Tolkien e a Teodiceia de O Silmarillion: uma proposta de J. R. R. Tolkien como teólogo.

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Maurício Avoletta Junior

Tolkien e a Teodiceia de O Silmarillion: uma proposta de J. R. R. Tolkien como teólogo.

São Paulo 2016

Maurício Avoletta Junior

Tolkien e a Teodiceia de O Silmarillion: uma proposta de J. R. R. Tolkien como teólogo.

Trabalho apresentado à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requerimento para a obtenção do título de Bacharel em Teologia.

Orientador: Prof. Me. Jonathan Luís Hack

São Paulo 2016

Aos meus pais por sempre ajudarem com meus estudos e ao meu orientador, Jonathan Hack pela ajuda e pela paciência

Agradecimentos

A professora Karina Quintas, pois foi referência de professora e uma referência para os meus estudos desde a minha infância e continua sendo até hoje. Aos meus queridos Naelson e Viviane Souza, por serem sempre um referencial para mim. Aos meus amigos Gabriel Anhaia e Gabriela Sgarbi pela paciência e pelo apoio nas dificuldades durante o processo deste trabalho. Sem eles, este trabalho não seria possível. Aos meus pais, que me deram apoio e suporte durante as pesquisas e pela compreensão quando ficava ausente devido às pesquisas. Aos Professores Willson do Amaral, Clóvis Falcão e Lindberg Morais, por me ensinarem a humildade com exemplos vivos. Ao professor Cristiano Lopes pelas conversas, incentivos e pelo exemplo de professor. Ao meu orientador Jonathan Hack, por toda ajuda com este trabalho, pela orientação e pelo exemplo de professor. A J. R. R. Tolkien, C. S. Lewis e G. K. Chesterton, pois ajudaram a fortalecer minha fé em Cristo e foram auxílio e companhia em muitas dificuldades. A Deus, por criar e sustentar a todos aqui, citados e não citados, e pela sua infinita misericórdia.

Soli Deo Gloria.

Contos de fadas são mais que verdade; não porque nos dizem que dragões existem, mas porque eles nos dizem que dragões podem ser derrotados (G. K. Chesterton).

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 1 1

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O PROBLEMA DO MAL E OS CONTOS DE FADAS .......................................................................... 3 1.1

Sobre o problema do mal .................................................................................................... 3

1.2

Sobre contos de fadas ........................................................................................................11

ANÁLISE DE O SILMARILLION .....................................................................................................17 2.1

Sobre Eru Ilúvatar, Javé e os atributos divinos ....................................................................17

2.2

Sobre a criação dos homens ..............................................................................................23

A TEODICEIA DE O SILMARILLION ..............................................................................................27

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................................36 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................................................40

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INTRODUÇÃO Nesta pesquisa, procuraremos identificar na obra do escritor inglês John Ronald Reuel Tolkien, O Silmarillion, uma teodiceia agostiniana, com o fim de identificar essa teodiceia no pensamento do próprio autor. Buscamos, assim, se possível, incentivar a leitura do mesmo enquanto teólogo, e não somente como um literato, um crítico literário e filólogo. Antes de qualquer coisa, é necessário deixar claro que a intenção desta pesquisa não é apologética, nem a de esgotar o assunto, mas somente tentar explicitar, se possível, a visão de J. R. R. Tolkien a respeito do mal e incentivar na medida do possível as pesquisas sobre a obra de Tolkien. Por teodiceia agostiniana, entende-se a ideia concebida por Agostinho de Hipona quanto à natureza do mal e a como responder a essa problemática. Nesta pesquisa, se utilizará como base para o pensamento de Agostinho os livros O Livre-Arbítrio e Confissões. A partir de Agostinho, criou-se a escola chamada agostiniana, que levou mais pessoas a pensarem a respeito da problemática do mal a partir dos pressupostos agostinianos. Dentre estes pensadores, podemos citar Dorothy L. Sayers, Timothy Keller e os reformadores Martinho Lutero e João Calvino. Para essa pesquisa, utilizaremos como referencial teórico o pensamento de Tomás de Aquino, Agostinho de Hipona, Clive Staples Lewis e Gilbert Keith Chesterton. Estes autores foram selecionados por serem todos eles, direta ou indiretamente, influências para o pensamento de Tolkien. Tomás de Aquino e Agostinho são pensadores importantes para a teologia cristã e especificamente para a teologia católica; contudo, através de leituras pessoais e da consulta à pesquisa de Diego Genu Klautau, Carlos Caldas e Alex Catharino e outros, podemos perceber a grande influência de Agostinho na obra tolkieniana, principalmente na trilogia O Senhor dos Anéis. Investigaremos também o pensamento de C. S. Lewis, pelo fato de ele ter sido amigo próximo de Tolkien e por ter participado do grupo de discussões The Inklings, no qual os dois, junto com Owen Barfield, Charlles Willians, Christopher Tolkien e, por vezes, a própria Dorothy L. Sayers, compartilhavam ideias a respeito de teologia, filosofia e literatura. Por fim, analisaremos o pensamento de G. K. Chesterton, famoso escritor do século XIX, que exerceu influência tanto sobre Lewis como sobre Tolkien; por sua vez, Chesterton era também um grande admirador de Agostinho, mas sofreu mais influência de Tomás de Aquino. A obra de Chesterton vai desde a literatura romanceada até ensaios de crítica literária, crítica cultural e filosofia, abordando desde o conservadorismo político e cultural até a teolo-

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gia. Após um panorama do problema do mal, faremos uma breve revisão da teoria literária de Tolkien e de Lewis, quanto aos contos de fadas e aos mitos. A base serão as cartas de Tolkien e seu livro Árvore e Folha, como também os livros Um Experimento na Crítica Literária, Alegoria do Amor e Teologia é Poesia? de C. S. Lewis. Por sua vez, os autores citados refletem a ideia do contemporâneo deles, Joseph Campbell, com sua teoria dos mitos, ou, como veremos mais à frente, o monomito. As ideias de Lewis, Tolkien e Campbell influenciaram autores como o filósofo e crítico literário Russel Kirk, que também será importante para o entendimento desta parte da pesquisa. Esse panorama será importante mais à frente, pois será o ponto de partida para a análise de O Silmarillion aqui proposta. Após a visão geral das principais ideias que fundamentam essa pesquisa, iniciaremos uma análise dos primeiros capítulos de O Silmarillion: o Ainulindalë e o Valaquenta, nos quais vemos a narrativa de Tolkien a respeito da cosmogonia da Terra-média. Nessa narrativa, observaremos os atributos de Eru Ilúvatar e aspectos da criação da Terra-média e dos homens que dialogam com a tradição cristã, como a questão do livre-arbítrio, da mortalidade e da corrupção, para assim, chegarmos à terceira e última parte dessa pesquisa. Nessa última parte, analisaremos a estrutura da criação tolkieniana quanto à criação do mal. Tentaremos, se possível, encontrar uma teodiceia agostiniana na obra e no pensamento de Tolkien. Se for possível estabelecer esse contato, apresentaremos uma leitura da sua obra, tanto da parte literária quanto da acadêmica, como obra teológica extremamente útil para fins pedagógicos. Ou seja, como obra extremamente útil, assim como toda a literatura fantástica, para ilustrar com mais facilidade aspectos reais da teologia e da filosofia. No entanto, se encontrarmos aspectos dessa teodiceia que divirjam significativamente do pensamento de Agostinho, buscaremos descobrir, à luz de suas cartas e de alguns de seus escritos acadêmicos, se estes aspectos fazem parte da teologia pessoal de Tolkien ou se são apenas parte de sua sub-criação1. Assim, poderemos dizer se existe ou não uma teologia tolkieniana, embora sua inexistência não vá anular de forma alguma a proposta de uma leitura teológica da obra de J. R. R. Tolkien.

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Sub-criação, é um termo elaborado pelo próprio Tolkien, tendo sua primeira aparição no livro Árvore e Folha, lançado em 1947. A ideia remete ao conceito de Imagem e Semelhança, que será discutida mais a frente nesta pesquisa. Tolkien entende que por ser Imagem e Semelhança de Deus, o homem não é criador, mas sub-criador, pois é apenas semelhante ao seu Criador e não igual.

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O PROBLEMA DO MAL E OS CONTOS DE FADAS

1.1 Sobre o problema do mal Neste primeiro capítulo, analisaremos de forma panorâmica o problema do mal do ponto de vista agostiniano, e usaremos como base os pensamentos de C. S. Lewis, Tomás de Aquino, G. K. Chesterton e o próprio Agostinho. O problema do mal é um problema teológico e filosófico geralmente atrelado à pergunta: “Se Deus é realmente bom, porque existe tanto mal e sofrimento no mundo?”. Um dos principais pontos de partida para esse problema é o pressuposto de que o deus em questão seja verdadeiramente bom ou verdadeiramente todo-poderoso, pois caso um desses pontos não seja verdadeiro, então o leitor irá se deparar com outras questões. Diz o filósofo Alvin Plantinga: Muitos filósofos creem que a existência de mal constitui uma dificuldade para o teísta, e muitos creem que a existência de mal (ou, pelo menos, a quantidade e tipos de mal que atualmente encontramos) torna a crença em Deus irrazoável ou racionalmente inaceitável. (PLANTINGA, 2012, p. 19)

A linha de raciocínio básica do problema do mal diz que, se Deus quer impedir ou acabar com o mal, mas não o faz por não poder, então ele não é todo-poderoso. Se Deus pode impedir ou acabar com o mal, mas não o faz porque não quer, então ele não é totalmente bom. Se Deus quer e pode acabar com o mal, mas não o faz, se ele realmente existir, por que seguilo? Dessa forma, alguns entendem que as três afirmações não podem ser verdadeiras simultaneamente; portanto, ou Deus não é bom, ou não é todo-poderoso, ou não existe. Essa posição é chamada por Plantinga de ateologia natural, que se define como: “a tentativa de provar que Deus não existe ou que, de alguma forma, é irrazoável ou irracional acreditar que ele existe" (2012, p. 19). Por fim, David Hume elabora o problema da seguinte forma: “Quer ele impedir o mal, mas é incapaz de fazê-lo? Então é impotente. É capaz, mas não o quer? Então, é malévolo. Quer e é capaz? De onde vem então o mal?” (2012, p. 22). A elaboração e a sistematização de uma resposta para essa pergunta recebe o nome de teodiceia. Alguns pensadores se propuseram a tentar responder estas perguntas, como Moltmann, Ricoeur, Lewis, Tomás de Aquino, Agostinho, entre outros. Embora estes discordem em alguns aspectos em suas respectivas teodiceias, eles tendem a concordar em diversos pontos. Um desses pontos se propõe a entender o que é o mal, ou seja: o mal é algo, no senti-

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do de ter uma existência física? Tomás de Aquino, o Doutor Angélico da Igreja Católica e um dos principais filósofos da Escolástica, pensava, assim como Agostinho antes dele, que o mal não tem uma existência própria ou uma existência física. Ele afirma, no livro Sobre o Mal: 1. Temos o que diz Agostinho no livro XI d'A Cidade de Deus, a saber, que o mal não é uma natureza, mas toma este nome de um defeito do bem. 2. Além do mais, diz-se em João, 1, 3: “Todas as coisas foram feitas por ele”. O mal, contudo, não foi feito pelo Verbo, como diz Agostinho. Logo, o mal não é algo. 3. Além do mais, também ali se diz, mais abaixo: “‘Sem ele nada foi feito’, isto é, o pecado, uma vez que o pecado não é nada, e que nada se faz quando os homens pecam”, como se diz na glosa de Agostinho a esta mesma citação; e, pela mesma razão, qualquer outro mal não é nada. Logo, o mal não é algo. (AQUINO, 2005, p. 9-11)

Tomás de Aquino, assim como muitos outros pensadores, tinha uma visão agostiniana quanto à natureza do mal. Ou seja, estes entendiam que o mal não existia fisicamente de nenhuma forma, mas era tão somente a intenção corrupta; o mal estava na intenção de um ato, mas não no ato em si. Agostinho, ao tentar descobrir o que é o mal, concebe a ideia de que ele não é uma substância existente em si, mas a perversão da vontade (2013, p. 195). Em seu livro Cristianismo Puro e Simples, Lewis, um agostiniano explícito, elabora a ideia do mal como perversão da vontade: Na realidade, porém, não encontramos ninguém que aprecie o Mal só porque é o mal. O mais próximo disso seria a crueldade. Mas, na vida real, as pessoas são cruéis por um de dois motivos: por sadismo, ou seja, por causa de uma perversão sexual que faz da dor um objeto de prazer sensual, ou pela busca de algum benefício externo – dinheiro, poder, segurança. O prazer, o dinheiro, o poder e a segurança, considerados em si mesmos, são coisas boas. A maldade consiste em tentar obtê-los pelos métodos errados, ou de forma errada, ou em excesso. Não quero dizer, de modo algum, que não sejam terrivelmente perversas as pessoas que agem assim. Digo apenas que a perversidade, quando a examinamos de perto, revela-se como um jeito errado de buscar o Bem. […] A bondade, por assim dizer, é ela mesma, ao passo que a maldade é apenas o Bem pervertido. E, para que haja perversão, é preciso que antes haja uma perfeição. (LEWIS, 2014, p. 58-59)

Indo na mesma linha, o professor Calos A. Nogué afirma, na introdução do livro Sobre o Mal, de Aquino: O mal é no sujeito, mas não existe como sujeito. Daí que o mal dependa da existência de um sujeito para manifestar-se como privação de algum bem, e,

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assim, toda personificação ou substantivação do mal carecerá de sentido. Podemos também acorrer à formulação segundo a qual o mal é privação e ausência de ser, de bem, de perfeição e de virtude na natureza de um sujeito. (AQUINO, 2005, p. x-xi)

