AUDIOVISUAL/_ANDRÉ BOMFIM_
Um amor, um lugar
Publicado em 26 de fevereiro de 2013 por Cítrica
Por que a Sala Walter da Silveira é tão significante para toda uma geração de cinéfilos soteropolitanos.
Estávamos nos anos 80. Nada de DVDs, TV por assinatura, muito menos internet. O menu do cinéfilo soteropolitano era magro: meia dúzia de salas no circuito comercial, a sofrível oferta em VHS das videolocadoras de bairro e mostras esporádicas em alguns espaços culturais. Nessa perspectiva semiárida, um jovem ávido por se aprofundar na arte cinematográfica descobria seu oásis: a sala de cinema incrustada no subsolo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia, no coração dos Barris. Com devoção religiosa ao lugar, cruzava a cidade em uma ou duas incursões semanais, para o encontro com obras e cineastas inéditos para si e para boa parte dos soteropolitanos. Win Wenders, Krzysztof Kieślowski, Jim Jarmush, Patrice Leconte, Gus Van Sant e Derek Jarman foram algumas das suas gratificantes descobertas. O jovem em questão é a mesma pessoa que escreve esse artigo. O cinema, a Sala Walter da Silveira. Talvez a minha geração tenha sido a última a assistir a filmes num contexto de escassez de opções. E, por isso mesmo, a última a vivenciar uma relação mais significativa e afetiva com os espaços destinados ao cinema alternativo da cidade. A Walter era o único ponto de encontro com aqueles cineastas. O lugar ganhava, portanto, uma aura de templo, onde era erigido o background de muitos cinéfilos em Salvador.
A ERA DA SUPEROFERTA Hoje a situação é bem diferente. Somos bem fornidos por um circuito comercial pós-multiplex, um circuito de salas de arte robusto (que inclui a própria Walter), canais e opções pay per view das TVs fechadas e talvez a maior de todas as conquistas: a oferta ilimitada e sincronizada com o resto do mundo oferecida pela internet. Celebramos, portanto, a era da superoferta audiovisual, incluindo o cinema. E está tudo disponível na TV, computador, tablet e até celular. Diante dessa realidade, o crítico francês Antoine de Baecque arrisca-se a constatar que “o ato coletivo de olhar para uma tela simboliza o passado. O presente são as telas sem projeção, portáteis, individuais, essas claraboias que presumem um cerimonial bem diferente, acinefílico”. Em seu famoso texto O declínio do cinema (The decay of cinema), a ensaísta estadunidense Susan Sontag corrobora a ideia de que estar numa sala de cinema, sentado ao lado de anônimos, é uma condição essencial para ser capturado pela magia do cinema. Declarar que a cinefilia é morta ainda nos parece uma atitude precipitada. Ou, como a própria Sontag conclui, talvez estejamos apenas assistindo ao nascimento de um novo tipo de relação com os filmes, que ainda não compreendemos muito bem. Hoje assisto a muitos filmes na tela do computador. E o fato de não assisti-los na sala de cinema não impede que muitos deles me marquem profundamente. Mas, sem dúvidas, o ritual mágico da projeção nas salas escuras continua a representar o ponto alto ou – por que não dizer? – o orgasmo, na secular relação de amor e paixão entre pessoas e filmes. Na era da superoferta, fica difícil gravar tantas obras nos espaços abarrotados dos nossos HDs mentais. A memória às vezes parece pouca para dar conta de tantos títulos. Mas permanecem intactas as lembranças daqueles encontros às escuras com obras marcantes no subsolo da biblioteca. Em tempo, a Sala Walter da Silveira continua funcionando a pleno vapor, com uma programação ainda mais democrática, que inclui lançamentos contemporâneos, clássicos e mostras especiais como a Quarta Baiana. Prestigie com afeto.
SERVIÇO Onde: Sala Walter da Silveira – Rua General Labatut, 27 – Barris, Salvador-BA (subsolo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia). Contato: (71) 3328-8100 Site: http://www.dimas.ba.gov.br
André Bomfim é especialista em Análise de Cinema e TV e mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas - FACOM/UFBA.
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