Tinta-da-china - Ensaios sobre Pessoa (A Mais Incerta das Certezas)

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COLEÇÃO ENSAIOS SOBRE PESSOA DIRIGIDA POR JERÓNIMO PIZARRO

Entre 1930 e 1935, Fernando Pessoa e Pierre Hourcade, então um jovem crítico e tradutor francês, conviveram e mantiveram uma profunda relação de amizade. Hourcade foi o primeiro tradutor francês de Pessoa, mas também o primeiro estrangeiro a proclamar por escrito, logo na década de 1930, a importância e a dimensão universal da obra pessoana. A Mais Incerta das Certezas, pela primeira vez traduzido e editado pelo especialista Fernando Carmino Marques, é um contributo imprescindível para o conhecimento da poesia de Fernando Pessoa e dos seus heterónimos.

ISBN 978-989-671-307-2

LISBOA tinta­‑ da­‑ china mmxvi

ín dice

© 2016, Fernando Carmino Marques e Edições Tinta­‑da­‑china Edições Tinta­‑da­‑china Rua Francisco Ferrer, n.º 6­‑A 1500­‑461 Lisboa Tels.: 21 726 90 28/29 E­‑mail: [email protected] www.tintadachina.pt Título: A Mais Incerta das Certezas: itinerário poético de Fernando Pessoa Autor: Pierre Hourcade Edição e tradução: Fernando Carmino Marques Coordenador da colecção: Jerónimo Pizarro Revisão: Tinta­‑da­‑china Composição: Tinta­‑da­‑china (Pedro Serpa) Capa: Tinta­‑da­‑china (Vera Tavares) 1.ª edição: Abril de 2016 isbn 978­‑989­‑671­‑307‑2 depósito legal n.º 406 739/16

Pierre Hourcade e o itinerário poético de Fernando Pessoa, Fernando Carmino Marques a mais incerta das certezas: itinerário poético de fernando pessoa Primeiro projeto de prefácio, Pierre Hourcade Capítulo I – A obra poética de Fernando Pessoa antes de 1914 Capítulo II – Alberto Caeiro, o misterioso mestre Capítulo III – Descoberta de Ricardo Reis Capítulo IV – Revelação de Álvaro de Campos Capítulo V – Pessoa ipse entre 1914-1927 Capítulo VI – Pessoa ipse de 1928 a 1935 Capítulo VII – Mensagem Outros documentos Notas Bibliografia Notas biográficas

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pi err e h ou r cade e o itine rário po é tico de f.p.

Pode dizer-se que a história deste estudo sobre a poesia de Fernando Pessoa começa num dia de fevereiro de 1930, quando Pierre Hourcade se encontra pela primeira vez com o poeta no café Martinho da Arcada, em Lisboa. A empatia é imediata, recíproca, não tardando a transformar-se em amizade. Impressionado pela originalidade da obra, o então estudante de 22 anos descreve este encontro com Fernando Pessoa num primeiro artigo que em junho desse mesmo ano publica na revista parisiense Contacts1. Aí, e pela primeira vez, Pessoa é apresentado ao público francês como um poeta que pelas suas fantasias criadoras «deixa muito para trás os nossos pálidos e secos teóricos de vanguarda». Nos anos seguintes, com o objetivo de revelar Pessoa à elite literária francesa e ao público em geral, Hourcade traduz, apresenta e comenta em diversos e sucessivos artigos a importância da poesia deste escritor, que considera o mais europeu dos poetas portugueses do seu tempo, digno de figurar entre os maiores no panorama internacional, um poeta cuja originalidade não resulta de qualquer concessão literária ou espiritual, mas sim da sua própria grandeza. Pessoa segue de perto as traduções e aprecia a interpretação lúcida que Pierre Hourcade faz da sua poesia2, a tal ponto que, na carta de candidatura que envia à Comissão Administrativa do Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães em Cascais, cita como referência os artigos que sobre a sua poesia

