TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS DA RELAÇÃO ENTRE SEMIÓTICA, PUBLICIDADE E IMAGEM

June 13, 2017 | Autor: P. Gomes Pato | Categoria: Semiotics, Visual Studies, Image Analysis, IMAGEM, Semiotica
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TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS DA RELAÇÃO ENTRE SEMIÓTICA, PUBLICIDADE E
IMAGEM[1]

RESUMO

Este artigo traça um paralelo entre a proposta de Dubois sobre os estágios
históricos dos modos de compreensão da imagem fotográfica, vinculados ao
índice, ao ícone e o símbolo semióticos, e o uso da imagem na publicidade.
Mudanças na condição do consumidor foram acompanhadas de alterações no uso
das imagens publicitárias. O objetivo inicial de uso das imagens era o de
mostrar o objeto a ser consumido, consubstanciado em seu ícone perfeito e
real. Posteriormente, foi agregado valor simbólico à mercadoria.
Atualmente, a publicidade procura, por meio dos índices, insinuar o prazer
da fruição do objeto.

Palavras-chave: semiótica; imagem; publicidade.



ABSTRACT

This paper draws a parallel between the proposed Dubois on the historical
stages of understanding modes of the photographic image, linked to the
index, the icon and the semiotic symbol, and the use of images in
advertising. Changes in consumer conditions have been accompanied by
changes in the use of advertising images. The initial objective of the
images use was to show the object to be consumed, embodied in his right and
real icon. It was later added symbolic value to the goods. Currently,
advertising demand, through the indices imply the pleasure of the enjoyment
of the object.

Keywords: semiotics; image; advertising.





Ao discorrer sobre as transformações da condição humana, Bauman (2002)
destaca que o homem da modernidade sólida, fruto do sistema industrial
fordista, é aquele considerado manipulável, influenciável. Seu destino era
ser submetido pelos meios de comunicação de massa e pelas estratégias
engendradas pelos comunicadores para construir a figura do "consumidor", o
sujeito que, finalmente, foi alçado à condição de cidadão de primeira
classe na modernidade líquida de nossos tempos.

O homem moderno clássico é o sujeito típico dos estudos iniciais Do campo
da Comunicação. Assim, as estratégias publicitárias eram projetadas tendo
em perspectiva o consumidor padrão, um tipo representativo da massa, pois
nos primórdios a propaganda buscava sua afirmação e linguagem. Antes mesmo
de 1930, já haviam sido incluídos nos vocabulários "clássicos" da
comunicação rituais de recepção e processos de circulação, mas "o período
inicial, no entanto, foi de caos e mudança, tentativa e erro." (KELLER,
2004, p. 185).

A possibilidade responsiva do consumidor no período inicial da
publicidade, particularmente a norte-americana, restringia-se a enviar
correspondência aos anunciantes, como o fez um pequeno consumidor rural
estadunidense ao reclamar sobre determinadas imagens impressas nos
catálogos de compra à distância da Sears Roebuck, no início do século XX:


Por favor, coloquem pés nas senhoras do catálogo, para
que elas sejam bonecas de papel mais bonitas. Nós nunca
encontramos senhoras com pés para completar nossas
famílias [...] não coloquem preços nas pernas delas.
(KELLER, 2004, p. 203).

Como se percebe, as imagens não apenas mostravam um produto qualquer, mas
ganhavam aspecto lúdico nas mãos dos pequenos e futuros consumidores da
zona rural. Ao montar suas "famílias" com paper dolls improvisadas, esses
jovens se apropriavam de "modelos" gestados pelos primeiros publicitários,
o que auxiliava na construção de sistemas de representação, significação,
domesticação, unificação e dominação do público. Os pés das mulheres não
eram mostrados, ao contrário do que ocorria com pés de crianças e homens,
por regras de "pudor". Mas as crianças ainda não sabiam disso...

