a outro 187

concedido é contrário à justiça. A emancipação da mulher acompanha o progresso da civilização. Sua escravização marcha de par com a barbaria. Os sexos, além disso, só existem na organização física. Visto que os Espíritos podem encarnar num e noutro, sob esse aspecto nenhuma diferença há entre eles. Devem, por conseguinte, gozar dos mesmos direitos.”

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CONTRA A SUJEIÇÃO FEMININA Stuart Mill § No que diz respeito à aptidão das mulheres, não só para participar nas eleições, mas a manter-se em repartições públicas ou profissões práticas,já observei que esta consideração não é essencial para a questão prática em disputa: uma vez que qualquer mulher, que consegue sucesso numa profissão qualquer, prova por esse fato que ela é qualificada para isso. E, no caso de cargos públicos, se o sistema político do país é feito para excluir os homens incapazes, vai igualmente excluir as mulheres impróprias: enquanto que, se não o for, não há mal adicional no fato de que as pessoas incapacitadas sejam mulheres ou homens. Contanto, pois, reconhecendo-se que até mesmo algumas mulheres podem estar prontas para estas funções, às leis que fecham a porta a essas exceções não podem ser justificadas por qualquer opinião que respeite as capacidades das mulheres em geral. Mas, embora esta última consideração não seja essencial, ele está longe de ser irrelevante. Uma visão preconceituosa dá força adicional para os argumentos contra as deficiências das mulheres, e reforça-os pelas considerações mais altas de utilidade prática. Vamos primeiro fazer uma abstração plena de todas as considerações psicológicas que tendem a mostrar que algumas diferenças mentais deveriam existir entre mulheres e homens, sendo mais o efeito natural das diferenças na sua educação e circunstâncias, e não indicam nenhuma diferença radical, muito menos radical inferioridade, da natureza. Vamos considerar as mulheres apenas como elas já são, ou como elas são conhecidas por terem sido [...] Agora é uma consideração curiosa, que as únicas coisas que a lei existente exclui as mulheres de fazer, são as 189

coisas que elas provaram que elas são capazes de fazer. Não há nenhuma lei para impedir uma mulher de ter escrito todas as peças de Shakespeare, ou compor todas as óperas de Mozart. Mas a rainha Elizabeth ou rainha Victoria, que não tinham herdado o trono, não poderiam ter sido confiadas com o menor dos direitos políticos, dos quais o antigo mostrou-se igual ao maior. Se nada conclusivo pode ser inferido a partir da experiência, sem análise psicológica, seria de que as coisas que as mulheres não estão autorizados a fazer são as mesmas pelas quais são peculiarmente qualificadas; desde a sua vocação para o governo em seu caminho, e tornou-se visível, através das poucas oportunidades que foram dadas; enquanto nas linhas de distinção que, aparentemente, eram livremente aberto para elas, elas têm de alguma forma tão eminentemente distinguido-se.

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SUFRÁGIO FEMININO Emmeline Pankhurst § Eu não vim aqui como um advogado de defesa, porque independentemente da posição ocupada pelo movimento sufragista nos Estados Unidos, na Inglaterra já não se defende o movimento, ele já faz parte da vida política. Tornou-se um tema de revolução e de guerra civil, e por isso hoje eu não estou aqui para defender o sufrágio feminino. Sufragistas americanas podem fazer isso perfeitamente. Estou aqui como um soldado que deixou temporariamente o campo de batalha para explicar - parece estranho que tenha que ser explicado - o que é uma guerra civil quando ela é travada por mulheres. Eu não estou apenas aqui como um soldado temporariamente ausente do campo de batalha; Eu estou aqui - o que, penso eu, é a mais estranha da minha presença- Estou aqui como uma pessoa que, de acordo com o que foi decidido nos tribunais do meu país, não tem nenhum valor para a comunidade; porque a minha vida foi julgada, eu sou uma pessoa perigosa, sob pena de trabalhos forçados em um regime de prisão. Portanto, algum interesse deve se ter em ouvir uma pessoa peculiar como eu. Certamente muitas de vocês pensam que eu tenho um olhar de soldado ou prisioneiro, mas eu sou ambos. [...] Eu quero dizer às pessoas que não acreditam que as mulheres podem ser bem sucedidas, que temos levado o governo da Inglaterra a sua situação atual e, portanto, temos que enfrentar esta alternativa: ou as mulheres morrem ou conseguem o direito de votar. Pergunto aos homens americanos nesta reunião, o que eles pensariam se vivessem uma situação semelhante em seu estado; Será que iriam matar aquelas mulheres ou iriam dar-lhes a cidadania, as mulheres que vocês respeitam, mulheres que viveram 191

vidas úteis, mulheres que conhecem, mesmo não sendo pessoalmente? Mulheres que procuram liberdade e poder para desempenhar um serviço público útil. Bem, só há uma resposta a esta alternativa; Há apenas uma saída, a menos que vocês estejam dispostas a atrasar o avanço da civilização em duas ou três gerações; vocês devem conceder o direito de voto às mulheres. Esse é o resultado da nossa guerra civil.

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O DIA DA MULHER Alexandra Kollontai § O quê é o dia da Mulher? É realmente necessário? Será que é uma concessão às mulheres da classe burguesa, às feministas e sufragistas? Será que é nocivo para a unidade do movimento operário? Estas questões ainda se escutam na Rússia, embora já não no estrangeiro. A vida mesma deu uma resposta clara e eloquente a tais perguntas. O Dia da Mulher é um elo na longa e sólida cadeia da mulher no movimento operário. O exército organizado de mulheres trabalhadoras cresce cada dia. Há vinte anos, as organizações operárias não tinham mais do que grupos dispersos de mulheres nas bases dos partidos operários… Agora os sindicatos ingleses têm mais de 292.000 mulheres sindicadas; na Alemanha são em torno de 200.000 sindicadas e 150.000 no partido operário, na Áustria há 47.000 nos sindicatos e 20.000 no partido. Em toda as partes, em Itália, na Hungria, na Dinamarca, na Suécia, na Noruega e na Suíça, as mulheres da classe operária estão a organizar-se a si próprias. O exército de mulheres socialistas tem perto de um milhão de membros. Uma força poderosa! Uma força com a qual os poderes do mundo devem contar quando se põe sobre a mesa o tema do custo da vida, a segurança da maternidade, o trabalho infantil ou a legislação para proteger os trabalhadores. Houve um tempo em que os homens trabalhadores pensavam que deveriam carregar eles sós sobre os seus ombros o peso da luta contra o capital, pensavam que eles sós deviam enfrentar-se ao “velho mundo”, sem o apoio das suas companheiras. Porém, como as mulheres da classe trabalhadora vão entrar nas fileiras de 193

aqueles que vendem o seu trabalho em troca de um salário, forçadas a entrar no mercado laboral por necessidade, porque o seu marido ou pai estava no desemprego, os trabalhadores vão começar a reparar em que deixar atrás as mulheres entre as fileiras dos “nao-conscientes” era danar a sua causa e evitar que avançasse. Que nível de consciência possui uma mulher que senta no fogão, que não tem direitos na sociedade, no Estado ou na família? Ela não tem ideias próprias! Todo se faz segundo ordena o seu pai ou marido… O atraso e a falta de direitos sofridos pelas mulheres, a sua dependência e indiferença não são benefícios para a classe trabalhadora, e de fato som um mal direto para a luta operária. Mas, como entrará a mulher nesta luta, como acordará? A social-democracia estrangeira não vai encontrar solução correta imediatamente. As organizações operárias estavam abertas às mulheres, mas só umas poucas entravam. Por quê? Porque a classe trabalhadora, ao começo, não vai dar por si que a mulher trabalhadora é o membro mais degradado, tanto legal quanto socialmente, da classe operária, que ela foi espancada, intimidada, encurralada ao longo dos séculos, e que para estimular a sua mente e o seu coração necessita uma aproximação especial, palavras que ela, como mulher, entenda. Os trabalhadores não se vão dar conta imediatamente de que neste mundo de falta de direitos e de exploração, a mulher está oprimida não só como trabalhadora, mas também como mãe, mulher. Porém, quando membros do partido socialista operário entenderam isto, fizeram sua a luta pela defesa das trabalhadoras como assalariadas, como mães, como mulheres. [...] As feministas burguesas demandam a igualdade de direitos sempre e em qualquer lugar. As mulheres trabalhadoras respostam: 194

demandamos direitos para todos os cidadãos, homens e mulheres, mas nós não só somos mulheres e trabalhadoras, também somos mães. E como mães, como mulheres que teremos filhos no futuro, demandamos uma atenção especial do governo, proteção especial do Estado e da sociedade. As feministas burguesas estão lutando para conseguir direitos políticos: também aqui os nossos caminhos se separam. Para as mulheres burguesas, os direitos políticos são simplesmente um meio para conseguir os seus objetivos mais comodamente e com mais segurança neste mundo baseado na exploração dos trabalhadores. Para as mulheres operárias, os direitos políticos são um passo no caminho empedrado e difícil que leva ao desejado reino do trabalho. Os caminhos seguidos pelas mulheres trabalhadoras e as sufragistas burguesas separaram-se há tempo. Há uma grande diferença entre os seus objetivos. Há também uma grande contradição entre os interesses de uma mulher operária e as donas proprietárias, entre a criada e a senhora… portanto, os trabalhadores não devem temer que haja um dia separado e assinalado como o Dia da Mulher, nem que haja conferências especiais e panfletos ou imprensa especial para as mulheres. Cada distinção especial para as mulheres no trabalho de uma organização operária é uma forma de elevar a consciência das trabalhadoras e aproximá-las das fileiras de aqueles que estão a lutar por um futuro melhor. O Dia da Mulher e o lento, meticuloso trabalho feito para elevar a autoconsciência da mulher trabalhadora estão servindo à causa, não da divisão, mas da união da classe trabalhadora. Deixemos que um sentimento alegre de servir à causa comum da classe trabalhadora e de luta simultaneamente pela emancipação feminina inspire os trabalhadores a unirem-se à celebração do Dia da Mulher. 195

A LUTA POLÍTICA DA MULHER SOCIALISTA Rosa Luxemburgo § ”Por que não há organizações para as operárias na Alemanha? Por que ouvimos falar tão pouco do movimento das trabalhadoras?” Com essas perguntas, Emma Ihrer, uma das fundadoras do movimento das mulheres operárias na Alemanha, introduziu seu ensaio de 1889, ‘As Operárias na Luta de Classes’. Mal se passaram quatorze anos desde então, mas eles viram uma grande expansão do movimento das proletárias. Mais de cento e cinquenta mil mulheres estão organizadas em sindicatos e estão entre as mais ativas tropas na luta econômica do proletariado. Milhares de mulheres organizadas politicamente aderiram à bandeira da social-democracia: o jornal da mulher social-democrata [Die Gleicheit, editado por Clara Zetkin] tem mais de cem mil assinantes; o sufrágio das mulheres é uma das questões vitais na plataforma da social-democracia. Exatamente estes fatos podem nos levar a subestimar a importância da luta pelo sufrágio da mulher. Poderia-se pensar: que mesmo sem direitos políticos iguais para as mulheres fizemos progressos enormes na sua educação e organização. Por isso, o sufrágio das mulheres não é urgentemente necessário. Se pensarmos assim, nos enganamos. O despertar político e sindical das massas do proletariado feminino durante os últimos quinze anos foi grandioso. Mas apenas foi possível porque as trabalhadoras adquiriram um vívido interesse nas lutas políticas e parlamentares de sua classe apesar de serem privadas de seus direitos. Até agora, as proletárias eram sustentadas pelo sufrágio dos homens, do qual elas tomaram parte de fato, ainda que apenas indiretamente. Grandes massas de homens e mulheres da classe 196

trabalhadora já consideram as campanhas eleitorais uma causa em comum. Em todas as reuniões eleitorais da social-democracia, as mulheres formam um grande segmento, algumas vezes em maioria. Elas estão sempre interessadas e apaixonadamente envolvidas. Em todos os distritos onde há uma organização firme da social-democracia, as mulheres ajudam na campanha. E foram as mulheres quem fizeram um trabalho incomparável distribuindo panfletos e conseguindo assinaturas para a publicação social-democrata, a arma mais importante na campanha eleitoral. O estado capitalista não foi capaz de evitar que as mulheres assumissem todos esses deveres e esforços da vida política. Passo a passo, o Estado foi, de fato, forçado a ceder e garantir-lhes esta responsabilidade permitindo o direito à sindicalização e reunião. Apenas o último direito político é negado à mulher: o direito de voto, de decidir diretamente os representantes populares na legislação e na administração, ser um membro eleito destes corpos. Mas aqui, como em todas as áreas da sociedade, a palavra de ordem é: “Não deixe as coisas começarem!” Mas as coisas começaram. O presente estado cedeu às mulheres do proletariado quando as admitiu em assembleias públicas e associações políticas. E o estado não concedeu isso voluntariamente, mas por necessidade, sob a irresistível pressão da classe operária ascendente. Não foi menos a pressão das mulheres proletárias elas mesmas que forçou o Estado policial Prusso-Germânico desistir da famosa “seção de mulheres” [A] em encontros de associações políticas e escancarar as portas das organizações políticas para mulheres. Isto realmente desencadeou o processo. O irresistível progresso da luta de classe do proletariado jogou as trabalhadoras diretamente dentro do redemoinho da vida política. Usando seu direito à sindicalização e a reunião, as proletárias tiveram um papel dos mais ativos na vida parlamentar e nas campanhas 197

eleitorais. É apenas a consequência inevitável, apenas o resultado lógico do movimento que hoje milhões de proletárias exigem desafiadoramente e com autoconfiança: Queremos o sufrágio!

