Transporte coletivo urbano e luta de classes: um panorama da questão (Cadernos do CEAS, 226, Salvador-BA, abr.-jun. 2007, pp. 57-84).

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TRANSPORTE COLETIVO URBANO E LUTA DE CLASSES.

UM PANORAMA DA QUESTAO' MANOEL NASCIMENTO

l. INTRODU AO

perguntou a Ivonilda Queiroz, em 26 de agosto de 2003, o que ela achava da Esta o Piraj , uma das maiores esta es de transbordo de Salvador (BA), a resposta veio certeira como o disparo de um Dragunov: "0 inferno come a as seis horas". Mas quem diabos essa tal de Ivonilda para dizer isso? Ela por acaso entende alguma coisa de transportes? Sabe o que um IPK, um equipamento rodante ou, ao menos, como se comp e o c lculo tarif rio? Entende a din mica do sistema de gratuidades, o "enorme e irrevers vel avan o tecnol gico" da bilhetagem eletr nica e os "enormes esfor os" das prefeituras para melhorar a qualidade do transporte coletivo urbano? Ivonilda Queiroz mais uma dentre as 110 mil pessoas que transitam diariamente na Esta o Piraj para se locomover em Salvador; dif cil conjecturar, mas muito provavelmente nunca passou pelos bancos de uma universidade, trabalha oito ou mais horas por dia e ainda cuida da casa, e com certeza estava com pressa quando a reportagem interrompeu Estas pessoas entendem muito mais dos problemas cotidianos de transporte que qualquer t cnico municipal, embora n o lhes seja uma verstro fiotdida, melltorada, aumentada e atuali-ada de dois artigos publ cados anteriormente no Centro de M dia Inclependente-CMI (Nascimento, 2005; 2006) e de tun terceiro, publicado no s tio virtual do Movimeruo Passe Livre-MPL Salvador (Nast imento, 2007).

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Nascimento

garanti da hoje, dentro da atual configura o pol tica e institucional, a menor possibilidade de agir para resolver o problema da mobilidade urbana e do transporte coleti vo. Na verdade, os principais problemas dos sistemas de transporte s o mais simples do que parecem, desde que troquemos em mi dos todo o vocabul rio t cnico especializado com que se mascaram as quest es pol ticas envolvidas

e que se tenha a devida aten

o aos aspectos mais dif ceis de entender.

o

que pretendo fazer com este artigo, o primeiro de uma s rie: apresentar um r pido panorama do transporte p blico no Brasil para embasar a discuss o sobre o tema que j acontece nas ruas com a implanta o da segunda fase da bilhetagem eletr nica em Salvador, e com o pol mico aumento de tarifas de 20 de janeiro de 2007, que as majorou em 17,6% e fixou a tarifa b sica em R$2,00. Para isto, no item 2, apresentarei o lugar dos transportes na problem tica urbana e algumas linhas de an lise dos sistemas de transportes; no item 3, identificarei dentro do sistema assim constru do em suas linhas gerais os atores pol ticos, seus interesses de classe e a luta resultante da disputa por estes interesses, que desemboca nos conceitos no item 4, apresentarei algumas alternativas colocadas pelos atores pol ticos para resolver as duas crises e, por fim, farei um balan o das hip teses abertas pelas descri es da presente an lise.

Sistema de Transporte Coletivo por

nibus (STCO),

principalmente por quest o de espa o, mas tamb m porque, apesar de existirem diversos meios de transporte de massa criados para tipos espec ficos de deslocamento e de vias utilizadas (trem, metr , bondes, tr lebus, barcas,

telef ricos, elevadores etc.), os nibus hoje s o o principal dentre eles: em n vel mundial s o mais de tr s milh es de nibus que transportam anualmente 6,5 trilh es de passageiros por quil metro (BM, 2002); no Brasil, uma frota de 95 mil nibus atende a 59 milh es de passageiros por dia, e respons vel haver espa o suficiente neste texto para o "laborat rio" de nossas hip teses, que o sistema de transporte coletivo por nibus de Salvador; o que ficar para uma an lise posterior, tendo em vista desde j as seguintes informa es:

a) os

nibus s o francamente dominantes como meio de transporte em Salvador: transportaram 95,3% dos passageiros do setor coletivo p blico

em 2004, contra 2,7% dos ascensores, 1% do trem suburbano e 1% do

no mesmo ano (SALVADOR, 2005);

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Transporte coletivo urbano e luta de classes: um panorama da quest o

b) A m dia mensal de passageiros transportados caiu 15,07% entre 1995 (ano de pico em n mero de passageiros transportados) e 2006 (SALVADOR, 2005)-'.

Uso intercalada e descompromissadamente o nome t cnico apropriado do oboutros nomes transporte p blico, sistemalsetor de transporte Fa o o mesmo com outras terminologias um tanto quanto estanques da teoria social vigente. Assim, busco evitar o hermetismo das discuss es atuais sobre transporte p blico, pois, mesmo "trocando em mi dos" os termos t cnicos do setor, o funcionamento do trans-

porte coletivo urbano de passageiros, como quase tudo que envolve a tem tica urbana, bastante complexo, e exige muita aten o e concentra o por parte de quem l para que se possa entend -lo, mesmo de forma simplificada. 2. EQUACIONAR A QUESTAO: CIDADE E TRANSPORTE

da humanidade. A Organizao das Na es Unidas (ONU) encontrou em 2000 um n mero de 2,9 bilh es de habitantes nas cidades (47/o da popula o mundial total), e projeta que este n mero crescer para 5 bilh es em 2030 (60% da popula o mundial total projetada) ; al m disso, antecipa que, entre 2000 e 2030, quase todo crescimento populacional mundial se dar nas reas urbanas de pa ses em desenvolvimento (UNPD, 2004). No Brasil, mais especificamente, a popula o urbana saltou de 18,8 milh es (26,3% do total) em 1940 para 138 milh es (81,2% do total) em 2000, um aumento de 135 milh es na carga de habitantes urbanos em sessenta anos; apenas na ltima d cada do s culo XX a popula o urbana brasileira cresceu 22.718.968 habitantes, mais da metade da popula o do Canad ou um ter o da popula o de Fran a (Maricato, 2000). Esta concentra o do crescimento populacional global nas cidades de pa ses mundo guarda rela o pr xima com as pol ticas de desregulamenta o agr cola e de disciplina financeira impostas pelo Fundo Monet rio Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial (BM), que levaram depaupera o da agricultura camponesa e ao crescimento do xodo rural e da popula o das cidades nos pa ses perif ricos e semiperif ricos, mesmo em per odos de crise econ mica atuali=a o para 20 )6 foi feita com base em ilados do s tio iirtual da SuperintenChruia de Tiansporte Pi blii'o STPl da Secretaria Municipal de Tianslrorie e Infra-Fstrutura de Salvador Seiin). f. ivww.stp.salvador.ba.r,ov.br.

