Ultrassonografia no diagnóstico de enterocolite necrosante Ultrasonography in diagnosis of necrotizing enterocolitis

May 31, 2017 | Autor: M. Neto | Categoria: Case Report, Ultrasonography, Early Diagnosis
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relato de caso

Ultrassonografia no diagnóstico de enterocolite necrosante Ultrasonography in diagnosis of necrotizing enterocolitis Frederico Celestino Miranda1, Yoshino Tamaki Sameshima2, Alice D’Agostini Deutsch3, Arno Norberto Warth4, Miguel Jose Francisco Neto5, Marcelo Buarque de Gusmão Funari6

RESUMO A enterocolite necrosante é uma das emergências gastrintestinais mais frequentes em neonatos, geralmente detectada clinicamente e radiograficamente. O diagnóstico precoce é fundamental para limitar a morbidade e a mortalidade. No início da doença, os achados clássicos como distensão abdominal e pneumatose intestinal podem não ser detectáveis à radiografia convencional. Nestes casos, a ultrassonografia pode auxiliar no diagnóstico precoce. Apresenta-se um caso de enterocolite necrosante em um recém-nascido pré-termo, cujo diagnóstico só foi possível pela ultrassonografia. Descritores: Enterocolite necrosante/diagnóstico; Enterocolite necrosante/ultra-sonografia; Enterocolite necrosante/radiografia; Recém-nascido; Relatos de caso

ABSTRACT Necrotizing enterocolitis is one of the most frequent gastrointestinal emergencies in neonates, and it is generally detected clinically and radiographically. Early diagnosis is fundamental in order to limit morbidity and mortality. At the beginning of the disease, classical findings, such as abdominal distension and intestinal pneumatosis may not be detectable by conventional radiographs. In these cases, ultrasonography may help in early diagnosis. It is presented a case of necrotizing enterocolitis in a preterm newborn whose diagnosis was only possible via ultrasonography. Keywords: Enterocolitis, necrotizing/diagnosis; Enterocolitis, necrotizing/ultrasonography; Enterocolitis, necrotizing/radiography; Infant, newborn; Case reports

INTRODUÇÃO A enterocolite necrosante é uma das emergências gastrintestinais mais frequentes em neonatos, com uma incidên-

cia de 10% em neonatos com menos de 1.500 g(1). Atualmente, houve um aumento da incidência devido ao aumento da sobrevida das crianças com baixo peso(2). Acredita-se que seja secundária a múltiplos fatores, incluindo prematuridade(3). O diagnóstico precoce é fundamental para limitar a morbidade e a mortalidade. A ultrassonografia não é rotineiramente utilizada, mas pode auxiliar no diagnóstico precoce, evidenciando achados não detectáveis à radiografia simples, como no caso relatado.

RELATO DE CASO Recém-nascido pré-termo extremo (idade gestacional de 23 semanas), sexo feminino, nasceu de parto normal, com extremo baixo peso (550 g) e Apgar de 8 a 9 minutos. No segundo dia de vida, foi observada distensão abdominal que evoluiu com piora do quadro até o nono dia. Em razão da suspeita clínica de enterocolite necrosante, foram realizadas radiografias de abdome seriadas, de acordo com o protocolo do serviço, todas com achados negativos. No 20° dia foi submetido à ultrassonografia por apresentar-se anúrico e por ser palpada “massa” em flanco direito pelo pediatra. A ultrassonografia demonstrou diminutos focos hiperecogênicos esparsos no fígado e no interior dos ramos portais compatíveis com aeroportia (Figuras 1 e 2), bem como espessamento parietal de alças intestinais junto ao flanco direito (Figura 3), observando-se segmento de alça nesta topografia que apresentava anel hiperecogênico parietal, traduzindo pneumatose intestinal (Figuras 4 e 5). Observou-se também a presença de líquido espesso no espaço retroperitoneal, sugerindo perfuração de

Trabalho realizado no Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 1

Pós-graduando em Tomografia e Ressonância Magnética pelo Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

2

Médico Radiologista do Serviço de Ultrassonografia do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

3

Doutora; Médico Neonatologista do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

4

Médico Neonatologista da Unidade Neonatal do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

5

Doutor; Médico Radiologista do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

6

Doutor; Médico Radiologista do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

Autor correspondente: Yoshino Tamaki Sameshima – Avenida Lavandisca, 538 – apto. 161 – Moema – CEP 04515-011 – São Paulo (SP), Brasil – Tel.: 11 3747-0433 – e-mail: [email protected] Data de submissão: 7/3/2008 – Data de aceite: 22/10/2008 einstein. 2009; 7(1 Pt 1):91-5