Os catálogos de venda por correspondência são instituição genuinamente
norte-americana, e funcionam como emblema central da modernidade clássica.
Nos anos iniciais de desenvolvimento, de 1895 a 1906, passaram por grandes
mudanças e ajustes ao modificar sua abordagem na busca por construir o
consumidor e consolidar seu público. Desenvolveram-se convenções
discursivas na medida em que o consumidor via e lia os catálogos e consumia
os produtos ali estampados, enquanto era iniciado no discurso da venda por
correspondência. Muitos aspectos estruturais e de abordagem do
leitor/consumidor surgiram nesse período e se tornaram parte do vocabulário
clássico da propaganda (KELLER, 2004).

"Surfando na rede" em busca de representações para compor este artigo,
encontramos as imagens adiante acompanhadas da citação subsequente. O blog
do qual extraímos as imagens e o texto são de responsabilidade de quatro
jovens moças estudantes de Informação e Documentação da Universidade de
Zaragoza, Espanha, campo de conhecimento de nossas pesquisas. Segue o
comentário que reflete a percepção da(s) redatora(s) sobre as imagens
publicitárias em questão.

Figura 1 – Propaganda de 1950 do perfume Chanel 5

" "


Fonte - Disponível em:
. Acesso em: 20 jul. 2013.


Surfando na rede, encontrei um anúncio de Chanel n. 5,
que foi publicado em uma revista em 1950. À direita está
um anúncio do mesmo perfume publicado em 2000. Uma vez
que se passaram 50 anos, normalmente estaria mudada a
maneira de atingir o público; mas, se ela funciona, por
que mudar? A exceção que confirma a regra. Muitos
outros, tais como a Coca-Cola, mudaram (FAMOUSPHOTOS,
2009, grifo nosso, tradução nossa).

" "
"Figura 2 - Propaganda de 2000 do perfume Chanel 5 "
" "
" "
" "
"Fonte - Disponível em: "
". Acesso em: 20 jul. 2013. "



O Chanel 5 foi lançado em 1921 e é o primeiro perfume da Maison Chanel,
sendo um líder mundial de vendas. Em 1955, cinco anos após a publicação do
primeiro anúncio (Figura 1), Marilyn Monroe declarou o seguinte em reposta
provocante a um jornalista que quis saber o que ela usava para dormir:
"Apenas duas gotinhas de Chanel 5"[2]. A afirmação certamente não passou
despercebida pelos donos da marca e muito menos pelos publicitários, ou até
mesmo foi emitida em função de algum acordo comercial.

O interessante no texto do blog das estudantes é que ele aponta para dois
fatores que julgamos básicos e pertinentes à nossa análise sobre imagens,
semiótica e propaganda e suas relações e transformações. O primeiro diz
respeito às mudanças na mensagem publicitária, e o segundo é o fato de se
afirmar que a campanha do Chanel 5 se apresenta como exceção à regra. Ou
seja, toda a publicidade mudou – com o que concordamos –, exceto as
campanhas do Chanel 5, do que discordamos.

Afirmar isso tendo em vista a contraposição das duas imagens revela o
quanto o ícone, o referente, o objeto existente no mundo visível é
dominante nas mentes dos leitores, indexadores e mesmo pesquisadores. A
Figura 1 é tipicamente uma reprodução tipográfica. Algumas letras com pouco
entintamento – C, E e L – destacam a precariedade do processo de impressão.
Em função das características técnicas da tipografia e suas inevitáveis
limitações – impressão por contato direto e pressão – e da clicheria –
construção da imagem "a traço" no clichê por meio de grossos fios
definidores de seu contorno –, o "peso" do recipiente do perfume confere
"materialidade" e "solidez" ao objeto. A função primeira do anúncio é
cumprida: apresentar o produto. Ou, mais precisamente, reiterar a imagem do
mais famoso ícone da perfumaria de todos os tempos, o clássico vidro cujo
desenho pouco foi alterado. A massa cinza, como pano de fundo no qual se
destacam fios horizontais, apenas reforça a materialidade da embalagem ao
prendê-la ao chão.

