Transição na Estratégia de Desenvolvimento Brasileira? Contextualização e Tendências dos Pactos Políticos e Institucionais

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Transição na Estratégia de Desenvolvimento Brasileira? Contextualização e Tendências dos Pactos Políticos e Institucionais 1

Giordano Bruno Antoniazzi Ronconi 2

1.

Introdução Vivemos em um período de incertezas econômicas e políticas. Este não se

restringe somente a atual conjuntura, pois se mostra como um resultado de um processo histórico já de longa data. No entanto, captar as relações políticas e as possibilidades econômicas do nosso país, conturbadas com a efervescência atual da sociedade torna-se um trabalho multidisciplinar. O objetivo deste trabalho é de clarear estas relações para uma prospecção sobre o desenvolvimento brasileiro. Para isso, é preciso destacar os padrões históricos previamente analisados por outros autores em períodos anteriores para estabelecer uma tipologia que simplifique o entendimento do atual processo de desenvolvimento e a sua relação com a estrutura de poder. Já há alguns anos vinha-se presenciando indícios do esgotamento da recente estratégia de desenvolvimento socioeconômica brasileira, baseada na expansão do mercado interno, por meio da valorização do salário e da expansão das exportações. Os benefícios da adoção deste “modelo” permitiram um crescimento econômico do país e uma melhoria da condição social da população. As políticas públicas e o gerenciamento entre o Estado e o setor privado foram mecanismos fundamentais para a efetivação deste modelo. Criou-se uma nova cultura política na sociedade e está mudança fica evidente em meados de 2014. Porém, as crescentes distorções na estrutura produtiva do país e as condições externas menos favoráveis fizeram com este modelo entrasse-se em uma crise econômica e social, explicitadas no começo de 2015. O que se coloca neste trabalho é de que, independentemente do pacto político vigente, há um constrangimento institucional sobre as formas de desenvolvimento do país. Esse atual relacionamento entre instituições, compreendido como um arranjo 1

Trabalho apresentado no dia 6 de agosto de 2015 no IV Fórum de Pós-Graduação em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense (UFF) no Grupo de Trabalho Estado e Políticas Públicas. 2 Instituto de Estudos Estratégicos (INEST) – Universidade Federal Fluminense (UFF) E-mail para contato: [email protected]

institucional pactuado, foi moldado a partir da reestruturação corporativa no país nos anos 1990 e que pode ser atualmente representado pelo chamado “tripé macroeconômico”. Por trás deste modelo econômico estão representados setores que se beneficiam e possibilitam uma estabilidade política e econômica. Justifica-se que anterior a esse momento, havia um longo pacto institucional, o período desenvolvimentista, que se iniciou em 1930, tem a sua crise em 1977 e terminou na década de 1980. Este período representa arranjos institucionais corporativistas em torno de um Estado forte, a ponto de se radicalizar em 1964 e intensificar suas contradições. Dos diferentes pactos políticos que ocorreram naquele momento, todos estavam constrangidos pelas “regras do jogo”, ou seja, pelos interesses de setores específicos e pelas instituições políticas e econômicas vigentes. Com a perda de capacidade de intermediação de interesses dentro do arranjo desenvolvimentista, há uma reestruturação do Estado tanto política quanto economicamente, trazendo com isso um período de grande instabilidade das relações de poder. Com as alterações institucionais durante a década de 1990, formalizam-se as relações com setores econômicos específicos. Ao contrário do pacto político, esse arranjo institucional não é intencional ou politicamente deliberado das conjunturas, ele ocorre a partir da confluência dos interesses político-econômicos com a mudança estrutural do país, desencadeada pelas estratégias de desenvolvimento. Implicitamente, está entendida uma convergência corporativista que constrange os governos a certas políticas. Atualmente, percebe-se que o pacto político do governo tem uma margem de manobra limitada na sua estratégia de desenvolvimento, pois esta, mesmo tentando divergir das instituições econômicas elaboradas vinte anos atrás, se vê pressionada a limitar seu leque de opções políticoeconômicas. Analisar esse processo atual com mais precisão será possível a partir de um arcabouço teórico das políticas públicas. Para chegar a tais conclusões é necessário primeiro deixar claro certas conceituações e noções sobre o corporativismo. Essa será a primeira parte do trabalho. A segunda mostrará esse entendimento no processo histórico do pacto institucional desenvolvimentista, sua ruptura e a reconfiguração para um pacto neoliberal. A terceira parte contextualiza o atual momento e propõe instrumentos para analisar suas possíveis trajetórias. Trata-se no fim de contextualizar esse processo histórico em momentos

atuais, para fornecer uma análise mais precisa da conjuntura política e dos rumos da estratégia de desenvolvimento adotada.

2.