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Miranda FC, Sameshima YT, Deutsch ADA, Warth AN, Francisco Neto MJ, Funari MBG

Figura 1. Focos hiperecogênicos esparsos no fígado, compatíveis com aeroportia

Figura 4. Anel hiperecogênico parietal, compatível com pneumatose intestinal

Figura 2. Focos hiperecogênicos no interior dos ramos portais

A

B Figura 3. Espessamento parietal de alça intestinal, junto ao flanco direito, palpável no exame físico

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Figura 5. Redução da pneumatose intestinal. (5A) Corte transversal; (5B) Corte longitudinal

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segmento de alça intestinal retroperitoneal e líquido anecogênico na cavidade peritoneal (Figuras 6 e 7). Os rins encontravam-se hiperecogênicos, sugerindo nefropatia parenquimatosa aguda. Foi então submetido a uma radiografia simples do abdome, que confirmou o achado de pneumatose intestinal. Frente a estes achados, foi suspensa a dieta (leite materno), ficando em jejum por 15 dias e iniciado antibioticoterapia. Não foi necessária abordagem cirúrgica. O neonato voltou a urinar após 24 horas do início da antibioticoterapia e houve melhora progressiva do quadro. Nos exames ultrassonográficos de controle, realizados no 29° e 48° dia de vida, notou-se desaparecimento dos sinais de pneumatose intestinal (Figura 8) e reabsorção do líquido espesso retroperitoneal e do líquido anecogênico intraperitoneal (Figuras 9 e 10). O neonato apresentou melhora do quadro clínico e radiológico, tendo alta com 109 dias de vida.

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Figura 8. Exame de controle, demonstrando a parede intestinal fina e sem sinais de pneumatose. Paciente foi realimentada

Figura 6. Líquido espesso no espaço retroperitoneal e anecoico no espaço intraperitoneal. Hiperecogenicidade do parênquima renal

Figura 9. Exame de controle, demonstrando ausência do líquido intra e retroperitoneal

Figura 7. Líquido espesso retroperitoneal

Figura 10. Exame de controle, demonstrando ausência do líquido retroperitoneal

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Miranda FC, Sameshima YT, Deutsch ADA, Warth AN, Francisco Neto MJ, Funari MBG

DISCUSSÃO A enterocolite necrosante afeta 10% dos neonatos com menos de 1.500 g(1). A incidência é inversamente proporcional à idade gestacional. Crianças nascidas com 28 semanas ou menos de idade gestacional e aquelas com extremo baixo peso ao nascimento (menos de 1.000 g) têm maior risco. Houve um aumento da incidência devido ao aumento da sobrevida das crianças com baixo peso(2). Sua etiologia e patogenia continuam controversas. Acredita-se que seja secundária a múltiplos fatores, incluindo prematuridade que resulta em dano à mucosa, isquemia intestinal e necrose(3). A lesão da mucosa pode ser devido à infecção, conteúdo intraluminal, imunidade imatura, descarga de vasoconstritores e mediadores inflamatórios. A perda da integridade da mucosa permite a passagem de bactérias e suas toxinas para a circulação sistêmica podendo causar sepse nas formas graves. As bactérias penetram na parede intestinal e os produtos do seu metabolismo levam à formação de gás intramural(1). O envolvimento pode ser difuso e contíguo ou intermitente. Os locais mais frequentemente envolvidos são o íleo distal e o colón proximal, mas qualquer parte do intestino pode ser afetada(2). Os recém-nascidos têm maior risco de desenvolver a doença pela imaturidade de algumas funções corporais como a motilidade gastrintestinal, habilidade digestiva, regulação circulatória, função da barreira intestinal e defesa imune. Manifesta-se mais comumente na primeira ou segunda semana de vida. A sua apresentação clínica pode ser indistinguível da sepse neonatal. Os sintomas incluem intolerância alimentar, retardo do esvaziamento gástrico, letargia, apneia, dificuldade respiratória, instabilidade da pressão arterial e da temperatura, vômitos, diarreia e sangue nas fezes(3). Os sinais incluem distensão abdominal, eritema da parede abdominal e edema. Neonatos com doença severa podem apresentar choque. Perfuração intestinal ocorre em 12 a 31% dos casos. A perfuração aumenta a taxa de mortalidade de 30 para 64%(4). A mortalidade fica entre 20 a 40% e é maior nos neonatos com extremo baixo peso ao nascimento(1,3). Os casos benignos podem apresentar apenas sinais abdominais, tais como intolerância alimentar e distensão abdominal. No presente caso, as manifestações clínicas e radiológicas sugeriam, mas não confirmavam a doença mais grave. Porém, o resultado do ultrassom demonstrou sinais de sofrimento de alças intestinais com perfuração bloqueada, optando-se por manter o recémnascido em jejum, com suporte nutricional parenteral por 15 dias, sem tratamento cirúrgico e ocorrendo evolução para cura. A radiografia simples é a modalidade de escolha na suspeita de enterocolite necrosante. O protocolo de seguimento depende da gravidade da doença e pode einstein. 2009; 7(1 Pt 1): 91-5

