Trabalho policial e mídia: um perigoso acordo social

July 15, 2017 | Autor: L. Alves de Barros | Categoria: Sociology, Social Sciences, Seguridad Ciudadana
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O artigo analisa as relações entre o trabalho policial ostensivo e a mídia. Aponta para os limites da abordagem dos meios de comunicação em relação ao trabalho desenvolvido pelos policiais bem como as relações da mídia com determinados atores que estão direta ou indiretamente envolvidos na produção, espetacularização, banalização e glorificação das notícias sobre a violência. Além disso, ele analisa o perigoso acordo entre a mídia e a instituição policial acerca do que deve ou não deve ser mostrado sobre o trabalho do policial militar. Palavras-chave: trabalho – polícia – mídia – policial militar.

TRABALHO POLICIAL E MÍDIA: UM PERIGOSO ACORDO SOCIAL? Lúcio Alves de Barros*

Introdução Os media não apenas se referem aos atos violentos, como também exercitam um certo grau de violência ao mostrá-los ao público, a partir de seus modos próprios de enunciação. Esse gesto de violência simbólica ocorre devido ao poder que os meios de comunicação têm de interceder na realidade, dela extraindo fatos, descontextualizando-os, nomeando-os, categorizando-os, opinando sobre eles e expondo-os nas imagens, por vezes exorbitantes, dos closes e big-closes. (Rondelli, 1995: 100) Nós, policiais e jornalistas, nunca vamos nos dar bem. E é bom que seja assim mesmo, porque a função da imprensa é cobrar, exigir. E cobrar correto, exigir correto, com dados. Vocês têm que exigir que a gente volte atrás quando estiver errado. Vocês têm que, inclusive, nos processar, quando a gente for injusto. Nossa função é informar direito e eu sempre vou estar querendo saber o que vocês estão fazendo de errado. Eu sempre vou estar mostrando, para o aborrecimento de vocês, que o certo não importa; o errado é que importa. E é muito chato, eu sei que é chato, mas é assim que funciona a estrutura da notícia. (Gilberto Dimenstein, 1996) “Temos que tomar cuidado, o vandalismo está tomando conta de Belo Horizonte”, disse um comerciante próximo a minha casa. “O Pedro vai deixar a empresa”, diz aos berros o trocador do ônibus. “Por quê?” Pergunta o motorista. “Ele está com medo de ser assaltado”. “Mãe! Coloque sua bolsa para frente”. Diz a criança na fila do banco após um doce olhar sobre minha pessoa. A antropóloga *

- é licenciado e bacharel em Ciências Sociais pela UFJF, mestre em sociologia e doutorando em Ciências Humanas: sociologia e política pela UFMG. Este trabalho é fruto da pesquisa “Segurança e Sociedade: o trabalho policial na encruzilhada” e faz parte do meu projeto de doutorado que conta somente com a bolsa da CAPES destinada para a manutenção da sobrevivência do pesquisador. Desejo agradecer aos comentários do Prof. Luiz Ademir de Oliveira, do Uni-BH e participante do Programa de Doutoramento em Ciência Política do IUPERJ, ao amigo Sérgio e aos diversos policiais que comungaram a mim suas ansiedades e percepções sobre o trabalho da polícia. Como é de praxe, a responsabilidade do resultado das idéias que ora apresento é toda minha. COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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Alba Zaluar, em palestra no I Fórum Metropolitano contra a violência ocorrido em Belo Horizonte, disse que tinha medo da polícia. Um major, sentindo-se visivelmente desrespeitado, afirmou para a pesquisadora que medo de polícia tem quem é bandido. Alba Zaluar retrucou perguntando se ele achava que ela era bandida. Sem discutir o falatório desnecessário naquele e nesse local, o fato é que o pânico e o medo estão disseminados em todas as camadas sociais. A discussão entre a professora e o militar e os casos relatados não são mais do que reações que não apontam para o que é mais importante. O determinante da discussão está velado, para usar um termo policial, nas falas dos atores: em questão está o sentimento que algo não está indo muito bem nas políticas públicas voltadas para a segurança social e individual. E, pior, não existe consenso entre aqueles que de alguma forma materializam opiniões institucionais. Creio que boa parte das pessoas tenha passado ou presenciado tais experiências. A violência cotidiana, mais do que secular e de muitas faces, que atinge a vida de determinadas pessoas, produz sentimentos de medo. Digo sentimentos, pois não existe outra forma para definir a “sensação de insegurança” que, de uma forma ou de outra, vem interferindo e moldando o imaginário social. Não obstante, é possível afirmar que estamos diante de um “novo” problema social? Por que a violência só agora tem invadido o imaginário social e intensificado o sentimento de insegurança? Quais os atores responsáveis por tal investimento? Neste texto não pretendo responder todas essas questões. Porém, com base nelas, procuro delinear três reflexões: a primeira é que a violência tornou-se uma mercadoria como outra qualquer e tal condição tem fornecido a munição necessária para a manutenção do sentimento de insegurança que perpassa a sociedade. Em segundo, afirmo que o principal vilão, ou mesmo refém da “notícia não objetiva” sobre a violência, tem sido o trabalho policial, notadamente o trabalho ostensivo feito pela Polícia Militar. Defendo que os meios de comunicação, em sua maioria, são ignorantes no que concerne aos princípios, valores e a ascese do trabalho de polícia. Essa ignorância, indubitavelmente, tem colocado em xeque não apenas o trabalho dos policiais mas também as instituições responsáveis pela justiça e ordem pública. Concluo apontando para a necessária revisão dos conteúdos e da transparência do fazer jornalístico, um dos poderes responsáveis pela cobrança e averiguação de informações e mensagens indispensáveis à democracia.

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Em terceiro, argumento que a violência, na sociedade contemporânea, tornou-se mais do que uma linguagem de grupos excluídos, desprivilegiados ou que têm interesse em marcar campos específicos de diferenciação social. A violência transformou-se em moeda política, servindo mesmo para garantir notoriedade, espaços no campo mediático, fontes de recursos econômicos e de poder. 1. A violência como mercadoria Os profissionais de televisão, de jornais e rádio têm uma dura missão: fazer com que as pessoas consumam o mais rápido, da forma mais fácil e de maneira mais fidedigna possível, as mensagens produzidas a partir de certos fenômenos sociais, individuais, políticos, econômicos, culturais, sobrenaturais, religiosos, sexuais etc. Existe um grande repertório de manipulação e dividendos financeiros para os profissionais que vivem da produção de mensagens. Não creio ser importante aprofundar nas questões que envolvem a vaidade, a não seriedade no trato do trabalho da mídia, a não busca da objetividade no tratamento das informações e a escassez de rumos éticos que atingem esses profissionais. Caminho por outra trilha de argumentação, chamando atenção para a mercadoria violência. Mercadoria escrita, veiculada nos jornais e nas telas de televisão e vozes no rádio. Mercadoria vendida no escuro para aqueles que compram os horários comerciais e devolvida de forma lapidada, organizada e editada para o público consumidor. Compramos a versão dos fatos, imagens e informações que não temos controle, não sabemos as circunstâncias em que foram produzidas e quem resolveu levá-las a público. Em que medida pode-se colocar esta mercadoria em questão? No que toca aos acontecimentos associados à violência, acredito ser este um dos campos mais difíceis de produção de notícias. Não é fácil percorrer delegacias, correr atrás da polícia que persegue os assaltantes, ou mesmo ter que enfrentar, na busca da notícia tão “necessária” à população, o cotidiano do combate ao narcotráfico, de rebeliões ou ações de controle por parte da polícia de desordens sociais. O trabalho dos jornalistas, dedicado a cobrir a criminalidade, é no mínimo cansativo e, no máximo, perigoso e assustador. Não obstante, nada autoriza ao profissional levantar informações caducas, mal feitas e recheadas de subjetividade. Também nada autoriza aos meios de comunicação jogar na tela, no rádio, ou no