Corporativismo, Desenvolvimento e Pacto Institucional Tratar o corporativismo como uma concepção teórica, que possui conceituações e

aplicações práticas, e não como um fenômeno, que se manifesta em momentos autoritários, torna-se fundamental para o trabalho, além de ser uma forma comumente abordada por outros autores ao se analisar o Estado brasileiro. Para iniciar tal definição, Alfred Stepan é bastante objetivo: “O corporativismo se refere a um conjunto particular de políticas e disposições institucionais para estruturar a representação dos interesses. Onde predominam tais disposições, o estado muitas vezes concede privilégios ou até cria grupos de interesse, tenta regular o seu número e lhes dá a aparência de um monopólio quase representativo juntamente com prerrogativas especiais.[...] Muitas elites do Estado passadas e presentes têm usado essas políticas corporativistas para estruturar a representação de interesses.” (STEPAN, 1980, p. 71)

A representação de interesses das elites na política do Estado e a estruturação institucional deste é uma relação mútua, pois fornece a legitimidade e a representatividade necessária para a condução da política. Podendo ir além, a possibilidade radical de transformar tal relação em algo orgânico, isto é, fazer com que as corporações façam parte da hierarquia do Estado, é o que caracteriza o totalitarismo fascista: esse organicismo concentrador de poder é o único momento em que fascismo e corporativismo se sobrepõem. Logo, normalmente, um corporativismo tradicional tende à difusão de poder, pois são diferentes setores sobrepujando interesses ao Estado, que procura neutralizar qualquer elemento de conflito entre estes (INCISA, 1983, p. 289). A organização destes interesses por parte do Estado são regras formalizadas, instituições específicas e relações políticas harmônicas. Deixar clara essa distinção entre o corporativismo em uma ditadura e democracia é fundamental, pois evidencia a contraposição teórica ao pluralismo e fundamenta a capacidade estatal de promover o desenvolvimento. O pluralismo é uma corrente teórica que deixa o papel do Estado como mero mediador de interesses organizados, cujo resultado (o output) é uma decisão que harmonize as pressões dos diversos grupos.

Percebe-se que o Estado não possui nenhuma relevância, visto que uma análise sobre a dinâmica dos grupos explica todo o processo político (ARAÚJO & TAPIA, 1991, p. 5). No entanto, como conceber o desenvolvimento do Estado, isto é, a transformação econômica, política e social conjugada com crescimento e melhora do padrão de vida da população? O desenvolvimento tem o caráter de alteração estrutural de todos os fatores que compõem a sociedade, pois ocorrem modificações que repercutem em todo sistema social, gerando assim uma transformação global (BRESSER-PEREIRA, 1972, p. 21). Portanto, este também deve ser entendido como um processo contínuo, tendo como base de sua a mudança a interconexão entre a acumulação de capital, progresso técnico e evolução institucional (MEDEIROS, 2013, p. 145). A forma de utilização do excedente dentro do dinamismo demográfico, isto é, a integração do desenvolvimento econômico com o processo de mudança social, nos fornece as características e moldes do projeto de desenvolvimento (FURTADO, 1976, p. 25). Como a experiência brasileira nos mostra claramente, o Estado é o indutor ao desenvolvimento, pois coloca em andamento uma explícita estratégia de alteração estrutural. Seria fantasioso imaginar que o Estado regula os interesses de grupos a direcionarem recursos para o desenvolvimento nacional, conforme propõe a teoria pluralista. Uma coalizão de grupos ou classes sempre assume a tarefa de conduzir o desenvolvimento no Estado, criando assim um pacto político em torno dos objetivos nacionais e dentro da estrutura institucional disponível (BRESSER-PEREIRA, 2012). Portanto, uma compreensão mais clara e que compreende o caráter estrutural, institucional, do corporativismo no Estado é deixada por Bruno Reis: “Uma série de instituições políticas destinadas a processar, dentro do aparelho estatal, os conflitos de interesses que têm lugar no âmbito da sociedade civil – ou melhor, do mercado – e que termina por atribuir status público a grupos representantes de interesses privados específicos.” (REIS, 1995, p. 427)

Criar esse ambiente claramente não se dá a uma determinada conjuntura, pela imposição circunstancial de um modelo. A emergência de novas formas de corporativismo, rompendo com o padrão das anteriores, é o que poderia ser chamado de arranjos institucionais, que se conformam em diferentes regimes e momentos políticos (ARAÚJO & TAPIA, 1991, p. 10).

Esses arranjos permitem a predominância da

representação de interesses corporativos e acabam por constituir um sistema político que elimina a radicalização de conflitos estruturais. Por isso haveria o entendimento de

que o corporativismo está relacionado com regimes autoritários, mas como se coloca aqui, isso não implica que seja regra para a sua existência. No entanto, a própria organização de um Estado democrático e o seu relacionamento com a sociedade não impede de que certas políticas incluam ou excluam determinados setores do processo de desenvolvimento, o que se torna fundamental são os canais de intermediação e representação de interesses (STEPAN, 1980). A organização destes canais se torna de grande importância política, pois permite a canalização de recursos para diferentes áreas, consideradas estratégicas para o desenvolvimento. A abordagem que relaciona os arranjos institucionais mencionados com desenvolvimento ressalta um caráter do Estado que define determinadas regras para a interação entre os diferentes grupos e seus interesses (FIANI, 2014). No entanto, compreende-se que a conjunção dos interesses da dinâmica política não pode ser entendida somente como um arranjo institucional momentâneo. Como indicado anteriormente, acabaria-se reduzindo o Estado a mero mediador de diferentes interesses econômicos. Logo, tratar somente como um arranjo institucional a estrutura que possibilita a alocação de recursos para o desenvolvimento é uma versão pluralista de relacionar instituições e desenvolvimento. Como o corporativismo historicamente influi nessa estrutura, excluindo e dando preferência a certos setores haveria um acordo, um pacto, sobre o tipo de arranjo. A coordenação dos recursos e interesses sofre constrangimentos tanto por parte do Estado, que controla e organiza certos setores, e por parte de organizações privadas, que procuram representar a sociedade civil (O’DONNELL, 1976). Se o Estado organiza suas instituições, ele coloca suas preferências de canais de relacionamento com determinados setores. Há assim uma forma de pacto no que tange “o interesse da nação” e os objetivos de crescimento e desenvolvimento. Retira-se o caráter pluralista do arranjo institucional para colocar a predominância de limitados setores dentro de regras estabelecidas para coordenar as atividades econômicas do país. O “pacto institucional” é resultado dos arranjos corporativistas e tem como possibilidade a estabilidade política e econômica para o Estado coordenar esforços para o desenvolvimento. Como já indicou Stepan, de forma alguma o pacto é estático: suas instituições são estáveis, mas se moldam aos novos padrões impostos pelas corporações. Uma forma de ocorrerem tais alterações seria por reformas administrativas e econômicas, que sem alterar os objetivos de desenvolvimento do Estado, vão desenvolvendo e