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~ ela

Manoel Noscimento

acirrada nestes pa ses, como as d cadas de 1980 e 1990 (Davis, 2006). A tencomo um "Leviat " moderno chamado Regi o Metropolitana Ampliada Rio-S o Paulo, com popula o projetada de 37 milh es de habitantes (Tolosa apud Davis, 2006), ou a aglutina o, pela

Cidade do M xico, de cidades como Cuernavaca, Puebla, Cuautla, Pachuca e

Quer taro e sua transforma o numa nica megal pole, com popula o prevista de aproximadamente cinq0enta milh es de pessoas (Garza apud Davis, 2006). Al m deles, cidades de segundo escal o e reas urbanas menores suportar o tr s quartos do fardo de crescimento populacional futuro (UN-HABITAT apud Davis, 2006). urbanos sejam eles reais ou projetados o transporte p blico essencial para viabilizar a vida social de seus habitantes, devido as crescentes dist ncias a serem percorridas no espa o intra-urbano; especialmente ap s o s culo XIX, quando o tr fego de ve culos nas cidades passou a representar um problema s rio (Dyckman, 1972). Diante da configura o geogr fica das cidades atuais e das grandes dist ncias a serem percorridas dentro delas, sem o uso de meios de transporte poss vel chegar ao trabalho, casa dos amigos, escola, aos parques p blicos, aos espet culos culturais, aos centros comerciais mas nunca na velocidade requerida pelo ritmo de vida sob o capitalismo, e sem o conforto necess rio. 0 BM concorda com este diagn stico simples. Em seu documento estrat gico mais recente sobre transporte urbano est dito: "a habitabilidade das cidades depende da sua competitividade econ mica, sustentabilidade financeira e de bons governos e administra es"; como as "metr poles v m cada vez mais se envolvendo em neg cios globalizados" isto "torna mais cr tica a necessidade de efici ncia do transporte p blico". Ainda segundo o BM, "a concorr ncia favorece os pobres", porque "pode levar a redu o dos custos de produ o do transporte", muito embora, paradoxalmente, o Banco reconhe a que "a privatiza o ou a liberaliza o n o suficiente para melhorar o transporte p blico, sendo necess ria a introdu o de uma competi o cuidadosamente gerenciada, na qual o papel do setor p blico como regulador complemente o do privado como fornecedor do servi o". Quanto aos agentes econ micos do sistema, o BM (2002) considera que os operadores do transporte devem trabalhar competi tivamente, com prop sitos apenas comerciais, em nome de iima eficiente presta o de servi os; as transfer ncias financeiras ser o obtidtts por meio de

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Transporte coletivo urbano e luta de classes: um panorama da questao

contratos entre as autoridades municipais e as empresas que operam os servi os. Quaisquer objetivos n o comerciais impostos sobre os operadores devem ser compensados de forma direta e transparente, sempre que poss vel, pelas ag ncias n o respons veis por transportes, em nome das quais esses objetivos foram estabelecidos

evidente que a vis o do BM tem como pano de fundo o modelo

de planej amento estrat gico de cidades, que submete seu desenvolvimento a adequa o de servi os para a integra o na rede de cidades globais e o fa- orbitar em torno das no es de cidade-mercadoria (que ser vendida a visitantes e usu rios solventes), cidade-empresa (que ser gerida como empresa, dentro da k gica da rentabilidade de investimentos e competi o com outras cidades para obten o de recursos, e na qual as ftonteiras entre setores p blico e privado se esmaecem) e cidade-p tria (que forjar um "consenso patrit tico" entre cidad os com diferentes interesses sociais de classe, de ra a, de g nero etc. atrav s do exagero das crises, do banimento da pol tica em sentido forte e da pacifica o da cidade, e, assim, legitimar os agentes pol ticos da cidade-empresa a torn -la cidade(Vainer, 2000).

2.1. Vis es "t cnicas" para o problema Mas, al m das defini es gen ricas e um tanto quanto 6bvias, qual o papel do transporte na malha urbana? Manuel Castells (2000: 276), que analisou como entre os componentes do sistema urbano, o que quer dizer, concretamente, que devemos estabelecer o circulante para poder explicar o tipo de circula o". Ele estabeleceu entre elementos de produ o (P), consumo (C), troca (T) e gest o (G) da estrutura urbana-' e, tipologia de deslocatnentos intra-urbanos de Manuel Castells, que n o se pretencle exaustiva, merece ser detalhada para que se compreenda melhor o obj eto do presente artigo. C->G (aparelltos administrativos) representam migra es alternantes entre domic lio e trabalho. (resid nc as) representam deslocamentos para rela es sociais. (ambiente, meio f sico) representam deslocamento pata "la=eres (equipamento escolar) representam o transporte escolar. (equipamento cultural e locais de etniss o cultural) representam o

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Manoel Nascimento

capacidade de carga, rapidez, seguran a, conforto (que pode resultar da combina o dos fatores precedentes) de cada tipo de transfer ncia meio de transporte, (ou seja, a l gica do funcionamento da circula o: se serve principalmente para arrecadar dinheiro ou para promover o deslocamento humano sem tanta preocupa o com a rentabilidade), sendo (a persist ncia, numa

forma

o social, de formas espaciais ligadas a bm modo de produ

(a distribui o das atividades e dos grupos sociais no espa o, conforme a l gica da divis o t cnica e social do trabalho).

o anterior)

condi es gerais de produ o dentro do capitalismo (Bernardo, 1991), um dos processos produtivos dominantes de cujo aumento de produtividade toda a restante produ o econ mica se beneficia e cujas melhorias na efic cia, efici ncia e efetividade projetam-se ampliadamente por toda a sociedade. 0 produto de tais setores de tamanha servi os p blicos; a l gica da sua gest o, idealmente ao menos, deve atender n o apenas sustentabilidade financeira particular de cada empresa do setor mas tamb m a considera es ligadas a sua centralidade no processo produtivo geral. Tal se d , por exemplo, com a educa o, o setor energ tico, as comunica es, o saneamento b sico, o fornecimento de gua etc. "lugar central na produ o" coloca-se nestes setores porque, na maioria deles, a infra-estrutura produtiva t o grande, os investimentos necess rios s o t o altos e a lucratividade se d apenas a partir de uma escala de produ o t o ampla que, neles, a tend nou seja, por for a de sua estrutura monop lios naturais deslocamento para "la=eres". Deslocamentos T->C (disrrihui rio cotnercial) representam a local -a rro das atitucles de compra. Deslocamentos T->T, P->Te P->P represenranr o trdrfego de menadorias. Deslocamentos P2->Pl representam a gestrio rr distrincia das atividades produtivas. Des(or arnentos P2->P2 representam o rleslocarnento de negr5cios. Seguindo-se unidade usual do formas segumlo os ohjetivos espec frcos de cada viagem Para os fins rleste rettro, interessam apenas os deslocanrentos alrernantes entre drnni< lio e trahallto, os deslocamentos para relat;rtes sociais, para "la-eres naturais" e para transporte escolar; as

demais

riridades dificilmente srio aharcadas pelo transporte coletirro urj>ano. Salvador Abril/Junho 2007 n' 226

um panorama do questoo

(Seldon e Pennance, 1983). 0 investimento em transportes, de fato, muito alto. Se considerarmos, por exemplo, o pre o m dio de um nibus novo moem 2004 (R$144.630,96) e se considerarmos que as empresas t m frotas que variam entre 62 e 220 nibus (tomando Salvador como base), temos, s

em

nibus, entre R$8.967.119,52 a R$31.818.811,20 mobilizados

por uma s

empresa'.

