Trombólise no AVCI agudo em um Hospital da Rede Pública: a experiência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

June 23, 2017 | Autor: Alan Fröhlich | Categoria: Public Health, Revista, Thrombolytic Therapy
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REVISTA NEUROCIÊNCIAS

Editor Chefe / Editor in chief Gilmar Fernandes do Prado, MD, PhD Unifesp, SP Editora Executiva / Executive Editor Luciane Bizari Coin de Carvalho, PhD Unifesp, SP Editor Administrativo / Managing Editor Marco Antonio Cardoso Machado, PhD Unifesp, SP Co-editor / Co-editor José Osmar Cardeal, MD, PhD Unifesp, SP Editores Associados / Associated Editors Alberto Alain Gabbai, MD, PhD, Unifesp, SP Esper Abrão Cavalheiro, MD, PhD, Unifesp, SP Sergio Cavalheiro, MD, PhD, Unifesp, SP

Indexações / Indexations 1. Latindex – Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de américa Latina, el Caribe, España y Portugal, www.latindex.org, desde 2006. 2. Psicodoc, desde 2007.

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Data de efetiva circulação deste número / Actual date of circulation of the present number Setembro de 2007 Publicações da Revista Neurociências 1993, 1: 1 e 2 1994, 2: 1, 2 e 3 1995, 3: 1, 2 e 3 1996, 4: 1, 2 e 3 1997, 5: 1, 2 e 3 1998, 6: 1, 2 e 3 1999, 7: 1, 2 e 3 2000, 8: 1, 2 e 3 2001, 9: 1, 2 e 3 2002, 10: 1, 2 e 3 2003, 11: 1 2004, 12: 1, 2 , 3 e 4 2005, 13: 1, 2, 3, 4 e suplemento (versão eletrônica exclusiva) 2006, 14: 1, 2, 3, 4 e suplemento (versão eletrônica exclusiva) 2007, 15: 1, 2, 3 -

Revista Neurociências — vol 15, n.3 (2007) — São Paulo: Grámmata Publicações e Edições Ltda, 2004– Quadrimestral até 2003. Trimestral a partir de 2004. ISSN 0104–3579 1. Neurociências;

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Editores Fundadores / Founder Editors José Geraldo de Carmargo Lima, MD, PhD, Unifesp, SP. Editores Científicos / Scientific Editors 1993-1995: José Geraldo de Camargo Lima, MD, PhD, Unifesp, SP. 1996-1997: Luiz Augusto Franco de Andrade, MD, PhD, Unifesp, SP e Dr. Eliova Zukerman, MD, PhD, Unifesp, SP 1998-2003: José Osmar Cardeal, MD, PhD, Unifesp, SP 2004- : Gilmar Fernandes do Prado, MD, PhD, Unifesp, SP Assinaturas / Subscription Revista trimestral, assinatura anual. Preços e informações disponíveis em http://www.revistaneurociencias.com.br Fone/fax: (11) 3487-9532 Versão online dos artigos completos / Version of the complete articles http://www.revistaneurociencias.com.br Correspondências / Letters Todas as correspondências devem ser encaminhadas ao Editor Chefe da Revista Neurociências A/C Gilmar Fernandes do Prado – Rua Claudio Rossi 394, Jd. da Glória, São Paulo-SP, CEP 01547-000. Fone/fax: (11) 3487-9532 E-mail: [email protected] http://www.revistaneurociencias.com.br Tiragem / Circulation 3.000 exemplares Editoração, Publicação / Editorial, Publication Grámmata Publicações e Edições Ltda. [email protected] http://www.grammata.com.br Jornalista Responsável / Journalist in Charge Fausto Piedade, Mtb 12.375 Entidade Mantenedora / Financial Support Associação Neuro-Sono Revisão técnica / Technical review Revista Neurociências – Corpo Editorial Apoio / Sponsorship Associação Neuro-Sono, UNIFESP A Revista Neurociências (ISSN 0104-3579) é um periódico com volumes anuais e números trimestrais, publicados em março, junho, setembro e dezembro. É o Jornal Oficial do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da UNIFESP e foi fundada em 1993 pelo Prof. Dr. José Geraldo de Camargo Lima; tem como Editor Chefe o Prof. Dr. Gilmar Fernandes do Prado, desde 2004, e é administrada pela Associação Neuro-Sono. Publica artigos de interesse científico e tecnológico, voltada à Neurologia e às ciências afins, realizados por profissionais dessas áreas, resultantes de estudos clínicos ou com ênfase em temas de cunho prático, específicos ou interdisciplinares. Todos os artigos são revisados por pares (peer review) e pelo Corpo Editorial. Os artigos aprovados são publicados na versão impressa em papel e na versão eletrônica. A linha editorial da revista publica preferencialmente artigos de pesquisas originais (inclusive Revisões Sistemáticas), mas também são aceitos para publicação artigos de Revisão de Literatura, Atualização, Relato de Caso, Resenha, Ensaio, Texto de Opinião e Carta ao Editor, desde que aprovado pelo Corpo Editorial. Trabalhos apresentados em Congressos ou Reuniões Científicas de áreas afins poderão constituir-se de anais em números ou suplementos especiais da Revista Neurociências.

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Editor Chefe / Editor in Chief Gilmar F Prado, MD, PhD, Unifesp, SP Editora Executiva / Executive Editor Luciane BC Carvalho, PhD, Unifesp, SP Editor Administrativo / Manager Editor Marco AC Machado, SSD, PhD, Unifesp, SP Co-Editor / Co-Editor José O Cardeal, MD, PhD, Unifesp, SP Editores Associados / Associate Editors Alberto A Gabbai, MD, PhD, Unifesp, SP Esper A Cavalheiro, MD, PhD, Unifesp, SP Sergio Cavalheiro, MD, PhD, Unifesp, SP Corpo Editorial / Editorial Board Desordens do Movimento / Movement Disorders Henrique B Ferraz, MD, PhD, Unifesp, SP Francisco Cardoso, MD, PhD, UFMG, MG Sônia MCA Silva, MD, PhD, HSPE, SP Egberto R Barbosa, MD, PhD, FMUSP, SP Maria SG Rocha, MD, PhD, CSSM, SP Vanderci Borges, MD, PhD, Unifesp, SP Roberto CP Prado, MD, PhD, UFC-CE/ UFS-SE Epilepsia / Epilepsy Elza MT Yacubian, MD, PhD, Unifesp, SP Américo C Sakamoto, MD, PhD, Unifesp, SP Carlos JR Campos, MD, PhD, Unifesp, SP Luiz OSF Caboclo, MD, PhD, Unifesp, SP Alexandre V Silva, MD, PhD, Unifesp, SP Margareth R Priel, MD, PhD, CUSC, Unifesp, SP Henrique Carrete Jr, MD, PhD, IAMSP, SP Neurofisilogia/Neurophysiology João AM Nóbrega, MD, PhD, Unifesp, SP Nádia IO Braga, MD, PhD, Unifesp, SP José F Leopoldino, MD, UFS, SE José MG Yacozzill, MD, USP Ribeirão Preto, SP Francisco JC Luccas, MD, HSC, SP Gilberto M Manzano, MD, PhD, Unifesp, SP Carmelinda C Campos, MD, PhD, Unifesp, SP Reabilitação / Rehabilitation Sissy V Fontes, PhD, UMESP, SP

Jefferson R Cardoso, PhD, UFPR, PR Márcia CB Cunha, PhD, UNIB, SP Ana LML Chiappetta, PhD, Unifesp, SP Carla G Matas, PhD, USP, SP Fátima A Shelton, MD, PhD, UOCH, USA Luci F Teixeira-Salmela, PhD, UFMG, MG Fátima VRP Goulart, PhD, UFMG, MG Patricia Driusso, PhD, UFSCar, SP Distúrbios do Sono / Sleep Disorders Lucila BF Prado, MD, PhD, Unifesp, SP Maria Ligia Juliano, SSD, Unifesp, SP Flávio Aloe, MD, USP, SP Stela Tavares, MD, HIAE, SP Dalva Poyares MD, PhD, Unifesp, SP Ademir B Silva, MD, PhD, Unifesp, SP Alice H Masuko, MD, Unifesp, SP Maria Carmen Viana, MD, PhD, EMESCAM, ES Virna G Teixeira, MD, PhD, FMUSP, SP Geraldo Rizzo, MD, HMV, RS Rosana C Alves, MD, PhD, USP, SP Robert Skomro, MD, FRPC, Canadá Sílvio Francisco, MD, Unifesp, SP Doenças Cerebrovasculares/ Cerebrovascular Disease Ayrton Massaro, MD, PhD, Unifesp, SP Aroldo Bacelar, MD, PhD, UFBA, BA Alexandre Longo, MD, PhD, UNIVILLE, SC Carla HC Moro, MD, PhD, UNIVILLE, SC Cesar Raffin, MD, PhD, UNESP, SP Charles Andre, MD, PhD, UFRJ, RJ Gabriel Freitas, MD, PhD, UFRJ, RJ Jamary Oliveira Filho, MD, PhD, UFBA, BA Jefferson G Fernandes, MD, PhD, RS Jorge AK Noujain, MD, PhD, RJ Márcia M Fukujima, MD, PhD, Unifesp, SP Mauricio Friedrish, MD, PhD, RS Rubens J Gagliardi, MD, PhD, SP Soraia RC Fabio, MD, PhD, USP Ribeirão Preto, SP Viviane HF Zétola, MD, PhD, UFPR, PR Oncologia / Oncology Suzana MF Mallheiros, MD, PhD, Unifesp, SP Carlos Carlotti Jr, MD, PhD, FMUSP, SP Fernando AP Ferraz, MD, PhD, Unifesp, SP Guilherme C Ribas, MD, PhD, Unicamp, SP João N Stavale, MD, PhD, Unifesp, SP

Beatriz H Kyomoto, MD, PhD, Unifesp, SP Célia H Tengan, MD, PhD, Unifesp, SP Maria JS Fernandes, PhD, Unifesp, SP Mariz Vainzof, PhD, USP, SP Iscia L Cendes, PhD, Unicamp, SP Débora A Scerni, PhD, Unifesp, SP João P Leite, MD, PhD, USP Ribeirão Preto, SP Luiz EAM Mello, MD, PhD, Unifesp, SP Líquidos Cerebroespinhal / Cerebrospinal Fluid João B Reis Filho, MD, PhD, FMUSP, SP Leopoldo A Pires, MD, PhD, UFJF, MG Sandro LA Matas, MD, PhD, UNIBAN, SP José EP Silva, PhD, UF Santa Maria, RS Ana Maria Souza, PhD, USP Ribeirão Preto, SP Neurologia do Comportamento / Behavioral Neurology Paulo HF Bertolucci, MD, PhD, Unifesp, SP Ivan Okamoto, MD, PhD, Unifesp, SP Thais Minetti, MD, PhD, Unifesp, SP Rodrigo Schultz, MD, PhD, UNISA, SP Sônia D Brucki, MD, PhD, FMUSP, SP Neurocirurgia / Neurosurgery Mirto N Prandini, MD, PhD, Unifesp, SP Antonio PF Bonatelli, MD, PhD, Unifesp, SP Oswaldo I Tella Júnior, MD, PhD, Unifesp, SP Orestes P Lanzoni, MD, Unifesp, SP Ítalo C Suriano, MD, Unifesp, SP Samuel T Zymberg, MD, Unifesp, SP Neuroimunologia / Neuroimmunology Enedina M Lobato, MD, PhD, Unifesp, SP Nilton A Souza, MD, Unifesp, SP Dor, Cefaléia e Funções Autonômicas / Pain, Headache, and Autonomic Function Deusvenir S Carvalho, MD, PhD, Unifesp, SP Angelo AV Paola, MD, PhD, Unifesp, SP Fátima D Cintra, MD, Unifesp, SP Paulo H Monzillo, MD, HSCM, SP José C Marino, MD, Unifesp, SP Marcelo K Hisatugo, MD, Unifesp, SP

Doenças Neuromusculares / Neuromuscular disease Acary SB Oliveira, MD, PhD, Unifesp, SP Edimar Zanoteli, MD, PhD, Unifesp, SP Helga CA Silva, MD, PhD, Unifesp, SP Leandro C Calia, MD, PhD, Unifesp, SP Luciana S Moura, MD, PhD, Unifesp, SP

Interdisciplinaridade e história da Neurociência / Interdisciplinarity and History of Neuroscience Afonso C Neves, MD, PhD, Unifesp, SP João EC Carvalho, PhD, UNIP, SP Flávio RB Marques, MD, INCOR, SP Vinícius F Blum, MD, Unifesp, SP Rubens Baptista Jr, MD, UNICAMP, SP Márcia RB Silva, PhD, Unifesp, SP Eleida P Camargo, FOC, SP Dante MC Gallian, PhD, Unifesp, SP

Laboratório e Neurociência Básica / Laboratory and Basic Neuroscience Maria GN Mazzacoratti, PhD, Unifesp, SP

Neuropediatria / Neuropediatrics Luiz CP Vilanova, MD, PhD, Unifesp, SP Marcelo Gomes, SP

Os pontos de vista, as visões e as opiniões políticas aqui emitidas, tanto pelos autores quanto pelos anunciantes, são de responsabilidade única e exclusiva de seus proponentes.

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índice

Revista Neurociências 2007 volume 15, número 3 editoriais Fadiga na Esclerose Múltipla Maria Fernanda Mendes

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Trombólise no AVCI agudo em um Hospital da Rede Pública: a experiência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Rubens José Gagliardi

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originais Os efeitos da acupuntura no tratamento da insônia: revisão sistemática The effects of acupuncture on insomnia treatment: systematic review Reginaldo Carvalho da Silva Filho, Gilmar Fernandes do Prado

183

Avaliação de diferentes pacientes neurológicos por meio do Teste de Functional Reach Neurological patients evaluated with the Functional Reach Test Camila Torriani, Eliane Pires de Oliveira Mota, Claudia Regina Sieburth, Danielle Arcanjo Barcelos, Maurycio La Scala, Paloma Pereira Gregoraci, Théo A. Costa, Thatiana C. Baldini Luiz, Juliana L. Hayashi

190

Reabilitação por meio da dança: uma proposta fisioterapêutica em pacientes com seqüela de AVC Rehabilitation through dance: a physical therapeutic proposal to patients with stroke sequel Suleima Ramos Calil, Talimãn Aparecida Bertelli Pinheiro dos Santos, Douglas Martins Braga, Rita Helena Duarte Dias Labronici

195

Atividade física em grupo melhora o sono de idosas sedentárias Physical activity in group improves sleep in sedentary elder women Laiz Helena de Castro Toledo Guimarães, Mitchelly Dehone Lima, Juliana Aparecida de Souza

203

Possível associação entre a fadiga física e o grau de força dos músculos respiratórios na Esclerose Múltipla Possible association between physical fatigue and strength of respiratory muscles in Multiple Sclerosis Fabrício Rapello Araújo, Fabíola Rebouças, Yára Dadalti Fragoso

207

Análise do esquema e imagem corporal em pacientes com esclerose lateral amiotrófica Analysis of body image and scheme in patients with amyotrophic lateral sclerosis Cíntia Citelli de França, Vanessa Rodrigues de Queiroz, Letícia Moraes de Aquino, Sonia Maria Pereira

211

Trombólise no AVCI agudo em um Hospital da Rede Pública: a experiência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Thrombolysis for acute ischemic stroke in a Public Hospital: the experience of Porto Alegre Clinical Hospital Sheila Cristina Ouriques Martins, Rosane Brondani, Alan Christmann Frohlich, Raphael Machado Castilhos, Cleber Camilo Dallalba, Jéssica Brugnera Mesquita, Márcia Lorena Fagundes Chaves, Luiz Antonio Nasi

219

revisões Lesões nervosas periféricas: uma revisão Peripheral nerve injury: a review Rinaldo Siqueira

226

Escalas clínicas e funcionais no gerenciamento de indivíduos com Lesões Traumáticas da Medula Espinhal Functional and clinical scales in management of individuals with Traumatic Injuries of Spinal Cord Marco Antonio Orsini Neves, Mariana Pimentel de Mello, Reny de Souza Antonioli, Marcos R.G de Freitas

234

Metástases na coluna vertebral Spinal metastases Andrei Fernandes Joaquim, Francisco Alexandre de Paula Maturana, Diogo Valli Anderle, Hélder José Lessa Zambelli, Marcos Vinícius Calfat Maldaun

240

relatos de caso Uso de Rosuvastatina em Esclerose Múltipla Use of Rosuvastatin in Multiple Sclerosis Marcela Ramos de Oliveira, Diogo Fernandes dos Santos, Sheila Bernardino Fenelon, Nilson Penha-Silva

246

Doença de Hirayama: relato de caso e atualização Hirayama disease: case report and update Marco Antonio Orsini Neves, Reny de Souza Antonioli, Marcos RG de Freitas

251

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editorial

Fadiga na Esclerose Múltipla A fadiga é um sintoma inespecífico, encontrado com freqüência na população. Acompanha diversas doenças, podendo ocorrer também nos indivíduos sadios. É bem conhecida sua associação com fenômenos neoplásicos, auto-imunes, inflamatórios e infecciosos, assim como a influência causada por outros sintomas, como dor, distúrbios do sono, alterações do humor e distúrbios cognitivos. Nos pacientes com doenças neurológicas, a fadiga é diferente daquela relatada por outros doentes, levando a um maior impacto na vida diária. Na Esclerose Múltipla (EM), a fadiga é um sintoma freqüente, que acomete aproximadamente 75% dos pacientes. Está entre as duas maiores causas de desemprego entre os portadores de EM, porém é ainda muito pouco compreendida. Vários estudos vêm sendo realizados visando elucidar melhor os diversos aspectos desse sintoma, sendo difícil compará-los em função das diversas metodologias e definições utilizadas. Nos portadores de EM, a fadiga não é um sintoma homogêneo, sendo freqüentemente confundida com depressão ou fraqueza muscular. Uma das maiores dificuldades é estabelecer o que significa fadiga para os pacientes, cuidadores, médicos e pesquisadores. É um conceito complexo e multidimensional, com repercussão física, emocional, cognitiva e social. O termo fadiga é utilizado para descrever qualquer fenômeno de declínio de função, medido por diversas variáveis fisiológicas, como duração, freqüência, intensidade, excitabilidade, entre outras. Podemos, desta forma, nos referir à fadiga muscular, visual, auditiva, de receptor, não sendo possível comparar as informações obtidas. Ela pode ser entendida como um fenômeno subjetivo ou um sintoma referido pelos pacientes ou como um sintoma objetivo, com sinais mensuráveis. Outros a compreendem dentro de um contexto psicológico, associada ao estresse, depressão ou ansiedade, sendo secundária a uma menor motivação. Em qualquer situação pode ser considerado um fenômeno fisiológico, porém, quando ocorre desproporção entre o esforço realizado e a sensação referida ou medida, será considerada anormal. Nos pacientes com EM, a fadiga é definida como “uma sensação subjetiva de perda de energia física e/ou mental, que é percebida pelo paciente ou por seus familiares, e interfere com a vontade e com as atividades diárias”, sendo denominada fadiga primária da esclerose múltipla. É um sintoma freqüente, de grande intensidade, associado a um grau de incapacidade persistente, podendo inclusive agravar os demais sintomas da doença. Ela pode ocorrer isoladamente, assim como os surtos da doença, ou estar associada a eles, podendo estar presente mesmo com graus mínimos de incapacidade No Brasil, estudo realizado em 95 pacientes com a forma remitente-recorrente da EM, a fadiga foi observada em 67,4% dos pacientes, embora ela tenha sido observada em até 87% dos pacientes quando avaliadas também as formas progressivas da doença. A idade, o sexo e o tempo de doença são fatores que não influenciam no aparecimento desse sintoma, embora possam estar relacionados à sua intensidade1. Nos nossos estudos1-3, a incapacidade funcional não se mostrou um determinante para o aparecimento da fadiga, porém os pacientes com fadiga mais intensa apresentavam maior incapacidade funcional e maior acometimento do sistema piramidal, cerebelar e vesical que naqueles sem fadiga. Esse dado nos fez sugerir que, nos pacientes com maior incapacidade física, a fadiga muscular assume papel importante na patogênese deste sintoma. No relato de Araújo, Rebouças e Fragoso, a maior intensidade da fadiga física correlacionou-se com menor idade e incapacidade, sendo postulada uma maior demanda energética por parte desses pacientes. Esse aparente desacordo nos achados apenas nos remete à questão central relacionada à sua avaliação: a dificuldade para mensurá-la. Enquanto alguns instrumentos avaliam a sua intensidade, outros avaliam as causas que determinaram o seu aparecimento, ou o efeito na vida diária, cabendo lembrar que as escalas utilizadas, embora necessárias em estudos científicos, nem sempre são o melhor método de avaliação na prática clínica. A complexidade de fatores relacionada à avaliação e tratamento da fadiga é ilustrada pelo número de decisões que devem ser tomadas em protocolos de estudo. Na abordagem global da fadiga, devemos considerar, além dos aspectos fisiológicos e psicossociais, os aspectos culturais e comportamentais, únicos para cada indivíduo, e com interferência direta nas suas conseqüências e, desta forma, na sua qualidade de vida. Ela deverá incluir a mensuração da fadiga, o desconforto e o impacto na vida diária, e principalmente os fatores associados a este sintoma, como espasticidade, dor, distúrbios do sono ou depressão. Existem ainda diversos parâmetros biológicos que podem estar envolvidos no seu aparecimento ou exacerbação. Os distúrbios da tireóide, as infecções, anemia, entre outros, são contemplados dentro desses protocolos, porém fatores relacionados à própria doença geralmente não são considerados. Existem poucos estudos brasileiros que avaliam estes fatores. Pavan et al.4 observaram que a fatigabilidade e o tempo de recuperação ao exercício isométrico são semelhantes nos pacientes com EM e nos indivíduos normais. Lebre et al.5 observaram que, na presença de fadiga, há uma maior incapacidade em elevar a pressão arterial durante o exercício físico, não sendo possível concluir se essas alterações foram secundárias a alterações no metabolismo celular ou a uma alteração das vias autonômicas simpáticas. Os autores, ao avaliar a força respiratória dos pacientes com EM e fadiga, observaram valores abaixo da normalidade na pressão inspiratória e expiratória máximas, correlacionando a fadiga física a alterações de força nos músculos respiratórios. Eles sugerem que, em algumas situações, a fadiga referida seja causada pela fadiga física. O estudo de Araújo, Rebouças e Fragoso, sugerindo redução da força dos músculos respiratórios, abre uma importante possibilidade de intervenção clínica, a qual deverá ser futuramente testada em ensaios clínicos randomizados. O conjunto desses achados nos remete a uma outra abordagem deste sintoma, que não a medicamentosa. Eles sugerem que, em algumas situações, a melhora do condicionamento físico possivelmente será acompanhada pela melhora da fadiga referida pelos pacientes com EM. As escalas utilizadas, embora necessárias em estudos científicos, nem sempre são o melhor método de avaliação na prática clínica. Antes de instituir a terapêutica para a fadiga, é necessário identificar corretamente a forma de fadiga apresentada pelo paciente, a sua principal manifestação e os fatores desencadeantes ou agravantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Mendes MF. Avaliação Neuropsicológica na Esclerose Múltipla: Interferência na Fadiga e principais correlações. Tese de Doutoramento. UNIFESP, 2001. 2. Mendes MF, Tilbery CP, Balsimelli S, Felipe E, Moreira MA, Cruz AMB. Fadiga na forma remitente recorrente da esclerose múltipla. Arq Neuropsiquiatr 2000;58(2b):471-5. 3. Mendes MF, Tilbery CP, Felipe E. Fadiga e esclerose múltipla: Estudo preliminar de 15 casos através de escalas de auto avaliação. Arq Neuropsiquiatr 2000;58(2b):467-70. 4. Pavan K, Schimidt K, Ariça TA, Mendes MF, Tilbery CP, Lianza S. Avaliação da Fatigabilidade em pacientes com esclerose múltipla através do dinamômetro manual. Arq Neuropsiquiatr 2006;64(2-A):283-6. 5. Lebre AT, Mendes MF, Tilbery CP, Almeida AL, Scatolini-Neto A. Relação entre fadiga e distúrbios autonômicos na Esclerose Múltipla. Arq Neuropsiquiatr 2007;65:663-8.

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Maria Fernanda Mendes Professora Doutora Assistente da Disciplina de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

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editorial

Trombólise no AVCI agudo em um Hospital da Rede Pública: a experiência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre O tratamento do acidente vascular cerebral (AVC), após a aprovação do emprego do rt-PA pelo FDA (Food and Drug Administation) em 1996, ganhou novo enfoque, e maiores cuidados específicos têm sido administrados. A possibilidade de redução da morbimortalidade dessa temível doença é entusiasmente e tem sido a tônica mundial nos últimos anos. O tratamento da fase aguda do AVC é imperativo e muda o curso da doença, com conseqüente redução das suas sérias complicações. O AVC deve ser visto como uma urgência neurológica, e nesta fase várias medidas e procedimentos são de fundamental importância1,2. Entre essas possibilidades está o uso do trombolítico, bem enfocado neste estudo. O presente trabalho, de Martins e colaboradores, é bastante interessante e útil, tanto por mais uma vez chamar a atenção para o problema do tratamento da fase aguda do AVC, como por mostrar resultados otimistas e principalmente por apresentar um modelo de aplicabilidade do tratamento. Sabidamente esse tratamento é de risco, requer equipe especializada bem treinada e estrutura hospitalar adequada. Caso seja mal aplicado, complicações graves (hemorragia cerebral, morte) podem advir, superpondo-se aos possíveis benefícios. Este estudo mostra um caminho que possibilita atingir essas metas e que poderá ser adotado por outros serviços. A taxa de elegibilidade que os autores conseguiram (15%) é muito boa, acima das médias internacionais. Isso seguramente se deve à boa organização do serviço, à capacidade de trabalho dos seus membros, estrutura hospitalar e facilidade de acesso ao pronto socorro. Contribuem para esses resultados as campanhas que têm sido feitas, como as organizadas pela Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares (SBDCV) e a Academia Brasileira de Neurologia (ANB), por exemplo o “Dia do AVC”, que auxiliam nestas metas. Orientam a população leiga para aprender como detectar precocemente um AVC e como agir para melhor eficácia do tratamento, além de como prevenir essa doença. É importante ressaltar estes trabalhos da SBDCV e da ABN. Os autores retratam bem a realidade nacional em uma população com limitado ou moderado recurso econômico e cultural, onde os cuidados preventivos não são adequados. É sempre oportuno ressaltar a importância da prevenção na abordagem do AVC, com o que se consegue reduzir drasticamente as taxas de sua incidência e prevalência. Os autores fazem muito bem em enfatizar a importância de protocolos específicos padronizados e equipes bem treinadas. Esta é uma tendência geral e todos os serviços devem ter os seus. São chaves fundamentais para o bom atendimento, pois agilizam o tratamento e aprimoram os cuidados, além de permitirem a formação de um banco de dados de grande significado para a constante revisão dos resultados. É feita menção, neste trabalho, que o protocolo para trombólise segue as recomendações da Americam Stroke Association, sem dúvida uma das mais abalizadas entidades internacionais que se definem a esse respeito. Deve, entretanto, ser mencionado que, em nosso meio, por iniciativa e esforço da SBDCV/ABN, foram até o momento realizados dois Consensos nacionais e uma reunião de “Opinião Nacional”, que analisaram esse assunto, definiram regras, estabeleceram conceitos e foram divulgados através de publicações específicas1-3. Trazem grande contribuição para a orientação de protocolos, formação de equipes, estruturação hospitalar e para o tratamento específico. A possibilidade de prescrição dos trombolíticos tem sido constantemente revista, com finalidade de se melhorar os resultados e reduzir as complicações. Provavelmente venha, em futuro próximo, a ser melhor definida quanto às situações clínicas específicas com indicações específicas que poderão envolver diferentes tempos limites para a aplicação, doses e vias de acesso, ampliando o leque de aplicabilidade com segurança4.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Galiardi RJ, Raffin CN, Fabio SRC e demais participantes do Consenso da SBDCV. Primeiro Consenso Brasileiro do Tratamento da Fase Aguda do Acidente Vascular Cerebral. Arq Neuropsiquiatr 2001;59:972-80. 2. Raffin CN, Gagliardi RJ, Massaro AR, Fernandes JG, Bacellar A, Fábio SRCF e demais participantes do Consenso da SBDCV. I0 Consenso Brasileiro de Trombólise no Acidente Vascular Cerebral. Arq Neuropsiquiatr 2002;60:675-80. 3. Raffin CN, Fernandes FG, Evaristo EF, Siqueira-Neto JI, Friedrich M, Puglia P, et al. Revascularização clínica e intervencionista no acidente vascular cerebral isquêmico agudo: Opinião Nacional. Arq Neuropsiquiatr 2006;64:342-8. 4. Keyzer JD, Gdovinová Z, Uyttenboogaart M, Vroomen PC, Luijckx GJ. Intravenous alteplase for stroke. Beyond the guidelines and in particular clinical situations. Stroke 2007;38:2612-8.

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Rubens José Gagliardi Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo Presidente da Associação Paulista de Neurologia

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original

Os efeitos da acupuntura no tratamento da insônia: revisão sistemática The effects of acupuncture on insomnia treatment: systematic review

Reginaldo Carvalho da Silva Filho1, Gilmar Fernandes do Prado2 RESUMO

SUMMARY

Introdução. A insônia é uma queixa muito comum e a acupuntura tem sido empregada em seu tratamento por milhares de anos, porém até o momento não dispomos de estudos científicos com evidências que comprovem sua eficácia. Objetivo. Identificar estudos clínicos de valor científico sobre os efeitos da acupuntura no tratamento da insônia. Método. Revisão sistemática com busca de artigos nas bases de dados: MEDLINE, Cochrane Library, BioMed Central, BMC Complementary and Alternative Medicine, SciELO, LILACS, ACUBRIEFS e Library of Shandong Unviersity of Traditional Chinese Medicine. Foram utilizadas as palavras chaves “ACUPUNTURA”, “AURICULAR” e “INSÔNIA”, em inglês, espanhol e francês. Foram incluídos ensaios clínicos, estudos ou séries de casos; com objetivo principal a avaliação do uso da acupuntura no tratamento da insônia; com desfecho a melhora, piora ou manutenção da insônia. Foram excluídos artigos sobre queixa diferente da insônia mesmo que relatasse alteração nesta queixa. Resultados. Foram encontrados 180 artigos, 31 preencheram os critérios de inclusão. Um total de 3574 pacientes foram analisados, 1359 participaram de dos 11 estudos controlados. Os resultados nos grupos de acupuntura e controle, apareceram respectivamente em 412 (57,46%) e 141 (21,96%) para cura, 264 (36,82%) e 232 (36,14%) para melhora e 41 (5,72%) e 269 (41,90%) para falha. Conclusão. Os resultados encontrados sugerem que a acupuntura pode ser uma intervenção eficaz para insones, no entanto trabalhos com melhores e mais rigorosos métodos, como ensaios clínicos randomizados, controlados, simples-cego, e com amostras maiores devem ser realizados para determinar melhor a eficácia da acupuntura no tratamento da insônia.

Introduction. Insomnia is very common complaint and acupuncture has been used for its treatment for thousands of years, however until now there are no scientific studies following the principles of the Evidence Based Medicine, that prove its efficacy. Objective. Identify clinical studies about the effects of acupuncture on the treatment of insomnia. Method. Systematic review with search in data base: MEDLINE, Cochrane Library, BioMed Central, BMC Complementary and Alternative Medicine, SciELO, LILACS, ACUBRIEFS, and Library of Shandong University of Traditional Chinese Medicine. The key words used were “Acupuncture”, “Auricular”, and “Insomnia”, in English, Spanish, and French. Clinical Trials and Case studies were included. The papers main objective were acupunture for treatment of insomnia with outcome of better, worse, or maintenance of insomnia. Results. 180 papers have been found, but only 31 have fulfilled the inclusion criteria. A total of 3,574 patients were included, but only 1,359 have taken part of controlled studies, in a total of 11 studies. The results in the acupuncture and controlled groups appear respectively as 412 (57.46%) e 141 (21.96%) for cure, 264 (36.82%) e 232 (36.14%) for improvement e 41 (5.72%) e 269 (41.90%) for failure. Conclusion. The results suggest that acupuncture can be an efficient intervention for insomniac patients, however researches with better and more rigorous methods, such as randomized clinical trials, controlled, single-blinded and with a larger sample should be conducted in order to better determine the efficacy of acupuncture for the treatment of insomnia.

Unitermos: Acupuntura. Terapia por acupuntura. Insônia. Transtornos do sono.

Keywords: Acupuncture. Acupuncture therapy. Insomnia. Sleep disorders.

Citação: Silva-Filho RC. Os efeitos da acupuntura no tratamento da insônia: revisão sistemática.

Citation: Silva-Filho RC. The effects of acupuncture on insomnia treatment: systematic review.

Trabalho realizado no Setor de Neuro-Sono das Disciplinas de Neurologia e Medicina de Urgências e Baseadas em Evidências da UNIFESP 1. Fisioterapeuta, Doutorando, Setor de Neuro-Sono das Disciplinas de Neurologia e Medicina de Urgências e Baseada em Evidências da UNIFESP, Coordenador Geral do CIEFATO e do CAPCO. 2. Neurologista, Professor Adjunto e Chefe do Setor de Neuro-Sono das Disciplinas de Neurologia e Medicina de Urgências e Baseada em Evidências da UNIFESP.

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Endereço para correspondência: Reginaldo Carvalho da Silva Filho Rua Tié, 94 CEP 03181-033, São Paulo, SP E-mail: [email protected] Recebido em: 25/08/2006 Revisão: 26/08/2006 a 24/01/2007 Aceito em: 26/01/2007 Conflito de interesses: não

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original INTRODUÇÃO Insônia é uma queixa de sono muito comum, sendo descrita pela Sociedade Brasileira de Sono1, como dificuldade em iniciar e/ou manter o sono, presença de sono não reparador, ou seja, insuficiente para manter uma boa qualidade de alerta e bem-estar físico e mental durante o dia, com o comprometimento conseqüente do desempenho nas atividades diurnas. A insônia apresenta uma prevalência de cerca de 30–35% da população1. A insônia pode estar relacionada com uma causa específica: ansiedade, depressão, estresse, dor muscular e/ou articular (artrite, por exemplo), uso de medicamentos, ambiente inadequado (muito barulho, local quente demais, colchão ruim, claridade excessiva) etc. Nos casos em que não se relaciona com um fator causal mais evidente, é tida como insônia primária, aquela sem causa bem definida. Pode ser um quadro passageiro, relacionado com algum fato recente, que geralmente melhora espontaneamente. No ano de 2003, foi publicado o I Consenso Brasileiro de Insônia1, o qual relacionou a freqüência das conseqüências e co-morbidades da insônia com o seu tempo de duração. Na insônia crônica, de longa duração, observam-se mais sintomas cognitivos e alteração do humor, irritabilidade, redução do desempenho acadêmico e profissional, redução da concentração e da memória. Além do que, a insônia e a fadiga aumentam significativamente o risco de acidentes de trabalho, domésticos e de trânsito. Em 2004, Edinger et al2, propuseram novos critérios para o diagnóstico da insônia, apresentando a diferenciação da Insônia Primária, Insônia devido a Distúrbio Mental, Insônia Paradoxal e Insônia Psicofisiológica. Segundo o I Consenso Brasileiro de Insônia1, a abordagem terapêutica desta queixa deve focar em cuidados para o tratamento dos sintomas diurnos, noturnos e a doença de base em si, destacando o tratamento farmacológico, o tratamento não farmacológico e a combinação de ambos. A Medicina Tradicional Chinesa (MTC) possui uma visão bastante peculiar do corpo humano, de todas as suas relações com o meio externo e consigo mesmo3. As doenças são interpretadas como sendo causadas, principalmente, por fatores externos e fatores internos, fatores estes que impedem o funcionamento adequado dos Órgãos e Vísceras (Zang Fu) e a circulação de Qi e de Sangue (Xue) pelo corpo, principalmente através dos Canais e Colaterais (Jing Luo), onde estão localizados os pontos de acupuntura3.