implementando políticas públicas dentro do aparelho estatal (MARIN & OLIVEIRA, 2012). Esse processo dinâmico vai colocando paulatinamente em evidência as contradições do pacto institucional: aos poucos, interesses dos setores corporativistas divergem, o Estado sofre dificuldades em neutralizar os conflitos, as regras dos relacionamentos políticos são ignoradas e o canal de relacionamento entre Estado e sociedade é deslegitimado. Surgem nesse momento diferentes grupos e coalizões políticas pautando ou a reforma ou o fim do pacto institucional vigente. Não obstante, não está se sugerindo a ideia de que um pacto político poderá dar ruptura total do pacto institucional, ou seja, da revolução como única maneira de alteração da estrutura. Os mecanismos institucionais que instauram a formalidade do corporativismo no ambiente econômico e político não sofrem mudanças conjunturais, estes respondem intermediando as relações com o governo. Ora, então dinamismos econômicos (crescimento da renda e da população, por exemplo) produzem consequências sobre a estrutura social e política (concentração de renda), abrindo espaço para o surgimento de novos movimentos (sindicalismo). Logo, uma revolução ou mudança estrutural contínua são faces da mesma moeda: criam uma paulatina mudança de intermediação de interesses e com isso, alterações institucionais. São também resultados naturais de um agravamento ou exasperação do pacto institucional vigente (REIS, 2009). Com isso, a legitimidade do grupo no poder, que representa um pacto político, dependerá fundamentalmente da solidez e estabilidade das instituições que os possibilitam governarem, afinal garante com que a sociedade esteja de fato representada (ANDRADE, 1988). Contribui conclusivamente Adriano Codato sobre o fenômeno

de

transformação

política

destes

setores

dominantes

frente

aos

constrangimentos institucionais: “Os interesses da estrutura, ou melhor, os interesses sociais inscritos objetivamente na estrutura política, não são interesses, a priori, intangíveis, ou interesses permanentes, mas interesses na permanência. Eles antecedem os propósitos (as escolhas) e as prerrogativas (o poder) dos agentes e os interesses que devem “objetivamente” representar e se impõem. Essa realidade e essa verdade devem ser reconhecidas (é preciso comprometer-se com elas) e aceitas pragmaticamente antes mesmo de se entrar no jogo político, como condição, aliás, para se entrar no jogo.” (CODATO, 2008, p. 31)

Resumindo a discussão conceitual, pacto institucional são as intermediações de interesses corporativos criadas pelos arranjos de regras e instituições que administram o direcionamento dos recursos e das políticas do Estado. Assim, pacto político é a

coalizão de setores interessados em governar essa intermediação e colocar um projeto de desenvolvimento que favoreça seus setores. O desenvolvimento é o processo que molda esses pactos na medida em que este provoca alterações estruturais no Estado e na sociedade. Como se verá na próxima parte, compreender o desenvolvimento econômico e as relações de poder torna-se um intrincado processo de relação mútua. O que foi colocado até agora nos garante um arcabouço teórico para compreendermos a sustentação política e o direcionamento dos recursos em prol de um crescimento nacional. Cabe então destacar a constituição histórica desses pactos no Brasil e sua moldura sobre a estratégia de desenvolvimento.

3.

Desenvolvimento e Pacto Institucional no Brasil Analisar os padrões existentes nos diferentes pactos políticos e o arranjo do pacto

institucional nos períodos anteriores nos fornece os indícios necessários para nos situarmos no atual momento. Por isso, levantar os momentos significativos do pacto institucional desenvolvimentista e os diversos pactos políticos que surgiram para reformar ou propor sua ruptura são comportamentos fundamentais para compreender os rumos do desenvolvimento brasileiro. A importância em diferenciar o pacto político do institucional já fica evidente ao analisar o início do período desenvolvimentista. O pacto político que culminaria com a Revolução de 30 não visava de forma prioritária a alteração institucional entre a oligarquia latifundiária e a burocracia patrimonial, como aconteceria em 1937 com o advento do Estado Novo. Inclusive a intencionalidade dos indivíduos do pacto político quererem alterar o quadro institucional é questionável, pois Getúlio Vargas, líder da Revolução, mostrava-se muito mais preocupado com o equilíbrio de poder da República Velha do que com um planejamento de desenvolvimento e alteração estrutural que se veria sete anos depois (NETO, 2012, p. 285; 2013, p. 37). Os pactos políticos serão fundamentais para guiar o grupo dirigente na condução do país e possibilitam a paulatina adequação dos interesses dos diversos setores econômicos dentro das regras formais e informais vigentes. Somente quando o ambiente institucional vai ficando mais favorável às implantações econômicas diferenciadas de períodos anteriores, legitimadas

