Trabalho final Identidade docente e politicas educacionais

August 1, 2017 | Autor: Doan Cruz | Categoria: History, Education, Learning and Teaching, History Teaching
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A carta de repúdio pode ser acessada no site da Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), através do link: http://www.anped.org.br/news/carta-aberta-ao-senado-federal-em-repudio-a-declaracao-preconceituosa-do-sr-claudio-de-moura-castro (acessado em janeiro de 2014). O pronunciamento aqui exposto encontra-se reproduzido na carta de repúdio.
Parte das discussões aqui propostas integra a pesquisa de Mestrado (em andamento) que estuda as identidades docentes e as representações sociais de professores de História, cuja ação profissional se desenvolve no ensino básico público da região dos Inconfidentes (MG), abrangendo escolas municipais e estaduais dos municípios de Acaiaca, Diogo de Vasconcelos, Itabirito, Mariana e Ouro Preto, que estão sob jurisdição da Superintendência Regional de Ensino de Ouro Preto. A pesquisa se encontra sob orientação do Prof. Dr. José Rubens Lima Jardilino e está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Ouro Preto.
Ver SILVA, Tomaz Tadeu da. "A produção social da identidade e da diferença". In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 10. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
Tal agrupamento é concernente à nossa tentativa de organizar as múltiplas noções de identidade encontradas nas diferentes abordagens sociológicas sobre o tema, conferindo aqui apenas uma proposta de divisão, que traz um grau de simplificação e que certamente não esgota o tema, tampouco insere todos os estudos e vertentes possíveis.
HALL, Stuart. A Identidade cultural da pós-modernidade. DP&A Editora. 10ª edição, 2005. CASTELLS, Manuel. O poder da identidade – A era da Informação: Economia, sociedade e cultura Volume II. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003
Tais perspectivas de investigação podem ser pensadas nas fronteiras entre Antropologia, Sociologia. Estudos Linguísticos e Psicologia social. Talvez as abordagens que também se fundamentam em um viés psicanalítico também pudessem ser pensadas nesse grupo.
POLLAK, Michael. Memória e identidade. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.5, n.10, 1992.
LOPES, Luiz Paulo Moita. "Socioconstrutivismo: discurso e identidade social." In: Discursos de identidades: discurso como espaço de construção de gênero, sexualidade, raça, idade e profissão na escola e na família. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2003, p. 13 – 40.
Estamos nos baseando nas seguintes obras: DUBAR, Claude. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Tradução Andréa Stahel da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2005; ________. A crise das identidades: A interpretação de uma mutação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009; _______. "Trajetórias sociais e formas identitárias: alguns esclarecimentos conceituais e metodológicos". Educação & Sociedade, v. 19, n. 62, Campinas, abril de 1998 (online). Disponível em:. Acessado em Dezembro de 2013.
DUBAR, 2005, op. cit. p. 139.
DUBAR, 2005, op. cit. p.
SCHAFFEL, Sarita Léa. A identidade profissional em questão. In: CANDAU, Vera Maria (org.). Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 102-114.
DUBAR, 2005, op. cit. p. 148.
DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. A Construção do campo da pesquisa sobre formação de professores. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade. Salvador, v. 22, n. 40, p. 127-136, jul./dez. 2013.
NÓVOA, António. "Os professores e as histórias de suas vidas". In: NÓVOA, António (org.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1995, p. 16.
NÓVOA, António (org.). Profissão Professor. Porto: Porto Editora, 1999, p. 20.
MARCELO, Carlos. A identidade docente: constante e desafios. Trad. Cristina Antunes. Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação Docente. Belo Horizonte, v.1, n.1, p. 109-131, ago./dez. 2009
PIMENTA, Selma Garrido. "Formação de professores: identidade e saberes da docência". In: PIMENTA, Selma Garrido (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 2008, p. 15-35.
SEVERINO, Antonio Joaquim. "Os embates da cidadania: ensaio de uma abordagem filosófica da nova lei de diretrizes e bases da educação nacional". In:BRZEZINSKI, Iria (org.). LDB interpretada: diversos olhares se entrecruzam. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2000, p. 57 – 68.
AFONSO, Almerindo. Reforma do Estado e Políticas Educacionais: entre a crise do Estado – nação e a emergência da regulação supranacional. Educação & Sociedade, ano XXII, nº 75, Agosto 2011, p. 18.
NÓVOA, António (org.). Profissão Professor. Porto: Porto Editora, 1999.
LAWN, Martin. Os Professores e a Fabricação de Identidades. Currículo sem Fronteiras, v.1, n.2, p. 117-130, Jul/Dez 2001.
Para mais informações, ver: FICO, Carlos. Além do golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.
FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da história ensinada. Campinas, São Paulo: Papirus, 1995; _______. Ser professor no Brasil: história oral de vida. Campinas, SP: Papirus, 1997.
SAVIANI, Demerval. Política e educação no Brasil: o papel do Congresso Nacional na legislação do ensino. 6 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.
SILVA, Marcos A. (org.). Repensando a História - Associação Nacional dos Professores Universitários de História. Rio de Janeiro: Editora Marco Zero, 1984.
Ibidem p.10.
FRIGOTTO, G. "Reformas Educativas e retrocesso democrático no Brasil nos anos 90." In: LINHARES, Célia. Os professores e a reinvenção da Escola. São Paulo: Cortez, 2001, p. 57 -80.
PARO, Vitor Henrique. Parem de preparar para o trabalho!!! Reflexões acerca dos efeitos do neoliberalismo sobre a gestão e o papel da escola básica. In: FERRETTI, Celso João et alii (orgs.). Trabalho, formação e currículo: para onde vai a escola. São Paulo, Xamã, 1999, p. 101-120.
AFONSO, 2011, op. cit. p.
CARVALHO, Celso. "Políticas educacionais no contexto de mudanças na esfera pública". In: BAUER, Carlos et. al. Políticas educacionais e discursos pedagógicos. Brasília: Líber Livro Editora, 2007, p.40-41.
Aqui vale a pena mencionar o interessante e recente fenômeno da proliferação de professores que vendem aulas gravadas em vídeo em plataformas e sites da internet, caracterizando um lucrativo negócio que vem crescendo do mesmo modo em outros países. Também poderíamos pensar o "consumo" de elementos de formação continuada, como cursos, oficinas, palestras e outros semelhantes largamente difundidos, que concebem um percurso identitário profissional que se constrói sem um caráter de desenvolvimento profissional efetivamente formativo. Tem-se ai uma fonte de questões produtivas para pesquisas acerca dessas problemáticas.
OLIVEIRA, Dalila Andrade. "As políticas públicas em educação e a pesquisa acadêmica." In: OLIVEIRA, D. A; DUARTE, Adriana (org.) Políticas Públicas: Regulação e Conhecimento. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011, p. 71-89.
Publicado no Diário Oficial da União, Brasília, 9 de abril de 2002. Disponível online: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_02.pdf. Acessado em fevereiro de 2014.
RAMOS, M.N. Matriz de competência. In: OLIVEIRA, D.A.; DUARTE, A.M.C.; VIEIRA, L.M.F. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010 (CD-ROM).