Na Figura 2 a composição é a mesma. O texto e a embalagem foram mantidos
como elementos centrais da narrativa. Mas a mensagem é outra. Se no
primeiro anúncio o ícone semiótico, a forma, se impõe como elemento
central, sólido e plantado no chão, no segundo a figura do vidro quase
volatizou. O que restou da embalagem foi a insinuação de sua presença
translúcida, a indicação fantásmica e indicial do produto, o odor, a
própria fragrância "materializada". A mensagem deslocou-se da embalagem –
visível, porque icônica – para a substância, o aroma, o índice invisível,
mas "sentido" de alguma maneira. A forma, antes sólida, misturou-se ao
fundo vaporizado. É interessante destacar que o líquido do perfume é
amarelado e não está "presente" nos anúncios, pois efetivamente não é isso
o que interessa "mostrar". No primeiro anúncio o importante é enfatizar a
forma. No segundo, com a forma já sobejamente conhecida pelo consumidor,
insinua-se o que decorre do líquido que ali é invisível, a fragrância, o
perfume em si; porém, sem perder a referência icônica historicamente
construída pela publicidade. Portanto, o que impera no segundo anúncio é o
índice, a indicação sensível de uma possibilidade. Certamente não é
possível, nessa situação, sentir diretamente o perfume pelo olfato. Mas é
possível "senti-lo" pela visão. O recurso visual utilizado para atingir tal
fim foi o da fusão, diluição e esmaecimento do ícone, sua incorporação ao
fundo que passa de massa sólida a algo etéreo e gasoso, leve e suave.
Restou apenas o "espírito" da embalagem, que é, em última análise, o aroma
característico do produto. Esse ajuste fino das camadas de signos só é
possível em função dos softwares gráficos. Ao trabalhar layers e
transparências, o designer gráfico empresta fluidez e leveza ao vidro,
modificando a essência da mensagem. Algo típico da atual modernidade
líquida que nos fala Bauman (2002).

O primeiro anúncio do Chanel 5 espelha a estratégia fundamental presente
nos primórdios da Publicidade, embora o anúncio seja de 1950. Mostrar o
produto, seu ícone, era torná-lo real e palpável para o consumidor. Vendia-
se algo sólido e visível, quase passível de ser apreendido e manipulado.
Esse modelo de anunciar se vincula à modernidade sólida de Bauman (2002). A
mentalidade, as possibilidades técnicas, os padrões de consumo e as
relações entre produto e consumidor emergem da imagem. O fordismo do antigo
capitalismo sólido está representado pela mecânica do processo tipográfico
baseado na prensa de Gutenberg, o qual reflete seu "peso" no anúncio. As
possibilidades técnicas do clichê limitam a imagem a traços grosseiros, e a
prensa deixa transparecer as barreiras do processo, desde os problemas de
falta ou excesso de tinta até as falhas de impressão.

Sem eliminar as estratégias da primeira fase, o segundo anúncio
exemplifica a terceira fase do uso da imagem na publicidade, o que
entendemos ser uma tendência na publicidade atual e que se alinha à
modernidade líquida de Bauman (2002). A leveza e fluidez é sua
característica básica. A mensagem é mais sensorial que cerebral. A
apresentação do produto via ícone ainda ocorre, evidentemente, porque esse
sempre se apresenta no início do processo interpretativo. Mas, como afirma
Landowski (2001, p. 127), se a publicidade contemporânea tem alguma
eficácia é porque não procura dar lição de moral ou ser explicitamente
persuasiva. Sua estratégia consiste em povoar nosso universo de simulacros,
"um mundo imaginário e pregnante que nos engloba como uma segunda
intimidade [...] não as segundas intenções, mas aquilo mesmo que se deixa
de fato ver, e até sentir."

O ícone, o índice e o símbolo formam a mais fundamental divisão dos
signos (CP 2.275). Esse signo é da natureza de uma aparência, existindo
apenas na consciência, apesar de, por conveniência, nós o estendermos para
as aparências visíveis dos objetos, que excitam na consciência a imagem
desses objetos (CP 4.447). O signo icônico mantém uma relação de semelhança
com seu objeto, na qual a realidade efetiva do objeto é desnecessária para
a sua significação possível (CP 2.276). Peirce (CP 2.278) afirma que só é
possível comunicar diretamente alguma ideia por meio de um ícone, e todo
método de comunicação indireta de alguma ideia deve depender, para seu
estabelecimento, de um ícone.

