Um valioso patrimônio cultural ameaçado: a biblioteca pessoal de Álvaro Lins

May 24, 2017 | Autor: E. Ferreira Filho | Categoria: Crítica literária, Biblioteca, Acervos, Alvaro Lins
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maíra gamarra

Leitura

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LIVROS Um valioso patrimônio cultural ameaçado Biblioteca que pertenceu a Álvaro Lins foi doada à cidade de Caruaru há 40 anos, mas nunca recebeu o tratamento merecido texto Eduardo Cesar Maia

Imagine, leitor , o tamanho e a

qualidade do acervo de alguém reconhecido como o mais influente crítico literário do país por cerca de duas décadas, que acompanhava religiosamente a vida literária e analisava em suas colunas os livros lançados em várias áreas do conhecimento; e que, além disso, foi embaixador do Brasil em Portugal durante o governo de Juscelino Kubitschek e pôde trazer da Europa verdadeiras preciosidades editoriais. Trata-se da biblioteca pessoal do caruaruense Álvaro Lins, falecido há exatos 40 anos, em 1970. Conversar com pessoas que conheceram o acervo completo dá uma boa noção do valor cultural dessa coleção, apesar de, atualmente, só haver acesso a uma parte ínfima dela na atual sede da Biblioteca Álvaro Lins, em Caruaru. O escritor e biblioteconomista Edson Nery da Fonseca conheceu os livros do seu amigo Álvaro Lins ainda no Rio de Janeiro, em maio de 1970, pouco antes do falecimento do crítico. Foi o último encontro dos dois. Ressaltando o valor do conjunto, Edson Nery comenta que Lins possuía uma coleção abrangente de literatura luso-brasileira, um belo acervo de literatura francesa, inglesa e também sobre teoria literária. Mais especificamente, destacavam-se as obras trazidas de Portugal, pois eram todas elegantemente encadernadas. Edson Nery se refere com particular apreço à proustiana que ele viu na biblioteca – o escritor Marcel Proust foi tema de tese do crítico que, para suas pesquisas, reuniu as obras completas em francês do

escritor, além de toda fortuna crítica disponível sobre ele à época. As obras dos (e sobre os) portugueses Fernando Pessoa e Eça de Queiroz também estavam presentes de forma bastante completa no acervo. O percurso desses livros, depois da morte de Álvaro Lins, reflete com triste clareza o valor que o poder público confere à cultura literária no país. Por decisão da viúva, Heloísa Lins, boa parte da biblioteca – cerca de 4.000 títulos – foi doada a Caruaru. A decisão familiar de prestar homenagem

Com a morte de Lins, a viúva achou que os seus 4 mil livros deveriam seguir para a cidade natal do escritor à cidade natal do crítico pode ter sido legítima, mas as consecutivas prefeituras nada ou pouco fizeram pela catalogação e manutenção desse patrimônio cultural inestimável nessas quatro décadas. Apesar de as novas instalações (provisórias) da biblioteca que leva o nome do crítico estarem hoje em melhores condições do que há bem pouco tempo, com prateleiras e ar-condicionado central, ainda falta muito para a coleção ficar em segurança.

nomadismo forçado

Desde que os livros saíram do Rio de Janeiro e foram para Caruaru, ficaram “hospedados” em lugares diferentes, de acordo com as mudanças e