Universidade Federal de Ouro Preto
Instituto de Ciências Humanas e Sociais
Programa de Pós-Graduação em Educação











POLÍTICAS EDUCACIONAIS E IDENTIDADES DOCENTES: PENSANDO APROXIMAÇÕES E PONTOS DE DIÁLOGO NO CAMPO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES








Doan Ricardo Neves da Cruz






Mariana
2014
Doan Ricardo Neves da Cruz









POLÍTICAS EDUCACIONAIS E IDENTIDADES DOCENTES: PENSANDO APROXIMAÇÕES E PONTOS DE DIÁLOGO NO CAMPO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES








Trabalho apresentado à disciplina PGE103 – Estado e Política Educacional, ministrada pela Prof.ª Dra. Regina Magna Bonifácio de Araújo, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Ouro Preto.







Mariana
2014
POLÍTICAS EDUCACIONAIS E IDENTIDADES DOCENTES: PENSANDO APROXIMAÇÕES E PONTOS DE DIÁLOGO NO CAMPO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Resumo
Este texto procura traçar algumas possíveis aproximações entre o tema das identidades profissionais docentes e o campo das políticas educacionais, analisando pontos de diálogo e de conexão entre ambos os tópicos. Inicialmente, procedemos às discussões teóricas sobre um conceito de identidade, analisando algumas especificidades que caracterizam o processo identitário dos professores. A partir daí, enfatizamos o estudo dos aspectos concernentes às relações entre o Estado e as dinâmicas identitárias docentes, pensando-os na perspectiva da história mais recente da profissão e dos efeitos das reformas neoliberais. Com uma abordagem predominantemente sociológica, finalizamos a discussão propondo de que forma as aproximações entre as duas temáticas podem ser profícuas para a compreensão de algumas dimensões da profissão docente na atualidade.

Introdução: Por que política e por que identidade?
Em outubro de 2013, diversas entidades brasileiras e movimentos da sociedade civil que participavam dos debates para a construção do novo Plano Nacional de Educação (PNE) elaboraram uma carta aberta dirigida ao Senado federal em repúdio a uma declaração preconceituosa proferida pelo Sr. Claudio de Moura Castro, economista, articulista da revista Veja e presidente do Conselho Consultivo da Faculdade Pitágoras. Naquela reunião do dia 22 de outubro na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal, o Sr. Claudio de Moura Castro sugeriu, em tom de deboche, que sua proposta ao plano seria oferecer "um bônus para as 'caboclinhas' de Pernambuco e do Ceará se casarem com os engenheiros estrangeiros, porque aí eles ficam e aumenta o capital humano no Brasil, aumenta a nossa oferta de engenheiros (sic)".
O conteúdo de tal fala, expresso em um contexto de debates acerca de políticas educacionais, é bastante representativo na medida em que sugere algumas perspectivas as quais podemos aproximar de determinadas representações e concepções identitárias, sobretudo no que tange ao preconceito regional e racial, ao machismo, assim como a uma posição de subjugação da educação brasileira a elementos estrangeiros. E tais manifestações discriminatórias e ofensivas se mostram historicamente enraizadas nas concepções de mundo e nas práticas de diferentes grupos da sociedade brasileira.
As polêmicas em torno do referido pronunciamento nos indicam a relevância da análise crítica sobre as concepções identitárias e seus efeitos nos debates políticos sobre educação no país, são também um ótimo exemplo para pensarmos os pontos de interlocução entre as identidades profissionais docentes e as políticas educacionais. Partimos desse fato para refletir sobre algumas possíveis relações entre o Estado, as políticas educacionais e as dinâmicas identitárias docentes, assim como os pontos de interlocução e de debate entre ambos, pensando-os na perspectiva da história mais recente da profissão e no contexto das reformas neoliberais. Nosso objetivo, portanto, é levantar questões e possibilidades de investigação e de análise dentro do campo da formação de professores.