Para que fique claro que o mal não é criação de Deus, justamente por não ter uma existência, Agostinho argumenta que tudo aquilo que existe é bom, pois foi Deus quem criou todas as coisas, e sendo Deus totalmente bom, não é capaz de criar algo mal. Sendo assim, o mal não pode ser uma substância, pois não foi criado por Deus, pois como o mesmo diz “se o fosse, seria um bem” (2013, p. 192). Agostinho, por fim, caracteriza a perversão da vontade como corrupção: Vi claramente que as coisas corruptíveis são boas. Não se poderiam corromper se fossem sumamente boas, ou se não fossem boas. Se fossem absolutamente boas, não seriam corruptíveis. E se não fossem boas nada haveria a corromper. A corrupção de fato é um mal, porém, não seria nociva se não diminuísse um bem real. Portanto, ou a corrupção não é um mal, o que é impossível, ou – e isto é certo – tudo que se corrompe sofre diminuição de bem. (AGOSTINHO, 2013, p. 191-192)

Lewis chega a afirmar, em seu livro Cristianismo Puro e Simples (2014, p. 60), que o mal nada mais é do que um parasita, ou seja, que este se aloja naquele que é corrompido, dialogando assim com a doutrina cristã da Queda. O mal, portanto, seria a corrupção. Por ser o homem, segundo a tradição cristã, criado apenas à imagem e semelhança de Deus, e não idêntico a Deus, este é apenas parcialmente bom. Como diz Agostinho: “Ele [Deus] é certamente o sumo bem, e as criaturas são bens menores.” (2013, p. 179). Mais à frente, afirma: “a alma do homem, embora dê testemunho da luz, não é a própria luz.” (2013, p. 187). Por não ser totalmente bom, ele tem então a possibilidade de deixar de ser bom, pois há nele algo que pode ser corrompido. Lewis explica que “estamos num mundo bom que se perdeu, mas que ainda assim conserva a memória de como deveria ser.” (2014, p. 56). No entanto, após a queda narrada em Gênesis 3, o homem se encontra em um estado caído ou desgraçado, no sentido teológico de estar desprovido da graça. Sendo assim, todo homem a partir de Adão e Eva encontra-se na posição de um ser corrompido; portanto, todo homem pós-queda é incapaz de fazer o bem por vontade própria pois, ainda que tente fazer o bem e tenha boa intenção para isso, o bem só pode vir de forma plena de Deus. Agostinho assevera em suas Confissões: “contra a vontade, ninguém procede bem, ainda que a ação em si mesma seja boa. (…) somente de ti vinha o bem, meu Deus” (2013, p. 35). Chesterton, em sua crônica O Segredo de Padre Brown, ilustra a questão da corrup-

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ção humana de forma bastante interessante. Ao ser questionado como conseguia desvendar com tamanha facilidade os crimes que lhe eram apresentados, a personagem de Chesterton, Padre Brown, argumenta que a razão de conseguir desvendar tão facilmente esses crimes era por ser ele mesmo um criminoso. Não que ele tivesse cometido tais crimes, mas ele tinha tanta tendência aos sentimentos que geraram os crimes quanto o criminoso: Não quero dizer apenas uma figura de linguagem. É isso o que acontece quando se tenta falar sobre coisas profundas... De que servem as palavras...? Se você tenta falar de uma verdade que é apenas moral, as pessoas sempre pensam que é meramente metafórico. Um homem real com duas pernas, uma vez me disse: “Eu acredito no Espírito Santo apenas num sentido espiritual.” Naturalmente, eu respondi: “Em que outro sentido você poderia acreditar nele?”. E então ele pensou que eu queria dizer que não precisava acreditar em mais nada exceto em evolução, ou amizade ética, ou algum absurdo... Quero dizer que, de fato, eu me vi, o meu eu real, cometendo os assassinatos. Não é que tenha matado os homens por meios materiais; mas não é esse o ponto. Qualquer tijolo ou maquinaria poderia tê-los matado por meios materiais. Quero dizer que pensei e pensei sobre como um homem poderia vir a ser daquele modo, até descobrir que eu era realmente similar a isso em tudo, exceto no consentimento atual e final para a ação. Isso foi certa vez sugerido a mim por um amigo, como espécie de exercício religioso. Creio que ele o adquiriu do Papa Leão XIII, que foi sempre como um herói para mim. (...) Coloquei de um modo impróprio, mas é verdade. Nenhum homem é, de fato, bom, enquanto não souber quão mau ele é, ou poderia ser; enquanto não tiver se dado conta exatamente de quanto direito tem para todo o seu esnobismo, seu escárnio ao falar “criminosos”, como se fossem macacos numa floresta, a dez mil milhas de distância; enquanto não se livrar de toda autoilusão suja de falar sobre tipos baixos e crânios deficientes; enquanto não espremer para fora sua última gota de óleo dos fariseus; enquanto sua única esperança não for, de um modo ou outro, a de ter capturado um criminoso, e mantê-lo são e salvo sob seu próprio chapéu. (CHESTERTON, 1997, p. 18-20)

Dessa forma, Chesterton, semelhantemente ao que já afirmara em seu livro Ortodoxia,2 se encontra abraçado por toda a cristandade ao afirmar que o homem é por natureza um ser corruptível, corrupto e corrompido, evocando aqui a teologia paulina, na qual o apóstolo Paulo diz à igreja em Roma: “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3.23). Sendo assim, entende-se que qualquer ser humano no lugar de Adão e Eva cometeria o mesmo erro, por compartilhar da mesma natureza e dos mesmos desejos e impulsos.

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Na introdução do livro Ortodoxia, Chesterton assevera: “Quando imaginei que estava sozinho, encontrei-me de fato na ridícula posição de receber o apoio de toda a cristandade. Deus me perdoe, mas talvez eu tenha tentado ser original” (2008, p. 22). Complementando esta ideia e seguindo na mesma linha do conservadorismo inglês, Russel Kirk, em seu livro A Era de T. S. Eliot, afirma: “Nós, modernos, somos anões sobre ombros de gigantes, Bernardo de Chartres já havia dito no Século XII: ‘Se vemos mais e mais adiante deles, não é por causa de nossos olhos límpidos e de nossos altos corpos, mas é porque somos mantidos no alto pela gigantesca estatura dos antigos’. Em algumas igrejas medievais, as figuras dos evangelistas estão sentadas ou de pé sobre os ombros dos profetas.” (2011, p. 157).

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Embora possamos dizer que a resposta para a pergunta “o que é o mal?” esteja razoavelmente respondida, ainda fica a questão de como surgiu o mal. Agostinho, como já observado, entendia que o mal não possui existência própria, ou seja, o mal não é algo ou uma criação, mas uma ação. Por ser uma ação, portanto, deve partir de um agente moralmente livre que seja capaz de escolher realizar uma ação que resulte em algo mau ou que resulte em algo bom. Essa capacidade de um agente moralmente livre escolher entre fazer o bem ou fazer o mal é teologicamente entendida como livre-arbítrio. Agostinho entendia que Deus criou seres moralmente livres, capazes de escolher fazer o bem ou o mal. É exatamente nesse ponto que Agostinho argumenta o surgimento do mal, do livre-arbítrio. Em um de seus diálogos com Evódio no livro O Livre-Arbítrio, Agostinho diz: Evódio: Haverá então algum outro autor do primeiro gênero de mal, 3 uma vez estar claro não ser Deus? Agostinho: Certamente, pois o mal não poderia ser cometido sem ter algum autor. Mas caso me perguntes quem seja o autor, não o poderia dizer. Com efeito, não existe um só e único autor. Pois cada pessoa ao cometê-lo é o autor de sua má ação. (…) as más ações são punidas pela justiça de Deus. Ora, elas não seriam punidas com justiça, se não tivessem sido praticadas de modo voluntário. (1995, p. 25-26)

Em outras palavras, para Agostinho, o mal é necessariamente fruto de uma livre escolha do homem, de seu livre-arbítrio. Agostinho entende também que essa liberdade para fazer o mal é o crivo para a condenação do homem, pois este ainda é totalmente livre para escolher fazer o mal. Em seu livro O Problema do Sofrimento, Lewis elabora uma teodiceia agostiniana,4 ou seja, elabora seu pensamento na mesma linha do bispo de Hipona quanto à natureza do mal. Lewis, assim como Agostinho, Aquino e outros, atribui ao livre-arbítrio a responsabilidade pela existência do mal, e aceita Deus como o regente do universo e senhor da história, atuando nela através de sua providência. O filósofo francês René Girard, ao elaborar sua teoria mimética, nos ajuda a entender 3

Agostinho elabora a ideia de que existem dois tipos de mal, o mal praticado e o mal sofrido. O mal ao qual Evódio se refere é o praticado. Quanto a isso, Tomás de Aquino diz em Sobre o Mal: “Deve-se dizer que, como o branco, também o mal se diz de dois modos. Pois, de um modo, quando se diz branco, pode entender-se o que é sujeito da brancura; de outro modo, branco se diz o que é branco enquanto branco, ou seja, o acidente mesmo. E, semelhante, o mal pode entender-se, de um modo, como o que é sujeito do mal, e neste sentido é algo; de outro modo, pode-se entender como o próprio mal, e neste sentido não é algo, mas sim a privação mesma de algum bem particular” (AQUINO, 2005, p. 11). 4

Schultz afirma: “Here (The Problem of Pain) Lewis elaborated on Augustine’s ‘classical’ view of original sin, which, simply put, links Adam’s choice to sin (as a result of pride) with the perpetual sinfulness of the human race.” (1998, p. 164). Tradução livre: “Aqui (O Problema do Sofrimento) Lewis elabora sobre a visão clássica agostiniana quanto ao pecado original, que, de modo simplificado, estabelece uma conexão entre a escolha de Adão de pecar (como resultado do orgulho) com a perpétua pecaminosidade da raça humana.”

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essa problemática levantada por Agostinho e propagada por Tomás de Aquino, Lewis e outros. Para Girard, o ser humano é essencialmente mimético e constantemente se envolve em disputas que o mesmo chama de rivalidade mimética, na qual duas ou mais pessoas desejam o mesmo objeto gerando assim casos de violência 5 e somente tendo um fim com bodes expiatórios. Girard nos mostra que esse ciclo violento de mimetismo encontra suas estruturas em diversos mitos e sociedades arcaicas ao redor do mundo. Dois exemplos famosos utilizados pelo autor são o mito de Édipo Rei e o dos Evangelhos. 6 O primeiro mostra a estrutura de violência mimética e o sacrifício do bode expiatório, o segundo mostra a mesma estrutura mimética, mas se diferencia porque o mito se fundiu com fatos históricos, mostrando a realidade dessa rivalidade mimética, pois o bode expiatório dessa vez era claramente inocente e por isso fez cessar esse ciclo de violência. O que as pessoas não viram e que, no entanto, é de uma simplicidade desconcertante, é a diferença fundamental que há entre os mitos e os Evangelhos. Nos mitos, a vítima é sempre culpada, enquanto na Bíblia, e em particular no cristianismo, a mesma vítima é inocente. Dessa forma, os textos evangélicos nos dizem a verdade e o funcionamento do mecanismo, em vez de mentirem. É a coisa mais simples que existe. Contudo é, ao mesmo tempo, a de mais difícil entendimento na minha tese. Quando a compreendemos verdadeiramente, compreendemos que a Bíblia e o cristianismo têm uma dimensão de verdade que nenhuma outra religião pode ter, pois retomam o mesmo fenômeno, e em vez de ir até o fim da mentira, eles a contradizem e na realidade revelam a mentira tal como ela é. (GIRARD, 2011, p. 72)

Pensando dessa forma, Agostinho estava certo ao afirmar que o mal é uma corrupção, pois, assim como declara Lewis, o mal toma para si a forma inicial do bem e o corrompe. O desejo em si não é ruim, como o próprio Girard mostra, pois a vingança geralmente está atrelada a objetos e pessoas que amamos 7. Podemos perceber que a ideia do pensamento agostiniano do mal como corrupção recebe apoio não só teológico e filosófico, mas também antropológico e psicológico 8. Contudo, essa questão dá abertura para um problema um pouco mai5

“Os homens imitam os desejos uns dos outros e, por isso, estão destinados ao que chamo de rivalidade mimética, processo que existe entre parceiros sociais e que tende a se agravar constantemente pelo próprio fato de que a imitação repercute de alguma forma entre os dois parceiros. Quanto mais desejo esse objeto que você já deseja, mais ele lhe parecerá desejável, e mais, por sua vez, ele se mostrará desejável, e mais, por sua vez, ele se mostrará desejável aos meus olhos.” (GIRARD, 2011, p. 67). 6

Ao atribuir aos evangelhos o caráter de mito, não estamos querendo levantar a discussão da veracidade dos evangelhos, mas apenas ressaltando a estrutura mítica dos evangelhos, como veremos mais à frente quando analisarmos as ideias de mito de J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis. 7

“A vingança transcende os indivíduos, visto que envolve os parentes, as famílias. De certa maneira, ela transcende o tempo e o espaço, o que já lhe dá, por assim dizer, algo de religioso.” (GIRARD, 2011, p. 67). 8

Sobre a ideia girardiana da relação entre mito e mimetismo, consulte a obra Violência e o Sagrado (1990) e

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or. A teologia cristã identifica alguns atributos de Deus, tais como benevolência, onipresença, onisciência, onipotência, soberania, justiça, entre outros. No entanto, alguns desses atributos geram pequenos atritos em contraste com a teodiceia aqui apresentada. Por exemplo, a soberania divina: Se Deus é soberano, eterno e se encontra à parte do tempo, isso não incorreria em um determinismo? Se sim, isso não forçaria o teísta a admitir que Deus, direta ou indiretamente, é o único e principal criador e autor do mal? Chesterton nos ajuda a responder esta questão. O autor identifica em seu livro Ortodoxia, no capítulo A ética de Elfolândia, que os contos de fadas são frutos de uma tradição, são oriundos do país ensolarado do bom senso 9 – ou de Faërie, o Reino Encantado, como prefere Tolkien10 –, o lugar em que a terra não julga o céu, mas o céu julga a terra. De forma semelhante a Tolkien, Lewis, Girard e outros, como veremos mais a frente, Chesterton entende que os contos e os mitos contêm um núcleo em comum, o que os torna, de certa forma, parte de um único mito, que Tolkien e Lewis vão identificar como o único mito que se fez fato, o Evangelho. Mais à frente, Chesterton defende que o cristianismo é digno de confiança, não por ser um conto de fadas, mas por ser como estes, que são fruto de uma tradição que remonta à vivência do povo totalmente lúcido de uma aldeia e não aos relatos de um estudioso lunático que observa tudo do lado de fora,11 tornando-o mais suscetível à crença. No capítulo seguinte, Chesterton confronta certos problemas que muitas pessoas encontram na teologia cristã, tais como a dupla natureza de Cristo, os milagres, ou até mesmo – embora Chesterton não fale especificamente sobre isso – o próprio mal. O autor argumenta que estes não são pa-

