The Zuera Never Ends: interação, compartilhamento e potências virais das imagens meméticas em comentários no Facebook

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – João Pessoa - PB – 15 a 17/05/2014

The Zuera Never Ends: interação, compartilhamento e potências virais das imagens meméticas em comentários no Facebook1

Luana INOCENCIO2 Camila Priscila LOPES3 Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, RN

RESUMO Nas redes sociais, os indivíduos estão acostumados às dinâmicas hipertextuais de uma cultura participativa, estabelecida através de linguagens que replicam padrões de comportamentos e potencializam suas ideias. Os recursos nessas plataformas possibilitam diálogos cada vez mais interativos, cuja potência de disseminação pode ser uma das chaves para se pensar o intenso fluxo de produção colaborativa que parte dos usuários na rede atualmente. Nesse contexto, após a rede social Facebook liberar uma nova funcionalidade que permite a publicação de imagens nos comentários de suas postagens, deu-se início a uma imensa profusão de piadas internas e virais proliferados por meio do compartilhamento de imagens meméticas, pautando-se na ironia e humor nonsense, característicos do entretenimento na chamada "cultura digital trash". PALAVRAS-CHAVE: Facebook; redes sociais; entretenimento; meme; cultura participativa.

INTRODUÇÃO Um dos primeiros conceitos de meme surgiu através de estudos na área da genética, onde Dawkins (1976) definia meme como um substantivo que transmite a ideia de uma unidade de transmissão cultural, ou uma unidade de imitação. Sua origem é baseada no termo grego mimeme, que se traduz como “algo imitado” e atualmente o

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Trabalho apresentado no DT 05 – Rádio, TV e Internet do XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 15 a 17 de maio de 2014. 2

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: [email protected]. 3

Recém-formada do Curso de Comunicação Social, Rádio e TV da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail: [email protected].

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termo classifica figuras ou frases utilizadas de forma repetida, que se propagam de forma viral pela rede, são remixadas e misturadas a novos contextos. Atualmente, o termo meme proliferou-se pela rede, sendo usado para todas as coisas que são utilizadas repetidamente na internet em vários contextos diferentes e que podem até ganhar um novo significado nesse processo. Exemplos dessa amplitude podem ser encontrados na memepedia4, uma enciclopédia brasileira que hospeda memes de várias naturezas e busca rastrear suas origens. Nesse contexto, no artigo identificaremos tal cultura participativa como retórica estética que desencadeia e propicia a produção de linguagens específicas na interação através dos comentários no Facebook. Tal fenômeno tem particularidades intrigantes, como, por exemplo, os discursos pautados na ironia e no humor negro que partem de alguns atores sociais. Estes se aproximam da construção de valores adotados por uma parcela de público segmentada, e sua piada é compreendida apenas por este círculo, com o objetivo de conquistar um maior capital social agregado à sua popularidade na rede. Buscando aproximar a compreensão da lógica memética e de como ela opera, utilizaremos então essas imagens que são disseminadas nos comentários como elemento articulador. Assim, traçaremos uma análise descritiva para entender como esses diálogos se processam na rede, observando de que modo estas novas formas de interação imagética no Facebook ocorrem, alterando os modos de interação estabelecidos anteriormente.

O memé é a mensagem: como nascem as piadas nonsense e sua potência viral

A cultura participativa encontrou terreno fértil no ciberespaço, em especial na web 2.0. Essa participação caracteriza-se, como pontua Shirky (2011), por cidadãos conectados em círculos colaborativos que promovem o compartilhamento de ideias e projetos, a ser realizados com o coletivo. Nesse ambiente efervescente, os grupos reunidos percebem que querem mudar a maneira como se desenrolam os diálogos públicos e descobrem que possuem meios de fazê-lo.

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Disponível em: . Acesso em: 18 mar. 2014.