tugal o resultado das suas descobertas, do seu entusiasmo e da sua deferência para com uma obra que considerava «tão humana sob a sua aparente desumanidade»8. Foi através das suas traduções que alguns dos estudiosos mais importantes de além-fronteiras se iniciaram no labirinto da obra pessoana. Antonio Tabucchi, por exemplo, revela que, ainda estudante, foi a leitura da magnífica tradução de «A Tabacaria» feita por Pierre Hourcade que despertou nele o interesse pelo poeta e a vontade de aprender a sua língua9. No entanto, para Hourcade faltava ainda realizar um velho projeto: um estudo sobre o itinerário poético de Fernando Pessoa, baseado na obra de, e não no caso, Pessoa; não para acrescentar mais um comentário subtil a todos aqueles que submergem a obra de Pessoa, «mas para reconstituir de maneira sóbria o percurso espiritual, poético, pessoal e íntimo, solitário e doloroso que foi o seu»10. Um sonho que ia enfim poder concretizar, conseguindo assim «terminar o círculo onde tinha começado»11. Um estudo sobre a poesia de Fernando Pessoa, dedicado à memória de Carlos Queiroz, que num dia de fevereiro de 1930 o apresentara ao poeta, que Hourcade tinha em mente intitular, não sem alguma hesitação, «Itinerário Poético de Fernando Pessoa». Em epígrafe deveria figurar um verso de «Seguro assente na coluna firme», de Ricardo Reis: «A obra imortal excede o autor da obra.»12 Esta epígrafe revela-se premonitória, na medida em que, pouco depois, Pierre Hourcade morre deixando inédito e quase concluído este «Itinerário Poético de Fernando Pessoa», em que segue ano a ano, mês a mês, dia a dia, quase, o percurso cronológico da construção e evolução de uma obra poética que, para o crítico, deve ser lida «tal como está escrita e não pelo que se supõe que dá a entender». Hourcade considerava que esta era a grande obra da sua vida e

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escreveram João Gaspar Simões, por um lado, e Pierre Hourcade, por outro3. Os dois trocam livros, ideias, informações e parecem en­ten­ der-se sobre a pequenez do meio onde se encontram: o que Hourcade escreve ainda em 1931 na revista Cahiers du Sud, dizendo que Portugal é uma terra propícia ao suicídio dos poetas, que aqui põem fim à vida não pelas ideias mas pela ausência delas, não terá decerto desagradado a Pessoa. Aliás, o poeta diz-se lisonjeado pelos artigos que Hourcade escreve sobre a sua poesia4 e confessa até, quando a ocasião se proporciona, que gostaria de o ver contratado pela Faculdade de Letras de Lisboa5 ­– desejo que veio a concretizar-se entre outubro de 1933 e dezembro de 1934, período em que Hourcade foi leitor de francês nessa mesma faculdade. Os encontros entre eles tornam-se então mais frequentes. No ano seguinte, no entanto, Hourcade parte para São Paulo, onde permanece durante três anos. Na última carta que lhe escreve, marcando encontro para o dia seguinte, Pessoa, embora diga estar contente «pela formidável notícia», lamenta antecipadamente o vazio que a ausência do amigo francês deixará nele e em todos os que o conheceram6. É, pois, no Brasil que Pierre Hourcade se encontra em 30 de novembro de 1935. Pouco depois, em janeiro de 1936, quando Carlos Queiroz lhe anuncia a morte de Pessoa, Hourcade, dominado pela emoção, relembra os encontros com o poeta, e como nesses momentos o sentia a viver intensamente, como se quisesse recuperar as horas e horas de inexistência que precediam esses encontros, prometendo que «jamais, jamais o esquecerá»7. Prometeu e cumpriu. Durante cerca de meio século, Pierre Hourcade tentou ir sempre mais longe na compreensão e na divulgação da obra de Fernando Pessoa, publicando em França, no México e em Por-

c a pí t u l o i a obr a p oé t ic a de f er n a n do pessoa a n t e s de 1914

FI G. 5 – P R I M EI RO C A P Í TULO

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a o b ra p oé tica de fe rnan do pe s soa a nte s de 1914

O título comum que deliberadamente coloco no início deste primeiro capítulo parece definir de forma bem clara o ponto de partida em que me situo para, numa tentativa de reconstituição, percorrer o itinerário poético de Fernando Pessoa. Dispenso-me de reconstituir a biografia do poeta durante os seus primeiros anos, por considerar que nada há a acrescentar1 à monumental organização dos dados conhecidos que João Gaspar Simões levou a cabo na sua Vida e Obra de Fernando Pessoa2, mais tarde revista e completada por vários autores, e em particular Eduardo Freitas da Costa3. Sobre as origens familiares do poeta, a hereditariedade, os primeiros anos em Lisboa, o segundo casamento de sua mãe, as relações com esta, a permanência e os estudos do poeta em Durban, entre 1896 e 1906, a vida que a partir desta última data levou em Lisboa até à famosa «nuit de feu» de 8 de março de 1914, as relações com o meio literário da época, suas amizades e leituras, tudo, penso eu, foi dito e redito. O mesmo não se pode dizer (é a minha impressão) relativamente à análise dos textos em si e per si. Há quem esqueça frequentemente esta verdade do senhor de La Palisse: para a posteridade, um poeta é essencialmente, e acima de tudo, a obra que nos legou. O drama, não tardo em relembrá-lo, é que, para o período em questão, grande parte, se não a quase totalidade, desta obra permanece ou desconhecida ou de difícil acesso. Daí se encontrarem