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conveniências políticas. Primeiro, eles foram colocados na Casa da Cultura José Condé. Depois, foram deslocados para a Estação Ferroviária, num lugar que não oferecia a menor condição estrutural de armazenamento e usabilidade para o público leitor. De lá, as obras foram parcialmente transferidas para o atual endereço – também temporário, segundo os responsáveis –, na Avenida Coronel Limeira, 202, no centro da cidade. A futura e definitiva instalação provavelmente se localizará no prédio da Secretaria de Cultura, com mobiliário e condições mais adequadas, pelo menos é o que promete a responsável pela biblioteca atualmente, a funcionária pública Irlândia de Lima Soares. As condições estruturais em que hoje se encontra a sede da Biblioteca Álvaro Lins não são perfeitas, mas receberam melhorias, tanto para os livros quanto para os usuários. O espaço ganhou adaptações para deficientes físicos e visuais e conta com uma estrutura de rampas e quase 200 livros traduzidos em braile. Também há livros audiovisuais e uma profissional especializada que atende à população. Outra novidade é a biblioteca infantil, com livros e jogos educativos em uma sala adaptada à faixa etária. Também conta com o acervo de aproximadamente 4.500 livros doados pela família do escritor, advogado e jornalista José Condé (19181971), que foi amigo de Álvaro Lins e trabalhou com ele no suplemento literário do jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro. Ao todo, mais de 10 mil títulos ocupam as prateleiras – entre eles, enciclopédias, dicionários, livros, jornais e revistas. Numa das paredes do prédio está exposto um quadro com fotos das antigas instalações da mesma biblioteca em administrações anteriores. Nele, as imagens do péssimo estado em que se encontravam os livros, uns enrolados em saco para proteger de chuvas e goteiras, e alguns até espalhados pelo chão. Apesar das melhorias, apenas uma parte muito pequena do acervo doado por Heloísa Lins está de fato no novo prédio e disponível para consulta pública. A outra parte, segundo os funcionários, está amontoada em alguma sala do prédio da Secretaria de

divulgação/apl

nascimento e morte de lins O ano de 2010 marca os 40 anos do falecimento desse grande intelectual pernambucano, que exerceu as atividades de jornalista, crítico cultural, historiador, professor, pesquisador, escritor e diplomata. Tratava-se de um grande humanista, um pensador que não compreendia a atividade crítica literária de forma isolada, sem suas conexões com a realidade histórica e com os demais fenômenos culturais. Em 2012, será o centenário do nascimento de Álvaro Lins, oportunidade para a cidade de Caruaru lhe prestar homenagem, tratando com maior zelo o valioso patrimônio público que são seus livros. (ECM)

Leitura Educação da cidade, à qual não foi autorizado o acesso. Outro ponto que merece reflexão se refere ao uso que as pessoas fazem desse valioso patrimônio. “Mesmo os livros que estão disponíveis nunca foram buscados com interesse pelo público caruaruense”, diz a técnica em biblioteconomia Cristina Cordeiro Dantas, que acompanha os volumes desde que chegaram à cidade. Ela afirma que são raríssimas as vezes em que estes são consultados, o que soa estranho, levando em conta que a cidade dispõe de centros de estudo superior na área de ciências humanas – especificamente, com faculdades de Letras.

UM DEFENSOR

Para o jornalista e cronista Assis Claudino, que não chegou a conhecer o célebre conterrâneo, mas é grande admirador da obra de Álvaro Lins, a decisão da família de doar os livros à cidade de Caruaru foi correta, mas o tratamento que a coleção recebeu o faz refletir que talvez fosse melhor que esses

“Biblioteca não é um mero depósito de livros, as obras não estão nem ao menos num fichário”, diz Assis Claudino livros estivessem em mãos mais cuidadosas e habilitadas. “Uma biblioteca não é um mero depósito de livros; as obras da Biblioteca Álvaro Lins não estão nem ao menos num fichário que possa ser consultado pelos usuários e por pesquisadores”, lamenta. Ele acredita que muita coisa importante deve ter sido perdida nesse tempo. Na época em que a biblioteca ainda estava na Casa de Cultura José Condé, Claudino se propôs a organizar todo o acervo. Após meses de trabalho, com quase tudo concluído, uma faxineira desavisada pôs todo o trabalho a perder, ao tentar salvar os papéis de uma goteira. Mas o pior momento ainda