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Os Órgãos e Vísceras (Zang Fu) descritos pela MTC possuem nomes idênticos àqueles da Medicina Moderna Ocidental, no entanto o conceito clássico chinês extrapola a visão anatômica e fisiológica do ocidente, oferecendo a esses Órgãos e Vísceras (Zang Fu), funções, relações e associações importantes do ponto de vista prático para o praticante de MTC e que podem parecer errados e absurdos para praticantes ocidentais4. Desta forma, ao analisar as informações a seguir, os conceitos da MTC estarão identificados sempre em letra maiúscula e seguidos da transliteração, romanização, do ideograma chinês correspondente pelo sistema Pin Yin. Segundo Xu et al5 e Liu6, a insônia, para a MTC, dentre outros fatores causais, está relacionada com excesso de ansiedade e de trabalho prejudicando as funções do Coração (Xin) e do Baço (Pi); interrupção nas funções fisiológicas de coordenação entre o Coração (Xin) e o Rim (Shen); hiperatividade do Yang do Fígado (Gan) devido a uma deficiência do Yin; deficiência do Qi do Coração (Xin) e da Vesícula Biliar (Dan); desordem do Qi do Estômago (Wei), etc. Xie7 e Liu6 citam uma obra clássica Chinesa escrita em 1624, o Jing Yue Quan Shu (Trabalhos Completos de Jing Yue), importante apresentação sistemática sobre as teorias, diagnóstico, métodos de tratamento e discussões clínicas sobre várias doenças. No capítulo dessa obra clássica sobre a insônia, é possível encontrar a seguinte passagem: “... o sono se origina do Yin e é governado pela Mente (Shen). O sono vem de uma Mente (Shen) tranqüila e a insônia vem de uma intranqüilidade da Mente (Shen)...”. Os conceitos clássicos, da MTC, de Yin e Yang representam opostos complementares, de modo que o Yin está associado com frio, quietude, escuridão, repouso, noite, sono, enquanto que o Yang está associado com calor, movimento, claridade, atividade, dia, vigília8. Assim, é possível perceber a relação da insônia, segundo a MTC, com uma falta relativa de Yin, ou seja, uma falta de repouso, noite, sono. Segundo as teorias da MTC, o Coração (Xin) é o responsável, governante, da Mente (Shen), sendo assim é o Órgão (Zang) mais envolvido nos casos de pacientes portadores de insônia e aquele que deve ser tratado direta ou indiretamente. Além disto, pontos que estimulam a Mente (Shen) devem ser sempre considerados nesses pacientes6. A acupuntura e suas variantes, como acupuntura auricular e acupuntura craniana, têm sido empregadas com grande freqüência para o tratamen-

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original to de insônia, por parte dos praticantes de MTC, sendo que diversos estudos recentes sugerem que a acupuntura pode controlar o sistema nervoso autônomo9-14, além de estudos que demonstram que pontos específicos de acupuntura, principalmente aqueles que atuam diretamente no Coração (Xin), têm a capacidade de reduzir as atividades simpáticas15-17. Para o devido tratamento da insônia com acupuntura, diversos autores5,6,9,17 sugerem que a correta Diferenciação de Síndromes é fundamental para boa prática e obtenção dos resultados desejados. Há algumas pequenas divergências na apresentação das Síndromes, no entanto quatro delas são amplamente mencionadas enquanto outras são mencionadas com menor freqüência. Na seqüência abaixo são apresentadas as Síndromes, desde as mais citadas até as menos citadas: • Deficiência do Coração e do Baço (Xin Pi Liang Xu)5,6,18,19; • Hiperatividade do Fogo devido à Deficiência do Yin (Yin Xu Huo Wang)5,6,18,19; • Ascensão do Fogo Excessivo do Fígado (Gan Huo Shang Rao)5,6,18,19; • Desordem do Qi do Estômago (Wei Qi Bu He)5,6,18; • Deficiência do Coração e da Vesícula Biliar (Xin Dan Liang Xu)18,19; • Desarmonia entre o Coração e o Rim (Xin Shen Bu Jiao)17; • Calor Mucosidade agredindo o Coração (Tan Re Xin Rao)19; • Fogo Exuberante do Coração (Xin Huo Sheng)19; O objetivo principal deste trabalho é a verificação dos efeitos da prática da acupuntura como recurso terapêutico para o tratamento de pacientes portadores de insônia. Como objetivo secundário, este trabalho visa comparar, quando possível, a acupuntura com outros recursos terapêuticos empregados nos estudos analisados. MÉTODO Para realização deste estudo, foi empregado o método de revisão sistemática da literatura, com objetivo principal de identificar os efeitos da acupuntura no tratamento da insônia, tendo sido realizado nas dependências do CIEFATO — Centro Internacional de Estudos de Fisioterapia, Acupuntura e Terapias Orientais/EBRAMEC — Escola Brasileira de Medicina Chinesa.

185

Para a realização das buscas dos artigos científicos, conduzida entre Abril e Outubro de 2005, foram utilizadas diversas bases de dados, com destaque para o sistema MEDLINE; a Cochrane Library, BioMed Central; BMC Complementary and Alternative Medicine; SciELO (Scientific Electronic Library Online); LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde); ACUBRIEFS; além de artigos enviados diretamente da China através de busca realizada na Shandong University of Traditional Chinese Medicine. Neste trabalho foram realizadas buscas de artigos científicos com a utilização das seguintes palavras-chaves: “ACUPUNTURA”, “AURICULAR” e “INSÔNIA”, com suas variantes em inglês, espanhol e francês. Para a inclusão dos artigos científicos neste estudo, os mesmos deveriam possuir um caráter experimental, seja ensaio clínico, seja estudo ou série de casos; ter como objetivo principal a avaliação do uso da acupuntura no tratamento da insônia; terem sido publicados entre 1975 e 2005, tendo como principal desfecho a melhora, piora ou manutenção da insônia. O principal critério de exclusão era o fato de o artigo apresentar o tratamento de uma queixa diferente da insônia e, mesmo assim, relatar alguma possível alteração nessa queixa. Para cada um dos artigos científicos analisados, alguns dados relevantes foram analisados e verificados pelo investigador principal. Dentre os dados analisados, destacam-se o nome da revista científica onde o artigo foi publicado; o ano da publicação; o tamanho total da amostra; número de homens e mulheres nas amostras estudadas; presença ou não de grupo controle ou comparação; método de tratamento; resultados terapêuticos. Vale dizer que nem todos os artigos científicos incluídos neste estudo ofereceram a descrição de todos os dados de interesse a serem analisados. RESULTADOS Cento e oitenta artigos científicos foram encontrados mediante as buscas realizadas, no entanto apenas trinta e um preencheram os três critérios de inclusão, já descritos, sendo que a maioria dos artigos foi excluída por não apresentar a acupuntura no tratamento de insônia como objetivo principal do artigo, por não ser estudo experimental e por apresentar-se em repetição. Com relação à revista científica onde os artigos científicos foram publicados, ficou evidenciado

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original que estes se concentravam em duas revistas, Journal of Traditional Chinese Medicine (08/31 = 25,8%) e Shanghai Journal of Acupuncture and Moxibustion (09/31 = 29%), sendo ambas revistas publicadas na China, em idiomas inglês e chinês. Com relação ao ano de publicação, os artigos científicos foram publicados, em sua grande maioria (58%), após o ano 2000, variando desde o ano de 1977 até 2005. Quanto aos tamanhos de amostras dos artigos científicos, houve uma grande variação, tendo sido encontrados artigos científicos que apresentavam desde uma amostra de apenas 28 pacientes, em contraste com um artigo que apresentou uma amostra de 291 pacientes. O total de participantes, somando todas as amostras dos artigos científicos pesquisados, foi de 3.574 pacientes, o que ofereceu uma média de 115 pacientes por estudo realizado. E, mesmo que diversos artigos tenham falhado em informar adequadamente a quantidade de homens e mulheres, houve uma quantidade maior de mulheres, nos estudos que ofereceram esse tipo de informação, sendo um total de 1.014 mulheres em relação a apenas 635 homens. No que diz respeito aos métodos e técnicas de tratamento empregadas nos artigos científicos pesquisados, houve grandes variações, desde artigos que empregavam simplesmente a acupuntura tradicional, artigos que empregavam acupuntura auricular, artigos que empregavam técnicas de injeção nos pontos de acupuntura, dentre outras combinações. Quanto aos resultados terapêuticos obtidos pelos pesquisadores, autores dos artigos científicos, revisados neste trabalho, temos que a grande maioria deles adotou um critério bastante simplificado de três categorias: Cura, Melhora e Ineficácia. A cura foi descrita como uma melhora maior que 75% na eficiência do sono sem a utilização de medicamentos. Melhora foi descrita como um aumento de 20% na eficiência do sono sem a utilização de medicamentos. Ineficácia foi descrita como nenhuma melhora evidente. DISCUSSÃO Este trabalho é pioneiro em língua portuguesa em analisar os efeitos da prática da acupuntura e suas variantes no tratamento de pacientes portadores de insônia através de uma revisão sistemática da literatura, somando-se a dois outros trabalhos de revisão publicados em inglês51,52 e um publicado em

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chinês53. Além disso, este é o trabalho que apresenta uma maior quantidade de artigos científicos revisados, trinta e um. Comparando esses artigos de revisão é possível perceber que houve conclusões similares no fato de indicar a acupuntura como um recurso promissor no tratamento da insônia e com a necessidade da realização de estudos com método mais adequado. Além dos artigos revisados na elaboração deste trabalho, outros artigos foram analisados, com destaque para um que demonstrou que análises das urinas de 18 pacientes apresentaram aumento da produção de melatonina durante a noite, diminuição de sua produção durante a manhã e à tarde, refletindo uma normalização da secreção de melatonina54. Os autores desse mesmo trabalho concluíram que a acupuntura pode ser de grande valia para o tratamento da insônia, principalmente em pacientes ansiosos. Mediante esta análise, é possível iniciar uma inferência sobre os mecanismos de ação pelos quais a acupuntura auxilia os portadores de insônia, regulando e melhorando a secreção de melatonina. Um outro interessante trabalho, publicado por Lin em 199555, sugere que os mecanismos de ação da acupuntura no tratamento de insones são similares àqueles pelos quais a acupuntura obtém efeitos analgésicos e que já foram amplamente estudados, principalmente pelo sistema endógeno de opióides, reduzindo o estresse e a ansiedade, culminando com uma melhora no sono do paciente. Este estudo não aplicou acupuntura em pacientes, mas apresentou uma sugestão teórica para os mecanismos pelos quais a acupuntura poderia atuar na insônia. Do ponto de vista da MTC, foi possível perceber que os trabalhos empregaram, em sua grande maioria, o critério de Diferenciação de Síndromes, de modo a enfatizar a regularização da Mente (Shen) através do tratamento direto ou indireto do Coração (Xin), que de acordo com a terminologia da MTC é o responsável pelas atividades mentais e emocionais. Destacou a utilização de pontos de acupuntura como o C7 (Shenmen), o PC6 (Neiguan), os pontos extras Anmian, cuja tradução significa “sono tranqüilo”, além de pontos auriculares, como Shenmen, Coração, Occipital e Subcórtex. Todos pontos clássicos da acupuntura para o tratamento da insônia, regularizando, acalmando Coração (Xin) e conseqüentemente a Mente (Shen). Do ponto de vista ocidental, temos que o agulhamento do C7 (Shenmen) e do PC6 (Neiguan) parecem enviar sinais nervosos aferentes específicos para

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original Tabela 1. Resultados terapêuticos. Publicação

Grupo

Cura

Melhora

Ineficácia

Total



%



%



%



Ban et al20

injeção em pontos de acupuntura

96

80

15

16

5

4

116

Chen et al21

Acupuntura tradicional

59

47,4

62

50

3

2,6

124

Controle: oryzanol e diazepam

29

23,3

50

50

21

16,7

100

Chen et al22

acupuntura + estazolam

30

75

9

22,5

1

2,5

40

Controle: estazolam

15

37,5

20

50

5

12,5

40

Cui et al23

acupuntura tradicional

24

40

34

46,6

2

3,4

60

Controle: estazolan 1-2mg

14

23,3

38

63,3

8

13,4

60 17

Da Silva et al24

Tratamento: acupuntura tradicional

5

29,4

9

52,9

3

17,7

Controle: não descrito

3

23

3

23

7

54

13

Feng et al25

acupuntura auricular

37

55,2

28

41,8

2

3

67

Gao et al26

acupuntura tradicional

262

90,97

22

7,64

4

1,39

288

Kim et al27

acupuntura intradérmica

Melhora significantemente maior no grupo tratamento que no grupo controle

15

Controle: acupuntura SHAM

15

Lee et al

injeção em pontos auriculares

15

93,75

1

6,25

0

0

16

Li et al29

acupuntura tradicional e auricular

126

84

20

13,33

4

2,67

150

Controle: diazepan e chloral hydrate

15

10

30

20

105

70

150

acupuntura auricular

30

37,5

35

43,75

15

18,75

80

28

Lian et al30 Lin et al31 Liu et al

32

Controle: diazepan 10mg

0

0

11

13,75

69

86,25

80

acupuntura tradicional

35

81,25

6

13,95

2

4,8

43

Controle: observação simples

16

33,33

10

20,83

22

45,84

48

acupuntura e transfixação

35

34,65

54

53,47

12

11,88

101

Tratamento: acupuntura tradicional

20

19,8

56

55,44

25

24,76

101

Lorna et al

acupuntura auricular

10

17

39

65

11

18

60

Piao et al34

acupuntura tradicional e auricular

14

63,64

8

36,36

0

0

22

Ren et al35

acupuntura tradicional e transfixação

54

62,8

32

37,2

0

0

86

Shao et al

acupuntura tradicional e auricular

64

71,11

22

24,25

4

4,44

90

acupuntura tradicional

36

40,44

39

43,83

14

15,73

89

acupuntura auricular

27

31,03

40

45,98

20

22,99

87

Shen et al37

acupuntura auricular e tradicional

150

75

44

22

6

3

200

Shi et al38

acupuntura tradicional

17

60,7

11

39,3

0

0

28

Sui et al39

injeção em pontos de acupuntura

61

46

63

47

9

7

133

33

36

Wang et al40 Wang et al41

injeção em pontos, eletroacupuntura

22

55

17

42,5

1

2,5

40

Controle: medicamento

11

27,5

20

50

9

22,5

40

acupuntura tradicional

25

73,5

8

23,5

1

3

34

Controle: diazepam

12

40

13

43,3

5

16,7

30

Insônia: acupuntura auricular

23

57,5

11

27,5

6

15

40

Sonolência: acupuntura auricular

16

80

4

20

0

0

20

eletroacupuntura e ervas

95

63,34

41

27,28

14

9,38

150

Controle: eletroacupuntura

74

52,86

39

27,79

27

19,35

140

Xie et al44

acupuntura tradicional

73

59

36

29

15

12

124

Wu et al42 Wu et al

43

Yao et al

laserpuntura auricular

32

69,5

13

28,3

1

2,2

46

Zhang et al46

acupuntura tradicional

27

71,1

6

17,7

2

5,8

35

Zhang et al47

acupuntura auricular

9

21,43

29

69,05

4

9,52

42

Controle: clonazepam

4

11,11

22

61,11

10

27,78

36

Zhang et al48

acupuntura tradicional

47

54

35

40,2

5

5,8

87

Controle: clonopin

22

48,9

15

33,3

8

17,8

45

45

Zhang et al49

acupuntura auricular

19

31,15

34

55,74

8

13,11

61

Zhao et al50

acupuntura tradicional

216

74,23

50

17,18

25

8,59

291

187

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original o sistema nervoso central, resultando em uma diminuição da atividade simpática14,56, assim como foi demonstrado em outros estudos15-17. Segundo Chan e Briscomb57, o ponto de acupuntura C7 (Shenmen) foi eficaz na redução do estresse em cerca de 44%, empregando o Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS), sendo este um possível mecanismo pelo qual os paciente com insônia beneficiamse dos tratamentos por acupuntura. Com relação à prática da acupuntura auricular, técnica amplamente utilizada para o tratamento ansiedade, estresse e insônia, há trabalhos que demonstram a sua eficácia, principalmente no que diz respeito à diminuição da ansiedade58-60. CONCLUSÃO A acupuntura, assim como outras modalidades terapêuticas da MTC, pode ser de grande valia para a população de modo geral, sendo amplamente indicada para uma grande variedade de doenças pela Organização Mundial de Saúde61 e pelo National Institute of Health62, incluindo a insônia dentre essas doenças. Os profissionais da área da saúde, incluindo os médicos das mais diversas especialidades, deveriam ter mais informações sobre os possíveis efeitos da acupuntura, assim como as suas principais indicações. Os resultados observados nesta revisão de literatura sugerem que a acupuntura e suas variantes (principalmente acupuntura auricular) têm a capacidade de oferecer excelentes resultados no tratamento de pacientes portadores de insônia. No entanto, estudos com melhores e mais rigorosos métodos, como ensaios clínicos randomizados, controlados, simplescego, e com amostras maiores devem ser realizados para determinar melhor a eficácia da acupuntura no tratamento da insônia. AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer especialmente o Dr. Han Zhao Cheng, da Shandong University of Traditional Chinese Medicine, pelo envio de importantes artigos científicos e pela tradução de outros, do chinês para o inglês, que foram de extrema valia para a realização deste trabalho. Gostaria de agradecer também a equipe de profissionais da Escola Brasileira de Medicina Chinesa/CIEFATO, que auxiliaram de maneira direta ou indireta na realização deste trabalho, e a todos os membros do Centro Avançado de Pesquisas Orientais.

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ABRASPI Associação Brasileira da Síndrome das Pernas Inquietas A Associação Brasileira da Síndrome das Pernas Inquietas – ABRASPI, é uma associação sem fins lucrativos criada para dar suporte a pacientes e promover pesquisa e treinamento sobre a Síndrome das Pernas Inquietas (SPI). Criada desde 2005, a ABRASPI tem recebido correspondências de pacientes, familiares e médicos do Brasil todo e de Portugal, que procuram tirar dúvidas sobre a doença, tratamento e indicações de médicos. Fone: (11) 5081–6629 E-mail: [email protected] http://www.sindromedaspernasinquietas.com.br

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Avaliação de diferentes pacientes neurológicos por meio do Teste de Functional Reach Neurological patients evaluated with the Functional Reach Test

Camila Torriani1, Eliane Pires de Oliveira Mota1, Claudia Regina Sieburth2, Danielle Arcanjo Barcelos2, Maurycio La Scala2, Paloma Pereira Gregoraci2, Théo A. Costa2, Thatiana C. Baldini Luiz2, Juliana L. Hayashi2 RESUMO

SUMMARY

Introdução. O Functional Reach (FR) é um teste clínico muito conhecido não só para mensurar o equilíbrio, mas também o controle postural. Este mensura a distância entre o comprimento do braço e o alcance máximo anterior, na posição ortostática, enquanto mantém uma base de suporte fixa. Objetivo. O objetivo do trabalho foi avaliar o limite de estabilidade anterior de diferentes pacientes neurológicos comparando-os com valores de normalidade. Método. Os 25 pacientes, 14 mulheres, idade média de 48 anos, foram incluídos segundo os critérios: apresentar ortostatismo independente; sem alterações cognitivas graves; apresentar habilidade de realizar e manter a flexão de ombro a 90° com extensão de cotovelo. A distância percorrida foi medida e comparada com as normas associadas à idade, levando em consideração o tipo de doença. Resultados. Não houve diferença estatisticamente significante no desempenho do FR nos diferentes tipos de doenças. Porém, ao comparar os pacientes com os valores normais, os pacientes apresentam déficit na realização do FR, denotando então, alteração no equilíbrio. Conclusão. Pacientes com acometimentos neurológicos, independentemente da topografia lesional, apresentam o limite de estabilidade anterior deficitário, quando comparados aos sujeitos saudáveis.

Introduction. The Functional Reach is a well-known clinical test that not only measures the balance but also the postural control. This test measures the distance between the arm length and the anterior maximum reach, in the standing position, while it keeps a fixed base of support. Objective. The purpose of this study was to assess the balance of different neurological patients comparing them with healthful individuals. Method. The 25 patients,14 female, mean age of 48 years, had been included following the criteria: to present independent standing position; without severe cognitive dysfunction; to present ability to keep and maintain the flexion of shoulder 90° with extension of elbow. The distance was measured and compared with the normal patterns associated with the age and kind of disease. Results. There was no significant difference of the FR performance among different diseases. However, when comparing the patients with the normal patterns, the patients presented deficit in the FR accomplishment, which confirms the balance alteration. Conclusion. Static balance is impaired in all evaluated neurological patients when compared to the normal pattern.

Unitermos: Equilíbrio Musculosquelético, Estudos de Avaliação, Fisioterapia, Reabilitação.

Keywords: Musculoskeletal Equilibrium, Evaluation Studies, Physical Therapy, Rehabilitation.

Citação: Torriani C, Mota EPO, Sieburth CR, Barcelos DA, Scala ML, Gregoraci PP, Costa TA, Luiz TCB, Hayashi JL. Avaliação de diferentes pacientes neurológicos por meio do Teste de Functional Reach.

Citation: Torriani C, Mota EPO, Sieburth CR, Barcelos DA, Scala ML, Gregoraci PP, Costa TA, Luiz TCB, Hayashi JL. Neurological patients evaluated with the Functional Reach Test.

Trabalho realizado na Clínica de Fisioterapia do UniFMU. 1. Fisioterapeuta, Docente e supervisora de estágio do setor Neurologia Adulto – Uni FMU. 2. Acadêmicos do 4º ano de fisioterapia do Uni FMU.

Endereço para correspondência: Camila Torriani Av. Santo Amaro, 1329 CEP 04511-001, São Paulo-SP Email: [email protected] Recebido em: 02/10/2006 Revisão: 03/10/2006 a 27/03/2007 Aceito em: 28/03/2007 Conflito de interesses: não

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original INTRODUÇÃO Balance é um termo genérico utilizado para descrever a postura dinâmica do corpo a fim de prevenir quedas e está relacionada com o equilíbrio, a reação de endireitamento e proteção. O balance normal requer o controle de forças gravitacionais para manter o controle postural e o controle das forças de aceleração para manter o equilíbrio1. O controle postural é definido como a ação de manter a posição do corpo no espaço com objetivo de estabilidade e orientação, podendo envolver a base de suporte fixa ou com alteração da mesma como resposta2. O equilíbrio em pé refere-se à habilidade para manter o centro de gravidade sobre a base de sustentação constituída pelos pés. É um fenômeno dinâmico que envolve estabilidade e mobilidade, sendo imprescindível para manter uma posição no espaço ou moverse de modo controlado e coordenado3. O equilíbrio é constituído por uma sucessão ascendente de equilíbrios instáveis, controlados por músculos tônicos conhecidos como tônus postural. Eles estão presentes para controlar estes desequilíbrios, manter o corpo sobre sua base e, quando necessário, através de reações automáticas para tentar recolocar o centro de gravidade sobre sua base de suporte4. Durante a postura vertical estática, o limite de estabilidade é composto pela área envolvida pelas bordas externas dos pés, sem alterar a base de apoio, e leva em consideração a possibilidade de deslocamento do centro de gravidade (para qualquer direção) sem que haja mudança da base de suporte. O balance pode ser controlado voluntariamente, havendo possibilidade de ser treinado para um melhor desempenho. Para isso, é fundamental a integridade do cerebelo e suas vias, o sistema vestibular, a visão e o sistema sômatosensorial5-8. O centro de gravidade do corpo muda continuamente, mesmo quando o indivíduo está em posição ortostática. O equilíbrio postural é o movimento corporal corrigido, resultado do controle da posição corporal vertical projetado no plano horizontal9. O equilíbrio requer interações que incluem os sistemas vestibulares, visuais, sômato-sensoriais (exteroceptivo e proprioceptivo), músculo esquelético e sistema cognitivo10. Os distúrbios do balance podem estar relacionados a vários fatores, dentre eles a lesão em qualquer uma das estruturas ou vias que compõem esse sistema, fatores intrínsecos e extrínsecos11. Tanto o equilíbrio estático quanto o dinâmico são controlados pela detecção de desequilíbrios do centro de gravidade e a iniciação de respostas apropriadas para retornar o corpo para uma posição estável1,2.

191

O balance é muito importante na vida dos indivíduos, apresentando-se essencial para a manutenção da postura, tônus muscular e na coordenação dos movimentos. Além disso, a manutenção e o controle da postura e do balance, quando em circunstâncias estáticas ou dinâmicas, são exigências essenciais para as atividades de vida diária (AVDs)12. O FR é um teste clínico muito conhecido para mensurar o limite de estabilidade anterior, a partir do qual é possível inferir sobre o equilíbrio e o controle postural10 e foi desenvolvido por Duncan3,4. Esse teste mensura a distância entre o comprimento do braço e o alcance máximo anterior, na posição ortostática, enquanto mantém uma base de suporte fixa13-15. Foi desenvolvido como medida tanto estática quanto dinâmica de equilíbrio, e é usado em pacientes com diagnósticos diferentes, como Parkinson, Hipofunção Vestibular, Esclerose Múltipla e fraturas de quadril. É um teste sugerido para mensurar os limites de estabilidade envolvendo o deslocamento do centro de pressão anterior pela rotação em torno da articulação do tornozelo, mantendo o quadril em extensão10,16. No momento em que o braço avança, o equilíbrio estático diminui, e a pessoa deve aumentar tanto o torque quanto o equilíbrio para se manter em pé. Entretanto, define-se equilíbrio como habilidade de reagir rapidamente para frente a forças desestabilizadoras de forma eficiente para retomar a estabilidade16. Além disso, o FR é sensível à idade, indicando um aumento no risco de quedas em idosos, ao tentar buscar objetos com os braços estendidos1,15. A realização do FR pode ser dificultada em pacientes com alteração cognitiva, deformidades espinais, alterações na mobilidade de membros superiores e indivíduos que não conseguem se manter na posição ortostática14. Nota-se, na prática clínica, que o equilíbrio é uma das queixas mais referenciadas pelos pacientes, sendo encontradas alterações nas mais diversas topografias lesionais, já que vários são os sistemas que o influenciam. Desta forma, faz-se necessário confirmar tais alterações, comparando-as com valores de normalidade, bem como avaliá-lo em diferentes condições neurológicas, a fim de verificar o impacto de cada doença nas alterações de equilíbrio. O objetivo do trabalho foi avaliar o limite de estabilidade anterior de diferentes pacientes neurológicos comparando-os com valores de normalidade.

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original MÉTODO A amostra analisada foi composta de 14 indivíduos do sexo feminino (56%) e 11 indivíduos do sexo masculino (44%), segundo critérios de inclusão: apresentar ortostatismo independente, sem alterações cognitivas graves, apresentar habilidade de realizar e manter flexão de ombro a 90º com extensão de cotovelo, não apresentar deformidades ou alterações estruturais na coluna vertebral ou articulação do membro superior. O estudo foi realizado na Clínica de Fisioterapia do UniFMU e foi aprovado por Comitê Ético interno da Instituição, sendo que foram respeitados os aspectos éticos concernentes a Resolução de nº 196 de 10 de outubro de 1996. A coleta de dados iniciouse após assinatura de termo de Consentimento Livre e esclarecido. Foi aplicado FR, que consiste em uma avaliação em postura ortostática, utilizando-se do controle postural14. Este é um teste em que o indivíduo fica em pé com os pés separados e alinhados, com o ombro e o braço elevado a 90º de flexão. O sujeito devia alongar o corpo para frente o máximo possível, sem movimentar os pés e sem perder o equilíbrio, conforme ilustra a figura 1, a e b16. A distância percorrida foi medida e comparada com as normas associadas à idade14-16 e com o tipo de doença. Foi utilizado o Teste de Kruskal-Wallis para comparar as distâncias alcançadas pelo paciente no RF. Foi definido um nível de significância de 5% e intervalos de confiança à 95%.

RESULTADOS Os dados demográficos da amostra referentes à idade e tempo de doença estão na tabela 1. Dessa forma, a média de idade da amostra é de 48,16 anos e a média do tempo de lesão é 67,36. Na tabela 2, demonstra-se a distribuição da população quanto ao tipo de doença, sendo a doença com distribuição mais freqüente o AVE/TCE, seguido das ataxias e mielopatias. Os valores de FR (cm) não foram diferentes entre os pacientes, levando-se em consideração o tipo de doença (tabela 3), mas comparando-se com os valores normais para cada faixa etária (tabela 4) houve diferença. Tabela 1. Caracterização da amostra quanto à idade (anos) e tempo de doença (meses). Descritiva

Idade

Tempo de doença

Média

48,16

67,36

Mediana Desvio Padrão Tamanho

52

48

15,36

73,08

25

25

Tabela 2. Caracterização da amostra quanto à doença neurológica apresentada. Tipo de Doença

n

%

Ataxias

5

20,0%

AVE / TCE

8

32,0%

Distrofia

3

12,0%

Esclerose Múltipla

2

8,0%

Mielopatias

5

20,0%

Parkinson

2

8,0%

AVE= Acidente Vascular Encefálico; TCE= Traumatismo Crânio Encefálico.

Figura 1. a) O indivíduo em pé com os pés separados, ombros alinhados e braço elevado a 90 graus de flexão. b) O indivíduo deve alongar o corpo para frente o máximo possível, sem perder o equilíbrio.

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original Tabela 3. Comparação do desempenho no FR (cm) para cada doença estudada. FR (cm) Média Mediana

Tipo de Doença Ataxias

AVE / TCE

Distrofia

Esclerose Múltipla

Mielopatias

Parkinson

22,90

23,63

16,83

26,75

18,40

25,75

23

28,5

12

26,75

23

25,75

Desvio Padrão

1,98

8,91

10,61

3,89

8,29

4,60

Quartil 1

21,5

16,63

10,75

25,38

10

24,13

Quartil 3

24

30,25

20,5

28,13

23

27,38

Tamanho Intervalo de Confiança

5

8

3

2

5

2

1,74

6,17

12,01

5,39

7,27

6,37

p-valor

0,462

AVE=Acidente Vascular Encefálico; TCE=Traumatismo Crânio Encefálico.

DISCUSSÃO Este trabalho sugere que não há diferença na mensuração da distância alcançada no FR entre os indivíduos com doenças neurológicas diversas. Porém, os pacientes (independentemente da doença neurológica) apresentam menor amplitude do deslocamento do FR quando comparados aos valores de normalidade, sugerindo que o deslocamento anterior encontra-se afetado nesta população. O equilíbrio é uma habilidade complexa que envolve a interação de vários sistemas e é influenciado por alguns fatores como controle postural, flexibilidade, força muscular e medo de cair. Devido à alteração biomecânica ocasionada pela fraqueza muscular, as reações de equilíbrio, proteção e retificação estarão alteradas. Por esta razão é que muitas vezes têm-se como queixa principal dos pacientes a ocorrência de quedas freqüentes, podendo estar relacionadas à lentificação de tais reações 8,17,18. A proposta deste estudo foi de apresentar o impacto de diferentes doenças neurológicas no desempenho do equilíbrio dos sujeitos acometidos, evidenciando que os fatores e sistemas descritos acima impactam negativamente na habilidade de organizar os limites de estabilidade em posição ortostática. Cabe, a partir deste estudo, determinar qual destes fatores e sistemas ocasiona maior impacto no equilíbrio de tais pacientes, visando fornecer diretrizes para a reabilitação destas desordens. Desta forma, fica complicado avaliar o equilíbrio por meio de um único teste, sendo que FR permite que sejam feitas inferências sobre o equilíbrio. O FR não é um teste propriamente de equilíbrio, mas um teste que avalia uma das muitas dimensões do equilíbrio 17.

193

Tabela 4. Valores de normalidade para o desempenho do FR, com relação a idade. Homem

Mulher

20–40 anos

16,7 ± 1,9

14,6 ± 2,2

41–69 anos

14,9 ± 2,2

13,8 ± 2,2

70–87 anos

13,2 ± 1,6

10,5 ± 3,5

Existem três sistemas sensoriais que promovem informações relativas ao balance. Esses sistemas são: o sistema vestibular, o sômato-sensorial e o visual, sendo que o sistema vestibular é uma das ferramentas mais importantes do sistema nervoso no controle postural8,19. Os pacientes com alterações cerebelares e com seqüelas de AVE desenvolvem alterações nos mecanismos de balance, porém não existem muitos estudos clínicos que caracterizem tais alterações ou que topografem se as alterações encontram-se no sistema somato sensorial, vestibular ou proprioceptivo8,19. São descritos na literatura vários fatores que influenciam no FR, tais como: amplitude de movimento de tornozelo, tronco/coluna, quadril e ombro 17,18. Portanto, ressaltamos a importância da avaliação cinemática das estratégias motoras escolhidas durante a realização do teste, a fim de complementar os achados quantitativos do deslocamento. As estratégias compensatórias utilizadas para o alcance durante o FR devem ser avaliadas, pois quando o sujeito apresenta possibilidade de pequeno deslocamento do centro de gravidade na base de suporte, as estratégias escolhidas tendem a ser estáticas, caracterizando pequena amplitude dos limites de estabilidade10,16,18. Em nosso estudo, não foram avaliadas as estratégias compensatórias adotadas por cada paciente, o que impede discussão destes achados. Sugere-se que todas as doenças estudadas acarretam um déficit no limite de estabilidade an-

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original terior, porém nem sempre os fatores causadores são os mesmos, o que pode variar desde rigidez do tronco, fraqueza muscular, alteração sensorial ou perceptual associada ao medo de cair. Assim, para um próximo estudo, sugerimos o uso de outros instrumentos de avaliação funcional para associar ao FR, bem como aumentar o número de pacientes por doença, aumentando assim a amostra homogeneamente, visando correlacionar a topografia lesional com os fatores que afetam negativamente no equilíbrio. CONCLUSÃO Conclui-se que, nesta amostra, independentemente da doença neurológica, o limite de estabilidade anterior encontra-se deficitário quando comparado a sujeitos saudáveis. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Huxham FE, Goldie PA, Patla A. E. Theoretical considerations in balance assessment. J Physiother 2001;47:89-100. 2. Pollock AS, Durward BR, Rowe PJ, Paul JP. What is balance? Clin Rehabil 2000;14:402-6. 3. Kisner C, Collby LA. Exercícios Terapêuticos fundamentos e Técnicas. 3. ed. São Paulo: Manole, 1998, 746 p. 4. Bienfait M. Fáscias e pompages: estudo e tratamento do esqueleto fibroso. São Paulo: Summus, 1999, 320 p. 5. Horak FB, Henry SM, Cook AS. Postural pertubations: new insights for treatment of balance disorders. Phys Ther 1997;77(5):517-33.

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original

Reabilitação por meio da dança: uma proposta fisioterapêutica em pacientes com seqüela de AVC Rehabilitation through dance: a physical therapeutic proposal to patients with stroke sequel

Suleima Ramos Calil1, Talimãn Aparecida Bertelli Pinheiro dos Santos1, Douglas Martins Braga2, Rita Helena Duarte Dias Labronici3 RESUMO

SUMMARY

Introdução. O Acidente Vascular Cerebral (AVC) pode limitar de modo significativo o desempenho funcional de um indivíduo, trazendo conseqüências negativas e afetando aspectos motores, relações pessoais, familiares, sociais e, sobretudo, a qualidade de vida. Objetivo. O objetivo deste estudo foi avaliar a contribuição da dança na reabilitação dos pacientes com seqüelas de AVC. Método. Este estudo foi realizado na Policlínica Unasp, onde foram randomizados 20 pacientes com diagnóstico de AVC, divididos em 2 grupos: 10 pacientes utilizando a dança e 10 pacientes utilizando cinesioterapia, durante 10 meses. Ambos os grupos foram avaliados pelas Escalas de Ashworth (espasticidade), Rivermead (mobilidade funcional), Barthel (atividade de vida diária-AVDs), Beck (depressão) e SF36 (qualidade de vida), antes e após o estudo. Resultado. Os grupos apresentaram diferença significante com relação ao tônus. Observou-se que, após o tratamento, os grupos de dança e cinesioterapia apresentaram-se homogêneos quanto à mobilidade funcional. Os grupos apresentaram depressão, mas não apresentaram diferenças em relação às AVDs. O grupo de dança apresentou diferença significante nos domínios do questionário SF-36: estado geral de saúde e aspectos emocionais. O grupo de cinesioterapia apresentou escores estatisticamente significantes nos seguintes domínios: capacidade funcional, vitalidade, aspectos sociais e aspecto emocional Conclusão. A dança demonstrou ser mais um recurso eficiente no tratamento para as seqüelas de AVC. Além da contribuição física e psicológica, a dança proporciona melhora na qualidade de vida do paciente portador de seqüelas de AVC.

Introduction. Stroke can significantly limit the functional performance of individuals leading to impairment of motor features, personal, family or social relationships, and quality of life. Objective. The aim of this study was to evaluate dance as a contribution to rehabilitation of patients with stroke sequels. Methods. A controlled and randomized study was conducted at multidisciplinary Unasp Clinic, where 20 stroke patients were divided in two groups: 10 patients in the dance group and 10 patients in the kinesiotherapy group. These activities lasted 10 months. Both groups were evaluated through Ashworth Scale (spasticity), Rivermead Scale (functional mobility), Barthel Scale (daily basis activity), Beck Scale (depression), and SF36 Scale (quality of life), before and after the intervention. Results. The groups presented significant difference regarding tonus. We observed that the dance and kinesiotherapy groups showed homogeneity regarding functional mobility after treatment. Both groups presented depression but there was no difference between daily basis activities. Dance group presented significant differences in the following domains of the SF-36: general state of health and emotional aspects. Kinesiotherapy group presented significant differences in the following domains: functional capacity, vitality, social aspects, and emotional aspect. Conclusion. The dance demonstrated to be an efficient tool on the treatment of patients with stroke sequels. In addition to the physical and psychological contribution, dance can provided an improvement in these patients quality of life.