Se o ícone é a base qualitativa para se entender o objeto representado, a
compreensão só ocorre com a ajuda dos índices. O índice se define pela
relação real com o objeto. Podemos inferir que o índice só diz algo porque
está vinculado a um ícone. Nada pode apontar, a não ser pela relação com
algum ícone.

Segundo Peirce (1998), a linguagem e todo o pensamento abstrato,
realizado por meio de palavras, são de natureza simbólica. As palavras são
símbolos, pois são signos convencionados, leis que de certo modo os
falantes de uma determinada língua devem seguir para poder comunicar
satisfatoriamente. Os símbolos nem exibem os próprios caracteres
significados, como fazem os ícones ao mostrar o objeto, nem tampouco
asseguram a realidade dos seus respectivos objetos, como indicam os índices
ao se vincularem "carnalmente" aos objetos que indicam.

Podemos vincular os diferentes usos da imagem na propaganda aos estágios
evolutivos históricos da análise fotográfica como proposto por Dubois
(1986), cuja base são os três principais signos semióticos, o ícone, o
índice e o símbolo. Segundo o autor, nos primórdios a fotografia era
percebida como a realidade em si, seu ícone analógico correspondente ponto
a ponto ao objeto; em um segundo estágio, a fotografia constituiu-se em
símbolo, em material moldado segundo as necessidades e visão do fotógrafo
e, no caso da publicidade, toda a gama de profissionais e necessidades
comunicativas sobre determinado produto; finalmente, no terceiro estágio a
fotografia mostra-se apenas como um índice da realidade, uma insinuação do
visível do qual emana.

Nessa perspectiva, mostrar o ícone, a imagem explícita do produto,
repousava sobre a necessidade de torná-lo reconhecível pelo consumidor no
ato da compra. A associação entre o produto e uma determinada necessidade
de uso ocorria em função da identificação icônica. No período inicial da
propaganda, apresentar o produto ao consumidor era imperativo, se não para
incitar a compra, ao menos para o reconhecimento do produto nas
prateleiras. O valor de uso se sobrepunha ao valor simbólico, e o desejo
era direcionado ao objeto, logo, ao ícone, sua imagem perfeita e "real".

O caráter passivo do receptor parecia patente nesse período inicial. Não
havia uma perspectiva analítica desenvolvida pela sociedade e pelos
consumidores em relação aos meios. Assim, parecia evidente a ligação entre
meio, manipulação e efeito. A expansão da sociedade de consumo foi exitosa
em função da adesão das massas. Nesse sentido, a propaganda teve papel
decisivo na criação de necessidades e disseminação de novas práticas e
hábitos de consumo.

Com a ampliação crescente, a sofisticação do mercado e a emergência de
inúmeras mercadorias concorrentes, apenas mostrar o produto não garantia
vantagem competitiva. Portanto, era necessário vincular um valor secundário
ao valor primário de uso. Assim, o valor simbólico passa a impregnar o
produto e acaba por assumir o papel principal. "Parecer com" é mais que
"ter", e o valor simbólico passa a dominar os enunciados da publicidade.
Carros possantes, mulheres bonitas e sensuais, astros e estrelas de
Hollywood assumem o papel de modelos a serem copiados e emprestam seus
corpos e valias para as mais diversas encenações. O desejo pelo produto se
afasta definitivamente do simples ato de usá-lo. Afinal, se "um cachimbo
não é um cachimbo"[3], um sabonete[4] não é simplesmente "um sabonete", uma
vez que sua assustadora composição química é oculta pela "aparência".

