Transtornos do humor e obesidade: desafios psicopatológicos em cirurgia bariátrica

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Transtornos do Humor, Obesidade e Consequências

Transtornos do humor e obesidade: desafios psicopatológicos em cirurgia bariátrica Apresentação no Congresso Paranaense de Terapia Nutricional, Oral, Enteral e Parenteral no Obeso Curitiba, 27 de março de 2015 Hélio Tonelli Médico Psiquiatra, Mestre em Farmacologia, Interconsultor e Pesquisador na Interface Obesidade e Comportamento. Resumo Candidatos à cirurgia bariátrica podem apresentar sintomas de humor e comportamentos alimentares anômalos comprometendo os resultados do tratamento cirúrgico a médio e longo prazo. O diagnóstico destes sintomas pode ser difícil em razão de sua frequente atipicidade, bem como de sua apresentação na forma de quadros “psicossomáticos”. O presente texto discute sucintamente a psicopatologia destes sintomas, que comumente se agrupam como uma “depressão metabólica”, bem como alguns de seus modelos etiológicos. Palavras-chave: obesidade, cirurgia bariátrica, transtornos do humor, depressão. Introdução A obesidade tem sido considerada uma das doenças mais sérias e de mais rápida disseminação em países desenvolvidos 1. Um terço da população adulta nos Estados Unidos está obesa 2, e no Brasil, onde até recentemente esta condição não era considerada epidêmica, 17,5% da população adulta já é obesa e cerca de 50 % está acima do peso, segundo o Ministério da Saúde 3. A grande maioria dos casos de obesidade resulta de uma combinação de fatores genéticos, comportamentais e ambientais e pode ser agrupada, do ponto de vista etiológico, sob a denominação obesidade induzida por dieta 4. De forma geral o tratamento da obesidade mórbida (definida por casos com índice de massa corporal [IMC] maior que 35 kg/m2 associadas a complicações médicas ou casos com IMC maior do que 40 kg/m2 com ou sem complicações) costuma ser frustrante e atualmente a cirurgia bariátrica é considerada um tratamento efetivo e duradouro para estes casos 1. Uma quantidade substancial de transtornos psiquiátricos ou perfis psicológicos anormais acomete os indivíduos obesos que se candidatam à cirurgia bariátrica 5, aumentando os riscos de desfechos pós-operatórios desfavoráveis, que podem variar desde a perda de peso abaixo da esperada ou o reganho precoce de peso, até a piora de uma condição psiquiátrica ou psicológica de base. Apesar das muitas publicações sobre transtornos do humor na obesidade, o diagnóstico destas condições pode ser um desafio até mesmo para o profissional de saúde mental experiente. Isso porque portadores de obesidade mórbida podem apresentar quadros de humor “disfarçados” sob uma ampla gama de psicopatologias comumente agrupadas como “transtornos do espectro afetivo” ou, que englobam transtornos clinicamente tão distintos quanto a depressão, a síndrome da fadiga crônica, a bulimia nervosa, enxaquecas e a síndrome do cólon irritável 6. Além disso, é possível

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que obesos apresentem quadros de humor de origem metabólica, cujos sintomas são atípicos e a resposta à perda de peso, favorável 7. Objetivos O presente texto tem por objetivo apresentar as alterações orgânicas centrais e periféricas compartilhadas pelos transtornos do humor e pela obesidade, bem como descrever sucintamente quais são os mecanismos biológicos subjacentes a estas alterações, discutindo suas resultantes psicopatológicas no humor, cognição e comportamento alimentar dos portadores de obesidade. Transtornos de humor e obesidade: simples comorbidade? A visão intuitiva da relação entre obesidade e humor consiste na crença de que o ganho de peso gera estresse crônico por conta do estigma e das comorbidades médicas associadas, que induzem sintomas depressivos como apatia e sedentarismo, os quais acabam por levar a ganho de peso adicional. No entanto, esta relação parece ser mais complexa: estudos recentes têm demonstrado que transtornos de humor e obesidade não são apenas altamente prevalentes e comórbidos, como compartilham fatores clínicos, neurobiológicos e genéticos, além de influenciar mutuamente suas apresentações clínicas e repostas terapêuticas 6, 7. De fato, a presença de obesidade costuma comprometer o tratamento da depressão e a presença de um transtorno de humor parece dificultar a perda de peso. Além disso, indivíduos obesos apresentam quadros de humor atípicos, sendo mais susceptíveis a depressões cursando com hipersonia e aumento de apetite, maior prejuízo cognitivo e maior severidade e cronicidade 6, 7, 8. Bipolares obesos, por sua vez, desenvolvem doença predominantemente depressiva e mais duradoura. Estas observações têm estimulado a pesquisa por quadros de humor especificamente relacionados à obesidade, chamado por alguns autores de “depressão metabólica” 9. Origem dos transtornos humor associados à obesidade Sintomas de humor e comportamentos alimentares anômalos observados em muitos indivíduos obesos podem ter sua origem em disfunções de circuitos centrais relacionados ao processamento da recompensa, particularmente de regiões como a área tegmental ventral (ATV), o núcleo accumbens (NA), o estriado e o córtex órbitofrontal (COF). Além disso, comportamentos alimentares disfuncionais muito comuns em candidatos à cirurgia bariátrica, como o Transtorno de Binge, a Síndrome do Comer Noturno, o Grazing e a controversa Adição à Comida, podem ser os únicos sinais de um transtorno de humor nestes pacientes 10. Estudos de neuroimagem funcional mostram que indivíduos obesos apresentam maior ativação destas áreas quando expostos a pistas alimentares e também sugerem que a cirurgia bariátrica pode reverter estes efeitos, pelo menos agudamente 11. A hiperativação da ATV, do NA e do COF gera uma experiência desproporcional de excitação antecipatória em relação à alimentação 12, 13 e disfunções destas regiões resultam em uma experiência subjetiva de incapacidade de sentir prazer ou anedonia. O prazer consumatório, por sua vez, associa-se à atividade de hotspots hedônicos, regiões cerebrais onde a ação de opióides endógenos amplificaria a experiência de recompensa alimentar 12. A atipicidade de muitos quadros depressivos apresentados na obesidade caracteriza-se por sintomas predominantemente físicos e anedonia, sem as ideias de culpa, ruína e menos-valia dos quadros depressivos característicos. Para alguns autores,