E ainda h

que se considerar a folha salarial dos empregados (cujo n mero pode

variar, tomando novamente Salvador como base, entre 327 a 1.055 funcion -

rios por empresa), a garagem (um terreno enorme, com seu respectivo custo de aquisi o ou aluguei, onde caiba toda a frota e haja espa o para oficinas mec nicas, escrit rios, dep sitos de pe as, equipamentos de manuten o e combust veis etc.), custos com manuten o dos ve culos etc. (SALVADOR, 2005). Por for a da forma o hist rica do setor surgido da atua o de transportadores individuais que, com o tempo, ou conseguiram manter-se no setor e aumentaram progressivamente sua frota (como, por exemplo, Jo o Havelange'), ou quebraram e venderam seus ve culos aqueles primeiros (NTU, mo(cuja estrutura ser detalhada adiante) quanto uma ao n vel de uma cidade inteira. Por outro ponto de vista, do planejamento urbano, a rede de transportes (entendida aqui de forma mais ampla: vias, meios de transporte como um todo etc.) e o transporte p blico em particular s o essenciais tanto para garantir o estabelecimento de determinadas atividades em setores espec ficos do territ rio quanto para permitir a expans o da fronteira urbana. Howard Chudacoff (1977) aponta que, at a d cada de 1850, as cidades estadunidenses eram a principal presen a nas ruas era de pedestres, os meios de transporte eram poucos e prec rios (cavalos, carruagens, carro as, mulas) e esta limita o ao deslocamento impunha que as diferentes atividades econ micas se misturassem erq reas bastante pr ximas; os deslocamentos n o duravam mais que meia hora a p em dist ncias de tr s a cinco quil mefoi considerada a deprecia( o do valor dos ve culos, o que nos levaria a uma s rie de c /cu/os desnecessdrios para o que se pretende demonstrar. /998, era presidente da Vtapzo Conieta (ptnvi ripedia.org rvililJo%C3%A3o Havelange/, de propriedade da fam lia Havelange, uma das primeiras coinpanliias de transporte coletivo da cir!ade de Paulo, que "migrou" para o transporte intennunicipa/ coin a encampa o do setor /997).

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Manoel Nascimento

tros. Com o advento dos morar

nibus de tra

o animal entre as d cadas de 1850 e

nos arrabaldes da cidade.

Processo semelhante se deu no Rio de Janeiro (RJ), onde as linhas de bonde

tornaram poss vel a expans o da cidade para as Zonas Sul e Norte entre os anos de 1872 e 1890, e permitiram a expans o at Copacabana e Leblon (at ent o verdadeiros areais) atrav s do T nel Velho inaugurado em 1892 (Barat, 1975). Ainda como exemplos, dentre tantos outros, o metr de Nova Iorque (inaugurado em 1905) abriu o caminho para o Bronx; o sistema ferrovi rio radial instalado entre o fim do s culo XIX e in cio do XX em cidades como

Boston, Chicago e Filad lfia criou as condi es de surgimento dos sub rbios de classe oper ria (Dyckman, 1972). Se assim, o transporte p blico passa a ter papel central no planejamento urbano (Castells, 2000; Dyckman, 1972; Souza, 2004).

3. IMPLODIR A EQUACAO: CLASSE, CIDADE E TRANSPORTE humano das cidades, como qualquer outro, ao mesmo tempo produtor e produto de rela es sociais; tabuleiro e jogador do jogo de for as sociais e pol ticas dentro de sociedades historicamente condicionadas; resulta daquilo que estas for as sociais e pol ticas p em-se a si mesmas como projeto de mundo, de cidade, de vida, e ao mesmo tempo condicionam a realiza o de tais projetos. N o obstante, a quest o eminentedos transportes, essencial a qualquer projeto de desenvolvimento das cidades, mascarada pelos gestores dos transportes como uma quest o

"t cnica", isenta e separada da pol tica, com a qual n o guardaria rela o que se v nos debates p blicos sobre o assunto, quando os t cnicos ligados as empresas de nibus tratam a quest o desta forma.

es.

pelo contr rio, n o um conjunto de saberes, pr ticas e instrumentos "neutros" frente a uma dimens o "pol tica" do conviver humano separada de si, mas o pr prio modo de "fazer-se" de determinada sociedade (Castoriadis, 1987). Muito embora a acep o neutral da t cnica seja componente indissocivel do discurso dos gestores dos transportes, em especial quando pretendem manter tal como est a situa o de crise de mobilidade e opress o de classe que tentaremos delinear a seguir, a acep o instituinte da t cnica abarca a primeira e fornece-nos a chave para elucidar o desenvolvimento do setor de transporte p blico e seus poss veis rumos. Antes de prosseguir, necess rio 226

Transporte coletivo urbano e luta de classes: um panorama da quest o

envolvidos neste setor da produ trabalhadores atuam entre eles.

o eco-

3.1. Cen rio do conflito

0 conflito entre estes atores se d numa sociedade de produtores de mercadorias, e ao mesmo tempo forma-a. Em tal sociedade, o deslocamento das dependente apenas da correla o entre o mercadoria; para diferentes fins atrav s de diversos meios, e o uso de transporte urbano pelos passageiros por estes ltimos. Em tais condi es, o uso de transporte p blico, aparentemente, n o se diferencia do consumo de qualquer outro bem posto disposi o no mercado: o consumidor, posto diante de v rias op es, escolhe a melhor dentre elas e satisfaz sua necessidade com a mercadoria escolhida.

0 deslocamento, assim, passa a ser visto, como qualquer mercadoria, a partir de duas perspectivas de classe diferentes (Cleaver, 1981): de um lado, como deslocamento essencial para a constitui o e reprodu o de rela es sociais pelos explorados sob o capitalismo, sejam elas as rela es sociais que mant m entre si, sejam as rela es sociais que mant m com seus deslocamento, transformado em mercadoria, gera lucro tanto para os empres rios do setor quanto para toda a cadeia produtiva dos transportes, que envolve, entre outros, fabricantes e revendedores de ve culos, autope as e combust veis, sendo seu papel enquanto empres rios maximizar seus lucros em curto prazo (Carvalho, 1998; Heilbroner, 1973), sob pena de fal ncia, sa da do neg cio e poss vel ru na financeira.

0 setor de transporte p blico, inserido como est numa sociedade capitalista, funciona tamb m de forma capitalista: gerido por capitalistas, empres rios, sob a forma de empresas de transportes. o importa, neste momento da an lise, que o "empres rio" em quest o seja o Estado (em qualquer de suas divis es e subdivis es administrativas), um s capitalista ou um grupo deles, pois a empresa de transporte funciona como qualquer outra: base de trabalhadores que vendem sua for a de trabalho num local determinado ( nibus, metr , vans, escrit rios, tr lebus, oficinas etc.) por um valor que pode n o estar sob seu controle imediato, mas que definido no processo de trabalho 226

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Nascimento

pela disputa constante entre eles e seus patr es sobre a produtividade (Bernardo, 1991; Cleaver, 1981).

nibus', criadas para facilitar o deslocamento de pessoas entre regi es espec ficas da cidade. Cada linha um sistema econ mico independente, cuja lucratividade passageiros (ou seja, se o nibus simplesmente pega pessoas num terminal e as leva at outro, com pouca mudan a de passageiros do.in cio ao fim da viagem, ou se do (quanto maior o trajeto, maior a necessidade de ve culos, combust vel, pessoal e outros custos para garantir a regularidade dos hor rios e reduzir (dentre outras coisas, quanto mais mal-conservadas forem as vias do trajeto, quanto mais curvas e ladeiras tiver, mais isto desgasta os ve culos) (Morales, 2000; SAO PAULO, 1992). Pela combina o destes fatores, h linhas extremamente lucrativas e outras extremamente deficit rias; os empres rios de nibus, por visarem a maximiza o de seus lucros em curto prazo, tendem a preferir as primeiras

e evitar as

ltimas.

