Trabalho de epistemologia sobre Tecnica e Subjetividade

July 23, 2017 | Autor: Júlia Câmara | Categoria: Theodor Adorno, Gilles Deleuze, Pierre Lévy, Tecnologia, Subjetividade, Psicologia
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Tecnologia e Subjetividade: como a tecnologia constrói modos de ser
Júlia Câmara
Universidade Federal Fluminense


Abordagem histórica:
Antes de começar a falar sobre o assunto da pesquisa Subjetividade e Tecnologia é importante ressaltar que essa subjetividade que é produzida é da sociedade atual, e para isso, o texto "Post-scriptum sobre as sociedades de controle" de Gilles Deleuze foi escolhido para situar o leitor ao o que está sendo abordado.
De acordo com Deleuze a sociedade atual vive em um momento que procedeu a sociedade disciplinar que esta ainda procedeu à sociedade de soberania. Para explicar a sociedade de controle, é necessário entender essas duas sociedades que vieram antes.
Deleuze se baseia em Foucault para essa construção de pensamento, já que essas duas sociedades anteriores foram estruturadas por ele. Dando primeiro enfoco na sociedade de soberania. Essa sociedade de antes do século XVII era comandada por um soberano que tinha o poder em suas mãos. O poder para Foucault não era material, ou seja, que era posse de alguém ou de algo, mas era algo que era exercido em uma direção. O soberano então exercia esse poder de maneira descendente, ou seja, em direção aos seus súditos que eram até então sem significação. As vidas dos seus súditos só tinham importância quando de alguma maneira ofendia o seu poderio, e a resolução desse problema não era como nas sociedades mais atuais, como a resolução em instituições, mas era muito mais bruta e simples: uma solução com a morte.
De acordo com Foucault no texto intitulado A Vida Dos Homens Infames (1992) a partir do século XVII, baseado nos seus estudos das cartas régias do Hospital da Bastilha, os súditos começaram a tomar conta um da vida do outro e começaram a querer chamar a atenção do seu soberano. Começaram então a exercer uma micro-prática do poder: contratavam escrivães, na maioria das vezes, para documentar os cotidianos um dos outros de maneira fantasiosa, competindo assim, para ver quem tinha mais poder sobre o outro.
A partir desse momento, eles não eram mais uma massa, uma coletividade pura e simples, começaram a se transformar em indivíduos já que de alguma forma, exerciam um novo tipo de poder com outras relações e outra direção daquela que era exercida pelo seu soberano. Com o nascimento de individuo então, o poder ascendente – esse novo tipo de poder dos súditos- começou a ganhar mais e mais força, decapitando a cabeça do rei e colocando no lugar, o poder das disciplinas já que algo tinha que organizar essa nova sociedade.
O individuo então a partir do século XVIII começa a viver em uma sociedade disciplinar e é controlado por ela. O individuo passa de um lugar fechado a outro e a sua subjetividade é formada por essas formas de confinamento. Se fosse possível fazer uma pergunta para uma pessoa que viveu nesse tempo como "Quem é você?" Esse indivíduo responderia de acordo com o seu pertencimento: "Eu sou filho, eu sou trabalhador, eu sou pai, eu sou estudante..." Ele sempre passava de uma instituição ou de um lugar para outro com um sentimento de encerramento, não percebendo que mesmo mudando de instituição o funcionamento destas continua o mesmo. Se ele no momento estava nos arredores da sua família ele era pertencente à família, se ele estava na escola, ele era aluno ou professor... Há um recomeço do zero como intitula Deleuze em uma sociedade disciplinar que produz moldes que dão ênfase na forma, e na construção de um corpo dócil de maneira lenta de acordo com o tempo que esse individuo passa na instituição.
A partir do final da segunda guerra mundial e principalmente pelo avanço técnico, a sociedade que era então disciplinar, entra em crise porque todas as suas instituições e seus meios de confinamento também entram em crise. Os "interiores" não existem mais: a família e seus membros, as escolas e seus alunos, os hospitais e seus pacientes não conseguem se organizar mais dessa maneira como era nas sociedades disciplinares. Tudo se mescla e as identidades não são assim tão fechadas.
Tudo entra em reforma infinita, e nada mais dá conta de exercer o poder. O poder se espalha no ar. As instituições que geriram os indivíduos não estão mais conseguindo segurar o que a tecnologia está impondo na sociedade. Entrando assim, em uma sociedade de controle.
Nesse tipo de sociedade, não há a construção de uma subjetividade pelo confinamento já que o poder e a modulação (não mais um modelação) estão em todos os lugares de maneira instantânea e não mais de maneira lenta nas instituições. Com a tecnologia como a escrita e a mídia, modos de ser são impostos para a sociedade 24 horas por dia criando indivíduos que seguem apenas o caminho que a onda levar.