Unitermos: AVC, Reabilitação, Fisioterapia, Dança.

Keywords: Cerebrovascular accident, Stroke, Rehabilitation, Physical therapy, Dancing.

Citação: Calil SR, Santos TABP, Braga DM, Labronici RHDD. Reabilitação por meio da dança: uma proposta fisioterapêutica em pacientes com seqüela de AVC.

Citation: Calil SR, Santos TABP, Braga DM, Labronici RHDD. Rehabilitation through dance: a physical therapeutic proposal to patients with stroke sequel.

Trabalho realizado no Centro Universitário Adventista de São Paulo – UNASP-SP. 1. Discente do Curso de Graduação em Fisioterapia UNASP/SP. 2. Fisioterapeuta, Especialista em hidroterapia na reabilitação de doenças neuromusculares UNIFESP, responsável pelo setor artístico do Clube dos Paraplégicos de São Paulo e do ambulatório de Neuroimunologia da UNIFESP. 3. Mestre em neurociências UNIFESP, docente responsável pela Disciplina de Neurologia da UNASP/SP.

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Endereço para correspondência: Estrada de Itapecerica, 2720 CEP 05835-004, São Paulo, SP

Recebido em: 08/08/06 Revisão: 09/08/06 a 27/03/07 Aceito em: 28/03/07 Conflito de interesses: não

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original INTRODUÇÃO AVC (Acidente Vascular Cerebral) é clinicamente definido como sendo uma disfunção neurológica aguda, de origem vascular, seguida da ocorrência súbita (em segundos) ou rápida (horas) de sintomas e sinais relacionados ao comprometimento de áreas focais no cérebro1, sendo a terceira causa de morte em diversos países do mundo, como nos EUA e na maioria das nações desenvolvidas ou de menor poder econômico como Brasil, Portugal e países asiáticos. Ocorre em 4,0 homens e 2,0 mulheres por 1.000 indivíduos/ano nos EUA2. Só no município de São Paulo, é a terceira causa de morte, antecedido apenas pelas doenças coronarianas e homicídio3. No grupo das doenças cerebrovasculares, considerando a faixa de idade entre 20 e 49 anos, o AVC correspondeu a pouco mais de 80% das internações pelo SUS em 20044. A reabilitação visa à reintegração dentro de um trabalho global, mantendo a tendência de primeiro tentar reduzir as limitações funcionais e, posteriormente, aumentar a reintegração social ou adaptação no ambiente5. Os métodos utilizados na fisioterapia neurofuncional para tratamento de pacientes com AVC foram desenvolvidos de maneira independente por vários pioneiros após a década de 50, devido estarem insastifeitos com os resultados da fisioterapia anterior a essa década. Estes métodos foram elaborados sob observação e experiências clínicas, primariamente embasadas com os conceitos de controle motor correntes da época, ao invés de teorias científicas6. Dentre as diversas técnicas utilizadas na fisioterapia neurofuncional, encontram-se: cinesioterapia, hidroterapia, eqüoterapia, bobath, kabat, eletroterapia, entre outros. A cinesioterapia é o uso do movimento ou exercício como forma de tratamento, a fim de reabilitar ou reequilibrar as forças mecânicas atuantes no organismo como um todo, proporcionando melhora na qualidade do movimento e melhora na qualidade de vida. Para isso, a cinesioterapia é de fundamental importância para a fisioterapia, visto que o movimento só se cura com o movimento7. A cinesioterapia é o recurso mais utilizado no paciente com hemiplegia, porém a dança surge como um recurso auxiliar na reabilitação, pois possibilita explorar o próprio corpo, criando possibilidades para estimular aspectos neuro-psico-motores e sociais, promovendo melhora na qualidade de vida. Desde os primórdios, a dança tinha função de revelar modelos de rituais e determinadas atividades

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humanas significativas, tais como alimentação, casamento, trabalho, arte e sabedoria. A dança sempre esteve presente na história da humanidade, com variações em todas as épocas. É uma linguagem por meio da qual o indivíduo pode sentir-se, perceber-se, conhecer-se e manifestar-se. É um aprendizado em si mesmo: o que o indivíduo sente, o que quer dizer e como quer dizer8. A dançaterapia é um método que fornece estímulos, despertando áreas adormecidas, possibilitando autoconhecimento físico, fazendo com que os alunos criem consciência de ultrapassar seus próprios limites9. Com relação ao aspecto cognitivo, a dançaterapia permite desenvolver as capacidades cognitivas, como a motivação e a memória. O nível físico possibilita bem-estar e coordenação muscular. A prática desta terapia traz grandes benefícios, que variam de movimentos adaptados, que diminuem a rigidez muscular e a ansiedade, ajudando as pessoas a aprenderem a reconhecer e a confiar nos seus próprios impulsos, além de desenvolver a auto-expressão, promover a interação do indivíduo consigo mesmo e com os outros, propiciar a inclusão social e melhorar a qualidade de vida9. A dança proporciona o autoconhecimento pelo toque, porque além de aumentar a percepção corporal, relaxa a musculatura, favorecendo o desenvolvimento físico, motor, neurológico e intelectual. Melhora também a auto-imagem, através do estímulo das percepções, sensações cinestésicas e visuais, que orientam o tempo e o espaço10. Pacientes portadores de seqüelas de AVC possuem disfunções motoras e cognitivas importantes, necessitando de reabilitação por períodos prolongados, muitas vezes tornando-se cansativo e desmotivante. A dança representa atividade lúdica e intrinsecamente motivante, que surge em meio a diversos recursos fisioterapêuticos, permitindo desenvolver os aspectos motores, psicológicos e sociais. Este trabalho tem como objetivo avaliar os efeitos da dança na reabilitação dos pacientes com seqüelas de AVC, tentando identificar a relação da dança com a diminuição da espasticidade, conhecer o impacto da dança sobre a mobilidade funcional do paciente, examinar a repercussão da dança nas AVDs (atividades de vida diária), analisar a correlação entre dança e aspecto psicológico (depressão), e avaliar a eficiência da dança na qualidade de vida do indivíduo portador de deficiência física.

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original MÉTODO Este estudo de caráter prospectivo foi realizado na Policlínica do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). Participaram do estudo pacientes com diagnóstico médico de seqüelas de AVC, oriundos das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e dos hospitais da região (Campo Limpo, Regional Sul, Pedreira), encaminhados à Policlínica para realização de fisioterapia. As questões éticas da pesquisa foram aprovadas conforme os parâmetros da resolução 196/96. Dos 198 prontuários, foram identificados aqueles que preencheram os critérios de inclusão do protocolo proposto. Os critérios de inclusão foram: pacientes com hemiparesia, com idade máxima de 70 anos, crônicos (1 ano pós-lesão), deambulantes com ou sem auxílio de órtese, que possuíam prescrição médica para fisioterapia e que concordaram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética da pesquisa. Foram excluídos, durante o processo de triagem, os pacientes que apresentaram hipertensão arterial descontrolada, cardiopatia grave associada, doenças trombogênicas, doenças renais, doenças hemolíticas, doenças oncológicas, síndrome ombro-mão, deformidades de membros superiores ou inferiores que incapacitavam a realização de movimentos ou de permanência na posição ortostática, e presença de afecções clínicas que impediam ou contra-indicavam a realização de fisioterapia. Não foram incluídos pacientes acima de 70 anos de idade, pacientes cadeirantes, pacientes acamados, ou com nível cognitivo muito baixo, verificado previamente em seus prontuários. Todos os pacientes foram submetidos a anamnese, exame físico geral, neurológico e cinesiológico funcional (fisioterapêutico) e avaliados com os seguintes instrumentos validados e reprodutíveis: Escala modificada de Ashworth (avaliação de espasticidade)11, Índice de mobilidade de Rivermead (avaliação da mobilidade)12, Índice de Barthel (avaliação para atividades de vida diária)13,14, Inventário de depressão de Beck (avaliação de depressão)15 e SF-36 (avaliação de qualidade de vida)16. Os instrumentos foram aplicados por discentes do curso de fisioterapia, treinados por um profissional fisioterapeuta especializado em neurologia alheio à intervenção. Todos os pacientes foram avaliados antes e após o tratamento do estudo. O tratamento teve duração de sete meses, com início em Fevereiro de 2006 e término em Setembro de 2006, com duas sessões por semana de duração de 60 minutos cada. O grupo de dança (GD) consistiu de 10 pacientes, sendo 50% do sexo feminino, com

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média de 48,8 ± 9,7 anos de idade, e 50% do sexo masculino, com média de 54 ± 10,2 anos de idade. O tempo médio pós-AVC foi de 2,8 ± 1,5 anos. Esses pacientes receberam sessões de dançaterapia ministradas pelos profissionais qualificados. Inicialmente foram verificados sinais vitais (freqüência cardíaca e pressão arterial) e medicação em uso. As sessões de dança foram realizadas utilizando-se CDs com variados ritmos musicais [bolero, valsa, clássico, MPB (música popular brasileira), forró, marchinhas, rock anos 50 e 60]. O protocolo de dança foi dividido em: alongamento global (10 min) em região cervical, MMSS (membros superiores), tronco e MMII (membros inferiores) com 2 a 3 repetições. Na dança (40 min), utilizou-se movimentos nos quais os pacientes exploravam todo o meio ambiente e seu corpo, e era proposto que cada um expressasse suas emoções livremente. Inicialmente, utilizavam-se ritmos acelerados como marchinhas para aquecimento, e em seguida, o aprendizado dos passos da coreografia sem música e com a música escolhida. Posteriormente, danças como bolero e valsa eram realizadas em duplas de pacientes, buscando trabalhar lateralidade e equilíbrio. Para o relaxamento (10 min), os pacientes ficaram em decúbito dorsal ou na posição sentada em colchonetes, com música suave, sendo aplicada auto-massagem, visando o relaxamento de toda a musculatura. O grupo de cinesioterapia (GC) consistiu de 10 pacientes, sendo 70% do sexo feminino, com média de 47,9 ± 9,4 anos de idade, e 30% do sexo masculino, com média de 55,3 ± 13,2 anos de idade. O tempo médio pós-AVC foi de 7,3 ± 5,6 anos. Esses pacientes receberam sessões de cinesioterapia ministradas por profissionais qualificados, que inicialmente verificaram os sinais vitais (freqüência cardíaca e pressão arterial) e medicação em uso. As sessões de cinesioterapia foram realizadas utilizando-se CDs com músicas (instrumentais, gospel, new age) e colchonetes. O protocolo foi dividido em: alongamento global (10 min) em região cervical, MMSS, tronco e MMII (2 a 3 repetições). Na cinesioterapia (40 min), foram realizados exercícios respiratórios e de percepção corporal global, com mobilização de pequenas e grandes articulações. Foram aplicados exercícios ativos assistidos, ativos livres específicos e globais, através de contrações isométricas, isotônicas concêntricas e excêntricas, na posição de decúbito dorsal e posição sentada em colchonetes, além de exercícios de dissociação de cinturas escapular e pélvica, e exercícios que estimulam o controle postural. Para o relaxamento (10 min), os pacientes ficaram em decúbito dorsal, em colchonetes, com música suave, sendo

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original aplicado pompagem cervical e lombar, visando o relaxamento de toda a musculatura. Os resultados são apresentados como médias ± desvio-padrão. Os dados obtidos por meio das Escalas de Ashworth, Rivermead e Barthel foram analisados por meio do teste de Wilcoxon. Os resultados do SF-36 foram analisados por meio do teste de Mann-Whitney. As proporções de indivíduos com diferentes níveis de atividades de vida diária (Escala de Barthel) e com graus diferentes de depressão (Escala de Beck) foram analisadas por meio do teste do Qui-quadrado. O nível de significância estabelecido foi p< 0,05. Todas as análises foram feitas por meio do programa estatístico “Sigma Stat for Windows version 2.03” (Systat Software Inc.). RESULTADOS O grupo de dança apresentou (figura 1A) antes do tratamento, uma média 1,89 ± 1,27 de tônus e, após o tratamento, uma média de 0,78 ± 0,83 de tônus (p = 0,008). O grupo de cinesioterapia apresentou, antes do tratamento, uma média de 1,63 ± 1,19 de tônus e, após o tratamento, uma média de 0,88 ± 0,84 de tônus (p = 0,031). O grupo de dança apresentou (figura 1B) antes do tratamento, uma média de 14,00 ± 1,23 de mobilidade funcional e, após o tratamento, uma média de 14,00 ± 1,12 de mobilidade funcional, não sendo estatisticamente diferente. O grupo de cinesioterapia apresentou, antes do tratamento, uma média de 11,50 ± 2,83 de mobilidade funcional e, após o tratamento, uma média de 13,25 ± 1,67 de mobilidade funcional, não sendo estatisticamente diferente. Quando comparados os resultados referentes ao Índice de Mobilidade de Rivermead entre os grupos de dança e cinesioterapia antes do tratamento, observa-se uma heterogeneidade significativa (p = 0,03). (A)

Após o tratamento proposto, os grupos de dança e cinesioterapia apresentaram-se homogêneos. O grupo da dança apresentou inicialmente (figura 2) quatro pacientes independentes, dois pacientes com dependência escassa e três pacientes com dependência moderada para as AVDs e, ao término do tratamento, apresentou seis pacientes independentes, dois pacientes com dependência escassa e um paciente com dependência moderada para as AVDs, não sendo diferente estatisticamente. O grupo de cinesioterapia apresentou inicialmente dois pacientes independentes e seis com dependência moderada para AVDs e, ao término do tratamento, quatro pacientes independentes, um paciente com dependência escassa e três pacientes com dependência moderada para as AVDs, não sendo diferente estatisticamente. O grupo de dança apresentou, antes do tratamento (figura 3), quatro pacientes depressivos e cinco pacientes não depressivos e, após o tratamento, dois pacientes depressivos e sete pacientes não depressivos, não sendo estatisticamente diferente. O grupo de cinesioterapia apresentou, antes do tratamento, sete pacientes depressivos e um paciente não depressivo e, após o tratamento, dois pacientes depressivos e seis pacientes não depressivos (p = 0,025). A tabela 1 demonstra os valores da média ± desvio-padrão e significância dos resultados obtidos com o questionário SF-36, antes e depois do tratamento dos grupos de dança e cinesioterapia. O grupo de dança apresentou escores significantes nos seguintes domínios do questionário de qualidade de vida SF-36: estado geral de saúde (p = 0,032) e aspectos emocionais (p = 0,016). Os demais domínios não apresentaram significância estatística. O grupo de cinesioterapia apresentou escores estatisticamente significantes nos seguintes

(B)

Figura 1. Escores das escalas de Ashworth e de Rivermead, de pacientes com seqüelas de AVC submetidos à dança ou à cinesioterapia, antes (barras fechadas) e após (barras abertas) tratamento. * Diferenças estatisticamente significativas após tratamento dentro de cada grupo (p < 0,05). # Diferenças significantes entre os grupos no mesmo período de tratamento (p < 0,05).

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Figura 2. Escores da Escala de Barthel, de pacientes com seqüelas de AVC, submetidos à dança ou à cinesioterapia, antes (símbolos fechados) e após tratamento (símbolos abertos). Adicionada à figura está a classificação de dependência de Barthel. Não foram identificadas diferenças estatisticamente significativas decorrentes dos tratamentos, nem entre os grupos.

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Figura 3. Escores da Escala de Beck, de pacientes com seqüelas de AVC, submetidos à dança ou à cinesioterapia, antes do tratamento (símbolos fechados) e após tratamento (símbolos abertos). Adicionada à figura está a classificação de depressão de Beck. As diferenças estatisticamente significativas estão indicadas na figura. NS: diferenças não significativas.

domínios do questionário de qualidade de vida SF36: capacidade funcional (p = 0,002), vitalidade (p = 0,033), aspectos sociais (p = 0,031) e aspecto emocional (p = 0,014). Os demais domínios não apresentaram significância estatística. DISCUSSÃO Nos últimos anos, têm sido muitas as discussões e preocupações, no meio fisioterapêutico, a respeito da inserção e participação da pessoa portadora de deficiência nos programas de atividade física e esportes, quer seja como apoio ou auxílio à reabilitação, participação em competições adaptadas ou mesmo como atividade recreativa, manutenção da saúde e desenvolvimento da potencialidade. Dos pacientes incluídos e tratados no estudo, poucos não concluíram o tratamento. Ocorreram três perdas, sendo um paciente no grupo de dança (óbito), e dois pacientes no grupo de cinesioterapia (dificuldade financeira e infecção devido a processo alérgico). Dividimos a discussão em três aspectos principais: motores, psicológicos e sociais, para clareza e entendimento do leitor.

Aspectos Motores A espasticidade é uma alteração caracterizada por uma perda do equilíbrio entre a contração e o relaxamento dos grupos musculares agonistas e antagonistas17. Qualquer que seja sua etiologia, procura-se potencializar as funções preservadas, a fim de manter uma boa qualidade de vida e incorporar ao ser humano suas atividades diárias da maneira o mais independente possível. Ao compararmos os dados iniciais da Escala de Ashworth, observa-se que os grupos de dança e cinesioterapia não eram semelhantes, ou seja, os pacientes do grupo da dança eram mais espásticos do que os pacientes do grupo de cinesioterapia, e, após o tratamento, continuavam sem semelhança entre si. Observando os dados encontrados, averiguouse que os grupos de dança e cinesioterapia apresentaram melhora clínica estatisticamente significativa, sendo o tônus avaliado pela Escala de Ashworth. Podemos também observar que o grupo da dança obteve melhora significativa em relação ao grupo de cinesioterapia. Acreditamos que a melhora do tônus seja devido à dança ser uma atividade que exija maior mobilidade motora, além de despertar sensações que causam emoção, favorecendo relaxamento dos músculos e tornando o movimento mais efetivo. Esses dados são compatíveis com Bertoldi5, que, em seu estudo, descreve que 75% dos participantes acreditam que a dança desenvolva alguns grupos musculares não trabalhados anteriormente em outras atividades. Em nosso estudo, ambos os grupos apresentaram melhora clínica na mobilidade funcional (transferências, locomoção em diferentes solos e escadas). No grupo da dança, observa-se a manutenção da mobilidade funcional e, no grupo de cinesioterapia, a melhora da mobilidade funcional, porém sem significância estatística. Acreditamos que os resultados encontrados neste estudo

Tabela 1. Valores de média ± desvio-padrão dos escores obtidos com o questionário SF-36 (qualidade de vida) antes e depois do tratamento. Dança Cinesioterapia Antes

Depois

Antes

Depois

Capacidade Funcional

51,1 ± 29,9

60,6 ± 25,6

41,3 ± 21,2

68,8 ± 25,0*

Aspectos Físicos

69,4 ± 37,0

52,8 ± 38,4

53,1 ± 41,1

81,3 ± 34,7

Dor

66,3 ± 31,4

71,8 ± 34,2

71,9 ± 31,9

90,5 ± 17,6

Estado Geral

59,4 ± 25,0

76,2 ± 28,9*

58,5 ± 16,1

82,3 ± 33,9

Vitalidade

60,6 ± 31,8

72,8 ± 29,4

53,1 ± 19,3

78,8 ± 26,6*

Aspectos Sociais

71,1 ± 26,5

75,1 ±33,7

55,0 ±16,4

78,4 ± 20,7*

Aspecto Emocional

89,0 ± 16,5

48,1 ± 44,5*

41,5 ± 38,9#

91,6 ± 23,7*#

Saúde Mental

60,9 ± 28,1

72,0 ± 26,8

69,0 ± 25,2

78,5 ± 29,9

* Diferenças estatisticamente significativas dentro de cada grupo após sua respectiva intervenção (p < 0,05). # Diferenças estatisticamente significativas nas comparações entre os grupos no mesmo período de intervenção (p < 0,05).

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original devem-se ao fato de se tratar de pacientes crônicos, já adaptados ao ambiente, o que se comprova averiguando os dados iniciais. Os pacientes do grupo da dança já se encontravam, inicialmente, com maior funcionalidade em relação aos pacientes do grupo de cinesioterapia. Esses dados são compatíveis com resultados encontrados por Labronici18, que utilizou Rivermead para avaliar 30 pacientes que praticavam esporte adaptado, observando somente a manutenção da mobilidade funcional. Não houve mudança na função motora, o que já se esperava, pois todos eram portadores de doenças crônicas, com o quadro estabilizado. As atividades de vida diária estão, na maioria dos casos, prejudicados nos pacientes com AVC, e o grau de dependência para sua realização interfere na qualidade de vida dos pacientes6. Em nosso estudo, quando comparados os resultados referentes ao Índice de Barthel, que avalia AVDs (dependência ou independência para alimentação, banho, toalete, vestimenta, controle vesical, transferências, locomoção e ato de subir e descer escadas) entre os grupos de dança e de cinesioterapia, observou-se maior independência, porém sem significância estatística. Em ambos os grupos, os pacientes encontravam-se adaptados para realizar as AVDs, porém, inicialmente, os pacientes do grupo de dança apresentavam maior adaptação para realizar as AVDs do que o grupo de cinesioterapia. Após o tratamento, ambos os grupos apresentaram melhora clínica, sendo, neste momento, semelhantes entre si. Os dados encontrados neste estudo confirmam os resultados encontrados por Labronici18, no qual relata que a análise das atividades funcionais feitas através da Escala de Barthel não mostrou qualquer melhora nos pacientes, pois se tratava de indivíduos com vários anos de lesão, já totalmente adaptados e independentes. Braga19 relata que foi possível verificar e analisar resultados positivos, principalmente como melhora da função motora. De acordo com o Índice de Barthel, os pacientes apresentaram melhora nos itens vestuário, locomoção e ato de subir escadas, mantendo-se inalteradas nas demais atividades. É possível que a melhora observada nas AVDs nos dois grupos se deva ao fato de ambos os tratamentos promoverem a facilitação do gesto, aprimorando a função motora e permitindo a realização das AVDs com maior eficiência. À medida que aumenta a função voluntária, a dependência dos movimentos sinergistas diminui, juntamente com a espasticidade20. Com a diminuição da espasticidade, pode ocorrer a melhora ou a manutenção da capacidade funcional, fazendo com que as AVDs se tornem mais independentes. Com o

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desenvolvimento da dança, há facilitação na realização de diversas atividades de vida diária5. Segundo esses participantes, a motivação para a conquista de novas alternativas de movimento e a capacidade de ousar na busca dessas alternativas, unidas ao aprimoramento músculo-esquelético obtidos com a dança, foram os fatores responsáveis por essa facilitação na realização das diversas atividades de vida diária. A adequação do tônus muscular é de extrema importância para que o paciente se mova facilmente em um padrão funcional, permitindo a aquisição de movimentos seletivos que posteriormente poderão ser usados em suas atividades motoras, desde as mais simples até as mais complexas, permitindo a realização das habilidades às atividades motoras específicas21. A influência do tônus muscular sobre a independência funcional em pacientes com AVC mostrou uma baixa correlação entre o tônus muscular e as medidas de incapacidade, ressaltando que incapacidades graves foram vistas tanto em pacientes espásticos como em pacientes não-espásticos, e que o foco sobre a espasticidade na reabilitação está em desacordo com sua importância clínica22. Dessa forma, não parece que as características do tônus muscular desses pacientes tenham sido determinantes nos resultados encontrados. No presente estudo, observouse que houve uma melhora significativa de tônus, porém, os aspectos mobilidade funcional e AVDs não se alteraram nos pacientes do grupo da dança, que eram adaptados e independentes em sua maioria. Calasans e Alouche não relatam se os pacientes espásticos possuíam o quadro clínico estabilizado e se os mesmos estavam adaptados funcionalmente para as AVDs. Portanto, acredita-se que, a partir do presente estudo, a eficácia de exercícios apropriados, assim como a dança e a cinesioterapia, promovem a melhora dos aspectos motores. A alteração do estado mental se correlaciona com o desempenho das atividades de vida diária em pacientes que sofreram AVC22. Isso significa que a deficiência cognitiva pode influenciar o prognóstico para sua independência. Aspecto Psicológico Das escalas de auto-avaliação, a mais utilizada é o Inventário de Depressão de Beck15. Porém, sua utilização pressupõe pacientes com certo grau de educação, cooperantes e sem nenhuma psicopatologia grave. Pelo fundamento teórico que o embasa, valoriza muito mais a categoria dos sintomas cognitivos do que os sintomas psicológicos.

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original O prejuízo cognitivo também tem sido associado à depressão3. Nas duas primeiras semanas após o AVC, encontra-se uma relação entre o prejuízo cognitivo e a depressão e, ao longo de seis meses, há um aumento desta relação. O prejuízo cognitivo, entretanto, pode, na realidade, ser um sintoma depressivo. A depressão pós-AVC traz significativo comprometimento da evolução do paciente. Embora, em uma unidade de reabilitação, os pacientes com depressão pós-AVC possam apresentar recuperação semelhante àqueles não deprimidos. Neste estudo, ambos os grupos apresentaram melhora clínica quando comparados os resultados referentes ao questionário de Beck, porém, somente o grupo de cinesioterapia apresentou melhora estatisticamente significativa. Segundo a classificação do Inventário de Depressão de Beck, inicialmente o grupo da dança apresentava um paciente com depressão leve, um paciente com depressão moderada e dois paciente com depressão grave, e o grupo de cinesioterapia apresentava dois pacientes com depressão leve, quatro pacientes com depressão moderada e um paciente com depressão grave. Após o tratamento, o grupo de dança apresentava um paciente com depressão leve e um paciente com depressão grave, e o grupo de cinesioterapia apresentava dois pacientes com depressão leve. O uso de terapias voltadas para a resolução de problemas se mostra eficaz na redução dos sintomas depressivos e na melhora do desempenho nas atividades de vida diária, podendo ser uma alternativa terapêutica importante para a população que permanece sintomática23. Acreditamos que o grupo da dança não apresentou melhora significativa devido a, inicialmente, obter um maior número de pacientes não depressivos, porém, dos pacientes que continuaram depressivos após o tratamento, observamos que o paciente com depressão grave pertencia ao grupo da dança, podendo ter contaminado este grupo. A depressão foi o fator mais fortemente associado à baixa qualidade de vida dos pacientes num período de um a três anos pós-AVC3. A depressão também foi associada a um efeito negativo no domínio do bem-estar e a maior incapacitação, mesmo após controle, para o grau de limitação funcional e declínio cognitivo. Aspecto social Os instrumentos de avaliação genérica de qualidade de vida e saúde, que estão disponíveis até o momento, não têm a capacidade de direcionar, com exatidão, nossos procedimentos16. No entanto, podem-

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nos mostrar a capacidade dos indivíduos em executar determinadas atividades que normalmente realizam e como esses indivíduos se sentem ao realizá-las. O dogma de que os pacientes com AVC precisam, obrigatoriamente, ser atendidos individualmente para que possam atingir o grau de recuperação máxima deve ser revisado6. Em seu estudo, conclui que a fisioterapia em grupo pode trazer grandes benefícios na qualidade de vida desses pacientes. Fontes acredita que a interação social, propiciada pela fisioterapia em grupo, desperta a competição entre os componentes do grupo e, conseqüentemente, motiva os participantes a vencerem suas limitações, facilitando a melhora tanto nos aspectos relacionados à qualidade de vida como na realização das AVDs. No presente estudo, quando comparados os resultados referentes ao questionário SF-36 de qualidade de vida referente aos grupos de dança e de cinesioterapia, observa-se melhora clínica geral, exceto nos aspectos físicos e emocionais. Inicialmente, ambos os grupos não apresentavam semelhança entre si em todos os domínios da SF-36, porém, no aspecto emocional, essa diferença foi estatisticamente significante. Após o tratamento, continuaram sem semelhança. No grupo da dança, ocorreu melhora clínica nos domínios capacidade funcional, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais e saúde mental. Houve uma diminuição estatisticamente significativa no aspecto emocional, supondo este resultado a presença de um paciente com depressão grave contaminando o grupo. Houve melhora estatisticamente significativa no aspecto estado geral de saúde. Acreditamos que essa melhora se deva ao fato de a dança ser uma atividade aeróbia. A atividade física regular não só tem influência direta sobre a saúde geral, como também influencia no aspecto de se sentir saudável, sendo que as atividades físicas aeróbias regulares podem interferir beneficamente no tempo de reação, no controle da taxa de colesterol, na hipertensão arterial e em outros fatores24. Quase todos os domínios do SF-36 sugerem uma redução da qualidade de vida em pacientes com AVC. Com relação aos componentes emocionais e mentais, observaram um maior impacto da incapacidade sobre pacientes com seqüelas de AVC25. No grupo de cinesioterapia, houve melhora estatisticamente significante nos domínios do SF36: capacidade funcional, vitalidade, aspectos sociais e aspectos emocionais. A dança inclusiva possibilita ao deficiente físico incorporar movimentos por um caminho não convencional, realizando o rolar, o engatinhar, o ajoelhar

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original com melhor desempenho das articulações nas atitudes de postura mais comum, ou ainda, com maior facilidade para a passagem de um movimento para outro26. A dança permite que esses movimentos, compreendidos em aula, possam ser utilizados em outras ocasiões, principalmente nas atividades de vida diária. Em análise dos resultados do presente estudo, observamos que o grupo de cinesioterapia apresentou bons resultados, e que o tratamento em grupo se mostrou eficaz. No grupo da dança, observamos que houve diminuição nos componentes emocionais e físicos. Acreditamos que se deva ao fato de a dança apresentar movimentos com maior complexidade do que a cinesioterapia. Os pacientes demonstravam ansiedade e frustração para cada movimento mal sucedido, interpretando como fracasso, gerando sobrecarga psíquica e mental. Ainda assim, houve manutenção da mobilidade funcional (Rivermead), das AVDs (Barthel), da depressão (Beck) e da qualidade de vida (SF36), nos domínios: capacidade funcional, dor, vitalidade, aspectos sociais e saúde mental. Houve melhora do tônus (Ashworth) e do estado geral de saúde do questionário de qualidade de vida SF-36. Analisando os aspectos psicológicos da dança verificou-se, através de depoimentos dados por participantes de estudos, que no início do desenvolvimento da dança havia um medo muito grande de não conseguir executar alguns movimentos com o corpo e que tentar executá-los causava muita ansiedade, pois cada tentativa mal sucedida era interpretada como um fracasso, gerando, conseqüentemente, frustração5. Porém, de acordo com os participantes, após dois anos de trabalho, já é possível identificar as tentativas de realizar novos movimentos com o corpo e procurar alternativas para que o corpo traduza a idéia a ser transmitida. CONCLUSÃO Este estudo conclui que a dança proporcionou melhora em aspectos motores (diminuição da espasticidade, manutenção da mobilidade funcional, melhora das atividades de vida diária), aspecto psicológico (diminuição da depressão) e aspecto social (melhora da qualidade de vida). Indivíduos portadores de seqüelas de AVC freqüentemente necessitam de reabilitação a longo prazo. Nesse aspecto, a dança surge como mais um recurso a ser utilizado na reabilitação, podendo ser considerada estratégia motivante nos serviços de fisioterapia com grande demanda e em programas fisioterapêuticos que pretendam abordar aspectos relacionados à qualidade de vida de pacientes com AVC.

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Atividade física em grupo melhora o sono de idosas sedentárias Physical activity in group improves sleep in sedentary elder women

Laiz Helena de Castro Toledo Guimarães1, Mitchelly Dehone Lima2, Juliana Aparecida de Souza2 RESUMO

SUMMARY

Introdução. A medida que o indivíduo envelhece, o sono se constitui cada vez mais em motivo de queixas. Existem porém, fortes evidências experimentais de que um programa de atividade física, pode prevenir doenças, diminuir as quedas, melhorar o humor e o sono em idosos. Objetivo. avaliar o tempo total de sono (TTS) e a qualidade do sono em idosas sedentárias submetidas a um programa de atividade física em grupo. Método. Doze voluntárias com idade mínima de 60 anos, foram convidadas a participar da pesquisa, permanecendo no estudo somente 6 voluntárias. Estas foram instruídas a preencher o Diário do Sono e a Escala Visual Analógica (EVA) de qualidade do sono, durante 30 dias consecutivos. Após os 30 dias de preenchimento, as voluntárias participaram de um programa de atividade física em grupo, durante 4 meses consecutivos, 2 vezes por semana. Resultados. A média do TTS antes do programa de atividade física foi de 7 hora e 48 minutos e 9 horas após o programa (p=0,01). A média dos escores da EVA foi de 7,1 antes do programa de atividade física e de 8,6 após o programa (p=0,003). Conclusão. Atividade física em grupo melhora o TTS e qualidade do sono de idosas sedentárias.

Introduction. The older the individual grows the more he complains about his sleep. Empirical evidences exist, however, that shows that a physical activity program can bring benefits to aged women such as preventing diseases, decreasing falls, and improving both mood and sleeping. Objective. To assess the Total Sleep Time (TST) and the sleep quality in sedentary aged who have participated in a group physical activity program. Method. Twelve female volunteers aging at least 60 were invited to participate in this research work. Six remained. They were supposed to fill in The Sleep Diary and the sleep quality Analogical Visual Scale (AVS) for 30 days straight. After that the participants were joined in a twice-a-week four-month group physical activity. Results. The TST means was 7 hours and 48 minutes before, and 9 hours after the program (p=0.01). AVS scores means was 7.1 before and 8.6 after the program (p=0.01). Conclusion. Group physical activity was found to improve sedentary aged female’s Total Sleep Time as well as sleep quality.

Unitermos: Idoso. Atividade física. Sono.

Keywords: Elderly. Physical activity. Sleep.

Citação: Guimarães LHCT, Lima MD, Souza JA. Atividade física em grupo melhora o sono de idosas sedentárias.

Citation: Guimarães LHCT, Lima MD, Souza JA. Physical activity in group improves sleep in sedentary elder women.

Trabalho realizado no Centro Universitário de Lavras – UNILAVRAS 1. Fisioterapeuta, Especialista, Professora do Curso de Fisioterapia – UNILAVRAS. 2. Fisioterapeuta.

Endereço para correspondência: Laiz Helena de Castro Toledo Guimarães Rua Álvaro Botelho, 451/302 CEP 37200-000, Lavras-MG [email protected]

Recebido em: 05/02/2007 Revisão: 06/02/2007 a 23/07/2007 Aceito em: 24/07/2007 Conflito de interesses: não

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original INTRODUÇÃO A idade é um fator essencial na modificação da arquitetura do sono, pois a idade avançada está diretamente relacionada com a prevalência de distúrbios do sono, além do impacto negativo na qualidade de vida do idoso1-6. Não existem evidências definitivas de que a quantidade necessária de sono diminua com o envelhecimento, mas os idosos parecem ter, em geral, um sono de menor duração, aumento dos despertares noturnos e conseqüentemente mais cochilos diurnos3,5,7. A eficiência do sono, ou seja, a proporção entre o tempo que a pessoa consegue realmente dormir e o tempo despendido no leito com o objetivo de dormir parece estar reduzida nas pessoas de terceira idade. A dificuldade de manutenção do sono noturno contribui para a diminuição deste parâmetro, que em geral reflete a qualidade do sono8,9. Existem fortes evidências experimentais de que um programa de exercício físico regular pode melhorar a quantidade1,10-12 e qualidade do sono6,9,11,13-15 em indivíduos idosos. Embora haja um consenso de que a atividade física melhora o sono dos idosos, realizamos o presente estudo para verificar os efeitos da atividade física sobre o tempo total do sono e a qualidade do sono, pois sabemos que com o envelhecimento ocorrem muitas alterações, dentre elas o sono, que se torna um fator determinante, no que diz respeito à qualidade de vida do idoso. MÉTODO Amostra Foram incluídas no estudo voluntárias com idade mínima de 60 anos, do gênero feminino, consideradas sedentárias segundo o IPAQ , ou seja, não realizavam nenhuma atividade física por pelo menos 10 minutos contínuos, por pelo menos 1 ano; voluntárias que não apresentavam suspeita de depressão (pontuação abaixo de 5 na Escala Geriátrica de Depressão) e voluntárias com o IMC menor que 35 Kg/m2. Foram excluídas voluntárias com queixas de dor ou que utilizavam medicamentos que sabidamente afetam o sono. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Unilavras, e as participantes assinaram o termo de consentimento. As idosas foram selecionadas da Sociedade Vila São Vicente de Paulo de Lavras, MG.