Aquele por que o escândalo vem (2011) de René Girard. 9

Chesterton declara: “O país das fadas nada mais é do que o país ensolarado do bom senso. Não é a terra que julga o céu, mas o céu que julga a terra; assim, para mim pelo menos, não era a terra que criticava a Elfolândia, mas a Elfolândia que criticava a terra.” (2008, p. 82). 10

Verlyn Flieger, nas anotações do livro Ferreiro de Bosque Grande, de Tolkien, estuda a etimologia da palavra Faërie no pensamento de Tolkien: “A palavra moderna fairy, vem do inglês médio faerie, do francês antigo faerie/ faierie, ‘encantamento’, de fae, ‘fada’, que por sua vez se originou do latim fãta, ‘as Parcas’, plural de fãtum, ‘Destino’, particípio passado neutro de fãri, ‘falar’. Assim, o Destino, era ‘falado; aquilo que foi dito’; por exemplo, uma maldição ou uma benção; e na sua derivação fairy tinha implicações consideravelmente mais sombrias do que aquelas que a tradicional frase ‘fairy tale’ carrega.” (TOLKIEN, 2015, p. 154). Por fim, o próprio Tolkien em seu ensaio Sobre Histórias de Fadas, diz: “Fairy [fada], como substantivo mais ou menos equivalente a elf [elfo], é uma palavra relativamente moderna, quase não usada antes do período Tudor. A primeira citação no Oxford Dictionary (a única antes de 1450) é significativa. Foi extraída do poeta Gower: as he were a faierie [como se ele fosse uma fada]. Mas não foi isso que Gower disse. Ele escreveu as he were of faierie, “como se ele fosse de Faërie [Reino Encantado].” (2014, p. 8). 11

Chesterton assevera: “É muito fácil ver por que uma lenda é tratada, e assim deve ser, mais respeitosamente do que um livro de história. A lenda geralmente é criada pela maioria do povo da aldeia, gente equilibrada. O livro geralmente é escrito pelo único homem da aldeia que é louco.” (2008, p. 80).

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radoxos, mas apenas verdades parciais. Como exemplo, ele se utiliza dos supostos “paradoxos” do corpo humano, para mostrar que mesmo em seus aparentes erros o cristianismo acerta. Identificamos no corpo humano “verdades aos pares”; por exemplo, temos um cérebro dividido em duas partes, uma em cada lado de nossa cabeça; dois pulmões, um em cada lado do peito; dois olhos, um em cada lado do rosto; uma boca e um nariz simétricos no meio do rosto. Contudo, curiosamente, não temos dois corações, mas apenas um. Um homem contém dois homens: um à direita que se parece exatamente com o outro à esquerda. Depois de notar que há um braço do lado direito e outro do lado esquerdo, uma perna à direita e outra à esquerda, ela poderia ir adiante e ainda encontrar de cada lado o mesmo número de dedos nas mãos, o mesmo número de dedos nos pés, olhos geminados, orelhas geminadas, narinas geminadas e até lobos do cérebro geminados. No mínimo ela tomaria o fato como lei; e depois quando encontrasse um coração de um lado, ela deduziria a presença de outro coração do outro lado. E exatamente nesse momento, no ponto em que se sentisse mais segura de estar certa, ela estaria errada. (CHESTERTON, 2008, p. 135-136)

Dessa forma, Chesterton mostra que afirmar que os aparentes “paradoxos” do cristianismo são provas de sua invenção é incorrer em erro, tanto quanto mostrar que o fato de termos apenas um coração e não dois é prova de que nosso corpo não existe, pois o mesmo não obedece à lei da própria lógica que ele estabelece. Ora, essa é exatamente a reivindicação que venho fazendo para o cristianismo. Não simplesmente que ele deduz verdades lógicas, mas que quando de repente se torna ilógico, ele encontrou, por assim dizer, uma verdade ilógica. Ele não apenas acerta em relação às coisas, mas também erra (se assim se pode dizer) exatamente onde as coisas saem erradas. (CHESTERTON, 2008, p. 137)

Com isso, podemos entender que a teologia cristã apresenta verdades aparentemente ilógicas, mas isso não as invalida enquanto verdades, pois como assevera Lewis em Cristianismo Puro e Simples, o cristianismo “apresenta todas as mudanças inesperadas que as coisas reais possuem” (2014, p. 55). Continuando com o mesmo raciocínio, em seu livro O Problema do Sofrimento, Lewis sugere que há um equívoco em nossa compreensão de termos como “bom”, “todopoderoso” e até mesmo “feliz”. Se a nossa compreensão a respeito desses termos é a única possível, então invalidamos todos os argumentos sobre o problema do mal, pois “se os sentidos mais comuns ligados a essas palavras são os melhores, ou os únicos possíveis, então o argumento não é passível de ser respondido” (2013, p. 33). Para exemplificar, o autor fala de uma criança que desenha um círculo. Obviamente, o círculo da criança não será perfeito, mas

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ainda assim será um círculo. Da mesma forma, nosso entendimento do mal se assemelha ao círculo feito por essa criança. A “bondade divina” difere da nossa, mas não é absolutamente diferente: ela difere da nossa não como o branco do preto, mas como o círculo perfeito se distingue da primeira tentativa de uma criança em desenhar uma roda: quando a criança aprende a desenhar, ela saberá que o círculo que agora consegue fazer é justamente aquele que estava tentando reproduzir desde o começo. (LEWIS, 2013, p. 47)

Mesmo sabendo o que seja o mal, não é possível compreendê-lo perfeitamente. Podemos, assim, ter apenas uma noção do que seja o bem e o mal através do que Lewis chamou de Lei Natural, ou seja, a noção que todo ser humano tem de certos aspectos morais, como não matar, não mentir, não roubar, etc.. Porém, não temos a possibilidade de compreender perfeitamente essas questões. Por fim, concluímos que a soberania e a atemporalidade se encaixam não somente na questão dos paradoxos do cristianismo proposta por Chesterton, como também podemos ver nisso uma ambiguidade como a sugerida por Lewis. Dessa forma, os que concluem que a fé cristã resulta em um determinismo que anula completamente a escolha humana e, portanto, também a teodiceia, devem igualmente, pela lógica, admitir que Cristo só pode ter uma das duas naturezas, que milagres têm explicações naturais, ou, por fim, usando o exemplo de Chesterton, admitir que o ser humano possui dois corações.

1.2 Sobre contos de fadas Além de terem uma amizade bastante duradoura, Tolkien e Lewis também compartilhavam algumas ideias, principalmente a respeito da natureza dos mitos. Em seu ensaio Sobre Histórias de Fadas, Tolkien elabora sua teoria literária a respeito da natureza dos mitos e dos contos de fadas, embora com foco maior nestes últimos. Sua teoria, juntamente com o livro O Homem Eterno, de Chesterton, que esboça ideia similar, foi um ponto importante para a conversão de seu amigo Lewis; este elabora a mesma ideia mais tarde, a partir de seus próprios pressupostos. Basicamente, o que ambos dizem é semelhante ao que Joseph Campbell chamou de monomito. Este conceito argumenta que existe um mesmo núcleo em todos os mitos e em grande parte das estórias, que o mesmo chama de Jornada do Herói. Lewis e Tolkien partilham dessa mesma conclusão; mas, por abraçarem a fé cristã, mostram que, além de existir um núcleo estrutural comum, como afirma Campbell, estes mitos apontam para um único mito que se fez verdade histórica: o Evangelho.

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Em seu artigo Teologia é Poesia?, Lewis elabora a ideia de que a Bíblia nos apresenta um mito em progressão. Ou seja, ela nos apresenta histórias que podem ou não serem verdades históricas literais, mas que necessariamente transmitem uma mensagem verdadeira com detalhes históricos questionáveis. Essas histórias, no decorrer da Bíblia, vão aos poucos se solidificando, vão se tornando mais reais até o ponto em que efetivamente “interferem” na realidade e se tornam um fato histórico. A camada mais antiga do Antigo Testamento contém muitas verdades de uma forma que eu presumo ser lendária, ou mesmo mítica – envolta em nuvens, mas a verdade aos poucos se condensa e se torna cada vez mais histórica. De coisas como a Arca de Noé e o sol parando sobre Gibeon, no vale de Aijalom, até as lembranças da corte do Rei Davi. Finalmente, chega-se ao Novo Testamento e a história reina suprema, e a Verdade é encarnada. E, aqui, “encarnada” é muito mais que uma metáfora. Não é uma semelhança acidental que aquilo que se declara, do ponto de vista do ser, na forma “Deus se fez Homem”, deva implicar, do ponto de vista do conhecimento humano, a declaração o “Mito se fez Fato”. O significado essencial de todas as coisas desceu do “céu” do mito à “terra” da história. Ao fazer isso, esvaziou-se parcialmente de sua glória, como Cristo se esvaziou de sua glória para ser Homem. (LEWIS, 2014, p. 125)

Em uma carta enviada a seu filho Christopher Tolkien, em 30 de janeiro de 1945, Tolkien comenta sobre o artigo de Lewis, Myth Became Fact, mais tarde publicado no livro God in the Dock, no qual o mesmo elabora de forma mais completa a ideia exposta acima. Nessa carta, Tolkien mostra certo interesse pela ideia e parece seguir a mesma linha de pensamento, embora não afirme isso explicitamente: Ele [Gênesis] não possui, é claro, uma historicidade do mesmo tipo daquela do NT, que é composto virtualmente de documentos contemporâneos, enquanto o Gênesis é separado por não sabemos quantas tristes gerações exiladas desde a Queda, mas certamente houve um Éden sobre esta própria terra infeliz. Ansiamos todos por ele e estamos constantemente vislumbrando-o: toda nossa natureza no seu maior brilho e na menor das corrupções, no seu caráter mais gentil e mais humano, ainda está embebida com sentimento de “exílio”. (TOLKIEN, 2006, p. 109)

Dessa forma, embora não possamos afirmar com completa certeza que Tolkien entende o Antigo Testamento, ou parte dele, como mítico, tal como Lewis, podemos ao menos afirmar que os dois concordam que o mito se fez verdade no Evangelho. Em seu ensaio Sobre Histórias de Fadas, Tolkien elabora um pouco melhor essa questão, mostrando que os evangelhos contêm a mesma estrutura dos mitos e dos contos de fadas: uma história que começa em algum lugar no tempo e termina com uma esperança como, por exemplo, o famoso “era uma vez” e o “felizes para sempre”. O autor mostra que o que dá um tom real a essas estórias

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é o que ele denomina de Catástrofe e Eucatástrofe: o “consolo” dos contos de fadas tem outro aspecto além da satisfação imaginativa de antigos desejos. Muito mais importante é o Consolo do Final Feliz. Eu quase me arriscaria a afirmar que todos os contos de fadas completos precisam tê-lo. No mínimo eu diria que a Tragédia é a forma verdadeira do Drama, sua função mais elevada; mas o contrário vale para o conto de fadas. Já que ao que parece não temos uma palavra que expresse esse contrário – vou chama-lo de Eucatástrofe. O conto eucatastrófico é a forma verdadeira do conto de fadas, e sua função mais elevada. O consolo dos contos de fadas, a alegria do final feliz, ou mais corretamente da boa catástrofe, da repentina “virada” jubilosa (pois não há fim verdadeiro em nenhum conto de fadas); essa alegria, que é uma das coisas que os contos de fadas conseguem produzir supremamente bem, não é essencialmente “escapista” nem “fugitiva”. (TOLKIEN, 2014, p. 66)

Essa forma “eucatastrófica” seria então a forma correta, segundo Tolkien, de um conto de fadas, ou de um mito. Dessa forma, ela lida com desejos reais no leitor, pois como ele diz: “Os contos de fadas claramente não envolviam primordialmente a possibilidade, mas sim a desejabilidade. Se despertavam desejos, satisfazendo-o ao mesmo tempo em que muitas vezes o atiçavam insuportavelmente, tinham sucesso.” (2014, p. 39). No entanto, essa estrutura eucatastrófica de desejo deixou o campo dos mitos ou da fantasia, para entrar na história com os evangelhos. Tolkien mostra, assim como Lewis, que os evangelhos têm a mesma estrutura dos mitos e dos contos de fadas; porém, não só despertam desejos, mas os satisfazem por estarem dentro da história, diferente dos mitos: Mas na “eucatástrofe” enxergamos numa breve visão que a resposta pode ser maior – pode ser um lampejo longínquo ou eco do evangelium no mundo real. O uso dessa palavra dá uma indicação de um epílogo. (...) Eu me arriscaria a dizer que, abordando a História Cristã deste ponto de vista, por muito tempo tive a sensação (uma sensação alegre) de que Deus redimiu as corruptas criaturas-criadoras, os homens, de maneira adequada a esse aspecto de sua estranha natureza, e também a outros. Os Evangelhos contêm um conto de fadas, ou uma história de tipo maior que engloba toda a essência dos contos de fadas. Contêm muitas maravilhas – peculiarmente artísticas, belas e emocionantes, "míticas" no seu significado perfeito e encerrado em si mesmo; e entre as maravilhas a maior e mais completa eucatástrofe concebível. Mas essa história entrou para a História e o mundo primário; o desejo e a aspiração da sub-criação foram elevados ao cumprimento da Criação. O Nascimento de Cristo é a eucatástrofe da história do Homem. A Ressurreição é a eucatástrofe da história da Encarnação. Essa história começa e termina em alegria. Tem preeminentemente a “consistência interna da realidade”. (TOLKIEN, 2014, p. 68-69)

De forma semelhante, Russel Kirk – segundo Alex Catharino, na introdução do livro A Era de T. S. Eliot – entende a imaginação de cinco maneiras diferentes: a histórica, a políti-

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ca, a poética, a profética e a moral. Quanto à imaginação moral, Kirk declara: A “imaginação moral”, que nos possibilita discernir acerca do que a pessoa humana pode ser, apreendendo, por alegorias, a correta ordem da alma e a justa ordem da sociedade, diferenciando o verdadeiro e o falso, o bem e o mal, o belo e o feio, além de oferecer uma correta visão da lei natural e da natureza. (KIRK, 2011, p. 82).