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a depressão metabólica seria muito mais semelhante ao mal estar geral que acompanha uma doença infecciosa (também chamado de sickness behavior 14), do que a um quadro depressivo clássico. Isso pode significar que a depressão metabólica tenha uma etiologia distinta, possivelmente relacionada aos efeitos da gordura sobre o tecido cerebral. De fato, o tecido adiposo libera citocinas (como interleucina-6 e o fator alfa de necrose tumoral), que dão início a uma resposta inflamatória sistêmica de baixo grau 4, 15, cujos efeitos no sistema nervoso central podem estar por trás de muitas alterações neuropsiquiátricas apresentadas por indivíduos obesos e que, felizmente, podem ser revertidas pelo emagrecimento. Conclusões Sintomas de humor em pacientes sofrendo de obesidade são difíceis de detectar por sua atipicidade e porque muitas vezes estão por trás de transtornos do comportamento alimentar ou de outras condições clínicas não psiquiátricas, comumente agrupadas como manifestações psicossomáticas do espectro afetivo. Isso pode decorrer de efeitos inflamatórios sistêmicos de citocinas liberadas pelo tecido adiposo. Todavia, diferentes mecanismos também podem estar envolvidos neste processo, como a influência da flora intestinal modificada pela obesidade sobre neurotransmissores centrais, alterando humor e preferências alimentares 16. Referências Bibliográficas 1. Yen YC, Huang CK, Tai CM. Psychiatric aspects of bariatric surgery. Curr Opin Psychiatry. 2014 Sep 27 (5): 374 – 379. 2. Carnell S, Gibson C, Benson L, Ochner CN, Geliebter A. Neuroimaging and obesity: current knowledge and future directions. Obes Rev. 2012 Jan 13(1): 43 – 56. 3. Brasil [Internet]. Brasil: Obesidade atinge mais da metade da população brasileira, aponta estudo (citado em 22 de agosto de 2014). Disponível em: HTTP://www.brasil.gov.br/saude/2013/08/obesidade-atinge-mais-da-metade-dapopulacao-brasileira-aponta-estudo. 4. Castanon N, Lasselin J, Capuron L. Neuropsychiatric comorbidity in obesity: role of inflammatory processes. Front Endocrinol (Lausanne). 2014 May 15; 5: 74: 1 – 9. 5. Pull CB. Current psychological assessment practices in obesity surgery programs: what to assess and why. Curr Opin Psychiatry. 2010 Jan 23 (1): 30 – 36. 6. Gardner A, Boles RG. Beyond the serotonin hypothesis: Mitochondria, inflammation and neurodegeneration in major depression and affective spectrum disorders. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2011 Apr 29; 35 (3): 730 – 743. 7. Mansur RB, Brietzke E, McIntyre RS. Is there a "metabolic-mood syndrome"? A review of the relationship between obesity and mood disorders. Neurosci Biobehav Rev. 2015 Jan 8; 52: 89 – 104. 8. Jauch-Chara K, Oltmmans KM. Obesity – A neuropsychological disease? Systematic review and neuropsychological model. Progr Neurobiol 2014 Mar; 114: 84 – 101. 9. Kahl KG, Schweiger U, Pars K, Kunikowska A, Deuschle M, Gutberlet M, Lichtinghagen R, Bleich S, Hüper K, Hartung D. Adrenal gland volume, intra-

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abdominal and pericardial adipose tissue in Psychoneuroendocrinology. 2015 Apr 20; 58:1 – 8.

major

depressive

disorder.

10. Mitchel JE, King WC, Courcoulas A, Dakin G, Elder K, Engel S, et al. Eating behavior and eating disorders in adults before bariatric surgery. Int J Eat Disord. 2014 Mar 48(2): 215 – 222. 11. Tonelli H, Sartori FM, Marchesini JCD, Marchesini JB, Tonelli DG. Effects of bariatric surgery on the central nervous system and eating behavior in humans: a systematic review on the neuroimaging studies. J Bras Psiq. 2013 62(4): 297-305. 12. Berridge KC, Robinson TE, Aldridge JW. Dissecting components of reward: ‘liking’, ‘wanting’ and learning. Curr Op Pharmacol. 2009 Feb 9 (1):65 – 73. 13. Panksepp J, Biven L. The Archeology of Mind. Neuroevolutionary origins of human emotion. WW Norton & Company, New York, London. 14. Biesmans S, Meert TF, Bouwknecht JA, Acton PD, Davoodi N, De Haes P, Kuijlaars J, Langlois X, Matthews LJ, Ver Donck L, Hellings N, Nuydens R. Systemic immune activation leads to neuroinflammation and sickness behavior in mice. Mediators Inflamm. 2013; 2013: 1 - 14. 15. Capuron L, Miller AH. Immune system to brain signaling: neuropsychopharmacological implications. Pharmacol Ther. 2011 May;130 (2):226 – 238. 16. Alcock J, Maley CC, Aktipis CA. Is eating behavior manipulated by thegastrointestinal microbiota? Evolutionary pressures and potential mechanisms. Bioessays. 2014 Oct;36(10):940-9.

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