(Lima, 1992; Sant'Arma, 1991)'. Hoje, o passageiro o principal financiador do sispol tica tarifdria, de responsabilidade das prefeituras, tem impactos diretos sobre a expans o urbana; atrav s do barateamento ou unifica o de tarifas' poss vel, por exemplo, estimular que os n cleos residenciais de uma cidade situem-se longe dos locais de trabalho e, assim, expandir as fronteiras da cidade (Sant'Arma, este artigo se restringe a andlise do sistema de transporte coletivo por nibus devido a uma quest o de espa o e ao fato de ser (Sa/vador, Brasil, mundoj. Hd grande semelhan a entre a organiza o do transporte coletivo por r>nibus atrav s de linhas com a organi-a o do transporte coletivo atrav s de outros meios

de transporte, mas cada um deles tem especificidades que n o cabe comeniar aqui.

7. Fora do sistema de transporte coletivo por nibus, h setores dentro do sistema de transporte pt blico cujo r usteio fortemente subsidiado pek> Fstado, comrr os trens urbanos, nas n btts. Co>no visto. nem toda linlut dd lucrr>. nem todas as tattas de lucro sr>r> tgtrat ; para tl>re as ta>i/as de rinibtts de u>na c>s rle rv>nlpellsrltorla as linlu> seja>n o mais atraente poss vel. Estes ntecanisn>r>s, tal rvnnr> Compensa o. ser r isto ad ante.

Salvador Abril/Junho 2007 n' 226

um panorama da quest o

1991). Mesmo tendo tamanho relevo, o quadro atual da formula o das pol ticas tarif rias do transporte urbano n o reflete sua import ncia estrat gica no planejamento urbano: maioria dos munic pios n o tem estrutura t cnica adequada para calcular a tarifa de nibus. Pedem ao propriet rio da empresa uma "justificativa" e a prefeitura, em geral, faz um c lculo de custo a partir dos dados que o propriet rio fornece, sem ter como verificar as informa es. Complementando ou substituindo este "c lculo", o prefeito, ou seu assessor, liga para as cidades vizinhas para descobrir consequ ncia desses procedimentos pode ser uma tarifa maior do que os custos reais dos servi os, prejudicando os passageiros; ou menor, reduzindo a receita esperada pelos (Morales, 2000: 165)

3.2. Analisando o conflito entre atores no setor de transporte Federal servi o p blico essencial prestado diretamente na pr tica todas as tarefas gerenciais do setor relativas tanto ao processo de trabalho quanto a movimenta o financeira s o exercidas pelos trabalhadores rodovi rios sob controle r gido dos donos de empresas de nibus que, por Est sob seu controle o conhecimento sobre os gastos concretos do sistema de transportes urbanos, com baix ssima fiscaliza o e controle p blicos sobre a composi o das planilhas de custos; est o sob seu poder as condi es de presta o do servi o (ou seja, se uma linha recebe nibus novos ou velhos, motoristas experientes ou novatos, cobradores corteses ou irasc veis; se as pe as de reposi o ser o novas ou reaproveitadas de ve culos sucateados etc.), igualmente com pouca ou nenhuma fiscaliza o e controle p blicos. Garantem para si, em tal cen rio, o poder de usar diversas para maximizar sua margem de lucro em curto prazo, que seu objetivo b sico enquanto donos de empresa; pelo impacto social destas t ticas, que afetam diretamente os passageiros e a popularidade dos prefeitos, podem, ent o, impor as prefeituras aumentos de tarifas mesmo que, juridicamente, seja das prefeituras a decis o sobre tais aumentos. Para ilustrar como tais t ticas refletem na pr tica o dom nio empresarial sobre 0 setor, observe-se a seguinte situa o hipot tica de uma cidade onde as tarifas n o avolumam recursos suficientes para cobrir os custos das empresas. 0 226

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Manoel Nascimento

empres rios pretendem maximizar sua margem de lucro em curto prazo; do contr rio, estar o fora do neg cio. Sem ter como repor seus custos de produ atrav s da cobran a de tarifas devido a discrep ncias entre receita e despesa num determinado per odo, e vendo-se numa situa o onde dif cil ou mesmo imposs vel exigir da prefeitura que aumente a tarifa, h v rias possibilidades para que mantenham sua margem de lucro: reduzem gastos com a manuten o dos ve culos (o que aumenta a ocorr ncia de quebras de ve culos); reduzem a frota em circula o (o que aumenta o tempo de espera do passageiro nos

o

pontos e tamb m o fndice de Passageiros por Kil metro-IPK'); n o compram nibus novos (o que aumenta a idade da frota, com os evidentes problemas

de se usar ve culos envelhecidos) (Morales, 2000).

Al m disso, impedem a recomposi o da renda dos rodovi rios contra a infla o, mantendo seus sal rios nos mesmos n veis por per odos cada vez maiores ou concedendo-lhes aumentos irris rios; e, como

ltimo recurso,

demitem funcion rios. Chegam a reduzir o espa o entre os bancos dos nibus para transportar mais passageiros por ve culo, como denunciado por um de 26 de agosto de 2003, com evidente inc modo para passageiros altos, gordos ou que portem algum volume, como uma sacola ou mochila.

A pol tica dos empres rios de nibus maximiza o de seus lucros num prazo curto independentemente das conseqii ncias para a popula o transportada dificilmente tem como ser revertida pelas prefeituras. Embora haja momentos de conflito entre prefeitos e empres rios, n o h como evitarem agir juntos, pois gerem o sistema compartilhadamente: as prefeituras cuidam necess ria para os transportes pontos de nibus, vias p blicas, engenharia de tr fego, cria o de linhas etc. , enquanto as empresas (o deslocamento). Esta pol tica dos empres rios do setor transforma o sistema de transportes numa verdadeira bola de neve de exclus o social, como se ver

adiante.

usado para ntedir a efic c a ou produu'-

calculado dividintlo-se o m mero de passageiros transportados por toda a frota de rinihus num determinado per odo pelo m mero de quil metros rodados pela frota neste tnesmo per odo, podendo conjunto de linhas ou a todas as linhas da cidade (Morales, 2000). 0 lPK deve ser equ l l>radot nem alto demais, para evitar super(ata( r> dos e culos e conseqiiente desconforto dos passageiros, nem baixo demais, para evitar que o transporte por pessoa se torne excessivatnente caro.

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Transporte coletivo urbano e luta de classes: um panorama da quest o

quer gostern disso, quer n o, os

empresdrios de nibus afetam negativamente a vida dos habitantes de uma cidade com qualquer a o que obj etive manter ou maximizar seu lucro em curto prazo: quando conseguem aumento tarifdrio junto a prefeitura, afetam o or amento dom stico e for am diversas fam lias a apertar ainda mais um cinto que j d est no ltimo buraco; quando usam as tdticas descritas acima A l gica simples, e mais bem entendida atrav s de um modelo hipot tico onde todos os custos de produ o dos transportes (sal rios, impostos, deprecia o de capital, combust vel, desgaste de pe as, pneus, lubrificantes, renova o da frota, manuten o da infra-estrutura f sica das garagens e escrit rios) est o congelados, tal como o custo de vida".