Ou seja, a imaginação moral é semelhante àquilo que Lewis irá chamar, em Alegoria do Amor, de sacramentalismo, 12 que, por sua vez, é algo semelhante à ideia de imitação de Platão.13 Embora Tolkien não gostasse de alegorias, como deixou bem claro em algumas de suas cartas,14 pode-se usar tranquilamente a classificação kirkeana de imaginação moral para fins explicativos, pois entendemos que o sentido de alegoria ao qual Kirk se refere é o mesmo tipo de alegoria aceitável segundo Tolkien. Para Lewis, o mito fala essencialmente de uma realidade.15 Peter J. Schakel, no C. S. Lewis: Além do Universo Mágico de Nárnia, em seu capítulo sobre o livro Till We Have Faces: A Myth Retold, propõe: Para Lewis, como para seu amigo J. R. R. Tolkien, os mitos têm origem divina e comunicam um tipo profundo e universal de realidade: eles constituem “um vislumbre da verdade divina, real apesar de desfocada, que incide sobre a imaginação humana”. Em algum outro texto em que faz eco a Tolki12

Lewis afirma: “há outra forma de usar a equivalência, que é praticamente oposta à alegoria, e que eu chamaria de sacramentalismo ou simbolismo. Se as paixões, sendo imateriais, podem ser copiadas por invenções materiais, então, quem sabe não seja possível fazer com que o mundo material, por seu rumo, seja a cópia de um mundo invisível? Se o deus Amor e seu jardim figurativo podem ‘estar para’ as paixões verdadeiras do homem, então, quem sabe nós mesmos e nosso mundo ‘real’ não possamos ‘estar para’ alguma outra coisa? A tentativa de interpretar essa outra coisa através de suas imitações sensíveis, de ver o arquétipo na cópia, é o que eu chamo de simbolismo ou sacramentalismo. Trata-se, em suma, da ‘filosofia de Hermes’, segundo a qual este mundo visível não passa de um retrato do invisível, através do qual, como numa foto, as coisas não sejam a realidade, mas apenas formas equívocas, que simulam alguma substância real naquela trama invisível.” (LEWIS, 2012, p. 56). 13

Para Platão, o mundo sensível, a que estamos acorrentados enquanto seres mortais e corporais, já é uma imitação do Mundo das Ideias, de onde descendemos ou, literalmente, descemos (caímos). Ora, sendo a poesia (na qual se inclui a tragédia, a épica e a lírica) uma cópia desse mundo sensível, ela é simulacro em segundo grau e, portanto, condenável, servindo a amarrar mais ainda o homem ao domínio dos sentidos e das paixões e dificultando sua ascensão, pelo intelecto, à Beleza, ao Bem e à Verdade que, no seu estado puro de essências, só existem como uma luz que brilha acima e fora da caverna que habitamos. (LEITE, 2001, p. 8-9). 14

Em sua carta para Milton Waldman, em 1951, Tolkien declara: “Desagrada-me a Alegoria – a alegoria consciente e intencional; todavia, qualquer tentativa de explicar o propósito dos mitos ou dos contos de fadas deve empregar uma linguagem alegórica. (E, é claro, quanto mais ‘vida’ uma história tiver, mais facilmente ela será suscetível a interpretação alegóricas, ao passo que quanto melhor uma alegoria deliberada for feita, mais prontamente ela será aceitável apenas como uma história).” (TOLKIEN, 2006, p. 142). 15

“O que o mito faz fluir para você não é a verdade, mas sim a realidade (a verdade é sempre sobre alguma coisa, mas a realidade é aquilo sobre o que a verdade diz respeito).” (LEWIS apud MACSWAIN; WARD, 2015, p. 362).

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en, Lewis define mito como um tipo particular de narrativa que transmite “um permanente objeto de contemplação”. Um mito, diz ele, “atinge-nos em um nível mais profundo do que nossos pensamentos, ou mesmo nossas paixões, problemas e velhas certezas, até que todas as questões sejam reabertas e, em geral, ele nos abala e nos deixa mais plenamente despertos do que estamos durante a maior parte de nossa vida”. (MACSWAIN; WARD, 2015, p. 361-362)

Embora haja certa semelhança no pensamento de Lewis e Tolkien, é necessário fazer uma pequena distinção aqui, graças ao platonismo de Lewis que acabamos de demonstrar. Tolkien, no que diz respeito à concepção da natureza dos mitos, pensa diferente de Lewis. Enquanto este pende para o lado de Platão e entende a literatura como uma cópia de um mundo ideal – ou, podemos dizer, para fins pedagógicos –, Tolkien pende para o lado de Aristóteles, pois não entende que a literatura seja um reflexo de algo maior, mas sim que ela aponta para algo maior – alguns aspectos dela são reais em nosso próprio mundo e não necessariamente apenas em um mundo ideal. Ralph C. Wood deixa isso claro em seu artigo Conflict and Convergence on Fundamental Matters in C. S. Lewis and J. R. R. Tolkien: Tolkien was no sort of Platonist at all. He espoused what might be roughly called an Aristotelian metaphysics. For him, transcendent reality is to be found in the depths of this World rather than in some putative existence beyond it. Tolkien argued, for example, that fairy-stories “cannot tolerate any frame or machinery suggesting that the whole story in which they occur is a figment or illusion.” Such devices create a skepticism that undermines the truthfulness of the entire fictional enterprise: “The moment disbelief arises, the spell is broken.” Tolkien elects, therefore, to set his readers right down in the minds of Middle-earth. There is no time Voyage or space travel in his fiction, no slippage through the back of a wardrobe into a magical realm. Tolkien seeks, instead, to convince readers that his imaginative world is utterly real, having no other foundation than its own laws and conventions. (WOOD, 2003, p. 9).16

Em diversas cartas, o autor mostra que sua ideia de sub-criação é um reflexo do atributo criador de Deus e não uma cópia de um mundo possível, 17 destoando, então, da ideia de 16

“Tolkien, definitivamente, não foi um Platônico. Ele expôs o que poderia ser chamado de metafísica aristotélica. Para ele, a realidade transcendente se encontra nas profundezas do mundo, e não em alguma outra suposta existência além dele. Tolkien argumentou, por exemplo, que contos de fadas ‘não podem tolerar nenhum aspecto ou maquinário sugerindo que toda a estória onde ela ocorre é mera ficção ou então uma ilusão’. Tais ferramentas criam um escapismo que sabota a parte verdadeira de toda a ficção elaborada: ‘O momento de descrença surge, o feitiço é quebrado’. Tolkien escolhe, portanto, deixar que seus leitores permaneçam nas profundezas da Terra-média. Não há tempo para uma aventura ou uma viagem espacial em sua ficção, sem nenhum escape pela parte de trás de um guarda-roupa para um mundo mágico. Tolkien procura, na verdade, convencer os leitores que seu mundo imaginário é completamente real, tendo nenhuma outra fundação a não ser suas próprias leis e convenções.” (Tradução livre). 17

Em uma carta endereçada a Peter Hastings, Tolkien mostra como seria a regra de uma sub-criação. Ele assevera: “É apenas (até agora) um mundo imaginado de forma incompleta, um rudimentar mundo ‘secundário’; mas se aprouve ao Criador conceder-lhe Realidade (em uma forma corrigida) em qualquer plano, então o senhor

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Lewis a respeito. Tolkien mostra também, em uma carta para Milton Waldman, que mitos e contos de fadas, como toda arte, devem refletir e conter uma solução elementos de verdade (ou erro) moral ou religiosa, mas não explícitos, não na forma conhecida do mundo “real” primário. (TOLKIEN, 2006, p. 141).

Dessa forma, pode-se dizer que os mitos e os contos de fadas, tanto na visão de Lewis quanto na de Tolkien, representam algo a mais. Contudo, enquanto para Lewis eles representam o reflexo de algo verdadeiro, ou até mesmo uma “cópia corrompida” de fatos, para Tolkien são reflexos de aspectos de algo real. Ele exemplifica isso em seu conto Folha de Migalha: ele narra a história de Migalha, um pintor entusiasta que tem fascinação por um quadro em especial, ao qual dedica grande parte de seu tempo; é uma árvore. Ao morrer e ir parar em um lugar aparentemente familiar, ao mesmo tempo diferente de tudo que já havia visto, Migalha se depara com a árvore que tentava pintar. Contudo, neste lugar ela era completa; o que ele via em vida era apenas o reflexo de uma realidade. No entanto, ainda assim era possível ter algum contato com esse “todo perfeito” enquanto ainda estava vivo. – Pode me dizer o nome deste lugar? – Não sabe? – disse o homem – É a Terra de Migalha. É o Quadro de Migalha, ou a maior parte: uma pequena parte agora é o Jardim de Paróquia. – Quadro de Migalha! – disse Paróquia, espantado. – Você imaginou tudo isto, Migalha? Nunca soube que você era tão esperto. Por que não me contou? – Ele tentou lhe dizer há muito tempo – disse o homem -, mas você não olharia. (...) Era o que você e sua mulher chamavam de Bobagem de Migalha, ou Aqueles Borrões. – Mas naquela época não era assim, não era real – disse Paróquia. – Não, naquela época era só um vislumbre – disse o homem –, mas você poderia ter entendido o vislumbre, se achasse que valia a pena tentar. (TOLKIEN, 2014, p. 103).

Dessa forma, usando as teorias de Lewis e de Tolkien, podemos concluir que, quando uma obra de arte apresenta aspectos do real ou desperta a desejabilidade em seu leitor, então deve existir algum aspecto verdadeiramente real nela. Portanto, é possível identificar em O Silmarillion, se houver aspectos do real nele, quais os pontos de contato com a teologia cristã, em especial a teologia agostiniana e a teologia expressa por Tolkien em suas cartas.

teria simplesmente de entrar nele e começar a estudar sua biologia diferente, isso é tudo.” (TOLKIEN, 2006, p. 183).

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ANÁLISE DE O SILMARILLION

2.1 Sobre Eru Ilúvatar, Javé e os atributos divinos O Silmarillion, escrito por Tolkien durante toda a sua vida, editado e lançado postumamente por seu filho Christopher Tolkien, é uma coletânea de histórias a respeito da Terramédia. Para fins didáticos, podemos dizer que esta obra está para o universo de O Senhor dos Anéis tal como o Antigo Testamento está para o Novo Testamento. Em O Silmarillion, encontramos diversas histórias que complementam a sub-criação de Tolkien, como os relatos da criação de Eä, os relatos da criação e do surgimento dos homens, dos elfos e dos anões, assim como as diversas espécies de criaturas existentes na Terra-média. Neste capítulo, analisaremos os dois primeiros capítulos de O Silmarillion: o Ainulindalë e o Valaquenta. Nosso foco estará nas relações dos atributos de Eru Ilúvatar com os de Javé, Deus da mitologia judaicocristã. Em seguida, analisaremos outros pontos importantes da criação de Eä, como a criação dos homens e seus dons. A teologia cristã identifica alguns atributos próprios de Javé. Ele é um deus eterno em todas as direções, autossuficiente, totalmente bom, totalmente justo, único deus distinto em três pessoas que são o Pai, o Filho e o Espírito Santo, um deus criador e criativo, soberano, etc. Esses atributos, para a teologia cristã, são próprios do Deus criador. Usando-os como ponto de partida, podemos observar que Ilúvatar, o deus criador da sub-criação de Tolkien, apresenta alguns atributos semelhantes ao do deus cristão. No Ainulindalë, primeiro capítulo do livro, Tolkien descreve a criação de Eä de forma que a estrutura “criação, queda e redenção” se faz nitidamente presente. O texto relata a criação de Eä mediante o desejo e a vontade de Eru; em seguida, ocorre uma “pré-queda”,18 pela qual Melkor corrompe a criação por vontade de poder; por fim, vemos Eru no controle de toda a situação, ainda que tudo leve a pensar o contrário, oferecendo redenção, ou a esperança de uma redenção. Nessa estrutura narrativa, Tolkien apresenta alguns atributos de Eru: Havia Eru, o Único, que em Arda é chamado de Ilúvatar. Ele criou primeiro os Ainur, os Sagrados, gerados por seu pensamento, e eles lhe faziam companhia antes que tudo o mais fosse criado. (TOLKIEN, 2015, p. 4)

Neste primeiro trecho, podemos observar que a história está provavelmente sendo narrada por um crente nesta divindade, pois a narrativa é semelhante à do Gênesis. Notamos 18

Por “pré-queda”, entende-se aqui algo similar à queda de Satanás dentro da tradição cristã, e não a doutrina da Queda encontrada em Gênesis 3.