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jornal, casos esporádicos, espetacularizando cenas cotidianas, generalizando fatos isolados e contribuindo para o que chamo de fobia social. A violência não deve andar de mãos dadas com o mercado. No interesse de maior venda, os profissionais e proprietários dos meios de comunicação apostam na melhor forma de embrulhar o objeto de consumo. A violência, nesse caso, recebe nova roupagem. Novos valores de troca são associados ao fenômeno. Fala-se de uma violência generalizada, de uma “violência” que “explode na grande cidade”, de novas formas de furtar, roubar e de enganar o outro. Também novas vítimas aparecem no cotidiano. A mídia passa a avisar e, ao mesmo tempo, apontar que os idosos e as idosas, as mulheres, notadamente as grávidas e jovens, os grandes empresários e as pessoas que têm bons automóveis e que moram em locais que agregam valor econômico e social são as potenciais vítimas ou alvos dos “profissionais da violência e da criminalidade”. Ao mesmo tempo, os mesmos instrumentos mediáticos pedem “Socorro”, exigem providências e se esforçam para mostrar saídas. Nesse sentido, não negam forças para mostrar grandes fotos coloridas que revelam o rosto, a identidade e, não poucas vezes, a família do criminoso. Além disso, tratam de relatar sua vida privada e tentam apontar como o “coitado” tornou-se “criminoso”, “estuprador”, “pedófilo”, “violento”, “pivete”, “cafetão” ou “seqüestrador”. Na realidade, se produz o criminoso. Pintado de várias cores, o “entrevistado”, criminoso por que roubou um carro, consumiu ou vendeu drogas, torna-se o mais importante personagem das páginas dos jornais e revistas, da tela da TV ou do computador. Ele tem que ser vendido. É necessário a melhor imagem, o melhor perfil, o relato e a mais profunda busca de sua vida privada. É preciso evidenciar o crime, dar ênfase, se for o caso, produzir, mostrar, investigar e trazer à tona todas as provas e evidências do fato. Os profissionais dos mass media se esforçam tanto para cumprir a pauta que trabalham como verdadeiros policiais, chegando, às vezes, primeiro ao crime do que a própria polícia de investigação. Não quero dizer com isso que não existem muitos dos fenômenos relatados pelos profissionais da comunicação. É sabida a mais que secular corrupção que assola nosso país.1 Sabe-se da existência do tráfico em determinados lugares. Temse ciência das “zonas quentes de criminalidade” existentes na cidade e muitos são os relatos sobre a industrialização do crime através do tráfico de entorpecentes e de armas que, na maioria das vezes, estão fortemente associados ao uso ilegítimo da violência e da força física. Ademais, muitos já sabem os lugares “perigosos” e COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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aqueles que não se devem freqüentar. O fenômeno da violência, complexo, heterogêneo e múltiplo não somente entra em nossa casa através dos instrumentos da mídia, mas bate em nossa porta e nos mostra que algo não está indo bem na sociedade. Mas o problema a ser evidenciado aqui diz respeito aos limites e os cuidados que devem ser tomados quanto à utilização das informações acerca da violência, principalmente quando esta tem colocado em xeque o trabalho e o cotidiano de outras instituições. Penso que o choque entre organizações é sempre benéfico à ordenação democrática, alicerçada em princípios de liberdade, transparência, ética e igualdade. Não obstante, tal como afirma Rawls (2000 [1971]), estamos em meio a instituições justas e injustas e, é nesse caso, que aponto para o crescente consentimento existente entre a instituição militar e o campo institucional tomado pelos profissionais que sobrevivem da mídia impressa ou televisada. Dito de outra forma, é perigoso e complexo o casamento e o constante divórcio existente entre as instituições policiais e a mídia. Inevitavelmente uma delas é “obrigada” a lidar ou cometer injustiças com a outra. No conflito entre estas instituições, poderosas na sociedade, sai perdendo a população que, em geral, não sabe a quem recorrer. Ao vender a violência cometida, os meios de comunicação tratam de potencializar sua ressonância que, dependendo de sua magnitude, característica ou crueldade chega a durar meses no imaginário social. Casos esporádicos, corriqueiros ou mesmo banais são generalizados de forma abusiva e inconseqüente. Ao invadirem a tela da TV, rádios e jornais, tais casos recebem a ressonância necessária e espetacular. Novos ingredientes, conteúdos teatrais, fórmulas, atributos estéticos e de linguagem oferecem uma nova roupagem ao fato que não deixa de marcar de maneira manifesta ou latente o imaginário social. É compreensível, nesse caso, observar nas ruas o comportamento das mulheres que, assustadas, se agarram às bolsas, mães que empurram filhos e amigos para não ficarem próximos de estranhos, os diversos “seguranças”, e câmeras nas portas de lojas, bancos, padarias, farmácias, igrejas, correios, fábricas, escolas, prédios e até bordéis, bem como os estigmas e estereótipos produzidos acerca daqueles que por diversos motivos andam mal vestidos, excluídos das relações de sociabilidade, negros, prostitutas, “flanelinhas” dentre outros habitantes do mundo da noite e da rua. Não obstante, por ser compreensivo não quer dizer que deva ser aceito e consentido tais comportamentos. O voyerismo social é autoritário e não deixa de ter COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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recorte fascista. Ele quer culpados. Como as imagens são passadas a um público carente de informações e formação política, o repertório de reclamações pouco a pouco vai se direcionando para a face visível do Estado, a polícia militar. Como em toda instituição, os agentes institucionais não querem ficar com o ônus da prova. Em atitudes desesperadas, tratam de reverter a situação. Na tentativa, por vezes, frustrada de virar o jogo dos acontecimentos, os policiais apelam para atitudes inconseqüentes. Não são poucas as imagens e fotos veiculadas na TV e nos jornais que mostram os policiais evidenciando os culpados da “desordem social”. Nesse caso, traficantes, usuários de drogas, prostitutas, mendigos, assaltantes, homicidas e pequenos delinqüentes são jogados e tratados da mesma maneira. Recebem o mesmo papel social. A polícia, por vezes de maneira intencional, faz o jogo daqueles que desejam fazer o espetáculo, colaborando para a estigmatização, criminalização ou mesmo a demonização de certos grupos, localidades e populações. Tudo isso, indubitavelmente, contribui para o pavor social que enfrenta os policiais militares que não entendem que o problema é mais complexo e se localiza na desordem e na incapacidade do Estado em oferecer políticas públicas necessárias para combater o fenômeno da exclusão, da injustiça e da desigualdade social. Talvez seja óbvio afirmar que não é por acaso que assaltantes e traficantes são assassinados. Estudiosos do assunto tem, inclusive, comentado sobre a juventude e pouca expectativa de vida desses “desviantes” (Peralva, 2000). Não creio que homens e mulheres queiram ver os seus filhos em tais situações. O mesmo, é claro, podendo-se dizer da possibilidade de se tornarem pedintes, usuários de drogas, vítimas de seqüestro, de roubo ou furto. Não obstante, é preciso afirmar que não é por geração espontânea que nasce o criminoso ou o delinqüente. Ele é o resultado de forças e interesses sociais que o excluem do corpo social. A violência e a criminalidade aparecem como ingredientes institucionais que empurram determinados indivíduos para fora e distante das regras e normas socialmente aceitas pela consciência coletiva. Ao ficar “dependurado” no edifício social é de se esperar o cansaço psíquico, cultural, político e social daqueles que labutam contra a maré. Ao cair do edifício de regras sociais, cuja manutenção cabe ao sistema de controle social, digo, ao sistema de justiça, as chances para este indivíduo se tornar alvo das instituições policias tanto a civil como a militar é maior. Como se sabe, os responsáveis pela “faxina COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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social”, - serviço que há muito se tornou institucional -, em nosso país é a polícia que, infelizmente, tem corroborado algumas denúncias de violência e desrespeito aos direitos humanos.2 Mas não deixa de ser interessante o paradoxo que nos metemos: a despeito de prestar um importante serviço social, as instituições policiais são obrigadas a tolerar e responder a episódios que os meios de comunicação selecionam como pauta de importância social. Nem sempre os profissionais dos meios de comunicação sabem do que estão falando. Tanto nos jornais, como no rádio e na televisão a força ostensiva, legítima, legal e alicerçada no poder de Estado (Weber, 1963 [1918]; 1964 [1922]) é transformada em violência. O ataque institucional é evidente: como uma instituição que tem por responsabilidade coibir a violência passa a praticá-la? É óbvio, mas perigoso e anti-ético, que não interessa à mídia o que realmente é determinante, necessário e, por vezes latente em alguns acontecimentos sociais e individuais. O interesse é a estética do grotesco (Sodré, 1973; Sodré, 2002; Sodré & Paiva, 2002), o imediato, o fenômeno sensacional, dramático e espetacular. Para isso, é necessário dramatizá-lo, colocá-lo em pauta de importância e mantê-lo manifesto na consciência coletiva e latente no inconsciente social. Tudo isso, no sentido de buscar, dentre muitos objetivos, o lucro. Já vai longe o tempo em que a ciência da comunicação era uma espécie de “filosofia pública, uma atividade do pensamento” (Sodré, 2002). Mais do que nunca se deve discutir os limites éticos dessa “ciência” que parece ter se rendido muito mais que os nossos governantes às perigosas, conturbadas e não reveladas leis e relações de mercado. A violência não pode se tornar uma mercadoria a ser vendida e trocada como outra qualquer. Merece cuidado e não é isso que está ocorrendo nas instituições mediáticas. Penso que os profissionais da área, em sua grande maioria, têm ciência do que está ocorrendo. Não foi por acaso que o assassinato do jovem promotor Francisco José Lins do Rêgo, ocorrido no dia 25 de janeiro de 2002, ficou por mais de duas semanas no campo mediático. O seu corpo carregava um valor maior do que aqueles que morrem nas “zonas quentes de criminalidade” ou nos “bairros pobres” da cidade. O capital simbólico, materializado no corpo do promotor, foi “embrulhado”, estetizado, recebeu contornos teatrais nos jornais e nas TVs e, posteriormente, vendido à população. Sua morte rendeu muito mais páginas, imagens e vozes do que a solução dos problemas judiciais investigados pelo promotor. No caso em tela, não precisou de muitos dias para que a própria polícia COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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descobrisse o assassino que fazia parte de uma perigosa engrenagem venda criminosa de gasolina. Bom para a sociedade e para os familiares o desfecho do trabalho investigativo da polícia. Não obstante, mostrou a ação discricionária e, porque não dizer, discriminatória, dos meios de comunicação que escolhem o que desejam vender e, para isso, não poupam esforços para dramatizar e sensacionalizar vidas privadas como se autoridade tivessem para isso. O direito de imagem não é respeitado. Se a polícia, ou o Estado, muitas vezes não cumprem com o dever de defender os direitos dos cidadãos, o mesmo pode-se dizer das instituições mediáticas. Estas, pecam por ignorância, mas também por intenção, interesses econômicos e políticos que estamos longe de controlar. 2. O trabalho policial em questão: a polícia como refém e vilã da realidade social Não é por acaso que a sociedade carrega estigmas e preconceitos em relação ao trabalho policial. Episódios como o de Carandiru, Vigário Geral, Favela Naval e Cidade de Deus, marcaram o imaginário coletivo. Os policias, de uma forma ou de outra, viram-se diante de câmeras. Balas perdidas, socos e pontapés marcaram a ação policial. Mas o determinante é justamente este? Os meios de comunicação não estão atirando também para o lado errado? Creio que sim. Muitos desses episódios, indubitavelmente, poderiam ser evitados. O caso do Carandiru, no qual 111 presos foram cruelmente assassinados, é emblemático nesse contexto. Todos sabemos as condições de nossas cadeias. Há muito já se sabe que o poder judiciário está falido e nas condições que se encontra está longe o dia que o veremos funcionar de forma efetiva (Lembruger, 1983; Paixão, 1987; Brant, 1991; Ribeiro de Sá, 1996). A questão é complexa e no jogo dos interesses que certamente estão em questão, acredito que o problema é muito mais político do que de qualquer outra natureza. Na realidade, a segurança pública sempre foi “assunto de cozinha” de nossas autoridades. Somente no final dos anos 90 essa temática começou a ser debatida e analisada. Culpar os policias por terem tentado fazer o seu trabalho é no mínimo hipócrita e leviano. Como se sabe, o sistema de proteção pública, tanto a polícia civil como a militar, está constitucionalmente submetido aos governadores de Estado. No caso do Carandiru,

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o problema, a meu ver, nem foi a alucinada e inconseqüente tentativa do coronel e de seus subordinados de tentar resolver a questão3. Mas sim a incompetência e a falta de bom senso do governador Fleury preocupado com a mancha que já estava por carregar pelo resto de sua vida política. Ao discutir a questão política no desenvolvimento do trabalho policial, o enfoque certamente sai dos atores menos privilegiados, os policiais. É difícil entender o porquê do enfoque mediático centrar-se pouco ou nada sobre os rumos políticos da ação estatal. Estamos longe de desvendar as obscuras negociações entre a mídia e os governantes do poder público. É óbvio que esta relação é frouxa e guarda os seus próprios contornos, negociações, relações de compra e venda, construção e desconstrução de imagens etc. A mídia necessita da política, assim como a política precisa dos atores que interferem na opinião pública. Nesse meio, não é difícil encontrar muitos agentes, muitos com poder de agenda no desenvolvimento de políticas públicas, que desconhecem o trabalho policial. Muniz, Proença Júnior e Diniz (1999:si), chamaram atenção para essa problemática. Apontaram como é ingênuo e, por que não dizer, intencional, a não distinção entre o uso legítimo da força física e a violência policial: É curioso que a percepção do problema do uso da força pela polícia e a discussão de sua propriedade no Brasil se dêem com base na ingenuidade perigosa que não distingue – ou não quer distinguir – o uso da violência (um ato arbitrário, ilegal, ilegítimo e amador) do recurso à força (um ato discricionário, legal, legítimo e idealmente profissional). Esta situação é agravada pela ausência de um acervo reflexivo cientificamente embasado e informado pela realidade comparativa com outros países, o que abre espaço para comportamentos militantes e preconceituosos. De fato, intervenções tecnicamente corretas do ponto de vista da ação policial têm sido lançadas à vala comum da "brutalidade policial" e erigidas em símbolo de uma mítica banalização da violência, que explicaria o atual estado da criminalidade em nossas cidades. O ônus desta indistinção é imenso, sobretudo para as organizações policiais, que se vêem na situação impossível de ter que tomar decisões em ambientes de incerteza e risco sem qualquer critério que as oriente quanto à propriedade das alternativas adotadas. De acordo com os autores, a não distinção das atitudes policiais tem causado impactos negativos no trabalho policial. Existe uma grande confusão no que diz respeito às atividades policiais. A população e suas instituições sequer sabem que o policial tem o direito e está legalmente autorizado a utilizar a força física em casos de descontrole individual e social4. As instituições policiais ostensivas têm, na