Um aumento em qualquer dos custos de produ o dos transportes faz com que, em m dio prazo, a tarifa n o garanta a margem de lucro dos empres rios e, a longo, nem mesmo cubra os custos de produ o. Assim, os empres rios exigir o um aumento de tarifas a prefeitura, que se v diante de um dilema: ou aumenta as tarifas, com preju zo de sua popularidade, e assim garante a margem de lucro dos empres rios, a reposi o de seus custos operacionais e sup e-se a qualidade do servi o; ou mant m o mesmo valor das tarifas por mais tempo, garantindo sua popularidade, enquanto os empres rios usam as t ticas j descritas acima para pressionar a prefeitura a aumentar as tarifas, reduzindo a qualidade da presta o do servi o para manter seu lucro, em primeiro lugar, e atacar a popularidade da prefeitura at que ela aumente as tarifas, em segundo lugar, visto que podem piorar ininterruptamente a qualidade dos servi os e jogar a responsabilidade na prefeitura, que n o concede aumentar as tarifas, sem qualquer alternativa imediata. Se a tarifa aumenta, um n mero consider vel de pessoas se ver obrigada, para que os gastos com tarifas caibam em seu or amento, a reduzir suas viagens de nibus at um m nimo de cinquenta viagens/m s, tendo em vista a frequ ncia ao trabalho, ou a simplesmente deixar de andar de nibus por n o ter mais condi es de arcar com estas despesas (Lima, 1992). Se um n mero consider vel de pessoas deixa de andar de nibus, isso significa que Trata-se, aqui, de um modelo abstrato de funcionamento do sistema, com diversas contratend ncias, exagerado propositalmente para extrair todas as vinualidades de sua

din mica interna.

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Manoel Nascimento

o n mero dos que dividir o os custos do sistema atrav s do pagamento de tarifas se reduz. Em boa matem tica, a "fatia do bolo" para cada um ficar aumento E, assim, o aumento nas tarifas desencadeia uma espiral de exclus o de usu rios seguida automaticamente de novos aumentos estes novos aumentos excluem outros usu rios, e assim sucessivamente, at que o transporte coletivo torne-se progressivamente mais elitista".

principal financiador do sistema inteiro, na maior parte do tempo relegado a um papel passivo diante desta situa o: sua interfer ncia direta na gest o do transporte p blico usualmente nula; como cidad os, raramente s o consultados sobre quaisquer modifica es no sistema de transporte coletivo urbano (Vaz, 2000), como se seu direito de ir e vir fosse uma quest o "t cnica" abstrata, desligada de suas vidas, e eles fossem como que "coisas" a se transportar de um lado a outro. Mesmo nas cidades que j disp em de um Conselho Municipal de Transportes, sugerido pelo Instituto Polis como um instrumento de democratiza o da gest o do setor (Vaz, 2000), sua composi o interna e estrutura podem continuar a favorecer as prefeituras ou os empres rios sob um v u de democracia (Informa es sobre Transportes, 2005). Da , como veremos, n o ser raro usarem meios diversos para conseguir deslocar-se a pre os mais baixos, ou mesmo de gra a; na falta de canais institucionais de interfer ncia direta nos rumos do transporte urbano que coloquem a presta o do servi o em condi es que lhe sejam mais favor veis, garantem atrav s de t ticas de conflito ora

aberto, ora velado entre si e os empres rios de transporte, numa verdadeira interfer ncia indireta na gest o do sistema de transporte p blico.

Com as t ticas dos empres rios para for ar aumentos de tarifa, os passageiros tendem a atrasar-se com frequ ncia a seus compromissos, a perd -los, a irritar-se. A redu o do n mero de ve culos em circula o, por exemplo, significa para eles acordar mais cedo para pegar um transporte que os leve ll. Na verdade, o transporte p blico surge historicamente como bem de consumo para as se transforma gradualmente em bem de consumo acessfvel aos

trabalhadores diante da press o de suas mobiliza

es, de um lado, e, de outro, por for a

da necessidade do capital fazer a mao-de-obra desgastar-se menos na rotina de sair de sua

resid ncia, chegar ao local de trabalho e retornar a resid ncia para descanso. 226

Transporte coletivo urbano e luta de classes: um panorama da quest o

ao trabalho e esperar at mais tarde por um outro que os tragam de volta para casa, situa o que resulta numa redu o do seu hor rio de descanso. Chegam mesmo a perder seus empregos por conta dos frequentes atrasos (CET, 1979; Comiss o de Transporte da Pastoral Oper ria de Nova Igua u, 1980; Mois s e Martinez-Alier, 1977).

No caso mais espec fico de trabalhadores assalariados que usam nibus para chegar a seu local de trabalho, a pontualidade um fator essencial para que seus patr es possam extrair-lhes o m ximo poss vel de produtividade durante o tempo em que se encontram sua disposi o no local de trabalho. Os trabalhadores, al m, obviamente, de se deslocar at o local de trabalho, s o obrigados a chegar sempre no hor rio que lhe determinado, sob pena de redu o no pagamento, compensa o em hor rio fora de expediente e at mesmo corte de ponto no dia. Vimos anteriormente que, numa sociedade de produtores de mercadorias, mesmo o deslocamento

transformado em mercadoria, e o

uso do transporte urbano materializa o consumo desta mercadoria, permitido t o-somente ap s sua compra. Este consumo entra na conta do valor da m o-de-obra de acordo com a se-

o deslocamento do trabalhador de sua casa para o lugar onde trabalha, mais despesa ele precisa fazer para trabalhar. Sempre que as tarifas aumentam, preciso, logicamente, aumentar tamb m o sal rio do trabalhador para que ele possa se deslocar a mesma quantidade de vezes por m s (embora, na pr tica, isso raramente aconte a). Por outro lado, como visto, a tend ncia de qualquer empres rio maximizar seus lucros em ganha prefer ncia na contrata o quem mora perto do local de trabalho o que transforma automaticamente o morar na periferia num fator de desemprego. Os empregadores se recusam a pagar mais de dois vales-transportes por dia, e, assim, levam seus empregadps a mentir sobre seus locais de resid ncia para conseguir emprego e arcar com as despesas de transporte n o cobertas pelo vale-transporte; os desempregados n o t m como arcar com as despesas de seus deslocamentos di rios para conseguir emprego, o que aumenta o desemprego por desalento" (Itrans, 2004). o desemprego por desalento causado pela desist ncia da procura de emprego por parte do desempregado diante de seguidos insucessos, certamente o transporte condi o para que tal desalento surja; afinal, o fato de tanto gastar com transporte para t o pouco sucesso tem impactos inquestiondveis sobre a psique do desempregado.

226

Manoel Nascimento

Observe-se, ainda, que a jornada de trabalho em diversos setores da economia geralmente coincidente: inicia-se e encerra-se em hor rio semelhante (Dal Rosso, 0 sistema de transporte tem, assim, seus hordrios de pico condicionados quando o transporte coletivo urbano e a malha vi ria urbana como um todo recebem o grosso de seu p blico eis a origem da bem nos nibus, trens e metr s. 0 transporte coletivo urbano, portanto, atende a interesses extremamente conflitantes. Por um lado, os passageiros, consumidorgs de transporte coletivo urbano, pretendem consumi-lo ao menor pre o poss vel, para que o custo proibitivo de seu deslocamento n o restrinja o exerc cio de seu direito de ir e vir e para que possam deslocar-se mais vezes com a menor despesa poss vel. Por outro lado, a redu o das tarifas afeta diretamente o lucro das empresas de transporte, pois seu produto (o deslocamento) passaria ent o a ser vendido a um pre o proibitivo para a viabilidade de seu neg cio: n o cobriria nem as despesas com equipamentos e sua manuten o (manuten o dos ve culos, contas de telefone, gua e luz, compra de novos ve culos, limpeza e manuten o das garagens etc.), nem as despesas com pessoal (sal rios dos rodovi rios, do pessoal de escrit rio e das oficinas etc.) e nem lhes garantiria maximizar seus lucros em curto prazo.