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um narrador que conta relatos de um tempo antes do tempo, dando a entender uma possível tradição oral, assim como no Gênesis. Neste trecho, observamos que são apresentados alguns atributos de Ilúvatar, como: um deus criador, pré-existente e único. Tais atributos são os mesmo do Deus cristão: criador de todas as coisas, como retratado na narrativa de Gênesis 1 e 2; existente antes da criação, como vemos em Apocalipse 13:8; e único, como podemos ver em Deuteronômio 6:4.19 Mais adiante, Tolkien narra o início da criação de Eä, na qual Ilúvatar propõe temas aos Ainur, que correspondem aos anjos na mitologia cristã.20 Estes cantam os temas propostos; contudo, como mostra Tolkien (2015, p. 4): “cada um compreendia apenas aquela parte da mente de Ilúvatar da qual havia brotado”, o que nos leva a entender que Ilúvatar, assim como o Deus cristão, é um deus que se revela à sua criação e que a iniciativa deste conhecimento procede de deus, no caso, Ilúvatar. É interessante registrar também um possível eco da teologia paulina, ao se observar que os temas para a criação vieram do próprio Ilúvatar. Isso remete a Colossenses 1.17, texto no qual o apóstolo pontua que Deus existe antes de todas as coisas e que tudo nele subsiste. Depois da proposta de temas para os Ainur e de estes terem cantado, Tolkien narra que Ilúvatar reuniu os Ainur e indicou-lhes um novo tema. Quando eles começaram a cantar, Ilúvatar moldou o canto deles, de forma que imagens maiores do que aquelas que cada Ainur imaginava separadamente começaram a surgir diante deles. Logo em seguida, Tolkien narra que “a glória de seu início e o esplendor de seu final tanto abismaram os Ainur, que eles se curvaram diante de Ilúvatar e emudeceram.” (2015, p. 4). Com isso, o autor apresenta outros atributos de Ilúvatar, como: um deus eterno em todas as direções, glorioso e pré-existente. Percebemos que Ilúvatar não desdobra diante dos Ainur uma imagem qualquer, mas sim toda a história de Eä, desde o seu glorioso início até o esplendor de seu final. Em um dos capítulos de Cristianismo Puro e Simples, C. S. Lewis esboça sua ideia a respeito de um Deus atemporal, ou seja, que não está preso ao tempo. Lewis afirma: “Deus não precisa se afobar no fluxo de tempo deste universo” (2014, p. 224). Mais à frente, Lewis dá um exemplo:

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Ives Gandra Martins Filho, em seu livro O Mundo do Senhor dos Anéis, ao analisar alguns aspectos da obra de Tolkien que dialogam com a cosmovisão cristã, identifica que: “O mundo é fruto do ato criador de um Deus único (‘Eru’, que significa ‘O Único’, ou ‘Ilúvatar’, que significa ‘Pai de Todos’), contrapondo-se ao politeísmo das mitologias antigas.” (MARTINS, 2006, p. 19). 20

O professor Ives diz: “Aqueles que os antigos tinham por deuses (...), Tolkien dá a Natureza de anjos (os “Vala” e os ”Mayar”), ou seja, seres puramente espirituais, que também seriam criaturas (existindo uma hierarquia de espécies dentro dessa mesma natureza: Sauron é um Mayar que servirá a Morgoth, que é um Valar).” (MARTINS, 2006, p. 19).

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Se você visualizar o tempo como uma linha reta pela qual viajamos, tem que imaginar a Deus como a página na qual a linha é desenhada. Percorremos uma a uma das partes da linha: temos de deixar o ponto A para alcançar o ponto B, e só alcançamos C depois de deixar B. Deus, por sua vez, está fora e acima disso, contém a linha inteira e vê tudo. (LEWIS, 2014. p. 224)

Dessa forma, é possível afirmar que Ilúvatar, assim como o Deus cristão, é um deus atemporal. Portanto, é necessariamente um ser que existe antes de sua criação e do próprio tempo. Após Ilúvatar propor os temas para os Ainur e, através da música entoada por eles, moldar Eä,21 um dos Ainur, Melkor, corrompe e desafina a canção por um desejo corrupto de tomar para si a chama imperecível, criada por Ilúvatar e responsável por trazer os pensamentos à existência. Graças a essa atitude de Melkor, inicia-se então uma batalha antes do tempo, na qual Melkor corrompia e destruía a criação dos outros Ainur; como reação, eles tentavam detê-lo. No entanto, em determinado momento da narrativa, Ilúvatar, faz cessar com um acorde a Música dos Ainur. Então, falou Ilúvatar e disse: Poderosos são os Ainur, e o mais poderoso dentre eles é Melkor; mas, para que ele saiba, e saibam todos os Ainur, que eu sou Ilúvatar, essas melodias que vocês entoaram, irei mostrá-las para que vejam o que fizeram. E tu, Melkor, verás que nenhum tema pode ser tocado sem ter em mim sua fonte mais remota, nem ninguém pode alterar a música contra a minha vontade. E aquele que tentar, provará não ser senão meu instrumento na invenção de coisas ainda mais fantásticas, que ele próprio nunca imaginou. (TOLKIEN, 2015, p. 6).

Além de um diálogo com a doutrina da tradição cristã sobre a queda de Satanás, 22 observamos outro atributo de Ilúvatar similar ao do Deus cristão. É um dos mais importantes: sua soberania. Podemos perceber que, mesmo após aparentemente Melkor ter mudado toda a música e corromper a melodia, nada havia saído do controle de Ilúvatar. De alguma forma não explicada, como o próprio Ilúvatar diz: “nenhum tema pode ser tocado sem ter em mim sua fonte mais remota, nem ninguém pode alterar a música contra a minha vontade. E aquele que tentar, provará não ser senão meu instrumento na invenção de coisas ainda mais fantásticas.” Ou seja, a corrupção de Melkor não estava na canção original apresentada aos Ainur – afinal, 21

Carlos Caldas (2003 p. 141-142) defende que uma possível influência para a criação de Eä por meio da música é a antiga tradição rabínica que diz que a música é uma linguagem divina. Embora nenhuma linha judaica afirme que Deus tenha criado o mundo pela música, podemos ver que essa ideia não é totalmente sem fundamento nem uma mera invenção de Tolkien. 22

Novamente, o professor Ives afirma: “Fala-se da queda de algumas dessas ‘criaturas angélicas’, quando todas foram submetidas a uma ‘prova’, concebidas alegoricamente por Tolkien como a composição de uma sinfonia em conjunto a partir de um tema dado por ‘Eru’, em que cada um dos ‘Vala’ se conhecia à medida que compunha a sua música, sendo que um deles, ‘Melkor’ ou ‘Morgoth’ (imagem do demônio ou ‘Lúcifer’), inchado de orgulho pelo próprio esplendor, decide criar os seus próprios temas e dá o tom dissonante na sinfonia, fazendo com que muitos dos ‘Vala’ acabem se desviando do tema originalmente proposto.” (MARTINS, 2006, p. 21).

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ele desafinou a canção entoada por eles, o que leva a entender que eles tinham uma ideia de como a música deveria fluir; caso contrário, não perceberiam a desafinação –, mas ao mesmo tempo a corrupção de Melkor se encontrava nos planos de Ilúvatar. Esse problema nos remete à clássica discussão recorrente da teologia cristã quanto à soberania divina e à responsabilidade humana. Nesta o homem é totalmente responsável por seus erros enquanto se depara com um Deus soberano sobre todas as coisas. No capítulo seguinte, o Valaquenta, o autor apresenta novamente uma narrativa da cosmogonia da Terra-média. Porém, dessa vez, por meio dos relatos dos Valar 23 e dos Maiar,24 segundo o conhecimento dos Eldar.25 Logo no início, são apresentadas algumas informações a mais do que no Ainulindalë: “No início, Eru, o Único, que no idioma élfico é chamado de Ilúvatar, gerou de seu pensamento os Ainur; e eles criaram uma música magnífica diante dele.” (2015, p. 15). Novamente observamos a afirmação de um único deus; contudo, o autor apresenta aqui outra afirmação bastante curiosa: “no idioma élfico é chamado de Ilúvatar”. Esta afirmação de que Ilúvatar é o nome élfico de Eru leva à percepção, embora isso não seja afirmado no livro em nenhum outro momento, de que esse deus, assim como o Deus judaicocristão, é conhecido por mais de um nome. Em seguida, notamos novamente a afirmação de um deus criador que criou os Ainur; contudo, uma informação adicional é fornecida: “gerou de seu pensamento os Ainur”. Aqui, vemos refletida a teologia paulina já citada de que tudo subsiste em Deus; também reflete o conceito de Ideia, Energia e Poder, de Dorothy L. Sayers, que veremos mais atentamente no capítulo 3 desta pesquisa. Essa afirmação remete a outro trecho do livro – capítulo dois da terceira parte –, no qual o autor conta a história da criação precoce de Aulë, que será analisada com mais atenção um pouco mais adiante. Ao criar sem o seu consentimento, Aulë ouve o seguinte de Ilúvatar: Por que fizeste isso? Por que tentaste algo que sabes estar fora de teu poder e de tua autoridade? Pois tens de mim como dom apenas a tua própria existência e nada mais. E, portanto, as criaturas de tua mão e de tua mente poderão viver apenas através dessa existência, movendo-se quando tu pensares em movê-las e ficando ociosas se teu pensamento estiver voltado para outra coisa. (TOLKIEN, 2015, p. 39) 23

“nome dado àqueles grandes Ainur que entraram em Eä no início dos Tempos e assumiram a função de proteger e governar Arda. Também chamados de Grandes, Governantes de Arda, Senhores do Oeste, Senhores de Valinor”. (TOLKIEN, 2015, p. 445). 24 25

Ainur de linhagem inferior à dos Valar. (TOLKIEN, 2015, p. 428).

“De acordo com as lendas élficas, o nome Eldar, 'Povo das Estrelas', foi dado a todos os elfos pelo Vala Oromë. Entretanto, ele veio a ser usado em referência apenas aos elfos das Três Famílias (vanyar, noldor, teleri) que iniciaram a grande marcha para o oeste a partir de Cuiviénen (quer tivessem permanecido na Terra-média, quer não), à exceção dos Avari.” (TOLKIEN, 2015, p. 413).

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Essa declaração deixa claro que Eru, assim como o Deus cristão, tem mais de uma existência; contudo, ressaltamos que isso não é algo que o autor assevera, mas uma dedução feita a partir das afirmações aqui encontradas. A declaração de que a criação de Aulë depende dele para existir, pois é fruto de sua mente, remete a três ideias. Primeiro, a ideia de subcriador de Tolkien, na qual ele diz que criamos pela lei que somos criados. Vemos essa ideia refletida na fala de Aulë, pois este pontua: “Contudo, a vontade de fazer coisas está em meu coração porque eu mesmo fui feito por ti.” (TOLKIEN, 2015, p. 40). Isso, por sua vez, ecoa o que o próprio Tolkien declara em seu ensaio Sobre Histórias de Fadas: “A Fantasia continua sendo um direito humano: fazemos em nossa medida e a nosso modo derivativo, porque somos feitos, e não apenas feitos, mas feitos à imagem e semelhança de um Criador” (2014, p. 54). Dessa forma, a ideia que Tolkien expressa em seu ensaio é também válida e existente em sua sub-criação. A segunda ideia está presente nas confissões de Agostinho. Este entende que o homem é fruto da mente de Deus e que, se o homem existe, é porque seu criador dedica pensamentos a ele; a partir do momento em que Deus parar de pensar no homem, este deixará de ser uma criatura existente. Observando as outras coisas que estão abaixo de ti, compreendi que absolutamente não existem, nem totalmente deixam de existir. Por um lado existem, pois provém de ti; por outro não existem, pois não são aquilo que és. “Bom para mim é apegar-me com deus”, porque, se eu não permanecer nele, tampouco poderei permanecer em mim mesmo. (AGOSTINHO, 2013, p. 191)

Percebemos, pois, que Tolkien usa a mesma ideia de Agostinho para sua sub-criação, o que dá a entender que Ilúvatar, como o Deus cristão, sustenta em si mesmo toda a sua criação. Isso nos leva à terceira ideia, exposta por Lewis em Cristianismo Puro e Simples. Baseado na afirmação de 1João 4.8 de que Deus é amor, Lewis entende que “o amor é algo que uma pessoa sente por outra. Se Deus fosse uma única pessoa, não poderia ter sido amor antes da criação do mundo” (2014, p. 231). Dessa forma, tendo essas três ideias em mente, existem evidências suficientes para acreditar que Ilúvatar, assim como o Deus cristão, subsiste em si mesmo em mais de uma pessoa. Como visto, a criação de Aulë depende dele para existir e só existirá se ele dedicar todo o tempo para ela; em caso contrário, sua criação não mais existirá. Ilúvatar chega a afirmar que isso se dá porque Aulë tem apenas sua própria existência como dom. Portanto, concluímos que Ilúvatar deve ter mais de uma existência, pois sua criação não deixou de existir enquanto ele estava com Aulë; todavia, não temos a possibilidade de afirmar quantas existências este

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teria, devido à falta de informações sobre isso. Agora, voltando para os relatos da criação de Eä, podemos perceber outro ponto que nos é apresentado de novo: a atemporalidade de Ilúvatar e dos Ainur. Nessa Música, o mundo teve início; pois Ilúvatar tornou visível a canção dos Ainur, e eles a contemplaram como uma luz nas trevas. E muitos dentre eles se enamoraram de sua beleza, e também de sua história, cujo início e evolução testemunharam como numa visão. (TOLKIEN, 2015, p. 15)

Ao mostrar que o mundo teve seu início a partir da música dos Ainur sugerida por Ilúvatar, podemos lembrar do conceito de Ideia, Energia e Poder, de Sayers, que além de deixar mais firme a hipótese de Ilúvatar ter mais de uma existência em si mesmo, nos da solo suficiente firme para afirmar a atemporalidade de Ilúvatar, assim como a do Deus Cristão. É possível chegar rapidamente à ideia do filósofo britânico Roger Scruton26 de uma beleza que aponta para algo transcendental, ao se perceber na narrativa de Tolkien que a beleza da criação de Ilúvatar, tanto estética quanto estrutural, na história temporal da criação, deixou os Ainur apaixonados. Mais adiante na narrativa, o autor diz o seguinte: Então, Ilúvatar deu Vida a essa visão e a instalou no meio do Vazio. (TOLKIEN, 2015, p. 15)

Notamos que é Ilúvatar quem provê a vida a todas as coisas, assim como o Deus cristão. Ilúvatar é um deus soberano sobre sua criação e nele se iniciam todas as coisas e dele provém a vida e a existência – outra referência à citada teologia paulina. Saindo um pouco dos capítulos referentes à cosmogonia tolkieniana e nos voltando para outras afirmações a respeito dos atributos de Ilúvatar ao longo do livro, identificamos no capítulo De Aulë e Yavanna a seguinte declaração de Ilúvatar frente à criação precoce de Aulë, os anões: Tua oferta aceitei enquanto ela estava sendo feita. Não percebes que essas criaturas têm agora vida própria e falam com suas próprias vozes? Não fosse assim, e elas não teriam procurado fugir ao golpe nem a nenhum comando de tua vontade. (TOLKIEN, 2015, p. 40)

Neste pequeno trecho, encontramos a reafirmação da soberania e da presciência de 26

Sobre a ideia de beleza citada, consultar o documentário Why Beauty Matters, produzido pela BBC em 2009, assim como o livro Beauty (2009) e O Rosto de Deus (2015), de Roger Scruton.