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verdade, essa dura função. E não creio ser exagero afirmar que é esta a própria razão de sua existência. A manutenção da ordem pública, a possibilidade constante do uso legítimo e instrumental dos meios de violência são dois alicerces da natureza das instituições policiais (Bittner, 1990; Reiner, 1992; Paixão, 1993; Bayley, 1994, 2001). Do contrário, não vejo razão delas existirem. A necessidade de solução de problemas sociais, de violência, corrupção, criminalidade, conflitos que podem envolver morte, ataque à liberdade e aos direitos humanos apontam para a necessária e obrigatória presença do Estado. Nesse caso, a polícia não é somente parte do Estado. Ela é o Estado em potencial que vem trazer “ordem” e “paz” seja em conflitos de ordem pública, seja em desavenças no campo privado. Sem a presença do Estado é questão de tempo a emergência e maturação de forças sociais privadas. Em tais circunstâncias, inexiste o direito igual para todos: “manda quem é o amigo ou o filho do rei”, aquele que é mais forte e que conseguiu, por diversas maneiras, capital simbólico, político e, porque não dizer, policial. Ao chamar a polícia, os cidadãos clamam por uma força maior, que está agregada ao poder estatal5. Faz-se necessário um poder que ultrapasse as forças privadas. Em relações de conflito, cabe ao sistema de justiça e de segurança pública a garantia de igualdade de oportunidades de defesa sem violência e custos à vida e aos direitos do ser humano. no momento de interação com a população, a perspectiva do uso da força, se necessário, está posta por antecipação. É, de fato, o que faz com que o cidadão "chame a polícia". É porque o policial está legalmente autorizado ao uso da força que ele pode intervir abrindo possibilidades de resolução dos conflitos que vão desde a negociação até a imposição de formas de obediência. De outro lado, este senso comum não percebe o quanto a possibilidade de compelir, se necessário, viabiliza a possibilidade mesma dos atendimentos assistenciais e auxiliares. Há momentos, exatamente nestas situações, em que o policial assume o papel de um coordenador que decide o que será feito, comanda as ações e determina os comportamentos. Este é o caso, por exemplo, de um socorro a vítimas de acidente de trânsito: parar o trânsito, cercar a área, afastar os transeuntes, chamar a ambulância, assegurar o seu acesso, lidar com parentes e vítimas, respaldar as decisões médicas dos atendentes, coordenar o apoio para um trânsito rápido até o hospital, e mesmo colaborar para a presteza do atendimento das vítimas. Tudo isso seria impossível sem a perspectiva de compelir, o que pressupõe, uma vez mais, a possibilidade do uso de força para obter obediência. Fica evidente a impropriedade de considerações que ambicionam, contraditoriamente, o provimento de ordem pública sem a possibilidade do

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recurso à força, ignorando o papel desta como uma ferramenta imprescindível de mediação entre conflitos de interesses. Diante de uma realidade conflituosa, se nenhum dos lados dispõe da força, e nenhum dos lados está disposto a conceder, resta apenas a solução violenta (arbitrária, ilegal, ilegítima e amadora). A falsa expectativa do especialista, do médico numa situação emergencial, por exemplo, ignora a presteza dependente da força que está dada previamente – afinal, chamou-se por socorro. De forma análoga, perde-se de vista o papel diretivo da autoridade, uma vez mais sustentado pela possibilidade de compelir, em algo tão simples quanto um sinal quebrado. Assim se vê como a força que respalda a autoridade de polícia é inseparável de todas as suas ações, ainda que permaneça como potencial na maioria dos casos, incluindo aí a maioria das ocorrências propriamente criminais. Como se vê, o uso da força física, obviamente comedida, é por antecipação cognitivamente elaborada pelos agentes em conflito. Não cabe aos seres humanos o seu uso e, sim, ao Estado. Creio que a mídia, por despreparo, ou intencionalidade de seus profissionais, é ignorante no que se refere a esses imperativos antecipadamente acordados pelas pessoas e garantidas na Constituição (Azambuja, 2001). Essa ignorância, que recebe perigosos contornos quando está em jogo a produção da notícia, reflete de forma negativa no trabalho policial. A situação é dramática quando a mídia passa a demonizar, estigmatizar e criminalizar as atividades de policiamento. Colocadas de forma irresponsável, essas notícias invadem o espaço privado e contaminam quem está por perto. Em minha pesquisa, foi comum policiais reclamarem da “chamada de atenção” que recebem dos filhos: “pai você é ladrão?”. “Naquela vez que o Rambo bateu em uns cara lá. O meu menino perguntou: - Pai você faz isso também?”; “Olha! O que deixa a gente chateado é isso. A gente faz o nosso trabalho direitinho e ainda temos que agüentar a crítica da sociedade e da mídia que só sabem reclamar”. Ora, além de não ter consciência da natureza e dinâmica do trabalho policial, a mídia tende a contaminar o coletivo policial que, inevitavelmente, reage de forma violenta e resignada já que não tem as mínimas condições de explicar o uso legítimo da força e as condições em que foram utilizadas. O problema em tela é que as instituições mediáticas têm igualado ações de manutenção da ordem pública com força comedida, com ações esporádicas, desviantes e não compatíveis com o trabalho policial. No jogar de todo entulho na vala comum da violência e brutalidade policial, as imagens de TV, as manchetes de jornais e revistas, bem como as vozes do rádio, têm cometido desvantajosos

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equívocos à sociedade. Mais que isso, os meios de comunicação atuam ao contrário, estigmatizando e criminalizando a atividade policial. A ação desesperada, inconseqüente, leviana, não-profissional e desmedida cometida por um policial ou mesmo por grupos de policiais e generalizada e coloca em xeque todo o trabalho da instituição. Não existe controle sobre a notícia. Pega-se a polícia em flagrante e generaliza-se o caso no intuito de afetar politicamente as atividades institucionais levadas a cabo pela polícia como organização6. No entanto, é necessário salientar que não só a mídia contribui para a estigmatização e criminalização do aparato policial e, por conseqüência, a sensação de pânico que invade o imaginário social. Acredito na interferência de três atores nesse processo: 1 – As vítimas: acossadas pelo desespero, pelo não amparo judicial e pela não solução de problemas no campo da justiça é compreensível que as vítimas sejam as primeiras a condenar o trabalho policial. Apavoradas, confundem a estrutura de segurança pública. A maioria dos cidadãos não têm o mínimo de consciência da diferenciação do trabalho ostensivo desenvolvido pela polícia militar e o trabalho de investigação desempenhado pela polícia civil. Muito menos conhecem os trâmites burocráticos necessários para se fazer uma investigação ou deter um delinqüente. Como disse um policial militar, “a polícia não prende ninguém. Quem prende é o delegado. E olhe lá”. Infelizmente, é no desconhecimento do trabalho policial tanto em nível do poder executivo como no do judiciário é que navegam os discursos da violência, veiculados nas imagens da TV, da internet, na voz do rádio e nas páginas das revistas e jornais. Tornaram-se comum pequenas entrevistas, vozes chorosas, imagens de pessoas humilhadas e carentes de direitos nos jornais e na televisão. Em frente à câmera e ao microfone, o cidadão levanta questões, denuncia a brutalidade policial, opta por não denunciar os criminosos e esconde o seu rosto quando pode correr risco de morte. Tudo é utilizado para a venda da mercadoria violência7. 2 – A Polícia: a própria polícia carrega sua quota de responsabilidade no trato com a disseminação tanto do pânico social como dos discursos acerca da violência. Nesse sentido, na venda dessa mercadoria. Sabe-se das chamadas policiais que são acompanhadas pelos repórteres de TV na televisão8. Não se oferece cobertura jornalística somente aos casos excepcionais que merecem repercussão. A TV necessita do imediato e deve cumprir a pauta; assim, lança mão de pequenos casos, COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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conflitos baratos, corriqueiros, mas que não deixam de dar a ressonância e o espetáculo diário da mercadoria violência9. E mais, em minha pesquisa acerca do trabalho policial em Belo Horizonte, pude observar que o interesse em mostrar a ação policial em determinada localidade da cidade, notadamente nas regiões que se denominaram “zonas quentes de criminalidade”, é mais importante que a própria execução da operação. Antes mesmo da execução das operações policiais, os profissionais da polícia, e aqui vale mencionar a participação dos profissionais do poder municipal, do juizado de menores, representantes dos direitos humanos e da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Estado, já se esforçavam por acordar o momento de chamar a mídia para cobrir a ação. O mesmo observei em reuniões na Assembléia Legislativa e naquelas que reuniram os prefeitos e seus representantes10. Discutiam sobre como barrar o crescimento da criminalidade e da violência na região metropolitana de Belo Horizonte. A Polícia de Minas Gerais, representada pelo Estado Maior da PMMG e oficiais que comandavam batalhões regionais pediam maiores investimentos econômicos para incrementar o trabalho policial. Chamaram atenção para o convênio efetuado com a prefeitura de Belo Horizonte11 e o problema dos “marginais” migrarem para outras cidades vizinhas à capital. A mídia se fartou do cardápio oferecido, e os policiais souberam utilizar os mesmos meios para garantir novos investimentos municipais. Não se sabe dos resultados de tantas reuniões e acompanhamentos do trabalho policial. Entretanto, sabemos que os homicídios e roubos aumentaram em Minas Gerais (Desemprego não é causa de violência – Estado de Minas, 15 /04/2001), que a maioria dos crimes cometidos em Minas é contra a pessoa e o patrimônio (Jornal Hoje em Dia, 23/06/2001) e que PM ganhou R$ 1.000 para matar promotor (Jornal O Tempo, 08/02/2002). A instituição policial deveria saber que a mesma mídia que “assopra”, ou melhor, que auxilia e que faz parte dos pactos tácitos em torno da notícia é a mesma que bate, revelando casos de tortura, “bicos”12, envolvimento de policiais em ações criminosas e conflitos - que de nada servem à sociedade – entre a polícia civil e militar. 3 – Intelectuais da opinião pública: finalmente, não posso deixar de mencionar a parcela de responsabilidade que cabe aos “intelectuais” e pesquisadores dedicados aos estudos da violência e da criminalidade. Também da responsabilidade daqueles que auxiliam na manutenção e formação da “opinião pública” tais como os promotores, juizes, jornalistas, empresários e autoridades dos COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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campos político, cultural e social. Não é raro esses profissionais, muitas vezes de forma não-intencional, auxiliarem no aumento da fobia social e da ignorância no que se refere ao trabalho policial. Pude, em minha pesquisa de campo, verificar em reuniões de policiais e de participantes de conselhos de segurança sentimentos de pavor, medo e insegurança diante da leitura e da imagem de mapas que, mostrados através de sofisticados softwares, se movimentavam de acordo com os dias e horas da semana. Sem compreensão do que os profissionais chamavam de “manchas de criminalidade”, a reação era imediata: “o crime tomou conta de Belo Horizonte”, “Nossa é tanto assim?”. Ora, não fica claro para a platéia que se trata de pontos estatísticos que conjugados de forma lógica e temporal produzem o efeito desejado. Essa reflexão não é feita ao público que, ao sair das reuniões, não deixam de revelar para a “comunidade” o “problema da violência que assola a cidade”. Cumpre ressaltar que as mesmas informações e formas de representação e apresentação dos dados acerca da violência e da criminalidade são passadas aos profissionais da mídia. Em prol da notícia, revelam-se os dados, passando antes, é claro, pelo filtro da edição e da manipulação das informações. Ademais, não é raro falas cortadas, descontextualizadas e editadas virem ao ar ao sabor do poder dos profissionais e proprietários da mídia. Ao se jogar no campo mediático a imagem, a entrevista, a análise e as reflexões dos profissionais dedicados à temática da violência, novas representações são feitas pelo público. Só que, dessa vez, essas informações aparecem legitimadas por critérios “científicos”, simbólicos e políticos. Na realidade, as autoridades no assunto são utilizadas no intuito de auxiliar a “verdade” dos fatos, ou pelo menos, a versão oferecida a eles. O mesmo acontece quando se tratam de denúncias, conflitos institucionais e não consentimentos em torno de assuntos que interferem na ordenação social. Tudo é mostrado como se a mídia não tivesse trabalhado e dado nova estética à informação. As mesmas reflexões podem ser feitas em relação às entrevistas que são veiculadas nas revistas, nos jornais, no rádio e na internet. Nestas, utilizam-se fotos, mapas, dados estatísticos, imagens das autoridades preocupadas com dedos a riste. Tudo é espetacularizado, glorificado e mostrado de forma simples e perigosa, pois não se sabe como o receptor receberá a informação.