e sustentadas pelo pacto político vigente, o governo de Getúlio vai utilizando os mecanismos institucionais disponíveis para colocar o seu projeto industrializante em andamento (FONSECA, 2003). A recomposição das elites existentes antes da Revolução persiste depois de 1930, mas serão agora um dos vários setores que sustentam a atuação modernizadora do Estado visando à substituição de importações (FURTADO, 2007). Outro setor que vai se definindo é o empresário industrial, atuando mais intensivamente no aparelho de Estado, com discursos unificadores e elaborando um programa industrialista (MENDONÇA, 1986). Inclusive, este é um discurso reforçado por intelectuais do período, promovendo um arcabouço legitimador para a sua existência no centro de um Estado cada vez mais autoritário (PÉCAUT, 1990). A possibilidade de início de uma alteração estrutural, de acordo com os interesses do pacto político criado na Revolução, vai ser iniciada com o advento do Estado Novo, caracterizando-se pela progressiva industrialização do país (BRESSER-PEREIRA, 1972, p. 35). Diversos mecanismos institucionais são colocados em convergência nesse período, destacando-se aqui dois instrumentos econômicos de transição fundamentais: o câmbio e a instituição do salário mínimo. Para o primeiro, criam-se diversas taxas de câmbio, hierarquizadas e voltadas para diferentes setores, com o objetivo de favorecer a indústria. Já o segundo é criado por meio de uma legislação sindical e trabalhista, com o intuito de regular qualquer conflito entre capital e trabalho e de gerar uma reserva de trabalhadores propícia à maximização dos lucros do setor empresarial (MENDONÇA, 1986, p. 29-31). São mecanismos como estes que irão fortalecer inicialmente a acumulação de capital industrial, a absorção institucional de conflitos e o crescente papel de investidor por parte do Estado (BOSCHI, 2010, p. 7). O empresário industrial vai formando sua identidade inicial frente ao setor agroexportador, com um considerável grau de influência e acesso sobre o Estado, embora sem se afirmar como força hegemônica (DINIZ, 1996). Essa nova relação criada pelo pacto político envolvendo os empresários e a burocracia pública coloca em vigor o modelo de industrialização que altera o cenário brasileiro na década de 1950. Não só as classes populares participaram formalmente deste pacto através da ascensão sindicalismo, como também a classe média, por meio da burocracia, começou a ter significativa e essencial representação. É essencial, pois esta

classe compõe o Departamento Administrativo do Setor Público (DASP), órgão fundamental para centralizar e racionalizar o planejamento estatal modernizante (BRESSER-PEREIRA, 2007, p. 15). Cabe destacar o fato de que as forças militares vão se integrando cada vez mais nesta nova burocracia pública, relacionando-se fortemente com a ideologia desenvolvimentista do Estado Novo. Mesmo com o seu fim em 1945 e o ingresso para uma instável democracia, o país continua fortemente enraizado dos objetivos desenvolvimentistas e isso não é à toa: com o fim da ditadura de Vargas, não houve nenhuma alteração na forma de atuação do Estado na economia (MARIN & OLIVEIRA, 2012). Pelo contrário, procurou-se intensificar a industrialização, por meio do Plano de Metas em 1955. Isso se deve ao fato de que no período de redemocratização, instituem-se diversos órgãos voltados a uma emancipação econômica de fatores e influências externas. Tratase da criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), a Petrobras, a Eletrobras e outros bancos regionais voltados para a transformação da economia do país (IANNI, 1971). A despeito de se situar em um ambiente democrático, consolidamse instituições econômicas com os mesmos objetivos que no período do Estado Novo. Além disso, cabe destacar a reorganização corporativa da burguesia industrial na década de 1950, ao criar núcleos alternativos de representação de interesses: é a partir desse movimento que as elites industriais vão aumentando o seu poder de barganha e vão evoluindo para um bloco coeso no começo da década de 1960 (MENDONÇA, 1986, p. 78). O Plano de Metas vai de encontro com a renovação do pacto institucional vigente, ao ampliar a entrada de capital estrangeiro e Juscelino Kubitschek reforça o pacto político ao se aliar não só com as forças políticas que existiam com Vargas (BRESSERPEREIRA, 1972) como também ampliar aos atores externos como as multinacionais produtoras de bens de consumo duráveis. Isso se dá como uma resposta a uma nova fase de substituição de importações, voltando-se à produção de bens de capital (TAVARES, 1972). Em termos políticos, há a definição de um projeto de desenvolvimento interdependente ao capital estrangeiro como forma de manter a modernização industrial, reformulando a relação entre poder público e o sistema econômico (IANNI, 1971). Em conjunto com o Plano de Metas, utilizava-se de forma mais intensa a manipulação de preços como forma de promover a expansão da infraestrutura (seu objetivo principal), fomentando uma inerente instabilidade social (tanto pelas camadas populares quanto