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Ilúvatar, ao afirmar já ter aceitado a proposta de Aulë enquanto esta ainda estava sendo feita. Se lembrarmos que Ilúvatar está fora do tempo, então entenderemos que este já tinha aceitado a proposta antes da criação material de Eä. Antes de prosseguirmos, é importante ressaltar que a soberania e a atemporalidade de Ilúvatar na obra não incorrem em algum suposto determinismo. Ao contrário, estabelecem apenas mais um diálogo com a teologia cristã. Isso se assemelha muito mais aos paradoxos do cristianismo, como visto anteriormente no pensamento de G. K. Chesterotn, do que propriamente a uma verdade completa. Em uma de suas cartas, Tolkien chega a se referir a Ilúvatar como o Outro Poder, possivelmente ecoando a ideia do Wholly Other de Rudolf Otto,27 e também como o Escritor da História, sustentando a ideia de soberania e dialogando também com a afirmação teológica de ser Deus o senhor da História. Por fim, é possível observar o sentimento de misericórdia na atitude de Ilúvatar frente à situação. Na narrativa, por uma vontade muito grande de criar assim como seu criador, Aulë cria os anões sem o avisar. Ao perceber seu erro, Aulë propõe-se a destruir sua criação com seu martelo. Quando Aulë está prestes a destruir sua criação, Ilúvatar demonstra misericórdia com ela, pois ressalta que a mesma já apresentava emoções e sentimento, ou seja, que esta já apresentava vida e por isso deveria ser poupada.

2.2 Sobre a criação dos homens Aqui observaremos rapidamente alguns trechos onde o autor narra detalhes sobre a criação dos homens, para estabelecermos um diálogo entre os homens da sub-criação de Tolkien e os homens no mito cristão. Este diálogo será importante mais à frente nesta pesquisa para a análise da teodiceia tolkieniana. O autor mostra, no capítulo Do início dos tempos, que os homens foram criados finitos, ou seja, eles foram feitos com um começo e um fim. Tolkien elabora rapidamente a ideia de a morte ser algo presente desde o início e, portanto, ela é algo bom. Ou, como o próprio Tolkien narra, um dom dado aos homens por Ilúvatar. Contudo, esse dom foi corrompido por Melkor, que fez com que os homens entendessem a morte como algo ruim. 28 27

C. S. Lewis dedica seu livro O Problema do Sofrimento ao seu grupo de estudos The Inklings, e logo no primeiro capítulo menciona Rudolf Otto. Ele leva a crer que Otto era um nome comumente citado nas reuniões, assim como o tema do problema do mal e do sofrimento, dando assim mais sustentação para este trabalho. Quanto à ideia do Wholly Other, mais tarde estruturada como o Totalmente Outro do teólogo Karl Barth, veja a obra O sagrado, de Rudolf Otto (2007) 28

Quanto a isso, Tolkien em uma carta para Peter Hastings, em setembro de 1954, assevera: “os Homens são

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A morte é seu destino, o dom de Ilúvatar, que, com o passar do tempo, até os Poderes hão de invejar. Melkor, porém, lançou sua sombra sobre esse dom, confundindo-o com as trevas; e fez surgir o mal do bem; e o medo, da esperança. (TOLKIEN, 2015, p. 36-37).

Pode-se deduzir, com base no catolicismo de Tolkien, que isso é um reflexo da teologia católica. O Catecismo da Igreja Católica, ao falar a respeito da morte, fala que, embora o homem não morresse antes da Queda por um decreto divino, a morte era parte natural do homem, assim como os elfos da sub-criação de Tolkien. A morte é o termo da vida terrestre. Nossas vidas são medidas pelo tempo, ao longo do qual passamos por mudanças, envelhecemos e, como acontece com todos os seres vivos da terra, a morte aparece como o fim normal da vida. Este aspecto da morte marca nossas vidas com um caráter de urgência: a lembrança de nossa mortalidade serve também para recordar-nos de que temos um tempo limitado para realizar nossa vida. [...] Embora o homem tivesse uma natureza mortal, Deus o destinava a não morrer. (Catecismo, 1007).

Também é possível observar que Ilúvatar dá aos homens algo a mais que os próprios elfos ou Ainur. Na narrativa, é através dos homens que a criação se completará: Ele, assim, determinou que os corações dos homens sempre buscassem algo fora do mundo e que nele não encontrassem descanso; mas que tivessem capacidade de moldar sua vida, em meio aos poderes e aos acasos do mundo, fora do alcance da Música dos Ainur, que é como que o destino de todas as outras coisas; e por meio da sua atuação tudo deveria, em forma e de fato, ser completado; e o mundo seria concluído até o último e mais ínfimo detalhe. (TOLKIEN, 2015, p. 36)

Ao dizer que é a partir de uma determinação do próprio deus que os homens passam a buscar algo fora do mundo, ou fora do tempo, Tolkien faz uma clara referência a Eclesiastes 3:11, versículo que afirma que a eternidade foi colocada por Deus no coração do homem. Dessa forma, embora o homem não compreenda completamente Deus, ele passa a buscar sentido para os diversos acontecimentos de sua vida. Isso se conecta com Filipenses 4:11-13, texto em que Paulo mostra que o sentido da vida reside em estar satisfeito em Deus e confiante que ele proverá o necessário, como também postula Mateus 6:30-34. Mais à frente, ao falar a respeito do dom da morte dado aos homens, o autor volta a falar dessa questão da finitude humana, estabelecendo um diálogo com Hebreus 11:12-14: essencialmente mortais e não devem tentar tornar-se ‘imortais’ na carne.” (TOLKIEN, 2006, p. 182). Em uma nota de rodapé nesta mesma carta, o autor acrescenta: “Visto que a ‘mortalidade’ é assim representada como uma dádiva especial de Deus à Segunda Raça dos Filhos (os Eruhíni, os Filhos do Deus Único) e não como uma punição por uma Queda.” (TOLKIEN, 2006, p. 182).

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todos os testemunhos de fé mencionados anteriormente no texto bíblico só foram possíveis porque estes se entendiam como estrangeiros e peregrinos sobre esta terra. Já os filhos dos homens morrem de verdade e deixam o mundo; motivo pelo qual são chamados Hóspedes ou Forasteiros. (TOLKIEN, 2015, p. 36 )

Em seguida, o autor ressalta, como já observado anteriormente, a presciência de Ilúvatar. Ele mostra o conhecimento dele quanto às consequências da existência do homem em meio a diversos acontecimentos, ou, como prefere Tolkien, no torvelinho dos poderes do mundo. Isso, por fim, resultaria em glória para a obra de Ilúvatar. Observamos igualmente que a revelação que os homens têm é progressiva, pois o entendimento da criação só será completo em um tempo vindouro, quando os mesmos completarem a criação através de suas escolhas. Ilúvatar sabia, porém, que os homens, colocados em meio ao torvelinho dos poderes do mundo, se afastariam com frequência do caminho e não usariam seus dons em harmonia; e disse: – Esses também, no seu tempo, descobrirão que tudo o que fazem resulta no final em glória para minha obra. (TOLKIEN, 2015, p. 36).

Aqui notamos um diálogo com a ideia de livre-arbítrio de Agostinho: através das escolhas livres dos homens a criação alcançará a forma para a qual foi planejada. Ou seja, as escolhas livres dos homens estão de acordo com a vontade de Deus e não há nada que possa fugir dos planos dele, como vimos no primeiro capítulo. Voltando rapidamente para o Ainulindalë, vemos novamente a questão do livre-arbítrio dos homens; contudo, vemos também pela primeira vez a ideia de imagem e semelhança apresentada em Gênesis: Portanto, quando os Ainur os contemplaram, mais ainda os amaram, por serem os Filhos de Ilúvatar diferentes deles mesmos, estranhos e livres; por neles verem a mente de Ilúvatar refletida, a qual, não fosse por eles, teria permanecido oculta até mesmo para os Ainur. (TOLKIEN, 2015, p. 7)

Ao mostrar que os homens, diferente dos Ainur, possuem o reflexo da mente de Ilúvatar, o texto estabelece um diálogo com a teologia paulina em 1Coríntios 13.12, além do diálogo com Gênesis já citado. Em 1Coríntios, o apóstolo utiliza a figura de um espelho para estabelecer a ideia de que os homens são parciais e limitados, mas caminham para uma existência plena junto de Deus. Da mesma forma, Tolkien reflete essa ideia em O Silmarillion, como observado anteriormente na história de Aulë. O autor narra o seguinte: “a vontade de fazer coisas está em meu coração porque eu mesmo fui feito por ti.” (TOLKIEN, 2015, p. 40). Também em seu ensaio Sobre Histórias de Fadas, Tolkien elabora a ideia de sermos criadores

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por termos sido criados e, portanto, sermos reflexos de um criador maior. Os homens não só conceberam elfos, mas imaginaram deuses, e os cultuaram, e cultuaram até aqueles mais deformados pelo mal de seu próprio autor. Mas fizeram falsos deuses a partir de outros materiais: suas opiniões, seus estandartes, seus dinheiros; até suas ciências e suas teorias sociais e econômicas demandaram sacrifício humano. Abusus non tollit usum. A Fantasia continua sendo um direito humano: fazemos em nossa medida e a nosso modo derivativo, porque somos feitos, e não apenas feitos, mas feitos à imagem e semelhança de um Criador. (TOLKIEN, 2014, p. 54).

Estes homens, semelhante à doutrina bíblica da Queda, também se corromperam e se desviaram do caminho inicialmente traçado para eles, como está narrado no Akallabêth: a Morte não se afastou da Terra. Pelo contrário, passou a vir mais cedo, com maior frequência e com muitas roupagens terríveis. Pois, enquanto no passado os homens envelheciam lentamente e se deitavam no final para dormir, quando finalmente se cansavam do mundo, agora a loucura e a doença os acometiam. E mesmo assim eles sentiam medo de morrer e entrar no escuro, o reino do senhor que haviam escolhido; e se amaldiçoavam em sua agonia. E os homens se armavam naquela época e se matavam uns aos outros por motivos insignificantes; pois se haviam tornado irritadiços, e Sauron, ou aqueles que ele recrutara para si, percorria a Terra, instigando um homem contra o outro, de modo que o povo murmurava contra o Rei e os senhores, ou contra qualquer um que tivesse algo que eles não possuíssem. E os homens dotados de poder se vingavam com crueldade. (TOLKIEN, 2014, p. 348-349)

Por fim, embora existam diferenças entre os homens da mitologia cristã e os da mitologia tolkieniana, as semelhanças existentes são suficientes para que possamos estabelecer o diálogo desejado. Assim como entende a teologia cristã, os homens da sub-criação de Tolkien apresentam uma história governada por um deus com aspectos semelhantes ao Deus cristão; apresentam a capacidade de escolha, ou seja, são agentes moralmente livres; são seres criados bons e com um propósito inicial já estabelecido, mas devido a escolhas erradas se tornaram “caídos” e corrompidos, assim como afirma a teologia cristã.

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A TEODICEIA DE O SILMARILLION Neste capítulo, procuraremos identificar na obra previamente analisada, O Silmarilli-

on, uma teodiceia agostiniana. Durante essa análise, usaremos como ponto de partida a teoria literária de Tolkien e Lewis a respeito dos contos de fadas, entendendo que O Silmarillion se encaixa na ideia proposta pelos autores. Procuraremos descobrir se a teodiceia aqui encontrada pode ser considerada uma teodiceia tolkieniana, ou seja, parte de um teologia própria de Tolkien, que destoe da teodiceia agostiniana, ou se ela é simplesmente uma reprodução dessa teodiceia. Como já observado por Kevin R. Hensler em seu artigo God and Ilúvatar: Tolkien’s Use of Biblical Parallels and Tropes in His Cosmogony (2013), como também no segundo capítulo desta pesquisa, a mitologia de Tolkien possui diversos pontos de contato com a mitologia cristã. Esta, por sua vez, fazia parte da religiosidade pessoal de Tolkien, que era um católico romano assumido. Por ter sido um católico praticante durante quase toda sua vida,29 e um grande acadêmico, Tolkien recebeu influência clara de autores como Tomás de Aquino e Agostinho, embora não tenhamos encontrado citações diretas deles em sua obra. Afinal, estes teólogos têm extrema significância para a teologia cristã, especialmente para a teologia católica. Contudo, aqui focaremos em Agostinho. Ao desenvolver sua teodiceia, Agostinho teve como pressuposto sua própria religião, o cristianismo, como já observamos no primeiro capítulo. Na teodiceia agostiniana, existem alguns pontos principais que serão essenciais aqui: o livre-arbítrio, o mal enquanto “não ser”, e o mal como corrupção de um bem real. Para que esses pontos façam sentido dentro da subcriação de Tolkien, é necessário que o deus dessa criação apresente mínima semelhança com o deus de Agostinho, que é o Deus judaico-cristão. Portanto, o deus da sub-criação de Tolkien, Eru Ilúvatar, deve apresentar certos atributos específicos: soberania, amor, onipresença, onipotência, onisciência, etc. Estes são os principais, pois sem eles não é possível estabelecer a base para um diálogo30. Como já observamos no primeiro capítulo, ao refletir e tentar encontrar uma resposta 29

Tolkien não foi católico desde o nascimento. Sua família por parte de mãe era tradicionalmente metodista, mas após a conversão de sua mãe, Mabel Tolkien, para a Igreja Católica Apostólica Romana, Tolkien seguiu a religião recém adotada de Mabel pelo resto de sua vida. A influência do padre Francis Morgan, que mais tarde, após a morte de sua mãe, se tornaria seu tutor, também foi de extrema importância para a formação acadêmica e espiritual de Tolkien. 30

Estes pontos já foram observados no segundo capítulo desta pesquisa. Aqui, apenas estabeleceremos mais alguns contatos com a Teologia.

