Um MAR de memória: imagem e identidade da cidade na revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro

September 26, 2017 | Autor: Raquel Medeiros | Categoria: Rio de Janeiro, Museus, Zona Portuária Do Rio De Janeiro, Museu De Arte Moderna Do Rio De Janeiro
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UM MAR DE MEMÓRIA: IMAGEM E IDENTIDADE DA CIDADE NA REVITALIZAÇÃO DA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO.

MELO, RAQUEL MARIA DE OLIVEIRA MEDEIROS DE

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO Email para contato: [email protected]

RESUMO A partir de um olhar etnográfico, pretende-se iniciar uma investigação, com foco no discurso, do processo de manipulação (no sentido de seus usos por diversos atores sociais) da memória da cidade do Rio de Janeiro na revitalização da zona portuária, tendo como locus de pesquisa o MAR – Museu de Arte do Rio. Aborda o museu desde o projeto inicial – processo de organização física e elaboração de seu conteúdo – até suas exposições e atividades – já dispostas ao público – partindo do mapeamento e da análise das falas dos atores envolvidos no ordenamento de uma imagem e de uma identidade da e para a cidade. Ao estudar o museu enquanto parte de uma estratégia que enuncia uma reelaboração de cidade, concebe-se a articulação entre memória e patrimônio enquanto invenção. E, refletindo sobre a reinvenção da cidade, é possível compreender a teia de relações que envolvem a sociedade e seu espaço de coabitação. Palavras-chave: cidade, memória, revitalização, zona portuária do Rio de Janeiro, Museu de Arte do Rio.

5º FÓRUM MESTRES E CONSELHEIROS: OS DIREITOS DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 19 a 21 de agosto de 2013

Introdução – A transformação do Rio de Janeiro em cidade global Em julho de 2012 a cidade do Rio de Janeiro foi declarada, pela Unesco, Patrimônio Cultural da Humanidade, inaugurando a categoria Paisagem Cultural, até então sem nenhum bem inscrito. No entanto, não foi a chancela da Unesco que deu à cidade a visibilidade que ela vem tendo hoje. Sendo mais um título da já chamada “cidade maravilhosa”, o status de cidade-patrimônio vem sendo construído há bastante tempo no Rio de Janeiro, a partir de estratégias materiais e simbólicas na formulação de uma nova imagem urbana. Essa construção de uma nova visão de cidade se insere num movimento mundial de alteração do papel dos centros urbanos, principalmente em relação aos centros históricos e zonas portuárias, cujo exemplo mais significativo é Barcelona. O projeto da zona portuária prevê a intervenção em uma área de mais de cinco milhões de metros quadrados, através de um sistema de obras, reformas, ampliação da rede de saneamento, requalificação dos espaços públicos e inclusão de grandes equipamentos culturais (MONTEIRO e ANDRADE, 2012). São previstos trinta anos para que o projeto seja implementado completamente, mas ele já atrai investimentos dos setores turístico, comercial e, principalmente, imobiliário, além da estimativa de atrair cem mil novos residentes (a área conta com uma população de cerca de 30 mil residentes atualmente). O poder público, além de incentivos fiscais, oferece mudanças na legislação urbanística próprias para a área, no que tange a estratégias materiais, que visam a mudança da estrutura espacial urbana, além de inúmeras estratégias discursivas e simbólicas de mudanças da imagem citadina, no sentido de torná-la uma cidade global. Ainda em relação às estratégias materiais, os Certificados de Potencial Adicional de Construção, os CEPACs, são instrumentos de captação de recursos para financiar as obras públicas – títulos comprados do poder público, através dos quais os interessados obtêm limites de direitos de construção superiores aos estabelecidos em áreas que vão receber ampliação e melhorias de infraestrutura. Os CEPACs são ativos de renda variável, já que seu valor flutua como um título financeiro e não pelo valor fundiário. Isso quer dizer que, quanto mais valorizada a área, mais caro eles se tornam. Daí a necessidade de estratégias discursivas e simbólicas que trabalhem em conjunto na valorização do espaço.