Identidade: breve panorama de formulações teóricas
Nas últimas décadas, a noção de identidade tem aparecido recorrentemente não só em diversos estudos acadêmicos, mas também na mídia, nos discursos dos movimentos sociais e nas reivindicações de diferentes grupos sociais, se desdobrando em adjetivações como identidade de gênero, identidade étnica, etária, cultural, de classe, profissional, etc. A concepção de crise identitária também é outra problemática que tem sido bastante difundida, associada às transformações mundiais e ao fenômeno da globalização, surge principalmente nas questões que envolvem a desagregação de formas antigas de identificação étnica, religiosa ou nacional, assim como na competição e conflito entre diferentes identidades. Tentando reconstituir a trajetória do conceito, é possível perceber que a noção apresenta um caráter multidisciplinar e é referenciada, de forma direta ou não, em muitos autores e estudos, na tentativa de se compreender os modos de ação e pensamento dos indivíduos no mundo, assim como as relações dialéticas entre sujeito e sociedade.
Dentro da Sociologia, um dos pontos em comum nos diferentes estudos mais difundidos sobre o tema identidade é justamente o rompimento com as concepções tradicionais, organizadas em uma perspectiva essencialista de um processo identitário compreendido como único e imutável, pois a expansão do conceito nos últimos anos enfatiza a mudança e o caráter referencial da identidade, dependente dos modos de identificação, dos sistemas de palavras e dos nomes que a distinguem em determinado momento histórico.
Ao analisar as principais discussões sobre o tema no campo sociológico, agrupamos os estudos mais difundidos sobre identidades dentro de três "perspectivas" ou "vertentes" principais, que apresentam áreas de intersecção e não são completamente isoláveis entre si: a primeira delas é a que caracterizamos como a perspectiva dos "estudos culturais", representada pelos autores Stuart Hall, Zigmunt Bauman e Manuel Castells. A segunda perspectiva, concernente aos estudos que priorizam o papel da memória, do discurso, dos estudos biográficos e história oral na estruturação das identidades, como nos estudos de Michel Pollak, ou na perspectiva dos estudos linguísticos de Luiz Paulo Moita Lopes. A terceira vertente se refere às análises que priorizam os processos de interação social e socialização nas dinâmicas de construção identitária, como as formulações de Claude Dubar sobre o tema.
O que caracteriza a perspectiva dos "estudos culturais" é uma concepção de identidade que prioriza os seus aspectos variáveis e processuais, decorrente de circunstâncias históricas específicas e profundas transformações recentes nas sociedades ocidentais, como ressaltam Hall e Castells. Destacam as transformações da modernidade que permitiram ao sujeito uma maior liberação das tradições e estruturas, o caráter das mudanças rápidas e contínuas pelos quais teriam passado as sociedades na modernidade tardia, ressaltando os elementos de descontinuidade, fragmentação, de ruptura e deslocamento em tais processos.
Agrupamos em uma mesma perspectiva os estudos que priorizam os elementos da memória, das histórias de vida e história oral, os estudos linguísticos e dos discursos na estruturação das identidades. As formulações de Michael Pollak se debruçam sobre as relações entre memória e identidade, por estarem constantemente em relação com o contexto externo e com os outros sujeitos, atuariam em um trabalho de manutenção, de coerência, de unidade e continuidade do indivíduo, compreendendo a memória como um fenômeno social construído coletivamente. Luiz Paulo Moita Lopes pensa a problemática das identidades na área dos estudos linguísticos, seja considerando a linguagem como discurso e os seus usos nas interações humanas em contextos determinados, pautando-se em uma perspectiva socioconstrutivista.
O terceiro agrupamento abrange as análises que priorizam os processos de interação social e socialização nas dinâmicas de construção identitária, e o quadro conceitual elaborado pelo sociólogo francês Claude Dubar é um dos mais representativos dessa posição. Influenciado pelas perspectivas teóricas do interacionismo simbólico, sobretudo em autores como G. H. Mead, E. Hughes, A. Strauss, P. Berger e T. Luckmann, dentre outros, ao tratar do tema dentro da perspectiva não-essencialista (ou existencialista, como ele mesmo caracteriza), Dubar afirma que os modos de identificação podem ser de dois tipos: as identificações atribuídas pelos outros, caracterizadas como "identidade para o outro" e as identificações reivindicadas pelo si mesmo, isto é, as "identidades para si".
O primeiro modo ou processo diz respeito à atribuição de identidade pelas instituições e pelos agentes que estão em interação direta com os indivíduos, levando em consideração os sistemas de ação em que os sujeitos estão inseridos e as relações de força que se estabelecem entre todos; de dimensão mais coletiva, pois concerne à identidade dirigida para o outro. O segundo processo corresponde à interiorização e incorporação da identidade pelos próprios sujeitos, isto é, a identidade predicativa para si (pertencimento reivindicado). Neste processo, certas categorias seriam mobilizadas de acordo com a legitimidade "subjetiva" que possuem para o próprio indivíduo e para o grupo a partir do qual ele referencia a identidade-para-si.
A divisão em três "vertentes" que propusemos acima se caracteriza, então, apenas como uma abordagem mais esquemática das principais orientações nas concepções de identidade, contidas nos estudos sociológicos mais difundidos nas pesquisas educacionais encontradas.
O tema das identidades profissionais se insere no surgimento e difusão da sociologia das profissões, cujo processo de institucionalização, segundo Claude Dubar, se originou nos EUA no contexto da grande crise de 1929, com o aumento do interesse pelas associações profissionais. E. Hughes e outros sociólogos reunidos sob o título de escola de Chicago associaram o mundo e as relações do trabalho com a socialização profissional. Posteriormente, a sociologia das profissões se fragmentaria em múltiplas correntes como a sociologia do trabalho, das organizações, das relações profissionais. Com a crise e o aumento do desemprego dos anos 60 e 70 nos EUA e na Europa ocidental, deslocou-se a análise para o funcionamento do mercado de trabalho, segundo Dubar.
A análise das identidades profissionais também aparece como um dos componentes da identidade social dos sujeitos. Segundo Schaffel, a identidade profissional é um dos processos identitários possíveis, servindo como ponto de referência para o indivíduo situar a si mesmo, envolvendo aspirações, desejos, projetos de vida e projeções de futuro. Tem com emprego como fundamento, pois associados aos processos de identificação estão o reconhecimento de competências, representações e saberes característicos da profissão, assim como o domínio de um conhecimento, de técnicas e práticas específicas.
E se considerarmos o papel da esfera do trabalho nas sociedades atuais, podemos apontar que sua importância tem sido cada vez mais estratégica, ultrapassando o campo do simples atendimento às necessidades imediatas da sobrevivência humana, em um processo histórico de consolidação de sua relevância econômica, política, social, cultural e tecnológica. Ao ouvir a pergunta "quem é você?", as pessoas geralmente respondem expressando a profissão que exercem, referenciando-a como uma de suas primeiras ou principais características pessoais. Além disso, em boa parte das sociedades do mundo atual, as pessoas passam mais tempo se dedicando ao trabalho do que ao lazer ou ao tempo com a família. Dessa forma, concordamos com a posição de Claude Dubar de que o trabalho, o emprego e a formação profissional se configuram como áreas pertinentes da identificação social dos indivíduos, ocupando um papel cada vez mais fundamental nos processos identitários.