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Procedimento Na fase inicial do estudo, 12 idosas foram avaliadas através da Escala Geriátrica de Depressão, questionadas se apresentavam dor, se tomavam medicamentos que afetavam o sono e foram também pesadas e medidas para cálculo do IMC. Sendo que 3 foram excluídas (1 apresentava dor e 2, suspeita de depressão), 3 idosas se recusaram participar do estudo, permanecendo no estudo 6 idosas. Posteriormente, as 6 voluntárias foram instruídas a preencher os questionários (Diário do Sono e Escala Visual Analógica de qualidade do sono — EVA) durante 30 dias. Após 30 dias de preenchimento, as idosas participaram de um programa de atividade física em grupo durante 4 meses, realizado no salão da Vila São Vicente de Paulo da cidade de Lavras, MG. O estudo foi realizado no período de junho a dezembro de 2004. A atividade física foi realizada 2 vezes na semana, no período da tarde, em local coberto e supervisionada pelas autoras do estudo. As sessões apresentavam duração de 60 minutos e constavam das seguintes modalidades: aquecimento (5 minutos), caminhada em pista plana e segura (50 minutos) e relaxamento (5 minutos). Ao final dos 4 meses de atividade física, as idosas foram orientadas a preencher novamente o Diário do Sono e a EVA durante 30 dias. Instrumentos Escala Geriátrica de Depressão (EGD). É um instrumento utilizado para o rastreamento de sintomas depressivos na população geriátrica14. Essa escala consta de 15 questões dicotômicas (sim x não) referentes à satisfação com a vida, sensação de inutilidade, desinteresse, aborrecimento, felicidade, entre outros. Esse instrumento não tem aplicabilidade quando a capacidade de compreensão do idoso estiver comprometida16. Diário do sono. Avalia a quantidade de sono registrando-se pela manhã, diariamente, quanto tempo dormiu, e quantas vezes e por quanto tempo despertou durante a noite, registrando-se também os cochilos feitos durante o dia17. O diário do sono utilizado neste estudo foi uma adaptação do mesmo, para facilitar o preenchimento por parte das idosas. Dividimos o preenchimento do diário do sono em duas etapas: ao acordar e ao deitar, para evitar perda de informações que poderiam não ser lembradas se

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original o diário de sono fosse preenchido em um único momento durante o dia. Ao acordar, as idosas deveriam responder a hora que dormiram à noite, se acordaram durante a noite, por quantas vezes e quanto tempo ficaram acordadas. Ao se deitar, deveriam responder se dormiram durante o dia, quantas vezes e quanto tempo ficaram dormindo somando todos os episódios de cochilo. As idosas foram instruídas detalhadamente e individualmente quanto ao preenchimento do diário de sono. EVA de Qualidade do Sono. É uma escala de 10 centímetros, precedida pela pergunta “Como você dormiu?”. A escala é iniciada em “muito mal” (zero) e finalizada em “muito bem” (dez). Para cada episódio de sono, os indivíduos assinalaram com um traço vertical, registrando suas percepções quanto à qualidade do sono noturno13,18. Análise dos dados Tempo Total de Sono (TTS). No cálculo do TTS consideramos apenas o sono principal, ou seja, o período de sono noturno, definido pelo idoso como o momento destinado apenas para dormir. O TTS diário de cada participante foi somado e calculamos a média e desvio-padrão do TTS noturno antes e após o programa de atividade física. EVA de qualidade do sono. No cálculo da EVA de qualidade do sono consideramos a marcação feita pela idosa, contamos em centímetros, partindo do zero até o local marcado pela idosa. A EVA de qualidade do sono para cada participante foi somada em 30 dias e calculamos média e desvio-padrão antes e após o programa de atividade física. Consideramos sono de qualidade quando a pontuação na EVA fosse superior a 8 e classificamos o sono das voluntárias, segundo esse critério, em sono reparador (good sleep) e sono “pobre” (poor sleep). Análise estatística As variáveis mensuráveis, Tempo Total de Sono e EVA de Qualidade do Sono apresentaram distribuição normal e utilizamos o teste t de Student para compararmos as médias nos grupos. Consideramos significantes valores de p < 0,05. RESULTADOS Tempo Total de Sono (TTS). Foi encontrada uma média de TTS de 7,8 ± 0,4 horas das idosas antes do programa de atividade física e 9 ± 0,8 horas após o programa de atividade física. Portanto, as voluntá-

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rias dormiram em média 1 hora e 12 minutos a mais após o programa de atividade física (p = 0,01). EVA de Qualidade do Sono. Foi encontrada uma média de EVA de qualidade do sono de 7,1 ± 0,6 antes do programa de atividade física e 8,6 ± 0,4 após o programa (p = 0,003). Portanto, segundo nosso critério de classificação, 16,6% das idosas foram consideradas good sleep antes do programa de atividade física e após o programa, 83,3% das idosas. DISCUSSÃO De uma maneira geral, a pesquisa evidenciou que o sono das idosas melhorou após o programa de atividade física em grupo. A melhora no TTS e qualidade do sono pode estar relacionada a dois fatores: a atividade física em si e o convívio social promovido pela atividade em grupo. Sabemos que esses dois fatores são importantes marcadores do ritmo circadiano e que a atividade física, ainda que não tenha sido o único fator responsável pela gênese dos nossos resultados, foi a motivação para que o grupo de idosas se encontrasse promovendo o convívio social. A manutenção de uma vida social ativa está relacionada a um melhor sono nos idosos19,20. Portanto, a manutenção de uma regularidade no estilo de vida atua diretamente no sistema circadiano e ajuda a manter uma boa saúde e bem estar. Vários estudos demonstram que o exercício físico regular é um componente da boa higiene do sono, ou seja, práticas ou comportamentos que promovem o sono11,12,14,15. O aspecto relevante de nosso estudo é que a atividade física proposta foi muito simples e segura, entretanto observamos que foi capaz de modificar consideravelmente o comportamento do sono das idosas. O tipo de exercício realizado também pode ter influenciado nossos resultados, pois estudos relatam que ocorre melhora no sono com os exercícios físicos, particularmente exercícios aeróbicos1,13, concordando com o tipo de exercício realizado, caminhada. Acreditamos que a baixa adesão ao estudo por parte das idosas foi conseqüência do estilo de vida monótono, ou seja, pessoas desinteressadas em hábitos de vida saudáveis e regulares, visto que as idosas que aceitaram participar do estudo moravam próximo ao local de realização do programa. Devemos destacar que, uma vez envolvida no estudo, não houve nenhuma desistência, fato que nos surpreen-

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original deu, pois,diante das desistências iniciais, não acreditávamos que isso aconteceria. Outros trabalhos com amostras mais significativas são necessários para confirmar os achados deste estudo. CONCLUSÃO Diante da análise dos resultados apresentados, conclui-se que o TTS aumentou e a qualidade do sono melhorou após o programa de atividade física realizada em grupo com idosas sedentárias. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Sherrill DL, Kotchou K, Quan S. Association of physical activity and human sleep disorders. Arch Intern Med 1998;158(17):1894-8. 2. Foley DJ, Monjan AA, Brown SL, Simonsick EM, Wallace RB, Blazer DG. Sleep complaints among elderly persons: An epidemiologic study of three communities. Sleep 1995;18:425-32. 3. Prinz PN, Vitiello MV, Raskind MA, Thorpy MJ. Geriatrics: sleep disorders and aging. New Eng J Med 1990;323(8):520-6. 4. Asplund R. Sleep disorders in elderly. Drugs & Aging 1999;14(2):91-103. 5. Moran MG, Thompson TL, Nies AL. Sleep disorders in the elderly. Am J Psychiatr 1988;145:1369-78. 6. Prinz PN. Sleep and sleep disorders in older adults. J Clin Neurophysiol 1995;12(2):139-46. 7. Ceolim MF, Diogo MJDE, Cintra FA. Qualidade do sono de pessoas idosas atendidas no grupo de atenção à saúde do idoso do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas. Geriatr Nur 2001;25-30. 8. Buysse DJ, Reynolds CF, Monk TH, Hoch CC, Yeager AL, Kupfer DJ. Quantification of subjective sleep quality in healthy elderly

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Possível associação entre a fadiga física e o grau de força dos músculos respiratórios na Esclerose Múltipla Possible association between physical fatigue and strength of respiratory muscles in Multiple Sclerosis

Fabrício Rapello Araújo1, Fabíola Rebouças2, Yára Dadalti Fragoso3 RESUMO

SUMMARY

Objetivo. Avaliação da possível associação entre a fadiga física e a alteração da força dos músculos respiratórios de pacientes portadores de esclerose múltipla (EM). Método. 20 pacientes com fadiga referida foram submetidos à avaliação fisioterapêutica, sendo utilizadas a Escala de Fadiga Física de Chalder para a determinação da presença de fadiga física e a manovacuometria para a mensuração da Pressão Inspiratória Máxima (Pimáx) e Pressão Expiratória Máxima (Pemáx). Resultados. A fadiga física foi confirmada em todos os pacientes submetidos a avaliação fisioterapeutica respiratória. Dez pacientes apresentaram somente fadiga física (grupo 1, G1) e 10 referiram fadiga física e dispnéia (grupo 2, G2), não relacionadas entre si. A Pimáx encontravase no limite inferior da normalidade e a Pemáx era abaixo da normalidade em G1. Em G2, a Pimáx e a Pemáx foram significativamente mais baixas do que o normal comparado aos casos do G1. Estes achados foram independentes da forma clínica da EM, do tempo de evolução, do uso de imunomoduladores, do sexo, da idade, da etnia e do EDSS. Conclusão. Pacientes portadores de EM com relato de fadiga física podem necessitar de uma investigação do grau de força dos músculos respiratórios para a identificação de possíveis alterações como fraqueza ou fadiga destes grupos musculares.

Objective. To evaluate a possible association between physical fatigue and alterations in the strength of respiratory muscles in patients with multiple sclerosis (MS). Method. 20 patients complaining of fatigue underwent evaluation by physical therapists who used the Chalder Scale for Physical Fatigue, in order to determine the presence of physical fatigue and manovacuometry to assess the Maximum Inspiratory Pressure (Pimax) and Maximum Expiratory Pressure (Pemax). Results. Physical fatigue was confirmed in all patients who underwent respiratory physical therapy evaluation. Ten patients presented only physical fatigue (group 1, G1), while 10 patients had physical fatigue and dyspnea that were unrelated to each other (group 2, G2). Pimax was at the lower normal limit in G1 and Pemax was below normal in G1. For G2, both Pimax and Pemax presented significantly lower values than those obtained in G1. These findings were unrelated to the clinical presentation of MS, duration of disease, use of immunomodulators, gender, age, ethnic group and EDSS. Conclusion. Multiple Sclerosis patients reporting physical fatigue may needed to undergo an investigation of the degree of respiratory muscle strength in order to identify possible alterations such as weakness or fatigue of these muscles.

Unitermos: Fadiga. Fadiga Muscular. Esclerose Múltipla.

Keywords: Fatigue. Muscle fatigue. Multiple Sclerosis.

Citação: Araújo FR, Rebouças F, Fragoso YD. Possível associação entre a fadiga física e o grau de força dos músculos respiratórios na Esclerose Múltipla.

Citation: Araújo FR, Rebouças F, Fragoso YD. Possible association between physical fatigue and strength of respiratory muscles in Multiple Sclerosis.

Trabalho realizado no Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos e Centro de Referência em Esclerose Múltipla do Litoral Paulista, DRS IV da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo 1. Fisioterapeuta, Especialista em Fisioterapia Neuro-Músculo-Esquelética 2. Fisioterapeuta, Especialista em Fisioterapia Respiratória 3. Neurologista, Professora Titular

207

Endereço para correspondência: Yára Dadalti Fragoso Rua da Constituição 374, CEP 11015-470, Santos - SP Fone/fax: +55 13 32263400 e-mail: [email protected] Recebido em: 08/03/2007 Revisão: 09/03/2007 a 23/07/2007 Aceito em: 24/07/2007 Conflito de interesses: não

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original INTRODUÇÃO A fadiga referida é considerada um dos sintomas mais incapacitantes e menos compreendidos na Esclerose Múltipla (EM)1. São descritos na literatura quatro tipos de fadiga referida. A astenia (perda de energia) e a lassitude (diminuição de energia) ocorrem ao repouso e não demonstram relação com a execução de atividades diárias ou exercício físico. Já a fadiga mental caracteriza-se pela redução da capacidade de execução das atividades cognitivas. A fadiga física ou fatigabilidade, por sua vez, é definida como a sensação de exaustão presente durante ou após a realização de atividades de vida diária ou exercício físico, com diminuição ou desaparecimento da mesma ao repouso2. Não existe na atualidade um tratamento específico para a fadiga referida em pacientes com EM. A abordagem farmacológica da fadiga com amantadina3, L-carnitina4 ou modafinil5 vem trazendo resultados frustrantes. Embora certos autores confirmem a relação entre a fadiga referida e parâmetros como depressão e grau de incapacidade6, outros não confirmam esses dados7. Estudos mais recentes sugerem, ainda, a presença de componentes inflamatórios responsáveis pelo desenvolvimento da fadiga referida8 e da existência de uma correlação entre a fadiga referida e a fadiga física, sendo esta associada diretamente a disfunções de grupos musculares específicos9. Treinamento de músculos respiratórios já vem sendo sugerido como uma possibilidade terapêutica para fadiga na EM10,11. O uso de escalas de avaliação de fadiga tem se mostrado controverso e nem sempre a avaliação através de questionários e tarefas realizadas indicam uma correlação entre si12. O objetivo do presente trabalho foi a avaliação de uma possível associação entre a fadiga física e o grau de força dos músculos respiratórios em pacientes com EM. MÉTODO Vinte pacientes portadores de EM (17 mulheres e 3 homens, com idade média de 42 anos) com relato de fadiga, sem antecedentes pessoais prévios de doenças pulmonares, cirurgias torácicas, disfunções tiroidianas ou alterações do humor não tratadas e sem surtos da doença nos últimos três meses foram encaminhados e avaliados nos Setores de Fisioterapia do Departamento de Neurologia e do Centro de Referência para Esclerose Múltipla da Secretaria do Estado de São Paulo, DIR XIX13. A consulta específica de avaliação de força respiratória foi autorizada pelo Comitê de Ética da Universidade Metropolitana de Santos, não sendo um trabalho de caráter ex-

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perimental, mas sim assistencial de apoio aos pacientes que freqüentam o ambulatório de referência em EM. Incapacidade física foi avaliada pelo uso da Escala de Kurtzke (expanded disability scale — EDSS)14. A avaliação fisioterapêutica consistiu de duas etapas: primeiramente foi aplicada a Escala de Fadiga Física de Chalder15, composta de oito afirmações especificas sobre fadiga física, com três opções distintas de resposta (”nunca”, ”um pouco” e ”com freqüência”), sendo atribuídas as notas 0, 1 e 2 pontos, respectivamente, a cada uma delas. Essa escala apenas confirma a presença ou não da fadiga física através da soma dos resultados obtidos das respostas, sendo necessária uma nota final igual ou superior a oito pontos. Na segunda fase foi realizada a graduação da força dos músculos respiratórios através da mensuração da Pressão Inspiratória Máxima (PImáx) e Pressão Expiratória Máxima (PEmáx) pela manovacuometria. Os valores negativos se referem à pressão inspiratória e os positivos, à pressão expiratória. Para músculos inspiratórios, os valores normais encontram-se entre -75 e -120 cm H2O e índices menores caracterizam graus de fraqueza (-70 a -45 cm H2O), fadiga (-40 a -25 cm de H2O) e falência (menores ou iguais a -20 cm H2O) musculares. Para músculos expiratórios, os valores normais estão entre +100 e +120 cm H2O, sendo caracterizada fraqueza abaixo de +95 cm H2O. A análise estatística foi realizada através do Teste t de Student para comparação de médias e análise de regressão para correlação de parâmetros. RESULTADOS Dezesseis pacientes apresentavam EM na forma remitente-recorrente (EMRR), enquanto quatro apresentavam a forma secundariamente progressiva (EMSP). O grau de incapacidade física pelo EDSS14, variou entre zero e 6,5. Os pacientes com forma secundariamente progressiva tinham limitações graves na deambulação e estavam classificados como tendo EDSS entre 6,0 e 6,5. Todos os pacientes com forma EMRR apresentavam EDSS ≤ 5,0. Também nas formas EMSP que ainda apresentavam surtos não houve registro de surto nos três meses precedendo a avaliação. A fadiga física foi confirmada em todos os pacientes submetidos à avaliação fisioterapêutica respiratória. Destes, 10 pacientes referiram, ainda, a presença de dispnéia, não a relacionando diretamente com a fadiga física. Os pacientes foram divididos em dois grupos: 10 pacientes com fadiga física e sem dispnéia (G1) e 10 pacientes com fadiga física e dispnéia (G2). Um resumo dos resultados é apresentado nas tabelas 1 e 2.

208

original Os dados a seguir são expressos em cm de H2O, média e desvio-padrão. No grupo 1, a PImáx encontrava-se no limite inferior da normalidade (-79,5 ± 3,69), enquanto a PEmáx estava abaixo da normalidade (75,5 ± 3,69). No grupo 2, os valores de PImáx e PEmáx foram significativamente menores e ambos encontravam-se abaixo da normalidade (respectivamente -31 ± 6,14 e 31 ± 12,89; p < 0,001) quando comparados aos valores obtidos no grupo 1. Estes achados foram independentes da forma clínica da EM, do tempo de evolução, do uso de imunomoduladores, do sexo, da idade, da etnia e do EDSS. O grau de fadiga física pela Escala de Chal15 der foi significativamente maior (p < 0,05) no grupo 2 (11,9 ± 1,37) quando comparados ao grupo 1 (9,3 ± 0,82). Os valores maiores refletem sintomas mais exacerbados de fadiga física. Utilizando-se correlação de Pearson, observou-se que a intensidade da fadiga estava diretamente correlacionada com idade mais jovem e EDSS mais baixo. Não houve correlação entre a medicação em uso e a presença de fadiga física, porém o grupo de pacientes foi bastante misto, com diferentes tratamentos, não permitindo comparação e correlação.

los respiratórios. Os artigos que tentam relacionar a fadiga física a outros parâmetros clínicos têm resultados por vezes contraditórios3,4 e a própria mensuração da fadiga física é um desafio à prática clínica10. Nossos resultados sugerem que existam subgrupos de pacientes cuja fadiga referida seja causada pela presença de fadiga física. Tal achado justificaria os resultados inadequados do tratamento farmacológico proposto de forma geral a todos os pacientes com relato de fadiga. Enquanto alguns pacientes se beneficiam com esses medicamentos16,17 ou com atividade física programada12,18, outros são resistentes a tais abordagens terapêuticas. A observação da correlação entre o grau de fadiga e a idade mais jovem com menor EDSS foi particularmente inesperada. Talvez este achado possa sugerir que pacientes menos comprometidos procurem manter atividades próximas do normal, relatando mais fadiga. CONCLUSÃO É necessário considerar que possam existir subgrupos de pacientes portadores de EM com relato de fadiga física, com pelo menos um componente causal de alteração do grau de força dos músculos respiratórios. Para os pacientes com grau de força muscular respiratória próxima da normalidade e sem queixa de dispnéia, outros programas de tratamento podem ser sugeridos18.

DISCUSSÃO Poucos estudos têm sido realizados correlacionando a fadiga física a alterações de força dos múscu-

Tabela 1. Resultados para fadiga e manovacuometria de pacientes sem queixa de dispnéia. Número do Paciente

1

3

7

8

9

15

16

17

18

19

Média

SD

43

11,2

Sexo

F

F

M

F

F

F

F

M

F

F

Idade

39

47

21

55

57

39

32

47

53

38

Etnia

C

C

C

C

C

C

C

A

C

C

Forma clínica

RR

RR

RR

RR

RR

RR

RR

SP

RR

SP

EDSS

2,0

2,0

4,5

1,5

1,0

2,0

4,0

6,5

1,5

6,0

3,1

2,13

Pimáx

-80

-80

-75

-80

-80

-75

-75

-75

-80

-85

-79,5

3,69

Pemax

80

75

70

80

75

70

75

75

75

80

75,5

3,69

Fadiga (Chalder)

10

9

10

8

9

10

10

10

9

8

9,3

0,82

Média

SD

41

14,65

2,29

F= feminino, M= masculino, C= caucasiano, A= afro-americano, RR= remitente-recorrente, SP= secundariamente progressiva

Tabela 2. Resultados para fadiga e manovacuometria de pacientes com queixa de dispnéia. Número do Paciente

2

4

5

6

10

11

12

13

14

20

Sexo

F

F

F

M

F

F

F

F

M

F

Idade

19

53

43

46

59

38

39

51

16

44

Etnia

C

C

C

A

C

C

C

C

C

C

Forma clínica

RR

RR

SP

RR

RR

RR

SP

SP

RR

SP

EDSS

3,0

1,0

6,0

1,5

1,5

1,0

5,5

6,5

1,0

6,5

3,4

Pimáx

-40

-40

-30

-35

-25

-25

-30

-25

-35

-25

-31,1

6,15

Pemax

50

25

20

40

20

30

45

20

45

15

31

12,86

Fadiga (Chalder)

10

11

12

11

14

12

11

13

11

14

11,9

1,37

F= feminino, M= masculino, C= caucasiano, A= afro-americano, RR= remitente-recorrente, SP= secundariamente progressiva

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original REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Krupp LB, Christodoulou C. Fatigue in multiple sclerosis. Curr Neurol Neurosci Rep 2001;1:294-8. 2. Giovannoni G. Multiple sclerosis related fatigue. J Neurol Neurosurg Psychiatr 2006;77:2-3. 3. Pucci E, Branas P, D’Amico R, Giuliani G, Solari A, Taus C. Amantadine for fatigue in multiple sclerosis. Cochrane Database Syst Rev 2007;1:CD002818. 4. Tomassini V, Pozzilli C, Onesti E, Pasqualetti P, Marinelli F, Pisani A, et al. Comparison of the effects of acetyl L-carnitine and amantadine for the treatment of fatigue in multiple sclerosis: results of a pilot, randomised, double-blind, crossover trial. J Neurol Sci 2004;218:103-8. 5. Stankoff B, Waubant E, Confavreux C, Edan G, Debouverie M, Rumbach L, et al. Modafinil for fatigue in MS: a randomized placebocontrolled double-blind study. Neurology 2005;64:1139-43. 6. Pittion-Vouyovitch S, Debouverie M, Guillemin F, Vandenberghe N, Anxionnat R, Vespignani H. Fatigue in multiple sclerosis is related to disability, depression and quality of life. J Neurol Sci 2006;243:39-45. 7. Rasova K, Brandejsky P, Havrdova E, Zalisova, Rexova P. Spiroergometric and spirometric parameters in patients with multiple sclerosis: are there any links between these parameters and fatigue, depression, neurological impairment, disability, handicap and quality of life in multiple sclerosis? Mult Scler 2005;11:213-21. 8. Heesen C, Nawrath L, Reich C, Bauer N, Schulz KH, Gold SM. Fatigue in multiple sclerosis: an example of cytokine mediated sickness behaviour? J Neurol Neurosurg Psychiatry 2006;77:34-9.

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210

original

Análise do esquema e imagem corporal em pacientes com esclerose lateral amiotrófica Analysis of body image and scheme in patients with amyotrophic lateral sclerosis

Cíntia Citelli de França1, Vanessa Rodrigues de Queiroz1, Letícia Moraes de Aquino2, Sonia Maria Pereira3 RESUMO

SUMMARY

Introdução. A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença neuromuscular fatal marcada pelo comprometimento dos motoneurônios da medula espinhal, tronco cerebral e córtex motor, provocando atrofia muscular progressiva. Na maioria desses pacientes o grau de consciência permanece intacto, fazendo com que o individuo se veja conectado ao meio ambiente e prisioneiro do seu corpo. As conseqüências da doença levam à alterações no esquema e imagem corporal. Objetivo. O objetivo do presente trabalho foi avaliar de forma quantitativa e qualitativa o esquema e imagem corporal de indivíduos com ELA através da análise de desenhos da figura humana. Métodos. Foram analisados 10 indivíduos com diagnóstico de ELA, 80% do sexo masculino, com idade média de 56 4,19 anos, através do Teste da Figura Humana, que foi avaliado de forma qualitativa e quantitativa, individual e em grupo. Resultados. As principais alterações observadas nos desenhos foram ausência de partes do corpo e de movimento, além de alterações relacionadas com as características particulares apresentadas pelos indivíduos e com o quadro geral da doença. A análise da imagem corporal aponta para prejuízos relacionados à insatisfação, depreciação, distorção e preocupação com a auto imagem. Conclusão. Essa constatação leva a crer que o conhecimento do esquema e imagem corporal é útil como mais uma forma de avaliação e proposta de tratamento em programas de reabilitação.

Introduction. The Amyotrophic Lateral Sclerosis (ALS) is fatal a neuromuscular disease marked by the committal of the motoneurons of the spinal cord, brain stem and motor cortex causing progressive muscle atrophy. In these patients the degree of conscience remains intact, making the individual see himself connected to the environment and a prisoner in his own body. The consequences of the disease lead to alterations in the plan and body image. Objective. The aim of this study is to evaluate in quantitative and qualitative ways the plan and the body image of individuals with ALS through the analysis of drawings of the human figure. Methods. We analysed 10 patients with ALS diagnosed, 80% male, 56 4.19 years old, with Human Figure Test. The data was analyzed individually and in group, qualitatively and quantitatively. Results. The main alterations observed in the drawings were the absence of parts of the body and movement, apart from alterations related to particular characteristics showed by the individuals and with a general view of the disease. The body image analyze showed impairments as no satisfaction, distortions, concern about selfimage. Conclusion. The verification of these alterations makes us believe that knowledge of the scheme and body image are useful as one more way of evaluation and criteria of inclusion in rehabilitation programs.

Unitermos: Imagem corporal. Esclerose amiotrófica lateral. Desenho.

Keywords: Body image, Amyotrophic lateral sclerosis, Design.

Citação: França CC, Queiroz VR, Aquino LM, Pereira SM. Análise do esquema e imagem corporal em pacientes com esclerose lateral amiotrófica.

Citation: França CC, Queiroz VR, Aquino LM, Pereira SM. Analysis of body image and scheme in patients with amyotrophic lateral sclerosis.

Trabalho realizado no Departamento de Neurologia/ Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo 1. Fisioterapeuta, especializanda em doenças neuromusculares – UNIFESP. 2. Fisioterapeuta, mestranda – UNIFESP. 3. Psicopedagoga e psicomotricista, professora adjunta do curso de Fisioterapia da Universidade São Camilo.

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Endereço para correspondência: Cíntia Citelli de França Av. Vivaldi, 1252 CEP 09617000 - São Bernardo do Campo-SP Email: [email protected] Recebido em: 14/04/2007 Revisão: 15/04/2007 Aceito em: 19/09/2007 Conflito de interesses: não

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original INTRODUÇÃO A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença fatal marcada pela depleção dos motoneurônios do córtex cerebral, tronco encefálico e medula espinhal1-3. Esta pode ser classificada como ELA suspeita, possível, provável ou definida, de acordo com os sinais de lesão de neurônios motores superior e inferior apresentados, através dos critérios do El Scorial4. O tempo médio de evolução da doença até a morte ou dependência de ventilação mecânica é de aproximadamente dois a quatro anos2,5. Sua patogenia continua obscura, porém6 inúmeros mecanismos, como morte celular por agressão autoimune dos canais de cálcio e incremento do cálcio intracelular, infecção viral, estresse oxidativo, dano por radicais livres, neurotoxicidade por glutamato e disfunção das mitocôndrias ou dos mecanismos de transporte axonal por possível deficiência no fator de crescimento do nervo, são sugeridos nos últimos anos como fatores contribuintes7-9. A degeneração das células nervosas não afeta a sensibilidade, os sentidos e nem diminui a capacidade intelectual, exceto nos casos de Esclerose Lateral Amiotrófica com Atrofia Fronto-Temporal seguida de demência, que são raramente encontrados. Observa-se dispnéia progressiva nos pacientes acometidos, com necessidade de assistência ventilatória, sendo essa a principal causa de morte10-13. Não existe nenhuma terapia que possa estacionar ou levar à cura da doença, porém há um grande número de estratégias para o controle da sintomatologia e gerenciamento das capacidades existentes12,14. O tratamento interdisciplinar visa prevenir as complicações provenientes da imobilização na maior parte do tempo e melhorar, em algum aspecto, a saúde e a auto-estima. Para isso, torna-se benéfico que o indivíduo tenha uma imagem corporal valorizada15,16. Entende-se por esquema e imagem corporal a representação formada mentalmente do nosso corpo a partir de experiências vividas desde o nascimento, seguida de reestruturações constantes geradas pelas relações estabelecidas com o meio físico e social através da percepção que o indivíduo tem do seu corpo e o conceito que faz de si mesmo17-20. A doença orgânica altera a imagem do corpo, assim como os sinais e sintomas da doença alteram as ações motoras21,22. Havendo uma integração incoerente da gnosia corporal, podem ocorrer dificuldades de relação com objetos, insuficiência do investimento afetivo e lúdico, impedindo assim o acesso de uma motricidade orientada e ajustada às percepções23.

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O desenho da figura humana é um instrumento aferidor da consciência da unidade corporal, sendo um dos mais ricos instrumentos para a investigação da personalidade e do esquema e imagem corporal, uma vez que se refere às imagens internalizadas que tem de si próprio e dos outros23-25. As vivências psicomotoras têm como objetivo estimular os indivíduos a conhecerem e utilizarem seu corpo, percebendo o quanto ele está integrado e associado ao seu pensamento e emoções20, podendo ser explorada em pacientes de ELA, uma vez que grande parte desses indivíduos permanece conectada ao meio ambiente, vivendo literalmente o drama de sua prisão pessoal6. Os objetivos deste estudo foram de analisar o esquema e imagem corporal de indivíduos com ELA por meio do teste do desenho da figura humana, para observar se existem ou não alterações ou distorções e caracterizar o grupo avaliado. MÉTODO Realizou-se um estudo qualitativo e quantitativo (descritivo e transversal), com amostra por conveniência. A pesquisa foi realizada na Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (ABRELA), localizada no setor de Investigação em Doenças Neuromusculares UNIFESP/EPM, uma vez por semana, no período de agosto a setembro de 2006, até totalizar o número de 10 indivíduos. Como critérios de inclusão, determinou-se diagnóstico de ELA confirmado pelo prontuário médico, idade entre 20 e 80 anos, possibilidade motora de escrita, e estar cadastrado na ABRELA, e de exclusão, pacientes que apresentassem alterações cognitivas, dor ou fadiga durante a realização do desenho e incapacidade motora de realizá-lo sozinho. A caracterização dos participantes foi feita através da coleta de dados retrospectiva por meio do prontuário médico e da avaliação fisioterapêutica do setor que continham o perfil sócio ocupacional (nome, idade, sexo, profissão, atividade física), exame físico (movimentação ativa de membros superiores proximal e distal e movimento de pinça, fadiga, dor e câimbras), tempo dos sintomas e o tempo de diagnóstico de ELA, doenças associadas e antecedentes pessoais. Para o presente estudo, a movimentação ativa dos membros superiores e o movimento de pinça foram classificados, independentemente do grau de força muscular, como preservado (capacidade em realizar ativamente todo o arco do movimento), comprometido (incapacidade em realizar ativamente todo o arco do movimento) e ausente (incapacidade

212

original em realizar o movimento); aplicação de uma ficha elaborada pelas aplicadoras para completar os dados coletados e a escala de funcionalidade ALS Functional Rating Scale26. O teste do desenho da figura humana foi aplicado uma única vez em cada indivíduo. Durante a aplicação, com os dados recolhidos com os indivíduos (nome, idade, sexo) eram acessados os prontuários, após ciência e autorização dos responsáveis pelo setor, e com o consentimento informado dos indivíduos, previamente aprovado pelo Comitê de Ética da UNIFESP. Como recursos para sua aplicação foram utilizadas folha cor branca, prancheta e caneta hidrográfica cor preta. Para a realização do desenho, uma folha foi colocada verticalmente diante do sujeito, fixada em uma prancheta com a caneta hidrográfica. Os sujeitos deveriam estar sentados em cadeira com apoio ou na própria cadeira de rodas com apoio da prancheta sobre uma mesa fixa. O teste foi baseado na análise do desenho da figura humana, sendo avaliado de modo quantitativo (tabela 1), por uma pontuação entre 0 e 1027, e qualitativo pela análise individual e em grupo, com a colaboração de uma investigadora cega à amostra capacitada para tal avaliação (psicopedagoga e psicomotricista). A análise foi realizada de forma individual e grupal, quantitativa e qualitativa28. Tabela 1. Tabela proposta por Oliveira27 para avaliação quantitativa do desenho da figura humana. Pontuação 10

Desempenho Obedece a proporção, número e posição das partes, denotando possuir representação mental correta; figura rica em detalhes; semelhança com o real; orientação espacial; diferenciação dos sexos, vestimentas elaboradas; presença de mãos, antebraços, pernas, pés; figuras em movimento.

8

Desenho pobre, com poucos detalhes, obedecendo ao número e posição das partes do corpo, com orientação espacial no papel; boas proporções, com três detalhes de roupa; presença de ombros, cintura e pescoço.

6

Desenho pobre, sem detalhes; faltando uma ou duas partes essenciais do corpo; poucas distorções, pernas muito longas ou muito curtas; figura muito pequena ou muito grande; falta de orientação espacial, fazendo a figura muito no canto ou no alto da folha.

4

Desenho muito pobre, faltando mais de três detalhes essenciais do corpo; sem respeitar a proporção, número e posição das partes da figura humana, com algumas distorções; tronco muito longo, falta de delineamento onde começam as pernas e os braços.

2

Desenho em “palito”, apenas delineando uma figura humana.

0

Traços irregulares; desenho incompleto, fragmentado, irreconhecível, com distorções.

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RESULTADOS Dados demográficos Foram analisados 10 indivíduos, sendo 80% do sexo masculino, com idade média de 56 ± 4,19 anos, sendo que a maioria apresentava ELA do tipo apendicular (80%). Na pesquisa de queixas e sintomas, apenas 30% referiram cãibras e 40% tinham dor. Quanto à movimentação ativa proximal dos membros superiores, 60% dos indivíduos a possuíam preservada e 40% comprometida; em relação à movimentação ativa distal dos membros superiores, 50% possuíam preservada, 40% comprometida e 10% ausente; em relação ao movimento de pinça, 40% deles o mantinham preservado, 50% apresentavam comprometimento e 10% ausência. A evolução da doença teve uma média de 46,3 ± 38,69 meses. Destes indivíduos, apenas 20% ainda realizavam atividade profissional, sendo que, do total, somente 10% não possuíam vida profissional ativa anteriormente à doença. 40% dos indivíduos relatam apenas atividades de lazer, 20% atividade de lazer associada à atividade profissional, 20% cuidados básicos e auto cuidados e 20% relataram não realizar atividade alguma. Em relação aos tratamentos, 70% realizam alguma terapia além do tratamento médico ambulatorial, sendo que destes, 40% fisioterapia, l0% fisioterapia e fonoaudiologia, 10% fisioterapia, fonoaudiologia e acompanhamento nutricional, 10% fisioterapia, hidroterapia e terapias alternativas e 10% somente terapias alternativas. O valor médio da ALSFRS foi de 26,1 ± 4,99. Análise individual dos desenhos a) J.M.D.: quantitativa: 4 pontos de acordo com a classificação utilizada; qualitativa: figura grande, centralizada à esquerda e inferior, com tracejado não contínuo, sem expressão de movimento, com ausência de partes do corpo (braços e rosto) e rasura nas pernas. Realizado em 2 minutos. b) N.F.: quantitativa: 10 pontos de acordo com a classificação utilizada; qualitativa: figura média, centralizada à direita, com traçado contínuo, com expressão de movimento, sem ausência de partes do corpo. Realizado em 2 minutos e 15 segundos. c) C.A.H.: quantitativa: 8 pontos de acordo com a classificação utilizada; qualitativa: figura grande, centralizada, com traçado contínuo, com expressão de movimento, com ausência de partes do corpo (cabelos e orelhas) e diferença entre os hemicorpos. Realizado em 3 minutos.