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Em junho de 2011 os títulos foram arrematados – todos de uma só vez – pelo Fundo de Investimento Imobiliário do Porto Maravilha, órgão criado e administrado pela Caixa Econômica Federal (CEF). Os recursos vieram do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e totalizaram 3,5 bilhões para a revenda que, acredita-se, servirá para o financiamento das obras do projeto. A emissão e o controle desses títulos ficam a cargo da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária – CDURP – uma empresa de economia mista. A CDURP repassa os recursos a um consórcio, constituído em 2010 – a Concessionária Porto Novo, formada pelas empreiteiras OAS, Odebrecht e Carioca Engenharia, que também controla os serviços de manutenção e conservação (limpeza pública, coleta de lixo, iluminação e pavimentação, entre outros). Um ano antes essas empresas apresentaram à Prefeitura um “relatório urbanístico” posteriormente utilizado quase de forma integral no desenho estrutural da parceria público-privada afirmada no Projeto Porto Maravilha (MONTEIRO e ANDRADE, 2012). O Porto Maravilha, assim, torna-se um Grande Projeto Urbano (GPU) que objetiva atender demandas dos setores imobiliário e empresarial na transformação do centro carioca. Obras viabilizadas pelo poder público prometem mais fluidez ao território (Veículo Leve sobre Trilhos – VLT, reformas nas vias rodoviárias, abertura de novas ruas, retirada da Avenida Perimetral e construção de garagens subterrâneas) e uma nova visão de cidade (píeres de atracação de transatlânticos turísticos e instalação da gare do Trem de Alta Velocidade na antiga Estação Leopoldina para ligar São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro). Esse artigo é parte de uma pesquisa de doutorado sobre a mudança de imagem projetada e constituição de identidade que vem ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro pela revitalização da zona portuária, sob o ponto de vista das ações culturais, tendo como estudo de caso o Museu de Arte do Rio, o MAR. O recurso ao discurso seria uma das perspectivas abordadas pela pesquisa, como forma de dar vazão aos usos sociais do espaço do museu na constituição de uma imagem e de uma identidade citadina. Como parece que a estratégia discursiva vem sendo utilizada como forma de constituição e preservação da imagem e identidade coletiva, percebeu-se a necessidade de abordá-la com mais atenção, já que, através dela, pode-se evidenciar a teia de relações que passa a existir entre poder público e sociedade na memória carioca. Assim, foca-se, aqui, o discurso oficial que foi elaborado em torno do museu e da visão de cidade que se quer propagar. Procura-se, por sua vez, que essa imagem seja apropriada para a constituição e consolidação de uma identidade de cidade. É importante 5º FÓRUM MESTRES E CONSELHEIROS: OS DIREITOS DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 19 a 21 de agosto de 2013

frisar que, por mais que alguns conflitos sejam abordados, o foco é no discurso oficial, justamente por ser o ponto de partida dessa representação citadina.

Desenvolvendo a temática – A zona portuária e o MAR como voz da cidade Sendo mais uma atividade que constitui a revitalização da zona portuária, no projeto Porto Maravilha Cultural, o MAR está inserido na base do projeto de urbanismo culturalista, que requalifica o urbano através de sua história, de sua memória e da participação comunitária. Por ser uma estratégia de cultura, o MAR vem acompanhado pela reconstituição de uma memória coletiva, revisando a relação entre o passado e o presente da cidade e, é claro, participam desse processo diferentes atores sociais em relações ora pacíficas, ora conflituosas. Localizado na Praça Mauá, onde desembarcam cerca de 500 mil turistas na alta temporada1, o museu, em seu próprio conjunto arquitetônico, entra na estratégia material, discursiva e simbólica da administração do desenvolvimento citadino, reforçando o discurso de redescobrimento da cidade: de um lado, o Palacete Dom João VI, edifício de 1916, início do século XX e da República brasileira; de outro, o antigo Hospital da Polícia Civil, antes a primeira rodoviária do Rio de Janeiro, em estilo modernista, refletindo, assim, a união entre o antigo e o moderno. “A Praça Mauá é peça fundamental para a reurbanização da Região Portuária. Em uma conversa com os organizadores, decidimos que seria o local ideal para o MAR”. (Lúcia Basto, gerente-geral de Patrimônio e Cultura da Fundação Roberto Marinho) “Na alta temporada, desembarcam no Porto cerca de 500 mil turistas. O MAR estará na porta desses visitantes, assim como o Cais do Valongo, o Museu do Amanhã, o Centro Cultural José Bonifácio e os diversos equipamentos culturais já existentes que a cidade só está conhecendo agora”. (Alberto Silva, coordenador dos programas Porto Maravilha Cidadão 2 e Porto Maravilha Cultural )

Do prédio mais antigo foram liberadas as laterais dos andares para os grandes salões de exposições. Além disso, foram demolidas as alvenarias internas do prédio de 1940 e seu coroamento foi feito em concreto para que pudesse ter um restaurante no último andar – que ainda não foi inaugurado, sendo usado como primeiro acesso ao espaço expositivo, no qual o visitante tem a vista panorâmica do porto do Rio de Janeiro e uma visão parcial do Morro da Conceição. A visitação se dá, assim, de cima para baixo. Reforça-

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Dados obtidos em www.portomaravilha.com.br. Falas disponíveis em http://www.portomaravilha.com.br/conteudo/um_mar_de_arte.aspx.