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Como observa Canclini (2008), no contemporâneo cenário cibercultural, os meios de comunicação passaram a sofrer permanentes deslocamentos e integrações. Essa estética da remixabilidade, como denomina Manovich (2001), passa a influenciar nossa forma de ressignificar o mundo, por meio de comportamentos, relações sociais e diversas formas de hibridizações. Implicando um processo de fragmentar a imagem reprodutiva e reconstruí-la a partir de uma nova realidade, trata-se de uma recombinação de vozes sociais, linguagens, sentidos, identidades e culturas. Estruturadas com interfaces cognitivas flexíveis, plásticas e adaptáveis, algumas plataformas multimidiáticas específicas contribuem para o processo criativo pautado na instantaneidade e característico da cultura remix e participativa. Revelando novas possibilidades de produção de sentido e memória coletiva na rede, isso pode ser observado como um agente facilitador de laços sociais ao estimular seus usuários à produção, em busca do capital social, ou seja, reputação. Traduzindo o espírito da então chamada cultura digital trash (PEREIRA, 2007), na qual os indivíduos produzem e compartilham conteúdo textual e audiovisual amador na web como forma de entretenimento, nasce o meme, um fenômeno ambientado na cibercultura e com formas híbridas. Elaboradas sem preocupação com padrões de qualidade estética e fundamentadas em uma retórica intencionalmente tosca, essas produções são alimentadas recombinando elementos nonsense. Como afirma Blackmore (2000), memes são ideias e comportamentos que um indivíduo aprende com o outro através da imitação, sendo cada indivíduo então uma “máquina de memes”. E a internet é o terreno ideal para essa proliferação. Esse raciocínio é interessante para identificar a mudança da mídia social como um meio de criar epidemia memética: compartilhe uma ideia com seus contatos em uma rede social e eles poderão fazer o mesmo, passando o pensamento adiante inconscientemente, colocando a palavra dita ao risco de contaminação. Em uma comunidade, como afirma Campanelli (2010), a imitação é a raiz de sua identidade cultural. Quando um comportamento é aceito, passa a ser repetido por seus membros, por meio de uma propagação contagiosa. Esse processo de seleção memética, aninhada na mente dos indivíduos, influencia decisões e direciona condutas, tornando-se parte de seus costumes por meio de multiplicações de uma herança social. Se os primeiros memes na web raramente saíam dessa ambiência, hoje podemos observar sua reprodução na mídia de massa, apropriações por programas de humor e,

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mais frequentemente, por campanhas publicitárias. Isso porque os memes trabalham no plano subjetivo do inconsciente e das ideias, relacionado a elementos culturais. Compreendemos aqui o meme como o cotidiano reinventado pelo humor, muitas vezes nonsense - característica marcante dos memes em geral – impregnado em sua retórica e estética, com constante carga de humor-negro e elementos subjetivamente irônicos. O nonsense é caracterizado por utilizar a desconstrução do real como uma forma de contestação, não se opondo ao sentido, mas à ausência deste. Como afirma Deleuze (2007), esse não-senso é constituído de uma lógica própria, que opera através de elementos que não são, por si mesmos, “significantes”. Com a premissa de mostrar que a realidade sobre a qual está construída a nossa lógica não é tão perfeita quanto parece, a estética nonsense, antes carregada com um apelo de insatisfação, é absorvida pela cibercultura, perdendo muito do seu valor contestatório e passando a reforçar grandemente o seu valor de humor, criando situações inusitadas e bizarras. Os memes são caracterizados pela repetição de um modelo básico a partir da qual as pessoas podem produzir diferentes versões do original, sendo possível identificar o cerne da unidade replicadora nas diferentes variações de um mesmo meme. Um exemplo desse processo pode ser observado no meme Willy Wonka Irônico, inspirado em uma cena do personagem Willy Wonka, da versão de 1971 do filme A Fantástica Fábrica de Chocolate, em que o protagonista faz uma expressão irônica. A principal característica desse meme são os debates construídos por meio do sarcasmo, aproveitando a expressão do personagem para satirizar situações geralmente em torno de questões sociais, expostas em variadas versões.

Figuras 01 e 02 – Exemplos do meme Willy Wonka Irônico.

Fonte: .

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No site memecreator.com, o usuário pode buscar pelo template (modelo) da imagem – dentre vários outros memes, adicionando seu texto e criando sua própria versão do Willy Wonka Irônico, que atualmente conta com mais de 50 mil variantes só nesta página. Esse é um meme de composição estética simples, do tipo chamado image macro, imagens modelos às quais é adicionado um texto simples e curto que compõe o efeito humorístico. Basicamente, a fórmula desse meme é inserir no topo da imagem uma pergunta sarcástica, seguida abaixo de uma frase de teor irônico, iniciada em “conte-me mais sobre …”

Figura 03 – Criando uma versão do meme no site MemeCreator.