variar de 6 a 24 horas. Deve incluir radiografias abdominais com raios verticais e horizontais com o paciente na posição supina, avaliando a presença, quantidade e distribuição de gases, que inclui gás intramural intestinal, intraluminal, gás no sistema porta e gás livre intraperitoneal. Sinais inespecíficos precoces incluem distensão difusa e padrão assimétrico dos gases intestinais. Os sinais específicos incluem pneumatose intestinal (ar intramural) e gás no sistema porta(5). A pneumatose pode ter uma aparência linear quando o ar intramural é subseroso ou uma aparência bolhosa quando o ar é submucoso(6). Gás intramural submucoso pode ser confundido com fezes, mas a detecção radiológica de fezes colônicas é rara em prematuros com menos que duas semanas pós-natal. Outro achado praticamente patognomônico de enterocolite é a aeroportia, que está associada com doença mais grave, com aumento da mortalidade(7). A aeroportia aparece como luscências finas ramificadas que se estendem da região portal hepática até a periferia do fígado. Um sinal de doença avançada é o sinal da alça persistente. Uma alça dilatada do intestino que permanece inalterada na sua aparência nas radiografias por 24 a 36 horas. Outro achado é a mudança de um padrão de distensão difusa das alças para um padrão de dilatação assimétrica do intestino. Ascite é um sinal de perfuração ou ameaça de perfuração. Nenhum exame laboratorial é diagnóstico de enterocolite necrosante, mas a trombocitopenia severa ou persistente, neutropenia, coagulopatia ou acidose podem indicar doença grave(8). Estudos avaliaram que exames contrastados do trato gastrintestinal, tomografia computadorizada e a ressonância magnética não são úteis na investigação clínica desses pacientes(1-2). As vantagens da ultrassonografia abdominal no estudo da enterocolite necrosante incluem a não-utilização de radiação ionizante, a possibilidade de avaliar em tempo real as estruturas abdominais, particularmente o intestino, observando-se a espessura de sua parede, a ecogenicidade, a peristalse e a perfusão. O ultrassom é mais sensível que a radiografia convencional para detectar gás intramural intestinal (pneumatose intestinal), gás no sistema porta (aeroportia), bem como para a pesquisa e avaliação de líquido livre ou coleções na cavidade abdominal(7,9-10). A pior complicação da enterocolite necrosante é a perfuração intestinal. Pequena quantidade de gás na cavidade peritoneal ou mesmo no espaço retroperitoneal, como no caso relatado, pode não ser detectada à radiografia simples, mas a ultrassonografia pode demonstrar a presença de líquido livre na cavidade abdominal, contendo finos debris em suspensão, sugerindo perfuração intestinal.

Ultrassonografia no diagnóstico de enterocolite necrosante

Portanto, a ultrassonografia pode ser bastante útil no diagnóstico nos casos em que a melhora radiográfica não é compatível com o quadro clínico do paciente ou quando ocorre uma deteriorização clínica sem evidência de pneumoperitôneo na radiografia simples do abdome.

CONCLUSÕES A enterocolite necrosante em neonatos é geralmente detectada clinicamente e radiograficamente, mas no início da doença os achados clássicos como distensão intestinal e pneumatose intestinal podem não ser detectáveis à radiografia convencional. Portanto, a ultrassonografia deve fazer parte do arsenal de investigação diagnóstica, nos casos suspeitos de enterocolite necrosante, devido a sua baixa invasibilidade, portabilidade, o fato de não envolver radiação ionizante e, sobretudo pela alta sensibilidade para a detecção de alterações decorrentes do sofrimento intestinal, a caracterização de aeroportia e de líquido livre na cavidade abdominal. Acredita-se que a ultrassonografia seja uma importante modalidade diagnóstica na avaliação de crianças com suspeita de enterocolite necrosante.

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