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CONTROLE DE NATALIDADE E ABORTO Margaret Sanger § O problema de controle de natalidade surgiu diretamente a partir do esforço do espírito feminino de libertar-se da escravidão. A própria mulher operou a escravidão através de suas faculdades reprodutivas, e enquanto escravizava-se, escravizou o mundo. O sofrimento físico para ser aliviado é principalmente da mulher. Dela, também, é a vida do amor que morre pela primeira vez sob a praga de reprodução muito prolífica. Dentro dela é embrulhado o futuro da raça - é dela para fazer ou não. Todas estas considerações apontam inequivocamente para um fato - é dever da mulher, bem como seu privilégio lançar mão dos meios de liberdade. O que quer que os homens possam fazer, ela não pode fugir da responsabilidade. Foi-se o tempo em que ela tinha sido privada da oportunidade de cumprir essa obrigação. Ela agora está emergindo de sua impotência. Mesmo que ninguém possa compartilhar o sofrimento sobrecarregado de mãe, ninguém pode fazer esse trabalho para ela. Outros podem ajudar, mas ela e só ela pode libertar-se. A liberdade básica do mundo é a liberdade da mulher. Uma raça livre não pode nascer de mães escravas. Uma mulher acorrentada não pode escolher, mas dão a medida do que é a escravidão para seus filhos e filhas. Nenhuma mulher pode chamar-se livre se não possuir e controlar seu corpo. Nenhuma mulher pode chamar-se livre até que ela possa escolher conscientemente se ela vai ou não vai ser uma mãe. [...] A maioria das mulheres das classes média e alta da América parecem seguras em seu conhecimento de contraceptivos como 199

um meio de controle de natalidade. Nas condições atuais, quando as leis na maioria dos estados consideram esse conhecimento, por mais que seja transmitido, como ilícito, e as leis federais proíbem o envio [de contraceptivos] mesmo pelo correio, até as mulheres em circunstâncias mais afortunadas, por vezes, têm dificuldade em obter informação científica. No entanto, tão forte é o seu propósito que elas fazem tudo para obtê-lo e usá-lo, correta ou incorretamente. A grande maioria das mulheres, no entanto, pertence à classe trabalhadora. Quase todas essas mulheres vão cair em um dos dois grupos gerais - aquelas que estão tendo filhos contra a sua vontade, e aquelas que, para escapar deste mal, encontram refúgio em aborto. Sendo dada a sua escolha por parte da sociedade - para continuar a ser mães sobrecarregadas ou se submeter a uma operação humilhante, repulsiva, dolorosa e muitas vezes gravemente perigosa, essas mulheres, nas quais o desejo feminino a liberdade é mais forte, escolhem o aborteiro. Um grupo vai no sentido de levar as crianças ao nascimento, na esperança de que eles vão nascer mortos ou morrer. As mulheres do outro grupo se esforçam conscientemente por meio drásticos para proteger a si e os filhos já nascidos.

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A DESCOBERTA DA SEXUALIDADE Sigmund Freud § Durante a fase do complexo de Édipo normal, encontramos a criança ternamente ligada ao genitor do sexo oposto, ao passo que seu relacionamento com o do seu próprio sexo é predominantemente hostil. No caso do menino, isso não é difícil de explicar. Seu primeiro objeto amoroso foi a mãe. Continua sendo, e, com a intensificação de seus desejos eróticos e sua compreensão interna mais profunda das relações entre o pai e a mãe, o primeiro está fadado a se tornar seu rival. Com a menina, é diferente. Também seu primeiro objeto foi a mãe. Como encontra o caminho para o pai? Como, quando e por que se desliga da mãe? Há muito tempo compreendemos que o desenvolvimento da sexualidade feminina é complicado pelo fato de a menina ter a tarefa de abandonar o que originalmente constituiu sua principal zona genital – o clitóris – em favor de outra, nova, a vagina. Agora, no entanto, parece-nos que existe uma segunda alteração da mesma espécie, que não é menos característica e importante para o desenvolvimento da mulher: a troca de seu objeto original – a mãe – pelo pai. A maneira pela qual essas duas tarefas estão mutuamente vinculadas ainda não nos é clara. É bem sabido que existem muitas mulheres que possuem uma forte ligação com o pai, e para isso não precisam ser, de qualquer maneira, neuróticas. Foi em tais mulheres que efetuei as observações que me proponho comunicar aqui e que me conduziram a adotar um ponto de vista específico sobre a sexualidade feminina. Dois fatos sobretudo me impressionaram. O primeiro foi o de que onde a ligação da mulher com o pai era particularmente intensa, a análise mostrava que essa ligação fora 201

precedida por uma fase de ligação exclusiva à mãe, igualmente intensa e apaixonada. Com exceção da mudança de seu objeto amoroso, a segunda fase mal acrescentara algum aspecto novo à sua vida erótica. Sua relação primária com a mãe fora construída de maneira muito rica e multificada. O segundo fato ensinou-me que a duração dessa ligação também fora grandemente subestimada. Em diversos casos, durara até os quatros anos de idade – em determinado caso, até os cinco -, de maneira que abrangera, em muito, a parte mais longa do período da primeira eflorescência sexual. Na verdade, tínhamos de levar em conta a possibilidade de um certo número de mulheres permanecerem detidas em sua ligação original à mãe e nunca alcançarem uma verdadeira mudança em direção aos homens. Assim sendo, a fase pré-edipiana nas mulheres obtém uma importância que até agora não lhe havíamos atribuído. De uma vez que essa fase comporta todas as fixações e repressões a que podemos fazer remontar a origem das neuroses, talvez pareça que deveríamos retratar-nos da universalidade da tese segundo a qual o complexo de Édipo é o núcleo das neuroses. Se, contudo, alguém se sentir relutante em efetuar essa correção, não há necessidade de que a faça. Por um lado, podemos ampliar o conteúdo do complexo de Édipo de modo a incluir todas as relações da criança com ambos os genitores, e, por outro, levar na devida conta nossas novas descobertas dizendo que a mulher só atinge a normal situação edipiana positiva depois de ter superado um período anterior que é governado pelo complexo negativo. De fato, durante essa fase, o pai de uma menina não é para ela muito mais do que um rival causador de problemas, embora sua hostilidade para com ele jamais alcance a intensidade característica dos meninos. Há muito tempo, afinal de contas, já abandonamos qualquer expectativa quanto a um paralelismo nítido entre o 202

desenvolvimento sexual masculino e feminino.[...] Inteiramente diferentes são os efeitos do complexo de castração na mulher. Ela reconhece o fato de sua castração, e, com ele, também a superioridade do homem e sua própria inferioridade, mas se rebela contra esse estado de coisas indesejável. Dessa atitude, dividida, abrem-se três linhas de desenvolvimento. A primeira leva a uma revulsão geral à sexualidade. A menina, assustada pela comparação com os meninos, cresce insatisfeita com seu clitóris, abandona sua atividade fálica e, com ela, sua sexualidade em geral, bem como boa parte de sua masculinidade em outros campos. A segunda linha a leva a se aferrar com desafiadora auto-afirmatividade à sua masculinidade ameaçada. Até uma idade inacreditavelmente tardia, aferra-se à esperança de conseguir um pênis em alguma ocasião. Essa esperança se torna o objetivo de sua vida e a fantasia de ser um homem, apesar de tudo, frequentemente persiste como fator formativo por longos períodos. Esse ‘complexo de masculinidade’ nas mulheres pode também resultar numa escolha de objeto homossexual manifesta. Só se seu desenvolvimento seguir o terceiro caminho, muito indireto, ela atingirá a atitude feminina normal final, em que toma o pai como objeto, encontrando assim o caminho para a forma feminina do complexo de Édipo. Assim, nas mulheres, o complexo de Édipo constitui o resultado final de um desenvolvimento bastante demorado. Ele não é destruído, mas criado pela influência da castração; foge às influências fortemente hostis que, no homem, tiveram efeito destrutivo sobre ele e, na verdade, com muita frequência, de modo algum é superado pela mulher. Por essa razão, também, nela as consequências culturais de sua dissolução são menores e menos importantes. Provavelmente não estaríamos errados em dizer que é essa diferença na relação recíproca entre o complexo de Édipo e o de 203

castração que dá seu cunho especial ao caráter das mulheres como seres sociais. Vemos, portanto, que a fase de ligação exclusiva à mãe, que pode ser chamada de fase pré-edipiana, tem nas mulheres uma importância muito maior do que a que pode ter nos homens. Muitos fenômenos da vida sexual feminina, que não foram devidamente compreendidos antes, podem ser integralmente explicados por referência a essa fase. Há muito tempo, por exemplo, observamos que muitas mulheres que escolheram o marido conforme o modelo do pai, ou o colocaram em lugar do pai, não obstante repetem para ele, em sua vida conjugal, seus maus relacionamentos com as mães. O marido de tal mulher destinava-se a ser o herdeiro de seu relacionamento com o pai, mas, na realidade, tornou-se o herdeiro do relacionamento dela com a mãe. Isso é facilmente explicado como um caso óbvio de regressão. O relacionamento dela com a mãe foi o original, tendo a ligação com o pai sido construída sobre ele; agora, no casamento, o relacionamento original emerge da repressão, pois o conteúdo principal de seu desenvolvimento para o estado de mulher jaz na transferência, da mãe para o pai, de suas ligações objetais afetivas.

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IDENTIDADES SÃO CONSTRUÍDAS Margaret Mead § Consideramos até agora, em pormenor, as personalidades aprovadas de cada sexo, entre três grupos primitivos. Vimos que os Arapesh - homens e mulheres - exibiam uma personalidade que, fora de nossas preocupações historicamente limitadas, chamaríamos maternal em seus aspectos parentais e feminina em seus aspectos sexuais. Encontramos homens, assim como mulheres, treinados a ser cooperativos, não-agressivos, suscetíveis às necessidades e exigências alheias. Não achamos ideia de que o sexo fosse uma poderosa força motriz quer para os homens quer para as mulheres. Em acentuado contraste com tais atitudes, verificamos, em meio aos Mundugumor, que homens e mulheres se desenvolviam como indivíduos implacáveis, agressivos e positivamente sexuados com um mínimo de aspectos carinhosos e maternais em sua personalidade. Homens e mulheres aproximavam-se bastante de um tipo de personalidade que, em nossa cultura, só iríamos encontrar num homem indisciplinado e extremamente violento. Nem os Arapesh nem os Mundugumor tiram proveito de um contraste entre os sexos; o ideal Arapesh é o homem dócil e suscetível, casado com uma mulher dócil e suscetível; o ideal Mundugumor é o homem violento e agressivo, casado com uma mulher também violenta e agressiva. Na terceira tribo, os Tchambuli, deparamos verdadeira inversão das atitudes sexuais de nossa própria cultura, sendo a mulher o parceiro dirigente dominador e impessoal, e o homem a pessoa menos responsável e emocionalmente dependente. Estas três situações sugerem, portanto, uma conclusão muito definida. Se aquelas atitudes temperamentais que tradicionalmente reputamos 205

femininas - tais como passividade, suscetibilidade e disposição de acalentar crianças - podem tão facilmente ser erigidas como padrão masculino numa tribo e na outra ser prescritas para a maioria das mulheres assim como para a maioria dos homens, não nos resta mais a menor base para considerar tais aspectos de comportamento como ligados ao sexo. E esta conclusão torna-se ainda mais forte quando observamos a verdadeira inversão, entre os Tchambuli, da posição de dominância dos dois sexos a despeito da existência de instituições patrilineares formais. O material sugere a possibilidade de afirmar que muitos, senão todos, traços de personalidade que chamamos de masculinos ou femininos apresentam-se ligeiramente vinculados ao sexo quanto às vestimentas, às maneiras e à forma do penteado que uma sociedade, em determinados períodos, atribui a um ou a outro sexo. Quando ponderamos o comportamento do típico homem ou mulher Arapesh em contraste com o do típico homem ou mulher Mundugumor, a evidência é esmagadoramente a favor da força de condicionamento social. De nenhum outro modo podemos dar conta da uniformidade quase completa com que crianças Arapesh se transformam em pessoas satisfeitas, passivas, seguras, enquanto que as crianças Mundugumor se convertem caracteristicamente em pessoas violentas, agressivas e inseguras. Só ao impacto do todo da cultura integrada sobre a criança em crescimento podemos atribuir a formação dos tipos Contrastantes. Não há outra explicação de raça, dieta ou seleção que possamos aduzir para esclarecê-la. Somos forçados a concluir que a natureza humana é quase incrivelmente maleável, respondendo acurada e diferentemente a condições culturais contrastantes. As diferenças entre indivíduos que são membros de diferentes culturas, a exemplo das diferenças entre indivíduos dentro da mesma cultura, devem ser atribuídas quase inteiramente às diferenças de 206

condicionamento, em particular durante a primeira infância, e a forma deste condicionamento é culturalmente determinada. As padronizadas diferenças de personalidade entre os sexos são desta ordem, criações culturais às quais cada geração, masculina e feminina, é treinada a conformar-se.