As prefeituras v m na pol tica de transportes tanto um instrumento de planejamento urbano quanto um fator de risco para sua popularidade. Da haver conflito por todo o sistema, n o s em torno da tarifa (a tarifa apenas a ponta do iceberg, ainda que a disputa sobre seu pre o seja causa suficiente para revoltas populares de propor es invulgares) (Carvalho Neto, 2003; Filgueiras, 1981; Vin cius, 2005, 2005a). Da que os demonstrativos e relat rios financeiros oficiais das empresas de nibus sejam preparados exatamente para demonstrar uma intermin vel baixa no lucro das empresas e resguard -ias contra qualquer coment rio ou exig ncia, tanto dos sindicatos dos trabalhadores que contratam, quanto da popula o em geral. Isto ficou claro, em Salvador, a partir da pol mica havida em dezembro de 2006 entre o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Salvador (SETPS) e o Departamento Intersindical de Estat stica e Estudos S cio-Econ micos (DIEESE) em torno, dentre outros,

das planilhas de custo do sistema de transporte p blico. 3.3. Crise de financiamento e crise de mobilidade

todos os atores pol ticos envolvidos no sistema de transportes admitem haver uma crise no Esta crise tem duas faces: de um lado, uma

Salvador Abril/Junho 2007 n' 226

Transporte coletivo urbano e luta de closses: um panorama da quest o

do sistema de transporte p blico, visto que os passageiros n o t m mais como arcar sozinhos com todos os custos do sistema crise de

pois as pessoas est o deixando de andar de nibus, mesmo em cidades grandes onde o deslocamento por meios n o-motorizados (bicicleta, caminhada) proibitivo devido enormidade das dist ncias a percorrer e a falta de infra-estrutura adequada para tais meios de transporte. Outra hip tese: mostrada ao p blico principalmente como crise de financiament. 0 problema do financiamento crucial para os gestores do setor, pois envolve a manuten o do lucro dos empres rios num servi o p blico dominado por eles. Ainda outra hip tese: como os gestores do setor pautam a discuss o p blica sobre transportes a partir da assim chamada "comunidade de transportes" formada principalmente por entidades representativas de empres rios, rg os p blicos de gest o do sistema, sindicatos dos trabalhadores do setor, institutos e organiza es especializadas, e faculdades de engenharia, arquitetura e tratada como uma fun o da crise de submetida. Alguns dados podem ilustrar a quest o. 0 Minist rio das Cidades observou em 2004 que as tarifas de nibus das capitais tiveram aumento maior que o

aumento do

ndice Nacional de Pre os ao Consumidor (INPC): enquanto o

ndice subiu 150,4% entre 1994 e 2003, a passagem de nibus em Bras lia (DF) a que menos subiu aumentou 196,3%, a de S o Paulo (SP), 240%,

a de Fortaleza (CE), 275%, as de Salvador e do Rio de Janeiro, 328,6% e a

passagem de nibus em cidades como Rio Branco (AC) e Porto Velho (RO) aumentaram 400% (BRASIL, 2004a). Sabendo-se que o INPC o ndice econ mico mais usado nas negocia es salariais, em torno do qual orbitam os condi o Resumidamente: menos possibilidade de acesso ao transporte p blimais com efeitos tanto na possibilidade de conseguir emprego quanto no estabelecimento e manuten o de rela es sociais (BM, 2002). Em 2002, uma pesquisa realizada pela Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano

da Presid ncia da Rep blica em dez cidades brasileiras" apontou o seguinte l: A saber, Bel m (PA), Belo Hori=onte (MG), Campo Grande (MT), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Goi nia (GO), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e Teresina (Pl).

226

Manoel Nascimento

TAI UL I

USt u RIOS DE TRANSPORTE P BLICO SEGUNDO 0 MEIO DE TRANSPORTE,

POR FAIXA DE RENDA

Fonte: Pesquiso rvtotivoc es que regem o novo perfil de deslocamento do populoc o urbano brasileiro.

Apud Gomide, 2003.

a principal usudria dos serEnquanto usu rios desta mesma classe C t m condi es financeiras para comprar, mesmo com certo esfor o, um carro popular usado e, assim, resolver individualmente seus problemas de deslocamento, usu rios das classes D e E, que n o disp em da mesma facilidade e v em-se obrigados a usar o transporte coletivo ou andar a p , s o sistematicamente exclu dos do sistema de transportes (Gomide, 2003). S andam de trem porque a tarifa neste meio de transporte pesadamente subsidiada pelo Governo Federal, ficando, por isso, mais barata. 4. REEQUACIONAR 0 PROBLEMA: AS ALTERNATIVAS APRESENTADAS

A total instabilidade no funcionamento do sistema de transportes, resultante dos conflitos entre os diversos atores nele envolvidos, tem levado seus

gestores a diferentes solu es quanto a dois pontos espec ficos da crise de financiamento do setor como um todo e o financiamento como estudantes, idosos e

deficientes f sicos. Dada a hegemonia dos gestores sobre o setor, a cria o de solu es "t cnicas" mant m-se na "comunidade de transportes" e ao n vel da crise de financiamento; nenhuma delas malmente ro a a superf cie do principal a mercantiliza o do direito de ir e vir.

4.1. Solu A solu a 74

es apresentadas pelo setor empresarial e pelo Estado

o mais aparente para a crise de financiamento, usada em primeiro

226

um panorama da quest o

inje o direta de dinheiro p blico no setor prejudicada pela atua.i conjuntura de crescimento acelerado da d vida p blica, que torna o Estado i.incapaz

de assumir mais despesas. Uma segunda forma de subs dio bastante co.mum aplicado s gratuidades e descontos, quando n o .sao bancados por alguma fonte externa de financiamento: o valor das gratuidadres e dos descontos embutido na tarifa, de forma que os custos do deslocamento> dos benefici rios de gratuidades sejam distribu dos entre os passageiros que pagam inteira e entre os que pagam com descontos afinal, mesmo com desconto, continuam pagando a tarifa e, curiosamente, bancando o desconto do qual eles mesmos s o benefici rios. 0 subs dio cruzado n o conseguiu p r fim crise de financiamento e, na verdade, considerado pelos gestores como uma das causas da crise de financiamento; tanto que os gestores do sistema hoje exigem a cria o de outras fontes de receita, al m das tarifas, para arcar com as gratuidades e descontos (BRASIL, 2004).

Outra solu o para a crise de financiamento, criada no final da d cada de Bem resumidamente, s o um sistema de financiamento que estabelece uma remunera o b sica para as empresas e cobre o preju zo das linhas deficit rias com recursos oriundos de outras fontes de receita como a cobran a de estacionamento em vias p blicas de visto que, para a tarifa ter apenas um pre o numa cidade, e n o tarifas diferentes para cada linha, preciso criar um mecanismo que "equalize" as linhas superavit rias e deficit rias ou, do contr rio, estas ltimas jamais encontrar o uma s empresa que as queira.