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original d) L.N.: quantitativa: 4 pontos de acordo com a classificação utilizada; qualitativa: figura pequena, centralizada à esquerda, com traçado contínuo, sem expressão de movimento, difícil diferenciação entre as partes do corpo, desenhou a aplicadora ao lado. Realizado em 2 minutos. e) E.F.S.: quantitativa: 6 pontos de acordo com a classificação utilizada; qualitativa: figura grande, inferior à direita, com traçado contínuo e rebuscado, sem expressão de movimento, com ausência de partes do corpo (membros inferiores e mão direita), apresentando desorganização espacial. Realizado em 4 minutos e 45 segundos. f) J.F.F.: quantitativa: 8 pontos de acordo com a classificação utilizada; qualitativa: figura média, superior à esquerda, com traçado contínuo, sem expressão de movimento, com ausência de partes do corpo (boca e detalhes). Realizado em 1 minuto e 30 segundos. g) B.C.G.: quantitativa: 6 pontos de acordo com a classificação utilizada; qualitativa: figura pequena, superior à direita, com traçado contínuo, sem expressão de movimento, com ausência de partes do corpo, ênfase na presença das orelhas. Realizado em 3 minutos. h) A.M.R.O.: quantitativa: 8 pontos de acordo com a classificação utilizada; qualitativa: figura grande, centralizada, com traçado contínuo, sem expressão de movimento, com ausência de partes do corpo (rosto e detalhes devido à incapacidade motora de realizá-los). Realizado em 2 minutos. i) R.F.L.: quantitativa: 8 pontos de acordo com a classificação utilizada; qualitativa: figura grande, centralizada, com traçado contínuo e rebuscado, sem expressão de movimento, com ausência de partes do corpo (cabelo e orelhas), e com presença do chão. Realizado em 3 minutos e 30 segundos. j) E.S.: quantitativa: 2 pontos de acordo com a classificação utilizada; qualitativa: figura média, centralizada inferior, com traçado contínuo, sem expressão de movimento, com ausência de partes do corpo, com ênfase no desenho do rosto. Realizado em 3 minutos e 10 segundos. Análise em grupo dos desenhos Pode-se observar que 40% dos desenhos feitos classificaram-se com pontuação 8 dentro da escala utilizada (anexo), 20% com pontuação 6, 20% com pontuação 2, 10% com pontuação 10 e 10% com pontuação 4; 30% das figuras estão centralizadas, 10% centralizadas e inferiores, 10% centralizadas

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e inferiores à esquerda, 10% centralizadas à direita, 10% centralizadas à esquerda, 10% superiores à direita, 10% superiores à esquerda e 10% inferiores à direita; quanto ao tamanho das figuras, 50% delas são grandes, 30% médias e 20% pequenas; apresentando 70% dos traçados contínuos, 20% contínuos e rebuscados e 10% tracejados; entre elas apenas 20% têm expressão sugestiva de movimento e 80% não; 90% das figuras apresentam ausência de partes do corpo enquanto 10% não apresentam. 90% dos indivíduos iniciaram pela cabeça; 60% usavam cadeira de rodas, apenas 40% demonstraram alguma dificuldade durante a realização, 50% do grupo mostrou-se muito comunicativo, 30% não estavam acompanhados na ocasião da aplicação do desenho. O tamanho dos membros não foi avaliado devido à dificuldade motora apresentada pela doença. Anexo. ALS Functional Rating Scale. a.Fala 4.Normal 3.Disartria leve 2.Disartria moderada, fala inteligível 1.Disartria grave, necessita comunicação não verbal 0.Anartria b.Salivação 4.Normal 3.Excesso leve, pode haver sialorréia à noite ou no decúbito 2.Excesso moderado, sialorréia mínima 1.Excesso grave, sialorréia evidente 0.Sialorréia intensa, necessita aspiração constante c.Deglutição 4.Normal 3.Disfagia leve, ocasionalmente engasga 2.Disfagia moderada, necessita mudança na quantidade ou consistência 1.Disfagia grave, necessita sonde 0.Dieta parenteral ou gastrostomia d.Escrita 4.Normal 3.Lentificada, todas as palavras são legíveis 2.Algumas palavras são ilegíveis 1.Capaz de manipular caneta mas incapaz de escrever 0.Incapaz de manipular e.Manipulação de alimentos e utensílios (pacientes sem gastrostomia) 4.Normal 3.Lento mas não necessita de ajuda 2.Lento e necessita de ajuda 1.Necessita de ajuda de terceiros para os utensílios, mas pode alimentar-se sozinho 0.Necessita ser alimentado e1.Manipulação de alimentos e utensílios (pacientes com gastrostomia) 4.Normal 3.Lento mas capaz de todas as manipulações sem auxílio 2.Necessita algum auxílio 1.Praticamente toda a manipulação da dieta necessita de auxílio 0.Incapaz/necessita de auxílio total f.Vestuário e higiene 4.Normal 3.Independente para todas as atividades, mas com dificuldade e eficiência diminuída 2.Necessita assistência intermitente ou para tarefas específicas 1.Necessita assistência total 0.Totalmente dependente g.Atitude no leito e manipulação da cama de roupa 4.Normal 3.Lento, mas não necessita de ajuda 2.Pode mexer-se e ajustar roupa sem auxílio, mas com grande dificuldade 1.Pode iniciar tais atividades, mas necessita de auxílio para terminá-las 0.Dependente de auxilio total h.Marcha 4.Normal 3.Alterações precoces 2.Necessita de auxílio 1.Restrito a cadeira de rodas ou leito 0.Paraplégico i.Subir escadas 4.Normal 3.Lento 2.Perde equilíbrio ou fadiga 1.Necessita assistência 0.Incapaz j .Respiração 4.Normal 3.Dispnéia com esforço leve (andar/falar) 2.Dispnéia ao repouso 1.Assistência ventilatória intermitente (noturna) 0.Dependente ventilador

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J.M.D.

N.F.

C.A.H.

L.N.

E.F.S.

J.F.F.

B.C.G.

A.M.R.O.

R.F.L.

E.S.

Figura 1. Desenhos realizados pelos indivíduos participantes da pesquisa.

DISCUSSÃO Os dados mostram que, apesar de pequena, esta casuística pode representar a maioria das características encontradas na literatura referentes à ELA. A idade média de 56 ± 4,19 anos, a maior incidência em homens e a forma bulbar em 20% dos casos condizem com os dados descritos na literatura2,10 quando relatam a maior incidência da ELA na 6a e 7a décadas, com proporção maior de homens e sintomas bulbares em 17 a 25% dos casos. A presença de cãibras em 20% dos indivíduos e de dor em 40% relaciona-se com os dados descritos na literatura2,9 de pacientes que relatam espasmos musculares, em geral aliviados com movimentos de alongamentos ou medicações, e referem uma dor não específica em fases avançadas da doença. A câimbra e a dor, quando presentes com freqüência, podem alterar as ações motoras e, com isso, o esquema e imagem corporal22. O tempo de evolução da doença teve média de 46,3 ± 38,69 meses, próximo dos dados encontrados em literaturas atuais que descrevem como tempo de evolução do início da doença ao óbito entre 24 e 60 meses11,14. Quanto às atividades sociais, de lazer e de auto-cuidados, encontra-se descrito na literatura16 que a formação do esquema e imagem corporal sofrem influência do estado emocional, conflitos psíquicos e do contato com o mundo proporcionado

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pelas diferentes atividades realizadas, sendo o elemento social e a auto-estima aspectos fundamentais. Desses indivíduos, apenas 30% não realizam nenhum tratamento; entre os 70% restantes são realizadas terapias nutricionais, fisioterapia e fonoaudiologia, o que se vê descrito como uma busca de tratamento multiprofissional. Há, também, freqüente procura por técnicas alternativas na tentativa de melhorar a qualidade de vida e aliviar o sofrimento13,27. A ALSFRS é a escala preferida para a avaliação de nível e de mudanças funcionais em pacientes com ELA, podendo ser usada como dado comparativo periodicamente através da pontuação obtida com a sua aplicação15,27. A pontuação na ALSFRS teve média de 26,1 ± 4,99 na época de avaliação. Quanto à perda de força muscular, os dados condizem com a literatura, pois segundo esta9 em 90% dos casos a queixa principal dos indivíduos é a fraqueza de um músculo ou de grupos musculares. Por se tratar de uma doença de início insidioso, a maioria deles não está ciente das alterações na força ou se ajustam a elas até que tenham dificuldade em uma atividade funcional28. Todos os dados descritos podem influenciar o esquema e imagem corporal. Isso porque há uma interação entre os aspectos fisiológicos, neurais, emocionais e sociais para sua formação e constantes reestruturações22. A motricidade é importante na produção da imagem mental, sendo que ela também

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original se dá através das sensações que nos são percebidas. Temos as impressões táteis, térmicas e dolorosas, as sensações viscerais e proprioceptivas, que nos dão a percepção de um esquema corporal17, 29. A análise do esquema e imagem corporal pode identificar alterações que vão influenciar na motricidade voluntária e na qualidade de vida. Essa análise pode ser realizada a partir do desenho da figura humana, demonstrando através dele a maturidade conceitual do indivíduo em relação ao corpo humano e o próprio corpo30. A análise da imagem corporal aponta para prejuízos relacionados à insatisfação, depreciação, distorção e preocupação com a auto-imagem, todos eles influenciados por fatores sócio-culturais31. Durante a realização de qualquer desenho, é fundamental se observar o processo de produção: a postura corporal, a motricidade fina, o ritmo e a forma de elaborar as figuras e a cena. São relevadas as incapacidades apresentadas durante a criação do desenho, sendo aceitas quaisquer expressões como profundamente significativas23,32. Um traço gráfico isolado nada significa, cada traço deve ser considerado em conexão com os demais e no contexto geral do desenho30,33. A falta de conhecimento do fisioterapeuta quanto à imagem e esquema corporal dos pacientes talvez possa aumentar ainda mais a distância entre o que o terapeuta deseja e o que o paciente imagina oferecer. A utilização do teste do desenho da figura humana favorece uma avaliação rápida e é um recurso que permite comparação de amostras futuras para mensurar a evolução do tratamento34. A análise individual e em grupo dos desenhos pode ilustrar o impacto das seqüelas e alterações que a doença ELA pode trazer ao esquema e imagem corporal desses indivíduos. Durante a análise dos desenhos, foi possível observar que os indivíduos com significativa perda da força muscular realizaram desenhos grandes e com ausência de partes do corpo, e quanto maior a perda da força muscular, menor foi o tempo de realização. O desenho de A.M.R.O. (figura 1), que apresenta ausência da movimentação ativa distal de membros superiores e do movimento de pinça, foi realizado em 2 minutos, o que pode ser justificado pela grande dificuldade motora de membros superiores, não apresentando detalhes e sendo realizado de maneira contínua. Já o desenho de E.F.S. (figura 2), com movimentação ativa proximal e distal e movimento de pinça preservados, foi realizado em 4 minutos e 45 segundos, uma vez que ele possui melhor habilidade motora e realizou o desenho lenta-

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mente para conseguir fazer os detalhes, devido à sua fraqueza muscular. No seu desenho, pôde-se notar a ausência dos membros inferiores, o que representa uma alteração no seu esquema e imagem corporal35, podendo sugerir uma não aceitação do uso da cadeira de rodas. As figuras dos indivíduos que relatam dor e cãibras, como as de J.F.F. e B.C.G. (figuras 3 e 4, respectivamente), foram realizadas na parte superior da folha, de tamanho de pequeno a médio e com ausência de movimento. A localização na folha pode indicar a sensação de possuir objetivos inatingíveis, o tamanho, sensação de inferioridade e a ausência de movimento pode estar associada a posturas antálgicas e à necessidade de permanecer imóvel devido à presença de câimbras36. A alteração no traçado apresentada por J.M.D. e R.F.L (figuras 5 e 6, respectivamente), que desenharam os pés com um traçado rebuscado e não contínuo, é descrita na literatura36 como uma busca por estabilidade e possível perda da própria identidade. O desenho feito pelos pacientes com ELA do tipo bulbar apresentaram como única semelhança a localização na parte central da folha. C.A.H. (figura 7) apresenta em seu desenho calvície, que associa a apresentada por ele mesmo, e desvio da cabeça à direita, com hemicorpo direito menor do que o esquerdo, indicando instabilidade e/ou equilíbrio precário33, e o desenho de L.N. (figura 8) foi realizado em tamanho pequeno e em bloco, além de apresentar ao seu lado o desenho de outra figura humana, demonstrando timidez e sentimento de inferioridade35. O desenho de E.S. (figura 9) mostrou-se pobre e próximo do “palito”, onde é difícil nomear cada parte do corpo e é dada ênfase ao rosto, sugerindo falta de percepção corporal e sensação de estar preso em si mesmo, mantendo íntegras as funções cognitivas. O maior destaque dado à cabeça é sugestivo de sensação de inferioridade ou vergonha relacionada às funções e partes do seu corpo32. O único desenho onde não se encontra alteração do esquema e imagem corporal foi o realizado por N.F. (figura 10), por ser rico em detalhes, sem ausência de partes do corpo, com movimento, tamanho e proporções adequados, apresentando pequena diferença entre os membros inferiores, onde há um destaque para o membro inferior esquerdo, no qual relata cãibras freqüentes. A presença de movimento indica adaptação e capacidade mental35. O indivíduo apresenta pouco tempo de evolução da doença, o que pode justificar que, apesar do seu comprome-

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original timento motor, ainda preserva uma boa noção do seu esquema e imagem corporal. A presença da doença modifica não somente a percepção do modelo postural do corpo, mas também sua estrutura como um todo21. Com isso, a vivência emocional leva o indivíduo a alterações na percepção de sua identidade e o conceito de si mesmo, que são expressas na realização do desenho da figura humana. Em geral, os pacientes de ELA falecem mantendo íntegras as funções cognitivas, gerando uma situação chocante para o indivíduo, que se vê perfeitamente conectado ao seu meio ambiente e prisioneiro em seu próprio corpo12,13. A fisioterapia pode-se valer dessa noção de esquema e imagem corporal para enriquecer sua terapia com os pacientes com ELA. São muitas as explicações e hipóteses para justificar as possíveis distorções de esquema e imagem corporal encontradas em pacientes com ELA. Sabese que indivíduos com limitações físicas projetam em seus desenhos qualquer distúrbio apresentado37. Torna-se importante o estudo da noção de imagem e esquema corporal nesses indivíduos que, devido aos déficits motores, têm que aprender a lidar com uma doença progressiva e rapidamente incapacitante. CONCLUSÃO Os resultados da análise dos desenhos demonstram haver, na maioria deles, uma distorção no esquema e imagem corporal. Os indivíduos estudados, apesar de em pequeno número, apresentam as principais características da doença encontradas na literatura. As alterações observadas no desenho foram, principalmente, ausência de partes do corpo e de movimento, além de alterações específicas para os diferentes casos analisados. Essas alterações se relacionam com as características individuais coletadas durante as avaliações e com o quadro da doença em si, uma vez que a mesma leva a alterações musculares que vão interferir na organização do esquema e imagem corporal, levando os indivíduos a ilustrarem suas dificuldades e comprometimentos físicos em seus desenhos. A constatação dessas distorções destaca a necessidade de conhecimento do esquema e imagem corporal também pelos fisioterapeutas, como mais um recurso de avaliação e método comparativo periodicamente em programas de reabilitação. O uso do esquema e imagem corporal através de sua avaliação e como proposta de tratamento de integração, pode ser uma ferramenta adicional à fisioterapia para oferecer melhor qualidade de vida a esses pacientes.

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Trombólise no AVCI agudo em um Hospital da Rede Pública: a experiência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Thrombolysis for acute ischemic stroke in a Public Hospital: the experience of Porto Alegre Clinical Hospital

Sheila Cristina Ouriques Martins1, Rosane Brondani1, Alan Christmann Frohlich2, Raphael Machado Castilhos2, Cleber Camilo Dallalba2, Jéssica Brugnera Mesquita2, Márcia Lorena Fagundes Chaves3, Luiz Antonio Nasi4 RESUMO

SUMMARY

Introdução. Poucos hospitais públicos no Brasil estão estruturados para utilizar rtPA no acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico agudo. Relatamos a experiência de 1 ano de trombólise no AVC isquêmico na Unidade Vascular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, um hospital público, Universitário. Método. Foi criada uma Unidade Vascular na Emergência, formada uma equipe de AVC, realizados treinamentos, implementados protocolos e padronizado o rtPA. Resultados. Foram trombolisados 36 pacientes com rtPA endovenoso no período de 1 ano. A taxa de elegibilidade para o tratamento foi de 15%. A média do escore do NIHSS na chegada foi de 12; 61% dos pacientes apresentaram-se com escore NIH 0–1 e 67% com independência funcional em 3 meses. Sangramento cerebral sintomático ocorreu em 4 pacientes (1 fatal). A mortalidade total foi de 8%. Tempo porta tomografia foi de 28 minutos e portaagulha de 74 minutos. Conclusão. A trombólise com rtPA foi efetivamente realizada em um hospital escola público, onde existe um grande volume de pacientes, geralmente com mais comorbidades e que chegam mais tardiamente para o atendimento. A organização dos hospitais e a aprovação do rtPA no sistema público de saúde pode diminuir o impacto do AVC no Brasil.

Introduction. Few public hospitals in Brazil have the structure necessary for the use of rtPA in acute ischemic stroke patients. We present the 1-year experience in thrombolytic therapy in ischemic stroke in the Vascular Unit of Hospital de Clínicas de Porto Alegre, a university public hospital. Method. The Vascular Unit was established, stroke team was structured, the emergency room staff and the neurology residents were trained and the rtPA was standardized at the Hospital. Results. 36 patients were thrombolysed with endovenous rtPA. The eligibility rate was 15%. The median baseline NIHSS score was 12. In 3 months, 61% of the patients had NIH 0–1 and 67% had functional independence. Symptomatic intracranial hemorrhage occurred in 4 patients (1 fatal). The total mortality rate was 8%. The door to Computed tomography time was 28 minutes and the door to needle time was 74 minutes. Conclusion. The thrombolysis was effective in a public schoolhospital, which assist a great number of patients, usually with more comorbidities and more delayed arrival to the hospital. The hospital organization and the rtPA approval to the public system of health may decrease the impact of stroke in Brazil.

Unitermos: Acidente cerebrovascular. Terapia trombolítica. Saúde pública.

Keywords: Stroke. Thrombolytic therapy. Public health.

Citação: Martins SCO, Brondani R, Frohlich AC, Castilhos RM, Dallalba CC, Mesquita JB, Chaves MLF, Nasi LA. Trombólise no AVCI agudo em um Hospital da Rede Pública: a experiência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Citation: Martins SCO, Brondani R, Frohlich AC, Castilhos RM, Dallalba CC, Mesquita JB, Chaves MLF, Nasi LA. Thrombolysis for acute ischemic stroke in a Public Hospital: the experience of Porto Alegre Clinical Hospital.

Trabalho realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. 1. Neurologista vascular da Unidade Vascular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e do Instituto de Medicina Vascular do Hospital Mãe de Deus (HMD). 2. Residente do Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. 3. Chefe do Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. 4. Chefe do Serviço de Emergência e da Unidade Vascular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

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Endereço para correspondência: Sheila Cristina Ouriques Martins. Rua Engenheiro Olavo Nunes, 99/703 CEP 90440-170, Porto Alegre, RS Recebido em: 24/04/2007 Revisão: 25/04/2007 a 18/09/2007 Aceito em: 19/09/2007 Conflito de interesses: não

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original INTRODUÇÃO Frente ao impacto sócio-econômico mundial que a doença vascular representa como causa crescente de morte e incapacidade permanente, uma atenção especial tem sido dada ao seu atendimento. O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a primeira causa de morte no Brasil, correspondendo a 30% dos óbitos. As doenças vasculares são a terceira causa de hospitalização na rede pública (10% das hospitalizações)1. Com as evidências de que o atendimento rápido e especializado diminui a morbimortalidade das doenças vasculares agudas, julgamos necessário organizar o seu atendimento no Serviço de Emergência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, um hospital público universitário. Foi criada uma Unidade Vascular (UV) em dezembro de 2005, com cinco leitos ocupando um espaço físico específico, destinada ao atendimento de pacientes com suspeita de AVC, síndrome coronariana aguda, síndromes aórticas agudas e tromboembolismo pulmonar. Relatamos aqui a experiência de um ano do atendimento agudo do AVC isquêmico nesta unidade, além de sua estruturação e organização dentro de um Hospital Escola com atendimento a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). MÉTODO Organização pré atendimento Antes de iniciarmos o tratamento dos pacientes com AVC isquêmico com trombólise, medidas importantes foram tomadas para tornar possível este tipo de terapia no Hospital de Clínicas. Equipe de AVC (Stroke Team) A equipe de AVC foi formada no início de 2005, antes da criação da UV, com o seguinte intuito: 1. Estabelecer os protocolos de tratamento e o fluxograma de atendimento (figura 1) aos pacientes com AVC isquêmico agudo. 2. Treinar as equipes de médicos emergencistas e de enfermagem do Serviço de Emergência, os residentes da clínica médica e da neurologia quanto ao reconhecimento de pacientes com AVC; a utilização das escalas de AVC do NIH (National Institute of Health Stroke Scale) e de Rankin modificada; a detecção de sinais precoces de isquemia na tomografia computadorizada (TC) de crânio e a utilização do protocolo de AVC. 3. Estabelecer indicadores de qualidade no atendimento agudo do AVC.

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4. Criar banco de dados para armazenamento prospectivo dos casos. A equipe de AVC do Hospital de Clínicas é formada por 2 neurologistas com mais de 4 anos de experiência no tratamento trombolítico do AVC isquêmico e encontra-se disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana. A partir de agosto de 2006, a equipe de AVC passou a contar também com os residentes do serviço de neurologia, que começaram o treinamento no início de 2006 para atendimento do AVC isquêmico agudo e já encontram-se capacitados para selecionar os pacientes candidatos a tratamento, avaliar sinais precoces na tomografia e administrar rtPA endovenoso com segurança. Todos os pacientes são acompanhados pela equipe de AVC desde o atendimento agudo até a alta hospitalar, sendo seguidos depois ambulatorialmente. Padronização do rtPA A padronização do Ativador do plasminogênio tecidual recombinante (rtPA) no Hospital de Clínicas foi realizada em janeiro de 2006. Como o SUS ainda não paga essa medicação para o tratamento do AVC, o Hospital se responsabilizou pelos custos do mesmo, para que fosse possível o cumprimento do protocolo hospitalar. Hospital de Clínicas de Porto Alegre É um hospital geral e universitário, com 749 leitos, com um Serviço de Emergência que atende aproximadamente 6.000 pacientes do SUS por mês. Para possibilitar o tratamento do AVC agudo, em 2005 a emergência passou por uma reestruturação física, com a criação de uma Unidade Vascular (figura 2), e por uma reestruturação logística, com a criação de um novo método de triagem baseado em critérios de risco visando diminuir dentro da emergência os pacientes que poderiam ser atendidos nos postos de saúde. Esse novo sistema de triagem entrou em funcionamento em agosto de 2005 e foi premiado em Brasília em 28 de março de 2007 no 11o Concurso Inovação na gestão Pública Federal da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Dos 56 trabalhos inscritos, o trabalho “Como um protocolo de classificação de risco pode qualificar o encaminhamento dos pacientes na emergência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre” foi premiado com o quinto lugar. A Unidade Vascular passou a funcionar em de 28 de dezembro de 2005, com 5 leitos exclusivos para o atendimento do paciente com doença vascular

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original Figura 1.

aguda: AVC, síndrome coronariana aguda, síndromes aórticas agudas e tromboembolismo pulmonar. Os pacientes são triados pelo enfermeiro e, se houver suspeita de doença vascular, são classificados como de alto risco (identificados pela cor vermelha), recebendo atendimento priorizado, sendo imediatamente encaminhados para a Unidade Vascular.

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Triagem dos pacientes com suspeita de AVC A equipe de enfermagem foi treinada para reconhecer os principais sinais de alerta do AVC: fraqueza ou dormência súbita na hemiface, na perna ou no braço; súbita dificuldade para falar ou compreender a fala; súbita alteração visual: visão dupla, perda de visão em um ou ambos os olhos; dor de cabeça intensa, diferente da usual; perda súbita do equilíbrio ou tontura.

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original Após o reconhecimento, é determinado o tempo de início dos sintomas e encaminhado para Unidade Vascular. Todo paciente com AVC isquêmico agudo é considerado um potencial candidato à terapia trombolítica (idealmente dentro de 3 horas do início dos sintomas). Unidade Vascular Imediatamente, o médico residente ou o emergencista de plantão avalia o paciente, confirma o tempo de início dos sintomas e se desencadeia o protocolo de AVC: 1. Aciona o neurologista vascular, 2. Solicita laboratório (TP, KTTP, plaquetas, hemograma e bioquímica), 3. Solicita TC de crânio sem contraste. Após a coleta de sangue, o paciente é levado à radiologia, acompanhado pelo residente. O neurologista vascular, após avaliação do paciente, da TC e dos exames de sangue, inicia a trombólise EV na UV. O paciente estável pós-trombólise permanece de 36 a 72 horas monitorizado na UV, sendo depois transferido para um leito de enfermaria. Apenas os pacientes mais graves, que não recanalizam ou apresentam complicações, são transferidos para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Foram elaborados termos de compromisso para a realização prioritária dos exames na radiologia e no laboratório. Esses serviços respondem prontamente assim que são acionados pelo protocolo de AVC. Protocolo de Tratamento O protocolo de tratamento com rtPA EV para o AVCI dentro de 3 horas do início dos sintomas segue as recomendações da American Stroke Association2. É administrada a dose de 0,9 mg/kg de rtPA, com 10% em bolus em 1 minuto e o restante em infusão de 1 hora (no máximo 90 mg).

A partir de 2004, com a publicação da análise combinada dos ensaios clínicos ATLANTIS, ECASS, e NINDS3, que mostrou benefício do tratamento além da janela de 3 horas, começamos a utilizar tratamento EV também para alguns pacientes selecionados com início dos sintomas entre 3 e 5 horas. O protocolo de tratamento foi aprovado pela comissão de protocolos do Hospital de Clínicas e o projeto de seguimento dos pacientes com AVC isquêmico numa coorte foi aprovado pelo comitê de ética do hospital. RESULTADOS De janeiro a dezembro de 2006 foram atendidos 236 pacientes com AVC isquêmico agudo na Unidade Vascular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Desses, 36 receberam tratamento trombolítico, conferindo uma elegibilidade para o tratamento de 15%, com uma média de 3 pacientes tratados por mês. A média de idade foi 66 anos (24–89 anos), 53% eram mulheres e 89% brancos. Dos fatores de risco, 86% eram hipertensos, 39% diabéticos, 31% fibrilados, 35% cardiopatas, 36% tinham AVC isquêmico prévio e 70% tinham doença aterosclerótica grave. O subtipo de AVC mais comum foi aterotrombótico de grandes vasos (50%), seguido pelo cardioembólico (38%). Nenhum paciente tinha AVC lacunar. O tempo médio do início dos sintomas até a chegada na emergência foi de 96 minutos. O tempo do início dos sintomas até o tratamento com rtPA foi de 169 ± 43 minutos. O tempo entre a chamada e a chegada do neurologista vascular foi de 16 ± 11 minutos, o tempo porta-tomografia 28 minutos e o tempo porta-agulha 74 minutos (45% dos pacientes foram tratados dentro de 60 minutos da chegada ao hospital).

Figura 2. A. Sala de Observação antes da reestruturação da Emergência. B. Unidade Vascular (criada pós reestruturação).

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original Figura 3. Independência funcional (escore de Rankin modificado 0–2) em 3 meses de acordo com o NIH da chegada.

O escore médio do NIHSS na chegada foi de 12 ± 5 (4–22), na alta de 2,8 ± 5 e em 3 meses 2,6 ± 5. Em 3 meses, 61% dos pacientes apresentaram-se com mínimo ou nenhum déficit neurológico (NIHSS 0–1) e 67% tinham independência funcional (Rankin modificado 0–2). Dos pacientes que chegaram ao hospital com escore NIHSS baixo (entre 0 e 5), 100% ficou sem déficit neurológico enquanto, daqueles que chegaram com NIHSS alto (acima de 20), nenhum ficou sem déficit (figura 3). A figura 4 demonstra a porcentagem de pacientes em cada categoria do NIH na chegada ao hospital e após 3 meses. Na chegada, 24% dos pacientes tinha NIH elevado (> 15) enquanto em 3 meses apenas 11% tinha o desfecho combinado de NIH > 15 ou óbito. Hemorragia intracraniana sintomática ocorreu em 4 pacientes. A mortalidade foi de 8%, com apenas 1 óbito relacionado a sangramento pelo rtPA. Os outros 2 óbitos foram relacionados a infarto extenso secundário à oclusão do T carotídeo sem recanalização e a sepse. Todos os pacientes que tiveram sangramento cerebral sintomático eram mulheres, o escore do NIH inicial era quase 2 vezes maior que o escore do grupo sem sangramento (17,2 x 9,7; p = 0,006), tinham uma média de idade 13 anos maior (78 x 65 anos, p = 0,049) e as pressões arteriais sistólicas pré-trombólise eram maiores (PAS 158 ± 20 x 145 ± 25). O grupo que teve sangramento foi tratado mais precocemente (tempo sintomas até rtPA 135 x 172 minutos).

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O tempo de internação foi de 8,5 dias (mediana), variando de 1 a 119 dias. Apenas 7 pacientes (19%) necessitaram transferência para o CTI. Os demais foram tratados na Unidade vascular durante a fase aguda e depois receberam alta para o domicílio (15 pacientes) ou foram transferidos para unidade de internação. Cinco pacientes tinham 80 anos ou mais. Esse grupo também apresentou evolução favorável com o rtPA, apesar de menos expressiva que o grupo mais jovem (40% obtiveram escore NIH 0–1 e 60% independência funcional em 3 meses). Apenas 1 paciente teve sangramento cerebral sintomático (não fatal) e 1 paciente foi a óbito nesse grupo (devido a infarto extenso secundário à oclusão do T carotídeo). Essas diferenças não atingiram significância estatística, certamente devido ao pequeno número de pacientes no grupo mais idoso. DISCUSSÃO A trombólise no AVC isquêmico é comprovadamente efetiva quando realizada dentro dos protocolos, mesmo em hospitais públicos universitários, onde existe um número maior de pacientes e médicos ainda em formação. A taxa de elegibilidade na maioria dos hospitais norte-americanos geralmente é menor que 5%4. Nossa taxa de elegibilidade de 15% demonstra que um serviço público organizado pode tratar um número de pacientes semelhante aos melhores centros de AVC. Com a modificação dos critérios de triagem dos pa-

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original cientes com AVC, identificamos uma demanda reprimida de pacientes que chegavam na janela terapêutica mas eram perdidos dentro da rotina de espera do SUS. No primeiro mês de funcionamento da Unidade Vascular foram tratados 5 pacientes com rtPA. Os pacientes atendidos no Hospital de Clínicas têm mais co-morbidades que os pacientes de outras séries4-6, com maior freqüência de diabete, fibrilação atrial, cardiopatia, AVC prévio e doença aterotrombótica grave. Nenhum paciente tratado teve AVC lacunar. Isso confirma estudos internacionais que verificaram que pacientes sem seguro saúde têm menos acesso aos cuidados ambulatoriais preventivos de doenças crônicas (por exemplo, hipertensão e dislipidemia)7,8 e aderem menos aos medicamentos e modificação de hábitos quando prescritos9,10. Apesar de os pacientes terem mais doenças de base, uma proporção significativa ficou funcionalmente independente em 3 meses (67% dos casos) com excelente resposta ao tratamento. A taxa de sangramento sintomático foi maior que a do estudo NINDS (sem diferença estatística), mas semelhante ao subgrupo de pacientes mais graves demonstrados nos ensaios clínicos11. Os pacientes que tiveram sangramento eram mais idosos (3 pacientes tinham mais que 75 anos) e tinham NIH mais elevado na chegada. Apesar disso, a mortalidade foi ainda menor que as dos ensaios clínicos (8% versus 17%). Em um estudo americano publicado recentemente, pacientes com AVC isquêmico sem seguro saúde têm uma chance maior de sair com seqüelas da hospitalização e 56% mais chance de morrer que o grupo com seguro saúde12.

O tratamento nos idosos demonstrou benefício menor que nos pacientes mais jovens, mas 60% dos idosos apresentaram-se com independência funcional em 3 meses, confirmando que esse grupo não deve ser negligenciado. A média de tempo do início dos sintomas até o tratamento (169 ± 45 minutos) foi maior que a maioria das séries de trombólise, com um tempo porta-agulha semelhante aos demais centros (74 minutos)4-6, o que sugere que os pacientes que chegam aos hospitais públicos demoram mais para procurar atendimento. A criação da Unidade Vascular possibilitou um local seguro para o tratamento e monitorização dos pacientes trombolisados, com necessidade de transferência para o CTI em apenas 19% dos casos, o que possibilita a diminuição do custo da internação. Muitos pacientes ficaram somente na Unidade Vascular com alta precoce (em 3 a 5 dias) desse local para o domicílio (42%), demonstrando que a melhora mais rápida dos pacientes com AVC diminui a necessidade de hospitalização prolongada. CONSIDERAÇÕES FINAIS A utilização de protocolos de AVC agudo em hospitais universitários permite a formação de novos médicos, principalmente neurologistas, capacitados para tratar esses pacientes sem medo e com a mesma convicção de quem trabalha hoje para divulgar a trombólise no Brasil. Seguimos na luta para que mais hospitais possam ser preparados para oferecer tratamento trombolítico aos pacientes, vencendo o preconceito com

Figura 4. Evolução do déficit neurológico em pacientes tratados com trombólise endovenosa (categorias de escore do NIH inicial e em 3 meses).

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original a doença, que ainda é considerada uma fatalidade sem tratamento por muitos médicos, e vencendo as barreiras de falta de rtPA nesses hospitais, que ainda aguardam a padronização pelo SUS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Ministério da saúde 2005 – Saúde Brasil 2005: Uma análise da Situação de Saúde no Brasil. http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/ pdf/saude_brasil_2005.pdf. 2. Adams HP, del Zoppo G, Alberts MJ, Bhatt DL, Brass L, Furlan A, et al. Guidelines for the Early Management of Adults With Ischemic Stroke. A Guideline From the American Heart Association/American Stroke Association Stroke Council, Clinical Cardiology Council, Cardiovascular Radiology and Intervention Council, and the Atherosclerotic Peripheral Vascular Disease and Quality of Care Outcomes in Research Interdisciplinary Working Groups. Stroke 2007;38:1655-1711. 3. The ATLANTIS, ECASS, and NINDS rtPA Study Group Investigators. Association of outcome with early stroke treatment: pooled analysis of ATLANTIS, ECASS, and NINDS rtPA stroke trials. Lancet 2004;363:768-774. 4. Grotta JC, Burgin WS, El-Mitwalli A, Long M, Campbell M, Morgenstern LB, et al. Intravenous tissue-type plasminogen activator therapy for ischemic stroke: Houston experience 1996-2000. Arch Neurol 2001;58:2009-2013.

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revisão

Lesões nervosas periféricas: uma revisão Peripheral Nerve Injury: A Review

Rinaldo Siqueira1

RESUMO

SUMMARY

Lesões de nervos periféricos são comuns, mas o sucesso no tratamento irá depender de alguns fatores como: idade, a ferida propriamente dita, reparo do nervo, nível da lesão, e período transcorrido entre lesão e reparo. As lesões são classificadas em três tipos descritas por Seddon: neuropraxia, axonotmesis e neurotmesis. Após a transecção completa o corpo do neurônio sofre mudanças estruturais e funcionais e o axônio passa por um processo de degeneração, seguido por uma tentativa de regeneração. Um cone de crescimento é formado para que os axônios cresçam em direção aos alvos, sendo guiados pelos fatores de crescimento neurotróficos. Vários estudos têm sido realizados para desvendar os segredos das células gliais na regeneração axonal periférica. Diferentes técnicas cirúrgicas têm sido utilizadas na tentativa de direcionar os axônios em busca de seus alvos, que vão desde suturas simples até enxertos. A busca por melhores técnicas de reparo cirúrgico tem sido um desafio para a área clínica com o objetivo de se atingir a máxima perfeição no direcionamento dos axônios. Quando se tem uma l esão periférica além da perda funcional o mapa cortical referente à área lesada sofre alterações. Estudos na área da reabilitação têm sido realizados para buscar uma melhor efetividade no processo de recuperação funcional e sensorial, e velocidade na regeneração axonal.

Peripheral nerve injuries are common, but the treatment success will only depend on some factors such as: age, the wound itself, nerve repair, level of the injury, and period between injury and repair. They are classified in three types described by Seddon as: neuropraxia, axonotmesis, and neurotmesis. After complete axonal transection, the body neuron undergoes structural and function changes, and axon passes for a degenerative process, followed by attempts at regeneration. A growth cone is formed so that the axon grows towards leading targets by neurotrophics growth factors. Several studies have been done to better understanding the Glial cells at the peripheral axonal regeneration. Different surgery techniques have been applied attempting to lead the axons towards its targets that undergo from simple sutures to grafting. The search for better techniques of surgical repair has been a challenging to clinical area aiming the optimal performance at axon direction. When one has a peripheral injury, besides the functional, loss the cortical map referred to the injured area undergoes changes.