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para o problema do mal, Agositnho se deparou com uma questão: o que é o mal? Depois de muita reflexão, Agostinho percebeu que o mal não tem existência, e nada existe que possa ser considerado como pleno mal. Dessa forma, o Bispo de Hipona percebeu que o mal era um parasita, como afirma C. S. Lewis, ou seja, algo que depende de alguma outra coisa para ser o que é. No caso, o mal só é o que é porque o bem foi algo antes dele. Agostinho entende, portanto, que o mal é uma corrupção, pois corrompe as criaturas que não são sumamente boas. Segundo Agostinho, as criaturas são bens menores e não o próprio bem. Ou, como elabora Dorothy L. Sayers em seu livro A Mente do Criador (2015), os seres humanos são um reflexo da mente de Deus; isso se faz visível através dos reflexos da Trindade nos seres humanos e em seu processo criativo. Para ilustrar isso, Sayers elabora a tríplice criativa: Ideia, Energia e Poder. Começa com a Ideia inicial de um artista antes de executar uma obra, com uma visão atemporal de sua obra completa – reflexo do Deus Pai. Continua com a Energia do processo de construção da obra, que traz a obra ao tempo e ao espaço – reflexo do Filho, o Verbo que trouxe todas as coisas à existência, segundo o Evangelho de João. Por último, termina com o Poder de dar vida à obra ao finalizá-la, fazendo com que esta crie vida própria – reflexo do Espírito Santo, fôlego da vida. Dessa forma, por ser apenas reflexo do Sumo Bem e, portanto, ser apenas parcialmente bom, o ser humano tem a possibilidade, através de seu livre-arbítrio, de se tornar mau ao cometer um ato contrário à sua natureza, que por sua vez é boa. É possível encontrar essa mesma estrutura em O Silmarillion. Como já foi observado, a estrutura agostiniana de mal como corrupção se encontra já no Ainulindalë, quando Melkor corrompe a canção dos Ainur e desenvolve sentimentos contrários à sua natureza: Enquanto o tema se desenvolvia, no entanto, surgiu no coração de Melkor o impulso de entremear motivos da sua própria imaginação que não estavam em harmonia com o tema de Ilúvatar; com isso procurava aumentar o poder e a glória do papel a ele designado. (TOLKIEN, 2015, p. 4).

Em outro trecho, é possível também observar o sentimento de ganância em Melkor e sua vontade de independência: Muitas vezes, Melkor penetrara sozinho nos espaços vazios em busca da Chama Imperecível, pois ardia nele o desejo de dar Existência a coisas por si mesmo; e a seus olhos Ilúvatar não dava atenção ao Vazio, ao passo que Melkor impacientava com o vazio. E no entanto ele não encontrou o Fogo, pois este está com Ilúvatar. Estando sozinho, porém, começara a conceber pensamentos próprios, diferentes daqueles de seus irmãos. Alguns desses pensamentos ele agora entrelaçava em sua música e logo a dissonância surgiu ao seu redor. (TOLKIEN, 2015, p. 4).

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Em uma carta enviada a W. H. Auden, em 1956, Tolkien estabelece mais outra conexão com a cosmovisão cristã. Ele afirma que não existe em sua história um mal absoluto, concordando com Agostinho. Ele entende que o único absoluto é o bem, portanto, Deus. Na minha história não lido com o Mal Absoluto. Não creio que haja tal coisa, uma vez que ela é Nula. Não creio, de qualquer modo, que qualquer “ser racional” seja completamente mau. Satã caiu. Em meu mito, Morgoth caiu antes da Criação do mundo físico. (TOLKIEN, 2006, p. 233).

Em uma carta para Peter Hastings, em setembro de 1954, Tolkien estabelece outro ponto de contato com a teologia agostiniana e, portanto, com a cosmovisão cristã. Ele deixa claro que o mal é decorrente da corrupção de um ser parcialmente bom: Sauron, é claro, não era “mau” em origem. Foi um “espírito” corrompido pelo Primeiro Senhor do Escuro (o Primeiro Rebelde subcriativo), Morgoth. [...] Mas no início da Segunda Era ele [Sauron] ainda era belo de se ver, ou ainda podia assumir uma bela forma visível – e de fato não era totalmente mau. (TOLKIEN, 2006, p. 183)

Dessa forma, percebemos que a ideia agostiniana de mal como um não ser, portanto, uma corrupção, está presente na mitologia de Tolkien. Contudo, para que possamos estabelecer um diálogo minimamente satisfatório, precisamos atestar outros pontos como, por exemplo, os atributos divinos. Como observamos no segundo capítulo, o Deus cristão possui atributos que lhe são inerentes, sem os quais ele deixa de ser o Deus cristão e passa a ser qualquer outro deus. De modo similar, vemos que Eru, deus da criação tolkieniana, também possui atributos próprios que o caracterizam como deus. Para que o diálogo possa ser estabelecido, é necessário que Eru e o Deus cristão possuam certos atributos iguais. Dentre estes atributos, vamos focar nos seguintes: soberania, amor, onipotência, onisciência e onisciência. No capítulo anterior desta pesquisa, analisamos de forma suficientemente satisfatória os atributos de Ilúvatar, concluindo que ele possui os atributos supracitados. Contudo, resta observarmos se estes atributos são iguais ou semelhantes ao Deus cristão. No Catecismo da Igreja Católica, observamos que a ideia de soberania divina está explicitamente presente, especialmente quando se fala a respeito da divina providência: O testemunho da Escritura é unânime: a solicitude da divina providência é concreta e direta, toma cuidado de tudo, desde as mínimas coisas até os grandes acontecimentos do mundo e da história. Com vigor, os livros sagra-

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dos afirmam a soberania absoluta de Deus no curso dos acontecimentos: “O nosso Deus está no céu e faz tudo o que deseja” (Sl 115,3); e de Cristo se diz: “O que abre e ninguém mais fecha, e, fechando, ninguém mais abre” (Ap 3,7). “Muitos são os projetos do coração humano, mas é o desígnio do Senhor que permanece firme” (Pr 19,21). (Catecismo, 303)

Mais adiante, o Catecismo ainda afirma: “O nome Senhor designa a soberania divina.” (Catecismo, 455). Dessa forma, percebemos que a ideia de soberania está presente na obra de Tolkien, da mesma maneira como está presente na teologia cristã. Por ser soberano, Deus é necessariamente onipresente, onipotente e onisciente, pois somente com esses atributos o Deus cristão pode ser verdadeiramente soberano sobre tudo, como afirma a tradição cristã. Outro atributo a ser observado é o amor. Segundo 1João 4:8, Deus é amor. O Catecismo faz a seguinte afirmação sobre este versículo: Mas S. João irá ainda mais longe ao afirmar: “Deus é Amor” (1Jo 4,8.16); o próprio Ser de Deus é o Amor. Ao enviar, na plenitude dos tempos, seu Filho único e o Espírito de Amor, Deus revela seu segredo mais íntimo: Ele mesmo é eternamente intercâmbio de amor: Pai, Filho e Espírito Santo, e destinou-nos a participar deste intercâmbio. (Catecismo, 221)

Como observado anteriormente no primeiro capítulo, ao discorrermos a respeito do problema do mal, é necessário que Deus seja totalmente bom e o próprio amor, pois assim ele não criaria o mal, mas só sua possibilidade. Como observamos acima, na sub-criação tolkieniana está presente a estrutura de mal agostiniana, por isso obrigatoriamente também deve estar presente a ideia de um Deus que é amor, como já observamos no segundo capítulo. Na narrativa bíblica, tomamos conhecimento da criação dos homens em Gênesis 1:27-28 e 2:5-8,18-25. Os homens, segundo a tradição cristã, apresentavam liberdade moral, ou livre-arbítrio, e finitude. Como afirma a própria narrativa bíblica, foram criados à imagem e semelhança de Deus. Quanto à liberdade humana, 31 devemos entender aqui são agentes moralmente livres, capazes de escolher fazer tanto o bem quanto o mal, e não seres com a capacidade de cometer toda e qualquer ação. O Catecismo da Igreja Católica faz a seguinte afirmação a respeito: 31

Embora já tenhamos falado sobre o livre-arbítrio neste trabalho, só agora se faz necessário esta nota, pois agora esse assunto será tratado com mais profundidade, dentro do possível. Portanto, deixamos claro desde já, assim como já afirmamos na introdução deste trabalho, que a intenção do mesmo não é apologética, ou seja, com o fim de defender alguma linha específica de pensamento, mas somente a de tentar explicitar parte do pensamento de J. R. R. Tolkien quanto ao assunto aqui proposto. Por isso, os pressupostos desse trabalho são, sempre que possível e necessário, referentes à teologia católica e não necessariamente irão refletir o pensamento do autor deste trabalho.

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Os anjos e os homens, criaturas inteligentes e livres, devem caminhar para seu destino último por opção livre e amor preferencial. Podem, no entanto, desviar-se. E, de fato, pecaram. Foi assim que o mal moral entrou no mundo, incomensuravelmente mais grave do que o mal físico. Deus não é de modo algum, nem direta nem indiretamente, a causa do mal moral. Todavia, permite-o, respeitando a liberdade de sua criatura e, misteriosamente, sabe auferir dele o bem: Pois o Deus todo-poderoso..., por ser soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal existir em suas obras se não fosse bastante poderoso e bom para fazer resultar o bem do próprio mal. 32 (Catecismo, 311).

O livre-arbítrio, portanto, é um conceito decisivo quanto à possibilidade do homem se unir ou não a Deus. Essa relação redentora, segundo a teologia cristã mais extensa, depende primeiramente de Deus; porém, segundo a teologia católica, esse processo se dá de forma sinérgica. Ou seja, tem Deus como agente principal e o homem como agente secundário. Ainda assim, declara o Catecismo da Igreja Católica: “A salvação vem exclusivamente de Deus” (Catecismo, 169). Dorothy Sayers, ao falar sobre a questão do livre-arbítrio na construção de uma obra literária e sobre como isso é um reflexo de uma verdade real, argumenta: Na terminologia com que estamos habituados a discutir em outros contextos, isso significa que nem predestinação nem o livre-arbítrio são tudo; mas que a vontade, se ela agir de forma livre e de acordo com a sua natureza verdadeira, acabará fazendo a vontade eterna de seu criador, pela graça e não pelo julgamento, ainda que possivelmente por um processo bem diferente e mais demorado do que aquele que lhe poderia ter sido imposto pela força. (SAYERS, 2015, p. 77)

Esse livre-arbítrio, como Sayers mostra, é um reflexo da Imagem e Semelhança de Deus impressa nos seres humanos – ela diz respeito a aspectos do ser humano, e não à aparência física.33 O Catecismo da Igreja Católica afirma: “A imagem divina está presente em cada pessoa. Resplandece na comunhão das pessoas, à semelhança da unidade das pessoas divinas entre si.” (Catecismo, 1702). Outro ponto a ser observado é a questão da finitude humana. Como mencionado anteriormente, a narrativa bíblica e o Catecismo da Igreja Católica deixam claro que o ser humano é finito, ou seja, sua passagem pela terra é momentânea. Como diz Gênesis, o homem é pó e para o pó retornará ao morrer (Gn 3.14). Veja também Jó 3.17,19, que pontua que a morte é o nivelador do ser humano e a todos iguala. Quanto a isso, o Catecismo da Igreja Católica 32 33

A referência desta citação, segundo o próprio Catecismo, é de Agostinho, no livro O Livre-Arbítrio.

Sayers diz: “A expressão ‘à sua própria imagem’ já provocou muita polêmica. Só as pessoas mais simplórias de todos os tempos e nações acharam que a semelhança fosse física.” (2015, p. 39).

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declara: “A morte é o termo da vida terrestre.” (Catecismo, 1007). Mais adiante afirma: Sob suas múltiplas formas – extrema privação material, opressão injusta, enfermidades físicas e psíquicas e, por fim, a morte –, a miséria humana é o sinal manifesto da condição natural da fraqueza em que o homem se encontra após o primeiro pecado e da necessidade de uma salvação. (Catecismo, 2448).

Por sua vez, Ariano Suassuna mostra a fragilidade e a finitude da vida humana em sua peça Auto da Compadecida, através da personagem Chicó, logo após este ver seu amigo João Grilo morrer: Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre. Que posso fazer agora? Somente seu enterro e rezar por sua alma. (SUASSUNA, 1980, p. 134).

Embora a morte limite o ser humano, no entendimento cristão ela é um presente, um dom. Alguns teólogos se propõem a falar sobre o sofrimento na vida cristã. Jürgen Moltmann, em seu livro O Deus Crucificado, elabora a ideia de um Deus que sofre. Para ele: “Um Deus que não pode sofrer é mais pobre do que qualquer ser humano.” (MOLTMANN, apud MCGRATH, 2005, p. 329). Seguindo a mesma linha, o filósofo Nicholas Wolterstorff, em seu livro Lamento, entende que o sentido central de todas as coisas é o sofrimento, pois o Deus redentor sofreu; portanto, também devemos sofrer. Assim, sofrer é o centro, é o sentido das coisas. Sofrer é o sentido de nosso mundo, porque o sentido é o amor, e este sofre. As lágrimas de Deus dão sentido à história. (WOLTERSTORFF, 2007, p. 90).