Fonte: .

É possível identificar como as versões de Willy Wonka Irônico dependem da ação criativa e consciente dos usuários, frente a um amplo leque de possibilidades oferecidas pelo replicador original. Além disso, alguns usuários se permitem variações não previstas, podendo adotar formas variadamente distintas do modelo original e eventualmente gerando novos memes. No entanto, os memes não são fenômenos culturais aleatórios: são coletivamente articulados com outras esferas da vida social. Nesse contexto, pode-se observar uma disputa pela atenção dos usuários, como afirma Blackmore (2000), posto que algumas versões e modelos de memes claramente tornam-se mais populares e duradouros. No

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entanto, essa competição é diretamente determinada pelos agentes no processo de produção e difusão do meme.

Interação nas redes e a busca do capital social

O Facebook é uma rede social bastante mutável e que disponibiliza recursos interativos, de modo que os usuários constroem seu perfil e têm a opção de compartilhar conteúdos de seu interesse, onde seus amigos adicionados podem dar curtidas e realizar comentários em tempo real. Suas ferramentas se tornaram populares devido à simplicidade do manuseio e a rapidez, como a publicação de imagens, vídeos, eventos, links, matérias e chat. Todos esses recursos contidos no Facebook funcionam como ferramentas interativas, e através da grande maioria deles a conversação também pode ser estabelecida. É evidente, no entanto, que muitos desses recursos não sustentam uma conversação contínua e restrita, mas, se a interação for alimentada, a conversação pode surgir e/ou migrar para outra ferramenta, como o chat oferecido pela rede. É relevante lembrar que a rede referenciada é um meio que aproxima os sujeitos, unindo-os, expandindo os limites da comunicação, e dessa forma rompendo os obstáculos de tempo e espaço, sendo capaz de estreitar os contatos físicos de tais pessoas. Assim, como afirma Ribeiro (2004), as transformações que esse tipo de conversação conduz não são vistas negativamente, pois as trocas de falas podem ser feitas de forma mais rápida, trazendo a tona novas modalidades de escrita e representação de sentimentos. O autor observa ainda que opostamente a conversação oral, onde a possibilidade de participar de várias conversas ao mesmo tempo não é possível, a conversação nas redes sociais sustenta essa capacidade. É comum nesse meio os interlocutores se expressarem informalmente, atribuindo elementos da linguagem falada, na tentativa de deixá-la mais coloquial e mais parecida com as conversas realizadas no cotidiano. O digital é fundamentalmente anônimo, graças a sua mediação, que torna o corpo físico um elemento não participante. Diferentemente da conversação presencial, o participante pode muito bem adquirir a imagem que deseja. As audiências são invisíveis

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a principio e o distanciamento físico entre os atores presentes no processo está diretamente relacionado à transferência do processo conversacional da co-presença. Como afirma Recuero (2012), as conversações cultivadas do ciberespaço por meio da linguagem escrita exigem a aplicação de uma nova linguagem. Quase sempre os integrantes do Facebook dialogam com distintas pessoas simultaneamente, necessitando assim de maior rapidez no envio e nas respostas das mensagens, e por causa dessa pressa, novas estratégias são usadas para sintetizar os conteúdos dispostos em cada entrada textual. Nas conversas virtuais, geralmente os indivíduos se comunicam através de textos. Todavia, as ferramentas encontradas no Facebook deixam abertura para edição e adição de elementos existentes na interação falada, diferentemente, por exemplo, do ato de escrever uma carta. Se tratando da comunicação escrita, podemos perceber que foi preciso acontecer uma adaptação, para adquirir maneiras de indicar os componentes indispensáveis para transferir as emoções do que foi escrito em gestos e expressões. Essa apropriação carrega outras características presentes na comunicação oral, como o uso se onomatopéias e a repetição de letras para simular a prosódia. É comum acharmos que o uso desses símbolos surgiu a partir da internet, mas eles já eram utilizados em cartas. No entanto, a mediação foi crucial para a popularização de tais referenciais e com o passar do tempo, essas apropriações se tornaram mais detalhadas, passando a representar dialetos específicos de grupos de usuários. Nas postagens públicas compartilhadas no Facebook, tanto o usuário que iniciou o diálogo, como outros participantes da rede podem acessar o que foi transmitido e compartilhado, podendo ainda intervir nos diálogos e adicionar comentários. Nessa rede social, os acontecimentos são efêmeros e mutantes, e seus processos tendem a ser modificados a cada ação dos participantes, como um clique relativo ao curtir, ou compartilhar. Nesse processo, o indivíduo constrói sua identidade a partir da relação com outras pessoas que julga admiráveis, a quem ele possa referenciar-se e espelhar-se. Como observa Hall (2011), esse sujeito moderno não é dotado de uma identidade fixa permanente, visto que esta é concebida e modificada continuamente em suas relações sociais. No ciberespaço, os interagentes não se conhecem de forma imediata, é necessário então que esse “comparecimento” seja representado corriqueiramente de