Unitermos: Nervos periféricos. Regeneração nervosa. Degeneração Walleriana. Fisioterapia. Estimulação elétrica. Recuperação de função fisiológica.

Keywords: Peripheral nerves. Nerve regeneration. Wallerian degeneration. Physical therapy. Electric stimulation. Recovery of function.

Citação: Siqueira R. Lesões nervosas periféricas: uma revisão.

Citation: Siqueira R. Peripheral Nerve Injury: A Review.

Trabalho realizado na UNIMEP. 1. Fisioterapeuta, Especialista em Fisioterapia Neurológica - Adulto, UNIMEP.

Endereço para correspondência: Rinaldo Siqueira R. Ayrton Armbruster, 200 CEP 13482-214, Limeira/ SP E-mail: [email protected] Recebido em: 11/05/2006 Revisão: 12/05/2006 a 23/01/2007 Aceito em: 24/01/2007 Conflito de interesses: não

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revisão INTRODUÇÃO As teorias das lesões nervosas periféricas, assim como técnicas de reparo, possuem uma longa história. O primeiro a distinguir nervos e tendões foi Galeno (130–200 d.C.). O avanço nos estudos sobre lesões nervosas periféricas se deu nas guerras civis e na Segunda Guerra Mundial, em que Mitchell resumiu suas observações clínicas a respeito das lesões nervosas periféricas e incluiu suas descrições de causalgia, ou dor em queimadura. Sir Herbert Seddon e Barnes Woodhall estudaram as cirurgias realizando enxertos de ponte em lesões nervosas periféricas e, após a Segunda Guerra Mundial, Sir Sidney Sunderland resumiu a anatomia interna detalhada dos nervos1. As classificações das lesões comumente utilizadas na prática clínica seguem as estabelecidas por Seddon em 1975, que são as neuropraxias, axonotmeses e as neurotmeses2,3. Após uma lesão por esmagamento ou transecção, as fibras distais à lesão sofrem degeneração por meio de um processo conhecido como degeneração Walleriana4. Quando a lesão for do tipo neurotmese com espaços entre cotos maiores do que 5 cm, fazse necessária a utilização de reparos cirúrgicos. O método clássico utilizado é a sutura, sendo a sutura epineural a mais tradicional. Outras técnicas como enxerto de nervo e enxerto de músculo também podem ser utilizadas para o reparo cirúrgico1,5,6. A lesão axonal não somente induz a fraqueza do músculo, a perda de sensação e dores neuropáticas, como também alterações no mapa cortical somatossensorial7,8. Logo após o reparo cirúrgico, torna-se necessário iniciar uma cuidadosa mobilização para uma melhor recuperação funcional, e o quanto antes se iniciar a reeducação sensorial, melhores serão os resultados e menor será a desorganização do mapa cortical9,10. Dada a importância do tempo na recuperação funcional após uma lesão nervosa periférica, diferentes estudos têm sido conduzidos para melhor obter ou acelerar a recuperação do nervo periférico lesado, além de se evitar desajustes no córtex cerebral. Portanto, foi realizado um levantamento bibliográfico referente ao tema, com o objetivo de dar um subsídio maior aos profissionais. MÉTODO Foram selecionados livros e artigos publicados em revistas internacionais e nacionais sobre o assunto, priorizando os estudos realizados nos últimos 20 anos e indexados nas seguintes bases de dados: Medline, PubMed, Scielo, Lilacs e Bireme.

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REVISÃO DA LITERATURA Anatomia do Nervo Periférico Os nervos periféricos são cordões esbranquiçados subdivididos em 3 componentes importantes: axônios, células de Schwann e tecido conjuntivo2. Os axônios dos nervos periféricos são agrupados em feixes paralelos, conhecidos como fascículos, revestidos por bainhas de tecido conjuntivo frouxo, que fornece suporte à regeneração axonal. O tecido que reveste cada axônio individualmente é o endoneuro, possui matriz de colágeno frouxo, onde as fibras de colágeno irão formar as paredes de proteção dos tubos endoneurais. Os feixes de axônios são revestidos pelo perineuro, separando as fibras nervosas em fascículos, e contendo fibroblastos, macrófagos, mastócitos, linfócitos e adipócitos. Dentro dos feixes, as fibras são envolvidas pelo neurilema (bainha de Schwann). Ao redor do neurilema há tubos endoneurais constituídos por redes delicadas de fibrilas, associadas com uma substância intercelular amorfa. O tecido que reveste todo o tronco nervoso e que tem como função proteger os fascículos de tramas externas é denominado epineuro, constituído de tecido conjuntivo frouxo que se estende ao longo de todo o nervo2,11. Os axônios são isolados eletricamente pelo próprio endoneuro e por um complexo lipoprotéico denominado bainha de mielina. Esta é formada por células provindas da crista neural, que são conhecidas como células de Schwann. Essas células possuem a função crítica de suporte axonal regenerativo, servindo de via de crescimento para as fibras nervosas2, além de servirem de isolantes elétricos para uma melhor condução dos impulsos nervosos. Na falta deste, o impulso é mais lento12. Os nervos periféricos são alimentados por artérias que entram no tronco nervoso procedentes de vasos sangüíneos vizinhos. A rede arterial é rica em vasos colaterais, tanto em torno como no interior dos próprios nervos. Resulta daí um sistema que apresenta resistência notável à isquemia que afeta os grandes vasos11,12. Tipos de Lesão De acordo com Seddon13, as lesões nervosas periféricas são classificadas em: a) Neuropraxia — lesão leve com perda motora e sensitiva, sem alteração estrutural; b) Axonotmese — é comumente vista em lesões por esmagamento, estiramento ou por percussão. Há perda de continuidade axonal e subseqüente degeneração Walleriana do segmento distal. Nesse tipo de lesão não ocorre perda de célula

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revisão de Schwann, e a recuperação irá depender do grau de desorganização do nervo e também da distância do órgão terminal; c) Neurotmese — separação completa do nervo, com desorganização do axônio causada por uma fibrose tecidual com conseqüente interrupção do crescimento axonal. A recuperação espontânea é pobre sem intervenção cirúrgica2,3. Além da classificação de Seddon13, há uma outra conhecida pouco utilizada na prática, a classificação de Sunderland14. Este refinou a classificação de Seddon dividindo-a em cinco tipos ou graus. A neuropraxia foi classificada como tipo I; já a axonotmese foi dividida em três tipos, que variam de acordo com o grau da lesão, enquanto que a neurotmese foi classificada como tipo 5. É raramente possível, através da classificação de Sunderland, classificar com exatidão uma lesão axonotmética com base em dados clínicos e eletromiográficos. O subtipo é geralmente discriminável pelo exame histológico da lesão do nervo2,4. Degeneração e Regeneração Nervosa Periférica Um dano severo no axônio leva à interrupção de sua integridade. Os axônios do coto proximal degeneram de maneira retrógrada até chegar ao próximo nódulo de Ranvier do local da lesão, criando uma pequena área de degeneração4,15. As fibras distais à lesão sofrem degeneração em 48–96 horas após a transecção do nervo, por meio de um processo conhecido como degeneração Walleriana4. A degeneração Walleriana conduz à remoção e reciclagem axonal e do material mielínico-derivado e prepara o ambiente através do qual os axônios em regeneração irão crescer7,16. Lesões próximas ao corpo do neurônio podem levar à morte do corpo celular. Nas 2a e 3a semanas após a lesão, com a instalação da degeneração Walleriana, iniciam-se mecanismos de mudanças no corpo celular, que podem ser estruturais e funcionais. Primeiro, ocorre aumento do volume do corpo celular, em seguida há um deslocamento do núcleo para a periferia, há uma dispersão dos corpúsculos de Nissl — Cromatólise7,11. No 2o ou no mais tardar do 4o ao 7o dia, os macrófagos se acumulam no coto distal para realizar a remoção dos restos mielínicos em degeneração e, mais tarde, células de Schwann se proliferam para também desempenhar o papel de fagocitose15. A proliferação de células de Schwann no coto distal ocorre em 3 dias após a agressão axonal. Essa proliferação está associada com a produção de algumas substâncias difusas que podem atrair os axônios em crescimento. Mecanismos de orientação e regulação

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do crescimento axonal são conhecidos como Neurotropismo ou Quimiotaxia11. Com a extrusão inicial da bainha de mielina, as células de Schwann são estimuladas a proliferarem e a dividirem-se no máximo em 3 dias, alinhando-se dentro do tubo de lâmina basal para formar as bandas de Büngner, que mais tarde irão fornecer um caminho para as fibras do nervo em regeneração7. Mudanças estruturais e funcionais ocorrem no coto proximal nos primeiros dias ou semanas após a transecção do tronco do nervo. Seus axônios passam a produzir um grande número de brotos colaterais e terminais, que irão competir entre si em busca de substâncias tróficas fornecidas pelos órgãos-alvo, que estão no coto distal e, por fim, realizar suas conexões. Ao nível distal de cada broto axonal, encontram-se filopódios ricos em actina, de onde surge uma protuberância chamada cone de crescimento. Devido ao excesso de brotos que invadem as colunas de Büngner, o número total de axônios no coto distal pode exceder ao número de axônios em crescimento. Com o tempo, esse número decai a partir do instante em que os brotos fazem suas conexões com os órgãos-alvo, devido a um fenômeno conhecido como repressão sináptica11,17. Em experimentos com animais, tem-se demonstrado que há um crescimento axonal de 2,0 a 3,5 mm/dia em lesões do tipo neurotmese e de 3,0 a 4,5 mm/dia nas do tipo axonotmese. Em humanos, a taxa de crescimento axonal não é linear, estima-se que a taxa de crescimento seja de aproximadamente 1 a 2 mm/dia11. Para que ocorra o crescimento do cone, fazse necessária a presença de substâncias que auxiliem na sobrevivência, extensão e maturação do axônio. Essas substâncias são os fatores de crescimento, que agem por meio de receptores específicos. Embora o fator de crescimento tenha um papel importante na regeneração axonal, a interação entre membrana da célula de Schwann e o cone de crescimento se dá pelas Moléculas de Adesão Celular (CAMS)18. O primeiro fator de crescimento identificado foi o Fator de Crescimento Nervoso (Nerve Growth Factor — NGF), que possui em sua família, denominada de neurotrofinas, outros fatores como: BDNF, NT-3, NT-4/5, NT-6, NT-7. Vale ressaltar a existência dos fatores de crescimento CNTF, MNGF e GDNF4,19,20. Num segundo estágio, como conseqüência da degeneração Walleriana, os músculos começam a diminuir de volume já na primeira semana, apresentando uma atrofia progressiva das fibras e uma substituição por tecido conjuntivo. Histologicamente, há um decréscimo no volume da fibra muscular

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revisão de 80 a 90%. Ao contrário dos músculos, para os órgãos sensoriais não existe um tempo definido para a reparação sensorial. Os nervos sensoriais buscam seus órgãos-alvo (corpúsculos de Meissner, corpúsculos de Ruffini e células de Merkel) para realizarem suas reinervações4. Em animais, a remielinização inicia-se após 8 dias com o axônio já regenerado e sendo inicialmente envolvido pelas células de Schwann e seus tubos endoneurais, os quais se enrolam e formam a mielina. A informação que determina se os axônios serão mielínicos ou não é dada pelo próprio axônio e, para que ocorra uma boa recuperação da função após a regeneração do nervo, os axônios precisam ser conectados com seus alvos originais16. Logo que retornam aos seus alvos, os axônios regenerados podem formar novas terminações nervosas funcionais. Finalmente, aqueles axônios que foram desmielinizados tornam-se remielinizados e o corpo cromatólico recupera sua aparência original21. Conseqüências da Lesão Lesão no tronco do nervo pode ter conseqüências funcionais e mudanças de vida para o indivíduo devido à perda sensorial e motora, dor e desconforto. As lesões podem também causar uma remodelação no mapa cortical somatossensorial8,9. Formações de fibroses em torno do nervo provocam perda de sua extensibilidade. Se um nervo desenvolver adesões, o movimento e o alongamento não serão possíveis10. Lesões no SNC e SNP, no qual rompe a comunicação entre os músculos esqueléticos e neurônios, levam a uma atrofia muscular progressiva, além de mudanças na composição das fibras musculares16,22. A atrofia muscular é a mudança mais evidente após a lesão nervosa. Para Lundborg11, com a denervação do músculo rapidamente se tem atrofia. Após 2 anos, as fibras podem fragmentar e desintegrar. No primeiro mês há uma perda no peso muscular de 30% a 60% no segundo mês e, com a atrofia muscular, essa perda chega de 60% a 80% em 4 meses4. Uma cicatriz extensa reduz a velocidade de regeneração e a probabilidade de encontrar os órgãos terminais, podendo até inervar órgãos errados. Se acontecer de ocorrer um neuroma, necessita-se de intervenção cirúrgica3. Reparo Cirúrgico Segundo Robinson3, a reconstrução cirúrgica é dividida em três fases: Imediata (1 mês); Demorada (3 a 6 meses) e Tardia (1 a 2 anos ou mais).

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No geral, não há necessidade de realizar enxerto em lesões com espaço entre os cotos menor que 1,5 cm. Em humanos, os enxertos são sempre indicados em espaços entre cotos maiores que 5 cm5. O método clássico de reparo do nervo é a sutura, que pode ser reparo epineural, reparo de grupos fasciculares, reparo fascicular ou uma mistura desses métodos1. O método de sutura epineural é o mais tradicional, sendo de fácil realização e sem trauma, mas não assegura uma correta junção das estruturas internas fasciculares devido ao mau alinhamento destas11. Os enxertos de nervo também são utilizados para o reparo cirúrgico. Esse método foi proposto como escolha, quando a sutura do nervo não for possível sem uma tensão indevida11. Estes podem ser obtidos da mesma pessoa (autoenxerto), de outro ser humano (aloenxerto) ou de outra espécie (xenoenxerto). O nervo mais utilizado para enxerto é o nervo sural. Os enxertos são ligados aos fascículos correspondentes e suturados com monofilamento de nylon com suturas epineurais. Cola de fibrina pode ser usada para ligar os enxertos, principalmente enxertos de cabo, pois diminui o número de suturas e minimiza traumas adicionais ao enxerto4. Há vários tipos de enxerto de nervo: cabos, tronco e enxerto de nervo vascularizado, enxerto nervoso livre, enxerto de nervo interfascicular4,10. Quando o enxerto de nervo não é possível, um outro material a ser usado é o enxerto de músculo23. A desvantagem da técnica é o local fornecedor de tecido, mas essa técnica pode ser adicionada ao arsenal dos cirurgiões no reparo do nervo periférico, especialmente para se construir uma ponte sobre lesões curtas ou quando os autoenxertos de nervos não puderem ser empregados6. Intercorrências após Reparo Cirúrgico As intercorrências mais comuns após reparo cirúrgico incluem: 1) neuroma doloroso no local doador de enxerto nervoso4; 2) tensão na linha de sutura levando a um aumento na formação de tecido cicatricial e dificultando a regeneração axonal; 3) hematoma no local do enxerto, podendo destruir o enxerto, sendo necessária, nesse caso, uma revisão do reparo para evacuação do hematoma e inspeção do enxerto para eventualmente repetir o procedimento cirúrgico10. Atuação da Fisioterapia Apesar da capacidade de regeneração do sistema nervoso periférico e dos avanços da microcirurgia, a recuperação funcional é pobre devido aos

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revisão caminhos inapropriados de reinervação axonal de nervos mistos. Não há consenso sobre o tempo exato para se iniciar o tratamento fisioterapêutico, entretanto alguns estudos mostram que uma intervenção precoce deve ser realizada para uma boa recuperação funcional e para se evitar atrofia muscular, neuromas, alterações no mapa cortical etc24. Millesi preconiza que após 8 dias do reparo cirúrgico deve-se iniciar uma cuidadosa mobilização e progredir ao longo das semanas seguintes10. Para alguns autores, o início do tratamento se faz necessário logo após o reparo cirúrgico. Al-Majed et al.24, em um estudo com estimulação elétrica de músculo denervado de rato, iniciaram o tratamento imediatamente após o reparo cirúrgico do nervo. Van Meeteren et al.25 realizaram um treinamento com exercícios em músculos denervados de ratos por esmagamento no primeiro dia pós-operatório. Pachter e Eberstein26, em estudo com exercício passivo em músculo de rato denervado por esmagamento, iniciaram tratamento aproximadamente 24 horas após a denervação ter sido realizada. Apesar de os estudos terem sido realizados com animais e não com humanos, sugere-se que a intervenção seja a mais precoce possível, sempre respeitando a equipe muldisciplinar envolvida no caso. Lee e Wolfe4 relatam que, em uma extremidade denervada, os objetivos pré-operatórios são proteger e manter a amplitude de movimento, a fim de ser funcional quando reinervada. As talas são úteis para prevenir contraturas e deformidades. As mobilizações são necessárias enquanto se espera a regeneração axonal e ajudam a manter o fluxo sangüíneo e linfático e prevenir aderência do tendão. A extremidade deve ser mantida aquecida, pois a exposição ao frio danifica o músculo e leva a uma fibrose. Uma cuidadosa bandagem protege e limita a congestão venosa e o edema. A estimulação galvânica reduz a atrofia muscular e pode ser um benefício psicológico ao paciente durante a fase de recuperação prolongada, mas não está claro se obtém ou acelera a recuperação do nervo. Durante a recuperação motora inicial pode ser utilizada a piscina terapêutica para mobilizações articulares. O Biofeedback pode promover um input sensorial para facilitar a reeducação motora. Van Meeteren et al.25 realizaram um estudo com treinamento através de exercícios, com o objetivo de promover a recuperação funcional e a velocidade de condução do nervo após lesão por esmagamento do nervo ciático do rato. O exercício teve início no 1o dia pós-operatório (1a fase após o esmagamento) e seguiu por 24 dias, sendo os animais induzidos ao trei-

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namento por 24 horas. Os animais foram divididos em 2 grupos, sendo um grupo treinado e um grupo controle. Nas gaiolas dos animais a serem treinados foram colocadas garrafas de água suspensas induzindo os animais a se exercitarem levantando ao máximo ambas as patas dianteiras, ficando assim eretos sobre as patas traseiras para beberem água por 4 horas ao dia. A recuperação motora foi monitorada através de uma análise de um padrão de marcha e a recuperação sensorial através de um teste de retirada da pata, aplicando corrente elétrica na planta da pata. Os autores concluíram que 4 horas de exercício diário suave aumenta a recuperação funcional na primeira fase após o esmagamento do nervo, e que o treinamento com exercícios acelera as respostas de brotamento do neurônio motor e diminui o tempo de latência (intervalo entre a lesão axonal e a resposta de brotamento), e que foi possível adquirir retorno da função sensório-motora. Seus efeitos persistiram numa fase tardia, mas ressalta-se a necessidade de se ter um cuidado com a carga de exercício imposta. Diferentes estudos têm sido conduzidos para melhor obter ou acelerar a recuperação do nervo periférico lesado. A fim de fornecer um retorno funcional, pesquisas apontam para o uso da estimulação elétrica no processo de acelerar a reinervação. Brushart et al.27 realizaram um estudo no nervo femoral do rato com aplicação de estimulação elétrica a 20 Hz por 1 hora, onde foram explorados dois mecanismos: a sincronização da reinervação do coto distal e a velocidade de regeneração. Tal estudo concluiu que a estimulação elétrica promove o início da regeneração do axônio motor sem aumentar a sua velocidade. Para um bom resultado no reparo do nervo, inicia-se com a estimulação elétrica que recruta todos os motoneurônios através do reparo e segue-se com outros tratamentos para prolongar o crescimento axonal. Períodos prolongados desde a denervação até a reinervação diminuem a habilidade dos músculos em recuperar massa e força, mas a estimulação elétrica durante o período de denervação pode permitir a recuperação da função motora de acordo com a reinervação. Complicações secundárias à lesão, como a atrofia por desuso, podem ser prevenidas com a estimulação elétrica. Dow et al.28 realizaram um estudo para avaliar o número necessário de contrações através de estimulação elétrica para manter massa e força do músculo denervado do rato. Os autores concluíram que protocolos de estimulação com contrações diárias de 200 a 800 mantiveram força, massa e tamanho de fibra iguais aos do músculo controle e foram designados como protocolos

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revisão essenciais para o músculo extensor longo dos dedos do rato. Al-Majed et al.24 estimularam eletricamente nervos femurais de ratos, com o objetivo de validar o uso da estimulação elétrica como método clínico na recuperação funcional após transecção do nervo. Os animais foram estimulados por 2 semanas com eletrodos implantados, 1 hora por dia com pulsos de 100 µs; 3 v a 20 Hz. O estudo mostrou que a estimulação elétrica acelerou o processo de regeneração e os axônios cresceram 25 mm dentro de 3 semanas, fazendo oposição aos axônios que não foram estimulados e que requeriam de 8 a 10 semanas para alcançar o mesmo comprimento. O tratamento do músculo denervado com estimulação elétrica ainda é controverso, muitas questões ainda precisam ser respondidas. Eberstein29 realizou uma revisão de 25 anos sobre estimulação elétrica com achados de estudos em animais e humanos e relatou que ainda existe uma falta de consenso, devido ao fato de o músculo denervado ser complexo, variedade de características de estimulação, regime de treinamento e espécies usadas nos estudos, tornando as comparações difíceis. A atrofia muscular é a mudança mais drástica encontrada após a lesão e varia consideravelmente entre indivíduos da mesma espécie e entre músculos do mesmo indivíduo. A maioria das pesquisas com estimulação elétrica ocorre no músculo sóleo do rato e, para estes, diversas freqüências e tempo de estimulação foram usadas nos estudos. Nem todos os padrões de estimulação são igualmente efetivos na restauração de propriedades normais do músculo denervado. A eficácia da estimulação depende dos parâmetros e padrões de estimulação, onde os padrões incluem: amplitude do estímulo, duração do estímulo, freqüência do pulso, duração dos trens de pulso e o intervalo entre os trens, enquanto que o padrão de estimulação é o estímulo a uma dada freqüência e a duração do trem de pulso sobre um período de tempo fixado. O tempo necessário para se iniciar a estimulação elétrica em músculos denervados é logo após o início da denervação, com estimulação direta iniciada cerca de 1 dia aproximadamente depois da denervação para previnir atrofia muscular. Apesar das divergências quanto ao uso da estimulação, ainda se pode considerar como um procedimento útil para preservar ou restaurar as propriedades normais do músculo denervado. Mas o autor salienta a necessidade de se realizar pesquisas em humanos para definir os padrões apropriados de estimulação, assim como o tipo da corrente de estimulação e o local dos eletrodos. O laser de baixa freqüência é um dos métodos estudados para tentar acelerar o processo de

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recuperação das lesões dos nervos periféricos. Essa nova modalidade de tratamento tem recebido uma atenção crescente nas últimas décadas, por ter vários efeitos na função do nervo, crescimento e regeneração do tecido neural in vitro e in vivo. Anders et al.30 estudaram os efeitos da irradiação do laser de baixa freqüência no nervo facial do rato em dois modelos de estudo: esmagamento e transecção. Os autores concluíram que o laser de baixa freqüência de HeNe aplicado ao primeiro modelo causou um retorno prévio da imunorreatividade da acetilcolina, gerando uma síntese de acetilcolina mais cedo, e também aumentou a taxa de regeneração por 2 dias. No segundo modelo de estudo, o laser de baixa freqüência de HeNe demonstrou causar um aumento significante de α-CGRP (ácido peptídico), que é encontrado nos nervos motores e sensitivos, servindo como indicador para a regeneração após 11 dias. Os efeitos do laser foram relatados em outros estudos e locais de lesão, como no nervo ciático do rato e na regeneração do nervo periférico após reparo cirúrgico, nos quais observa-se uma resposta positiva ao laser de baixa freqüência. Após os reparos cirúrgicos dos principais troncos de nervo, há uma reorganização funcional rápida do cérebro caracterizada por uma mudança no mapeamento cortical, devido a uma incorreta reinervação. Na pós-lesão nervosa periférica, a sensibilidade do dedo pode estar perdida por até 6 meses até que ocorra a reinervação. Durante esse tempo, a representação cortical da mão é reorganizada em resposta aos eventos centrais durante o processo de aferenciação e reaferenciação. A reeducação sensorial é usualmente introduzida na fase de reabilitação após reparo do nervo, quando alguma percepção do toque possa ser vista na parte distal da mão. O treinamento utiliza-se de um toque guiado pela visão em várias sessões diárias e por longo período. Também inclui localização do toque, reconhecimento dos tamanhos e texturas dos objetos8,9,31. O ambiente enriquecido é fundamental para facilitar a reaprendizagem sensorial. Os fatores positivos à reaprendizagem são: atenção, coragem e diversão — a música também pode ter um papel importante no processo9. Recentemente foi apresentado um modelo para sensibilidade artificial, baseado na substituição do sentido, usando escutas como um substituto para a sensibilidade. Microfones-miniatura foram montados nos dedos de luvas. O som gerado pela ação do toque de várias estruturas (som de fricção) pode ser apanhado, amplificado e transposto

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revisão para estímulo acústico estereofônico. Com isso, torna-se possível treinar localização de diferentes dedos, identificação de diferentes texturas e usar o feedback alternado em AVD’s. Esse princípio é usado para fornecer inputs ao córtex sensorial no momento em que fibras de nervos em regeneração ainda não alcançaram seus alvos periféricos31. Rosén e Lundborg32 propuseram um tratamento com espelhos na reeducação sensorial após reparo do nervo, antes de a mão se tornar reinervada. Em tal método, a observação do estímulo tátil aplicado na mão lesada pode, hipoteticamente, ativar os neurônios do córtex somatossensorial. O objetivo é preservar a representação cortical da mão lesada e reduzir ou inibir a profunda reorganização do córtex somatossensorial, já que, de outra forma, não ocorreria. Avaliação da recuperação motora/sensorial O sistema comumente utilizado para avaliar a recuperação motora e sensitiva do nervo é o desenvolvido pelo Medical Research Council (MRC), que gradua a recuperação motora em M0 a M5 e a recuperação sensorial em S0 a S4, com base no exame físico4. Para Rosén e Lundborg8, os princípios atuais de avaliação da recuperação após reparo do nervo, baseado no MRC, apresenta limitações. Sendo assim, um novo modelo de avaliação da sensibilidade tátil foi apresentado e um protocolo foi desenvolvido para permitir marcar numericamente o desenvolvimento da recuperação funcional. O teste é executado usando somente a polpa digital de um dedo para identificar formas e texturas, e este é aplicado em lesões de nervos ulnar e mediano. As medidas objetivas da recuperação sensorial incluem teste de densidade através do uso da discriminação de 2 pontos estático e móvel, e testes limiares através do uso dos filamentos de Frey ou SemmesWeinstein. Para a função motora, é usado o dinamômetro de Jamar, onde se avalia a força de aperto4. Estudos eletrodiagnósticos podem ser úteis em detectar os primeiros sinais da reinervação do músculo, vários meses antes da contração muscular evidente clinicamente2. CONCLUSÃO As lesões nervosas periféricas levam a perdas sensoriais, dor e desconforto, e as perdas motoras causam paralisia e, por conseqüência, atrofia muscular, sendo esta a causa mais drástica em lesões nervosas periféricas, além de alterações no mapa somatossensorial. Para tanto, uma intervenção precoce, tanto

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cirúrgica, quando necessário, quanto fisioterapêutica irá minimizar as conseqüências impostas pela lesão. Resultados funcionais melhores na reabilitação do nervo periférico podem ser obtidos através da ampliação dos conhecimentos das melhores atividades com exercício, dos padrões e parâmetros de eletroestimulação e dos meios de reabilitação sensorial pelos profissionais, facilitando, dessa forma, a seleção da técnica mais eficaz para cada caso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Diao E, Vannuyen T. Techniques for primary nerve repair. Hand Clin 2000;16(1):53-66. 2. Grant GA, Goodkin R, Kliot M. Evaluation and surgical management of peripheral nerve problems. Neurosurgery 1999;44(4):825-39. 3. Robinson LR. Traumatic injury to peripheral nerves. Muscle Nerve 2000;23:863-73. 4. Lee SK, Wolfe SW. Peripheral nerve injury and repair. Am Acad Ortho Surg 2000;8(4):243-52. 5. Hung LK, Cheng JCY, Eung PC. Repair and rehabilitation of the severed peripheral nerve — new ideas and controversies. J Hong Kong Med Assoc 1986;38(3):110-5. 6. Meek MF, Varejão DVM, Geuna S. Use of skeletal muscle tissue in peripheral nerve repair: review of the literature. Tis Engin 2004;10(7):1027-36. 7. Müller HW, Stoll G. Nerve injury, axonal degeneration and neural regeneration: basic insights. Brain Pathol 1999;9:313-25. 8. Rosén B, Lundborg G. A new model instrument for outcome after nerve repair. Hand Clin 2003;19:463-70. 9. Rosén B, Balkenius C, Lundborg G. Sensory re-education today and tomorrow: a review of evolving concepts. Brit J Hand Ther 2003;8(2):48-56. 10. Millesi H. Techniques for nerve grafting. Hand Clin 2000;16(1):7391. 11. Lundborg G. Nerve regeneration and repair. Acta Orthop Scand 1987;58:145-69. 12. Fisher MA. Neuropatia periférica. In: Weiner JW, Goetz CG. Neurologia para o Não-Especialista. 4a ed. São Paulo: Santos, 2003, pp. 1878. 13. Seddon HJ. Surgical disorders of the peripheral nerves, 2nd ed. Edinburgh: Churchill Livingstone, 1975. 14. Sunderland S. Nerves and nerve injuries, 2nd edition. New York: Churchill Livingstone, 1978, pp.133-8. 15. Terenghi G. Peripheral nerve regeneration and neurotrophic factors. J Anat Neurosci 1999;194:1-14. 16. Fawcett JW, Keynes RJ. Peripheral Nerve Regeneration. Ann Rev Neurosci 1990;13:43-60. 17. Gorio A, Carmignoto G, Finesso M, Polato P, Nunzi MG. Muscle reinnervation – II. Sprouting, synapse formation and repression. Neuroscience 1983;8(3):403-16. 18. Rutishauser U. Adhesion molecules of the nervous system. Cur Opin Neurobiol 1993;3:709-15. 19. Dodd J, Jessell TM. Axon guidance and the patterning of neuronal projections in vertebrates. Science 1988;242:692-9. 20. Sofroniew MV, Howe CL, Mobley WC. Nerve Growth Factor Signaling, Neuroprotection, and Neural repair. Annu Rev Neurosci 2001;24:1271-81. 21. Kandel ER, Schwartz JH, Jessell TM. A formação e regeneração das sinapses. In: Princípios da Neurociência. 4a ed. São Paulo: Manole; 2003, pp. 1087-14. 22. Marqueste T, Alliez JR, Alluin O, Jammes Y, Decherchi P. Neuromuscular rehabilitation by treadmill running or electrical stimulation after peripheral nerve injury and repair. J Appl Physiol 2004;96:1988-95. 23. Keynes RJ, Hopkins WG, Huang, LH. Regeneration of mouse peripheral nerves in degenerating skeletal muscle: Guidance by residual muscle fibre basement membrane. Brain Res 1984;295:275-81.

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revisão

Escalas clínicas e funcionais no gerenciamento de indivíduos com Lesões Traumáticas da Medula Espinhal Functional and clinical scales in management of individuals with Traumatic Injuries of Spinal Cord

Marco Antonio Orsini Neves1, Mariana Pimentel de Mello2, Reny de Souza Antonioli2, Marcos R.G de Freitas3 RESUMO

SUMMARY

A utilização de perfis, medidas e indicadores de avaliação padronizados na avaliação e acompanhamento de indivíduos com deficiências e incapacidades decorrentes de lesões traumáticas da medula espinhal é consenso nas sociedades médicas e entidades especializadas de áreas afins. A dificuldade, entretanto, é selecionar uma classificação que permita uma avaliação específica do déficit neurológico e a mensuração do nível de independência funcional dos pacientes. Com tal objetivo o presente estudo utilizou a escala estabelecida pela Associação Americana de Lesões Medulares (ASIA) e associou-a a Medida de Independência Funcional (MIF), em um paciente com lesão traumática da medula espinhal por arma de fogo, dando enfoque a avaliação e o impacto da lesão medular nas atividades básicas e instrumentais de vida diária.

The use of profiles, measures and standardized pointers of evaluation in the evaluation and accompaniment of individuals with deficiencies and incapacities of traumatic injuries of the spinal marrow is consensus in the medical societies and specialized entities. The difficulty, however, is selecting a classification that allows an objective evaluation of neurological deficit and the establishment of the level of functional independence of patients. With such objective, it was used a scale established by the American Association of Marrow Injuries and Functional Independence Measure, in a patient victim of spinal cord injury by gunshot, focusing the evaluation and the impact of the marrow injury in basic and instrumental activities of daily life.

Unitermos: Traumatismos da medula espinhal. Escalas. Avaliação.

Keywords: Spinal cord injuries. Scales. Evaluation.

Citação: Neves MAO, Mello MP, Antonioli RS, Freitas MRG. Escalas clínicas e funcionais no gerenciamento de indivíduos com Lesões Traumáticas da Medula Espinhal.

Trabalho realizado na Universidade Federal Fluminense 1. Fisioterapeuta, Professor Adjunto de Neurologia Clínica da Fundação Educacional Serra dos Órgãos – FESO, Teresópolis e Assistente Voluntário do Serviço de Neurologia (Setor de Doenças Neuromusculares), Universidade Federal Fluminense 2. Graduandos em Fisioterapia e Estagiários do Serviço de Neurologia da Fundação Educacional Serra dos Órgãos, FESO, Teresópolis 3. Professor Titular de Neurologia Clínica e Chefe do Serviço de Neurologia da UFF

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Citation: Neves MAO, Mello MP, Antonioli RS, Freitas MRG. Functional and clinical scales in management of individuals with Traumatic Injuries of Spinal Cord.