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O SEGUNDO SEXO Simone de Beauvoir § HESITEI muito tempo em escrever um livro sobre a mulher. O tema é irritante, principalmente para as mulheres. E não é novo. A querela do feminismo deu muito que falar: agora está mais ou menos encerrada. Não toquemos mais nisso... No entanto, ainda se fala dela. E não parece que as volumosas tolices que se disseram neste último século tenham realmente esclarecido a questão. Demais, haverá realmente um problema? Em que consiste? Em verdade, haverá mulher? Sem dúvida, a teoria do eterno feminino ainda tem adeptos; cochicham: "Até na Rússia elas permanecem mulheres". Mas outras pessoas igualmente bem informadas — e por vezes as mesmas — suspiram: "A mulher se está perdendo, a mulher está perdida". “Não sabemos mais exatamente se ainda existem mulheres, se existirão sempre, se devemos ou não desejar que existam, que lugar ocupam no mundo ou deveriam ocupar". "Onde estão as mulheres?", indagava há pouco uma revista intermitente. Mas antes de mais nada: que é uma mulher? "Tota mulier in utero: é uma matriz", diz alguém. Entretanto, falando de certas mulheres, os conhecedores declaram: "Não são mulheres", embora tenham um útero como as outras. Todo mundo concorda em que há fêmeas na espécie humana; constituem, hoje, como outrora, mais ou menos a metade da humanidade; e contudo dizem-nos que a feminilidade "corre perigo"; e exortam-nos: "Sejam mulheres, permaneçam mulheres, tornem-se mulheres". Todo ser humano do sexo feminino não é, portanto, necessariamente mulher; cumpre-lhe participar dessa realidade misteriosa e ameaçada que é a feminilidade. Será esta secretada pelos ovários? Ou estará congelada no fundo de um céu 208

platônico? E bastará uma saia ruge-ruge para fazê-la descer à terra? Embora certas mulheres se esforcem por encarná-lo, o modelo nunca foi registrado. Descreveram-no de bom grado em termos vagos e mirabolantes que parecem tirados de empréstimo do vocabulário das videntes. No tempo de Sto. Tomás, ela se apresentava como uma essência tão precisamente definida quanto a virtude dormitiva da papoula. Mas o conceitualismo perdeu terreno: as ciências biológicas e sociais não acreditam mais na existência de entidades imutavelmente fixadas, que definiriam determinados caracteres como os da mulher, do judeu ou do negro; consideram o caráter como uma reação secundária a uma situação. Se hoje não há mais feminilidade, é porque nunca houve. Significará isso que a palavra "mulher" não tenha nenhum conteúdo? Ê o que afirmam vigorosamente os partidários da filosofia das luzes, do racionalismo, do nominalismo: as mulheres, entre os seres humanos, seriam apenas os designados arbitrariamente pela palavra "mulher". Os norte-americanos, em particular, pensam que a mulher, como mulher, não existe mais; se uma retardada ainda se imagina mulher, as amigas aconselham-na a se fazer psicanalisar para livrar-se dessa obsessão. A propósito de uma obra, de resto assaz irritante, intitulada ‘Modern Woman: a lost sex’, Dorothy Parker escreveu: "Não posso ser justa em relação aos livros que tratam da mulher como mulher... Minha ideia é que todos, homens e mulheres, o que quer que sejamos, devemos ser considerados seres humanos". Mas o nominalismo é uma doutrina um tanto limitada; e os antifeministas não têm dificuldade em demonstrar que as mulheres não são homens. Sem dúvida, a mulher é, como o homem, um ser humano. Mas tal afirmação é abstrata; o fato é que todo ser humano concreto sempre se situa de um modo singular. Recusar as noções de eterno feminino, alma negra, 209

caráter judeu, não é negar que haja hoje judeus, negros e mulheres; a negação não representa para os interessados uma libertação e sim uma fuga inautêntica. É claro que nenhuma mulher pode pretender sem má-fé situar-se além de seu sexo. Uma escritora conhecida recusou-se a deixar que saísse seu retrato numa série de fotografias consagradas precisamente às mulheres escritoras: queria ser incluída entre os homens, mas para obter esse privilégio utilizou a influência do marido. As mulheres que afirmam que são homens não dispensam, contudo, as delicadezas e as homenagens masculinas. Lembro-me também duma jovem trotskista em pé num estrado, no meio de um comício violento e que se dispunha a dar pancadas, apesar de sua evidente fragilidade; negava sua fraqueza feminina; mas era por amor a um militante a quem desejava ser igual. A atitude de desafio dentro da qual se crispam as norte-americanas prova que são dominadas pelo sentimento de sua feminilidade. E, em verdade, basta passear de olhos abertos para comprovar que a humanidade se reparte em duas categorias de indivíduos, cujas roupas, rostos, corpos, sorrisos, atitudes, interesses, ocupações são manifestamente diferentes: talvez essas diferenças sejam superficiais, talvez se destinem a desaparecer. O certo é que por enquanto elas existem com uma evidência total. Se a função da fêmea não basta para definir a mulher, se nos recusamos também explicá-la pelo "eterno feminino" e se, no entanto, admitimos, ainda que provisoriamente, que há mulheres na terra, teremos que formular a pergunta: que é uma mulher? [...] NINGUÉM nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o 210

castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode apreender-se como sexualmente diferençada. Entre meninas e meninos, o corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos e não das partes sexuais que apreendem o universo. O drama do nascimento, o da desmama desenvolvem-se da mesma maneira para as crianças dos dois sexos; têm elas os mesmos interesses, os mesmos prazeres; a sucção é, inicialmente, a fonte de suas sensações mais agradáveis; passam depois por uma fase anal em que tiram, das funções excretórias que lhe são comuns, as maiores satisfações; seu desenvolvimento genital é análogo; exploram o corpo com a mesma curiosidade e a mesma indiferença; do clitóris e do pênis tiram o mesmo prazer incerto; na medida em que já se objetiva sua sensibilidade, voltam-se para a mãe: é a carne feminina, suave, lisa, elástica que suscita desejos sexuais e esses desejos são apreensivos; é de uma maneira agressiva que a menina, como o menino, beija a mãe, acaricia-a, apalpa-a; têm o mesmo ciúme se nasce outra criança; manifestam-no da mesma maneira: cólera, emburramento, distúrbios urinários; recorrem aos mesmos ardis para captar o amor dos adultos. Até os doze anos a menina é tão robusta quanto os irmãos e manifesta as mesmas capacidades intelectuais; não há terreno em que lhe seja proibido rivalizar com eles. Se, bem antes da puberdade e, às vezes, mesmo desde a primeira infância, ela já se apresenta como sexualmente especificada, não é porque misteriosos instintos a destinem imediatamente à passividade, ao coquetismo, à maternidade: é porque a intervenção de outrem na vida da criança é quase original e desde seus primeiros anos sua vocação lhe é imperiosamente insuflada. 211

DE PALMARES ÀS ESCOLAS DE SAMBA, TAMOS AÍ Lélia Gonzalez § Final de ano e inicio de outro são ocasiões de comemoração de uma porção de coisas que mostram a contribuição que a gente tem dado pra história e pra cultura de nosso país. Por isso mesmo, acho bom lembrar certas datas importantes em que a negrada (especialmente o mulherio) está muito presente. Estamos cansados de saber que nem na escola, nem nos livros onde mandam a gente estudar, não se fala da efetiva contribuição das classes populares, da mulher, do negro e do índio na nossa formação histórica e cultural. Na verdade, o que se faz é folclorizar todos eles. E o que é que fica? A impressão de que só os homens, os homens brancos, social e economicamente privilegiados, foram os únicos a construir esse país. A essa mentira tripla dá-se o nome de: sexismo, racismo e elitismo. E como ainda existe muita mulher que se sente inferiorizada diante do homem, muito negro diante do branco e muito pobre diante do rico a gente tem mais é que tentar mostrar que a coisa não é bem assim, né? Para começar, tem o 20 de novembro, o Dia Nacional da Consciência Negra, em homenagem a um dos maiores heróis brasileiros: o negro Zumbi de Palmares, assassinado nesse mesmo dia, no ano de 1695, pelos representantes do escravismo. Seu "crime" foi ter liderado uma luta de vida ou morte por uma sociedade justa e igualitária, onde negros, índios, brancos e mestiços viviam do fruto de seu trabalho, livre e eram respeitados em sua dignidade humana. Essa sociedade efetivamente democrática existiu em Palmares, que foi o primeiro Estado livre das Américas e um Estado criado por negros. Durante cem anos, os palmarinos resistiram aos ataques das tropas 212

enviadas pelas autoridades coloniais e pelos senhores de engenho escravistas, irritados e invejosos de sua prosperidade. As mulheres palmarinas também participaram nas lutas, ao lado de seus companheiros. E, quando Palmares foi finalmente destruído, elas preferiram matar os próprios filhos, suicidando-se em seguida, para que não sofressem a indignidade e a humilhação de serem escravos. Ao morrerem, tornaram-se vivas na nossa memória. (Por essa razão, temos hoje, no Rio de Janeiro, um grupo de mulheres negras cujo nome é Aqualtune, uma heróica palmarína, mãe de Ganga Zumba, o antecessor de Zumbi.) De dia trabalha duro, de noite cai no samba Dezembro tem muito a ver com a mulher negra, enquanto perpetuadora dos valores culturais afro-brasileiros; aqui, as "mães" e as "tias" têm um papel fundamental. Quem é que pode esquecer toda a importância de uma Tia Ciata, quando chega o 2 de dezembro, Dia Nacional do Samba? Ela é o símbolo da alegria, do bom humor, do espírito descontraído da negra que trabalha duro, é objeto das maiores desigualdades, das maiores injustiças, dos maiores sofrimentos, mas não deixa de ir ao samba pra "sacudir o esqueleto" (mesmo que tenha que acordar cedo no dia seguinte, pra enfrentar a "cozinha da madame"). Historicamente, a casa de Tia Ciata foi um núcleo irradiador do que veio a ser o samba carioca, os blocos e as escolas de samba. Isto sem contar a sua atuação enquanto Yialorixá. Isso nos remete para duas outras datas importantes: 4 e 8 de dezembro. A primeira, dia de Santa Bárbara, na verdade é muito mais festejada como o dia de Iansan, a rainha dos raios, ventos e tempestades, a grande guerreira. A segunda, dia de Nossa Senhora da Conceição, também é o dia de Oxum, a grande mãe (protetora de todas as crianças, desde o nascimento. até o momento em que andam e falam), a dona do ouro, símbolo da beleza e da 213

feminilidade, senhora das águas doces. E, no Rio de Janeiro, 31 de dezembro é o dia em que cariocas e fluminenses se dirigem às praias pra levar suas flores pra outra grande mãe: Iemanjá, rainha do mar, doadora de bênçãos e de sorte, mãe de vários oríxás. Lembrar essas festas é não esquecer Ianosso, Mãe Aninha, Mãe Senhora, Mãe Menininha, Mãe Cantu, Mãe Estela, Mãe Bida e muitas outras que, com sua sabedoria e espírito ecumênico, nunca perguntaram qual a religião, a classe social, o partido político ou origem étnica daqueles que, desesperados, buscavam um alento, uma esperança para seguirem vivendo. E sabemos o quanto os terreiros de candomblé, de umbanda, de batuque, de Xango, etc, etc, foram perseguidos pela polícia, a mando de autoridades políticas e religiosas. Isto sem falar nos blocos e escolas de samba. De qualquer modo, as "mães" e as "tias"; souberam segurar a barra de seus filhos e sobrinhos, fazendo de seus terreiros (religiosos ou de samba) verdadeiros centros de resistência cultural. Ainda em dezembro, chegando até meados de janeiro, existem as festas populares do cicio natalino, em que a negadinha participa, dando o tom de alegria pelo nascimento de Cristo (afinal, Natal não é sexta-feira da Paixão, né?). E toma de festa de largo, pastoris, folias de reis e outras "milongas mais". E por isso que dá pra entender por que o carnaval brasileiro assumiu o lugar de festa popular mais famosa do país. O tal do entrudo era um negócio meio sem graça, sem jogo de cintura, sem calor; só a partir do momento em que a negadinha começou a desfilar é que a coisa foi tomando colorido e acabou por se transformar na maior fonte da indústria turística deste país. Os afoxés, cordões, blocos, escolas de samba, trevos, esses baratos todos, que antes eram chamados de "coisa de negros ", e por isso mesmo reprimidos, hoje fazem parte de um "patrimônio cultural 214

nacional" do qual, é claro, os beneficiários não são os "neguinhos", mas as secretarias e as empresas de turismo. E foi por aí que pintou o lance de criarem uma nova profissão pra mulher negra (a de mulata), como já vimos no número anterior. De qualquer modo, mulata passista ou componente da ala das baianas, ela taí, mais firme que nunca, trabalhando como sempre, segurando as pontas de sua família como sempre, e, como sempre, muito cheia de axé. Por isso, só temos uma coisa a dizer pra ela: tamos aí!