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Finalmente, deve-se ter cuidado com as pesquisas que invadem os jornais de forma descontextualizada, carentes de explicações metodológicas e com categorias que apenas os pesquisadores utilizam e tem ciência de como foram feitas. Vejamos a pesquisa a seguir mostrada pelo jornal Hoje em Dia: Pesquisa de vitimação em Belo Horizonte / 2001 Tipo de ocorrência Roubo Furto Agressão Agressão sexual Invasão em domicílio

CRISP 8.984 14.114 3.252 358 5.357

Polícia Militar 1.005 2.090 754 17 348

Polícia Civil 132 738 307 12 300

Fonte: Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp/UFMG) In: Jornal Hoje em Dia, “Estudo revela que polícia subestima violência”, 07/08/2002. p.16.

Não é preciso ir tão longe para verificar que os dados do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp/UFMG) inflacionam muito mais as estatísticas de violência do que as produzidas pelas instituições policiais. No que toca à minha temática, não deixa de ser curioso essas informações pelo seguinte fato: quem se atreve a dizer que jamais foi vítima de agressão? Com certeza encontraremos alguns. Mas discuta com a “vítima”, procure em seu inconsciente ou mesmo na sua consciência casos de conflitos, assédios morais ou sexuais, palavras indevidas de alguém, às vezes até dentro de casa. Conflitos que aparecem em forma de agressão são inerentes à vida humana. É verdade que são socialmente criados e o processo civilizatório nos ensinou a suportá-los com educação e respeito. Logo, é perfeitamente esperado e compreensível que os dados do centro de pesquisa saíssem tão discrepantes em relação às informações disponíveis na polícia civil e militar. Até por que se foi chamada a ajuda do Estado, é porque a situação saiu realmente do controle dos agentes privados e, como disse, nesse caso, cabe apenas ao Estado a intervenção. Por ouro lado, é preciso chamar atenção para a irresponsabilidade, para o desrespeito ao erário público e para a insensatez de parte da sociedade em relação ao trabalho policial. Muitas são as ocorrências, e nelas são diversas as situações que não deveriam sequer vir à tona. Diversas são as agressões que poderiam ser solucionadas no espaço privado. Não cabe à polícia educar relações entre marido e mulher. Além disso, nem toda situação de sentimento de insegurança pode resultar

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em roubo, furto, agressão e invasão a domicílio. A questão da violência e da criminalidade tem entrado nos domicílios (até agredindo a família) e causado pânico e pavor social, principalmente sobre aqueles que vivem à margem dos valores aceitos socialmente. Duas situações em que presenciei em minha pesquisa podem auxiliar o leitor no desenvolvimento de minhas reflexões: Primeiro: Em pleno serviço no estádio do Mineirão, no qual cerca de 80 mil pessoas assistiam a uma final de futebol, o rádio da Polícia Militar relatou a seguinte ocorrência: (Comandante de viatura) “Comando, é sobre aquela ocorrência em que o marido estava agredindo a esposa, qsl?” (qsl = entendido) (Copom) “Continue”. (Comandante de viatura) “Olha! Foram mais de três horas resolvendo, estamos levando o caso para a delegacia, mas o casal está aqui na viatura se beijando”. (Copom) “qsl”. Segundo: (Copom) “Atenção as viaturas próximas a região da Lagoa da Pampulha”. (Comandante da viatura) “Viatura número XXX, na escuta”. (Copom) “Foi acionado a presença de suspeitos próximos a região, estariam agredindo os transeuntes e pessoas que residem próximo à localidade. É bom averiguar, qsl? (Comandante de viatura) “Qsl, estamos a caminho” Em cerca de três minutos chegamos ao local. Na realidade, as pessoas que estavam próximas à lagoa da Pampulha não eram “suspeitos” e sim um grupo de homossexuais que há muito freqüentam aquela região. Na certa, ficam naquele local, por não serem bem recebidos nos locais de sociabilidade dos cidadãos considerados “normais” socialmente. Os policiais, por força da rotina do trabalho, procederam a revista. Tudo indicava que aquelas pessoas já sabiam como se desenvolvia o trabalho policial, tanto que viravam seus corpos com tranqüilidade para a abordagem de revista. Nada foi encontrado. (Comandante da Viatura) “Viatura tal (número), Copom”. (Copom) “Prossiga”. COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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(Comandante de viatura) “Efetuamos o nosso trabalho sobre os suspeitos e nada foi encontrado, qsl”. (Copom) qsl. É forçoso salientar que as situações (e na realidade, são muitas) poderiam ser evitadas. Mas não foram. Se determinados cidadãos optam por chamar a polícia é extremamente compreensível – e essa situação abre enormes variáveis – que outros não a chamem. O Estado não tem nada a ver com a liberdade negativa daqueles que preferem se manter longe dele. As mesmas reflexões acima podem ser feitas em relação às invasões em domicílio e furtos. Muitos dessas relações sociais são resolvidas pela própria pessoa. Um menino que corre com uma pulseira roubada deve ou não ser entregue à polícia? Deve ou não gerar uma ocorrência? Pelo que se vê, boa parte da população optou por não acionar a polícia. Pode ter feito por não confiar nela, mas também pode ter optado por não avisar porque o valor do objeto é tão pequeno que não compensa onerar o Estado. Quanto às invasões de domicilio, o raciocínio é o mesmo. Às vezes, um grito, uma abertura de porta ou mesmo uma simples ameaça de chamar a polícia é o bastante para afugentar a pessoa que entrou na residência alheia. Muitos são crianças e adolescentes. Para que chamar a polícia? É certo afirmar que seria de suma importância a confecção de uma ocorrência, mas é impossível para as instituições militares obrigarem a todas as pessoas a chamá-las no intuito de fazer esse tipo de trabalho. Até por que dificilmente o invasor vai esperar a chegada da polícia. O mesmo problema pode ser evidenciado na pesquisa elaborada pelo Lumen – Instituto de pesquisa da PUC-MG. Nada contra a pesquisa, mas sim o momento e a forma de como veio a público. Depois de poucos meses da morte do promotor José Lins do Rego, no dia 25 de janeiro de 2002, o Instituto perguntou à população a respeito da confiança que tem na polícia. Os dados não poderiam ser outros:

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Distribuição dos entrevistados de acordo com a confiança na Polícia Militar (%) Confiança Totalmente Em parte Não

1999 22,1 38,9 39,0

2002 11,93 36,6 51,14

Fonte: Pesquisa do Lumen Instituto de Pesquisa da PUC/Minas. In: “Insegurança e medo crescem no cotidiano de BH”. Jornal Hoje em Dia, 07/08/2002

Como se vê, as forças ostensivas estão mais do que desacreditadas de acordo com os dados do Instituto13. Mas creio que não se poderia esperar outra coisa. A conjuntura era mais do que desfavorável para a pesquisa e ao ser jogada nos jornais recebeu a intencional ressonância: “Insegurança e medo crescem no cotidiano de BH”. Da forma como foram colocadas as informações tudo parecia que estávamos em estado de sítio. Não vou discutir se teve ou não o aumento da criminalidade, mas nesse espaço é importante mencionar que o pacto entre mídia e intelectuais têm causado grande parte do que chamamos de “sensação de pânico e insegurança”. E não posso deixar de mencionar que o impacto dessas notícias causa enorme desserviço ao trabalho policial. Mais de uma vez em minha pesquisa percebi desmotivação, inquietude e mal estar por parte dos policiais que se esforçam para efetuar o seu trabalho. Reclamam dos poucos recursos, da burocracia dos quartéis e do descaso da sociedade e do Estado. E é preciso afirmar que tudo isso parece pouco ante os estigmas e marcas que tem produzido a mídia – e não estão de fora aqueles que têm fácil acesso à opinião pública – acerca do policial militar. Mas é complicada toda essa reflexão. Muitas outras análises poderiam ser feitas. No que toca à minha argumentação creio ser de suma importância que os intelectuais da opinião pública tenham maior responsabilidade. É preciso maior cuidado na veiculação dessas pesquisas, de entrevistas e de informações nos jornais, nas emissoras de rádio e na TV. Muitos desses intelectuais não tem a consciência da ressonância e do uso das palavras e das análises que estão fazendo. Outros, de forma irresponsável e inconseqüente, exageram, pois querem novamente ser ouvidos, gostam das câmeras e dos espaços mediáticos. Infelizmente, a vaidade faz parte da ciência e do trabalho profissional de muitos. No campo da violência e da criminalidade, tudo isso é muito perigoso, não contribui para a solução dos problemas sociais. Pelo contrário, ao priorizar a “exaltação dos fins”, esquece-se os meios e como eles filtram as informações. Os fins da maioria dos COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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proprietários e dos profissionais que labutam nas instituições de comunicação é a notícia. Muito diferente dos fins das instituições universitárias ou de centros de pesquisa sérios e com sólidos compromissos éticos. 3 . A violência como linguagem e representação Não é novidade os estudos que apontam a violência como uma linguagem de determinados atores do mundo social. A violência sempre apareceu como forma de expressar sociabilidades, (in) satisfações, reivindicações, interesses, frustrações e desejos humanos. Não existem registros de sociedades sem violência. É necessário deixar claro que homens e mulheres estão fadados a viver com sua existência. O problema reside nas relações humanas, grupos sociais violentos que saem do controle social. Dito de outra forma, quando o Estado deixa de exercer o uso legítimo da violência, quando atores sociais cujo trabalho é coibir práticas criminais e ilícitas, quando episódios de violência começam a ser banalizados, glorificados, corriqueiros ou naturais, é sinal de que algo não está em equilíbrio. Em tais circunstâncias, é óbvio que a ordem social, que impera na “consciência coletiva”, está flexível, está perdendo força e não opera da mesma forma nas mentes individuais. O perigo à vista é a falta total de regras e normas cujo objetivo central é a manutenção de processos civilizatórios entre os seres humanos14. Sabemos que homens e mulheres, outrora, abriram mão do poder privado do uso da violência em favor do poder estatal (Hobbes, 1651 [1975]; Weber, 1963 [1975]; Elias, 1996 [1939] e Tilly, 1996). Entretanto, é legítimo e esperado que novos personagens sociais, grupos de interesses definidos, muitas vezes com princípios contrastantes com os valores comuns à sociedade, utilizem novas formas de se fazerem representar na sociedade. O problema reside é nos mecanismos e diversas maneiras que os meios de comunicação utilizam para demonstrar o que chamam de violência. Elizabeth Rondelli (2000), analisando as formações discursivas, “produtoras de sentido e explicações”, sobre o fenômeno da violência destaca cinco matrizes que passaram a fazer parte do imaginário social. A primeira matriz, destacada pela autora, é a da própria mídia com suas formas e meios de representar a violência. Nesse contexto, ganham relevo os mecanismos de espetacularização utilizados pelos meios de comunicação. A autora aponta para o uso do sensacionalismo, da visibilidade dos fatos, do fascínio e da