pela burguesia dependente das importações). A inflação como corrosão do pacto será um fator fundamental para a instabilidade institucional no período, pois não importava qual governo assumisse, este estaria restrito à responsabilidade crescente de promover o desenvolvimento econômico e aumentar sua função de investidor, que implica um aumento da carga tributária, forçando a elevação de preços (BRESSER-PEREIRA, 1972, p. 72). Não obstante, é necessário destacar que o pacto político de Juscelino privilegia um novo setor industrial, além de fomentar novos canais de financiamento da industrialização brasileira. São fatores resultantes do processo de concentração de capital e de empresas anteriores a 1955 (FURTADO, 1972, p. 27; BRESSERPEREIRA, 1972, p. 53). Além disso, é resultado das transformações e contradições tanto do capitalismo, ao abrir espaço para novos agentes industriais, quanto da estatização, ao ortogar novas funções ao governo vigente (BRESSER-PEREIRA, 1972). Essas pressões internas e externas levam o governo JK a uma “internacionalização” da economia brasileira, criando novas regras para a entrada de capitais e transformando a emissão de moeda em uma estratégia sistemática (MENDONÇA, 1986, p. 60). Fica evidenciado assim o tripé da indústria (BOSCHI, 1979, p. 84), que representa de forma clara o pacto político do período: capital privado nacional (empresas produtoras de bens de consumo), capital estrangeiro (setor de bens duráveis) e capital estatal (infraestrutura e bens de produção). Mesmo retomando o processo de substituição de importações com um modelo que voltasse para um novo setor e incluísse atores internos e externos emergentes, o fim do período Kubitschek deixa claro os limites deste modelo. Foi-se criando uma condição de sub-ótimo, no qual devido à concentração de renda (e do consumo), junto com a difusão de técnicas já conhecidas (sem o caráter inovador), vai declinando o nível de produção industrial (FURTADO, 1972, p. 31). O quadro de estagnação perpassa o governo Jânio e João Goulart, no qual surge uma competição de diferentes pactos políticos (MENDONÇA, 1986, p. 69). Enquanto o governo vigente via como fundamental uma reforma estrutural, isto é, a alteração econômica, social e política das instituições vigentes, a oposição colocava um discurso de retomada dos princípios do pacto desenvolvimentista. Das principais críticas econômicas, tinha-se como prioridade a necessidade de uma política de estabilidade monetária para evitar o crescimento do endividamento público (MARIN e OLIVEIRA, 2012). A radicalização da disputa

política é possibilitada pelo ambiente democrático, a despeito deste estar em uma situação política de equilíbrio instável: a “produção” e “distribuição” de poder é inevitável, recorrendo-se uma constante barganha política das diversas demandas dos setores. As instituições corporativas de intermediação de interesses podiam incluir e canalizar certos setores excluídos em períodos anteriores. No entanto, os constrangimentos e a sensibilidade de articulação do Estado democrático aumentam significativamente (REIS, 1995). O pacto institucional torna-se cada vez mais instável. O pacto político que ocorre em 1964 exclui os trabalhadores e boa parte da classe média, se reunindo em torno da burocracia militar e civil e da burguesia industrial (BAZUCHI, 2011). No entanto, é um pacto criado justamente para reformar o ambiente institucional desenvolvimentista, ou seja, tem como objetivo uma repactuação institucional. E não há dúvida de que este tem êxito em garantir tais objetivos, uma vez que a retomada do autoritarismo permitiu com que se reorganizasse a condução política em um meio de uma crise econômica que perpassaria todo ano de 1965 (BRESSERPEREIRA, 1972, p. 126). A sobreposição do Executivo sobre o Legislativo já era característica dos períodos anteriores à ditadura de 1964. No entanto, a partir do golpe, inicia-se uma ação estatal de hegemonia absoluta do Executivo e de planejamento de reformulação das políticas monetária, bancária, tributária, salarial, além de criar diversas instituições de financiamento (IANNI, 1971, p. 232). O Estado se mantém como um “interlocutor privilegiado” do setor empresarial, principalmente em momentos de industrialização sob um sistema político autoritário (DINIZ, 1996, p. 58). Esse tipo de economia planejada, modelada nos primeiros anos do regime, reequilibrando o setor público e controlando a inflação, possibilitou um grande crescimento econômico do país, o chamado “Milagre”. A aplicação de um modelo de crescimento desenvolvimentista não foge de suas contradições basilares. Reorientava-se o processo de concentração de riqueza como mecanismo promotor de capital e de ampliação de um mercado consumidor de bens duráveis. Adiciona-se a esse movimento a redução do salário real como forma de promover o aumento da produtividade do setor industrial, fomentando a exportação destes bens (FURTADO, 1972, p. 38). Fundamental para a implementação de tal política será a tecnocracia criada pelo pacto político, que reformula a burocracia pública, transformando-a em verdadeiros técnicos dentro de um reforma administrativa e gerencial do poder público. Esta reforma, formalmente conhecida como Decreto-Lei

Número 200, visava à criação de uma administração pública direta e indireta sobre as diversas instâncias governamentais, como as fundações e empresas públicas (BRESSER-PEREIRA, 2007). Basicamente, esta descentralização possibilitou a ampliação da presença do Estado no gerenciamento e relacionamento com os diversos setores da sociedade, com a criação de diversas agências governamentais. Ocorre assim uma estatização da economia, estabelecendo “regras desse jogo de mediações entre as empresas públicas, as privadas nacionais e as multinacionais pelo Estado que assumiu” (MENDONÇA, 1986, p. 121). A exclusão da classe trabalhadora e a articulação dos interesses industrias ocorrendo no interior do aparato do Estado, em consonância com a tecnocracia instaurada, institucionaliza um novo regime de parceria voltada para o crescimento econômico (DINIZ, 1996). Com a crise externa em 1973 inicia-se um período de intensificação das já existentes contradições que moldam todo o pacto institucional desenvolvimentista. Começando pelo último ponto destacado (a transferência de autonomia para as organizações públicas como os bancos estaduais e empresas estatais), a elevação dos juros, resultantes dos choques externos, fará com que estes se endividem ciclicamente como forma de sustentar a chamada “marcha forçada” de retomar o crescimento pósMilagre, caracterizado pelo II PND (CASTRO & SOUZA, 1985). No âmbito econômico geral, o que ocorre é a estatização da dívida externa por meio dos canais institucionais existentes, subordinando a economia brasileira a priorizar o pagamento desta, reduzindo investimentos, consumo e poupança interna (CAVALCANTI, 1988). O pacto institucional vai lentamente perdendo o seu sentido, no momento em que este se desvirtua frente ao endividamento externo, a estatização da dívida, a transferência de recursos ao exterior e a gradativa disrupção de interação entre o público e o privado (CRUZ, 1995, p. 127). A intermediação de interesses vigente começa a ser questionada no fim da década de 1970, quando não surge nenhuma alternativa sustentável à crise. O pacto político que se sustentava desde o golpe, entre os militares e os empresários, começa a ruir a partir de 1977, enquanto no mesmo momento um ensaio de pacto popular-democrático (que juntava os trabalhadores e uma parte da burocracia pública) não conseguia aglutinar forças para se transformar em uma opção de fato (BRESSER-PEREIRA, 2007, p. 27). O resultado será um lento ensaio rumo à redemocratização, sem, no entanto, alterar a representação institucional dos interesses. O rompimento dos empresários com os