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REVOLUÇÃO SEXUAL Shere Hite § “Se a Revolução Sexual significa que as mulheres agora são 'livres' também, que podem transar com estranhos do sexo oposto do mesmo jeito que os homens, então acho isso revoltante. As mulheres não querem ser 'livres' para adotar o modelo masculino de sexualidade; querem ser livres para achar seu próprio modelo." A "revolução sexual" dos anos sessenta era uma resposta às mudanças sociais a longo prazo que afetaram a estrutura da família e o papel da mulher nesta. (Contrariamente à opinião popular, a pílula anticoncepcional foi antes uma resposta tecnológica a essas mudanças sociais, do que propriamente a sua causa.) Até a segunda metade deste século, e em vários períodos da história, foi considerada de fundamental importância, tanto para os indivíduos como para a sociedade, uma alta taxa de nascimentos. Em termos sociais, pensava-se que, quanto maior a população, mais rica a sociedade e mais forte o exército. Entretanto a moderna tecnologia acabou com a necessidade de uma força de trabalho muito numerosa; a tecnologia e o poder nuclear tem muito mais importância militar do que grandes exércitos de homens. Mas as grandes populações ainda têm muito valor como consumidores. Em termos de indivíduos, as famílias muito grandes deixaram de ser a reserva social ou econômica que já haviam sido. Antes, as crianças aumentavam a renda familiar trabalhando; asseguravam proteção e sustento aos pais na velhice. Socialmente, as crianças do sexo masculino continuavam o nome da família, o que era considerado muito importante, e aumentavam o prestígio social 216

da família. Atualmente não se consideram essas reservas. Além disso, as crianças custam bastante, já que sua educação é prolongada e depois do segundo ou terceiro filho, o padrão do casal na comunidade, em vez de aumentar, diminui. Muitos homens não consideram mais de fundamental importância prolongar a linhagem familiar - embora possam gostar de ter filhos e de ser pais. Mas como o casamento (em sua forma original de direito de propriedade) foi criado para que o pai pudesse se sentir seguro da paternidade da criança; atualmente, quando a paternidade não tem mais tanta importância, o casamento (tal como definido tradicionalmente) não é mais tão necessário, e pode-se "permitir" às mulheres a "liberdade" sexual. Essa mudança no papel das mulheres foi uma faca de dois gumes. Em termos da tradição, na medida em que se tornou menos importante ter muitos filhos, diminuiu o status da mulher. Isto é, como as mulheres haviam tradicionalmente sido encaradas quase totalmente em função de seu papel de produtoras de crianças, ficaram menos importantes e menos respeitadas quando esse papel diminuiu de importância. Ao mesmo tempo, dizia-se que, uma vez que as mulheres agora estavam livres de seu antigo papel, podiam ser "sexualmente livres como os homens", etc. Havia alguma verdade na ideia de que tinham aparecido novas possibilidades para a Independência feminina. Mas, assim como para os escravos depois da abolição, a independência era mais fácil de dizer do que de fazer. Como as mulheres não tinham as mesmas oportunidades de educação ou emprego, permaneceram em seu tradicional papel de dependência do homem. Apesar da chamada revolução sexual, as mulheres (sentindo o quanto no novo esquema as haviam tornado superficiais, decorativas e supérfluas) se submeteram aos homens mais do que nunca. Isso 217

aconteceu ainda mais fora do que dentro do casamento, já que este oferece alguma proteção em termos tradicionais. A crescente submissão e insegurança refletiu-se nas modas infantis, embonecadas, dos anos sessenta: vestidos curtos de mocinhas, cabelos longos (louros) e lisos, grandes olhos inocentes (azuis), e claro uma aparência sempre tão jovem e bonita quanto possível. A mudança da atitude masculina em relação à mulher (de mãe e objeto sexual) foi resumida no título do livro de Molly Haskell sobre as mulheres no cinema, From Reverence to Rape (Da Veneração à Violação). Essa situação, eventualmente, levou ao movimento das mulheres no final dos anos sessenta e nos setenta, que atualmente tenta implementar alguma coisa do potencial positivo da mudança no papel da mulher, tornando-a realmente Independente e livre. Embora as anti-feministas aconselhem as mulheres a abandonarem suas pretensões de Independência econômica e voltarem para seu papel tradicional de esposas e mães, para o bem ou para o mal, feliz ou infelizmente, não há nenhuma possibilidade real de uma retirada em massa para nossa posição tradicional. Na medida em que diminuiu a importância do ter filhos, as mulheres, por assim dizer, perderam um emprego. Essa mudança levou muito tempo, e não parece reversível. Embora, como classe, nós mulheres ainda não sejamos financeira ou socialmente independentes, podemos melhorar nosso status (ou mantê-lo nos atuais níveis) saindo e nos reintegrando no mundo ou mesmo, se acharmos necessário, mudando esse mundo. Concluindo, o que pensamos ser uma "revolução sexual" - dando às mulheres o "direito" de fazer sexo sem casamento e diminuindo a ênfase na monogamia - é função da menor importância que a sociedade atribui ao ter filhos, e o homem à paternidade. Mesmo que essa transformação tenha sido rotulada de "liberdade sexual", 218

na verdade não deu uma liberdade real às mulheres (ou aos homens) para explorarem sua sexualidade; simplesmente pressionou-os a praticar mais o mesmo tipo de sexo. Finalmente, é importante lembrar que não é possível decretar que as mulheres sejam "sexualmente livres" quando não são economicamente livres; isso corresponde a colocá-las numa posição mais vulnerável que nunca e transformá-las numa forma de propriedade comum, facilmente disponível.

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A LUTA DOS SEXOS É UMA LUTA POLÍTICA Kate Millett § Dificilmente se pode afirmar que o coito se realiza no vazio; embora em si mesmo pareça uma atividade biológica e física, está tão profundamente enraizado no contexto mais amplo das atividades humanas que funciona como um microcosmo riquíssimo da variedade de atitudes e valores que a cultura subscreve. Entre outras coisas, pode servir como modelo de política sexual num plano individual ou pessoal. Mas, sem dúvida, a transição de cenas tão íntimas para um contexto de referência política é realmente um grande passo. Ao introduzir o termo ‘política sexual’ devemos responder previamente à questão inevitável: ‘Será possível considerar a relação entre os sexos numa perspectiva política?’ A resposta depende do conceito de política que se utiliza. Este ensaio não define o universo político como aquele relativamente limitado e exclusivo de reuniões, presidentes e partidos. O termo ‘política’ referir-se-á às relações estruturadas pelo Poder, às medidas pelas quais um grupo de pessoas é controlado por outro. À guisa de parênteses podíamos acrescentar que, embora uma política ideal pudesse ser simplesmente concebida como a organização da vida humana com base em princípios agradáveis e racionais donde fosse banida toda a noção de poder sobre os outros, temos de confessar que não é isto que constitui a política tal como a conhecemos e é esta realidade que temos de ter em consideração. O presente ensaio, que podia ser definido como ‘subsídios para uma teoria do sistema patriarcal’, tentará provar que o sexo é uma categoria com estatuto próprio e com implicações políticas. Tratando-se de um trabalho de pioneiro, será necessariamente 220

experimental e imperfeito. Como a intenção é apresentar uma descrição completa, as afirmações serão generalizadas, as exceções negligenciadas e os subtítulos serão parcialmente coincidentes na matéria versada e, em certa medida, arbitrários. A palavra ‘política’ é escolhida, neste caso, para falar dos sexos, em primeiro lugar porque tal palavra é eminentemente útil no esboço da natureza real dos seus estatutos relativos, histórica e atualmente. É oportuno, e talvez mesmo hoje indispensável, que desenvolvamos uma psicologia e uma filosofia mais pertinentes das relações de poder, para além da estrutura conceitual fornecida pela nossa política formal tradicional. Na verdade, pode ser urgente que prestemos certa atenção à definição de uma teoria da política que trate das relações de poder em bases menos convencionais do que aquelas a que estamos habituados. Por consequência, julguei pertinente defini-las com base no contato e interação pessoais entre membros de grupos coerentes e bem definidos: raças, castas, classes e sexos. É precisamente porque certos grupos não têm qualquer representação num certo número de estruturas políticas reconhecidas que a sua posição tende a ser tão estável e a sua opressão tão contínua. Na América, certos acontecimentos recentes forçaram-nos finalmente a reconhecer que a relação entre as raças é efetivamente uma relação política que implica o controle geral de uma coletividade, definida pela sua origem, sobre outra coletividade, também definida pela origem. Os grupos que governam por direito de nascimento estão em vias de desaparecer rapidamente, contudo mantém-se ainda um esquema antigo e universal para o domínio exercido por um grupo, definido pelo nascimento, sobre o outro – o esquema que predomina no campo do sexo. O estudo do racismo convenceu-nos de que um estado de coisas verdadeiramente político atua entre as raças no sentido de 221

perpetuar uma série de circunstâncias opressivas. O grupo subordinado tem uma compensação inadequada através das instituições políticas existentes, o que o desencoraja de se organizar numa luta e oposição políticas convencionais. De uma forma semelhante, um exame desinteressado do nosso sistema de relação sexual deve assinalar que a situação entre os sexos, agora e historicamente, é um exemplo desse fenômeno que Max Weber definiu como herrschaft, uma relação de domínio e dependência. O que continua em grande parte por examinar, e muitas vezes mesmo por reconhecer (ainda que esteja institucionalizada) na nossa ordem social, é a prioridade por direito de nascimento segundo a qual os machos governam as fêmeas. Através deste sistema foi conseguida a forma mais engenhosa de ‘colonização interior’. Aliás, é uma forma que tende a ser mais vigorosa que qualquer de segregação, e mais rigorosa que a estratificação de classes, mais uniforme e certamente mais permanente. Por muito discreto que possa ser o seu aspecto atual, a autoridade sexual prevalece, no entanto, como a ideologia talvez mais penetrante da nossa cultura, fornecendo-lhe o seu conceito de poder mais fundamental. E isto acontece porque a nossa sociedade, como todas as outras civilizações históricas, é um sistema patriarcal. Este fato torna-se imediatamente evidente se nos lembrarmos de que o exército, a indústria, a tecnologia, as universidades, a ciência, os cargos políticos e a finança – em suma, todas as vias de acesso ao poder dentro da sociedade, incluindo a força coerciva da Polícia, estão inteiramente nas mãos dos homens. Visto que a essência da política é o poder, esta realização não pode deixar de ter um certo impacte. O que subsiste da autoridade sobrenatural, a Divindade, o ‘Seu’ ministério, juntamente com a ética e os valores, a filosofia e a arte da nossa cultura – a sua própria civilização –, como 222

observou uma vez T.S Eliot, é de manufatura masculina. Se considerarmos que o governo patriarcal é a instituição pela qual aquela metade da população que é feminina é controlada pela outra metade que é masculina, os princípios do sistema patriarcal parecem ser duplos: os machos devem dominar as fêmeas, os machos mais velhos devem dominar os mais jovens. Contudo, tal como acontece com qualquer instituição humana, há com frequência uma distância entre o real e o ideal; as contradições e as exceções existem realmente adentro do sistema. Ainda que o sistema patriarcal enquanto instituição seja uma constante social tão profundamente radicada que domina todas as outras formas políticas, sociais ou econômicas, sejam elas de casta ou classe, feudalismo ou burocracia, tal como se infiltra em todas as religiões principais, apresenta no entanto uma grande diversidade no espaço e no tempo. Nas democracias, por exemplo, as mulheres não exerceram frequentemente quaisquer funções ou fazem-no (como agora) em percentagens tão diminutas que estão abaixo mesmo de uma representação simbólica. A aristocracia, por outro lado, atendendo às propriedades mágicas e dinásticas do sangue, pode por vezes permitir que as mulheres detenham o poder. O princípio do governo pelos machos mais velhos é violado até com mais frequência. Tendo em atenção a variação e o grau no sistema patriarcal – como, por exemplo, entre a Arábia Saudita e a Suécia, a Indonésia e a China Comunista –, também reconhecemos que a nossa própria forma nos Estados Unidos e na Europa foi muito alterada e atenuada pelas reformas descritas no capítulo seguinte.