As c maras de compensa o vinham originalmente acompanhadas da id ia constante nas conclus es do 7' Congresso Nacional da Associa o Nacional de Transportes P blicos (ANTP): "Romper com a atual pol tica tarif ria do transporte coletivo, onde o usu rio paga todos os custos do servi o. Alterar a (Sant'Arma, 1991). Segundo tal linha de pensamento, a sociedade deve passar a arcar coletivamente com o transporte p blico e, assim, tirar das costas do usu rio individual a responsabilidade pelo financiamento do sistema. Setores inteiros, como empres rios, propriet rios de autom veis e im veis, seriam chamados a contribuir financeiramente com o sistema. Na pr tica, as c maras de compensa o n o conseguiram ir al m da compensa o dos preju zos entre as pr prias linhas do sistema de transporte; os resultados iniciais foram assimilados pelo sistema e a crise de financiamento aflorou novamente (Sant'Arma, 1991). 226

75

Manoel Nascimento

vale-transporte, um sr bs dio direto vindo n o mais do Estado para as empresas de transporte, mas dos empregadores em geral para os trabalhadores, criado para garantir a pr;sen a dos trabalhadores em seus locais de trabalho. Seu funcionamento simples: o empregador compra uma quantidade de vales-transporte no rg o emissor e os repassa a seus empregados na base de 94% de custos bancados pela empresa e 6% pelo trabalhador; a medida que os vales v o sendo usados, a empresa de transporte que os recebe troca-os por dinheiro junto ao rg o

emissor. Apesar de representar hoje metade Ba receita das empresas de transporte coletivo urbano (Gomide, 2003), o vale-transporte tornou-se incompat vel com o atual cen rio do mercado de trabalho: no momento em que 51% dos trabalhadores metropolitanos brasileiros est o no mercado informal (Gomide, 2003), um subs dio dado a trabalhadores com carteira assinada dificilmente

cumpre a fun o para a qual foi criado, que garantir a chegada do trabalhador ao local de trabalho e seu retorno ao local onde renovar suas energias para a jornada de trabalho seguinte. Atualmente, os gestores do sistema tanto aqueles ligados as empresas quanto ao Estado, especialmente ao governo federal consensuam em resolver a crise de financiamento do setor atrav s de propostas que passam pelos sepol tica tribut ria diferenciada para o setor, acesso a linhas de financiamento p blico e cria o de fontes perenes de financiamento extrataSegundo eles, a pol tica tribut ria deve conceder isen es a todos os insumos consumidos pelo setor. 0 financiamento p blico deve ter prazo mais longo e ser desburocratizado, em especial os fundos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econ mico e Social (BNDES), como o Pr -Transporte'4. A cria o de fontes de financiamento extratarif rio resume-se a duas propostas: usar recursos do Fundo do Idoso para cobrir os custos com as gratuidades de idosos e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educa o (FNDE)" para fazer o mesmo com os descontos dados as tarifas de estudantes, e vincular Pr -Transporte wn fiutdo especial do BNDES constitu do com recursos do FGTS milh es por ano para investimento em transporte pt blico pelos munic pios e Estados; os empres rios do setor de transportes, atrav s de suas concess es ou permiss es para reali-a o de servi o pt blico, tamb m podem ter acesso ao 2004). FNDE uma autarqtria do Minist rio da Educa o cuja missao consiste em prover rectrrsos e exectrtar a es para o desenvolvimento da Educa o, visando garantir educa o de qualidade a todos os brasileiros. Na pr tica, um fitndo federal que repassa dinheiro para programas e projetos educacionais, seja diretamente (Progratna Dinheiro Direto na

Salvador Abril/Junho 2007 n 226

Transporte coletivo urbano e luta de classes: um panorama da questao

25% da Contribui

o de Interven

o no Dom nio Econ mico (CIDE)" para

investimento em transporte urbano e metropolitano (BRASIL, 2004).

a mais recente das solu es encontradas, merece coment rio parte. Ela vem embutida na principal proposta de "moderniza"moderniza o" que tende a eliminar progressivamente o posto dos cobradores, mantidos no processo de produ o do deslocamento humano nas cidades apenas gra as for a dos sindicatos de rodovi rios. Sabe-se que, entre cinquenta cidades brasileiras pesquisadas pela Associa o Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU) entre 2002 e 2003, 35% j tinham a bilhetagem eletr nica implementada em seus sistemas de transporte coletivo urbano por suas respectivas prefeituras e 41% pretendiam implement -la dentro em breve. Por sua vez, dentre as cidades com bilhetagem eletr nica implementada no sistema de transportes, 84% n o eliminou nem pretende eliminar o posto de cobrador, 16% j havia eliminado o posto e 5% pretendia elimin -lo em breve (NTU, 2006). A jogada simples: ao inv s de pagar a passagem no ato de seu deslocamento, entregando dinheiro ao cobrador ao entrar no nibus, com a bilhetagem eletr nica o passageiro obrigado a comprar cart es eletr nicos com cr ditos equivalentes a tarifas. Ocorre que estes cr ditos n o s o vendidos individualmente, mas sim em quantidade que permita a cobertura dos gastos com a confec o dos cart es, manuten o de postos de venda e (em algumas cidades) de recarga dos cart es. Assim, o passageiro compra uma quantidade de tarifas antecipa receita a qual pode ser usada das mais variadas formas, que v o desde a compra de novos ve culos, pe as e equipamentos at a cobertura de supostos rombos financeiros, aplica es em mercados financeiros etc. Ao favorecer a retirada do cobrador salvo pela for a de press o dos sindicatos , a bilhetagem eletr qica elimina tamb m diversas possibilidades do Escolal, seja atrav s de programas como o Brasil Alfabeti-.ado, o Programa Nacional de Alimenta ao Escolar, o Programa Escola Aberta etc. (cf. wwwfttde.gov.brj. A CIDE urna contribui o paraftscal institu da em 200I que incide sobre a importao e a comerciali=a o de petr leo e derivados, g s natural e derivados. e dlcool et lico combust vel. Sua destina ao ercpressamente orientada: tragamento de sttbs d os a pre os ou transporte de lcool combust vel, de gdis natural e seus derivados e de derivados de petr leo; financiamento rle proj etos ambientais relacionados com a indk stria do petr leo e do gds e financiatnento de progrtunas de itifia-estrutura de transportes (cf. www planalto. gov.brlCCIVILILei slLEIS 200I J.

226

Nascimento

usu rio pagar menos pelo seu deslocamento, como negociar com o cobrador para pular a roleta pagando a ele um valor menor que a passagem. Como a bilhetagem eletr nica ainda est em processo de implementa o, ainda n o poss vel indicar resultados concretos, como foi poss vel com outras solu es encontradas pelos empres rios para resolver a crise de financiamento.

4.2. Alternativas propostas pelos passageiros J

os passageiros colocam suas alternativas

'crise de mobilidade que vivem

ao recorrerem a todo tipo de expediente para andar de nibus sem pagar, ou pagando menos que o devido quanto de nos momentos de crise aberta e revolta popular, seja atrav s de seus atos, seja atrav s de comunicados, impressos, boletins, picha es, palavras-de-ordem, faixas e outros instrumentos de comunica o. Adoto aqui a metodologia de Jo o Bernardo (1991) para a an lise dos conflitos ligados ao trabalho, extrapolada para os conflitos sociais como um todo". a criatividade dos passageiros para diminuir o impacto dos deslocamentos em seu or amento familiar ainda algo a ser estudado com mais amplitude e profundidade, porque as alternativas que criam sem mencionar o uso de transporte alternativo, que garante ao mesmo tempo seu deslocamento e ainda a t o falada "gera o de emprego e renda" para uma

parcela crescente da popula

o que trabalha no setor do transporte alternativo"

A metodologia hernardiana classi/ica os conflitos sociais em individuais passivos, individuais ativos, coletivos passivos e coletivos ativos, em fiin o da for>na das lutas dos trabalhadores contra o dom nio capitalista e da capacidade que estas formas t m de, atrav s de prdticas dos trabalhadores em luta, romper com sua integra o no capitalismo a partir /99/). trnnsporte nlternati va, regulamentado em algunias cidades e abertamente irregular em outras, surge nas brechas de fiincionamento do sistema de transporte "regular", cobrindo suas faliras; se o transporte regularizado cobre maj oritariamente traj etos "periferia-centro", os alternativos cobrem trnjetos "periferia-periferia"; se os hor rios do transporte regularizado deixam a ilesejar, os alternativos entram nos intervalos entre a chegada de um ve culo regulnrizado e rnitro. Apesar do romantismo com que alguns v em o setor, ele funciona da mesma forma qiie o transporte regularizado, uma vez que consome produtos similares aos consuinidos no processo de produ o do deslocamento humano atrav s dos nibus: combust vel, pegas de ntnnuten rto etc., sentia a i nica diferen a, raive=, o fnto de que o motorista e ohrador .sito, em vdirios casos, nutiinomos. siimiltaneninente trabalhadores e patr es, como uma esp cie de "profissionais liberais de segunila classe". Tal como no in cio da opera o o por i nil>tt . entreuinto, tni - prfissir>nais liberais de segunila classe" tenilinn a transformar-se eni einp>esi rios pura e siinplesinente. ou a sair do negr5cio.