Endereço para correspondência: Marco Antonio Orsini Neves R. Prof. Miguel Couto, 322/1001 CEP 24230240, Niterói-RJ tel 021 81257634 E-mail: [email protected] Recebido em: 05/06/2006 Revisão: 06/06/2006 a 20/09/2006 Aceito em: 21/09/2009 Conflito de interesses: não

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revisão INTRODUÇÃO No Brasil, a incidência de lesões traumáticas da medula espinal vem aumentando consideravelmente nos últimos anos devido aos acidentes automobilísticos e episódios de violência, principalmente nos grandes centros urbanos1,2. A medula espinhal conduz impulsos para o encéfalo e que dele se originam. As várias vias aferentes e eferentes proporcionam um elo vital no controle do sistema nervoso central, portanto a lesão dessa estrutura irá resultar na perda parcial ou total da capacidade motora, sensibilidade, controle vaso-motor, esfincteriano, e função sexual3. O traumatismo raqui-medular (TRM) de etiologia penetrante, seja ele provocado por projétil de arma de fogo (PAF) ou objetos perfurantes, acarreta lesões geralmente associadas a um grave prognóstico neurológico. No momento em que o projétil atinge a coluna vertebral, provoca lesões primárias devido a traumas (mecânico e térmico) sobre as estruturas neurais e vasculares. Posteriormente, podem ser desencadeados eventos geradores de lesões secundárias, tanto por alterações isquêmicas como hiperêmicas sobre o tecido lesado4-6, levando a lesões muitas vezes irreversíveis sobre os elementos nervosos4. Os avanços ocorridos nas últimas décadas na medicina e o conseqüente aumento da sobrevida de indivíduos vítimas de TRM foram acompanhados de uma evolução no tratamento, que passou a objetivar a minimização das incapacidades e complicações e o retorno gradual dos indivíduos à sociedade7,8. A importância de normas uniformes para avaliação e classificação das lesões da medula espinhal (LME) com o propósito de uma melhor interação entre os profissionais e pesquisadores envolvidos com o paciente, têm sido reconhecida há pelo menos duas décadas9,10. A American Spinal Injury Association (ASIA) em parceria com a International Medical Society of Paraplegia (IMSOP) publicaram e validaram os “Padrões Internacionais para Classificação Neurológica e Funcional das Lesões Medulares”. Atualmente tal modelo é considerado de excelência na avaliação destes pacientes, possibilitando a comparação de achados clínicos entre serviços e pesquisadores de diferentes países e localidades. A ASIA/IMSOP aperfeiçoou também a escala de Frankel, desenvolvendo posteriormente um indicador de comprometimento referente ao tipo e gravidade das lesões11. A Medida de Independência Funcional é um instrumento que têm como objetivo a mensuração

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do nível de independência funcional dos indivíduos. A MIF serve para avaliar o impacto do TRM sobre as atividades de vida diária e vem ganhando espaço na preferência das equipes de reabilitação, pois demonstra através de uma pontuação específica a magnitude e o potencial incapacitante das lesões12,13. Escala de Classificação Neurológica da Lesão Medular (ASIA) Tal escala permite aos profissionais da área de saúde classificar a lesão medular dentro de uma extensa variedade de tipos, auxiliando-os a determinar o prognóstico e o estado atual dos pacientes. Apresenta dois componentes (sensitivo e motor), além de elementos obrigatórios e medidas opcionais. Os elementos obrigatórios são usados para determinar o nível neurológico, gerando uma contagem específica de pontos que servem para caracterizar o funcionamento (sensitivo-motor) e o tipo de lesão (completa ou incompleta). As medidas opcionais, ainda que não sejam utilizadas na contagem, podem adicionar dados à descrição clínica do paciente11,12. O termo lesão medular completa é utilizado quando existe ausência da função motora e sensitiva a partir do segmento lesado11,12. As lesões medulares incompletas ocorrem quando houver alguma função sensitiva e/ou motora abaixo do nível neurológico11,12. A zona de preservação parcial (ZPP) referese aos dermátomos e miótomos localizados abaixo do nível neurológico que se mantêm parcialmente inervados11,12. O nível neurológico estabelecido pela ASIA refere-se ao segmento mais inferior da medula com sensibilidade e função motora normais em ambos os lados do corpo. Torna-se importante ressaltar que os segmentos com função normal podem ser freqüentemente diferentes em termos de sensibilidade e motricidade quando comparados bilateralmente. Quatro ou mais segmentos distintos podem ser identificados na determinação do nível neurológico. Nesses casos, geralmente cada um dos segmentos é separadamente marcado e não é utilizado apenas um “nível” para determinação do nível neurológico11,12. A porção requerida do exame sensitivo (sensibilidade ao toque leve e a agulhada) é preenchida através da avaliação de 28 dermátomos (lado direito e esquerdo do corpo). O teste para a sensibilidade dolorosa é realizado com uma agulha descartável, enquanto o toque leve é testado com algodão. O esfíncter anal externo também é testado para auxiliar na determinação do tipo de lesão (completa ou incompleta). O exame motor é completado através do

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revisão teste muscular manual de 10 miótomos específicos (lado direito e esquerdo do corpo)11,12. A escala de restrições da ASIA utiliza os achados do exame neurológico para classificar os tipos de lesão dentro de cinco categorias: A = Lesão Completa. Não existe função motora e sensitiva nos segmentos medulares abaixo da lesão, incluindo os segmentos sacrais; B = Lesão Incompleta. Sensibilidade (total ou parcialmente) preservada com extensão através dos segmentos sacrais S4-S5, sem função motora abaixo do nível neurológico; C = Lesão Incompleta. Função motora preservada abaixo do nível da lesão com a maior parte dos músculos-chave abaixo do nível neurológico apresentando um grau de força muscular menor que 3; D = Lesão Incompleta. Função motora preservada abaixo do nível da lesão com a maior parte dos músculos-chave abaixo do nível neurológico apresentando um grau de força muscular maior ou igual a 3; E = Função Normal. Função motora e sensitiva normais6,9,11,14-16. A escala ainda enumera algumas síndromes clínicas decorrentes de traumas medulares: Síndrome do Cordão Central, Síndrome da Cauda Eqüina; Síndrome da Artéria Espinhal Anterior; Síndrome de Brown-Sequard e Síndrome do Cone Medular11,17-19. Medida de Independência Funcional (MIF) A Medida de Independência Funcional é considerada a escala mais ampla em uso na reabilitação. O instrumento avalia 18 categorias pontuadas de um a sete e classificadas quanto ao nível de dependência para a realização de tarefas específicas. As categorias são agrupadas em seis dimensões: autocuidados, controle de esfíncteres, transferências, locomoção, comunicação e cognição social20. Cada dimensão é analisada pela soma de suas categorias referentes; quanto menor a pontuação, maior é o grau de dependência. Somando-se os pontos das dimensões da MIF obtém-se um escore total mínimo de 18 e o máximo de 126 pontos, que caracterizam os níveis de dependência pelos subescores7,20. Segundo alguns autores, a escala também oferece subsídios para uma ótima correlação entre a quantidade dos dados obtidos e a diversidade de profissionais envolvidos na mensuração dos mesmos, sendo considerado um instrumento confiável e sensível às mudanças relacionadas às habilidades de auto-cuidado, locomoção, intervenções cirúrgicas e pesquisas17,21-24. A MIF faz parte do Sistema Uniforme de Dados para Reabilitação Médica (SUDRM) e é amplamente utilizada e aceita como medida de avaliação

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funcional internacionalmente . No Brasil, teve sua tradução e reprodutibilidade da versão em 2001 por Riberto et al26. Sua natureza é multidimensional, podendo ser utilizada para trazer resultados quanto ao tratamento e como forma de planejamento terapêutico. O objetivo do presente estudo foi o de associar dois instrumentos de avaliação, a Medida de Independência Funcional e a Escala de Classificação Padrão de Lesões Medulares, e avaliar a aplicabilidade destes no gerenciamento e acompanhamento de um paciente vítima de traumatismo raqui-medular por arma de fogo. 25

MÉTODOS O paciente foi submetido primeiramente a uma avaliação pela Escala de Classificação Padrão de Lesões Medulares, com duração aproximada de 45 minutos. Testou-se o toque leve com algodão e a sensibilidade dolorosa com agulha descartável. Os resultados e a pontuação foram discutidos entre os integrantes do grupo. Após cerca de 30 minutos de pausa, a Medida de Independência Funcional foi aplicada e os resultados, preenchidos. Foram simuladas situações referentes aos itens específicos da escala para uma melhor certificação da pontuação final. Não houve necessidade de nenhum recurso especial além da aplicação dos instrumentos em questão. Todos os colaboradores envolvidos são profissionais/ estagiários da área da saúde e foram treinados previamente para a aplicação das escalas. As demais informações necessárias para a pesquisa foram obtidas por meio de consulta ao prontuário. Um termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelo paciente. CASO R.D.L, sexo masculino, 30 anos, segurança de casa noturna, relata que em julho de 2002, após envolver-se em uma discussão, foi atingido por 3 projéteis de arma de fogo, sendo que um atingiu a região torácica. No momento do ocorrido, referiu sensação de queimação seguida de paralisia dos membros inferiores. Foi encaminhado para a emergência de um Hospital Estadual localizado na Zona Norte do Município do Rio de Janeiro, onde se constatou uma lesão traumática da medula espinhal a nível torácico. Na admissão, o quadro apresentado pelo paciente era de paralisia dos membros inferiores com função parcial de tronco.

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revisão No primeiro semestre de 2006, deu entrada no Serviço de Reabilitação Física Aplicada a Pacientes Neurológicos anexado ao Curso de Fisioterapia da Fundação Educacional Serra dos Órgãos. Após avaliação neurológica baseada nos critérios estabelecidos pela Classificação Neurológica Padrão das Lesões Medulares, concluiu-se que o nível de lesão localizava-se no sexto segmento torácico da medula espinhal comprometendo parcialmente o tronco e completamente os membros inferiores. Abaixo do segmento afetado, o quadro clínico era marcado pela presença de anestesia (tátil e dolorosa) associada a uma paralisia dos miótomos correspondentes à escala. RESULTADOS O escore total apresentado relativo à sensibilidade superficial (tátil e dolorosa) foi 104/224, enquanto que a pontuação motora foi 50/100. O nível localizou-se em T6 (sensitivo) e T1 (motor). A lesão apresentada foi completa - ASIA: A (quadro 1). Na Medida de Independência Funcional, a pontuação apresentada foi de 85/126, justificando a necessidade de assistência ao paciente na realização de algumas atividades básicas e instrumentais de vida diária. Itens relativos a cuidados pessoais, controle esfincteriano, transferências, locomoção e cognição social (interação social) apontaram dependência modificada (quadro 2).

DISCUSSÃO As deficiências e incapacidades advindas do Traumatismo Raquimedular (TRM) levam a tratamentos de alto custo e provocam alterações no estilo de vida dos pacientes devido às limitações funcionais24. O aumento da expectativa de vida desses indivíduos fez com que o processo de reabilitação fosse para além da prevenção dos danos causados pela lesão medular, e objetivasse também a melhora da qualidade de vida e a independência funcional. R.D.L. passou a necessitar de auxílio para a realização de determinadas atividades básicas e instrumentais da vida diária. Atualmente, depende financeiramente dos pais, parentes e amigos próximos. Muitas atividades sociais que antes realizava de forma independente, após o trauma tornaram-se dificultadas ou mesmo impossíveis. A lesão da medula espinhal é uma das mais graves complicações que causam incapacidade no ser humano, pois provoca falência de uma série de funções vitais como: locomoção, sensibilidade, sexualidade, sistema urinário e intestinal e do sistema nervoso autônomo. Considerando ainda que as principais causas de lesão medular são as traumáticas e que a maioria da população atingida é constituída por jovens com idade inferior a 40 anos, podemos observar uma grave incapacidade que os acomete de forma abrupta, com repercussões físicas e psicológicas27.

Quadro 1. Avaliação padronizada nos traumatismos raquimedulares9.

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Quadro 2. Medida de Independência Funcional20.

Um dos principais fatores envolvidos no prognóstico dos pacientes com lesão medular é a apresentação clínica na admissão, com as lesões completas apresentando baixo potencial de recuperação, enquanto que as lesões incompletas e, principalmente, lesões da cauda eqüina, um potencial de recuperação mais elevado4,5,28. Os traumas na região torácica são aqueles com o menor índice de recuperação, uma vez que neste nível o canal medular é mais estreito, possui menor suprimento sanguíneo e as lesões geralmente se apresentam como uma secção completa4. Embora a versão brasileira validada da Medida de Independência Funcional (MIF) tenha sido desenvolvida em 2000, estudos ainda são necessários como forma de corroborar seu uso na avaliação de brasileiros incapacitados, uma vez que peculiaridades socioculturais nacionais podem determinar um comportamento diverso dos dados fornecidos pelo instrumento26. A MIF forneceu resultados expressivos que corroboram com a realidade e magnitude da lesão. A pontuação motora de 85 pontos obtida pelo paciente nos forneceu uma idéia clara das deficiências e incapacidades apresentadas e do potencial incapacitante da lesão. A escassez de estudos entre medidas de observação do profissional e a percepção que não seja a do próprio paciente e a proximidade que deve existir

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entre o profissional e o cuidador, geraram a necessidade de verificar se ambos compartilham da mesma realidade quanto às condições funcionais do paciente ou se existem padrões estereotipados de cuidados que promovam a dependência. Wijlhuizen & Ooijendijk29 apontaram, por exemplo, que os pacientes relataram maior dependência em atividades funcionais do que a apresentada nos prontuários médicos, e que a tendência é que as análises de observação direta apresentem níveis mais baixos de incapacidade do que as análises subjetivas fornecidas pelos pacientes. Seel et al30 estudaram a concordância entre o comportamento neurológico após traumatismo cerebral observado pelo familiares e pelo próprio paciente, mostrando que ambos concordaram nas seis categorias do instrumento por eles utilizados, no caso a MIF. Houve diferença apenas na categoria comunicação, em que o paciente revelou ter maior dificuldade do que a percepção do familiar. Os resultados do presente estudo mostraram concordância excelente entre as medidas do profissional e do paciente em questão, com relação aos escores da MIF. Também sugerem que, quando utilizados instrumentos de validade e confiabilidade como a MIF e a Classificação Padrão de Lesões Medulares, a reprodutibilidade das medidas encontradas é grande, mesmo para diferentes formas de observação, tornando a utilização das informações mais seguras, seja por fonte direta ou mesmo indireta. Os critérios descritos pelos instrumentos e seu emprego possibilitam o uso dos dados em futuras pesquisas, tanto para comparar a evolução dos pacientes quanto para confrontar os resultados com os de outros autores. O paciente relatou que, a partir dos resultados fornecidos pelas escalas, passou a interpretar, conhecer e gerenciar com mais especificidade algumas complicações secundárias e incapacidades provocadas pela lesão. Além disso, considera-se mais participativo nas discussões da equipe multidisciplinar voltadas às suas expectativas funcionais e atividades de reabilitação. CONCLUSÃO Conhecer a apresentação dos pacientes com lesão medular em termos de independência funcional e padronizar a nomenclatura utilizada para descrever as lesões, permite aos serviços de reabilitação estruturar-se para atender às demandas dessa população de forma mais eficiente. Neste estudo, a

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revisão associação da Medida de Independência Funcional e da Classificação Padrão de Lesões Medulares se mostrou eficaz para esses objetivos, pois facilita e norteia a equipe multidisciplinar no estabelecimento de metas realistas de intervenção. O atendimento de reabilitação ao paciente com lesão medular deve ser o mais precoce possível, a fim de propiciar a aquisição de melhor desempenho em menor tempo e de forma mais apropriada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Lianza S. Órtese de propulsão recíproca modelo argo método de avaliação, tratamento e análise de resultados na reeducação da locomoção em pacientes com lesão medular. Tese apresentada ao curso de pós graduação da faculdade de medicina da Santa Casa de São Paulo. São Paulo; 1997, p. 27. 2. Cafer CR. Diagnósticos de enfermagem e proposta de intervenções para pacientes com lesão medular. [Dissertação - Mestrado] São Paulo(SP): Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo; 2003. 3. Bromley I. Paraplegia e tetraplegia: Um guia teórico-prático para fisioterapeutas, cuidadores e familiares. 4ª ed. Rio de Janeiro: Revinter; 1997, p. 267. 4. Flores LP, Filho JSN, Neto AP, Suzuki K. Fatores prognósticos do trauma raquimedular por projetil de arma de fogo em pacientes submetidos a laminectomia. Arq Neuropsiquiatr 1999;57(3-B):836-42. 5. Cheryl A, Muszynsky KN. Surgical management of penetrating injuries to the spine. In: Schimidek HH, Sweet WH (eds). Operative neurosurgical techniques. 3a ed. Philadelphia: Saunders, 1995. pp. 1971-80. 6. Walters RL, Adkins RH, Yakura J, Sie I. Profiles of spinal cord injury and recovery after gunshot injury. Clin Orthop 1991;26:14-21. 7. Silva MRS, Oliveira RJ, Conceição MIG. Efeitos da natação sobre a independência funcional de pacientes com lesão medular. Rev Bras Med Esporte 2005;11(4):251-6. 8. Kirshblum S. New rehabilitation interventions in spinal cord injury. J Spinal Cord Med 2004;27:342-50. 9. Filho TEPB. Avaliação padronizada nos traumatismos raquimedulares. Rev Bras Ortop 1994;29(3):99-106. 10. 1Marotta JT. Lesões medulares. In: Rowland LP. Merrit – Tratado de neurologia. 10a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. pp. 362-8. 11. Maynard FM Jr, Bracken MB, Creasey G, Ditunno JF Jr, Donovan WH, Ducker TB, et al. International standards for neurological and functional classification of spinal cord injury. American Spinal Injury Association. Spinal Cord 1997;35:266-74. 12. Delfino HLA. Trauma raquimedular. Rev Med (Ribeirão Preto) 1999;32:388-400. 13. Williams BC, Fries BE, Warren RL. Predicting patient scores between the functional independence measure and minimum data set: develo-

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Metástases na coluna vertebral Spinal metastases

Andrei Fernandes Joaquim1, Francisco Alexandre de Paula Maturana1, Diogo Valli Anderle1, Hélder José Lessa Zambelli2, Marcos Vinícius Calfat Maldaun3

RESUMO

SUMMARY

As metástases para a coluna vertebral são comuns e constituem-se em uma emergência médica quando causam compressão da medula. A incidência das mesmas está aumentando, tendo em vista o aumento da sobrevida dos pacientes com câncer. Após revisão da literatura, destacamos pontos importantes quanto ao quadro clínico, exames subsidiários, indicações cirúrgicas e o papel das terapias adjuvantes no manejo destas lesões.

Metastases to the spine are a common manifestation of cancer. Metastatical spine involvement consists in a medical emergency when causing cord compression. The incidence of spinal metastases continues to increase, probably as result of increasing survival of patients with cancer. Based on literature review, we emphasized the most important aspects on clinical presentation, investigation, indications for surgical therapy and the role of adjuvant therapies on spinal column metastases.

Unitermos: Metástase neoplásica. Coluna vertebral.

Keywords: Metastasis. Spine column.

Citação: Joaquim AF, Maturana FAP, Anderle DV, Zambelli HJL, Maldaun MVC. Metástases na coluna vertebral.

Citation: Joaquim AF, Maturana FAP, Anderle DV, Zambelli HJL, Maldaun MVC. Spinal Metastases.

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas – UNICAMP. 1. Médico Residente de Neurocirurgia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas – UNICAMP. 2. Médico Neurocirurgião, Coordenador do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Estadual de Sumaré, UNICAMP. 3. Médico Neurocirurgião, Hospital Estadual de Sumaré, UNICAMP e Posdoctoral Fellow em Neurocirurgia Oncológica – MD, Anderson Câncer Center, Universidade do Texas, Houston. 4. Professor Titular e Chefe do Serviço de Neurologia, UFF.

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Endereço para correspondência: Andrei Fernandes Joaquim Rua Pedro Vieira da Silva 144/11 Bloco F CEP 13080-570, Campinas, SP E-mail: [email protected]

Recebido em: 29/01/2007 Revisão: 30/01/2007 a 27/03/2007 Aceito em: 28/03/2007 Conflito de interesses: não

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revisão INTRODUÇÃO A coluna vertebral é o local mais comum de metástases ósseas1. Essas metástases constituem-se em emergência médica quando causam compressão da medula ou da cauda eqüina, requerendo pronto reconhecimento e tratamento específico. Falhas na suspeita do diagnóstico, em referenciar rapidamente o paciente ou na demora na instituição do tratamento são as principais causas de deterioração neurológica nos pacientes com metástases na coluna2. O presente artigo, baseado em revisão da literatura, tem como objetivo proporcionar maiores subsídios para o reconhecimento rápido dos sinais e sintomas de metástases na coluna, discorrendo sobre as principais formas de diagnóstico e de tratamento, suas indicações e contra-indicações. Epidemiologia Mais de 95% das metástases na coluna são extradurais, sendo que cerca de 5% das lesões são intradurais e menos de 0,5% intramedulares3,4. A compressão medular (CM) ocorre em 10 a 15% dos pacientes com diagnóstico de metástases na coluna. Pode ser causada tanto pela compressão tumoral direta quanto pelo colapso de um corpo vertebral por invasão tumoral5. É uma emergência médica que requer pronto reconhecimento e tratamento, uma vez que pode resultar em déficit neurológico permanente2. Estima-se que mais de 10% dos pacientes com câncer desenvolverão algum grau de CM durante o curso da doença6,7. Entre as causas de CM, as metástases são mais freqüentes do que os tumores primários. As neoplasias primárias adquirem maior expressão epidemiológica em adultos jovens e crianças, sendo que o mieloma múltiplo é a causa de CM por neoplasia primária mais comum em adultos8. As neoplasias de coluna mais comuns são as metástases do adenocarcinoma de mama, de neoplasias pulmonares, de próstata, dos rins e dos tumores hematopoiéticos, destacando-se os linfomas e o mieloma múltiplo9-13. A maior freqüência dessas neoplasias pode ser explicada por possuírem maior prevalência na população geral e também pela maior predileção intrínseca das mesmas para a disseminação óssea. O diagnóstico geralmente ocorre no período em que a doença primária já é conhecida, mas cerca de 10% dos pacientes podem ter sinais de CM como primeira manifestação da neoplasia14. Estudos em autópsias demonstram que a distribuição das metástases extradurais se relaciona com

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o tamanho das vértebras, sendo mais prevalentes nas lombares, seguidas pelas torácicas e cervicais15. Porém, a compressão sintomática ocorre mais freqüentemente na coluna torácica (50–70%), seguida pela coluna cervical (10–30%) e, por fim, pela coluna lombo-sacra (20–30%)5,14, provavelmente pelo relativo pequeno diâmetro do canal torácico e maior número de vértebras. Neoplasias pulmonares e de mama geralmente cursam com lesões cervicais ou torácicas, enquanto que de próstata, cólon e tumores pélvicos têm maior predileção pela coluna lombosacra16. Em 17–30% dos casos há múltiplas metástases vertebrais demonstradas pela RNM, em vários níveis, sintomáticas ou não17. QUADRO CLÍNICO As informações mais relevantes na avaliação do paciente com possibilidade de CM por neoplasia (CMN) estão na história e no exame físico do paciente, atráves da identificação de alguns sinais de alerta, ou seja, elementos da anamnese que aumentem as chances de patologia grave subjacente. Na história clínica, destacam-se os extremos de idade, perda de peso inexplicada, imunossupressão, alterações neurológicas e, principalmente, a história prévia de câncer8. Pacientes com câncer e queixa de dor nas costas ou no pescoço devem ser avaliados rigorosamente quanto à suspeita de metástase na coluna5, o que pode prevenir, minimizar ou reverter graves complicações neurológicas14,16. Cerca de 90% dos pacientes mantêm a capacidade de deambulação quando diagnosticados e tratados precocemente, enquanto que menos de 10% dos pacientes recuperam a função neurológica após a instalação do déficit18. Sabe-se, ainda, que um dos fatores prognósticos mais importantes nos pacientes com metástases na coluna é a capacidade de deambulação na época do diagnóstico19. Caso haja suspeita clínica de CM, os pacientes sem déficits neurológicos devem ser avaliados e tratados em nível ambulatorial, enquanto que aqueles com alterações neurológicas devem ser internados e investigados imediatamente, com rápida introdução de corticoesteróides e de tratamento específico5. A CMN pode estar presente em qualquer momento durante a história natural do câncer. Os sinais e sintomas geralmente ocorrem progressivamente, conforme o local das metástases vertebrais e o grau de invasão tumoral14. Mais ainda, há grande variação da sintomatologia, desde pequenas alterações sensitivas, motoras ou autonômicas até dor incapacitante

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revisão ou plegia5. Caracterizamos abaixo alguns pontos da apresentação clínica dos pacientes com CMN: Dor É o primeiro sintoma em 96% dos pacientes com CMN16. É comum a queixa de dor ao longo de semanas ou meses antes do início de outros sintomas neurológicos5,14. Geralmente, a dor é atribuída erroneamente a outras causas, como artrite, problemas musculares, hérnia de disco, entre outras16,20. Devemos lembrar do axioma: “dor nas costas ou no pescoço no paciente com neoplasia é secundária à metástase na coluna até que se prove o contrário”. Três tipos de dores podem estar presentes: localizada, referida ou radicular. 1. Dor Localizada: geralmente localizada na linha média, acompanhada ou não de dor referida ou radicular14. A dor localizada costuma ser constante, aumenta quando o paciente está deitado em repouso, podendo acordá-lo à noite5. 2. Dor Radicular: com o crescimento tumoral, a dor adquire uma distribuição radicular conforme o segmento do dermátomo correspondente à compressão nervosa14. A dor radicular pode piorar com manobra de Valsalva, com a tosse e durante a pesquisa dos sinais de Lasègue, Kernig e Brudzinski5,16. 3. Dor Referida: pode ser vista em compressão medular epidural lombar, com metástases em L1, causando dor na articulação sacro-íliaca, o que se constitui em um falso sinal de localização16. Alterações Motoras Fraqueza é o segundo sintoma mais comum, depois da dor, precedendo as alterações objetivas da sensibilidade. A perda de força em geral ocorre nas pernas, proximalmente, progredindo para dificuldade em deambular, queixa de pernas pesadas, dificuldade em subir escadas, perda de coordenação e, posteriormente, plegia, em intervalo de tempo variado16. Pacientes com queixa de dificuldade para deambular devem ser mantidos em repouso na cama até serem devidamente investigados5. Alterações Sensitivas Perdas sensitivas incluem hipoestesias e parestesias nos dedos, que podem ascender até o nível da compressão, também em intervalo de tempo variado5. As queixas sensitivas são menos freqüentes do que a de fraqueza, mas também são comuns. Na compressão mediana da cauda eqüina há perda da sensibilidade sacra, bilateral, envolvendo a área perineal e a região posterior das coxas (anestesia em sela)16.

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Alterações Autonômicas Geralmente tardias e associadas a outras alterações. Incluem o comprometimento da função sexual e disfunção esfincteriana, com constipação e retenção urinária. Associadas a um pior prognóstico14. Síndrome de Horner desenvolve-se em metástases paraespinhais cervicais ou em compressão torácica alta significante. Anidrose pode ocorrer abaixo do nível da compressão e geralmente está associada com paraparesia/plegia16. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS Os principais diagnósticos diferenciais a serem considerados são: Doenças degenerativas (hérnia discal, estenose espinhal, espondilolistese); Meningite carcinomatosa; Doenças infecciosas (osteomielite, discite, abscesso epidural); Mielopatia tardia induzida por radiação; Hematoma epidural secundário à coagulopatia; Mielite transversa; Síndrome paraneoplásica; Malformações vasculares; Fraturas por osteoporose. EXAMES COMPLEMENTARES A investigação geral do paciente com suspeita de CMN deve incluir: dosagem de uréia e creatinina, função renal, dosagem de cálcio, eletrólitos e hemograma. Em casos específicos, são necessárias eletroforese sérica e urinária para dosagem de proteína de Bence Jones, frente à suspeita de mieloma, e dosagem do PSA, frente à hipótese de câncer de próstata. Radiografia de tórax, ultrassonografia de abdome, tomografias de tórax, abdome e pelve podem ser exames úteis na investigação da neoplasia primária, norteados pela suspeita clínica de cada caso. Para a investigação da existência de metástases podemos recorrer aos seguintes métodos: A) Radiografias simples De baixo custo e não invasivas, com alta disponibilidade na maioria dos serviços, as radiografias em incidência antero-posterior e perfil podem demonstrar lesões vertebrais líticas ou blásticas nas vértebras, como erosões pediculares, fraturas, além de aumento de tecidos moles adjascentes. Como investigação inicial para dor nas costas, podem identificar até 85% de lesões vertebrais, porém têm baixa sensibilidade (pelo menos 50% do osso devem ser destruídos para serem detectadas na radiografia)14.

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revisão B) Mielografia Outrora considerada um exame padrão-ouro, atualmente foi substituída pela ressonância magnética (RNM). Ainda assim, seu papel persiste em pacientes com severa escoliose, implantes ferromagnéticos, pacientes grandes, com clips de aneurismas ou marcapassos cardíacos14. Pacientes claustrofóbicos também podem se beneficiar deste exame, embora a sedação possa ser feita durante a realização da RNM. C) Tomografia Computadorizada Sua principal utilidade está na avaliação da arquitetura óssea, graduando a destruição neoplásica. Sendo assim, constitui-se em importante complemento da RNM, principalmente frente a possível planejamento cirúrgico. D) Cintilografia óssea Mais sensível do que as radiografias na detecção precoce de anormalidades vertebrais14, sua utilidade está na detecção de metástases ósseas difusas, não tendo grandes implicações no planejamento de eventual conduta cirúrgica ou de radioterapia. Útil no estadiamento das neoplasias. E) Ressonância Magnética (RNM) Consiste no melhor exame para diagnóstico de CMN21. Não invasiva, fornece informações das vértebras e estruturas adjacentes, permitindo visualizar múltiplas secções ao longo de toda a coluna, demonstrando compressão medular ou nervosa, bem como informações quanto à estabilidade da coluna e orientações quanto ao tipo de tratamento a ser instituído21. RNM de toda coluna é o exame de escolha na investigação de pacientes com lesões suspeitas ou já conhecidas19,21-24, com grande superioridade em relação à tomografia na detecção de doença epidural, intradural, extramedular, intramedular ou mesmo na avaliação das meninges14. Exames radiográficos com alterações compatíveis com o exame neurológico podem predizer a presença e o nível da CMN, porém a RNM fornece dados capazes de alterar o planejamento do tratamento. Assim, não havendo contra-indicações, a RM é imprescindível para a instituição do tratamento adequado2. TRATAMENTO O tratamento é individualizado, baseado em vários fatores, destacando-se localização, tipo de tumor, agressividade, sensibilidade à radioterapia, status funcional do paciente e o exame neurológico14.

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Os objetivos terapêuticos são: 1) aliviar a dor, 2) estabilizar a coluna e 3) manter ou melhorar a função neurológica. Destaca-se, ainda, que o tratamento é paliativo, tendo em vista a curta expectativa de vida desses pacientes, que varia de 4 a 15 meses13,25-27. O tratamento de níveis assintomáticos é controverso. Cerca de 16% dos pacientes com CMN têm um segundo episódio28, porém apenas 8% dos casos de metástases assintomáticas não irradiadas evoluirão com sintomatologia, incidência similar aos dos pacientes com CMN em um único nível na apresentação inicial29. Contudo, determinar se um nível acometido é sintomático ou não nem sempre é possível, sendo recomendado o tratamento dos demais níveis de compressão desde que os pacientes tenham razoável expectativa de vida e não se agregue morbidade excessiva. Abaixo, discorremos sobre as principais linhas de tratamento16: 1) terapia com esteróides, 2) alívio da dor, 3) radioterapia, 4) ressecção cirúrgica/descompressão, 5) quimioterapia adjuvante ou terapia hormonal: tumores específicos, conforme o tratamento sistêmico. 1) Terapia com esteróides Usados para reduzir o edema e a inflamação, diminuindo os déficits neurológicos e controlando a dor, principalmente nos pacientes com quadro de mielopatia16,30. Baseado apenas em dados clínicos, esteróides podem ser administrados previamente à realização dos exames diagnósticos. Em pacientes recebendo dexametasona, esteróide mais usado, a dose pode ser reduzida gradualmente a cada 3–4 dias após o início da radioterapia14. Não devem ser usados rotineiramente em pacientes com boa função motora no início do quadro30. 2) Medidas para alívio da dor A dor dos pacientes deve ser qualificada e quantificada previamente ao início do tratamento. Desta forma, seleciona-se a melhor forma de analgesia a ser utilizada, bem como o perfil mais adequado dos efeitos colaterais. Destaca-se que a radioterapia também tem importante papel no combate à dor. Os pacientes com dor axial não candidatos ao tratamento cirúrgico e com doença em múltiplos níveis podem se beneficiar com a vertebroplastia percutânea, procedimento pouco invasivo e com bons efeitos analgésicos. As contra-indicações à vertebroplastia são: compressão epidural secundária à presença da metástase e fragmentos ósseos do muro posterior do corpo da vértebra no interior do canal vertebral; impossibilidade da localização da vértebra

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revisão responsável pelos sintomas da dor; intolerância ao decúbito para realizar o procedimento; coagulopatia; infecção no local da injeção percutânea31,32. 3) Radioterapia É o tratamento de escolha na maior parte das CMN17. Deve ser iniciada rapidamente após confirmação radiológica. Geralmente, irradiam-se regiões sintomáticas ou regiões assintomáticas, mas com metástases epidurais significativas, com margem de um ou dois corpos vertebrais acima e abaixo do nível acometido14,16, objetivando o alívio da dor e melhora da função neurológica, sendo o status funcional prétratamento o mais importante indicador prognóstico. A dose padrão para metástases na coluna consiste de 20 a 30 Gy, administradas de 5 a 10 sessões. Sessões específicas são estudadas caso a caso. Efeitos colaterais podem ocorrer, destacando-se esofagites transitórias (por 1 a 2 semanas, secundárias à radiação após tratamento de lesões torácicas altas), náuseas e vômitos (devido à irradiação epigástrica em lesões torácicas baixas e lombares altas), controlados com anti-eméticos e mielopatia tardia induzida por radiação, complicação rara, porém grave27,33. Indicações para Radioterapia Primária: 1. Expectativa de vida menor do que 3 meses; 2. Múltiplos níveis de metástases simultâneas; 3. Pacientes com paraplegia de mais de 24 horas de duração; 4. Co-morbidades que contra-indiquem intervenção cirúrgica; 5. Pacientes sem indicação para cirurgia e com tumores sabidamente radiossensíveis: linfoma, mieloma múltiplo, carcinoma de pequenas células pulmonares, seminoma, neuroblastoma ou sarcoma de Ewing34. Há boa resposta à radioterapia em 30% dos casos de CMN, mesmo frente a tumores mais radioresistentes como o carcinoma de mama e o melanoma35. 4) Cirurgia Não há evidências de que o tratamento aumente a expectativa de vida. A laminectomia descompressiva consistia no procedimento cirúrgico padrão na CMN, porém alguns estudos demonstraram que apenas uma minoria dos pacientes (cerca de 40%) melhorava após o procedimento36,37. Acrescenta-se, ainda, que, em estudos comparativos da eficácia da radioterapia versus a combinação da mesma com laminectomia, não havia diferenças no prognóstico funcional dos pacientes17,38. A explicação para esses resultados é baseada princi-

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palmente na variedade de posições das metástases em relação ao saco dural, uma vez que lesões puramente posteriores são incomuns. Mais ainda, a laminectomia pode piorar a instabilidade da coluna. Neste contexto, ressalta-se a importância do tratamento cirúrgico individualizado, com novas abordagens (como a via anterior e a póstero-lateral) baseadas no reestabelecimento anatômico e biodinâmico e no desenvolvimento tecnológico de novos mecanismos de estabilização da coluna, que melhoraram muito a eficácia da intervenção cirúrgica no tratamento das metástases7,39,40. A definição do tratamento cirúrgico específico a ser empregado é norteada pela experiência do cirurgião e por Sistemas de Escores existentes na literatura, como os propostos por Tokuhashi41, Tomita42 e Bunger43. Indicações de intervenção cirúrgica individualizada na CMN34: 1. Compressão medular em um paciente sem história prévia de câncer ou mesmo com história de câncer, mas com suspeita de compressão medular de etiologia não neoplásica; 2. O nível da compressão está em uma área previamente irradiada; 3. Deterioração neurológica durante radioterapia ou em falha terapêutica, principalmente em tumores sabidamente radioresistentes; 4. Pacientes com instabilidade na coluna; 5. Progressão rápida dos sintomas para paraplegia; 6. Dor intratável por terapias não cirúrgicas. Contra-Indicações Relativas para cirurgia de descompressão medular16,34: 1. Plegia há mais de 24 horas; 2. Tumores radiosensíveis (linfoma, mieloma etc.); 3. Múltiplos níveis de envolvimento; 4. Expectativa de vida curta (menor do que 3 meses); 5. Co-morbidades médicas graves. Paciente com mais de 24 horas de plegia não deve ser submetido a procedimento cirúrgico, pois não há benefício estabelecido, exceto se não há o diagnóstico histológico da lesão. Pacientes com baixa expectativa de vida, gravemente debilitados ou sem condições cirúrgicas devem ser submetidos à radioterapia como terapia de primeira linha. Pacientes com CMN na junção crânio-cervical ou lombo-sacral podem não ser candidatos à intervenção cirúrgica devido à alta morbidade associada a esses procedimentos. As órteses podem ser úteis para o controle da dor e dar maior segurança ao paciente.

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revisão O prognóstico dos pacientes com CMN é extremamente heterogêneo, tendo em vista as inúmeras variáveis existentes em cada caso. O alívio da dor e a estabilização da função neurológica podem ser alcançados em até 90% dos casos, com melhora importante da qualidade de vida13,44-46. A individualização do tratamento é fundamental para se alcançar bons resultados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Hatrick NC, Lucas JD, Timothy AR, Smith MA. The surgical treatment of metastatic disease of the spine. Radiother Oncol 2000;56:335-9. 2. Husband DJ. Malignant spinal cord compression: prospective study of delays in referral and treatment. Brit Med J 1998;317(7150):18-21. 3. Perrin RG, Livingston KE, Aarabi B. Intradural extra-medullary spinal metastasis. A report of 10 cases. J Neurosurg 1982;56:835-7. 4. Schick U, Marquardt G, Lorenz R. Intradural and extradural metastases. Neurosurg Rev 2001;24:1-7. 5. Held JL, Peahota A. Nursing care of the patient with spinal cord compression. Oncol Nurs Forum 1993;20(10):1507-16. 6. Grant R, Papadopoulos SM, Greenberg HS. Metastatic epidural spinal cord compression. Neurol Clin 1991;9:825-41. 7. Sundaresan N, Digiancinto GV, Hughes JE. Treatment of neoplastic spinal cord compression: results of a prospective study. Neurosurgery 1991;29:645-50. 8. Arce D, Sass P, Abul-Khoudoud H. Recognizing Spinal Cord Emergencies. Am Fam Physician 2001;64:631-8. 9. Abdu WA, Provencher M. Primary bone and metastatic tumors of the cervical spine. Spine 1998;23:2767-77. 10. Hammerberg KW. Surgical treatment of metastatic spine disease. Spine 1992;17:1148-53. 11. Onimus M, Papin P, Gangloff S. Results of surgical treatment of spinal thoracic and lumbar metastases. Eur Spine 1996;J5:407-11. 12. Sioutos PJ, Arbit E, Meshulam CF, Galicich JH. Spinal metastases from solid tumors. Analysis of factors affecting survival. Cancer 1995;76:1453-9. 13. Solberg A, Bremnes RM. Metastatic spinal cord compression: diagnostic delay, treatment, and outcome. Anticancer Res 1999;19:677-84. 14. Bucholtz JD. Metastatic epidural spinal cord compression. Sem Oncol Nurs 1999; 15(3):150-9. 15. Willis RA. The Spread of Tumours in the Human Body, 2nd ed. London: Butterworth, 1952, pp. 630-51. 16. Quinn JA, DeAngelis LM. Neurological emergencies in the cancer patient. Sem Oncol 2000;27(3):311-21. 17. Byrne TN. Spinal cord compression from epidural metastases. N Engl J Med 1992; 327:614-9. 18. Markman M. Early recognition of spinal cord compression in cancer patients Clevel Clin J Med 1999;66(10):629-31. 19. Cook AM, Lau TN, Tomlinson MJ, Vaidya M, Wakeley CJ, Goddard P. Magnetic resonance imaging of the whole spine in suspected malignant spinal cord compression: impact on management. Clin Oncol 1998;10:39-43. 20. Jacobs P. Malignant spinal cord compression. Palliat Care Today 1999;vol:20-1. 21. Levack P, Graham J, Collie D, Grant R, Kidd J, Kunkler I, et al. A prospective audit of the diagnosis, management and outcome of malignant spinal cord compression. Clin Resour Audit Group 2001;97:8. 22. Husband DJ, Grant KA, Romaniuk CS. MRI in the diagnosis and treatment of suspected malignant spinal cord compression. Brit J Radiol 2001;74:15-23. 23. Levack P, Graham J, Collie D, Grant R, Kidd J, Kunkler I, et al. Don’t wait for a sensory level – listen to the symptoms: a prospective audit of the delays in diagnosis of malignant cord compression. Clin Oncol 2002;14:472-80.