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banalização: “nesse processo, a mídia, além de enquadrar a violência segundo os seus requisitos e de acordo com as suas necessidades de rotina produtiva, oferecea à visão, ao conhecimento e ao julgamento de outros sujeitos sociais” (Rondelli, 2000:155). É difícil discordar da autora que, nesse caso, defende que a mídia cumpre um importante papel social. Ao fornecer as informações ao público, ela não deixa de socializar informações e levantar o debate da questão proposta à opinião pública. Ao convocar novos atores à discussão, a violência (suas imagens e representações) configura dois sentidos de percepção: (1) a dos atores – praticantes da violência – “nela diretamente envolvidos” e (2) o sentido dado pela própria mídia, “quando o fenômeno passa a ser reportado para um público mais amplo”. É nesse último caso que se identifica o problema: ao veicular imagens e informações pela mídia, o fenômeno abordado, pautado em editorias no qual se encontram atores de diversos interesses, é revestido de ressonância, muitas vezes sem mesmo ter-se a medida de suas conseqüências e resultados. A exposição dos fenômenos pela mídia ganha importância porque, por vezes aparentemente isolados, ao obterem ressonância fundam práticas e políticas outras que os extrapolam, não só denunciando aquele conflito imediato, mas fazendo emergir toda a situação social que o envolve. Tal situação, por sua vez, passa a ser enfocada a partir da emergência de um episódio particular de conflito amplificado pela mídia. Neste sentido, a mídia é um dos atores sociais com grande potencialidade de convocar os demais atores a um posicionamento, e o faz com grandes gestos dramáticos. (Rondelli, 2000: 156) A segunda matriz discursiva tem por base as características e o conteúdo da primeira. Ao potencializar alguns acontecimentos, os meios de comunicação trazem à tona demandas sociais insatisfeitas, escondidas e não correspondidas por políticas públicas. A violência passa a ser um mecanismo produtor de políticas sociais voltadas para a garantia da ordem legal e racional. Dois caminhos se cruzam: o das políticas assistenciais e de bem estar, voltadas para a identificação dos indivíduos infratores, numa clara tentativa de tentar barrar a sua emergência, ocorrência e, provavelmente, o amparo das vítimas; e o caminho das demandas de políticas de segurança pública destinada a justificar e legitimar a criminalização dos indivíduos que praticaram atos violentos.

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Uma terceira matriz é encontrada no discurso político-empresarial que vê na violência um obstáculo ao crescimento econômico. Nesse sentido, não é incomum a defesa, por parte desses agentes de modernização e crescimento da economia tendo como conseqüência

a adoção de políticas voltadas para maiores

investimentos no intuito de criar alternativas de emprego e renda, visando, assim, a diminuição

da

exclusão

social

e

conseqüentemente

da

violência

e

da

criminalidade15. A quarta matriz parte da sociedade. Diz respeito às manifestações de violência como forma de explicitação das injustiças sociais. Não é novidade, no país, os movimentos em favor da democracia, cidadania, direitos e igualdade social. Em um país na qual a injustiça parece ser norma, não se deve esperar tudo do Estado. Daí a importância dos movimentos sociais, associações e organizações não governamentais. Desde o início da década de 80 são esses os lugares privilegiados dos atores que buscam a afirmação de diferenças e a possibilidade de revitalizar espaços de solidariedade e reconstituição de um tecido social que acreditam estar em plena desorganização. Rondelli (2000: 159) encontra a quinta matriz num sentimento de deterioração de uma ordem normativo-legal. É a concepção de fraqueza da experiência coletiva, da percepção coletiva da escassez de recursos públicos, da falência do Estado e do fim das utopias e das ideologias. Nessa matriz, estão situados os atores descrentes com o futuro, desmobilizados para ação e que alimentam o sentimento de “deterioração de uma ordem normativo-legal num tempo em que a história parece ter se esgotado”. Esse discurso tem por base a descrença na ação coletiva, a impossibilidade de relações alicerçadas na solidariedade e a emergência se sentimentos racistas e de diferença social. É nesse espaço que cresce uma acepção perigosa de violência e de criminalidade: A violência, e mais, o aumento da criminalidade violenta mesmo em países ricos aparece para esta construção discursiva como elemento natural deste mundo de final de milênio, regido por intolerâncias, pela existência de desigualdades perenes e por lutas de poder insolúveis, cuja superação a vista não alcança, e que é a principal fonte de conflitos irresolutos que se expressam de modo errático, irracional, violento. (Rondelli, 2000: 160). Violência e polícia no espaço das representações sociais Em meio às matrizes construídas por Rondelli, é possível encontrar na encruzilhada o trabalho policial. Creio, contudo, que em relação à primeira e a

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segunda matriz já disse o suficiente, basta firmar que o trabalho policial é revestido por roupagens mediáticas recheadas de sensacionalismo, espetacularização e banalização da realidade. Viciados em drogas, menores infratores, armas de baixo e médio calibre apreendidas são suficientes – na ausência de grandes acontecimentos - para “furos”, manchetes de primeira página e cadernos especiais. Os profissionais de comunicação, nestas circunstâncias, aproveitam para recuperar acontecimentos, relacionar outros já esquecidos, levantar novas problemáticas bem como traçar o perfil de “velhos” e “novos” “desviantes” que estão diretamente associados aos fatos em questão. Quanto à terceira e quarta matrizes, cumpre enfatizar que não são poucas às vezes que o trabalho policial é colocado em xeque por parte do discurso político empresarial. Tornou-se comum acusar as instituições públicas que vivem por conta do erário público. Muitos reclamam a favor dos impostos que pagam e pelos “privilégios” que deveriam possuir pelo simples fato de estar auxiliando de alguma maneira as instituições policiais16. O fato é que a polícia é convocada a reprimir, dar um basta, por fim a ação daqueles que estão gerando medo a sociedade. Não se clama por um trabalho preventivo. O trabalho policial é uma prestação de serviço que só se chama quando se precisa em “regime de urgência”. No jogo do público e do privado, saem ganhando aqueles que utilizam da melhor forma a retórica polícia, a retórica do medo e a retórica direcionada à má atuação da polícia militar. Nessas circunstâncias, a polícia passa a servir como força de manobra. É preciso “soltar” os policiais nos morros, nas “favelas”, nos “aglomerados”, nas “zonas quentes de criminalidade” e nos bairros pobres, para que possam “avançar” sobre a população desprivilegiada nos campos político, econômico e social17. Soltados nessas localidades, os policiais “mostram os dentes”, e fazem o papel da elite hipócrita e arrogante que, na verdade, quer ver calmas as underclasses, (Wacquant, 2001) e sossegada a população pobre que habita aquele lugar. Nos jornais e na TV, não é difícil ver policiais com armas pesadas e de baixo calibre subindo e descendo morros da cidade. Não se pode negar que também ali está presente a violência velada do trabalho policial. As armas à mostra não deixam de causar mal-estar, violência simbólica e atinge em cheio a energia psíquica do cidadão. Nessas ruas, os policiais saem andando, apontam para cima, para baixo e raras vezes a arma não está em direção a alguém que não é sequer suspeito. Tudo é muito complexo, é verdade, mas este perfil de atuação dificilmente seria levado a efeito numa “zona fria de COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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criminalidade” como é o caso de algumas regiões privilegiadas do ponto de vista econômico, cultural e político da cidade. Provavelmente, é na quarta e na quinta matriz que o trabalho policial se encontra em apuros. No jogo do discurso mediático, a violência, a criminalidade e atos reivindicatórios são levados ao público como linguagens, como representações do mundo real que está em frangalhos, em total esfacelamento e desordem. São fenômenos de conteúdos diferentes, mas tratados da mesma forma pelos profissionais da mídia. Depara-se, tanto nos jornais, como em rádios e na TV, com casos de injustiça, ataques aos direitos elementares dos seres humanos e correlações de certos fenômenos sociais que não têm relação com o mundo real. Esquece-se o direito de organização, reclamação do espaço público e de direitos que há séculos não são garantidos nesse país. O trabalho policial, ante a movimentação dos atores sociais, opta para o cumprimento da lei e manutenção da ordem. Para o encanto da mídia tudo deve ser piorado, a sociedade é o que a mídia apresenta em seus veículos de comunicação. A prática laboral dos policiais, em tais circunstâncias, transforma-se em violência, em combate à criminalidade e em crescente número de prisões a favor da ordenação social. Não obstante, na negociação entre a sociedade e a polícia, a segunda sai perdendo. Em certas atitudes policiais, a culpa recai sobre os ombros dos agentes da instituição. Os policiais, em especial aqueles que trabalham na ponta, pagam pelos erros institucionais. Se um tiro sai pela culatra, se o uso da força física é exacerbado e transformado em crueldade a instituição, não raras vezes, fornece a cabeça do policial para o gosto dos repórteres. Relações complexas quando estamos lidando com atores que estão distantes do poder político, mediático e econômico. O efeito dessas relações é previsível: passa-se a demonizar o trabalho policial que se desenvolve “contra a sociedade”. Por outro lado, se os policiais militares estão distantes das relações de poder, no caso, o mundo da política, o mesmo não se pode dizer dos militantes, das autoridades políticas, dos interessados em ter sua vez no poder, de grupos organizados, formadores de opinião, associações de classe ou de categorias de interesse e de jornalistas de plantão. Nos conflitos sociais, “contra” o trabalho policial, os grupos mencionados não deixam de provocar a intolerância, a não negociação e lembrança dos seus direitos. Muitas vezes, no intuito de ganhar a opinião pública e espaço no campo mediático, esses grupos não poupam forças COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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para

jogar

sobre

a

“força

visível

do

Estado”

