Tratamento desigual (A Gazeta - 22/08/2015)

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16OPINIÃO A GAZETA

SÁBADO, 22 DE AGOSTO DE 2015

Breno Zanotelli

OPINIÃO DE A GAZETA

É secretário da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB-ES

Moradores de cidades paranaenses que se manifestaram contra aumentos de vereadores são um exemplo para todo o país

A Justiça Militar é pautada por decretos baseados nos atos institucionais da ditadura e sua composição é de maioria de oficiais da ativa e não de juízes togados

VALE A PENA SE INDIGNAR

P

olítica, em essência, é tudo aquilo que diz respeito ao espaço público e à vida em coletividade. O cidadão, quando se abstém de participar dessas questões, está abdicando de uma atribuição que não cabe apenas àqueles a quem denominamos políticos. A democracia brasileira é representativa, mas isso não impede a mobilização popular, seja em episódios que causam indignação ou em decisõesdodiaadia. Oexemplomaisrecentedemudançaapartirde um impulso popular vem do Paraná. A empresária Adriana Lemes se escandalizou com um projeto que elevaria o salário dos vereadores de sua cidade, Santo Antônio da Platina, de R$ 3.745 para R$ 7,5 mil. Indignada, gravou um vídeo que circulou nas redes sociais e conseguiu conclamar a população a comparecer à segunda votaçãodoprojetonaCâmaradomunicípio.Sob pressãopopular,osediscancelaramoaumentoe ainda reduziram os salários para R$ 970. Uma vitória incontestável. Emefeitodominó,outrassetecidadesdaregião de Santo Antônio da Platina também iniciaram movimentações semelhantes. Uma espécie de Primavera Árabe nas Câmaras locais. A mera reverberação dessa onda de indignação conseguiu seanteciparaosatosdosvereadores,queemmuitos municípios desistiram de colocar projetos semelhantes em votação. Na segunda-feira, os vereadores de Mauá da Serra também renunciaram ao aumento. Por lá, a população havia sido insufladaaseindignarporumpadre,quechegou a ser ameaçado a ter que deixar a paróquia. Os resultados positivos dessas ações pontuais são visíveis, com a população conseguindo frear a gastança incompatível com as atribuições do cargo nessas pequenas cidades. Mas há ainda uma consequência ainda mais valiosa: a politização dos moradores, que agora se comprometem a fiscalizar mais de perto a atuação de seus representantes. Mesmo sabendo que haveráderrotaspelocaminho,osexemplosdos cidadãos dessas cidades mostram que a indignação pode valer a pena.

Tratamento desigual EU DIGO QUE...

“Na corrupção há dois criminosos. Aquele que paga e o que recebe” — Sérgio Moro Juiz federal que conduz as ações da Operação Lava Jato, durante evento com advogados em São Paulo

“Sempre foi uma ambição voltar ao Flamengo e escrever finalmente uma história vitoriosa” — Oswaldo de Oliveira Treinador de futebol, ao ser apresentado como novo comandante do Flamengo, 12 anos após 1ª passagem pelo clube

Recentemente, o STF suspendeu um processo da Justiça Militar da União em que um morador do Complexo da Maré é acusado de desacatar um sargento do Exército em operação de “pacificação”. Até então o tribunal constitucional vinha reconhecendo a competência da Justiça Militar para o julgamento de civis em algumas circunstâncias, dentre as quais essa, em que o suposto crime se dá contra membro das Forças Armadas em exercício de função com poder de polícia. A questão foi denominada “militarização da Justiça” por juristas e entidades de defesa dos Direitos Humanos, os quais esperam tenha um ponto final posto pelo Supremo, por meio do julgamento de causas individuais, como a mencionada, e do julgamento da ADPF 289, que, se favorável, sepultaria essa prática rejeitada pela ONU e pela CIDH, dentre outros organismos internacionais. Nesse contexto foi lançado um manifesto pela ONG Meu Rio, em parceria com o Movimento Direito Para Quem, no qual juristas defendem a incompatibilidade da submissão de civis a essa justiça especializada, regida pelos princípios da hierarquia e da disciplina, com os princípios constitucionais que afetam os jul-

gamentos criminais de forma geral. É ressaltado que a Justiça Militar é pautada por decretos baseados nos atos institucionais da ditadura militar e que sua composição é de maioria de oficiais da ativa e não de juízes togados, o que violaria, inclusive, a independência dos poderes, uma vez que os julgadores-militares estão submetidos ao mesmo tempo ao Executivo e ao Judiciário. É de se recordar, ainda, que nas infrações de menor potencial ofensivo levadas ao juízo militar é cabível prisão em flagrante e não se aplicam as medidas alternativas previstas na Lei dos Juizados Especiais. Na Justiça comum, ao contrário, não é possível, em regra, manter o réu preso no curso do processo nos crimes com pena máxima de até quatro anos e nos crimes com pena máxima de até dois anos é possível, ainda, a negociação da não aplicação da pena com a aceitação de cumprimento de uma sanção que não gera maus antecedentes. Não se pode admitir um tratamento tão desigual para situações essencialmente idênticas, como na comparação entre o desacato mencionado no início do texto e qualquer outro praticado contra autoridades que não sejam militares das Forças Armadas. Aliás, negar a desmilitarização da Justiça significa também ocultar ainda mais o fato de que por trás de cada processo de desacato há, quase sempre, um abuso de autoridade, como ensina o professor e ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro Nilo Batista.

HÁ 50 ANOS FOTO: PROJETO ACERVO DIGITAL/WWW.AGENCIAAG.COM.BR

Castelo Branco admite debate em torno do parlamentarismo O presidente Castelo Branco procurou, por intermédio das fontes habituais, esclarecer sua posição sobre o mudança de regime. Realçou o presidente que é pessoalmente presidencialista, mas não poderia recusar um debate que visa a encontrar solução compatível com a realidade brasileira para o nosso sistema político. O presidente afirmou que o debate pode levá-lo ao parlamentarismo. A IMAGEM DESTE JORNAL ESTÁ AMPLIADA NA EDIÇÃO DIGITAL DE A GAZETA

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