"Figura 3 - Lux e Marlene Dietrich "
" "
" "
"Fonte - Disponível em: . "
"Acesso em: 21 jul. 2013. "
"Figura 4 - Lux e Jane Fonda "
" "
"Fonte 4 - Disponível em: . "
"Acesso em: 21 jul. 2013. "



Produtos os mais diversos "agregam valor" e passam à condição de objetos
de desejo. Carros, bolsas, sapatos, bebidas e um sem fim de objetos e
gadgets adquirem personalidade e as transferem aos seus felizes
possuidores. O consumo passa a distinguir o consumidor. Porém, a
fetichização do objeto no mundo ocidental sofreria um baque ao final do
século passado com a entrada da China na arena do comércio global.
Utilizando estratégia semelhante à do Japão do pós-guerra, copiar produtos
ocidentais e os espalhar pelo mundo, os chineses foram além ao inundar o
planeta com suas réplicas dos principais objetos de desejo dos consumidores
ocidentais. Relógios, bolsas, roupas, carros, tênis de marca ou qualquer
outra coisa passível de cópia foi e está sendo produzida em escala
mastodôntica. O valor agregado simbólico das grandes marcas, construído
pacientemente pela indústria e pela publicidade ocidental, ruiu frente a
cópias e falsificações cada vez mais difíceis de serem detectadas.
Portanto, patroa e empregada podem usufruir igualmente de suas bolsas Louis
Vuitton. O status proporcionado pelo objeto sofreu um duro revés pela
falsificação. A cópia e a falsificação instituíram, enfim, o simulacro do
simulacro.

Se não é suficiente ao consumidor utilizar uma bolsa pelo simples ato de
carrear carteira, chaves, documentos e nem mesmo ostentar alguma vinculação
simbólica por essa ter sido diluída e rebaixada pela cópia, resta sentir o
prazer sensorial de "possuir" o objeto. O Chanel 5 pode ser imitado,
copiado, mas sua fragrância, como segredo industrial, permanece
inalcançável. Copia-se a aparência, sua exterioridade material, o referente
icônico. Apropria-se até de seu simbolismo. Mas não se alcança sua
essência. Assim, indicar ao consumidor que há um valor que permanece
inalterado é mostrar que a sensação de usufruí-lo é maior até que o seu
poder simbólico. Portanto, o "ter" e o "parecer" deram lugar ao "sentir". É
a volta do valor de uso com nova roupagem. Não mais utilitário, para
resolver alguma demanda ou expurgar algum odor, mas para proporcionar
"fruição", já que todas as demandas pela sobrevivência estão satisfeitas,
de certo modo, na modernidade líquida.

Pompeu (2012) afirma que a "vida já foi mais fácil para o pessoal da
propaganda e do marketing", pois acredita que os chavões e slogans que
poluíram a imaginação dos consumidores por décadas perderam efeito. Elenca
uma lista dos chavões: mulheres bonitas e pouco vestidas, homens bonitos e
bem vestidos, vovós e vovôs alegres e sadios, famílias inteiras
impecavelmente felizes, além dos campeões da exibição: gente jovem, gente
jovem, gente jovem. Questiona em seguida: será que esses "perfumes de
sedução" seguem funcionando? Alguém ainda acredita que conquistará a mulher
desejada com um sedan? Crê que se transformará no designer premiado, ou na
escritora best seller ao comprar um computador "da hora"? Ou mesmo algum
prestador de serviço acredita que basta dizer que é bom? Uma grife
internacional pode ignorar uma denúncia de envolvimento com trabalho
escravo? Num mundo inundado de informações, será possível vender gato por
lebre?

Respondendo a essas indagações, Pompeu (2012) afirma: não. Enfatiza que
algo está mudando de forma profunda nas relações de mercado e comunicação.
E diz que esse algo em mudança é o consumidor. Agora "ele tem o poder de
acessar informações de qualquer lugar. Esteja em Arapiraca ou Tóquio". Tem
ferramentas para comparar serviços, calcular custo-benefício, acompanhar a
imagem social das marcas, testar a qualidade dos produtos. E tem também uma
arma mortal contra enganações: difundir sua avaliação por meio das redes
sociais. Hoje, amigos influenciam muito mais do que pregações
publicitárias.