Nessa sociedade, não há um recomeço do zero, não tem mais um sentimento de encerramento de uma fase para outra, mas sim, uma formação permanente. Nunca deixam de ter várias identidades em um mesmo momento e tem sempre algo a mais para saber e para aprender; nunca terminam nada. Estão em um mundo cada vez mais individual e competitivo que não deixa qualquer encerramento acontecer. Com os celulares que os acompanham em qualquer lugar que vão, mesmo na escola que era lugar para serem alunos, estão ao mesmo tempo sendo amigos, filhos e namorados quando são colocados na obrigação de responder conversas virtuais ao invés de prestar atenção 100% nas aulas expositivas. As pessoas são moratórias ilimitadas vivendo em uma onda que não tem fim. Outra característica das sociedades de controle é que o que interessa não é o individuo e a sua assinatura, porém, a cifra ou a senha delas. O individuo se torna divisível já que não mais importa a sua singularidade, porém o seu "código de barras" e a quantidade de dinheiro que tem para viver em uma sociedade da propaganda que o importante é vender serviços e modos de vida.
Nesse mundo como que fica a produção da subjetividade? É essa a pergunta que gerou essa pesquisa.
Alguns pensadores como Pierre Levy e Theodor Adorno tiveram um olhar sobre o poder das tecnologias que explica um pouco como a tecnologia foi usada pela sociedade e como ela se usou da sociedade para se incluir no mundo.
II – Tecnologia e Subjetividade. Para além do sujeito e do objeto
O mundo está incluso em uma sociedade do controle onde o poder está no ar e em todos os lugares. As pessoas fazem questão de carrega-lo nas suas bolsas para todos os estabelecimentos que vão e usam essa tecnologia todos os dias sem perceber o poder que a mesma exerce no interior psíquico.
Foi criado para estudar as relações entre técnicas e cognição um campo chamado ecologia cognitiva que acredita que tudo que produz uma diferença em uma rede de pensamento é considerado um ator independente da sua origem: ser vivo ou não.
O ser humano a partir do sucesso das tecnologias perde o seu pedestal de único ser pensante. Agora a inteligência ou a cognição se dá em redes em que tudo se interconecta inclusive seres não vivos e instituições e dessa maneira, homens e objetos estão ocupando o mesmo degrau de potência já que transmitem representações e ideais.
Essa rede de pensamento só se constituiu devido ao progresso da tecnologia, fazendo a comunicação entre sujeitos de culturas semelhantes e diferentes conseguirem se comunicar de uma maneira mais fácil. Isso fez com que a cultura e as representações conseguissem se espalhar com mais fluidez e Levy expressou essa fluidez de ideias como uma epidemiologia das representações.
É importante dizer que as representações são criadas pelos seres humanos em conjunto em sua própria cultura, mas a sua transmissão para o mundo todo é feita pelas técnicas e pelas redes coletivas. Cada cultura possui as suas representações, porém seu modo de difundir é o mesmo.
Eu me faço um questionamento: Cada cultura possui suas representações, mas será que elas conseguem colocar mesmo uma barreira que delimita isso na sociedade de hoje em dia? Ou elas estão cada vez mais aglutinadas?
A partir dessa técnica algumas representações que antes não podiam ser conservadas passam a ser e também novos processamentos de informação se tornam possíveis, surgindo novas representações. Levy deixa bem claro que o pensamento agora se torna algo mais coletivo do que individual, ou seja, a subjetividade formada pela sociedade de controle não dá ênfase a ideias pessoais, mas aqueles pensamentos que são massificados.
Dessa maneira parece que ele fala de uma maneira pessimista, mas na verdade, Levy tem uma concepção que com o pensamento coletivo finalmente irá fazer a sociedade entrar em um mundo democrático e sem desigualdades, ou seja, ele tem um pensamento romantizado sobre as tecnologias.
As pessoas vivem em um mundo em que as representações dizem como viver e que ideologias seguir. No mundo antigo, por exemplo, a escrita, que era uma tecnologia na época, era usada praticamente para organização econômica, mas atualmente, com a internet, a tecnologia é utilizada como forma de propagação de ideias e manutenção de um pensamento coletivo. Não é atoa que quem não tem um anseio de expor aquilo que pensa e aquilo que faz na internet é visto como um ser diferente daqueles que já estão postos nesse tipo de mundo e consequentemente é excluído do meio social (que normalmente se passa nas mídias tecnológicas). Coletivizar um pensamento interno é algo quase que necessário no mundo atual, e com redes sociais como o Facebook e Twitter, essas ideologias se tornam cada vez mais propagadas.
Levy fala que a tecnologia não passa de uma instituição. Ela serve para organizar e estruturar a sociedade da melhor maneira que essa instituição achar melhor. Ela mantem a ordem da sociedade em geral e constrói os próprios moldes para a sociedade seguir.