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A DITADURA DA BELEZA Naomi Wolf § Estamos em meio a uma violenta reação contra o feminismo que emprega imagens da beleza feminina como uma arma política contra a evolução da mulher: o mito da beleza. Ele é a versão moderna de um reflexo social em vigor desde a Revolução Industrial. À medida que as mulheres se liberaram da mística feminina da domesticidade, o mito da beleza invadiu esse terreno perdido, expandindo-se enquanto a mística definhava, para assumir sua tarefa de controle social. A reação contemporânea é tão violenta, porque a ideologia da beleza é a última das antigas ideologias femininas que ainda tem o poder de controlar aquelas mulheres que a segunda onda do feminismo teria tornado relativamente incontroláveis. Ela se fortaleceu para assumir a função de coerção social que os mitos da maternidade, domesticidade, castidade e passividade não conseguem mais realizar. Ela procura neste instante destruir psicologicamente e às ocultas tudo de positivo que o feminismo proporcionou às mulheres material e publicamente. Essa reação opera com a finalidade de eliminar a herança deixada pelo feminismo, em todos os níveis, na vida da mulher ocidental. O feminismo nos deu leis contra a discriminação no trabalho com base no sexo. Imediatamente, criou-se jurisprudência na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos institucionalizando a discriminação com base na aparência da mulher. A religião patriarcal cedeu. Novos dogmas religiosos, fazendo uso das técnicas de lavagem cerebral de seitas e cultos antigos, surgiram para tratar a idade e o peso de forma a suplantar no nível funcional os ritos tradicionais. Feministas, inspiradas por Friedan, destruíram o monopólio dos 224

anunciantes de produtos para o lar na imprensa popular feminina. De imediato, as indústrias da dieta e dos cosméticos passaram a ser os novos censores culturais do espaço intelectual das mulheres. Em consequência das suas pressões, a modelo jovem e esquelética tomou o lugar da feliz dona-de-casa como parâmetro da feminilidade bem-sucedida. A revolução sexual propiciou a descoberta da sexualidade. A 'pornografia da beleza" — que pela primeira vez na história das mulheres liga uma beleza produzida de forma indireta e explícita à sexualidade — está em toda parte, minando o sentido recém-adquirido e vulnerável do amor-próprio sexual. Os direitos do controle da reprodução deram à mulher ocidental o domínio sobre seu próprio corpo. Paralelamente, o peso das modelos de moda desceu para 23% abaixo do peso das mulheres normais, aumentaram exponencialmente os distúrbios ligados à nutrição e foi promovida uma neurose de massa que recorreu aos alimentos para privar as mulheres da sua sensação de controle. As mulheres insistiram em dar um caráter político à saúde. Novas tecnologias de cirurgias "estéticas" potencialmente fatais foram desenvolvidas com o objetivo de voltar a exercer sobre as mulheres antigas formas de controle médico. Todas as gerações desde cerca de 1830 tiveram de enfrentar sua versão do mito da beleza. "Significa muito pouco para mim", disse a sufragista Lucy Stone em 1855, "ter o direito ao voto, a possuir propriedades etc, se eu não puder ter o pleno direito sobre o meu corpo e seus usos." Oitenta anos mais tarde, depois que as mulheres conquistaram o direito ao voto e que a primeira onda do movimento feminino organizado se acalmara, Virgínia Woolf escreveu que ainda se passariam décadas até as mulheres poderem contar a verdade sobre seus corpos. Em 1962, Betty Friedan citou as palavras de uma jovem presa à mística feminina: "Ultimamente, olho no espelho e tenho tanto medo de 225

ficar parecida com a minha mãe.'' Oito anos depois, anunciando a cataclísmica segunda onda do feminismo, Germaine Greer descreveu o "Estereótipo": "A ela cabe tudo que é belo, até mesmo a própria palavra beleza... é uma boneca... estou cansada dessa farsa." Apesar da grande revolução da segunda onda, não estamos livres. Agora, podemos olhar por cima das barricadas destruídas. Uma revolução passou por nós e mudou tudo que estava em seu caminho, o tempo decorrido desde então foi suficiente para que pequenos bebês se tornassem mulheres adultas, mas ainda resta um direito final que não foi totalmente reivindicado. [...] Nada disso é verdade. A "beleza" é um sistema monetário semelhante ao padrão ouro. Como qualquer, sistema, ele é determinado pela política e, na era moderna no mundo ocidental, consiste no último e melhor conjunto de crenças a manter intacto o domínio masculino. Ao atribuir valor às mulheres numa hierarquia vertical, de acordo com um padrão físico imposto culturalmente, ele expressa relações de poder segundo as quais as mulheres precisam competir de forma antinatural por recursos dos quais os homens se apropriaram. A "beleza" não é universal, nem imutável, embora o mundo ocidental finja que todos os ideais de beleza feminina se originam de uma Mulher Ideal Platônica. O povo maori admira uma vulva gorda, e o povo padung, seios caídos. Tampouco é a "beleza" uma função da evolução das espécies, e o próprio Charles Darwin não estava convencido de sua própria afirmação de que a "beleza" resultaria de uma ''seleção sexual" que se desviava da norma da seleção natural. O fato de as mulheres competirem entre si através da "beleza" é o inverso da forma pela qual a seleção natural afeta outros mamíferos. A antropologia rejeitou a teoria de que as fêmeas teriam de ser "belas" para serem selecionadas para 226

reprodução. Evelyn Reed, Elaine Morgan e outros autores refutaram afirmativas da sociobiologia no sentido de a poligamia masculina e a monogamia feminina serem inatas. São as fêmeas dos primatas superiores que tomam a iniciativa sexual. Elas não só procuram e desfrutam do sexo com muitos parceiros, como também "toda fêmea não-prenhe tem a sua vez de ser a mais desejável de todo o grupo. Esse ciclo não para enquanto ela estiver viva". Dizem os especialistas em sociobiologia que os órgãos sexuais cor-de-rosa e inflamados das primatas seriam análogos às atitudes humanas relacionadas à beleza feminina, quando na verdade essa característica da fêmea primata é não hierárquica e universal.

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REVENDO CONCEITOS Judith Butler § Em sua essência, a teoria feminista tem presumido que existe uma identidade definida, compreendida pela categoria de mulheres, que não só deflagra os interesses e os objetivos feministas no interior de seus próprios discursos, mas constitui o sujeito mesmo em nome de quem a representação política é almejada. Mas política e representação são termos polêmicos. Por um lado, a representação serve como termo operacional no seio de um processo político que busca estender visibilidade e legitimidade às mulheres como sujeitos políticos; por outro lado, a representação é a função normativa de uma linguagem que revelaria ou distorceria o que é tido como verdadeiro sobre a categoria das mulheres, Para a teoria feminista, o desenvolvimento de uma linguagem capaz de representá-las completa ou adequadamente pareceu necessário, a fim de promover a visibilidade política das mulheres. Isso parecia obviamente importante, considerando a condição cultural difusa na qual a vida das mulheres era mal representada ou simplesmente não representada. Recentemente, essa concepção dominante da relação entre teoria feminista e política passou a ser questionada a partir do interior do discurso feminista. O próprio sujeito das mulheres não é mais compreendido em termos estáveis ou permanentes. E significativa a quantidade de material ensaístico que não só questiona a viabilidade do "sujeito" como candidato último à representação, ou mesmo à libertação, como indica que é muito pequena, afinal, a concordância quanto ao que constitui, ou deveria constituir, a categoria das mulheres. Os domínios da "representação" política e linguística estabeleceram a priori o critério segundo o qual os 228

próprios sujeitos são formados, com o resultado de a representação só se estender ao que pode ser reconhecido como sujeito. Em outras palavras, as qualificações do ser sujeito têm que ser atendidas para que a representação possa ser expandida. Foucault observa que os sistemas jurídicos de poder produzem os sujeitos que subsequentemente passam a representar. As noções jurídicas de poder parecem regular a vida política em termos puramente negativos - isto é, por meio de limitação, proibição, regulamentação, controle e mesmo "proteção" dos indivíduos relacionados àquela estrutura política, mediante uma ação contingente e retratável de escolha. Porém, em virtude de a elas estarem condicionados, os sujeitos regulados por tais estruturas são formados, definidos e reproduzidos de acordo com as exigências delas. Se esta análise é correta, a formação jurídica da linguagem e da política que representa as mulheres como "o sujeito" do feminismo é em si mesma uma formação discursiva e efeito de uma dada versão da política representacional. E assim, o sujeito feminista se revela discursivamente constituído -, e pelo próprio sistema político que supostamente deveria facilitar sua emancipação, o que se tornaria politicamente problemático, se fosse possível demonstrar que esse sistema produza sujeitos com traços de gênero determinados em conformidade com um eixo diferencial de dominação, ou os produza presumivelmente masculinos. Em tais casos, um apelo acrítico a esse sistema em nome da emancipação das "mulheres" estaria inelutavelmente fadado ao fracasso. "O sujeito" é uma questão crucial para a política, e particularmente para a política feminista, pois os sujeitos jurídicos são invariavelmente produzidos por via de práticas de exclusão que não "aparecem", uma vez estabelecida a estrutura jurídica da política. Em outras palavras, a construção política do sujeito 229

procede vinculada a certos objetivos de legitimação e de exclusão, e essas operações políticas são efetivamente ocultas e naturalizadas por uma análise política que toma as estruturas jurídicas como seu fundamento. O poder jurídico "produz" inevitavelmente o que alega meramente representar; consequentemente, a política tem de se preocupar com essa função dual do poder: jurídica e produtiva. Com efeito, a lei produz e depois oculta a noção de "sujeito perante a lei", de modo a invocar essa formação discursiva como premissa básica natural que legitima, subsequentemente, a própria hegemonia reguladora da lei. Não basta inquirir como as mulheres podem se fazer representar mais plenamente na linguagem e na política. A crítica feminista também deve compreender como a categoria das "mulheres", o sujeito do feminismo, é produzida e reprimida pelas mesmas estruturas de poder por intermédio das quais busca-se a emancipação. Certamente, a questão das mulheres como sujeito do feminismo suscita a possibilidade de não haver um sujeito que se situe "perante" a lei, à espera de representação na lei ou pela lei. Talvez o sujeito, bem como a evocação de um "antes" temporal, sejam constituídos pela lei como fundamento fictício de sua própria reivindicação de legitimidade.

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FALANDO DE GÊNERO Joan Scott § No seu uso mais recente, o “gênero” parece ter aparecido primeiro entre as feministas americanas que queriam insistir no caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo. A palavra indicava uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como “sexo” ou “diferença sexual”. O gênero sublinhava também o aspecto relacional das definições normativas das feminilidades. As que estavam mais preocupadas com o fato de que a produção dos estudos femininos centrava-se sobre as mulheres de forma muito estreita e isolada, utilizaram o termo “gênero” para introduzir uma noção relacional no nosso vocabulário analítico. Segundo esta opinião, as mulheres e os homens eram definidos em termos recíprocos e nenhuma compreensão de qualquer um poderia existir através de estudo inteiramente separado. Assim, Nathalie Davis dizia em 1975: “Eu acho que deveríamos nos interessar pela história tanto dos homens quanto das mulheres, e que não deveríamos trabalhar unicamente sobre o sexo oprimido, do mesmo jeito que um historiador das classes não pode fixar seu olhar unicamente sobre os camponeses. Nosso objetivo é entender a importância dos sexos dos grupos de gênero no passado histórico. Nosso objetivo é descobrir a amplitude dos papéis sexuais e do simbolismo sexual nas várias sociedades e épocas, achar qual o seu sentido e como funcionavam para manter a ordem social e para mudá-la”. Ademais, e talvez o mais importante, o “gênero” era um termo proposto por aquelas que defendiam que a pesquisa sobre mulheres transformaria fundamentalmente os paradigmas no seio de cada disciplina. As pesquisadoras feministas assinalaram muito 231

cedo que o estudo das mulheres acrescentaria não só novos temas como também iria impor uma reavaliação crítica das premissas e critérios do trabalho científico existente. “Aprendemos”, escreviam três historiadoras feministas, “que inscrever as mulheres na história implica necessariamente a redefinição e o alargamento das noções tradicionais do que é historicamente importante, para incluir tanto a experiência pessoal e subjetiva quanto as atividades públicas e políticas. Não é exagerado dizer que por mais hesitante que sejam os princípios reais de hoje, tal metodologia implica não só em uma nova história das mulheres, mas em uma nova história”. A maneira como esta nova história iria simultaneamente incluir e apresentar a experiência das mulheres dependeria da maneira como o gênero poderia ser desenvolvido como uma categoria de análise. Aqui as analogias com a classe e a raça eram explícitas; com efeito, as(os) pesquisadoras(es) de estudos sobre a mulher que tinham uma visão política mais global, recorriam regularmente a essas três categorias para escrever uma nova história. O interesse pelas categorias de classe, de raça e de gênero assinalavam primeiro o compromisso do (a) pesquisador(a) com a história que incluía a fala dos(as) oprimidos(as) e com uma análise do sentido e da natureza de sua opressão: assinalava também que esses(as) pesquisadores(as) levavam cientificamente em consideração o fato de que as desigualdades de poder estão organizadas segundo, no mínimo, estes três eixos. A ladainha “classe, raça e gênero” sugere uma paridade entre os três termos que na realidade não existe. Enquanto a categoria de “classe” está baseada na teoria complexa de Marx (e seus desenvolvimentos posteriores) da determinação econômica e da mudança histórica, as de “raça” e de “gênero” não veiculam tais associações. Não há unanimidade entre os(as) que utilizam os conceitos de classe. Alguns(mas) pesquisadores(as) utilizam a 232

noção de Weber, outros(as) utilizam a classe como uma fórmula heurística temporária. Além disso, quando mencionamos a “classe”, trabalhamos com ou contra uma série de definições que no caso do Marxismo implica uma ideia de causalidade econômica e uma visão do caminho pelo qual a história avançou dialeticamente. Não existe este tipo de clareza ou coerência nem para a categoria de “raça” nem para a de “gênero”. No caso de “gênero”, o seu uso comporta um elenco tanto de posições teóricas, quanto de simples referências descritivas às relações entre os sexos.