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fosse do conhecimento dos já iniciados, o seu aparecimento não deixou de ser inesperado, sobretudo para estes, imprevisível e até paradoxal, julgo eu. Seja como for, são vinte as odes de Ricardo Reis publicadas pela Athena; numeradas de um a vinte trazem a indicação de pertencerem a um «Livro Primeiro» das obras deste autor a publicar. A primeira constatação para um leitor atual é de que a ordem em que estes poemas estão organizados não respeita minimamente a ordem cronológica da sua criação. A  ode I, «Seguro assento na coluna firme», é de 29 de janeiro de 1921; a ode II, «As rosas amo dos jardins de Adónis», de 11 de julho de 1914; a ode III, «O mar jaz; gemem em segredo os ventos», de 6 de outubro de 1914; a ode IV, «Não consentem os deuses mais que à vida», de 17 de julho de 1914; a ode V, «Como se cada beijo», de 17 de novembro de 1923, etc. Acontece que as edições póstumas seguem a ordem cronológica da criação dos poemas, em conformidade, ao que parece, com a expressa intenção do poeta, que os terá agrupado dessa maneira no maço dos manuscritos por ele atribuídos a Ricardo Reis. Dir-se-ia pois que Pessoa terá pensado primeiro, no que à revelação de Ricardo Reis se refere, numa ordem que lhe parecia lógica, pelo significado que dela se deveria depreender e que mais tarde abandonou. O que torna verosímil esta hipótese é o lugar reservado na série da Athena a «Seguro assento na coluna firme», que inicia o conjunto, constituindo assim uma afirmação de princípio, uma definição dada pelo próprio poeta sobre o significado que atribui à sua obra e sobre a relação entre a arte e a vida; este texto, no entanto, perde a sua preponderância nas edições definitivas, pois, em função da sua data, aparece perdido na trigésima sexta posição da coletânea. Não necessitando já de submeter o conjunto dos poemas a uma ideia conducente a um fim, o poeta pretende

F I G. 8 – T E ST E M U N H O DAT ILOGRAFAD O D E «S EGURO AS S ENTO…» (B NP/E3, 52 -9 R )

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Mon cher Hourcade J’ai été ravi de la magnifique nouvelle que vous m’avez donnée à votre sujet. Il n’y a là qu’un point noir, pour moi et, j’en suis sûr, pour tous qui vous ont connu ici: c’est votre absence. Je serais au café Arcada, vers six heures et demie du soir, demain, le 28. Je vous apporterai mon livre «Mensagem». Je ne sais pas si l’heure ou le lieu sont bien pour vous. Un coup de téléphone, à cette heure-là, à ce café, suffira pour remettre notre rencontre à une autre heure ou à un autre endroit. Bien à vous, Fernando Pessoa 27/XII/1934. [tradução]

Meu querido Hourcade, Fiquei deveras agradado com a excelente notícia que a seu respeito me deu. Há, no entanto, um senão, para mim, e estou certo disso, para os que aqui o conheceram: a sua ausência. Amanhã, dia 28, por volta das seis e meia da tarde estarei no café Arcada. Trago-lhe o meu livro Mensagem. Não sei se o local e a hora lhe convêm. Um telefonema a essa hora, para esse café, é quanto basta para adiar este encontro para outra hora e outro local. Muito seu, Fernando Pessoa 27 / 12/ 1934. F I G. 2 0 – CARTA D E F ERNAND O P ES SOA (27-12 -1934 )

F IG. 21 – COIMBRA, 193 2 . DA ESQ UER DA PA R A A D I R EI TA : JOÃO G A SPA R SI M Õ E S, A DO L F O C ASAIS MON TEI RO, P I ER R E H O URC A D E, H EN R I Q UE LO B O V I L E L A , F I G. 2 3 – PO RTO, C . 1933. P IERRE HOURCAD E E CASAIS M ONT EIRO

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o u tros docume nto s

FRAN CISCO FR A N Ç A A M A D O, J OÃO D E BR I TO C A M A R A E ???

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FIG. 22 – SEM DATA. A LM O ÇO LI TER Á R I O EM C I RC UN S TÂ N C I A S N ÃO I DE N T I F I CA DA S. EN CON TRAM-S E, EN TR E O UTROS, M A X- P O L FO UC H ET, BR A N Q U I N H O DA F O N SECA , JOÃO GASPAR S I M Õ ES, A D O LFO C A SA I S M O N TEI RO, VI TO R I N O N E M É SI O.

F IG. 24 – RIO D E JANEIRO, 1936.

PIER R E H O URC A D E A PA R EC E LEVA N TA N D O A M ÃO.

J O RG E A M A D O, P IERRE HOURCAD E E J OS É LINS D O REGO

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