Dessa forma, Moltmann e Woltertorff – assim como outros pensadores como Timothy Keller, Martinho Lutero, etc. – entendem que, se o próprio Deus não se priva do sofrimento por suas criaturas, então, a partir do momento que o homem se volta para Deus, este sofrerá como seu criador. Por fim, o Catecismo da Igreja Católica diz: “Para os que morrem na graça de Cristo, é uma participação na morte do Senhor, a fim de poder participar também de sua Ressurreição.” (Catecismo, 1006). Nisso ecoa as palavras do apóstolo Paulo, que deseja conhecer a Cristo também em seus sofrimentos para que seja semelhante a ele também na morte (Fp 3.10). Assim percebemos que, embora naturalmente a morte possa ser considerada algo ruim, para os cristãos ela é uma espécie de graça, pois une a criatura eternamente com o seu criador.

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Com esses pontos estabelecidos, temos agora que verificar se estes aspectos estão presentes em O Silmarillion. Primeiramente, podemos observar que os homens, juntamente com os elfos, são os únicos seres vivos de Eä que são chamados de Filhos de Ilúvatar desde sua criação. Portanto, entendemos que estes têm um papel e uma importância vital para o desenrolar da história da Terra-média. Como observado anteriormente: “no seu tempo, descobrirão que tudo o que fazem resulta no final em glória para minha obra.” (2015, p. 36). Por sua vez, o Catecismo da Igreja Católica diz: “Por meio de seu trabalho, o homem participa da obra da criação” (Catecismo, 2460). Dessa forma, pode-se inicialmente perceber que os homens da mitologia tolkieniana têm um nível superior de importância em relação às demais criaturas, tal como os homens da mitologia cristã. Na narrativa do Gênesis, o homem é considerado a coroa da criação, pois esta foi feita para que ele a dominasse. O Catecismo diz que o homem é a obra-prima da obra da criação. Por sua vez, o teólogo Francis A. Schaeffer, em seu livro A Morte da Razão, também entende que o homem, independente do seu estado de Queda, tem uma importância especial na ordem criacional. Ele declara: Jamais estaremos em condições de tratar as pessoas como seres humanos, de atribuir a elas o mais alto nível de humanidade verdadeira, a menos que realmente conheçamos a sua origem – quem essas pessoas são. Deus diz ao homem que ele é. Deus nos diz que ele criou o homem à sua imagem. Portanto, o homem é algo maravilhoso. [...] A Bíblia diz que você é maravilhoso porque foi feito à imagem e semelhança de Deus.” (SCHAEFFER, 2002, p.34)

Em segundo lugar, percebemos que os homens da mitologia tolkieniana também apresentam liberdade moral, ou seja, são agentes moralmente livres, dotados de livre-arbítrio. Como já observado, os homens são, segundo os Ainur, “estranhos e livres” (TOLKIEN, 2015, p. 7). De forma mais clara, no capítulo Do Início dos Tempos, Tolkien assevera que o dom da liberdade dos homens está intimamente conectado com o dom da morte. E com isso, chegamos à última parte, que é a estruturação da teodiceia de O Silmarillion. Se Eru Ilúvatar realmente existe na sub-criação de Tolkien e é realmente bom, por que existe o mal? Por que ele simplesmente não acaba com o mal ou cria um mundo sem a possibilidade do mal? Tal como na teodiceia agostiniana, para respondermos a essa pergunta devemos primeiro definir algumas coisas como, por exemplo, o que é o mal e como ele surge. A existência do mal é clara na obra, mas o que seria o mal nesse universo? Como podemos notar, o mal surge através da atitude de Melkor, que é contrária à criação de Ilúva-

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tar; ou seja, o mal surge a partir de uma escolha errada. Ao criar uma vontade de independência, Melkor corrompeu a criação original de Ilúvatar. Portanto, ele foi o primeiro ser a cometer algo considerado moralmente errado. Seria Melkor, então, a encarnação do mal absoluto? Bom, como já relatamos, para Tolkien isso não existe em sua obra.34 Isso torna esta pergunta muito mais fácil de ser respondida: além de não encontrarmos afirmação em O Silmarillion sobre um mal absoluto, temos uma declaração do próprio Tolkien, pela qual ele afirma não existir esse mal em sua criação e não acreditar na possibilidade de ele existir no mundo real. Portanto, Melkor não é a encarnação do mal absoluto. Como em Agostinho, o mal na sub-criação de Tolkien é fruto da corrupção de seres parcialmente bons, dotados de liberdade moral, criados por um ser sumamente bom. Vimos isso na canção dos Ainur e na ocasião em que os homens cedem às tentações de Melkor e Sauron. Vimos o livre-arbítrio de todos os seres criados (não somente homens e elfos) principalmente no relato da criação dos anões, quando Aulë desobedece Ilúvatar e traz anões ao mundo antes dos Filhos de Eru. Portanto, o livre-arbítrio, como em Agostinho, é essencial para a possibilidade de existência do mal. Este, por sua vez, existe apenas em um sentido metafísico. Ele é, como afirma Lewis, apenas um parasita, pois depende do bem para existir. Sabendo que o mal é o “não ser”, como defendem Agostinho e Sayers, e que este só existe a partir do livre-arbítrio usado de forma contrária à natureza da criatura, resta-nos a pergunta: por que Ilúvatar permite que esse mal exista? Diferentemente da resposta da teodiceia agostiniana, a qual oferece uma resposta a partir da lógica filosófica e teológica, a resposta da teodiceia de O Silmarillion é fornecida pelo próprio Eru Ilúvatar. Ao exortar Melkor, após este ter distorcido a canção dos Ainur, Ilúvatar mostra que é ele o soberano e que nada sai de seu controle, nem mesmo a corrupção livre de Melkor: E tu, Melkor, verás que nenhum tema pode ser tocado sem ter em mim sua fonte mais remota, nem ninguém pode alterar a música contra a minha vontade. E aquele que tentar, provará não ser senão meu instrumento na invenção de coisas ainda mais fantásticas, que ele próprio nunca imaginou. (TOLKIEN, 2015, p. 6).

Tal como é necessário que exista uma queda para que algo se levante, é preciso que 34

Em carta não enviada a W. H. Auden, Tolkien escreve: “Na minha história não lido com o Mal Absoluto. Não creio que haja tal coisa, uma vez que ela é Nula. Não creio, de qualquer modo, que qualquer ‘ser racional’ seja completamente mau. Satã caiu. Em meu mito, Morgoth caiu antes da Criação do mundo físico. Na minha história, Sauron representa uma aproximação do completamente mau tão próxima quanto possível.” (TOLKIEN, 2006, p. 233).

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exista o mal para que o bem supremo se manifeste. É exatamente assim que ocorre na subcriação de Tolkien. No capítulo Do Sol, da Lua e da ocultação de Valinor, Manwë fala o seguinte para Mandos: exatamente como Eru nos falou, uma beleza ainda não concebida chegará a Eä, e ainda terá sido bom que o mal tenha existido. – E mesmo assim continuará sendo o mal – retrucou Mandos. (TOLKIEN, 2015, p. 116)

Percebemos, então, que o mal não fazia parte do plano original de Eru, porque não constava nos temas dos Ainur – afinal estes perceberam a desafinação de Melkor, por não conhecerem a canção que ele estava entoando. Contudo, a existência iminente do mal no mundo que Ilúvatar iria criar era previamente conhecida por ele, antes mesmo de este sugerir os temas para os Ainur, pois este é soberano e se encontra fora do tempo. Dessa forma, concordamos com Sayers, no livro A Mente do Criador, e com o próprio Tolkien em diversas de suas cartas, que o mal é uma porta de entrada para o bem supremo, pois gera a possibilidade de o bem agir. Por fim, concluímos que a teodiceia aqui encontrada é a mesma elaborada por Agostinho. Assim, sugerimos que nossa hipótese inicial de que há uma teodiceia agostiniana em O Silmarillion está comprovada. No entanto, o mesmo não pode ser dito quanto à hipótese de uma possível teodiceia tolkieniana. Existem pontos teológicos na obra de Tolkien que podem ser considerados parte de uma teologia própria do autor, uma “teologia tolkieniana”. Todavia, entendemos que seu entendimento sobre o problema do mal não se encaixa nesta teologia específica,

mas

é

apenas

derivação

da

teologia

agostiniana.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS No primeiro capítulo deste trabalho, procuramos entender de forma panorâmica, o problema do mal do ponto de vista agostiniano, tendo como ponto de partida os pensamentos de Lewis, Chesterton, Aquino e o próprio Agostinho. Lá, entendemos que o mal, para o pensamento agostiniano, nada mais é do que o “não ser”, ou seja, o mal não é algo em si mesmo e não possui uma existência física. Para essa escola de pensamento, o mal é a corrupção de seres parcialmente bons e moralmente livres. Em seguida, observamos rapidamente se a fé cristã não incorreria em uma espécie de determinismo, caso confrontássemos a teodiceia exposta com alguns dos atributos do Deus Cristão, tendo como base os pensamentos de Chesterton e Lewis, pois caso a resposta fosse afirmativa, a teodiceia exposta estaria refutada. No entanto, entendemos que a ideia de paradoxos de Chesterton junto com a ambiguidade do mal no pensamento de Lewis, foram suficiente, ao menos para essa pesquisa, para mostrar que embora seja extremamente lógico, o determismo falha justamente no seu excesso de lógica. Em seguida, analisamos também apenas de forma panorâmica a ideia de Lewis e Tolkien quando os contos de fadas e natureza dos mitos, pois compreendemos que essa ideia, contudo a teoria literária de Tolkien, sustentam nossa tentativa de estruturação das teodiceias, tanto da agostiniana quanto da tentativa falha da tolkieniana, presentes em O Silmarillion. Como já foi observado, essa Tolkien e Lewis entendiam os mitos e contos de fadas como um reflexo de um história maior, a história do Evangelho. Sendo assim, todas as histórias criadas pelos homens têm, ainda que de forma escondida, um reflexo da criação original, por isso, é possível encontrar pontos de verdade, partindo do pressuposto cristão, em todas as obras, como observamos também no pensamento de Sayers no decorrer do trabalho. Dessa forma, nossa pesquisa se justifica e se apoia nessa ideia para procurar elementos de verdade na obra de ficção O Silmarillion. No segundo capítulo, buscamos encontrar em O Silmarillion, pontos de contato com a teologia cristã. Contudo, nos focamos mais no livro de Tolkien do que propriamente na teologia. Neste capítulo, mostramos especificamente, os pontos de contato de Eru Ilúvatar com o Deus Cristão e os pontos da criação dos homens da sub-criação de Tolkien. No terceiro capítulo, realizamos estruturamos melhor esses pontos de contato realizados no capítulo anterior, mas dessa vez com um enfoque maior na teologia cristã e em algumas cartas de Tolkien. Para assim, caminhar mos para o final desta pesquisa, onde estruturamos a teodiceia de O Silmarillion. Onde concluímos que, se entendermos o mal como Agos-

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tinho, ou seja, apenas como a vontade corrupta e não um ente material, podemos facilmente afirmar que Melkor não é a encarnação do mal. Caso este fosse, não teria se corrompido, mas teria sido criado mau. Isso faria com que as afirmações quanto à bondade de Ilúvatar fossem logicamente contraditórias à estruturação de Eä e, portanto, isso não poderia ser caracterizado como uma teodiceia agostiniana. Sabemos que o mal é, como afirma Agostinho, a corrupção de um bem real, e que Melkor não é a encarnação do mal, porque não existe um mal fisicamente encarnado. Devemos, por fim, nos questionar se o livre-arbítrio, tal como na teodiceia agostiniana, é importante para o surgimento do mal na Terra-média. Podemos afirmar isso sem maiores problemas. Como observamos, Sayers argumenta que o livre-arbítrio é parte importante para uma criação verdadeira. Caso este não exista, ou seja absurdamente reduzido, a obra criaria uma barreira com a realidade e tornaria qualquer tipo de crença nessa criação secundária impossível. Para Sayers, ao agirmos do modo como Deus quer, exercemos o nosso livre-arbítrio de forma perfeita. Nossa natureza é livre, mas, devido à Queda, fomos corrompidos; portanto, não exercemos mais essa liberdade de forma plena, mas apenas de forma parcial. Segundo Agostinho, só podemos agir segundo a vontade de Deus, se Deus agir primeiramente em nós. Como ele próprio diz: “Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora!” (AGOSTINHO, 2013, p. 299). Assim, o amor a Deus é parte natural do ser humano; ao agir contra a sua natureza, este utiliza o seu livre-arbítrio de forma errada. Com isso em mente, notamos que, como afirma Tolkien em suas cartas e na narrativa de O Silmarillion, Melkor não é um ser criado mau, e sim bom. Levando em conta que Ilúvatar, como o Deus cristão, é sumamente bom, este não pode, segundo a lógica de Agostinho, criar o mal, mas somente a possibilidade de mal, ou seja, o livre-arbítrio. Assim, concluímos que o livre-arbítrio na obra de Tolkien é parte essencial para a existência do mal. Podemos ver também que o mal atua nos homens da mesma forma. Observamos no segundo capítulo que Melkor corrompe a ideia de morte dos homens, fazendo-a passar de bênção para maldição e desespero. Na narrativa do Akalabêth, vemos o resultado dessa corrupção: os homens passaram a se desesperar e não mais abraçar a morte como parte de suas vidas, mas passaram a temê-la. Assim, concluímos que a teodiceia aqui encontrada não é uma teodiceia exclusivamente tolkieniana. Não há nada de novo em sua estrutura, pois ela remete à teodiceia agostiniana do começo ao fim. Embora alguns pontos não levantados nesta pesquisa possam ser

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considerados parte do que poderíamos chamar de uma teologia tolkieniana, a teodiceia aqui encontrada não faz parte desse conjunto de ideias. Por fim, sugerimos que a teodiceia exposta por Tolkien em sua obra e em suas cartas é evidência suficiente para considerá-lo não somente como um literato, mas também como um teólogo

leigo,

tal

como

seu

amigo

Lewis.

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