militares foi lento (1975-1985), porém consistente com uma mudança de pensamento antiestatista por parte do setor industrial (DINIZ, 1996, p. 61). Com a redemocratização, o pacto político que se originou em 1977 e ganhou uma maior força na transição, ainda se vê fragilizado na condução de um projeto de modernização e desenvolvimento. A Nova República fracassa em colocar um plano de estabilização frente às condições estruturais do país, pois não ocorre uma ruptura na estrutura corporativa que mantém ainda regrada a intermediação de interesses entre capital e trabalho em sua nova constituição, ou seja, uma clara resistência à mudança (DINIZ, 1996, p. 67). Mesmo mantendo tal relação, ela não ocorre de uma forma neutralizadora como anteriormente: com o processo inflacionário resultante da crise estrutural, ocorre uma verdadeira “dança distributiva”, oriunda da constante refixação de preços no período, aumentando gradativamente o conflito entre os empresários industriais e as centrais sindicais (AMADEO & CAMARGO, 1991, p. 24). No fim da década de 1980, mesmo em um ambiente político muito mais democrático, não existe ainda uma sintonia referente ao rearranjo dos setores industriais, sindicais e burocráticos. Havia explicitamente uma crise institucional, cuja ingovernabilidade política manifestava-se “pelo agudo contraste entre a hiperatividade decisória e a falência operacional” (DINIZ, 1997, p. 119). Não havia uma preparação por parte dos primeiros governos em adotar uma nova estratégia de desenvolvimento nem uma legitimidade em implementar planos estruturais (BRESSER-PEREIRA, 2007). É com isso que se pode contextualizar o período Sarney-Collor-Itamar como prenúncio de uma reorganização institucional, na qual pactos políticos não poderiam ser firmados sem serem afetados pelas questões institucionais que moldavam as relações de poder. Dessa forma, intensifica-se no momento um arranjo de interesses de setores financeiros e rentistas sobre um projeto de mudança estrutural na relação do Estado tanto com a sociedade quanto com o exterior. Para a burguesia industrial, essas mudanças no ambiente econômico possibilitam sua inclusão a esse novo setor financeiro globalizado, mas também abre espaço para a ocorrência de inúmeras falências e aquisições externas (BAZUCHI, 2011). Frente às divergências sobre a forma de Estado que seria construído e às incertezas econômicas que a alta inflação e a crise fiscal propiciavam no período, percebia-se que as instituições e as formas de relacionamento entre o Estado e os diversos setores da sociedade estavam corroídas e inviabilizavam qualquer ordem política e econômica (DINIZ, 1996b). No entanto, o que

ocorria era um desmantelamento total das instituições intermediadoras de interesses, reduzindo drasticamente a representação dos interesses dos setores populares (REIS, 1995). A década de 1990 vai moldando-se em um novo pacto institucional (neoliberal), que é formalizado em 1995, a partir da instauração de regras macroeconômicas informais conhecidas como “o tripé macroeconômico” e com a implementação de reformas administras descentralizantes. Inicia-se nessa descentralização um novo pacto Federativo e uma mudança institucional no aparelho do Estado, por meio do Plano Diretor, promovendo maior autonomia de organizações públicas e onerando o Estado dos custeios (MARIN & OLIVEIRA, 2012). Cabe ainda destacar que esta transição é instável política e economicamente. Seria instável politicamente pelo fato de que as coalizões políticas que se criavam neste período viam-se em um quadro de inerente instabilidade. A maior autonomia do Legislativo, em conjunto com a forte presença do Executivo, além de dar o caráter conhecido como presidencialismo de coalizão, obrigava um pacto político que tivesse um discurso amplo e abrangente a todos os setores, devido às características multipartidárias associadas com uma representação proporcional: surge assim a importância do conceito de governabilidade que representará a eficácia de um pacto político no sistema democrático brasileiro (ABRANCHES, 1988). No entanto, cabe destacar que, por trás dessas formas de pactos políticos no novo período democrático, as trocas clientelistas e a necessidade de reciprocidade entre os dois poderes ficam em evidência (DINIZ, 1996). Procura-se instaurar um ciclo de crescimento econômico no qual há uma presença do Estado somente em setores legítimos, sua função na área social é limitada e a reorganização institucional altere não só os mecanismos de representação política e federativa, como também do sistema de governo (LAMOUNIER, 1992). Deixar indissociável a relação entre a reorganização do Estado (sua mudança de papel) e o seu relacionamento interdependente com o setor financeiro externo acaba sendo peça fundamental para um pacto político exitoso (CARDOSO, 1995). Economicamente há uma instabilidade pelo fato dos choques que os planos do governo faziam à estrutura econômica, desvinculando a relação anterior entre as instituições públicas e privadas (privatização e abertura internacional). Isso não implica que fossem excluídas as formas corporativistas de relacionamento, pelo contrário: a institucionalização de um novo pacto neste período incorpora essa nova organização rentista e financeira com alguns elementos institucionais que persistem desde o governo