reivindicações,

apelos,

descontentamentos reprimidos, demandas não atendidas e diversas formas de violência. Tudo indicando claramente que o conflito está longe de solução ou que uma das partes não vai ceder se não for à custa de marcas sociais18 e de lutas corporais espetaculares. Esse foi o caso, por exemplo, do conflito entre a polícia militar de Minas Gerais e um grupo de perueiros no centro de Belo Horizonte em julho de 2001. A demora, sem dúvida intencional, da resolução dos problemas que estavam causando o transporte alternativo na capital, levou os perueiros à organização e mobilização coletiva. Reunidos em grande número, os perueiros tentaram mais de uma vez impor à força, regras alternativas àquelas colocadas pelo tímido poder público municipal. Acobertados pelo poder judiciário, por parte da mídia, pela sociedade e pela proximidade das eleições, muitas foram as ações dos perueiros no intuito de fazer valer os seus interesses19. As negociações e pequenos conflitos tiveram vida até o momento que o poder judiciário deu vitória de causa ao poder municipal. Ante à proximidade de uma grande e perigosa mobilização em frente ao prédio da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, a polícia foi obrigada a utilizar a legítima violência para desorganizar e depois por fim à organização coletiva dos perueiros que teimavam em fechar as principais vias públicas da cidade. Naquele dia, muitas pessoas foram presas, dezenas saíram feridas, assustadas e em estado de choque. A polícia conseguiu controlar o movimento detendo alguns perueiros e vários veículos. A ressonância que tomou o conflito entre policiais e perueiros valeu lugar no Jornal Nacional e nos mais e menos importantes jornais de outras emissoras. O mesmo acontecendo com a mídia impressa. Os meios de comunicação, entretanto, oscilaram na condenação e na defesa da ação policial. Na realidade, não deveria sequer opinar em relação a um dos lados20. O problema há muito já estava em pleno desenvolvimento e tocava as esferas da política e do gerenciamento adequado dos espaços públicos. Estava longe aquele conflito se tornar “questão de polícia”. É indubitável que a conjuntura de confronto poderia ter sido antes evitada, não o fora devido a rápida proximidade das eleições e do acordo tácito entre perueiros e alguns candidatos a prefeito que, naquele período, se mostravam contrários à solução proposta pelo governo municipal. COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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Não é exagero afirmar que a polícia militar foi chamada para garantir a ordem e a solução de um problema que não criou e que certamente poderia ter sido evitado por um rápido e eficaz gerenciamento do poder municipal. Creio que muitos conflitos já seguiram esta mesma lógica. O problema é toda mobilização se tornar “questão de polícia”, já que muitos dos problemas sociais podem ser solucionados por critérios políticos gerenciais. Não é por acaso que os policiais são chamados e utilizados a atuar, especialmente, nas estratégias e confrontos contra o crime que se desenrola nas áreas chamadas por muitos de “zonas quentes de criminalidade”. Diante da falência e da constante retirada do Estado de algumas esferas da vida social e da crescente escassez de recursos voltados para o controle da exclusão, da injustiça e da desigualdade social, é permitido afirmar que muitas serão as ações direcionadas para o que – não há muito tempo – se chamou de “classes perigosas” (Guimarães, 1981). Em novas ou velhas roupagens, é preciso afirmar que essas classes, categorias, ou extratos sociais, - não importa as nomenclaturas “sociológicas” – são compostas, em sua maioria, pela população pobre, esquecida pelo Estado e que reside nas “favelas”, “aglomerados” “zonas quentes”, “cortiços”, “vilas” e “vielas”. Povo pobre, carente de serviços públicos (saúde, educação, segurança) que é obrigado a viver com a pequena parte do bolo que lhe é reservada a séculos pelos “donos no poder”. Certamente caberá a polícia, e no caso em tela, também a polícia civil, o trabalho sujo e perigoso de conter os pobres no seu devido lugar. Bem mandados, continuarão, para a festa da mídia, as operações nos morros, nos ônibus que fazem as “linhas perigosas” da cidade e nos pontos considerados críticos por aglomerar prostitutas, homossexuais, alcoólatras e desempregados. Não há dúvida que a elite mediática contribui para isso. O alarde em torno do aumento da criminalidade por parte dos meios de comunicação é no mínimo hipócrita. Há tempos os profissionais que se dedicam à temática, notadamente, os acadêmicos (Paixão, 1982; Coelho, 1987; Zaluar, 1994; Beato, 1998; Adorno, 1993, 2000; Caldeira, 2000) tem denunciado o aumento da criminalidade violenta e o descaso do poder público no seu controle. Pouco ou nada foi feito. A mídia não cumpriu o seu papel social de responsabilizar os culpados pelo descaso das autoridades políticas em torno da distribuição de recursos que pudessem inclusive fortalecer as políticas de segurança. E mais, sequer atuou na possibilidade de controle da esfera pública no COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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campo da atuação das autoridades políticas e levantamento de novas demandas provenientes dos mais desfavorecidos na sociedade. Pelo contrário, os meios de comunicação têm lançado mão do espetáculo propiciado pela violência e pela criminalidade que, ao se tornarem protagonistas, invadiram boa parte dos programas de TV, das páginas dos jornais, das imagens na internet e das vozes do rádio. E, nesse caso, nem mesmo as instituições policiais foram poupadas, já que se tornaram também vítimas de câmeras escondidas, denúncias sem averiguação e dossiês questionáveis. Os policiais transformaram-se em munição para furos jornalísticos. Tudo isso tem contribuído para o aumento da sensação de insegurança que invade nosso espaço privado e entra em nossa esfera cognitiva principalmente pela televisão. É possível até questionar em que medida o poder estatal tem realmente o controle de determinadas situações. O fato é que a retórica do medo e do pavor social não contribui para a efetivação de laços sociais. Ao contrário, um simples vizinho pode se tornar problema para a sociedade. Denúncias e mais denúncias são despejadas dia-a-dia nas instituições policiais. Pequenos conflitos, socialmente construídos e inevitáveis, na sociedade, tornam-se problema de polícia. Estamos todos vigiando o próximo. Torcemos para que ele não erre ou que entre em conflito com valores socialmente aceitos. A solução do erro é entregá-lo para a polícia, que tentará fazer o seu trabalho, mas se não der certo se apela para a televisão. Considerações finais É impossível negar as evidências de que os meios de comunicação têm um grande poder na sociedade. Guareschi (1993:13) afirma com contundência que, chega a ser falso a afirmação de que a comunicação é o quarto poder21. A falsidade do argumento reside não na escassez de recursos de poder que tem os meios de comunicação, mas no lugar que estes ocupam na sociedade. Para o autor, a comunicação não é o quarto e sim o “primeiro e o mais forte dos poderes”. Creio ser difícil, na contemporaneidade, duvidar deste argumento, já que o poder da comunicação, ao contrário de outros poderes, sofreu importantes mudanças na introdução de novas tecnologias, meios sofisticados de informação e produção de notícias.

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No caso em discussão, cumpre afirmar que o espaço, a abrangência e a ressonância produzida pelos meios de comunicação têm colocado em xeque, ou mesmo relativizado a ação de determinadas instituições. Não é por acaso que o tema da violência e da criminalidade foi revitalizado entre nós. A violência, tal como o crime, são fatos, fenômenos “normais” que ocorrem e estão presentes em todas as sociedades (Durkheim, 1990 [1895]; Velho, 2000). O problema reside é na espetacularização, dramatização, glorificação, sensacionalização e banalização destes fenômenos. Infelizmente, vimos como atores e instituições são coniventes com o “fazer jornalístico” assentado em fatos e momentos não excepcionais da vida humana. É conhecida no meio acadêmica a frase de que “mais vale o homem morder o cachorro, do que o cachorro morder o homem”. A primeira afirmação certamente atinge maior ressonância e entra em cheio no imaginário social. Não creio ser exagero afirmar que os meios de comunicação trabalham com o fascismo sempre latente na consciência coletiva. A sociedade quer o grotesco, quer ver o inimaginável, o sobrenatural e os comportamentos não socialmente aceitos condenados e vulgarizados por aqueles que detêm o “poder moral”. Estamos realmente longe do dia em que os meios de comunicação serão utilizados para o bem comum da sociedade. A venda da notícia, da mercadoria devidamente embalada, é o caminho percorrido em um espaço cada vez mais competitivo e carente de talento e bom gosto estético. Não há dúvida que a manipulação do mundo da violência e da criminalidade tem garantido poderosos recursos, parceiros e poderes àqueles que optaram por este caminho. Falar do espaço da violência e do mundo do crime é tocar em sua força repressora, especialmente no trabalho efetuado pelos policiais. Como vimos, as instituições policiais tornaram-se heróis e vilões nas mãos dos atores que manipulam o campo mediático. Ao mesmo tempo em que se percebe o apoio da mídia é possível verificar momentos de condenação, de namoro, casamento e divórcio com as instituições policiais. O interessante é que estas oscilam em aceitar e/ou colocar de lado o apoio, a notoriedade, a fama e a ressonância espetacular individual ou coletiva oriunda dos jornais, da televisão, do rádio e da internet. Tudo soa muito perigoso para aqueles que estão à margem do poder e das relações que estão latentes no conflito e no consentimento em torno da veiculação de uma notícia que envolve a polícia e a sociedade.

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Creio que o jornalista Gilberto Dimenstein (1996) está correto ao afirmar que os policiais e os jornalistas nunca vão se dar bem. Para os profissionais do campo mediático, sempre vai valer o espetacular, o drama, os mecanismos de personificação, glorificação, a busca da notícia e a forma de garantir o maior número de leitores ou de telespectadores. E é bom salientar que a mídia não deixa de exercer um importante papel ao denunciar desmandos e ataques aos direitos e valores fundamentais da vida humana. Cabe à instituição e ao ator policial sofisticar sua ascese no trabalho de polícia. Também devem tomar cuidado nas ligações e acordos com os profissionais e com os proprietários dos meios de comunicação. As instituições policiais pecam pelo exagero. A evidência de certos fatos policiais na mídia, no intuito de melhorar sua posição no imaginário social, não tem surtido efeito. Afirmei em linhas atrás que a mesma mídia que bate é a mesma que assopra e que ela não vai deixar de mostrar o errado caso necessite vender um maior número de jornais ou adquirir índices maiores de audiência no Ibope. A violência, como linguagem e representação de grupos sociais, não deve e não pode se tornar válvula de escape e justificação do trabalho policial. Ao transformar tanto a violência como a criminalidade em mercadoria a mídia tem utilizado com muita competência o trabalho da polícia. O problema é que, na maioria das vezes, é mostrado o lado “podre” da sociedade, especialmente quando se evidencia a crueldade ou a brutalidade policial. Não se discute a deontologia desse trabalho, sua magnitude e importância. Não se coloca no ar os casos que ocorreram conforme a lei. Para os profissionais, trabalhadores e donos dos meios de comunicação, a desgraça é a única relação humana que merece tratamento diferenciado na TV, na internet, no rádio ou nos jornais. É através dessa que os outros riem, se divertem e esquecem da mediocridade e mesmice social que estão inseridos. A televisão, o jornal, o rádio e a internet evidenciam na maioria das vezes o que é monstruoso, ridículo, exagerado, disforme e horroroso no labor policial. Nesse caso, é colocado como “palhaço” não somente o policial que erra. Sua posição, entretanto, é a mesma do trabalhador pobre, do doente mental, do deficiente físico, do pobre, do alcoólatra, do viciado em drogas, do homossexual, da prostituta, do negro e daqueles que, por diversos motivos, tornaram-se desgraçados na sociedade e motivos de riso ou de pena em jornais ou programas de televisão. Como o monopólio da fala pertence a quem tem o poder não resta muito para os que tiveram as imagens jogadas no imaginário de grande parte da população. COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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NOTAS 1