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se, ainda, pelas inúmeras falas dos agentes envolvidos, a questão da (re)descoberta do espaço portuário, justificando a necessidade de intervenções estatais. Outro elemento arquitetônico curioso é a forma escolhida para interligar os dois prédios de níveis de cobertura distintos: uma passarela e uma cobertura fluida em forma de onda, fechando, através da arquitetura, o discurso da zona portuária como área que integra o mar (a natureza) e a cidade – espaço, assim, privilegiado para uma experiência turísticocultural única, fruto de uma cidade social, cultural e ambientalmente responsável. No que concerne ao conteúdo do museu, há uma articulação entre cultura e educação. Enquanto o palacete abriga o espaço expositivo propriamente dito, o antigo hospital funciona como a Escola do Olhar, espaço onde já estão sendo realizadas atividades com professores e alunos de escolas municipais e manterá contato com acadêmicos também. De acordo com o discurso oficial, apresentado pelo governo e pelas empresas envolvidas, a pretensão do MAR é promover uma “leitura transversal da história da cidade, seu tecido social, sua vida simbólica, conflitos, contradições, desafios e expectativas sociais” e também conta com a “missão de inscrever a arte no ensino público, por meio da Escola do Olhar”3. O museu já possuía um acervo significativo, mesmo antes de sua abertura. Pessoas físicas e instituições assumiram o compromisso de doar vinte ou mais obras cada um. A temateca do Rio de Janeiro doou dois mil brinquedos com a temática da cidade; um doador anônimo doou obras do período barroco, entre outros itens; um casal ofertou um conjunto de figuras de porcelana de contos de fadas do século XVIII para a Escola do Olhar, além de outros doadores e colaboradores, como Jones Bergamin, diretor da Bolsa de Arte do Rio, a Vale e a Fundação Roberto Marinho. “A nossa coleção aborda em primeira instância o universo simbólico da cidade a partir da arte. Queremos construir o imaginário do Rio de Janeiro através da arte”. (Paulo Herkenhoff, curador do MAR).

O museu, através de seu acervo, torna-se elemento central na estratégia discursiva de constituição de uma nova memória para o Rio de Janeiro, apresentando uma visão distinta da cidade: “Entendemos que a arte não é subalterna às questões da sociedade, mas grande aliada. Num museu amplamente vinculado à cidade, é bom que a 3

Informações disponíveis em http://portomaravilha.com.br/web/esq/projEspMAR.aspx.

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criança venha e encontre os grandes ídolos. Mas, de repente, descobrirá também uma pequena área em que se fala do bairro de Guadalupe ou de 4 Santa Cruz”. (Paulo Herkenhoff, curador do MAR )

Já a Escola do Olhar pretende realizar a capacitação de professores da rede pública e trazer, ainda, os alunos. A equipe do museu pretende “levá-lo” às escolas pelo trabalho desenvolvido com seus docentes. Assim, a construção da memória coletiva da cidade se dará não somente para o turista, mas tem sua dimensão de participação comunitária, seja pelos projetos sociais (“Porto Maravilha Cidadão”), seja por projetos educativos.