A mente se baseia nas instituições para organizar os pensamentos e as memórias, e como a instituição tecnologia passa representações de pensamento coletivo, a mente se organiza modulando o pensamento para seguir essa ideologia.
Por mais que Levy sempre fale de um pensamento coletivo ele também não despreza o poder dos indivíduos. Por mais que seja a cultura que comande os limites e as analogias do pensamento de uma sociedade, reorganizar e colocar em questão uma parte dessas delimitações é papel do indivíduo. É a partir desse conceito que ele defende as revoluções que acontecem no mundo.
Levy se contradiz quando tenta colocar a importância do individuo na sociedade. O individuo tem o poder de começar uma reconstrução, mas ao mesmo tempo, se este não tiver o respaldo de uma sociedade em massa, não ganha atenção e a sua indignação não afetará em escala mundial. Aqui, mais uma vez, o social e a tecnologia se colocam como atores mais importantes do que o próprio individuo, já que é a partir deles que ideias novas se transformam em modificadores de culturas.
A tecnologia intelectual, enfim, não é algo simples de ser estudado, ela deve ser estudada de forma múltipla porque ela se constitui a todo momento, não existe um conceito fechado sobre ela. Além disso, essas tecnologias intelectuais não tem uma única produtividade, cada ator, pode interpreta-las de maneiras diferentes e utiliza-las para bem quiser.
Levy então no final do seu texto defende a sua ideia: "chegamos mesmo a adiantar que os grupos, enquanto tais eram dotados de pensamento (o que não quer dizer consciência). Mas esta posição tem sobretudo o efeito de fazer proliferar as subjetividades, e não de apaga-las." Pag 91
Ele acredita que essa ideia de que a sociedade tem um pensamento coletivo, não faz o indivíduo sumir nesse cenário, mas que ele possua assim, uma múltipla subjetividade. Ele defende que a tecnologia ajudou o ser humano a ver outras possibilidades de construção e de comunicação e que de alguma forma essa tecnologia irá fazer com que o mundo, pensando de maneira coletiva, se transforme em algo mais igualitário.
III – Subjetividade e tecnologia. Técnica, corpo e coisificação: notas de trabalho sobre o tema da técnica em Theodor Adorno
Diferentemente de Pierre Levy, Theodor Adorno tem uma visão mais pessimista sobre a técnica e como ela transformou o pensamento das pessoas. Isso se deve, basicamente, ao tempo em que ele viveu: em plena segunda guerra mundial.
Adorno acredita que a sociedade regrediu ao estágio mitológico da inteligência por onde a técnica foi o meio de transporte desse processo. Os seres humanos estavam em progresso na época do Iluminismo, mas com o sucesso da técnica, recaíram. Esse estágio tiraria todo o raciocínio das pessoas e o conteúdo dos seus pensamentos seriam de novo a dominação e a barbárie.
Essa visão drástica de Adorno se dá ao fato dele estar presente em uma das épocas mais difíceis da humanidade, onde pessoas por nenhuma razão palpável matavam outras pessoas, como aconteceu na segunda guerra mundial. Adorno estava procurando uma explicação para essa guerra e se apoiou no avanço acelerado da tecnologia.
Adorno cria o conceito de desumanização que foi gerado devido aos avanços tecnológicos. Ele fala que foi a maior controvérsia o que aconteceu: os avanços tecnológicos eram para seguir com o progresso humano, mas na realidade, parece que os humanos estão deixando de ser inteligentes e virando maquinas. Além disso, haveria uma relação dos humanos com a técnica de modo exagerado, irracional, patogênico. A técnica então começa a ser usada em si. Não como algo que facilite a vida dos homens, mas a técnica usada como técnica. Há então um fetiche da técnica, como ele mesmo conceitua.
Posso aqui fazer uma ligação entre os dois textos: Levy, fala da técnica como algo bem mais complexo e que os seus atores que tem a liberdade de interpretarem a técnica de várias maneiras para usá-la como bem entenderem. Levy ainda defende o uso da tecnologia pela tecnologia, porque é ela que difunde as ideias e as representações que serão seguidas pelo pensamento coletivo. Adorno, não aceita essa visão e ainda critica a mesma. Para ele, a técnica era para ser usada como um braço direito do homem e não usada como própria técnica. Para ele, por exemplo, a escrita, deveria ser usada ou para facilitar o mundo econômico, politico, ou como obra de arte, que é outra coisa que ele defende. Nunca deveria ser usada para processos banais como hoje é utilizado, como por exemplo, nos blogs.