- Não deixa de ser interessante a tolerância das sociedades com o fenômeno da corrupção. Autores como Renato Janine Ribeiro (2000), chamam atenção para a necessária antropologia da corrupção em solo brasileiro, mas sem dizer que se trata de relações que se configuram em outras sociedades. Em tais circunstâncias é bom ler o texto de Fernando Carrillo Flórez (2001) que analisa, tendo como pano de fundo a América latina, os efeitos perversos, negativos e positivos da corrupção. Este último, aparece como uma eficaz forma de distribuição de renda já que de outra forma os governos geralmente são incompetentes para fazê-la. Uma outra análise, sugerida por Renato Lessa (1997), passa pelos imperativos institucionais. A corrupção é uma relação produzida por seres humanos em instituições “fracas”. Sem regras e normas transparentes não há como fugir dela, muito menos conhecê-la por completo. De acordo com o autor: A corrupção é, afinal, incognoscível. Dela só conhecemos os atos incompletos e fracassados. Os bem-sucedidos fazem parte de um segredo bem guardado e avaro em sinais de suspeita. Os céticos sabem que não se pode conhecer aquilo que não se mostra (Lessa, 1997:114). Para uma análise histórica do fenômeno da corrupção no Brasil, conferir o esforço feito por Sérgio Habib no livro Brasil: quinhentos anos de corrupção. Enfoque sóciohistórico-jurídico-penal. Porto Alegre, RS: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1994. 2

- A violência policial já recebeu entre nós diversas análises que privilegiaram enfoques e interesses diferentes. Para uma análise geral do fenômeno, conferir BARCELLOS, Caco. Rota 66. A historia da policia que mata. São Paulo: Ed. Globo, 1992; MENANDRO, Paulo Rogério M.. Um levantamento dos fatores responsáveis pela violência policial. Revista Encontros com a Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, Volume 11, 1979. pp. 141-150; BARNABÉ DE SOUZA, Silas. Violência policial militar em Belo Horizonte. Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1998; NETO, Paulo Mesquita. A violência policial no Brasil: abordagens teóricas e práticas de controle. In: CARVALHO, José Murilo de (et. al.). Cidadania, Justiça e Violência. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas (FGV), 1999. PATROCÍNIO, Maria Carmen de Castro. Violência Policial. Estudo de caso da instituição Polícia Militar de Minas Gerais. Dissertação de Mestrado. Departamento de Psicologia, UFMG, 1999. 3

- É óbvio que não se trata de absolver os policiais dos assassinatos. “Ordem ilegal não se cumpre”, dizem os policiais. Porém, não há como negar que toda uma estrutura de poder operava no imaginário daqueles policiais. Dentre estas, minha intenção é apontar para a arquitetura institucional que permeia a polícia militar. De acordo com a Constituição Federal (1988), os policiais militares não passam de funcionários públicos, cuja diferença do trabalhador civil está na estrutura militar hierárquica e disciplinar que são obrigados a seguir. Dito de outra forma, o chefe maior da polícia militar é o poder civil materializado no posto de governador escolhido democraticamente pela população. Logo, o “chefe maior” da Polícia Militar, no episódio do Carandiru, era o governador Fleury, único ator que poderia evitar o massacre ocorrido no pavilhão 9. A estrutura policial e militar brasileira é politizada, digo, está submetida ao poder civil e político vigente. Não é a única, para outros exemplos ver o trabalho de Monet (2001). 4

- Não se pode deixar de mencionar que algo ainda não está claro no campo dos estudos empíricos do conceito e conteúdo da utilização da força física comedida e legitimada pelo Estado. A meu ver, estamos forjando preconceitos em não chamar esta atitude humana de violência física, não bruta e comedida. Os estudiosos do assunto (Muniz, 1999) têm apostado mais na crítica, na reconceituação ou na reconstrução de ações violentas do que na exposição da legitimidade do uso da violência por parte do Estado. Interessante, mas é preciso notar que esta nova roupagem invadiu o solo brasileiro a partir do momento que teorias norte americanas, voltadas para os estudos de polícia, chegaram ao Brasil e, principalmente, depois que determinados intelectuais, muitos deles defensores dos direitos humanos, passaram a ocupar importantes postos no poder público. Sobre essa última temática ver o interessante livro de Luiz Eduardo Soares (2000), que passou por “maus bocados” na Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Na ingenuidade de fazer algo, o professor denunciou a banda “podre” da polícia. Pelo trabalho desempenhado, já que se tratava de uma autoridade pública, o professor foi covardemente demitido de seu cargo e, de quebra, tanto ele como os integrantes de sua família foram ameaçados ao ponto de serem obrigados a se refugiarem nos Estados Unidos. 5

- Tal como nos lembra David H. Bayley (2001:117): A única característica exclusiva da polícia é que ela está autorizada a usar a força física para regular as relações interpessoais nas comunidades. Essa é uma definição; ela ensina como reconhecer minimamente a polícia. Mas não é uma descrição

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de tudo que a polícia faz. A polícia freqüentemente recebe outras responsabilidades. Além disso, nem sempre ela emprega a força para regular as relações interpessoais, ainda que esteja autorizada para isso. 6

- A produção da notícia leva, muitas vezes, os profissionais da mídia a usarem acontecimentos de rotina, como se fossem fatos novos, grandes acontecimentos mediáticos, os chamados meta acontecimentos conforme o conceito de Adriano Duarte Rodrigues (1999). Por exemplo, na falta de material noticioso, de um acidente, as notícias policiais, algumas vezes com base em estatísticas, são divulgadas mais no intuito de cumprir uma pauta do que de alertar ao público sobre o aumento da violência ou da criminalidade na cidade. Para uma análise apurada da temática abordada conferir Malotoch & Lester (1999) e Traquina (2001). 7

- Devo essa análise à leitura do trabalho de Edmundo Campos Coelho (1987:02) que afirmou com contundência que as vítimas de pequenos furtos “elaboram” as circunstâncias da ocorrência, acrescentando ou acentuando aspectos que “dramatizam” a experiência: incidentes que em situações normais pouca ou nenhuma atenção despertariam, transformaram-se em “tentativas” de assalto. Essa propensão a aplicar tintas fortes na descrição de experiências nada excepcionais é tanto mais acentuada quanto mais generalizado for o sentimento de insegurança. O autor chega a essa conclusão discutindo as pesquisas acerca da criminalidade violenta, não creio que seja diferente nas relações que tecem a sociedade e os meios de comunicação. 8

- Este é o caso, por exemplo, de programas sensacionalistas como Repórter Cidadão, da Rede TV, do famigerado Linha Direta da Rede Globo e do mal feito Cidade Alerta, paradoxalmente veiculado pela Rede Record. O “pai” desses programas foi o já conhecido Aqui e Agora, que além de garantir um bom índice de audiência no SBT deu notoriedade ao repórter Gil Gomes. 9

- Algumas batidas policiais levadas ao público pela TV Alterosa são no mínimo enganadoras. A hipocrisia social causa mal-estar. Numa blitz policial dentro dos bordéis da Rua Guaicurus, antiga zona boêmia da cidade, foi possível verificar o uso indiscriminado não só da força física, mas da imagem e do espaço privado de mulheres que ali vendem o seu corpo. Em outro lugar já discuti essa temática (Barros, 2002), mas aqui vale salientar a brutalidade policial em relação às prostitutas que labutam naquele lugar. Quartos foram invadidos, mulheres que há anos trabalham naquele local foram novamente revistadas; baús, bolsas e armários foram revirados à procura de algo que não encontraram. Não se deixou de fazer a gozação e o uso da violência simbólica. Os repórteres, certamente chamados ao local, pois tinham ciência da pauta da polícia – creio que o mesmo direito não tiveram as profissionais do sexo – não perderam tempo em aproveitar para mostrar o que interessa ao voyerismo social. Mulheres e homens foram mostrados de forma indiscriminada. O trabalho policial “limpo” foi novamente mostrado com tons de sensacionalismo e espetacularização. Diante do absurdo não resta dúvida que ali se forjou um dos acordos mais hipócritas que se fazem entre as instituições. Mostrem o “lado bom” que te daremos o que necessitam. Assim quis dizer a instituição policial às instituições mediáticas. 10

- Uma dessas reuniões recebeu um grande espaço na mídia. Reunidos na Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Granbel), prefeitos e policias discutiram como levantar recursos para combater o crescimento da criminalidade. A despeito da oposição de alguns prefeitos, de acordo com um dos participantes da PM, no encontro: A reunião objetivou também traçar o conceito de operações para a preservação da ordem pública nos municípios da Granbel e a criação da Guarda Municipal. Dentre as políticas a serem implementadas insere-se a Polícia de Resultados (novo conceito de ser e fazer polícia), o geoprocessamento da criminalidade e violência, a instalação de Postos de Observação e Vigilância (POVs) e dos Conselhos Comunitários de Segurança Pública (Consep). Essas políticas têm o objetivo de deixar o campo das preocupações e partir para a implementação de ações sólidas e concretas. Foi observado que a tomada de ações isoladas dos municípios permitirá a migração da marginalidade para as cidades que não tenham adotado as mesmas políticas de segurança pública. Conf. LOPES, Celso Afonso Faria. “Hoje a polícia está enxugando gelo”. In Jornal O Tempo. “PM propõe fundo municipal de segurança”. Belo Horizonte, 11 de abril de 2001. 11

- Convênio de Cooperação mútua que entre si celebram o município de Belo Horizonte e o Estado de MG com a interveniência da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais e a Secretaria Municipal de Administração para implementação de programa de prevenção de segurança pública – projeto PMMG COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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e PBH – 32 anos de parceria. Decreto n.º 36.885, 23 de maio de 1995. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais, 1995. 12

- De acordo com a manchete do Jornal Hoje em Dia, “Oficiais estão por trás das ´redes de proteção` em BH”. Belo Horizonte, 25/02/2002. 13

- Obviamente isso não se dá apenas em cidades brasileiras. Para uma análise da experiência norte-americana conferir (Bayley e Skolnick, 2001). 14