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alguma forma, para que a interação ocorra satisfatoriamente. Esse modo de demonstração do “eu” pode ser apresentada de diversas formas nesse ambiente, não dependendo dos portadores de tais referenciais estarem online naquele momento. Recuero (2012) esclarece que através dos elementos identitários de representação dos indivíduos virtuais, esses atores sociais constroem um novo espaço de fala, onde divulgam detalhes de seus contextos particulares e características de suas personalidades. Tais expressões pessoais espalhadas na internet servem de guia para o reconhecimento do espaço do outro, e consequentemente para a realização da comunicação entre esses atores. Ou seja, para ser encontrado dentro de uma rede social, o indivíduo necessita a priori se identificar. Recuero (2009, p.29) distingue esses ambientes como “espaços de expressão e de construção de impressões”. “Assim, perfis do Orkut, weblogs, fotologs, etc. são pistas de um „eu que poderá ser percebido pelos demais‟. São construções plurais de um sujeito, representando múltiplas facetas de sua identidade” (RECUERO, 2009, p.30). No ciberespaço, essas informações tornam-se ainda mais valiosas, pois nele as trocas simbólicas presentes na interação face a face quase não são perceptíveis. Devido ao distanciamento físico desses sujeitos, a assimilação da personalidade é possível graças ao conteúdo produzido, que no caso pode ser uma foto, gosto musical, as comunidades virtuais adicionadas ao perfil, dentre outros. A linguagem utilizada, bem como os contextos aplicados nesses ambientes são incorporados como elementos de construção de identidade, e é a partir dela que é feita a identificação dos sujeitos, fundamental para que a situação da conversação aconteça. Ribeiro (2004) defende a ideia de que as representações construídas são possíveis devido à capacidade de interação dos ambientes no ciberespaço. Isso quer dizer que sem a interação nada prosseguiria, é ela que sustenta todo o sistema e é por meio dela o reconhecimento do “eu” é feito, e os laços são mantidos. De fato, a demonstração do “eu” no ciberespaço ocorre de maneira diferente de quando se realiza uma apresentação presencial. A construção da identidade nos espaços virtuais pode ser moldada de acordo com visões de preferência e atração, em virtude, é claro, dos recursos dispostos na ferramenta utilizada na mediação. Thompson (1998) explica que o procedimento de construção do self se modificou com o desenvolvimento das sociedades modernas.

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O processo de formação do self se torna mais reflexivo e aberto, no sentido de que os indivíduos dependem cada vez mais dos próprios recursos para construir uma identidade coerente para si mesmos. Ao mesmo tempo, o processo de formação do self é cada vez mais alimentado por materiais simbólicos mediados, que se expandem num leque de opções disponíveis aos indivíduos [...] (THOMPSON, 1998, p.181).

A construção da identidade em ambientes virtuais, como em redes de relacionamentos, pode ser atualizada constantemente, por causa das próprias tendências do sistema, sempre oferecendo novas opções de preferências, que funcionam como expressão de personalidade. Os sujeitos abordam em seus perfis assuntos interessantes, e conteúdos que possam seduzir os outros membros, pois a busca por capital social através de amigos e popularidade é uma das principais metas dos adeptos da socialização nas redes. Dessa forma, como observa Hall (2011), quanto mais encantador o sujeito consiga ser, mais relações ele alcançará na rede, mesmo que na maioria das vezes, para que isso ocorra, seja preciso uma constante alteração na identidade desses indivíduos.