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1 de fardão Álvaro Lins foi eleito por unanimidade para a cadeira 17 da Academia Brasileira de Letras, em 1955

estava por vir: a transferência dos livros para a Estação Ferroviária, um local inadequado para abrigar as obras e muito barulhento. “A biblioteca nunca teve bibliotecário, fichário ou mesmo controle de empréstimo e devolução”, atesta Claudino. Ele admite que o prédio atual tem boa instalação, apesar de ser muito pequeno para receber todos os livros. O interesse de Assis Claudino por Álvaro Lins o levou a pesquisar cerca de 1.600 dedicatórias nos livros que pertenceram ao crítico, entre as quais a do crítico literário baiano Afrânio Coutinho, com mensagem do próprio autor para Álvaro Lins. O curioso nela é seu tom excessivamente bajulatório. Eles se tornariam mais tarde grandes inimigos. Coutinho passou a rebaixar raivosamente o trabalho de Lins, rotulando-o como mera crítica “impressionista”, desprovida do rigor científico que a Nova Crítica, de origem norte-americana, propugnava e da qual o baiano se tornou representante no Brasil.

QUADRINHOS Da radiola de ficha ao triunfo do Coldplay O pequeno livro do rock narra momentos marcantes da história do gênero, seus subgenêros e afinidades culturais texto Danielle Romani reprodução

O rock’n’roll transformou-

se num gênero musical quase mítico, com milhões de adoradores gravitando em torno das milhares de bandas surgidas nas últimas cinco décadas. Punks, headbangers, rockabillys, darks, progressivos... Sintetizar a história desse universo, que se desdobrou em dezenas de subgêneros, é tarefa das mais desafiadoras e difíceis. Mas foi exatamente a isso que se propôs o francês Hervé Bourhis ao lançar O pequeno livro do rock. Cansado

das compilações e notícias repetidas sobre o assunto, decidiu, ele mesmo, contar a história do rock do começo ao fim, disco por disco, banda por banda, ídolo por ídolo. Num ritmo alucinante, o misto de desenhista e roteirista conseguiu a façanha de escrever um diário que não tem profundidade, visto que traz informações rápidas e curtas, mas que aparenta completude, tamanha a quantidade de informações, dados e curiosidades sobre artistas e bandas de todas as partes. É um item de lazer.

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A metodologia adotada por Hervé para organizar informações e dados foi a de ordem cronológica. Pautado nisso, ano por ano, a partir de 1915, época em que foi lançada a primeira radiola de ficha – a “eras” de distância do surgimento dos primeiros roqueiros – até o final da década de 2000, quando nomes como a cantora Amy Winehouse e a banda Coldplay (dois legítimos representantes da Inglaterra) são a bola da vez, o leitor verá passar à sua frente os ótimos, os bons, e os nem tanto assim, momentos do rock’n’roll. Capas, LPs, CDs, shows, lançamentos, eventos relacionados, nada (ou quase nada) escapou do olhar atento do francês, que cita, com pertinência – para ficar no exemplo brasileiro – Os mutantes, Sepultura, Cansei de Ser Sexy e até mesmo a bossa nova, para ficar nos exemplos brasileiros. Aliás, em vários momentos, o autor sai do rock e entra em outros gêneros, como o blues, o jazz, o pop, o reggae, para explicar a origem de alguns músicos ou de movimentos. Ele também provê o livro de fatos curiosos e totalmente supérfluos. Um deles mostra o momento em que os Beatles abandonaram a brilhantina e adotaram o penteado com franjinha, no estilo à francesa. Outro caso diz respeito ao fato de três fãs terem se suicidado, em 1987, após a dissolução da banda The Smiths. Nessa linha de informações periféricas, ficamos sabendo que os Butthole Surfers, punks do Texas, exibiam vídeos de operações penianas durante seus shows. Apesar de novato, Hervé Bourhis também consegue resolver bem a questão dos desenhos e da finalização das páginas. As caricaturas dos grandes astros são perfeitas, precisas, num estilo de traços sujos, ora em guache, ora como se fossem grafites e rabiscos. Um trabalho bem coerente com a estética rock’n’roll.

O pequeno livro do rock HERVÉ BOURHIS Conrad Editora A história do gênero do começo ao fim, disco por disco, ídolo por ídolo.

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