- A dinâmica de determinadas relações sociais produz certas peculiaridades de relações de violência. Relações onipresentes em todas as sociedades. Estou de acordo com Gilberto Velho (2000:11) quando assevera a diferença, a reciprocidade e a negociação da vida social como chaves de análise do fenômeno da violência. De acordo com o autor: Violência não se limita ao uso da força física, mas a possibilidade ou ameaça de usá-la constitui dimensão fundamental de sua natureza. Vêse que, de início, associa-se a uma idéia de poder, quando se enfatiza a possibilidade de imposição de vontade, desejo ou projeto de um ator sobre outro. A própria noção de outro ressalta que a diferença constitui a vida social, à medida que esta se efetiva através da dinâmica das relações sociais. Assim sendo, a diferença é, simultaneamente, a base da vida social e fonte permanente de tensão e conflito. Muitos são os estudos que, de uma forma ou de outra, mostram a violência como prática, como linguagem, formas de representação, mecanismo de diferenciação, conflito, estilos de vida e de sociabilidade. É isso, por exemplo, que tem revelado as manifestações dos jovens que se aglomeram em bailes funks (Hermano, 2000; Herschmann, 2000), de consumidores que, apavorados com o aumento dos produtos ou com a fome, quebram lojas e saqueiam supermercados, de grupos “sem-terra” que saqueiam caminhões de alimentos e lutam com a polícia, de integrantes de torcidas organizadas que distribuem pancadas aos seus adversários, de grupos de prostitutas que se esforçam para linchar um cliente violento e desleal. O mesmo podendo-se dizer de jovens estudantes que se organizam para apedrejarem universidades e escolas em favor de passe livre em transportes coletivos, ou a favor de alimentação mais barata, de trabalhadores em greve que saem do controle chegando mesmo a esquecerem as reivindicações por melhores condições de vida e de trabalho. Também se percebe o mesmo nos trabalhadores informais que lutam por espaços não-legítimos na cidade e, por fim, em grupos de policiais militares que, em certo momento, se organizaram por dignidade e melhores condições de vida. Como se vê, manifestações que carregam relações sociais que podem se transformar em violência fazem parte do organismo social. São expressões de grupos organizados e não organizados, de órgãos, associações ou mesmo instituições que procuram avisar à sociedade e ao Estado que algo não está de acordo com os seus interesses. A violência, nesse contexto, deve ser desmistificada. Ela faz parte do real e, em tais circunstâncias, está presente tanto na consciência individual como na consciência coletiva. Trata-se de um fenômeno que carrega uma história, com início, um período de maturação, desenvolvimento e irrupção. Ao vir à tona as relações violentas não deixam de mostrar fissuras sociais, pontos esgarçados de relações frouxas. São pontos ainda não bordados, espaços não preenchidos, lugares não organizados e cuidados por uma força exterior e maior que a consciência individual. Sobre esta e outras temáticas conferir estudos como o de SOREL, George. Reflexões sobre a violência. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1992; GIRARD, René. A Violência e o Sagrado. São Paulo: Ed. Unesp; Ed. Paz e Terra, 1990. ARENDT, Hanna. Sobre a violência. Brasília: Ed. Universidade de Brasília (UNB), 1990; FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1997; COSTA, Jurandir Freire. Violência e psicanálise. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1984; TILLY, Charles. Coerção, capital e Estados europeus. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 1996; FERNANDES, Florestan. Nos marcos da violência. In: A ditadura em questão. São Paulo: Editora T. A. Queiroz, 1982. pp. 127-164; PAIXÃO, Antônio Luiz. A violência urbana e a sociologia: sobre crenças e fatos e mitos e teorias e políticas e linguagens e... Religião e Sociedade, São Paulo, Centro de Estudos da Religião, 15 (1), 1990. pp. 68-81; VELHO, Gilberto. Violência, reciprocidade e desigualdade: uma perspectiva antropológica. In: VELHO, Gilberto & ALVITO, Marcos (Org.) Cidadania e Violência. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas; Editora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), 2000 e CARVALHO, Violência no Rio de Janeiro: uma reflexão política. In: ALBERTO, Carlos et al. Imagens de violência e práticas discursivas. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 2000. 15

- Creio que está aqui todo empenho que a elite empresarial tem dado à discussão da violência e do aumento da criminalidade. Em Belo Horizonte, nesse ano, em menos de seis meses, foram organizados dois Fóruns Metropolitanos Contra a Violência. A discussão, em um deles, mais política COLEÇÃO ESTUDOS DA CIDADE

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que gerencial, contou com a presença de estudiosos do assunto. De lá, saíram novos recursos para a segurança da “comunidade” e para a manutenção de um disque-denúncia. Antes a participação dos empresários do que nada. Mas é no mínimo curioso que depois de tanto tempo, só agora que parte do empresariado tomou ciência dos problemas que afetam a sociedade e seus negócios. 16

- A meu juízo, essas são as relações perversas que tem forjado o policiamento comunitário em certas regiões da cidade. Por ter auxiliado no conserto de uma viatura, na compra de um rádio ou na construção de um POV (Posto de Observação e Vigilância) determinados segmentos do empresariado ou mesmo da “comunidade” tem pedido “atendimento vip” para suas regiões ou imóveis. Uma clara movimentação rumo à privatização velada do bem público segurança. 17

- É preciso jogar ao chão toda discussão acerca do mito que afirma que os seres humanos são iguais perante a lei. Nada disso é verdade quando se percebe por diversos segmentos sociais a estigmatização, demonização e criminalização de certas localidades que agregam um bom número de habitantes. Termos como “favela”, “complexos”, “cortiços”, “periferias”, “locais de despejo”, “aglomerado urbano”, “cabeças de porcos” e “zonas quentes de criminalidade” revelam como estamos estigmatizando os atores em nossas pesquisas. A mídia incorpora esses termos, produzem outros e os transformam em categorias que “carregam legitimidade” acadêmica. Não se perguntou aos habitantes do local se eles acham que residem nos locais por nós denominados. Sabe-se, há muito, que homens e mulheres forjam padrões de sociabilidade e regras culturais alicerçadas em normas formais e informais. A condição humana, mesmo nas piores situações de vida, produz suas regras, teias de significados, normas e símbolos. No campo sociológico não cabe discussões que apontam esses lugares como carentes de organização, força moral e princípios civilizatórios da cultura ocidental. Porém, é preciso afirmar que muitas dessas categorias passaram a fazer parte das representações sociológicas produzidas sob um olhar carente de observação e participação na vida dos grupos menos privilegiados no campo cultural, econômico e político. Sobre a temática abordada ver Brant, 1975; Zaluar, 1985; Caldeira, 1984; Sader & Paoli, 1986; Telles, 1993 e Alvito, 2001. 18

- Lutas e conflitos sociais, relações de poder entre grupos que passaram a não comungar os mesmos valores, tendem a inscrever em corpos a materialização de reivindicações. O corpo passa a servir como símbolo de luta. Sua lembrança passa a circular como texto, mensagem e sentido. Ele carrega uma linguagem, liga o passado com o presente e emite mensagens tácitas que conjugam complexas relações de comunicação. Tal como salientou Juan Manuel Obarrio (2000: 318): Os corpos imediatos em sua reprodução, conectam-se ao mesmo tempo a dois contextos temporais, dois campos de significação atravessados pela violência: o campo do presente, onde a aparição de corpos escritos instaura um âmbito discurso; e um campo do passado próximo, conectado com este último: o âmbito do desaparecimento dos corpos e a proibição e silenciamento de certa escritura. Os corpos atacados já são, eles próprios, meios de comunicação de massa. Entram em uma rede de economia da circulação de mensagens, portando as palavras escritas neles mesmos articulando-se com a dinâmica dos outros meios, que os subsume. Dois casos podem revelar com acuidade esse tema: o primeiro, é o caso da greve de 1997 levada a efeito pelos policiais da Polícia Militar de Minas Gerais. Um dos resultados da greve foi a sua materialização na morte do respeitado e querido pelos amigos cabo Valério que, em tempo depois, foi agraciado por um busto colocado na sede de uma associação militar. Outro episódio foi a recente morte do jornalista Tim Lopes (02 de junho de 2002) da Rede Globo que, na tentativa de fazer o seu trabalho (uma reportagem sobre bailes funks e tráfico de drogas no morro) foi capturado por traficantes ligados ao já conhecido Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco - chefe do tráfico na “favela” Vila Cruzeiro e um dos líderes da facção criminosa Comando Vermelho (CV). O corpo do jornalista foi torturado, esquartejado e queimado. O pouco que restou foi encontrado numa das covas de um “cemitério” clandestino. Os profissionais da mídia, de lá para cá, tem utilizado sua lembrança e o seu trabalho no intuito de mostrar o aumento da criminalidade, da violência, da impunidade e da situação de “desordem” que chegou a cidade do Rio de Janeiro. 19

- De acordo com a pesquisa Data Tempo, do dia 12 de julho de 2001, feita com 417 pessoas em Belo Horizonte, 59,7% da população era a favor da circulação dos motoristas de transporte alternativo. Apenas 27,1% informaram ser contra os perueiros e 11,5% disseram que, para eles, “tanto faz”. Conf. Jornal O Tempo. “Belo-horizontino aprova os perueiros”. Belo Horizonte, MG, 17/07/2002.

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- Na realidade, os meios de comunicação seguem linhas editoriais assentadas em determinados interesses, representações do mundo social e formas de atender a um público consumidor específico. É impossível exigir “objetividade” dos meios de comunicação quando a produção da notícia está alicerçada não nos acontecimentos, na realidade dos fatos mas na versão que o profissional deu a eles. Em outras palavras, o problema reside é nos mecanismos que produzem a notícia que será levada ao público.

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- Infelizmente, escapa do meu propósito maior demora nesse assunto, à guisa de informação vale mencionar as letras de Nélson Traquina (2001: 191-192) quando afirma que o termo quarto poder foi forjado por um inglês em 1828, numa altura em que os primeiros teóricos de um novo sistema de governação chamado democracia argumentavam que os mídia noticiosos (nessa altura histórica apenas a imprensa) teriam um papel fundamental e dual. Primeiro, ser um guardião dos cidadãos, protegendo-os do abuso de poder por governantes que até então apenas tinham mostrado a face da tirania. Segundo, ser simultaneamente um veículo de informação para equipar os cidadãos com ferramentas vitais ao exercício dos seus direitos e uma voz dos cidadãos na expressão das suas preocupações, da sua ira, e, se for preciso, da sua revolta. Em três palavras: estamos longe disso. Bibliografia ADORNO, Sérgio. A criminalidade urbana violenta no Brasil: um recorte temático. BIB (Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais), ANPOCS, n.º 35, 1993. pp. 01-72. ADORNO, Sérgio. Insegurança versus direitos humanos. Entre a lei e a ordem. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP (Universidade de São Paulo). São Paulo: Volume 11, n.º 02 (outubro de 1999). Editada em fevereiro de 2000. pp. 129-153. ALVITO, Marcos. As cores de Acari. Uma favela carioca. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas (FGV), 2001. ARENDT, Hanna. Sobre a violência. Brasília: Ed. Universidade de Brasília (UNB), 1990. AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 41ª ed.. São Paulo: Ed. Globo, 2001. BARCELLOS, Caco. Rota 66. A historia da policia que mata. São Paulo: Ed. Globo, 1992. BARNABÉ DE SOUZA, Silas. Violência policial militar em Belo Horizonte. Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1998. BARROS, Lúcio Alves de. PM: Trabalhador encarcerado. Belo Horizonte, 2000. (mimeo) BARROS, Lúcio Alves de. Mariposas que trabalham. Belo Horizonte, 2002. (mimeo) BAYLEY, David H.. Police for the future. New York: Oxford University Press, 1994. BAYLEY, David H.. Padrões de policiamento: uma análise internacional comparativa. Trad. Renê Alexandre. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 2001. BAYLEY & SKOLNICK. Nova polícia. Inovações nas polícias de seis cidades norte-americanas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 2001. BEATO, Cláudio Chaves. Determinantes da criminalidade em Minas Gerais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, ANPOCS. São Paulo, vol. 13, n.º 37, jun. de 1998. pp. 74-87. BITTNER, Egon. Aspects of police work. Boston: Northeastern University Press, 1990. BRANT, Vinícius Caldeira (Coord.) São Paulo 1975. Crescimento e pobreza. 4ª ed.. São Paulo: Ed. Loyola, 1975.

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