The Zuera Never Ends5: humor, interação e diálogos meméticos no Facebook

Recentemente, a rede social Facebook permitiu a inserção de imagens em comentários. A nova funcionalidade foi recebida com grande empolgação pelos usuários, que já passaram a dar um contexto memético aos seus comentários, adicionando uma série de imagens com a conhecida linguagem jocosa e divertida. Basta uma rápida checada na timeline para achar um comentário que recebeu uma foto. A nova mania está presente tanto em perfis pessoais, quanto em fanpages. Com a popularidade desse novo uso possível, há blogs que ensinam e disponibilizam fotos com frases engraçadas para postar nos comentários, dentre eles o YouPix. Em uma postagem com dezenas de comentários, a predominância imagética nos comentários com fotos em comparação com aqueles em que há só texto, realmente atrai o olhar. Isso potencializa o poder deste comentário, que ganha vários “curtir”, e também

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Expressão popularizada na rede, equivalente a “A zoeira nunca tem fim”. Geralmente aplicada a situações em que usuários descontextualizam alguma situação séria, transformando-a em algo engraçado. 9

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a vontade do “comentador com imagens” de emplacar outras interferências de sucesso como esta.

Figura 04 – Postagem de imagem nos comentários do Facebook.

Fonte: .

Além de trazer maior liberdade para as interações no site, essa novidade realça a presença da ironia e do humor que os usuários brasileiros têm demonstrado que adoram produzir e consumir na internet. Mas é preciso traçar uma poderação: será que muito em breve o excesso de imagens nos comentários criará uma poluição visual, contribuindo para sua “orkutização”? Neste momento da história da web – volátil e em constante transformação contrário ao que muita gente fala, o Facebook não passa por um processo de “Orkutização” – referindo-se à hoje decadente rede social Orkut - e sim de “9Gagzação”, advindo do termo 9Gag, nome de um site colaborativo de imagens engraçadas que ficou bastante popular, com a predominância de memes hospedados. Ainda que com grande foco no humor, os memes são capazes de resgatar assuntos que estão há muito tempo fora da pauta social, renovando o debate entre as

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pessoas e mostrando que a cultura pode estar presente em situações inusitadas. A página “Artes Depressão”, cuja amostra veremos a seguir, que publica no Facebook conteúdos de cunho intelectuais mesclados com o humor moderno próprio da internet, o entendimento só é possível para aqueles com o conhecimento artístico e capacidade cognitiva de interpretação mais aguçada.

Figuras 05 e 06 – Diálogos com imagens meméticas nos comentários do Facebook.

Fonte: .

Para compreender o potencial irônico da postagem acima e o respectivo diálogo tecido através das imagens meméticas nos comentários, é necessário que o usuário recorra a seu conhecimento de mundo e à sua capacidade de interpretação e de organização das ideias; ou seja, são fundamentais a intertextualidade e o interdiscurso.

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Primeiro, é necessário reconhecer o sujeito ilustrado na fotografia, o físico Albert Einstein. Secundariamente, é preciso saber que ele foi o responsável por estudos na área da relatividade. Depois, conhecer o trecho da popular música da banda Charlie Brown Junior, “Tamo ai na atividade”. Ainda, há que se construir a relação entre esses fatos para

então

entender

seu

humor,

assimilação

geralmente

feita

quase

que

instantaneamente pelos seguidores da página, acostumados com seu universo cultural referente, seu tom afinado de ironia e, por vezes, de humor negro. Agora que o Facebook conta também com o recurso de adição de imagens aos seus comentários e um público cada vez mais participativo, engajado e “zueiro” para disseminar suas ideias dentro de seu círculo de amigos ou mesmo para desconhecidos, é possível identificar um grande potencial interativo. Assim, nos comentários tecidos na amostra pelos dois usuários, podemos observar uma extensão com a linguagem hipertextual em diferentes sentidos da piada inicial. A primeira, brinca com o fato de Einstein fazer vários cálculos para chegar em conclusões definitivas sobre suas teorias, uma descontextualização da aplicabilidade séria de cálculos matemáticos. O segundo comentário, escrito, faz uma breve rima narrando fatos da história de Albert e adicionando uma personalidade mais “descolada” à sua séria figura. O terceiro comentário faz uma brincadeira com a dubiedade da palavra físico, designando uma profissão e uma condição corporal, tornando-se divertido pela forma física frágil de Einstein e seu despreocupado cruzar de pernas ao posar para a foto. Já o último comentário, traz em resposta ao diálogo anterior a imagem do ilustre psicanalista Freud, junto ao bordão da internet “puro recalque”, que torna engraçado também o contexto da sua postura na foto. Através dessa análise, além da identificação de uma unidade replicadora que compreende a agência humana, é preciso observar também as práticas culturais que ocorrem a partir da apropriação tática desses replicadores. Esses elementos são o que estimula a participação das interagentes, posto que o modelo básico é simples e a qualidade exigida para sua elaboração não é muito exigente, minimizando o papel da habilidade técnica individual para produzir uma variação, ao invés de apenas retransmitir.