Museu na cidade / museu da cidade: a manipulação da memória nos usos do MAR. A revitalização da zona portuária insere-se na tendência mundial de recordação total: mundo musealizado, que comercializa cada vez mais sua memória. A globalização da memória é o paradoxo da atualidade: obsessão cultural planetária, a memória dissemina-se geograficamente mobilizando passados míticos para a criação de políticas e de esferas públicas de memória “real” contra políticas de esquecimento (HUYSSEN, 2004). Insere-se num ambiente de ausência de grupos identitários instáveis, que originam uma memória consensual, mas que não garantem uma memória coletiva. Porém, muda-se a constituição dessa memória coletiva, condicionam sua estrutura e sua forma. Inovações tecnológicas, científicas e culturais provocam a contração da expansão cronológica do que se chama presente (HUYSSEN, 2004), sendo possível realizar, nesse contexto, uma etnografia da memória do presente. Com o encolhimento dos horizontes de tempo e de espaço, a memória e a musealização se tornam proteção contra a obsolescência, complexificando as sensibilidades temporais – o presente se expande e se contrai ao mesmo tempo. Um museu sobre uma cidade vem como exemplo dessa proteção, como forma de escrever uma história e garantir um futuro (HUYSSEN, 2004). A prática de uma memória local – no caso de um museu que tem a intenção de perpetuar uma memória citadina – leva, também, a movimentos nacionais (cidade enquanto representante do país) e a movimentos internacionais (cidade no concerto das nações commodities).

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Falas do curador disponíveis no terceiro ponto da série http://www.portomaravilha.com.br/conteudo/arquitetura_e_acervo.aspx.

“Museu

de

Arte

do

Rio”,

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disponível

em

Essa transformação de uma

memória local, citadina, num acontecimento

transnacional, principalmente através de um museu que é praticamente a porta de entrada para turistas que chegam pelo porto carioca, representa esse novo internacionalismo, uma disjunção no nível da ontologia do pertencimento nacional, um rompimento da ligação entre o valor ontológico do ser presente e a localidade, o solo nativo, a cidade. Esse deslocamento ontopológico tem como característica temporalidades incomensuráveis e espaços disjuntivos, movimentos de transição, de desobjetivação da nacionalidade e de um lugar de existência cultural fronteiriço (BHABHA, 2011). O Museu de Arte do Rio entra, dessa forma, na dialética do conhecimento identificada por Homi Bhabha – uma emergência de uma nova temporalidade teórica e histórica gerada pela transitoriedade e, pode-se afirmar, pela necessidade de afirmação de uma memória coletiva que não seja solapada pelo transitório. O MAR foi inaugurado em 1º de março de 2013, dia do aniversário da cidade. Neste dia, o museu foi aberto apenas a convidados. Porém, como todo local que envolve atores diversos, conflitos são inevitáveis, ainda mais em um espaço advindo de projetos estatais e que modificam a estrutura da cidade e a percepção que se tem dela. Em seu processo de construção, o museu já foi envolvido em uma série de disputas entre o poder público e a população local – disputas essas que não são exclusivas do MAR, mas estão presentes em toda a região portuária. Conflitos em torno do museu já se iniciaram em sua inauguração. Convidado a participar de uma intervenção nas exposições inaugurais, o grupo artístico Opivará teve sua performance vetada pela polícia, segundo seus integrantes. De acordo com a página oficial do grupo em rede social, a ação teria sido desautorizada pela Guarda Municipal, que estacionou seus carros em frente ao barracão do grupo uma hora antes de sua saída em direção ao museu, com seis guardas armados com cassetetes, sob o pretexto de que a Subprefeitura da Zona Portuária, a CET Rio, o Comando Militar do Leste, a Segurança da Presidência da República e a própria Guarda teriam entrado em consenso de que a ação colocaria em risco a vida da presidenta. Muitas horas depois a ação teria sido autorizada pela curadoria, mas estaria inviabilizada pelo cansaço dos componentes e das crianças da escola de samba mirim Pimpolhos da Grande Rio, que também participariam da performance. De acordo com nota publicada na página do grupo em rede social, “Nossa proposta integrava o evento de inauguração do MAR, fomos convidados pela curadoria em abril de 2012. 5º FÓRUM MESTRES E CONSELHEIROS: OS DIREITOS DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 19 a 21 de agosto de 2013

Com todos os adiamentos da inauguração do museu nosso projeto foi se transformando, mas, em agosto de 2012, definimos nossa proposta com a descrição exata do que pretendíamos fazer e encaminhamos à curadoria, que recebeu a proposta muito positivamente. Estamos muito abalados, é muito triste ter um projeto de quase um ano impedido por força policial sem nenhum tipo de diálogo prévio. Estamos muito decepcionados com todas as instâncias de poder que deveriam apoiar e viabilizar o projeto e que, no entanto, por simples comodidade, preferiram impedir, proibir e censurar. É realmente absurda a inoperância e ignorância do estado diante da arte! Responsabilizamos aqui, por essa ação de censura, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, a Subprefeitura da Zona Portuária, a CET RIO, a Guarda Municipal, o Comando Militar do Leste, a Segurança da Presidência da República, a CDURP (Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro), a Fundação Roberto Marinho, a curadoria, direção e presidência do MAR. Aguardamos sinceramente uma retratação dos responsáveis diante deste caso de descumprimento das leis e dos direitos instituídos na constituição brasileira.”