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HISTÓRIA DAS MULHERES NO OCIDENTE Michelle Perrot § Escrever uma história das mulheres é um empreendimento relativamente novo e revelador de uma profunda transformação: está vinculado estreitamente à concepção de que as mulheres têm uma história e não são apenas destinadas à reprodução, que elas são agentes históricos e possuem uma historicidade relativa às ações cotidianas, uma historicidade das relações entre os sexos. Escrever tal história significa levá-la a sério, querer superar o espinhoso problema das fontes ("Não se sabe nada das mulheres", diz-se em tom de desculpa). Também significa criticar a própria estrutura de um relato apresentado como universal, nas próprias palavras que o constituem, não somente para explicitar os vazios e os elos ausentes, mas para sugerir uma outra leitura possível. Ambiciosa, com certeza, esta pesquisa tem se desenvolvido no mundo ocidental há vinte anos. Com efeito, há uma teoria e uma historiografia da história das mulheres a partir das quais se pode elaborar os primeiros balanços críticos e se questionar sobre o sentido, as dificuldades, os efeitos destas pesquisas. Seria especialmente interessante elaborá-los, nos diversos espaços nacionais, com um espírito comparativo e aberto. [...] Inúmeras críticas, espontâneas ou suscitadas, foram dirigidas à História das Mulheres no Ocidente. Mencionarei apenas as principais: 1.Logo de início, crítica à própria existência do objeto, sem dúvida um objeto prematuro, pois significaria a invenção de mais um cânon ou um ponto de referência obrigatório. É o risco da "canonização", crítica formulada por Bonnie Smith em um debate 234

em Amsterdam. É verdade, mas seria preciso lembrar que essa pesquisa é modesta e se pretende uma história das mulheres (não a história das mulheres). Seria preciso lembrar ainda que o campo de pesquisas, no qual aliás ela se inspira, além de ser infinitamente amplo, tanto na França quanto principalmente no estrangeiro, se enriquece quase diariamente com novos trabalhos ? No Outono de 1993, para dar um exemplo, quatro teses foram defendidas em Paris neste campo: uma acerca da militância das mulheres na região de Saint-Nazaire (D. Loiseau), outra sobre as mulheres no Partido Comunista no entre-guerras (J. Tardivel), uma terceira acerca do feminismo francês no entre-guerras (Ch. Bard) e, sobretudo, uma sobre os "Os papéis femininos na vida privada na Terceira República", doutorado apresentado por Anne-Marie Sohn, sob a direção de Maurice Agulhon. Contendo uma vastidão de informações concretas, particularmente acerca da vida e das atitudes das mulheres das classes populares (a autora escrutinou sistematicamente todas as séries judiciárias - chamadas séries U da França inteira entre 1880 e 1930), este gigantesco trabalho de arquivo se situa justamente fora dos estudos mais feministas, aos quais, entretanto, se refere com freqüência. Essas teses evidenciam a vitalidade de um campo de pesquisas que se desenvolve de maneira autônoma e pluralista. 2.Problemas de espaço e tempo: a noção de Ocidente é globalizante, abstrata e, nesses tempos de ofensivo racismo, talvez perigosa. Foi escolhida por comodidade, necessidade (era preciso ter em conta os trabalhos existentes) e, além disso tudo, em função da hipótese subjacente que existem "relações entre os sexos próprias do Ocidente". Contudo, é também verdade que essa noção nega as diferenças (nacionais, regionais ou mesmo locais) e dissimuladamente produz uma categoria duvidosa: as mulheres ocidentais. É também demasiadamente enrijecedora e não dá conta 235

dos incessantes deslocamentos das populações, dos contatos migratórios e culturais, dos efeitos da colonização nos dois sentidos, da presença do Islão no coração da Europa. Os problemas atuais da ex-Iugoslávia mostram o perigo que há em subestimar os fatores étnicos. Quanto à cronologia, foi escolhida a longa duração (na tradição da Escola dos Annales) e adotada as divisões clássicas da história da Europa ocidental, ao menos tais como foram definidas pelos historiadores do século XIX. Poder-se-ia construir uma outra cronologia das relações entre os sexos, levando em conta as maiores reviravoltas, as verdadeiras rupturas, os acontecimentos essenciais ? Para essa questão, colocada incessantemente pelos nossos interlocutores, não fornecemos uma resposta satisfatória. 3.História das mulheres ou história da relação entre os sexos ? Sob o ângulo teórico, a diferença entre Sex e Gender (termo quase intraduzível em francês), caro sobretudo às acadêmicas americanas (cf. Joan W. Scott), foi um dos eixos de reflexão nos últimos anos. Aliás, a idéia segundo a qual a diferença entre masculino e feminino não é um dado natural imutável, mas uma construção histórica e cultural, convém particularmente ao procedimento histórico. Posto que a diferença entre os sexos é uma construção, pode-se assim desconstruí-la, em todos os níveis (teorias e práticas, representações e fatos materiais, palavras e coisas). Uma área é mais propícia do que as demais para uma análise desse tipo: o campo do Direito, uma vez que constitui um objeto de definições precisas. Todavia, esse ponto de vista não é unânime. Gianna Pomata apresenta uma primeira objeção na sua contribuição às "Leituras Críticas" do colóquio Femmes et Histoire: "I think that gender history is a perfectly legitimate and extremely useful area of historical research. But it should not be confused with women's 236

history and it cannot preempt the need for a social history of women. I see the foremost task of women's history not in 'deconstruction' as the male discourse about women, but in the effort to overcome that 'scarcity of facts' about their lives". Segunda objeção: o risco de tautologia que espreita o indeterminável limite entre feminino e masculino (feminino = feminino, masculino = masculino). O estudo de algumas categorias imprecisas ou subversivas (androginia, travestismo, homossexualidade, por exemplo) é um meio de atenuar esse problema. Terceira objeção, muito mais fundamental: a questão das posições invariantes que opõem, direta ou indiretamente, história e psicanálise, especialmente quando esta considera a categoria de sexo enquanto um dado natural e uma estrutura elementar. A distância que separa Freud de Lacan autoriza uma pausa na respiração. "A Mulher não existe", diz o segundo, encantando as historiadoras, obcecadas por abraçar as pluralidades e singularidades. Por outro lado, muitos psicanalistas ao menos admitem a existência de uma historicidade das formas de feminilidade e de masculinidade, tornando o diálogo perfeitamente possível. Pode-se ir mais longe na recusa das posições invariantes e fazer da diferença entre os sexos uma pura criação da linguagem e do plano simbólico?

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ECOFEMINISMO Vandana Shiva § [Entrevistador] Às vezes você é descrita como “ecofeminista”: SHIVA: Nunca me senti muito bem com rótulos. O ecofeminismo mistura as coisas. É muito elegante, do meu ponto de vista. Ele deixa de lado muitos outros aspectos da minha pessoa e do que eu faço. Deixa de lado a parte do legado de casta lutadora dos meus pais. Meu nome, Shiva, foi dado por meus pais para apagar sua identidade de casta. Hoje, onde quer que eu ache discriminação por casta, eu vou lutar contra ela. Em nossa organização, nós nos certificamos de que temos mulçumanos, hindus e cristãos trabalhando juntos, não permitindo que quaisquer inflexibilidades mutilem nosso potencial como grupo. Mas, em um certo nível, realmente não me importo com o rótulo do ecofeminismo porque acho que a combinação do feminismo com a ecologia cria dois potenciais. Em primeiro lugar, vi o feminismo que não é ecológico tornar-se um novo opressor. Vi o ambientalismo que não é feminista o bastante também se tornar um novo elitismo. O ecofeminismo previne essas duas novas formas de elitismo ao dizer “Não, o ecofeminismo trata da sociedade e da natureza. É sobre outros modos de pensar”. Não é possível ter apenas algumas mulheres no poder. Carla Hills e Madeleine Albright não simbolizam uma nova igualdade para as mulheres. Veja a privatização da água nos EUA. Está sendo conduzida por grupos ambientalistas, só porque eles não pensam na sociedade. Eles pensam em uma espécie e dizem “OK, se puderem comprar a água daquele rio e salvar as espécies desta garganta em particular, por mim podem comprar que está tudo bem”. Eles não percebem como, nesse processo, estão criando 238

todo um acordo político e social em torno de recursos naturais que será abusivo a milhões de outras espécies e, é claro, a milhões de nossos irmãos e irmãs neste planeta. Assim, o ecofeminismo, por estar intrinsecamente ligado à justiça social e aos limites ecológicos, é um bom termômetro para os tipos de problemas que vemos com o feminismo em voga e com o ambientalismo em voga. [...] Adotei o termo “mau-desenvolvimento” para indicar um desenvolvimento disforme, um mau-funcionamento do sistema, e para traçar seus vínculos com uma abordagem patriarcal, que combina a dominação sobre as mulheres à do capital sobre a natureza e sobre os indivíduos. O “mau-desenvolvimento” confina as mulheres na passividade, sobretudo, tratando a sua consciência como se ela não existisse. Nos últimos 35 anos, trabalhei com muitíssimas mulheres e sempre estou mais convencida de que são elas as “verdadeiras especialistas”, as únicas capazes de conhecer o funcionamento de um sistema e os modos para protegê-lo, e que o mundo é, em grande parte, “produzido” pelas mulheres. Porém, o sistema de pensamento reducionista e a organização econômica capitalista excluíram ou subestimaram as contribuições das mulheres, induzindo-as a acreditar que o trabalho, fundamental, de “manter a vida” não é um verdadeiro trabalho, porque não é produtivo. Segundo esse sistema de pensamento, de fato, uma mulher que mantém a própria família não produz nada, e uma comunidade que satisfaz todas as próprias necessidades alimentares mas não vende ou não compra alimentos não produz comida e não contribui com o “crescimento” e com o “desenvolvimento”. A adoção desse critério de medida levou ao “mau-desenvolvimento” e, com isso, à destruição da natureza, à exploração do “capital natural” e, junto 239

com a negação das necessidades fundamentais, ao crescimento da pobreza.

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SEJAMOS TODOS FEMINISTAS Chimamanda Adichie § A questão de gênero é importante em qualquer canto do mundo. É importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente. O modo como criamos nossos filhos homens é nocivo: nossa definição de masculinidade é muito estreita. Abafamos a humanidade que existe nos meninos, enclausurando-os numa jaula pequena e resistente. Ensinamos que eles não podem ter medo, não podem ser fracos ou se mostrar vulneráveis, precisam esconder quem realmente são— porque eles têm que ser, como se diz na Nigéria, homens duros. No ensino médio, quando um garoto e uma garota saem juntos, o único dinheiro de que dispõem é uma pequena mesada. Mesmo assim, espera-se que ele pague a conta, sempre, para provar sua masculinidade. (E depois nos perguntamos por que alguns roubam dinheiro dos pais...) E se tanto os meninos quanto as meninas fossem criados de modo a não mais vincular a masculinidade ao dinheiro? E se, em vez de “o menino tem que pagar,” a postura fosse “quem tem mais paga”? É claro que, por uma questão histórica, em geral é o homem quem tem mais dinheiro. No entanto, se começarmos a criar nossos filhos de outra maneira, daqui a cinquenta, cem anos eles não serão pressionados a provar sua masculinidade por meio de bens materiais. 241

Mas o pior é que, quando os pressionamos a agir como durões, nós os deixamos com o ego muito frágil. Quanto mais duro um homem acha que deve ser, mais fraco será seu ego. E criamos as meninas de uma maneira bastante perniciosa, porque as ensinamos a cuidar do ego frágil do sexo masculino. Ensinamos as meninas a se encolher, a se diminuir, dizendo- lhes: “Você pode ter ambição, mas não muita. Deve almejar o sucesso, mas não muito. Senão você ameaça o homem. Se você é a provedora da família, finja que não é, sobretudo em público. Senão você estará emasculando o homem.” Por que, então, não questionar essa premissa? Por que o sucesso da mulher ameaça o homem? Bastaria descartar a palavra— e não sei se existe outra palavra em inglês de que eu desgoste tanto — “emasculação”. Uma vez, um nigeriano conhecido meu me perguntou se não me incomodava o fato de os homens se sentirem intimidados comigo. Eu não me preocupo nem um pouco — nunca havia me passado pela cabeça que isso fosse um problema, porque o homem que se sente intimidado por mim é exatamente o tipo de homem por quem não me interesso. Mesmo assim, fiquei surpresa. Já que pertenço ao sexo feminino, espera-se que almeje me casar. Espera-se que faça minhas escolhas levando em conta que o casamento é a coisa mais importante do mundo. O casamento pode ser bom, uma fonte de felicidade, amor e apoio mútuo. Mas por que ensinamos as meninas a aspirar ao casamento, mas não fazemos o mesmo com os meninos?