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Para a pesquisa empírica com subculturas, especialmente com aquelas catalizadas a partir da web, como plataformas para consumidores de bens da cultura pop, absorvemos então a ideia de repertório interpretativo vinculado a uma comunidade, a memesfera. Observamos o fator de que a apropriação criativa pela edição e replicação de textos, imagens e vídeos na forma de mashups, remixagens e memes torna-se uma experiência estética importante para fazer referência ao imaginário compartilhado, aproximando seus criadores de uma dinâmica cibercultural participativa. Mais um aspecto que merece abordagem é a potência imagética que os memes carregam. Há sim bordões, apenas verbais como “Tenso!” ou “Fica, vai ter bolo!”, mas até eles se transformam em imagens e ficam mais engraçados quando tem algum desenho ou foto acompanhando. Os memes redefiniram nossa cultura de web, tornando-a muito mais imagética. Mas, por que o maior fórum do mundo – o 4chan - é de imagens; em 2011 o Instagram foi eleito o melhor aplicativo de 2011; em 2012, o Tumblr no Brasil apresentou um crescimento de 680%. A resposta pode ser a emergência dos memes na internet, posto que o consumo do humor é muito mais efetivo com imagem, um atributo de interpelação muito mais emocional do que racional, universal, fácil de ser compreendida, além de rápida de se consumir: o que vai de encontro ao espírito atual do usuário da rede, cada vez menos leitor. Imagem pode ser tão eficiente quanto um vídeo, mas é muito mais fácil de se editar.

Considerações

Entretenimento compartilhado pelos sujeitos na rede, com fruições estéticas e produções de sentido que lhe são próprias, os memes da web carregam uma potência muito mais visual do que verbal, redefinindo nossa cultura digital e tornando-a muito mais imagética, uma vez que o consumo do humor é muito mais efetivo com imagem. Esse é um atributo de interpelação muito mais emocional que racional, fácil de ser compreendida e de rápida de se consumir: o que vai de encontro ao espírito atual do usuário da rede, cada vez menos leitor. A nova funcionalidade no Facebook, que agora permite a adição de imagens aos comentários postados, trouxe maior liberdade para a interação dos usuários no site, mas

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também traz a tona observações negativas, como a maior possibilidade de poluição visual no site. Além de seu caráter mais irônico, uma vez que um usuário queira postar algum conteúdo mais sério e abrir uma questão para debate, afinal, um comentário em forma de meme não necessariamente expressa uma opinião original e ponderada do comentarista. Esse processo de síntese memética, ressignificação da imagem e sua subversão de contexto sob a ótica da cultura participativa, podem ser considerados como formas de produção de capital simbólico em busca de reputação e popularidade dos atores sociais na rede. Na base dessa relação de proximidade e representação social na cibercultura, implícitas na ordem da estética emitida pelos assuntos frequentemente satirizados nos memes, estão o amadorismo e o deslocamento da preocupação quanto à perfeição estética para suas capacidades de simbiose e conexão a temas do cotidiano. Podemos, então, considerar esse um fenômeno não apenas midiático, mas social, visto que alteram-se as formas de linguagem e de pensamento com base na retórica do entretenimento irônico, amplamente utilizado em nosso cotidiano. Dessa forma, podemos observar esses memes como o cotidiano reinventado através do humor jocoso, como forma de expressão cultural e de socialização dos indivíduos midiatizados.

Referências

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