78

Salvador Abril/Junho 2007 n 226

Transporte coletivo urbano e luta de classes: um panorama do quest o

s o as mais inusitadas e imprevis veis. 0 Instituto de Desenvolvimento e Informa o em Transporte (Itrans) tentou captar algumas delas nas Regi es Metropolitanas de S o Paulo (RMSP), Rio de Janeiro (RMRJ), Belo Horizonte (RMR):

TAB LA 2

UTILIZA AO DE MANEIRAS PARA ECONOMIZAR DINHEIRO COM TRANSPORTE

POR REGISTO METROPOLITANA, SEGUNDO AS MANEIRAS CITADAS JULHO

Fonte: Pesquisa Mobilidade e Pobreza (Itrans, 2004).

Todas estas t ticas dos passageiros para pagar o menos poss vel por seu deslocamento t m a ver com condi es concretas encontradas pelos passageiros em suas respectivas cidades. Numa cidade com maior facilidade de acesso a centros de com rcio e servi os, como o Rio de Janeiro, h menor necessidade de longos deslocamentos, enquanto em S o Paulo a segrega o espacial e a exclus o territorial a que est o submetidos os moradores de periferia torna absolutamente necess rio o uso de transporte p blico para qualquer deslocamento. Numa cidade plana, como Recife (PE), a bicicleta transforma-se numa solu o individual para os problemas de deslocamento causados pelos problemas no transporte coletivo (Itrans, 2004). Apesar da regularidade com que foram encontradas algumas alternativas, poss vel dizer que estas s o pelos passageiros, havendo outras ainda incaptur veis pela pesquisa acad mica, de t o "menores". 226

79

Nascimento

Como visto anteriormente, os canais institucionais de gest o do sistema de transporte est o praticamente vedados aos passageiros, mas isso n o quer coletivo revoltas po(cf. CET, 1979; Concei o, 1984; Filgueiras, 1981; Matias, 2004; Mois s, 1985; Mois s e Martinez-Alier, 1977; Nunes, 1985; Vin cius, 2005; 2005a) geralmente direcionados aos ve -

culos

objetos mais ao alcance da multid o revoltada que os gestores do

sistema ou sua pr pria din mica de funcionamento (cf. CET, 1979; Mois s e Martinez-Alier, 1977).

bloqueios (cf. Carvalho Neto, 2003; Nascimento, 2003), e movimentos de longo prazo, ligados a luta popular por melhorias na infra-estrutura urbana (Neves, 2006). Em momentos de crise aberta, durante as revoltas populares aparecem (no total ou com desconto para controle ou gest o do setor e garantias de mobilidade Veja-se, por exemplo, a pauta do movimento popurevoga o do aumento de para estudantes e oper rios, para desempregados (Filgueiras, 1981). Em Curitiba, a mobiliza o popular resultou na cria o, em 1984, da Comiss o de Verifica o de Custos Tarif rios, atrav s da qual associa es de bairro foram autorizadas a contratar 33 fiscais populares de transportes, os quais trabalhariam quarenta horas com sal rios pagos pela prefeitura (Neves, 2006). Atualmente, o Movimento transporte autogest o pelos passageiros e trabalhadores do setor, de maneira que (MPL, 2006).

estimulado pela Organi=ou-se. ent to, como uma rede ferlerativa rias diversas catnpanhas mtrnicipais de luta pelo passe livre estudantil qtre atuavam sem articula o nacional. Atualmente, organi-a-se a partir de coletivos locais de base territorial nrunicipal, em torno dos seguintes princ pios: federalismo, a( o direta, apartidarismo (mas n o antipartidarismol, frente t nica com os setores realmente comprometidos com a luta pelo passe livre, imlependencia, autonomia e hori=ontalidade (MPL, Encontro Nacional do MPL (ENMPL) seguem como Anexo.

80

226

Tronsporte coletivo urbano e luta de classes: um panoromo do ciuest o

5. UMA CONCLUSAO EM ABERTO

No que diz respeito aos estreitos objetivos de um artigo, qualquer estudo sobre transporte cont m em si a contradi o inevit vel entre o casu smo imanentista e a abstra o te rica, sendo que, dadas as caracter sticas eminentemente territoriais do objeto e apartado os componentes (econ micos e sociol gicos principalmente) dos quais espero haver tratado com certo grau de detalhe, o

casu smo termina por prevalecer.

imposs vel avan ar a partir do ponto em

dos sistemas de transporte concretos e verificar a viabilidade das hip teses levantadas. Por deve ficar para uma an lise posterior. 0 pr prio Castells, cujo esquema de deslocamentos intra-urbanos no item 2, admite que, passado certo ponto, "o esquema atinge uma complexidade suficiente para que s possamos falar a partir de situa es concretas" (Castell s, 2000: 280).

Para quem espera que as conclus es tragam "solu es" para problemas s rios levantados como em finais de romances, onde desfecha-se a trag dia das personagens e encerra-se a ang stia de quem l , certamente ser uma decep o notar que n o se pretende aqui esbo ar "solu o" alguma, muito menos fun o de um artigo "resolver" problemas sociais graves: ele pode situar as for as em conflito, estabelecer o conte do e as formas do conflito, at apontar as principais contradi es, mas n o se presta a "resolver" quest o social alguma. Isto fica para as pr prias for as pol ticas postas em jogo no desenrolar dos conflitos que se apresentam as nossas vistas e dos quais inevitavelmente participamos, mesmo sem o saber ou a contragosto. A trag dia social a que nos referimos certamente n o se encerra com o fechar desta revista, visto que protagonizamos esta hist ria. 0 que realmente angustia n o a falta de "solu es" neste artigo, mas que algumas pessoas que o l em n o a busquem na sua pr tica pol tica e queiram encontr -la em livros, acumulando "solu es" para os problemas do mundo em seus c rebros e deixando que ele se acabe na pr tica. ANEXO

RESOLU

ES DO III' ENMPL SOSRE A OUESTAO DOS TRANSPORTES

conjuntura, t tica e estrat gia: norte fina! da nossa atua o dever ser constru do a partir de pautas que envolvam um amplo conjunto de transforma es em diferentes estruturas. 226

81

Manoel Nascimento

A perspectiva avan ar rumo concreta autogest o social dos transportes e da sociedade. Para que alcancemos esse obj eti vo de longo prazo, com possibilidade de interven o di reta de todos e todas agentes envolvidos no processo da organiza o dos transportes desde sua raiz, precisamos, necessariamente, de uma ruptura com as estruturas sociais vigentes. A perspectiva de longo prazo , ent o, revoluciondria. MPL pautard a luta pelo passe livre universal, o passe livre para de-

sempregados e desempregadas e um transporte livre da iniciativa privada, com controle p blico.

Deve tamb m ampliar o debate da mobilidade urbana para al m do acesso a educa o e ao trabalho, considerando tamb m o acesso a cultura e (...)

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82

226

Transporte coletivo urbano e luta de classes: um panoramo da quest o

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