Identidade profissional docente: algumas dimensões do "ser professor"
O campo de pesquisa da formação de professores é uma área que se consolidou a partir das últimas décadas do século XX, pois segundo Júlio Emílio Diniz-Pereira, a produção acadêmica do Brasil até anos 70 tinha ênfase no treinamento técnico em educação, na dimensão técnica da formação docente e predomínio de uma visão funcionalista, uma vez que inserida no paradigma da racionalidade técnica. Os estudos que expandiram em fins da década de 80 e durante os anos 90 focalizaram questões relativas ao professor, à sua formação, prática e profissão docente, com abordagens sobre o desenvolvimento pessoal, trajetória de vida, formação do professor-pesquisador e do professor-reflexivo.
Em uma posição que destaca os estudos sobre a vida dos professores e das abordagens (auto)biográficas, entrecruzando as dimensões pessoais e profissionais do professor, António Nóvoa analisa três elementos que caracterizariam o processo identitário docente: a adesão a princípios, valores e projetos, referindo-se aos investimentos que se realiza na profissão e na conduta cotidiana; o elemento referente à ação, pois as práticas e escolhas são tomadas de acordo com o jeito de ser do professor, e nesse campo surgiriam influências pessoais e profissionais, e da experiência como elemento norteador; a autoconsciência, uma vez que as ações, decisões e condutas seriam tomadas por meio do pensamento reflexivo.
Ao analisar a história da profissão docente em Portugal, o movimento de secularização e estatização do ensino, a consolidação das normas, ideologias e valores próprios da profissão, Nóvoa ainda destaca que a "identidade profissional não pode ser dissociada da adesão dos professores ao projeto histórico da escolarização, o que funda uma profissão que não se define nos limites internos de sua atividade."
Fundamentado em uma concepção de identidade a qual podemos aproximar das formulações de Claude Dubar, o pesquisador espanhol Carlos Marcelo García propõe uma definição de identidade docente como a auto–percepção do "si mesmo" profissional e que se encontraria influenciada por outros fatores, sendo assim um fenômeno relacional, uma realidade que se transformaria ao longo do tempo em suas dimensões pessoal e coletiva. Ela se relaciona com o desenvolvimento dos professores e com os seus processos de aprendizagem ao longo da vida, envolvendo tanto aspectos pessoais, quanto elementos cognitivos e sociais; dessa forma, seria constituída de "subidentidades" mais ou menos relacionadas entre si e que modificam de acordo com o contexto de ação profissional.
De maneira sintética, o autor também pontua alguns elementos considerados como constantes que perpassariam o processo identitário docente: a socialização prévia no ensino, durante o processo de escolarização básica do docente, o que traria o desenvolvimento de padrões mentais, de crenças relativas ao ensino e à função escolar, assim como a formulação de modelos docentes com quais podem ser criados pontos de identificação; as crenças e ideias sobre o que é ensinar e aprender enraizadas no sujeito desde sua infância até o início de sua trajetória profissional, constituindo um conjunto de experiências que podem orientar a prática profissional; o conteúdo ensinado, o conhecimento que inclui diferentes componentes; as ações, políticas e estudos que apresentam um padrão de competências ao docente, os parâmetros e orientações para o desenvolvimento profissional, assim como modelos de profissionalismo.
No que tange à relação entre dinâmicas identitárias e os conhecimentos profissionais, Selma Garrido Pimenta considera a formação docente e as práticas pedagógicas, ressaltando que a discussão sobre a identidade profissional do professor tem como um dos aspectos principais a questão dos saberes necessários à docência. Garrido destaca, dentre os componentes dos conhecimentos da docência, a experiência tanto da vida escolar como aluno quanto da experiência profissional, os conhecimentos específicos lecionados e seu papel no mundo do trabalho, assim como os saberes pedagógicos.
Podemos afirmar, portanto, que a complexidade do estudo das identidades docentes se evidencia através das múltiplas dimensões que constituem um processo identitário, como: a história da profissão docente; os conhecimentos profissionais e o papel da experiência construída ao longo do exercício profissional; as interações e a socialização com os pares; os modelos profissionais e competências; as concepções de mundo, representações sobre o ofício e sobre a educação; a história de vida dos sujeitos e trajetória biográfica; as demandas e condições atuais da carreira, etc. Dentre essas diversas possibilidades de estudo das identidades profissionais docentes, optamos por aprofundar nos aspectos relativos às aproximações entre o papel do Estado e o processo identitário profissional.