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relato de caso

Uso de Rosuvastatina em Esclerose Múltipla Use of Rosuvastatin in Multiple Sclerosis

Marcela Ramos de Oliveira1, Diogo Fernandes dos Santos1, Sheila Bernardino Fenelon2, Nilson Penha-Silva3 RESUMO

SUMMARY

A terapêutica convencional da esclerose múltipla (EM) compreende o uso de imunossupressores e imunomoduladores. Como as estatinas têm ações antiinflamatórias e imunomoduladoras, elas poderiam constituir uma terapia alternativa para essa doença. Descrevemos neste trabalho o resultado do uso de rosuvastatina por uma paciente de 34 anos, portadora de EM remitente-recorrente. A paciente iniciou tratamento com interferon-beta 1A, porém, após queixas de efeitos adversos, recusou-se a continuar o tratamento. Em 2005, ela iniciou uso de rosuvastatina. Seu EDSS (Expanded Disability Status Scale) era igual a 6,0. Após 6 meses de tratamento, ela apresentava boa evolução no quadro neurológico, passando a deambular distâncias maiores e a praticar exercícios físicos. Seu EDSS baixou para 4,5. O tratamento com estatina é racionalmente promissor na melhoria da qualidade de vida e, provavelmente, no controle da doença.

The conventional therapeutics of multiple sclerosis (MS) comprises the use of immunosuppressant and immunomodulator agents. Since statins presents antiinflammatory and immunomodulator actions, they may constitute an alternative therapy to this disease. In this case report we describe the result of the use of rosuvastatin by a 34 years old woman with relapsing-remitting MS. The patient initiated treatment with interferon-beta 1A, but after reclaims of adverse effects she refused to follow this treatment. In 2005, she initiated use of rosuvastatin. Its EDSS (Expanded Disability Status Scale) was 6.0. After 6 months of treatment, she presented good evolution of her neurological state, being able to deambulate larger distances and to practice physical exercises. Her EDSS decreased to 4.5. The treatment with statins is rationally promising in the improvement of the life quality and probably in the control of the disease.

Unitermos: Inibidores de hidroximetilglutaril-CoA redutases. Esclerose Múltipla. Terapias em estudo.

Keywords: Hydroxymethylglutaryl-CoA reductase inhibitors. Multiple Sclerosis. Investigational therapies.

Citação: Oliveira MR, Santos DF, Fenelon SB, Penha-Silva N. Uso de Rosuvastatina em Esclerose Múltipla.

Citation: Oliveira MR, Santos DF, Fenelon SB, Penha-Silva N. Use of Rosuvastatin in Multiple Sclerosis.

Trabalho realizado na Universidade Federal de Uberlândia.

Endereço para correspondência: Nilson Penha-Silva Universidade Federal de Uberlândia Instituto de Genética e Bioquímica Av. Pará 1720 CEP 38400-902, Uberlândia, MG E-mail: [email protected]

1. Estudantes de graduação em Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). 2. Doutora em Medicina, Professora Adjunta de Neurologia da Faculdade de Medicina (FAMED) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Coordenadora do Centro de Estudos Triangulino de Esclerose Múltipla (CETEM). 3. Professor titular do Instituto de Genética e Bioquímica (INGEB) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

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Recebido em: 05/04/2006 Revisão: 05/12/2006 Aceito em: 06/04/2006 a 04/12/2006 Conflito de interesses: não

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relato de caso INTRODUÇÃO A esclerose múltipla (EM) é uma doença inflamatória desmielinizante que afeta o sistema nervoso central1. A base anatômica comum das doenças desmielinizantes do SNC é representada por alterações primárias da bainha de mielina. A lesão primária da bainha de mielina leva à liberação de seus componentes e causa danos e morte de oligodendrócitos2. A etiologia dessa doença ainda não é bem conhecida. Evidências indiretas apóiam uma etiologia auto-imune para a EM3, provavelmente desencadeada por fatores epigenéticos num hospedeiro geneticamente susceptível. A EM pode evoluir de diferentes maneiras. A forma recorrente-remitente (EMRR) caracterizase por surtos bem individualizados que deixam ou não seqüelas, não havendo progressão das deficiências entre os surtos. A forma secundariamente progressiva (EMSP) apresenta uma fase precedente de recorrências e remissões seguida de progressão das deficiências, sem surtos ou com surtos subjacentes. Outra forma de evolução da EM é a primariamente progressiva (EMPP), que se caracteriza desde o início por doença progressiva, evoluindo com discretos períodos de melhora. Por fim, há a forma progressiva recorrente (EMPR), que também se caracteriza desde o início por doença progressiva, porém intercalada por surtos, com ou sem recuperação total, mas com progressão contínua entre os surtos4. As manifestações clínicas dessa doença desmielinizante são inicialmente muito variáveis. Às vezes elas são muito drásticas, mas outras vezes elas são tão brandas que o paciente nem procura assistência médica. Os sintomas iniciais mais comuns consistem em fraqueza em um ou mais membros, visão turva devido à neurite óptica, distúrbios sensoriais, diplopia e ataxia. Os sintomas sensoriais incluem parestesia (sensação espontânea de dor, adormecimento e/ou queimação) ou hiperestesia (aumento da intensidade e/ou da duração da sensação produzida por um estímulo). O comprometimento cerebelar resulta em ataxia da marcha e dos membros. Outros sintomas relatados por portadores de EM são neuralgias do trigêmeo, vertigem associada a vômitos, urgência vesical, hesitação, esvaziamento incompleto ou incontinência, constipação e urgência fecal. A disfunção cognitiva comum na fase avançada da doença também pode aparecer em seu estágio inicial. As alterações cognitivas observadas com maior freqüência incluem perda da memória, comprometimento da atenção, dificuldade na resolução de problemas e processamento lento das informações. A depressão é também comum na EM3.

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O diagnóstico de EM é baseado nos critérios estabelecidos pelo Painel Internacional para o Diagnóstico da Esclerose Múltipla, por McDonalds et al., em 20015. Ele define a distribuição temporal e espacial da doença, utilizando, quando necessário, resultados obtidos com a Ressonância Magnética do encéfalo e da medula espinhal6. Recentemente, em 2005, houve uma revisão desses critérios a fim de tornar mais sensível e específico o diagnóstico da doença7. Os tratamentos da EM podem estar associados à detenção do processo patológico e/ou à atenuação dos sintomas3. A terapêutica convencional da EM compreende imunossupressores e imunomoduladores, como IFNb1B, IFNb1A e acetato de glutiramer6. Entretanto, nos últimos anos, vários estudos têm demonstrado que as estatinas, além de diminuir o nível de colesterol sanguíneo, apresentam também propriedades imunomoduladoras e antiinflamatórias8, devido à ação inibitória sobre a óxido nítrico sintase (NOSase) e citocinas pró-inflamatórias9, justificando seu uso como terapia alternativa em doenças inflamatórias crônicas como a EM10-12. A região do genoma responsável pela produção da enzima NOSase está localizada no cromossomo 12, onde também está presente um loci gênico relacionado à EM. Assim, existe possibilidade de que a ação da NOSase implique em uma maior susceptibilidade à EM, uma vez que o óxido nítrico tem-se mostrado tóxico para oligodendrócitos e responsável por induzir degeneração do axônio. O gene responsável pela síntese dessa enzima tem sido mostrado como sendo indutor da resposta inflamatória, no caso da EM13. A utilização de lovastatina14 e sinvastatina15 em pacientes com EM, em pequenos ensaios clínicos14,15, mostrou uma aparente diminuição das lesões vistas na ressonância magnética nuclear e ausência de efeitos adversos graves. Essas alternativas de prevenção, atenuação e mesmo tratamento da doença, à base de estatinas, carece, entretanto, de suporte experimental. Este relato procura explorar a questão relatando o caso de uma paciente com EM que fez uso de rosuvastatina durante seis meses. Em nossa revisão da literatura, não encontramos nenhum outro estudo que tenha usado a rosuvastatina com esse propósito. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia e documentalmente consentido pela paciente. CASO Em 1999, a paciente, leucoderma, então com 34 anos, procurou o Hospital de Clínicas da Univer-

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relato de caso sidade Federal de Uberlândia, apresentando edema no tronco e membros inferiores (MMII), parestesia em região lombar e MMII, oligúria, obstipação intestinal e perda de sensibilidade em área cutânea abdominal, com progressão do quadro neurológico durante internação com perda de sensibilidade dolorosa e tátil desde 4 cm abaixo da fúrcula esternal até os pés. No exame neurológico, a paciente apresentava paraplegia, arreflexia em membros inferiores, perda de sensibilidade e motricidade de T4 a S5, flacidez e hipotonia muscular de membros superiores e Sinal de Babinski à esquerda. Ainda durante esse surto, a paciente teve piora do quadro, apresentando diplopia e nistagmo. O exame do líquido cefalorraquidiano revelou líquor incolor e de aspecto límpido, com nível de glicose dentro dos limites da normalidade (61 mg%), mas aumento na concentração de proteínas totais (46 mg%). Ainda durante a internação, a paciente iniciou corticoterapia (prednisona a 1 mg/kg). O exame oftalmológico revelou ausência de neurite óptica. Após alta hospitalar, houve melhora parcial da motricidade e tônus muscular dos membros superiores e discreta melhora da movimentação em membros inferiores, além de referir retorno da sensibilidade dolorosa. Quatro meses depois, houve reagudização do quadro neurológico e, além disso, a paciente apresentou infecções urinárias recorrentes. Nessa ocasião, foi realizada Ressonância Magnética Nuclear (RMN), quando foi confirmado o diagnóstico de EM do tipo recorrente-remitente (EMRR). A RMN (figura 1) mostrou lesões múltiplas na substância branca cortical do parênquima cerebral e cerebelo, infratentoriais, supratentoriais, justacorticais e periventriculares. Em 2003, a paciente iniciou acompanhamento ambulatorial no Centro de Estudos Triangulino de Esclerose Múltipla (CETEM) da Universidade Federal de Uberlândia (centro de pesquisa filiado ao Comitê Brasileiro de Tratamento e Pesquisa da Esclerose Múltipla). Realizado exame neurológico, o escore obtido na Escala Expandida do Estado de Incapacidade (EDSS) foi 6,0. Ela, então, iniciou tratamento com interferon-beta 1A (6.000.000 UI, uma vez por semana), durante um mês, porém relatou efeitos adversos e recusou-se a continuar o tratamento com qualquer medicação injetável para a doença. Em 2005, devido à recusa da paciente em se submeter ao tratamento convencional, foi-lhe proposta uma nova terapia baseada no uso de rosuvastatina. Antes de iniciar a nova terapêutica, sua avalia-

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ção neurológica mostrou que ela mantinha o mesmo escore no EDSS (6,0) que havia apresentado antes do início do tratamento. Ela iniciou, então, o uso de rosuvastatina, a 10 mg/dia nos primeiros 10 dias, passando para 20 mg/dia, durante 6 meses, já que não foi evidenciado nenhum efeito adverso ao uso desse medicamento. Durante o uso da rosuvastatina, foi acompanhada ambulatorialmente e através de testes hematológicos e bioquímicos, incluindo perfil lipídico e dosagem de creatina-quinase (CK). Durante todo esse período, a paciente não fez uso de outra medicação — como anti-inflamatórios, imunomoduladores ou imunossupressores — que pudesse ter modificado favoravelmente a evolução da doença. Além da rosuvastatina, fez uso apenas de antibióticos para o tratamento das infecções recorrentes do trato urinário e de antidepressivos tricíclicos e benzodiazepínicos, drogas que ela já utilizava desde 2003. Ela também não se submeteu a outros tratamentos concomitantes, como fisioterapia, psicoterapia, técnicas de relaxamento e ergoterapia.

Figura 1. Ressonância Magnética Nuclear, com lesões múltiplas no parênquima cerebral e cerebelo. A e B: lesões infratentorial e justacortical. C e D: lesões justacorticais. E e F: lesões periventriculares.

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relato de caso Dois meses após o uso de rosuvastatina, a paciente apresentou uma boa evolução do quadro neurológico, passando a deambular distâncias maiores, a praticar exercícios físicos e não necessitar continuamente de sonda vesical. Não ocorreram surtos durante o tratamento. Após seis meses de tratamento, seu EDSS caiu para 4,5, com melhora considerável principalmente das funções piramidais e vesicais. Houve, também, uma diminuição no nível sérico de colesterol total (tabela 1) e a CK manteve-se dentro dos limites da normalidade (< 130 U/l). Atualmente, continua em acompanhamento ambulatorial e com o uso de rosuvastatina.

Tabela 1. Efeito do tratamento com rosuvastatina sobre o EDSS (Kurtzke Expanded Disability Status Scale) e os níveis de colesterol total plasmático.

DISCUSSÃO A paciente, desde o início do quadro, apresentou sintomas típicos de doença desmielinizante. Seu diagnóstico de EM foi confirmado de acordo com os critérios de McDonalds5, já que ela apresentou dois ou mais surtos, evidência clínica objetiva de uma lesão, além de disseminação espacial (pelo menos 1 lesão infratentorial, 1 lesão justacortical e 3 lesões periventriculares) compatível com os critérios de Barkhof16. Os surtos tiveram duração maior que 24 horas e foram intercalados por um intervalo de tempo, desde o início dos sintomas, de mais de um mês. O uso de imunomodulador foi inicialmente proposto para a paciente pelo fato de apresentar diagnóstico definido de EMRR, além de evidências clínicas da atividade da doença através da presença de um surto recente. Além disso, a paciente não apresentava nenhuma contra-indicação ao uso desse medicamento, como gravidez, depressão, doença hepática e/ou doença cardíaca grave. A paciente foi devidamente informada quanto aos possíveis benefícios, eventuais riscos e efeitos colaterais, tendo concordado em iniciar o tratamento sob observação regular. Porém, ela apresentou efeitos adversos e não foi possível assegurar a adesão ao tratamento devido à recusa da paciente. Assim, foi proposta uma terapia alternativa com uso de rosuvastatina, com base em resultados de ensaios clínicos realizados com outras estatinas14,15. Os resultados desse tipo de terapia alternativa sugerem que o tratamento com rosuvastatina possa apresentar efeitos clínicos favoráveis em pacientes com EM. Provavelmente, esses benefícios são decorrentes da capacidade das estatinas de diminuírem a migração de leucócitos para o Sistema Nervoso Central, inibirem o complexo principal de histocompatibilidade classe II e os sinais dos co-estimuladores requeridos para a ativação de células T, além de in-

duzirem o fenótipo Th2 e diminuir a produção de mediadores no SNC, como óxido nítrico e fator de necrose tumoral alfa11,17,18. No caso aqui relatado, os efeitos benéficos da rosuvastatina fizeram-se presentes principalmente na melhora da qualidade de vida e na queda do EDSS, que é o parâmetro utilizado para acompanhar a evolução da doença. No início do tratamento, a paciente já se encontrava estável, com o mesmo escore há dois anos, e necessitava de assistência com auxílio unilateral constante. Após seis meses de utilização de rosuvastatina, passou a deambular plenamente até 300 metros sem ajuda ou descanso, necessitando de mínima assistência. As estatinas podem causar efeitos adversos, como rabdomiólise19, quando usadas em doses elevadas. Embora a rosuvastatina apresente os mais baixos riscos quando comparada às outras estatinas20 e nós tenhamos usado uma baixa dosagem do medicamento, a paciente não apresentou nenhuma evidência clínica de rabdomiólise e, durante todo o tratamento, os níveis de CK mantiverem-se absolutamente dentro da normalidade (abaixo de 168 U/l). A função renal também foi acompanhada laboratorialmente, não tendo apresentado alterações. O tratamento aqui sugerido é racionalmente promissor na promoção de melhorias na qualidade de vida de pacientes com EM e, provavelmente, no controle da doença, mas é preciso ter cautela, pois efeitos pró-inflamatórios foram descritos para a sinvastatina, que induz um aumento dose-dependente de citocinas pró-inflamatórias, como o interferon gama e a interleucina 1221,22. Apesar do sucesso terapêutico obtido neste caso, faz-se necessária a realização de ensaios clínicos adequadamente controlados, com amostragem ampla e um maior tempo de acompanhamento, visando a exclusão de um possível efeito placebo.

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Tempo

EDSS

(meses)

Colesterol total (mg/dl)

0

6,0

322,0

3

5,0

186,8

6

4,5

177,6

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relato de caso

Doença de Hirayama: relato de caso e atualização Hirayama disease: case report and update

Marco Antonio Orsini Neves1, Reny de Souza Antonioli2, Marcos RG de Freitas3

RESUMO

SUMMARY

A Atrofia Muscular Juvenil Distal de Membro Superior ou Doença de Hirayama (DH) atinge as células da ponta anterior da medula nos segmentos de C7-T1 sendo caracterizada por atrofia com fraqueza progressiva da mão e antebraço unilateral na maioria dos indivíduos. Relatamos o caso de um paciente, que há 4 anos iniciou um quadro de fraqueza na mão esquerda associada à dificuldade para realizar a preensão de determinados instrumentos utilizados no trabalho. Após a realização da ressonância magnética funcional verificou-se um comprometimento da medula cervical nos últimos segmentos cervicais e primeiro torácico, caracterizando a doença. Diante de suas características gerais, podemos diferenciá-la de outras Amiotrofias Monomélicas Benignas (AMB). É importante que se realize novas pesquisas visando tornar o diagnóstico mais preciso.

The Juvenile Muscular Atrophy of the Distal Upper Extremity or Hirayama Disease (HD) affects the spinal cord’s anterior region at segments C7–T1 and is characterized by atrophy with gradual weakness of the unilateral hand and forearm in majority of patients. We reported a case of a patient, 20 years old that have approximately 4 years ago started with weakness in his left hand and difficulty to hold work instruments. After the accomplishment of an examination of Functional Magnetic Resonance it was verified a injury of the cervical spinal cord in the last cervical segments. Aware of its general characteristics, we can differentiate it of other Benign Monomelic Amyotrophy (BMA). It is important new research that can become the diagnosis more certain.

Unitermos: Medula espinhal. Células do corno anterior. Doenças neuromusculares.

Keywords: Spinal cord. Anterior horn cells. Neuromuscular diseases.

Citação: Neves MAO, Antonioli RS, Freitas MRG. Doença de Hirayama: relato de caso e atualização.

Citation: Neves MAO, Antonioli RS, Freitas MRG Hirayama disease: case report and update.

Trabalho realizado no Serviço de Neurologia da Universidade Federal Fluminense – UFF. 1. Fisioterapeuta. Professor Adjunto de Neurologia Clínica, Fundação Educacional Serra dos Órgãos – FESO e Assistente Voluntário do Serviço de Doenças Neuromusculares, UFF. 2. Graduanda em Fisioterapia e Estagiária do Serviço de Reabilitação Neurológica, FESO. 3. Professor Titular de Neurologia e Chefe do Serviço de Neurologia,UFF.

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Endereço para correspondência: Marco Antonio Orsini Neves R. Prof. Miguel Couto, 322/1001 CEP 24230240, Niterói-RJ E-mail: [email protected] Recebido em: 03/08/2006 Revisão: 04/08/2006 a 19/09/2006 Aceito em: 20/09/2006 Conflito de interesses: não

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relato de caso INTRODUÇÃO A Doença de Hirayama (DH) é marcada pelo comprometimento das células da ponta anterior da medula nos últimos segmentos cervicais e primeiro torácico, atingindo particularmente jovens do sexo masculino e cursando com fraqueza progressiva da mão e antebraço, unilateral na maioria dos pacientes1-3. Foi relatada primeiramente em 1959 e, desde então, indivíduos com características similares têm sido descritos em países asiáticos, europeus e norteamericanos4-5. Inúmeros fatores etiológicos estão relacionados à DH: infecções virais, insuficiência vascular da medula espinhal, atividade física de alto impacto e atrofia focal da medula durante a flexão da coluna cervical. Estudos originados da Índia Oriental sugerem que fatores ambientais, étnicos, culturais e hábitos comportamentais possam influenciar na susceptibilidade à doença. Sabe-se, entretanto, que achados eletrofisiológicos e histopatológicos revelam uma desordem neurogênica nas células da ponta anterior e nos axônios motores, resultando em sinais característicos de comprometimento do neurônio motor inferior3,6. CASO Paciente de 20 anos, sexo masculino, negro, auxiliar de controladoria, relata que há 4 anos deuse início quadro de fraqueza na mão esquerda e dificuldade para realizar a preensão de instrumentos utilizados no trabalho. Posteriormente, tornou-se evidente a atrofia dos músculos do antebraço e da mão, quando comparados ao lado oposto. No primeiro semestre de 2003, procurou auxílio no Serviço de Neurologia (Setor de Doenças Neuromusculares) da Universidade Federal Fluminense, recebendo

Figura 1. Atrofia da medula cervical nos últimos segmentos.

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o diagnóstico de DH. Ao exame físico, apresentava atrofia, paresia e fasciculações no terço distal do membro superior esquerdo. Os reflexos profundos encontravam-se normais, com exceção do flexor dos dedos (arreflexia à esquerda). O exame de Ressonância Magnética Funcional apontou um achatamento (atrofia) da medula cervical nos últimos segmentos cervicais (figura 1). A eletroneuromiografia mostrou desnervação e recrutamento neurogênico seguido de reinervação nos músculos do terço distal do membro superior esquerdo. Na figura 2, mostramos o paciente com acentuada atrofia dos músculos do antebraço e da mão à esquerda. DISCUSSÃO Os exames complementares são imprescindíveis para auxiliar o diagnóstico da doença. O exame de Tomografia Computadorizada (TC), por exemplo, pode demonstrar um deslocamento anterior do saco dural posterior durante a flexão da região cervical, provocando um achatamento da medula espinhal que adquire a forma de “berinjela”1. Já a mielografia é difícil de ser realizada pela dificuldade de retenção do contraste no espaço subaracnóide cervical durante o movimento de flexão7. Entre os métodos, o processamento de Imagem de Ressonância Magnética (IRM) mostra o deslocamento anterior do saco dural posterior e um secundário congestionamento do plexo venoso epidural posterior, característica esta diferenciada de malformações vasculares e tumores pelo seu desaparecimento quando o pescoço retorna à posição neutra4,8. Essas alterações estavam ausentes no paciente em questão. O congestionamento venoso é desencadeado basicamente por três mecanismos: pressão negativa no canal espinhal posterior resultante do

Figura 2. Atrofia no membro superior esquerdo.

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relato de caso desvio anterior, compressão do plexo venoso anterior causado pelo deslocamento anterior do canal dural e postura de flexão de pescoço, diminuindo a drenagem venosa das veias jugulares4. Vários autores relatam que estudos de velocidade de condução nervosa nos nervo mediano e ulnar são normais (sem bloqueio de condução), o que sugere um comprometimento das células da ponta anterior da medula cervical7,9. Em contrapartida, alterações neurogênicas crônicas foram encontradas durante estudos envolvendo eletroneuromiografia (ENM), caracterizados por potenciais de amplitude aumentados e polifásicos, compatíveis ao processo patofisiológico de desnervação aguda e reinervação crônica10. A DH ou Amiotrofia Muscular Juvenil de Membros Superior é comumente encontrada no Oriente, porém há relatos, como no presente estudo, de casos em países ocidentais7,11. Essa afecção é caracterizada por ser uma forma rara de doença do neurônio motor inferior, afetando um único membro superior de forma focal12. O termo atrofia muscular espinhal distal também foi sugerido pelas evidências de progressão da doença para segmentos adjacentes e de anormalidades eletromiográficas nos membros inferiores de alguns pacientes, o que indicaria um envolvimento mais generalizado da medula espinhal13. A etiologia da DH ainda é muito discutida. Porém, o mecanismo mais aceito é considerado o movimento brusco e repetido de flexão do pescoço, que ocasiona um achatamento da medula espinhal cervical14-16. Entretanto, há relatos de pacientes com manifestações clínicas típicas da DH, mas que não apresentam qualquer anormalidade da coluna cervical ou estruturas adjacentes, nem compressão dinâmica da medula espinhal17. Diante de suas características clínicas, imaginológicas e eletrofisiológicas, podemos diferenciá-la de outras AMB. Esse epônimo poderia ser utilizado apenas como a forma distal do membro superior (variante de Hirayama) da AMB. Os profissionais de saúde devem realizar uma avaliação detalhada, levando em consideração a clínica e o resultados de exames complementares. Não existem estudos que relacionam a DH à terapia física18. Acreditamos que um programa cauteloso de exercícios/atividades voltados à prevenção ou minimização de contraturas e treino de habilidades funcionais possa oferecer benefícios aos pacientes. Os fisioterapeutas precisam ser cautelosos ao iniciarem as medidas reabilitativas, principalmente para não provocarem uma demanda metabólica intensa sobre os neurônios motores remanescentes, contribuindo assim para um possível agra-

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vamento do quadro18. O paciente do presente relato foi submetido a técnicas de alongamento e movimentos ativos livres para o membro superior, e recebeu orientações quanto à redução de atividades exaustivas e pausas no período de trabalho para repouso e realização de alongamentos, a fim de evitar danos por uso excessivo e contraturas por posturas viciosas. Faz-se necessária a realização de novas pesquisas, não somente por tornarem o diagnóstico mais preciso, devido à semelhança da DH com outras amiotrofias, mas principalmente pela busca do agente etiológico envolvido com a doença9.

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Categoria de artigos: Editorial, Originais, Revisão Sistemática, Revisão de Literatura, de Atualização, Relato de Caso, Resenha, Ensaio, Texto de Opinião e Carta ao Editor. O número de palavras inclui texto e referências bibliográficas (não devem ser considerados folha de rosto com título, autores, endereço de correspondência, resumo e summary e tabelas, figuras e gráficos). Adotar as recomendações abaixo. Editorial: a convite do Editor, sob ema específico, deve conter no máximo 2000 palavras. Artigos Originais, Revisões Sistemáticas, e Relato de Caso: resultado de pesquisa de natureza empírica, experimental ou conceitual (6000 palavras). Título: em inglês e em português ou espanhol, sintético e restrito ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação, não excedendo 90 caracteres. A Revista prefere títulos informativos. Autor(es): referir nome(es) e sobrenome(s) por extenso. Referir a instituição em que foi feita a pesquisa que deu origem ao artigo. Referir formação acadêmica, títulação máxima e vínculo profissional de cada autor, ex.: 1- Neurologista, Livre Docente, Professor Adjunto da UNIFESP, 2- Neurologista, Pós-graduando na UNICAMP, 3- Neurologista, Residente no Hospital São Paulo - UNIFESP. Referir suporte financeiro. Identificar o autor e endereço para correspondência. Resumo e Summary: devem permitir uma visão panorâmica do trabalho. Para os Artigos Originais o resumo deve ser estruturado em objetivos, métodos, resultados e conclusões. Não exceder 200 palavras. Unitermos e Keywords: Máximo de 6 (seis), referir após o Resumo e o Summary, respectivamente. Como guia, consulte descritores em ciências da saúde (http://decs.bireme.br). Corpo do Artigo: apresentar a matéria do artigo seqüencialmente: introdução e objetivo; método (sujeitos ou relato de caso, Comitê de Ética, Consentimento Informado, procedimento ou intervenção e análise estatística) com detalhes suficientes para a pesquisa poder ser duplicada, resultados (apresentados de forma clara e concisa), discussão (interpretação dos resultados comparados à literatura), conclusões, agradecimentos, referências bibliográficas. As abreviações devem vir acompanhadas do seu significados na primeira vez que aparecerem no texto. Nomes comerciais e marcas registradas devem ser utilizadas com parcimônia, devendo-se dar preferência aos nomes genéricos. Quadros, Gráficos e Tabelas: até 5, apresentadas em páginas separadas e no final do texto. Em cada uma, devem constar seu número de ordem, título e legenda. Figuras: até 2 ilustrações com tamanho não superior a 6 cm x 9 cm cada uma, com alta resolução. As fotos devem ser em preto e branco contrastadas com eventuais detalhes como setas, números ou letras. Identificar cada ilustração com seu número de ordem e legenda, devem ser encaminhadas em outro arquivo com nome do autor e do artigo. Ilustrações reproduzidas de textos já publicados devem ser acompanhadas de autorização de reprodução, tanto do autor como da publicadora. Ilustrações em cores podem ser publicadas; dado seu custo elevado, será de responsabilidade dos autores, assim como o custo por número de tabelas e ilustrações acima dos mencionados e desde que sua publicação seja autorizada pela editora. O material recebido não será devolvido aos autores. Manter os negativos destas. Referências: Até cerca de 30 (as Revisões Sistemáticas deverão solicitar o aumento do número de referências ao Editor, conforme a necessidade), restritas á bibliografia essencial ao conteúdo

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do artigo. Todos os autores e trabalhos citados no texto devem constar na listagem de referências bibliográficas. No texto, as citações devem seguir o sistema numérico, isto é, são numerados por ordem de sua citação no texto, utilizando-se números arábicos sobrescritos segundo o estilo Vancouver (www.icmje.org). Por exemplo: “....o horário de ir para a cama e a duração do sono na infância e adolescência6-12,14,15.” As referências devem ser ordenadas consecutivamente na ordem na qual os autores são mencionados no texto. Mais de 6 autores, listar os 6 primeiros seguidos de “et al.”. a) Artigos: Autor(es). Título do artigo. Título do periódico (abreviados de acordo com o Index Medicus) ano; volume: página inicial – final. Ex.: Wagner ML, Walters AS, Fisher BC. Symptoms of attention-deficit/hyperactivity disorder in adults with restless legs syndrome. Sleep 2004;27:1499-504. b) Livros: Autor(es) ou editor(es). Título do livro. Edição, se não for a primeira. Tradutor(es), se for o caso. Local de publicação: editora, ano, total de páginas. Ex.: Ferber R, Kriger M. Principles and practice of sleep medicine in the child. Philadelphia: W.B. Saunders Company, 1995, 253p. c) Capítulos de livros: Autor(es) do capítulo. Título do capítulo. In: Editor(es) do livro. Título do livro. Edição, se não for a primeira. Tradutor(es), se for o caso. Local de publicação: editora, ano, página inicial e página final. Ex.: Stepanski EJ. Behavioral Therapy for Insomnia. In: Kryger MH; Roth T, Dement WC (eds). Principles and practice of sleep medicine. 3rd ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company, 2000, p.647-56. d) Resumos: Autor(es). Título. Periódico ano; volume (suplemento e seu número, se for o caso): página(s). Quando não publicado em periódico: Título da publicação. Cidade em que foi publicada: editora, ano, página(s). Ex.: Carvalho LBC, Silva L, Almeida MM, et al. Cognitive dysfunction in sleep breathing disorders children. Sleep 2003; 26(Suppl):A135. e) Comunicações pessoais só devem ser mencionadas no texto entre parênteses. f) Tese: Autor. Título da obra, seguido por (tese) ou (dissertação). Cidade: instituição, ano, número de páginas. Ex.: Fontes SV. Impacto da fisioterapia em grupo na qualidade de vida de pacientes por AVCi (Tese). São Paulo: UNIFESP, 2004, 75p. g) Documento eletrônico: Título do documento (Endereço na Internet). Local: responsável (atualização mês/ano; citado em mês/ano). Disponível em: site. Ex.: The pre-history of cognitive science (endereço na Internet). Inglaterra: World Federation Neurology. (última atualização 12/2005; citado em 01/2006). Disponível em: http://www.wfneurology.org/index.htm. Artigos de Revisão de Literatura e Atualização: revisão crítica de literatura ou atualização relativo à neurociências, com ênfase em causa, diagnóstico, prognóstico, terapia ou prevenção (8000 palavras). Título: em inglês e em português ou espanhol, sintético e restrito ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação, não excedendo 90 caracteres. A Revista prefere títulos informativos. Autor(es): referir nome(es) e sobrenome(s) por extenso. Referir a instituição em que foi feita a pesquisa que deu origem ao artigo. Referir formação acadêmica, títulação máxima e vínculo

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profissional de cada autor, ex.: 1- Neurologista, Livre Docente, Professor Adjunto da UNIFESP, 2- Neurologista, Pós-graduando na UNICAMP, 3- Neurologista, Residente no Hospital São Paulo - UNIFESP. Referir suporte financeiro. Identificar o autor e endereço para correspondência. Resumo e Summary: devem permitir uma visão panorâmica do trabalho. Para os Artigos Originais o resumo deve ser estruturado em objetivos, métodos, resultados e conclusões. Não exceder 200 palavras. Unitermos e Keywords: Máximo de 6 (seis), referir após o Resumo e o Summary, respectivamente. Como guia, consulte descritores em ciências da saúde (http://decs.bireme.br). Corpo do Artigo: apresentar a matéria do artigo seqüencialmente: introdução, conclusão e referências bibliográficas. Referências: até 100 referências, seguindo o sistema numérico por ordem de sua citação no texto segundo o estilo Vancouver. Quadros e Tabelas: até 2, apresentadas em páginas separadas e no final do texto. Em cada uma, devem constar seu número de ordem, título e legenda. Artigos de Resenha: análise crítica de livros publicados, teses e dissertações dos últimos dois anos (3000 palavras). As Resenhas de livros, teses ou dissertações devem seguir os itens: título em inglês e em português ou espanhol, sintético e restrito ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação, não excedendo 90 caracteres. A Revista prefere títulos informativos; nome do(s) revisor(es), com formação, titulação acadêmica e vínculo profissional, instituição onde o trabalho foi realizado, endereço para correspondência; referência completa da obra seguindo estilo Vancouver; corpo do texto contendo: tema, hipótese ou idéia central; argumentos; evidências científicas; avaliação pessoal quanto à organização da obra, pontos fortes e fracos, bibliografia utilizada, benefícios, trabalhos semelhantes; conclusão, críticas e comentários. Ensaios: pesquisas, análises e avaliações de tendência teórico-metodológicas e conceituais da área das neurociências (3000 palavras). Deverão conter: título em inglês e em português ou espanhol, sintético e restrito ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação, não excedendo 90 caracteres. A Revista prefere títulos informativos; nome do(s) autor(es), com formação, titulação acadêmica e vínculo profissional, instituição onde o trabalho foi realizado, endereço para correspondência; e no máximo 10 referências bibliográficas. Texto de Opinião e Carta ao Editor: devem conter opinião qualificada sobre um tema na área de neurociências, nota curta, crítica sobre artigo já publicado na Revista Neurociências ou relato de resultados parciais ou preliminares de pesquisa (1000 palavras). Deverão conter: título em inglês e em português ou espanhol, sintético e restrito ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação, não excedendo 90 caracteres. A Revista prefere títulos informativos; nome do(s) autor(es), com formação, titulação acadêmica e vínculo profissional, instituição onde o trabalho foi realizado, endereço para correspondência; e no máximo 10 referências bibliográficas. Modelo de Carta de Autorização e Declaração de Conflito de Interesse: http://www.revistaneurociencias.com.br Instructions for authors: http://www.revistaneurociencias.com.br

Rev Neurocienc 2007;15/3

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