Mas não há solução para esse cenário? É o fim do jogo para profissionais
da propaganda e do marketing? Pompeu (2012) diz que há solução e afirma que
o mercado e a arte da sedução ainda seguirão vivos por longo tempo. Só que
agora precisam ser redimensionados, redesenhados, reescritos. Conclui que
será preciso "pôr mais inteligência e transparência nas mensagens. Encarar
o público como parceiro. Compreender finalmente que antes de serem
consumidores, a Maria e o Zé são cidadãos conectados".

Em entrevista à revista "Meio e Mensagem", veículo dirigido aos
publicitários, John O'Keefe, diretor global de criação do WPP[5], ao ser
questionado sobre suas campanhas preferidas e o que elas representam para o
futuro do mercado, responde: "Gosto de peças que falam à emoção. São sempre
sobre elas que as pessoas conversam e isso faz com que acabem perdurando."
(TURLÃO, 2013, p. 28).

É nessa perspectiva que entendemos a presença dos índices, signos fluidos
que, antes de mostrar, como fazem os ícones, ou de afirmar, como agem os
símbolos, apenas insinuam possibilidades discursivas, sugerem estados
sensoriais e emotivos. Se o ícone apresenta o objeto e o símbolo representa
o desligamento e permite a linguagem abstrata, o índice, como pólo afetivo,
sensorial e participativo "esquenta" a comunicação, arrasta-nos e nos
acorrenta aos fenômenos, às coisas e às imagens.

Cremos ter demonstrado que o icônico e o simbólico estão abrindo espaço
para o indicial em uma comunicação dialógica que privilegia as sensações, a
memória e as alusões, e permite ao espectador/leitor/consumidor de qualquer
grupo social dialogar e preencher com suas próprias experiências mundanas
os espaços da informação e da comunicação, realizando uma leitura mais
"sensível" que "simbólica", mais pessoal que massiva, afinando sua
sensibilidade ao produto representado.

As mensagens gráficas visuais, particularmente as publicitárias, diante
da nova realidade do receptor/consumidor e das transformações sociais,
tecnológicas e de paradigma, com o fim das grandes narrativas e a
emergência das diferenças e das minorias, sofrem do que chamamos de
"esgotamento simbólico". Ou seja: embora as mensagens construídas sobre
signos cujos valores foram convencionalmente construídos e disseminados ao
longo do tempo (mulher + carro = poder; poder = força = beleza + sexo,
etc.) ainda tenham presença significativa nas mídias, entendemos que novos
"valores" informacionais estão emergindo.

Na atualidade fragmentada em "realidades díspares", o discurso de mão
única, unificante e agregador, não tem o mesmo apelo como no passado. Como
afirma Michel Serre no prefácio da obra de Lyotard (1998, p. xi, comentário
do autor), "é impossível submeter todos os discursos (ou jogos de
linguagem) à autoridade de um metadiscurso que se pretende a síntese do
significante, do significado e da própria significação, isto é, universal e
consistente."

Se os valores e práticas sociais são cada vez mais compartimentados,
diferenciados, específicos e plasmados em diferentes "tribos", embora
contraditoriamente veiculados e partilhados pelas mídias de forma global,
parece-nos que o antigo paradigma comunicacional de massa é insuficiente
frente aos atuais desafios da comunicação e da informação em suas buscas
por caminhos para atingir diferentes extratos de usuários ou consumidores.
"Para despertar o interesse de alguém por um enunciado e fazer com que ele
o retome, vai ser preciso que o outro leve alguma vantagem; portanto, venha
a ser seu co-signatário ou co-produtor, apropriando-se disso seja lá de que
maneira for." (BOUGNOUX, 1994, p. 41). Se comunicação é, antes de tudo, por
em comum, a oposição entre o simbólico e o indicial coloca em oposição
também a informação e a comunicação. A informação não é algo idêntico e nem
possui o mesmo sentido tanto para o emissor quanto para o receptor, mas
deve ser constituída durante o processo de comunicação.