A política e o Estado na regulação das identidades docentes
O campo da política pressupõe conflito e disputa, envolvendo a negociação e o esforço de convencimento, na medida em que a vida em sociedade conduz à escassez de bens e recursos (culturais, econômicos, sociais, simbólicos, etc.) ou a disputas sobre a prioridade e acesso a eles, e a negociação surge como demanda necessária para superar um estado de violência e conflito aberto. Diante disso, inúmeros pensadores, como Hobbes, Rousseau e Maquiavel, passaram a investigar questões relativas à natureza humana, às implicações da vida em sociedade e constituição do Estado.
Segundo Antônio Joaquim Severino, as leis procuram estabelecer uma determinada ordenação do social, como instrumento de organizar as relações entre os homens, perante a necessidade de convivência em comum. A estrutura social seria provida de caráter conflitivo, marcada por hierarquizações, por relações de forças desiguais entre seus membros. Em presença de tal desequilíbrio, sobretudo no projeto da modernidade, a cultura humana investiu nas leis, no direito e na justiça como formas de mediação de direitos e deveres, de organização social tendo o Estado como o gerenciador.
O conceito de Estado–nação, segundo Afonso, pode ser pensado como a articulação que expressa o caráter de coesão e integração, na busca de uma organização do território (política, étnica, identitária) que privilegia a similitude e uniformização nacional. Foi no processo de construção do Estado – nação e da identidade nacional que a escola pública teria se afirmado como
[...] contribuição para a socialização (ou mesmo fusão) de identidades dispersas, fragmentadas e plurais, que se esperava pudessem ser reconstituídas em torno do ideário político e cultural comum, genericamente designado de nação ou identidade nacional [...], lugar privilegiado de transmissão (e legitimação) de um projecto que pretendeu, mesmo coercitivamente, sobrepor-se (e substituir-se) às múltiplas subjetividades e identidades culturais, raciais, linguísticas e religiosas originárias.

Acompanhando o trajeto histórico de constituição do Estado democrático, instituído pela sociedade civil, herança do liberalismo iluminista e das ações burguesas no ocidente que se legitima como o mediador da organização social, há também o processo histórico de profissionalização do professorado, em um movimento de estatização do ensino.
Dessa forma, é preciso considerar que, historicamente, o Estado procura exercer um papel de regulação da identidade profissional docente, atividade que se insere na condução e gestão do sistema educacional. Analisando a história da profissão docente em Portugal, António Nóvoa afirma que o enquadramento estatal contribuiu para que o grupo de professores se instituísse como corpo profissional, como agentes sociais e políticos que se organizaram em associações profissionais. O processo de institucionalização também registra o desenvolvimento das técnicas e dos instrumentos pedagógicos, a consolidação das normas, ideologias e valores próprios da profissão, assim como o corpo de saberes e conhecimentos pedagógicos, a formação específica especializada, integrando uma cultura profissional.
Martin Lawn discute a ideia de que a gestão da identidade dos professores seria algo crucial para a compreensão dos sistemas educativos, defendendo que as alterações nas identidades são manobradas pelo Estado, através do discurso, traduzindo-se num método sofisticado de controle e numa forma eficaz de gerir a mudança. A ação estatal seria um dos elementos capazes de interferir no processo identitário docente, o que poderia ser verificado através dos discursos, regulamentos, serviços públicos, programas de formação, intervenções, propagandas e divulgações nas mídias. O Estado procura, nessa perspectiva, atuar ajustando as identidades do professorado aos projetos da nação e ao discurso oficial, de forma a melhor implementar certas mudanças e reestruturações, ou ainda de forma a controlar a educação.
Para compreender mais profundamente de que forma se constroem algumas relações entre o Estado-nação, as políticas educacionais e as identidades docentes, propusemos mais detalhadamente nas seções adiante alguns possibilidades de diálogo e conexões.