Por outro lado, o discurso em torno do museu, desde sua construção, deixa claro que a intenção é a de que ele esteja a serviço da realocação da imagem do Rio de Janeiro e seja um dos símbolos das mudanças estruturais que vêm ocorrendo na cidade. “Nosso Diretor Executivo, Luiz Fernando de Almeida, apresentou o Presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP), Alberto Gomes Silva, aos nossos monitoreseducadores. Eles conheceram mais sobre as intervenções na região, que marcam uma virada histórica no desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro. Temos um papel importante de sintetizador desse processo de transformação, construindo um espaço que conta a história do Rio, conectando o local e global, e valorizando não só os bens imóveis, mas também a cultura e as pessoas da região e da cidade.” (26/02/2013. Grifo nosso) Hoje recebemos a imprensa internacional. Foram mais de 30 veículos, de 11 países diferentes, totalizando mais de 50 jornalistas. Eles foram recepcionados na Escola do Olhar pelo Diretor Executivo do Mar, Luiz Fernando de Almeida; e pelo Diretor Geral da Fundação Roberto Marinho. Estavam presentes também a Secretária de Educação do Município, 5 Cláudia Costin; e o Secretário de Cultura do Município, Sérgio Sá Leitão.” (28/02/2103)

As exposições também foram organizadas de modo que fossem decisivas na construção do imaginário sobre a cidade, atentando, aqui, para a importância de se pensar

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Retirado dos informes da página oficial do Museu em rede social.

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no museu como instrumento de poder: O que e para quem se quer preservar? Com que objetivos se quer preservar? “Mas não queremos um museu que seja vitrine; não é um museu dos grandes fetiches, dos recordes de aquisição, mas é um museu onde as coisas entram porque elas podem produzir algum sentido. O museu é de produção do pensamento. [...] E a ideia, então, é trabalhar no pensamento esférico, que são obras que não têm importância o valor – pode ser uma gravura pequena, pode ser um livro – mas a intenção de trazer um conjunto de objetos pra integrar esse momento simbólico da cidade do Rio de Janeiro.” (Paulo Herkenhoff em fala à TV Folha, em 27/02/2013)

Nessa integração dos objetos ao momento simbólico da cidade do Rio de Janeiro, quatro exposições foram inicialmente dispostas ao público, acompanhadas de atividades do Programa Educativo, como palestras e debates com curadores e artistas. A mostra “Rio de imagens” apresenta desenhos, pinturas, fotografias, esculturas, vídeos e artefatos que retratam a história da cidade e as transformações do espaço urbano ao longo de mais de quatro séculos de existência, atentando para o fato de que a paisagem carioca foi construída ao longo do tempo por diversos atores – cidade como construção coletiva – “uma paisagem íntima, que todos ajudamos a imaginar”6. A exposição “O colecionador” mostra 136 quadros de artistas nacionais e estrangeiros, entre eles Tarsila do Amaral, pertencentes ao colecionador Jean Boghici, suspensos por cabos e em forma espiral, fora de qualquer ordem cronológica ou por períodos artísticos. São duas salas nas quais se tem a pretensão de que o visitante se sinta na casa do colecionador e possa partilhar do “legado de sua visão artística”7. Em “Vontade construtiva” relembra-se o “estado típico da arte brasileira” formado pela “vontade construtiva geral” identificada por Hélio Oiticica e reunida por Hecilda e Sérgio Fadel em obras que vão de 1908 a 1978, dando destaque, assim, à arte moderna. Em “O abrigo e o terreno – arte e sociedade no Brasil 1”, curiosamente há a abordagem de obras relativas ao direito à habitação, à política territorial, à ocupação do espaço público e aos projetos de reforma urbana – inclusão e exclusão na cidade. Acompanhando as exposições, atividades diversas – inclusive educativas – são desenvolvidas. Sob a égide da integração entre educação e arte, o MAR desenvolve 6 7

Retirado de texto escrito por Carlos Martins e Rafael Cardoso, curadores, para o folder da exposição. Fala retirada do folder da exposição.