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CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER Nova York, Nações Unidas, 1979 § Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (Nova York, Nações Unidas, 1979) Os Estados Partes na presente Convenção, Considerando que a Carta das Nações Unidas reafirma a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa e na igualdade de direitos do homem e da mulher, Considerando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos reafirma o principio da não-discriminação e proclama que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que toda pessoa pode invocar todos os direitos e liberdades proclamados nessa Declaração, sem distinção alguma, inclusive de sexo, Considerando que os Estados Partes nas Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos têm a obrigação de garantir ao homem e à mulher a igualdade de gozo de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, Observando as convenções internacionais concluídas sob os auspícios das Nações Unidas e dos organismos especializados em favor da igualdade de direitos entre o homem e a mulher, Observando, ainda, as resoluções, declarações e recomendações aprovadas pelas Nações Unidas e pelas Agências Especializadas para favorecer a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, Preocupados, contudo, com o fato de que, apesar destes diversos instrumentos, a mulher continue sendo objeto de grandes 243

discriminações, Relembrando que a discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana, dificulta a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço a seu país e à humanidade, Preocupados com o fato de que, em situações de pobreza, a mulher tem um acesso mínimo à alimentação, à saúde, á educação, à capacitação e às oportunidades de emprego, assim como à satisfação de outras necessidades, Convencidos de que o estabelecimento da Nova Ordem Econômica Internacional baseada na equidade e na justiça contribuirá significativamente para a promoção da igualdade entre o homem e a mulher, Salientando que a eliminação do apartheid, de todas as formas de racismo, discriminação racial, colonialismo, neocolonialismo, agressão, ocupação estrangeira e dominação e interferência nos assuntos internos dos Estados é essencial para o pleno exercício dos direitos do homem e da mulher, Afirmando que o fortalecimento da paz e da segurança internacionais, o alívio da tensão internacional, a cooperação mútua entre todos os estados, independente de seus sistemas econômicos e sociais, o desarmamento geral e completo, e em particular o desarmamento nuclear sob um estrito e efetivo controle internacional, a afirmação dos princípios de justiça, igualdade e proveito mútuo das relações entre países e a realização do direito dos povos submetidos a dominação colonial e estrangeira e a ocupação estrangeira, à autodeterminação e 244

independência, bem como o respeito da soberania nacional e da integridade territorial, promoverão o progresso e o desenvolvimento sociais, e, em consequência, contribuirão para a realização da plena igualdade entre o homem e mulher, Convencidos dos que a participação máxima de mulher, em igualdade de condições com o homem, em todos os campos, é indispensável para o desenvolvimento pleno e completo de um país, o bem estar do mundo e a causa da paz, Tendo presente a grande contribuição da mulher ao bem-estar da família e ao desenvolvimento da sociedade, até agora não plenamente reconhecida, a importância social da maternidade e a função dos pais na família e na educação dos filhos, e conscientes de que o papel da mulher na procriação não deve ser causa de discriminação mas sim que a educação dos filhos exige a responsabilidade compartilhada entre homens e mulheres e a sociedade como um conjunto, Reconhecendo que para alcançar a plena igualdade entre o homem e mulher é necessário modificar o papel tradicional tanto do homem como da mulher na sociedade e na família, Resolvidos a aplicar os princípios enunciados na Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher e, para isto, a adotar as medidas necessárias a fim de suprimir essa discriminação em todas as suas formas e manifestações, Concordaram no seguinte: PARTE 1 Artigo 1 Para os fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, 245

independente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Artigo 2 Os Estados partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a: a)consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas constituições nacionais ou em outra legislação apropriada o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados à realizar prática desse princípio; b)adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher; c)estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, e proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação; d)abster-se de incorrer em todo ato ou pratica de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta obrigação; e) tornar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organizada ou empresa; f)adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher; g)derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam 246

discriminação contra a mulher. Artigo 3 Os Estados partes tomarão em todas as esferas e, em particular, nas esferas políticas, social, econômica e cultural, todas as medidas apropriadas, inclusive de caráter legislativo, para assegurar o pleno desenvolvimento e progresso da mulher, com o objetivo de garantir-lhe o exercício e gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem. Artigo 4 1.A adoção pelos Estados partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará como consequência, a manutenção de normas desiguais ou separadas: essas medidas cessarão quando os objetos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados. 2.A adoção pelos Estados Partes de medidas especiais, inclusive as contidas na presente Convenção, destinada a proteger a maternidade, não se considerará discriminatória. Artigo 5 Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para: a)modificar os padrões sócio cultural de conduta de homens e mulheres, com vista a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias, e de qualquer outra índole que estejam baseados na ideia de inferioridade com superioridade de qualquer ou em função estereotipadas de homens e mulheres; b)garantir que a educação familiar inclua uma compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento 247

da responsabilidade comum de homens e mulheres no que diz respeito à educação e ao desenvolvimento de seus filhos, entendendo-se que o interesse dos filhos constituirá a consideração primordial em todos os casos. Artigo 6 Os Estados partes todas as medidas apropriadas, inclusive de caráter legislativo, para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração da prostituição da mulher. [...]

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LEI No 11.340 LEI MARIA DA PENHA Brasil, 2006 § Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. (Vide ADI nº 4427) Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: TÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção 249

Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. § 1o O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 2o Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput. Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e 250

familiar. TÍTULO II DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015) I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

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CAPÍTULO II DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; 252

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. TÍTULO III DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CAPÍTULO I DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes: I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação; II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas; III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal; IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à 253

Mulher; V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres; VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher; VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia; VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia; IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher. CAPÍTULO II DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de 254

proteção, e emergencialmente quando for o caso. § 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal. § 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica: I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta; II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses. § 3o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual. CAPÍTULO III DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis. 255

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida. Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências: I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis. Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; 256

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias; III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários; V - ouvir o agressor e as testemunhas; VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. [...]

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REFERÊNCIAS §

Retorno ao templo, Enheduana O Nin-me-sara é o texto em que Enheduana conta como foi expulsa do templo, invocou seus direitos e retornou. Não tradução em português completa e conhecida. Uma das versões possíveis pode ser vista em inglês: http://www.angelfire.com/mi/enheduanna/Ninmesara.html Um bom artigo sobre ela, em inglês, está disponível aqui: http://www.transoxiana.org/0108/roberts-enheduanna.html No livro Mesopotâmia, a Invenção da Cidade, de Gwendolin Leick, p.142-144, há uma breve discussão sobre a história de Enheduana. Cuidados com a mulher, Instruções de Shuruppak Não há traduções para o português desse texto. Ele pode ser visto em inglês aqui: http://www.gatewaystobabylon.com/myths/texts/life/instructions hruppak.html Leis sobre as mulheres, Código de Hamurabi Há boas traduções desse texto, sendo a melhor em português de Emanuel Bouzon. O código de Hamurabi. Petrópolis: Vozes, 1976. O texto online pode ser visto aqui: http://documentofantastico.blogspot.com.br/2011/06/o-codigo-d e-hamurabi.html Conselhos para lidar com mulheres, Instruções de Ptah-Hotep A melhor tradução existente é de Emanuel Araújo. Escrito para a Eternidade: A literatura no Egito Faraônico. Brasília, UNB, 2000. 259

O nascimento de Hatshepsut, Inscrição no templo de Hatshepsut Não tradução desse texto em português. Uma versão em inglês pode ser vista em: http://web.archive.org/web/19990221113219/http://puffin.creig hton.edu/theo/simkins/tx/HatshepsutBirth.html Um excelente artigo sobre a soberana, de Margaret Bakos, pode ser visto em: http://www.pucrs.br/ffch/historia/egiptomania/publicacoes/OOb eliscodeHatshepsut.pdf Outra ótima fonte geral sobre Hatshepsut é o artigo de Helayne Cândido: http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/68/a-grande-f arao-do-egito-ao-voltarmos-nosso-olhar-308387-1.asp Devoção de Ísis, hino a Ísis ou hino do Trovão da Mente Perfeita Esse hino gnóstico, datado provavelmente do início da Era cristã, pertence à biblioteca de Nag Hammadi, caracterizando o sincretismo religioso mediterrânico. Em inglês: http://gnosis.org/naghamm/thunder.html Em português, a tradução é reivindicada por essa página: http://misteriosantigos.50webs.com/trovao-mente-perfeita.html [A tradução está tecnicamente correta, em relação ao original inglês: todavia, aconselha-se cuidado com os materiais disponíveis, muitos deles pertencentes ao ramo do Realismo Fantástico, com o qual a Ciência Histórica não concorda em suas interpretações] Sobre as mulheres, Leis de Manu [Manavadhasrmashastra] Não há tradução completa desse texto em português. Em espanhol: http://www.shri-yoga-devi.org/textos/Leyes-de-Manu.pdf Em inglês: 260

http://www.sacred-texts.com/hin/manu.htm Em português, dois capítulos estão disponíveis em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/manu.htm

Questões femininas, Livro das leis [Arthashastra] A tradução de fragmentos feita por Sérgio Bath pode ser vista em: http://www.senado.gov.br/senado/campanhas/conselhos/downloa ds/kautilya.pdf Habilidades necessárias à mulher, Livro do desejo [Kama Sutra] Tradução feita por Raul Xavier, Os Kama Sutras. Livros do Mundo Inteiro, 1972. Fragmentos da obra podem ser visto aqui: http://indianidades.blogspot.com.br/p/colecao-raul-xavier.html Lições femininas, Banzhao Não há versão em português. Em inglês, a tradução foi feita por Nancy Lee Swann. Pan Chao: Foremost Woman Scholar of China. Nova Iorque: Century, 1932. Em inglês, fragmentos estão disponíveis em: http://acc6.its.brooklyn.cuny.edu/~phalsall/texts/banzhao.html Mulheres fortes – A mãe de Mêncio, Liu Xiang O Lienu zhuan só tem tradução para o inglês, disponível em: http://www2.iath.virginia.edu:8080/exist/cocoon/xwomen/texts/l ist A saúde da mulher, Tratado interno [Neijing] Do livro Nei Ching. Rio de Janeiro: Domínio Público, 1991. Disponível em: http://chines-classico.blogspot.com.br/2007/07/o-tratado-interno .html 261

A tristeza de ser mulher, Fu Xuan Tradução de Sérgio Capparelli, disponível em: http://www.capparelli.com.br/poetisaschinesas.php Hino a Terra, deusa-mãe, Hinos Homéricos Uma tradução em português foi feita por Jair Gramacho, Hinos homéricos, Brasília: UnB, 2003. Em inglês: http://www.gutenberg.org/files/16338/16338-h/16338-h.htm [O fragmento foi traduzido do inglês] Pandora e a origem das desgraças, Hesíodo A tradução abalizada e indicada é: Hesíodo. Os trabalhos e os dias. Tradução, introdução e notas : Alessandro Rolim de Moura.Curitiba, PR : Segesta, 2012. Disponível em: http://www.segestaeditora.com.br/download/ostrabalhoseosdias.p df Outras traduções disponíveis da Teogonia e Os Trabalhos e os Dias: http://charlezine.com.br/wp-content/uploads/2012/04/Os-trabal hos-e-os-dias-Hes%C3%ADodo.pdf http://charlezine.com.br/wp-content/uploads/2012/04/TeogoniaHes%C3%ADodo.pdf Mulheres espartanas, Aristóteles Da Política, de Aristóteles, disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_aristoteles_ a_politica.pdf Tradução indicada: Política. Tradução do grego, introdução e notas do Prof. Mário da Gama Kury. Brasília: UNB, 1997 262