Políticas educacionais e identidade docente por um recorte histórico: processos identitários e os "anos de chumbo" no Brasil
A primeira possibilidade de diálogo entre as temáticas que discutimos é estruturada a partir de um recorte histórico específico, e optamos pelo contexto da ditadura civil-militar no Brasil (1964-1988). No ano de 1964, há uma multiplicidade de variáveis e elementos complexos de curta e longa duração que se entrecruzaram no contexto de eclosão do golpe, tomada do poder por setores de direita e elites conservadoras civis e militares, como a crise econômica, política e social do país, as desestabilizações políticas do governo do presidente João Goulart e a atuação das Forças Armadas nessa conjuntura.
Dentre as várias pesquisas e estudos que descrevem e analisam as políticas educacionais e modificações operadas nos sistemas escolares durante a ditadura civil-militar, ressaltamos as reflexões de Selva Guimarães Fonseca. A autora expõe que as políticas relativas ao ensino básico, assim como os objetivos, os planos e programas educacionais elaborados naquela época dialogam com o ideário dos princípios de segurança nacional, buscando restringir os meios que oferecessem resistência ao regime autoritário vigente. Foi reforçada a perspectiva de uma formação mais específica para o educando e voltada para a capacitação rápida para o mercado de trabalho, em detrimento de uma educação com ênfase em uma formação mais geral, alocando as Ciências Humanas em uma posição mais secundária nos currículos e programas de ensino.
Segundo Selva Fonseca, no âmbito da prática docente foi estabelecido um processo de desqualificação/requalificação desses profissionais, que tiveram sua autonomia limitada ao perder o controle sobre a maior parte do processo de ensino, subordinando-se a uma burocracia, à imposição de material didático e programas de ensino elaborados naquele contexto. A implantação das licenciaturas de curta duração pelo decreto-lei nº 547 de 1969 expressou a necessidade das políticas educacionais se adequarem às demandas econômicas e à lógica de mercado, pois passariam a proporcionar uma formação rápida, exigindo pouco investimento e oferecendo um tipo de profissional que tenderia mais a atender aos objetivos do poder autoritário. Nesse sentido, analisando o papel do Congresso Nacional na legislação do ensino e na política educacional, Demerval Saviani defende que a lei 5.692/71 complementaria o ciclo de reformas educacionais que buscavam adaptar a educação brasileira aos interesses do regime militar. A lei demonstraria uma continuidade em relação aos objetivos da lei 4.024/61, apresentando uma tendência tecnicista assim como a lei 5.540/71 nos princípios de racionalização – concentração, eficiência e produtividade com o mínimo de custo.
Os reflexos de tais políticas nas identidades do professorado podem ser pensados, sobretudo, no que se refere à reestruturação da formação docente, da necessidade de enfraquecer a dimensão crítica da profissão. Nesse sentido, se analisarmos essas medidas como tentativas reguladoras do social dentro do conceito de Estado-nação formulado por Antônio Severino, é possível afirmar que as atividades do governo autoritário procuravam meios de controlar os processos identitários ao estabelecer modelos de competências, habilidades e profissionalismo.
Entretanto, tal modelagem das identidades dos professores não se deu de forma unilateral e totalmente impositiva, pois os movimentos de resistência e oposição também marcaram o contexto educacional da época, verificável nas pressões de movimentos sociais, nas ações de diversos grupos, sindicatos e associações de professores que se mobilizaram no sentido de reivindicar mudanças nas políticas educacionais, revisões nas legislações, nas propostas curriculares e organização dos sistemas escolares.
Como um exemplo, podemos citar uma obra que aponta algumas vertentes representativas do ensino de História que estava sendo delineado naquele contexto, o livro "Repensando a História" organizado por Marcos A. da Silva em 1984. Trata-se de uma produção coletiva de professores do núcleo da Anpuh (Associação Nacional de Professores Universitários de História) de São Paulo que discutiu perspectivas, experiências e balanços acerca da situação da história escolar naquela conjuntura. O fragmento a seguir, retirado da nota introdutória do livro, é representativo dos anseios de transformação:
Contra a perspectiva de serem transformados em 'modelos', sua apresentação como experiências enfatiza exatamente a necessidade da criação por educadores e educandos de seus próprios instrumentos de trabalho a cada novo momento, respondendo aos desafios de uma escola apoiada em normas com a produção de seus próprios desafios às normas.
Quanto à expectativa de homogeneidade, a prática da 'saída única' (conceitual, política ou qualquer outra) tem-se revelado desqualificadora de tudo o quanto escape aos seus próprios termos, no mesmo estilo das proibições oficiais em relação àquilo que se propõe produzir diferenças.

Já no seio do lento processo de redemocratização do Brasil, podemos sugerir o reforço de novos recursos identitários que se articularam em resposta às demandas da conjuntura histórica vigente, valorizando as condutas críticas dos professores e os meios de enfrentamento elaborados no próprio contexto escolar e na atividade cotidiana.
O exemplo do recorte temporal referente às políticas educacionais na ditadura civil-militar é expressivo na medida em que possibilita observar com mais clareza a posição estratégica dos professores e as medidas de um Estado autoritário em regular o sistema de ensino, assim como as saídas e estratégias articuladas pelos processos identitários docentes. Claro que outras possibilidades de recortes temporais são possíveis, e as pesquisas educacionais podem acessar contextos históricos específicos, como pelo cruzamento das análises da documentação oficial sobre políticas educacionais com o estudo de narrativas, memórias, trajetórias biográficas e história de vida de professores, de associações profissionais, etc. Investigações desse tipo podem trazer grandes contribuições para a compreensão do processo histórico de desenvolvimento da profissão docente, assim como podem evidenciar as formas como os sujeitos reelaboram e dialogam com a realidade política em que estão inseridos.