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atividades educativas, como cursos, workshops, programas de visitas e estágios e o programa “MAR na Academia” tendo a cidade como eixo de ações, através de parcerias com outros museus, universidades e ONGs, entre outros. “Isto é um museu com uma escola do lado ou uma escola com um museu do lado? Na verdade são dois edifícios que formam o MAR: o pavilhão de exposições, a sede principal da ação curatorial, e o outro prédio, que seria a Escola do Olhar. Vamos estabelecer um sistema de porosidade para sermos apropriados pelos professores. A Educação não vista apenas em termos formais, mas como aquele processo que nos faz humanos, de estarmos continuamente nos cultivando, projetando o nosso entendimento do mundo, trabalhar extramuros, trabalhar em rede, trabalhar com os outros museus para que cada criança vá a um museu por ano na cidade do Rio de Janeiro e estamos trabalhando de novo no processo universitário, que nós chamamos de ‘MAR na Academia’.” (Paulo Horkenhoff em vídeo da TV Folha em 27/02/2013)

Além de todas as atividades educativas, o MAR desenvolve o programa “Vizinhos do MAR”, através do qual pretende estimular a participação e o envolvimento da comunidade do entorno do museu – os bairros Saúde, Gamboa e Santo Cristo. É importante, nesse caso, focar quais residentes participam, quais as suas expectativas e seu grau de envolvimento, observações que serão feitas conforme o decorrer dessas atividades e que poderão configurar futuros pontos de pesquisa. Por último, é relevante destacar, para futuras reflexões, as formas de apoio e patrocínio ao museu, dando um panorama dos outros atores envolvidos. Além do programa “Amigos do MAR”, que conta com o público geral e faz parte da maior parte dos museus, ainda há outras formas de patrocínio, como utilização de leis de incentivo à cultura, doações de pessoas jurídicas, doações de colecionadores de arte e parcerias institucionais, seja para projetos especiais ou de forma geral, como as que o museu já possui com o grupo Santander, a Vale, São Carlos e, principalmente, Organizações Globo, grupo que agiu de forma incisiva desde as obras do museu até a organização de suas exposições e atividades.

Considerações finais – Um MAR de vozes Michel Agier trata justamente das redes de sociabilidade que ocorrem nos espaços urbanos e a construção de lugares por aqueles que o habitam, focando na mobilidade do posicionamento social que torna fluidas as fronteiras da vida social. Ele aborda justamente as descontinuidades e territorialidades próprias das teias de relações produzidas nas cidades que, longe de ser um amontoado de culturas, é a interação de contextos. Que relações se estabelecem na reelaboração da imagem da cidade? No caso do MAR, que 5º FÓRUM MESTRES E CONSELHEIROS: OS DIREITOS DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 19 a 21 de agosto de 2013

teias de relações se estabelecem entre o museu e a respresentação de cidade que está sendo (re)construída? O autor também auxilia no trabalho de campo, projetando um conhecimento urbano que se funda na pesquisa etnográfica relacional, local e microbiológica, que se propõe a conhecer as cidades a partir de situações cotidianas concretas vividas dando visibilidade ao que não se vê. No estudo de campo, Michael Pollak traz sua influencia, ao tratar da seletividade da memória, de seu processo de negociação entre memórias coletivas e individuais, na descoberta do indizível. “A fronteira entre o dizível e o indizível, o confessável e o inconfessável, separa [...] uma memória coletiva subterrânea da sociedade civil dominada ou de grupos específicos, de uma memória coletiva organizada que resume a imagem que uma sociedade majoritária ou o Estado desejam passar ou impor”. (POLLAK, 1989, p. 6)