O cuidado da casa, Aristóteles A única tradução da Economia é de Portugal, disponível aqui: http://www.obrasdearistoteles.net/files/volumes/0000000025.pdf [intitulada Os Económicos] Poema de amor, Safo de Lesbos A tradução aqui presente é de Péricles Ramos, Poesia grega e latina. São Paulo: Cultrix, 1964. Veja também as traduções de Manuel Pulquério: http://www4.crb.ucp.pt/Biblioteca/Mathesis/Mat10/mathesis10_ 155.pdf Consolação a minha mãe Hélvia, Sêneca Da coleção Os pensadores, Vol. Epicuro, Lucrécia, Cícero, Sêneca e Marco Aurélio. São Paulo: Abril Cultural, 1972 O machismo na arte de amar, Ovídio Tradução sugerida: Amores & Arte de Amar. Trad. Carlos André. Companhia das Letras: Penguin, 2015. Uma tradução online pode ser vista aqui: http://www.revistaliteraria.com.br/ovidioartedeamar.pdf [versão controversa] A mulher sem pudor, Juvenal Sátiras. Rio de Janeiro: Ediouro, 1988. Uma boa análise sobre o tema, feita por Roberto Arruda, pode ser visto aqui: http://wp.ufpel.edu.br/cadernodeletras/files/2014/01/Caderno-de -Letras-21.pdf

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O pecado original, Gênesis; A menstruação, Levítico; Respeito pela união conjugal, Levítico A tradução mais indicada é a Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 1981, constantemente revista e atualizada desde então. Versões online indicadas são: https://www.bibliaonline.com.br Ou http://www.capuchinhos.org/biblia/index.php?title=P%C3%A1gi na_principal Cuidado com a mulher estranha, Livro dos Provérbios; Sobre as mulheres, Eclesiástico; A mulher adúltera, Evangelho de João; Sobre o divórcio, Evangelho de Marcos; Matrimônio ou celibato?, Paulo de Tarso; O véu das mulheres, Paulo de Tarso Duas versões online, confiáveis, podem ser vistas em: http://www.capuchinhos.org/biblia/index.php?title=P%C3%A1gi na_principal ou http://www.apostolas.org.br/2010/capela/ Ademais, a Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 1981, continua sendo indicada. Mulheres sábias, Evangelho de Maria Magdalena Em português: http://www.radionovoshorizontesfm.com/caminhodoceu/recome ndo/cinco_evangelhos_apocrifos.pdf Em inglês: http://gnosis.org/library/marygosp.htm Um ótimo artigo de referência, de Rosa Tommaso: http://www4.pucsp.br/ultimoandar/download/artigos_maria_ma dalena.pdf 264

Hipácia, a última filósofa do mundo antigo, Damascius O texto é parte da Vida de Isidoro, escrita por Damascius [séc. 5 ec]. A versão em inglês está disponível aqui: http://cosmopolis.com/alexandria/hypatia-bio-suda.html A mulher para os primeiros pensadores medievais Tertuliano: http://www.tertullian.org/library.htm [sem versão em português] Agostinho: A Cidade de Deus. Petrópolis: Vozes, 1991 Em inglês: http://www.newadvent.org/fathers/1201.htm Isidoro de Sevilha: apenas em Latim, http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Isidore/ho me.html Mas o artigo esclarecedor de Pedro Fonseca nos serve de guia e fonte: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciLangCult/article/ download/16826/pdf A mulher no Islã, Alcorão Versão online: http://www.ibeipr.com.br/ibei.php?path=alcorao A mulher infiel, As Mil e uma Noites Tradução indicada de Mansour Chalita. As Mil e uma Noites. São Paulo: Acigi, s/dt. O filósofo que não sabe amar, Heloísa A versão é de Paul Zunthor, Correspondência de Abelardo e Heloisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Os males humanos, Romance da Rosa A tradução dos fragmentos do Romance da Rosa estão disponíveis 265

no site http://www.ricardocosta.com/textos O site é uma magnífica fonte de documentos e artigos sobre História Medieval, promovido pelo Prof. Ricardo da Costa, um dos mais destacados autores brasileiros em Idade Média.

Natividade e virgindade de Maria, Jacopo de Varazze Assunção de Maria, Jacopo de Varazze Os fragmentos apresentados pertencem ao livro A Legenda Áurea – a vida dos santos. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2003. A tradução é de um dos maiores especialistas em história medieval no Brasil, Hilário Franco Júnior. Lilith, a Primeira Mulher, Alfabeto Ben-Sirá Em inglês, encontramos essa versão da história de Lilith em David Stern e Mark Jay Mirsky (eds.) Rabbinic Fantasies: Imaginative Narratives from Classical Hebrew Literature. Yale: Yale Judaica Series, 1998. Fragmentos do livro estão disponíveis aqui: https://escamandro.wordpress.com/2015/10/26/a-pornochanchad a-medieval-do-alfabeto-de-ben-sira/ [Artigo sem pretensões científicas, mas com traduções corretas e bem feitas] Mulher, ser defeituoso, Tomás de Aquino A versão [confiável] da Suma Theologica está disponível aqui: http://alexandriacatolica.blogspot.com.br/2011/12/suma-teologic a-de-sao-tomas-de-aquino.html Entre Eva e Maria há uma grande diferença, Alfonso X Em inglês: http://csm.mml.ox.ac.uk/ ou http://brassy.perso.neuf.fr/PartMed/Cantigas/CSMIDI.html 266

Vale destacar o trabalho do Grupo de Música Antiga da UFF, que estuda e reproduz muitas dessas cantigas: https://pt-br.facebook.com/musicaantigauff

Por uma literatura feminina, Cristina de Pisano A Cidade das Damas, texto de Cristina de Pisano, foi brilhantemente traduzida por Eleonora Calado em sua Tese de doutoramento, que pode ser vista aqui: http://www.pgletras.com.br/2006/teses/tese-luciana-eleonora-freit as.pdf A atração das mulheres pelo oculto, O Martelo das Feiticeiras A tentação da bruxaria, O Martelo das Feiticeiras O Malleus Maleficarum, de Heinrich Kraemer e James Sprenger, foi prefaciado no Brasil pela escritora e intelectual feminista Rose Marie Muraro, numa versão considerada ainda hoje primorosa. Ver O Martelo das Feiticeiras. São Paulo: Rosa dos Ventos, 1995. Opiniões de pensadores modernos Nicolau Maquiavel: a tradução indicada é O Príncipe. São Paulo: Hedra, 2007. [trad. José Antônio Martins] Versão de domínio público: http://www.culturabrasil.org/zip/oprincipe.pdf Michel de Montaigne: versão em espanhol dos Ensaios em: http://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/ensayos-de-montaign e--0/html/ Fragmentos de Jean Bodin e Montaigne estão presentes no referencial artigo de Maria Célia França: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-51 2X2012000200008 Martinho Lutero: o Comentário ao Gênesis, em espanhol, está 267

nesse link: http://www.parroquiastacruz.org/files/Lutero-Comentario-a-Gen esis-Capitulo-1.pdf João Comenius: versão de domínio público confiável: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/didaticamagna.pdf Immanuel Kant: para o livro Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático, clique aqui: http://www.filosofia.com.br/figuras/livros_inteiros/171.txt

A miséria das mulheres, L. Thomas; Sobre as mulheres, Denis Diderot; Crítica ao livro de Thomas, Madame d’Epinay Todos os fragmentos foram retirados do ótimo O que é uma mulher? São Paulo: Nova Fronteira, 1991. O livro foi organizado e editado por Elisabeth Badinter, intelectual feminista francesa, num debate esclarecedor sobre a opinião dos três autores. Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, Olympe de Gouges; A igualdade dos sexos e os direitos femininos, Mary Wollstonecraft O texto de Olympe de Gouges está disponível aqui: http://www.olympedegouges.eu/rights_of_women.php De Mary Wollstonecraft, aqui: http://legacy.fordham.edu/halsall/mod/mw-vind.asp Um volume, que inclui ambas as autoras, é o de Micheline Ishay, Direitos Humanos: uma antologia. São Paulo: Edusp, 2015. Contra a escravidão, Soujourner Truth No original, em inglês: http://www.gutenberg.org/ebooks/1674 A tradução fiel do referencial sítio Geledés – Instituto da Mulher Negra [http://www.geledes.org.br/geledes/]: http://arquivo.geledes.org.br/atlantico-negro/afroamericanos/sojo 268

urner-truth/22661-e-nao-sou-uma-mulher-sojourner-truth

Liberdade e educação para a mulher brasileira, Nísia Floresta Os trabalhos de Nísia Floresta foram publicados em: Constância Lima Duarte [org.]. Nísia Floresta Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. Um artigo sobre a autora, bastante significativo, pode ser visto aqui: http://www.scielo.br/pdf/his/v30n2/a10v30n2.pdf Igualdade de direitos no socialismo, August Bebel O livro de August Bebel, Mulher e Socialismo, pode ser visto aqui, em inglês: https://www.marxists.org/archive/bebel/1879/woman-socialism/i ndex.htm?utm_source=lasindias.info Igualdade de direitos entre os sexos no espiritismo, Allan Kardec A Federação Espírita do Brasil disponibiliza o livro nesse link: http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/07/135.pdf Contra a sujeição feminina, Stuart Mill A tradução indicada é A sujeição das Mulheres. Lisboa: Almedina, 2014. Em inglês: http://legacy.fordham.edu/halsall/mod/jsmill-women.asp Sufrágio feminino, Emmeline Pankhurst Em inglês: http://www.theguardian.com/theguardian/2007/apr/27/greatspee ches ou http://legacy.fordham.edu/halsall/mod/1913pankhurst.asp

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O dia da mulher, Alexandra Kollontai Em inglês: https://www.marxists.org/archive/kollonta/1920/womens-day.ht m A luta política da mulher socialista, Rosa Luxemburgo Sufrágio Feminino e Luta de Classes, em inglês: https://www.marxists.org/archive/draper/1976/women/4-luxemb urg.html Controle de natalidade e aborto, Margaret Sanger Em inglês: http://sacred-texts.com/wmn/wnr/index.htm A descoberta da sexualidade, Sigmund Freud O ensaio ‘Sobre a sexualidade feminina’ [1931] está presente no livro [coletânea] sobre Freud, O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias e outros textos. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2010. Identidades são construídas, Margaret Mead Tradução indicada: Sexo e temperamento. São Paulo: Perspectiva, 1979. O segundo sexo, Simone de Beauvoir O livro, dividido em duas partes, está disponível para download em: http://brasil.indymedia.org/media/2008/01/409660.pdf e http://brasil.indymedia.org/media/2008/01/409680.pdf De palmares às escolas de samba, tamos aí, Lélia Gonzalez O belíssimo trabalho da feminista negra Lélia Gonzalez pode ser 270

visto aqui: http://www.projetomemoria.art.br/leliaGonzalez/ O fragmento citado vem dessa fonte, que conta com uma apresentação de sua bibliografia e trabalhos.

Revolução sexual, Shere Hite A edição O relatório Hite. São Paulo: Difel, 1980, é correta e muito bem feita, preservando a linguagem do texto original. A luta dos sexos é uma luta política, Kate Millett O livro Política Sexual foi traduzido, e está disponível aqui: http://www.midiaindependente.org/media/2007/03/374952.pdf A ditadura da beleza, Naomi Wolf Tradução indicada: O Mito da Beleza. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. Revendo conceitos, Judith Butler Ver Problemas de Gênero. São Paulo: Civilização Brasileira, 2014. Livro bastante recente e atualizado. Falando de gênero, Joan Scott O texto de uma entrevista com Joan Scott, traduzido, pode ser visto aqui: http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/185058/mod_resourc e/content/2/G%C3%AAnero-Joan%20Scott.pdf Outra fonte da mesma autora, explanando sobre seu trabalho: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/12037/1131 4 História das Mulheres no Ocidente, Michelle Perrot Autora de História das Mulheres no Ocidente. Lisboa: 271

Afrontamento, 1993 [incrivelmente, sem edição no Brasil] e Minha História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2013. A entrevista com Michelle Perrot, nos Cadernos Pagu, pode ser vista aqui: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?down=5091 5

Ecofeminismo, Vandana Shiva Seu principal livro, encontrado no Brasil é: Ecofeminismo. Lisboa: Piaget, 1997. O trecho foi retirado de sua entrevista: http://www.radicallivros.com.br/livros/monoculturas-da-mente-u ma-entrevista-com-vandana-shiva/ Sejamos todos feministas, Chimamanda Adichie Livro recente da famosa escritora eintelectual Chimamanda Adichie, Sejamos todos feministas. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2015. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, Nova York, Nações Unidas, 1979. Texto completo, em português disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10233.htm Lei No 11.340: Lei Maria da Penha. Brasil, 2006 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l1 1340.htm

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Textos sobre História das Mulheres ISBN: 978-85-65996-43-3 Rio de Janeiro, 2016

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