Políticas educacionais e identidade docente pelo contexto neoliberal: a "mercantilização" do ensino (e do professor)
As transformações das últimas décadas do século XX, sobretudo durante os anos 90, registram a progressiva inserção do Brasil na lógica da globalização, do mercado mundial, assim como a formulação de programas e políticas conforme as diretrizes de organismos internacionais como o Banco Mundial. Tais transformações certamente tem tornado o trabalho docente mais complexo, assim como trazem novos elementos aos processos identitários profissionais dos professores.
Para Frigotto, a democracia brasileira e o sistema educativo seriam de natureza mutilada, marcados por projetos societários das forças conservadoras e subordinadas ao grande capital. Na década de 90, o projeto conservador teria sido baseado nas demandas do capital e da ideologia neoliberal, caracterizando um retrocesso no que concerne à mercantilização da educação no plano das reformas educativas. O ideário vigente é o de que a liberdade de mercado conduziria à prosperidade, naturalmente excluindo os incompetentes e inadequados a competir. Para o autor, o ajuste à nova ordem mundial se daria mediante três estratégias: desregulamentação, descentralização/autonomia e privatização. Dessa forma, o campo educativo seria estruturado de acordo com as concepções produtivistas e mercantilistas, enfatizando o desenvolvimento de competências e habilidades voltadas à empregabilidade. Tais concepções atravessariam a criação da LDB e de programas como o FUNDEF, assim como os PCN.
As repercussões dessa conjuntura podem ser verificadas na difusão das noções e perspectivas de qualidade total, competitividade e posturas individualistas. Nesse sentido, Vitor Paro é um dos autores que mais critica o paradigma do mercado aplicado à educação e à escola, analisando os efeitos da lógica neoliberal aplicada à gestão da escola básica. O problema da "gerência da qualidade total" na educação e da ideologia do liberalismo econômico estaria no fato de que tais concepções contradizem aquilo que realmente significaria a emancipação humana e a construção do homem como ser histórico, como também são opostas à educação como a constituição cultural dos sujeitos através da apropriação da herança cultural anteriormente produzida.
Relacionando a configuração das políticas educacionais brasileiras articuladas pela lógica neoliberal com os elementos dos processos identitários docentes, podemos afirmar, primeiramente, que os modos de regulação do Estado sobre as identidades dos professores podem ter assumido algumas formas mais sutis, sob a perspectiva de incentivar e reconhecer maior autonomia, desregulamentação e flexibilização do exercício profissional e das instituições educativas. Entretanto, as redefinições do papel do Estado-nação, sobretudo no exercício do papel de avaliador na educação, segundo Almerindo Afonso, combinam o controle com estratégias de autonomia, sobretudo através das avaliações externas da educação básica que evidenciam a promoção de um ethos competitivo, o predomínio de uma racionalidade mercantil e instrumental que enfatiza dados e resultados mensuráveis e quantificáveis, consolidando-se como um dos eixo das políticas públicas em educação.
Tal exigência certamente tem algum grau de repercussão sobre os recursos identitários dos professores e sobre as atribuições conferidas ao próprio ofício, no sentido de orientar os objetivos profissionais de acordo com as demandas de formação mercado, de exames de processos seletivos e de acesso ao ensino superior, em detrimento de uma formação mais omnilateral. Aqui surge o que Vitor Paro caracterizou como a visão de mundo em que a escola deve contribuir com algum retorno para o sistema econômico, sobretudo sob o discurso de ela deveria ser um meio de ascensão social, perspectiva que acarreta certos modelos de profissionalismo docente e que oferta modos de identificação profissional.
De acordo com Celso Carvalho, os documentos e reformas educacionais no Brasil incorporaram as mudanças e demandas na formação e na qualificação profissional recomendadas pelas agências multilaterais ou supranacionais, associando diretamente transformações na dimensão do trabalho à formação e escolarização. Além disso, as reformas também teriam desencadeado "processos de construção ideológica e de explicação das novas formas de manifestação da vida" difundindo e reforçando uma nova visão de mundo e de homem mais adequada à lógica vigente, acelerando o que o autor caracteriza como um processo de mercantilização do ser social, diante do fetichismo da mercadoria, da aparência e da individualidade.
Se relacionarmos esses aspectos com as concepções de identidade que ressaltam o seu caráter transitório e mutável, podemos interrogar sobre como essa "mercantilização do ser social" também não restringiria certos recursos identitários dos professores, hipertrofiando os elementos e fatores relativos à dimensão profissional que atendem mais ao mercado de trabalho e à lógica econômica capitalista. Nesse sentido, podemos indagar também acerca de como certos recursos identitários e modos de identificação dos professores são tornados mercadorias, considerando que um dos aspectos do processo identitário do professorado, conforme a perspectiva de António Nóvoa exposta mais acima, é justamente a adesão a valores e projetos.