O símbolo, como as palavras, pode ser contestado e contraposto, pois tem,
em certa medida, seu "valor" preestabelecido e convencionado pelo uso
social – embora nem sempre concordemos com esse "valor". Sabemos, porém,
que é impossível negar algo pelo indicial, uma vez que esse é apenas
"sensação", a indicação de alguma possibilidade. Como afirma Bougnoux
(1994, p. 76, grifo nosso), "[...] aquilo que não se pode falar fica
mostrado analógica e indicialmente". Ou seja, mostra-se algo (o ícone) com
alguma indicação sensível e possível vinculada a esse algo (o índice). Para
finalizar, devemos enfatizar que os índices não são signos
descontextualizados, idiossincráticos e subjetivos. Eles são partilhados
socialmente e têm valor estruturado. Porém, diferentemente dos ícones e
símbolos, são mais sutis e se ocultam sob a presença dominante dos ícones,
aos quais sempre se ligam. Portanto, perceber e indexar índices pressupõe a
análise cuidadosa das imagens.


Referências
BAUMAN, Zygmunt. Modernidad líquida. Buenos Aires: Fondo de Cultura
Economica, 2002.

BOUGNOUX, Daniel. Introdução às ciências da informação e da comunicação.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

DUBOIS, Philippe. De la verosimilitud al índex. In: El acto fotográfico: de
la representación a la recepción. Barcelona: Paidós, 1986.

FAMOUSPHOTOS.wordpress.com. Disponível em:
. Acesso em: 20 jul. 2013.

KELLER, Alexandra. Disseminações da modernidade: representação e desejo do
consumidor nos primeiros catálogos de venda por correspondência. In:
CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, R. (Org.). O cinema e a invenção da vida moderna.
São Paulo: Cosac Naify, 2004.

LANDOWSKI, Eric. Presenças do outro. São Paulo: Perspectiva, 2001.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 5ª ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1998.

POMPEU, Fernanda. Me convença. In: Mente aberta, blog de notícias do Yahoo.
2012. Disponível em:
. Acesso
em: 22 fev. 2013.

PEIRCE, Charles Sanders .The Collected Papers of Charles Sanders Peirce.
Disponível em:
. Acesso em: 20/01/2012. (volume 1-8, citado CP seguido pelo número do
volume e número do parágrafo).

______. Antologia filosófica. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
1998.

TURLÃO, Felipe. Ambição do WPP é a efetividade. Meio e mensagem, São Paulo,
ano XXXV, n. 1570, 29 jul. 2013.







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[1] AUTOR: Paulo Roberto Gomes Pato, doutor em Ciência da Informação
(Universidade de Brasília). Texto publicado em janeiro de 2016.
[2] Disponível em: .
Acesso em: 16 jul. 2013.
[3] Referência a "Ceci n'est pas une pipe" ("Isto não é um cachimbo"),
pintura de René Magritte.
[4] Composição do sabonete Lux: Sodium
stearate/oleate/palmitate/linoleate/laurate/myristate, aqua, calcium
carbonate, parfum, sodium chloride, helianthus annuus seed oil, sodium
carbonate, glycerin, titanium dioxide, CI 12490, etidronic acid,
tetrasodium EDTA, PEG-40 hydrogenated castor oil, trideceth-9, paullinia
cupana seed extract, 1,2-hexanediol, actindia chinensis fruit juice,
caprylyl glycol, citrus aurantifolia juice, nonfat dry Milk, wine extract,
vanilla planifólia fruit extract, cocos nucifera fruit extract, CI 74160,
CI 77266, benzyl acetate, benzyl salicylate, butylphenyl methylpropional,
eugenol, geraniol, hexyl cinnamal, limonene, linalool. Disponível em:
. Acesso em: 14 jun. 2013.
[5] WPP Group é uma multinacional britânica de publicidade e relações
públicas fundada em 1971. É considerada atualmente a maior Agência de
Publicidade do mundo, possui mais de 3000 escritórios em 110 países e
emprega mais de 162.000 pessoas. Disponível em:
. Acesso em: 23 jul. 2013.
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