Vargas, como a legislação trabalhista e as agências governamentais como o BNDES (BOSCHI, 2010, p. 6), ocorrendo uma gradativa consonância na articulação de interesses de cada setor. As reformas financeiras feitas na década de 1970 foram “reguladas” ao novo contexto financeiro do fim do século. Além disso, no âmbito institucional, a reforma gerencial de 1995 foi de grande importância para criar uma nova estrutura de gestão do Estado, originando novas organizações do Estado, tais como as agências reguladoras e executivas e as organizações sociais, criando assim uma nova forma de relacionamento com a sociedade e seus setores econômicos (BRESSERPEREIRA, 2008, p. 98). Não foi necessário um golpe, mas um longo período de reordenação de interesses de setores em volta de objetivos nacionais (estabilização monetária) que culminariam no novo pacto institucional, fortemente moldado por instituições financeiras. O câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação, os fundamentos do tripé, têm por trás não só fins econômicos como políticos. O fim econômico é o objetivo tão almejado anteriormente: a estabilização fiscal e monetária, na qual os gastos do Estado são controlados e evitados, enquanto uma política de juros altos é colocada à disposição para conter qualquer pressão inflacionária (CONTI, 2015). Dentro dessa política de juros, mantém-se um pagamento de dívida pública que incorpora significativa parte do produto do país (LACERDA, 2015). Dessa forma, os fins políticos são a sustentação destes setores “estabilizantes”: os rentistas e os agentes financeiros, que se sustentam por uma política de juros altos, as multinacionais estrangeiras, que necessitam de um mercado interno estável e de uma taxa de câmbio não competitiva (BRESSERPEREIRA, 2008, p. 95). Essa financeirização da economia, consolidando o novo pacto institucional neoliberal na segunda metade dos anos 1990, pode ser vista no gráfico 1.

Gráfico 1 – Taxa de Financeirização (1970-2010)

Fonte: (BRUNO e CAFFE, 2014)

4.

O Momento Atual e uma Proposta de Análise O momento político e econômico em que nos situamos deve ser resumido dentro

de um modelo instaurado desde 2003 por um pacto político que engloba as classes médias, empresariado industrial e os trabalhadores sindicais. Interessante como esse pacto procura destacar o não-rompimento da intermediação de interesses, com a “Carta ao Povo Brasileiro”. O modelo se ajusta às relações corporativistas vigentes criadas na década de 1990 e direciona recursos públicos e políticas industriais para os setores incluídos em seu pacto político, dando destaque decisivo ao BNDES na coordenação desta nova estratégia de desenvolvimento (BOSCHI, 2010). Dessa forma, não ocorre uma mudança radical no recente pacto institucional instaurado. O que se mostra claramente diferente é a estratégia de desenvolvimento por parte deste novo pacto político. Percebem-se objetivos claros no modelo econômico implantado no que tange aos trabalhadores, com uma política de valorização do salário, com o gráfico 2 indicando um crescimento contínuo de uma maior participação dos salários como determinante no crescimento da renda. O gráfico também permite a constatação de um problema crônico

na economia brasileira desde a implantação do novo pacto institucional, que é o baixo crescimento da produtividade do trabalho, resultante de um processo de primarização da econômica oriunda da exportação de produtos como soja e minerais graças ao câmbio valorizado. Isso acabou mantendo a indústria voltada para o mercado interno, impedida de exportar e crescer de forma mais robusta. Com a crise mundial em 2008, essa produção industrial cai e mantém-se estagnada, fazendo com que o setor comercial absorvesse o desemprego industrial, criando condições de diminuição da taxa de desemprego (BRESSER-PEREIRA, 2012). É uma mudança estrutural persistente até os dias de hoje, mesmo com uma política de tentativa de flexibilização do tripé macroeconômico a partir de 2011, que procurou reduzir sistematicamente a taxa de juros, diminuir as metas de superávit primário e intervir no mercado cambial. No entanto, esta não foi suficiente, pois não sintetizava uma estratégia política ampla e se reduzia à utilização de instrumentos de gestão macroeconômica (MELLO, 2015). Tanto que a partir de 2014 percebe-se uma volta da intermediação de interesses com os mecanismos

institucionais

do

consenso

macroeconômico,

ao

desistir-se

da

flexibilização do tripé. Gráfico 2 – Crescimento dos salários e da produtividade do trabalho

Fonte: (BRUNO e CAFFE, 2014)

Frente a esse atual momento, torna-se crucial compreender os rumos políticos que podem ser tomados a pressionar, ou reformar, o contexto institucional. Como foi

mostrado, são diferentes tendências e níveis de conjunturas que, no seu conjunto, complexificam uma visão clara dos rumos dos pactos políticos vigentes. É nesse momento no qual a análise histórica se esgota: trabalharemos a partir de então com as tendências políticas e econômicas. Dessa forma, os avanços teóricos na área de políticas públicas nos dão os instrumentos para organizar esses diversos movimentos e situações. Acredita-se que um instrumento bastante útil para tal análise conjuntural é a utilização do Modelo de Coalizões de Defesa (MCD). Sua utilidade deve-se ao fato deste construir análises utilizando um arcabouço dos diferentes subsistemas, levando em conta a sua construção histórica, e tendo em mente as diferentes crenças (valores, idéias, objetivos políticos, formas de perceber os problemas políticos, pressupostos causais) que moldam o comportamento político (WEIBLE, SABATIER & MCQUEEN, 2009).