Adorno é completamente pessimista em relação a técnica e ao mal que ela usada em abuso provoca nos seres humanos. A técnica possui uma posição definitiva na sociedade inclusive ao que se diz em distribuição de energia psíquica. Ela cria pessoas tecnológicas: Representa a identificação cega com o coletivo, ao mesmo tempo em que serviria para manipular as massas. As pessoas perdem a sua individualidade que ainda tinham e agora começam a se preocupar com os problemas da coletividade, seja eles escolares, esportivos, políticos, ou em sentido mais estrito, nos esquemas da indústria cultural.
Adorno participou da Escola de Frankfurt que construiu muitos conceitos que criticavam veementemente o modelo capitalista que a sociedade estava (está) mergulhada. Usam como método a dialética negativa: acreditam que nada acontece por acaso, principalmente no que diz respeito as relações dos homens. Tudo pertence à uma estrutura em movimento. Essa dialética é negativa porque eles são melancólicos já que acreditam que essa sociedade que tanto criticam está acabando com o direito das pessoas de viverem e de devir.
Além de terem uma visão marxista, eles também pegaram informações que vinham da psicanálise, por exemplo, para explicar sobre a libido objetal das pessoas, que no caso, era o fetiche. A indústria cultural foi um conceito que Adorno criou que designava ao valor da arte na sociedade: a maquina capitalista estaria apagando aos poucos a arte erudita quanto a arte popular e transformando-as em pura matéria para a massificação geral. A arte seria puramente mercadoria.
Ele ainda acredita que essas pessoas tecnológicas perdem os seus libidos e viram apenas um material da técnica. Seus amores eram absorvidos por coisas e as relações com as outras pessoas ficaram cada vez mais pobres porque não tinham mais capacidade para ama-las. Os seus gestos ficaram cada vez mais brutos porque foram impostos à uma educação dos gestos humanos devido a crescente tecnificação, a uma (des)subjetivação ancorada no corpo. Isso se deu porque as pessoas perderam o seu sentimentalismo, e a sua critica pessoal. Viraram apenas massa, ou apenas pregos em uma maquinaria capitalista.
Isso geraria então uma falta de experiência, ou seja, uma falta de potência de vida, todos virariam soldados, funcionários dóceis da sociedade. Isso tudo junto, que foi causada pela crescente tecnificação dos humanos, gera uma capacidade de destruição que é baseada na maquinaria de guerra. Há além disso, uma estetização da guerra que não acontece de maneira espontânea, tem hora marcada e aparece cada vez mais na indústria cultural. Quer dizer, a guerra passou a ser mais um material da sociedade e que agora, ela tem hora marcada para acontecer, como se fosse uma novela assistida diariamente pelas pessoas em suas casas.
Como um exemplo bem atual, está acontecendo isso no mundo islâmico, que por motivos religiosos matam os seus prisioneiros e filmam para no mesmo momento que isso está acontecendo, uma multidão em suas casas vejam pela internet. Quer dizer, eles estão usando a técnica para produzir medo na multidão e também para mostrar o seu poder de dominação.

IV – Conclusão:
A sociedade atual é uma sociedade tecnológica sem dúvidas, porém, não tem porque ver as coisas de uma maneira tão radical como Adorno viu. As pessoas são seres tecnológicos, mas nem todos possuem só por causa disso um grau de dominação maior sob os outros, ou um grau de maleficência.
O mundo em que os sujeitos estão vivendo, modificou até os meios neuronais deles e isso não é de se questionar. A maneira que pessoas de sessenta anos pensam, não é a mesma maneira de bebês recém nascidos no século XXI pensam, já que eles já nasceram com os seus neurônios já prontos para a tecnologia. Há de certa maneira um modo de produção de subjetividade bem mais complexa e diferente daquele de décadas passadas, mas isso não quer dizer que essa mudança foi algo negativo.
Esse mundo técnico está integrando as pessoas e criando ainda novas relações entre pessoas que se não fosse pela tecnologia não se conheceriam. A tecnologia está ajudando pessoas que não conseguiam se mexer – por vários motivos – dar seus primeiros passos.
Porém, por outro lado, a tecnologia também é usada como uma ferramenta de terror e de dominação, ela também é usada como um meio de roubo e de farsa.
Definitivamente, a tecnologia mudou os seres humanos, mas será que temos que dizer ao certo como isso aconteceu?












Referências bibliográficas:
Deleuze, Gilles. (1992). PostScriptum sobre as sociedades de controle. Conversações (pp.219- 226). Rio de Janeiro: Editora 34.
Levy, Pierre. (1993). Para além do sujeito e do objeto. As tecnologias da inteligência
(pp.83- 91). Rio de Janeiro: Editora 34.
Bassani, Jaison J. Vaz, Alexandre F. (2008, jan./abr) Técnica, corpo e coisificação: notas de trabalho sobre o tema da técnica em Theodor W. Adorno. Educ. Soc., Campinas, v. 29, n.102, pp. 99- 118.

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