Uma região moral, segundo Agier, toma determinado tipo de proporção de acordo com a definição dos atores urbanos, uma “cartografia imaginária” (AGIER, 2011, p. 67), levando em conta suas experiências, ideias ou imagens. Nessa vertente, procura-se definir as situações que ocorrem em determinado espaço, que se definem pela interação e não pelos limites espaciais. As situações de passagem são especialmente caras a esse artigo. Elas configuram a relação entre indivíduo e espaço, sendo marcadas, ao mesmo tempo, pela individualização e por uma sinalização espaço-temporal dos percursos. As passagens atravessam os nãolugares, estão em constante fluxo e são aquelas nas quais verifica-se as potencialidades dos lugares públicos, que vão desde laços sociais transitórios a expressões culturais. Museus são, assim, lugares de situações de passagem, não-lugares, como afirma Augé, heterotopias, de acordo com Foucault. Dessa forma, é importante o mapeamento da cidade que se vê ou se acredita ver e a cidade que se vive e é apropriada de diferentes maneiras; um lugar denso no que se refere aos aspectos social ou simbólico, que lhe dão sentido. A cidade, aqui, é vista como dispositivo cultural: formada pelas relações entre os citadinos – as representações da alteridade e identidade – e pelo simbólico – sentidos que os habitantes dão ao espaço material onde vivem, procurando perceber a cidade imaginária dos indivíduos, que se torna tão real quanto suas estruturas materiais (AGIER, 2011). Cidade como mecanismo psicofísico, de acordo com Robert Ezra Park. 5º FÓRUM MESTRES E CONSELHEIROS: OS DIREITOS DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 19 a 21 de agosto de 2013

Agier diz que “não é a memória propriamente dita que faz gostar-se desses lugares simbólicos, mas sim a memória ritual da qual foram e são apoio” (AGIER, 2011, p. 182). Se a antropologia das situações é aquela onde “veem-se e vivem-se situações e, a partir daí, tecem-se os fios para compreender” (AGIER, 2011, p. 195), procurou-se apresentar, no presente projeto, algumas dessas situações que ajudarão na tentativa de compreender a teia de relações que acontece na zona portuária do Rio de Janeiro, mais especificamente no Museu de Arte do Rio, e que envolve não só a memória da cidade, mas se apoia em novas significações. Gilberto Velho lança os conceitos de projeto e campo de possibilidades para atentar para a comunicação simbólica que acontece nas sociedades complexas modernocontemporâneas – a tendência à constituição de identidades a partir de um jogo intenso de papeis sociais, que se articulam a experiências e realidades distintas e que, na maioria das vezes, são conflituosos e contraditórios. Velho utiliza Schutz ao falar das províncias de significados nas quais ocorre a definição comum da realidade, utilizando Simmel no tratamento dos indivíduos enquanto interação de vários mundos. Essa aglutinação de universos sociologicamente heterogêneos abre um campo de possibilidades ao pesquisador que não deve ser encarado como um dado empírico, um fenômeno natural, mas deve ser entendido em seu potencial de metamorfose na apreensão das construções sociais da realidade. Nesse sentido, é importante apreender essas construções através de observação participante às atividades do MAR, desde seu processo de curadoria às atividades que organiza, sejam elas de caráter educativo ou em projetos especiais com moradores ou turistas, no sentido de perceber essa mobilidade simbólica que faz parte dos indivíduos na construção de seu imaginário, para o traçado de um mapa sociocultural da imagem citadina produzida, definindo um repertório básico para os diversos grupos socioculturais participantes, mas sempre atentando que essa base comum não dilui as fronteiras e contradições do espaço. Assim, quais os modelos, juízos, valores e significados estão sendo construídos, elaborados e articulados a partir da zona portuária do Rio de Janeiro? Reconhece-se, aqui, que cada abordagem, para cada situação particular, é única, e que as “as ideias crescem, em parte, como resultado de nossa imersão nos dados e processo total de viver” (WHITE, 2005, p. 284). O importante aqui é reconhecer que “se pode examinar a estrutura social diretamente, observando as pessoas em ação” (WHITE, 2005, p. 289).

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O que se pode apreender desse momento inicial é que uma (nova) imagem para a cidade do Rio de Janeiro está sendo forjada, tendo a cultura como seu principal agente. Essa imagem, por sua vez, vem mexendo com as subjetividades dos indivíduos que a ela tem acesso, (re)formulando uma identidade para a cidade. Essa representação envolve atores diversos e está sujeita a relações de poder, que já se evidenciam na etapa inicial desse grande projeto urbano. No entanto, seria imprudente tirar conclusões ou atribuir juízos de valor a esse momento tão fecundo ao debate. Afinal, “o problema é que jamais se

sabe de antemão quais os limites de uma transformação” (FAUSTO; GORDON, 2006, p. 30).

Bibliografia Livros e revistas acadêmicas AGIER, Michel. Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo: Terceiro Nome, 2011. AZEVEDO, André Nunes de. Rio de Janeiro: capital e capitalidade. Rio de Janeiro: UERJ, 2000. BECKER, Howard. Segredos e truques da pesquisa. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. BHABHA, Homi. O bazar global e o clube dos cavalheiros ingleses: textos seletos. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.

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