Políticas educacionais e identidade docente pela elaboração e troca de significados e concepções: o ser professor no discurso oficial
O discurso educacional oficial carrega muitos significados e representações sobre o ser professor, alguns instituídos historicamente, outros negociados no espaço de conflito entre os múltiplos referenciais simbólicos e conceitos de educação e de ensino. Dessa maneira, as políticas públicas, legislações e a documentação oficial trazem, de forma explícita ou não, modos de identificação profissional, concepções de formação de professores e de trabalho docente.
Uma das formas de aproximação entre políticas educacionais e identidades docentes é justamente problematizar as concepções de homem, de sociedade, de educação e de professor que estão por trás dessas elaborações oficiais e que fundamentam os referenciais simbólicos relativos aos processos identitários. As análises sobre tais documentações podem considerar também as formas como o conhecimento científico é mobilizado, as categorias mais recorrentes, a ordem em que os objetivos são estabelecidos e enumerados, etc.
Com um enfoque sociológico e fundamentação na Sociologia Política e na Análise das Políticas Públicas, Dalila Oliveira caracteriza a noção de políticas educativas como programas de ação governamental voltadas ao público escolar e implementadas pelos profissionais da educação, que carregam valores e ideais ao mesmo tempo em que geram expectativas, tanto como meio de desenvolvimento econômico como processo de formação humana. Como são políticas públicas, agregam grupos de interesses que participam de sua execução, tendo em geral, sido formuladas em nível central e implementadas em nível descentralizado ou na execução local. Dessa forma, ao analisar a documentação oficial educacional para discutir significados e recursos identitários, precisamos considerar que tal objeto apresenta múltiplas dimensões, pois incorpora a multiplicidade e diversidade de sujeitos e grupos que da sua formulação participaram, não se restringindo apenas ao Estado como entidade geral e abstrata. É preciso considerar ainda que o processo de implementação pode assumir outras lógicas e reorientações.
Como um breve exemplo e de forma mais superficial, podemos sugerir aqui algumas reflexões sobre o documento que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002), estabelecendo "um conjunto de princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular de cada estabelecimento de ensino (...)." Perante tal objeto, podemos nos questionar sobre que perspectivas de identidade docente poderiam ser sugeridas através de seu discurso oficial.
O documento, assinado pelo então Presidente do Conselho Nacional de Educação Ulysses de Oliveira Panisset, traz recorrentemente a noção de competências como eixo estruturante da formação de professores. O termo, que aparece mais de vinte vezes no total e em boa parte dos artigos é listado logo no item I, pode ser sugerido como o elemento privilegiado que articula a identidade profissional docente, desde a orientação da formação inicial e da aprendizagem até o efetivo exercício profissional. A partir daí, podemos colocar a seguinte questão: quais os limites estabelecidos pela noção de competências como fator nuclear do processo identitário docente?
Segundo Marise Nogueira Ramos, as competências

equivalem aos recursos subjetivos (conhecimentos, capacidades, atitudes e valores) mobilizadas pelo profissional frente a situações concretas de trabalho. Quando objetivadas, as competências são enunciadas na forma de desempenhos, utilizando-se, normalmente, a expressão "deve ser capaz de", seguida de um verbo de ação e, posteriormente, do objeto dessa ação.

Entretanto, a autora ressalta que, embora seja um termo elaborado para a análise dos processos de trabalho, as críticas ao emprego dessa noção já são bastante comuns, apontando para a ausência de detalhamento sobre os conteúdos, uma vez que as competências seriam mais uma consequência do que propriamente o conteúdo da formação. Dessa forma, em se tratando de um documento oficial relativo às diretrizes curriculares de formação de professores, será que perspectiva de identidade docente inferida a partir da noção de competências não se estruturaria como um perfil vago e inconsistente? Considerando a complexidade da profissão de professor e as múltiplas dimensões de sua identidade profissional, o que nos indica a concepção de competências como eixo nuclear formativo?
Os problemas levantados acima (de forma bem superficial) são apenas uma possibilidade ou exercício de análise que relaciona as identidades profissionais dos professores com a documentação oficial sobre educação, colocando questões sobre as formas como se estruturam as perspectivas sobre o que é o "ser professor". Nesse tipo de reflexão, as possibilidades de estudo são bem vastas, diante do grande volume de documentação e das perguntas e problematizações que podem ser feitas a partir de tais fontes.

Considerações finais: trazendo o(s) sujeito(s) à tona
Este texto abordou algumas possibilidades de articulação entre o tema das políticas educacionais e o das identidades profissionais docentes, sugerindo algumas propostas de análise seja por recortes históricos, seja contextualizando no campo das reformas neoliberais, ou ainda destacando a potencialidade da análise sobre as concepções e significados atribuídos ao ser professor na documentação oficial. A trajetória aqui traçada, dessa forma, aponta mais caminhos do que elabora análises consolidadas.
Os pontos de conexão entre essas duas temáticas podem ser produtivos porque posicionam como elemento de reflexão a problemática das relações de poder entre os indivíduos e o Estado, entre os significados elaborados por um grupo profissional e os significados forjados na organização de políticas educacionais. As dimensões discutidas a partir desses problemas permitem ultrapassar visões que responsabilizam ou culpabilizam os professores pelos problemas educacionais, ou ainda as perspectivas que consideram apenas um sentido unidirecional da imposição de políticas públicas e regulações oficiais sobre o trabalho docente.
Perante tais possibilidades de conexão, é possível levantar dimensões de análise que trazem à tona o(s) sujeito(s) e suas relações com o contexto político em que sua formação profissional e seu trabalho estão inseridos, evidenciando como esses fatores dialogam com as linhas de força e disputas assimétricas de poder que perpassam as regulações educacionais. Por isso, as visões de mundo, as concepções de educação e de projeto de futuro para o país que fundamentam as políticas públicas precisam ser problematizadas e relacionadas com os sujeitos a quem se referem, para que não sejam perpetuados os preconceitos, as desigualdades e as limitações históricas que tem marcado a formação de professores e as políticas educacionais no Brasil.

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