Imagem 1 – Modelo de Coalizões de Defesa

Fonte: Traduzido de VICENTE & CALMON (2011) a partir de WEIBLE, SABATIER & MCQUEEN (2009)

O que é interessante deste modelo analítico é a inserção de fatores estruturais que compõem o pacto institucional, que criam assim os constrangimentos institucionais

sobre as diferentes políticas tomadas pelo pacto político. Não obstante, é possível incluir a coalizão da oposição, que principalmente neste novo rearranjo eleitoral de 2014, se torna fundamental para uma análise das tendências. Com isso, é facilitado a inserção de diversas variáveis consideradas “voláteis” devido à conjuntura política para sistematizar assim uma melhor tendência das decisões políticas. Desde o começo do ano de 2015, com o Congresso com um peso fortemente contra o Executivo e a necessidade de colocar todos os instrumentos do presidencialismo de coalizão à disposição para manter uma mínima governabilidade, cenários envolvendo os impactos das políticas decididas sobre o que é chamado de “eventos externos” no MCD são de grande interesse. No entanto, no que tange à estrutura corporativa, o pacto que molda a intermediação de interesses ainda se mantém estável, mesmo sob um período de estagnação econômica. As regras formais e informais, as instituições, estão ainda garantindo a intermediação do governo com os grandes setores econômicos. A grande crise aparenta estar na produção de políticas públicas voltadas para a recondução da estratégia de desenvolvimento, resultantes da dinâmica política conflitante de diferentes coalizões. Os objetivos do pacto político desde as eleições de 2014 são sincronizar e intensificar os interesses dos setores que o compõem. No entanto, o MCD, nos possibilita compreender o “processo de filtragem” de políticas públicas, resultantes dos constrangimentos institucionais e de oposição política. Acabam surgindo assim certas contradições políticas, ou seja, decisões tomadas que não necessariamente representam o pacto político no poder. A colocação de uma estratégia de desenvolvimento por parte dessa coalizão no governo pode também sofrer deste processo de filtragem. Em termos econômicos, a colocação de um novo modelo de desenvolvimento, fundamentado nas intenções do pacto político em um tripé pré-sal/mercado interno/investimento público em infraestrutura é viável? A resposta não será econômica e sim política, dependendo justamente dos resultados encontrados no MCD. Justifica-se isso porque em termos econômicos este “novo” modelo desenvolvimento poderia ser moldado dentro do arranjo do tripé macroeconômico, tendo como objetivo fortalecer a crônica deficiência do crescimento de produtividade (COUTINHO, 2014). Esse “nacionalismo dos recursos naturais” possui as suas benesses, ao “subordinar interesses privados e dar maior autonomia em investimentos estatais em bens públicos”, e suas contradições, ao “gerar uma particular estrutura social de acumulação que pode bloquear a mudança estrutural” (MEDEIROS, 2013, p. 163). De acordo com o que foi

visto neste trabalho, o pacto institucional vigente permaneceria “firme” frente a tais mudanças. Suas contradições ainda não foram radicalizadas a ponto de se questionar politicamente sua viabilidade de manter a intermediação de interesses. Na névoa do futuro econômico e dos gritos dissonantes, questionando políticas e valores, mantém-se ainda afinado o tom com a estrutura corporativa atual, que comemora duas décadas de um pacto institucional.

5.

Considerações Finais O país perpassa um momento de crise política e dificuldades econômicas,

sinônimo da contradição inerente do modelo de desenvolvimento econômico adotado. O que se procura colocar em questão é a relação recíproca entre fatores econômicos e políticos, coordenados para alcançar objetivos específicos de desenvolvimento. Primeiramente já se percebe que a intermediação de interesses é fundamental para construir a legitimidade política de um projeto de desenvolvimento. É um primeiro passo, fundamental para compreender o arcabouço institucional brasileiro, um verdadeiro pacto corporativista. Essa elaboração estrutural fornece as bases para uma análise econômica que tenha em mente os interesses dos setores dominantes sobre as relações de poder. Com ela, facilita-se a compreensão das coalizões políticas, dos pactos políticos, tanto em termos históricos quanto em momentos atuais. Conjunturalmente, os instrumentos de políticas públicas são ferramentas de grande utilidade para captar as principais tendências e os possíveis resultados políticos de decisões governamentais. Cabe ressaltar uma questão referente à estabilidade institucional e a sua duração. Por vermos o longo período desenvolvimentista (mais de oitenta anos), seu período de transição (em torno de 10 anos) e o atual momento neoliberal (mais de duas décadas), supomos que este estaria em seu estágio inicial. Seria uma afirmação errônea, descartando não só toda a dinâmica que existe em nível de intermediação de interesses, como também sua transformação gradual, na medida em que os ambientes políticos e econômicos mudam. No entanto, também não se coloca que esta é uma disruptura imediata, pois como indicado, ela necessita colocar suas contradições estruturais em evidência a ponto de nenhum pacto político solucionar o consenso de interesses

correntes. Certamente vivemos um período de mudanças, cabe atentar para onde elas nos levarão.

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