Uma abordagem historiográfica, sociológica e jurídica sobre a reforma do Centro Histórico de Salvador e a preservação do patrimônio cultural imaterial

July 3, 2017 | Autor: H. de Oliveira Sa... | Categoria: Socio-Legal Studies (Law)
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UMA ABORDAGEM HISTORIOGRÁFICA, SOCIOLÓGICA E JURÍDICA SOBRE A REFORMA DO CENTRO HISTÓRICO DE SALVADOR E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL 1 HISTORIOGRAPHICAL, SOCIOLOGICAL AND LEGAL APPROACH ON SALVADOR HISTORIC CENTER REFORM AND THE IMMATERIAL CULTURAL PATRIMONY PRESERVATION Hermano de Oliveira Santos2 Resumo: este trabalho procura analisar a reforma em curso do Centro Histórico de Salvador sob a ótica jurídica, no que tange à proteção constitucional e legal do patrimônio cultural, tanto em sua dimensão material quanto em sua dimensão imaterial. Vale-se do conhecimento teórico produzido pela Antropologia e pela Sociologia para caracterizar o processo cultural que se dá no local, tendo em vista a identidade cultural das pessoas do lugar e os bens culturais lá existentes e praticados. Visa a demonstrar que, no presente caso, o modelo adotado pelo Poder Público implica, não a preservação ou recuperação, mas a conservação e exposição do patrimônio cultural desvirtuada do processo cultural que lhe dá origem e vida. Palavras-chave: processo cultural; identidade cultural; bens culturais; patrimônio cultural; centro histórico; preservação; recuperação. Abstratct: this work seeks to analyze the Salvador Historic Center reform, in course, by juridical view, relative to constitutional and legal support, in its material and immaterial dimensions. It is provided by the anthropologist and sociologist theoretical knowledge used to characterize the local cultural process, having in view the cultural identity of the native people and the cultural possessions on there exists and practices. It aim at demonstrate that, in case, the adopted model by the Public Power implicate, not the preservation or recovery, but the conservation and exposition of the cultural patrimony distorted of the cultural process that origins and animates it. Keywords: cultural process; cultural identity; cultural possessions; cultural patrimony; historic center; preservation; recovery. Sumário: Introdução. 1. O Centro Histórico de Salvador como patrimônio cultural. 1.1. O que diz a História. 1.2. Os bens culturais. 1.3. Reconhecimento como patrimônio cultural. 2. A reforma do Centro Histórico de Salvador. 2.1. O projeto. 2.2. O “novo” Centro Histórico. 2.3. Juridicidade da reforma. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

Introdução O tema deste trabalho é a grande reforma por que vem passando o Centro Histórico de Salvador, desde o início da década de 1990. Esse tema envolve o problema que é saber se na execução dessa reforma tem-se preservado o patrimônio cultural imaterial lá existente. Vale destacar que este trabalho fundamenta-se em estudos da realidade sócioeconômica e cultural do Centro Histórico de Salvador, em obras teóricas gerais e específicas de teor antropológico, sociológico e jurídico, e em relatórios de atividades dos órgãos do

Poder Público no Estado da Bahia encarregados da reforma. Os dados e informações obtidos foram confrontados às diretrizes da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) quanto à proteção do patrimônio cultural da humanidade. Analisou-se também o que há de pertinente ao assunto no ordenamento jurídico brasileiro: a Constituição Federal de 1988 (CF), a Constituição do Estado da Bahia de 1989 (CEB) e a legislação federal, do Estado da Bahia e do Município de Salvador 3. Destaque-se inicialmente a importância dos termos “preservação” e “recuperação” para um bom entendimento do assunto. Aqui eles significam respectivamente a ação de preservar, isto é, a manutenção das características originais ou possibilidade de continuação para a existência no futuro, e a ação de recuperar, isto é, de refazer ou reformar o que se deteriorou, arruinou ou perdeu no passado, com o objetivo de resgate da existência para o futuro. No caso da proteção do patrimônio cultural, é de fundamental importância saber que a recuperação tem lugar quando a preservação está prejudicada, ou seja, só se recupera o que não se preserva por si só, dependendo-se de uma intervenção para que a preservação ocorra. E ao se tratar da proteção do patrimônio cultural imaterial, é pertinente afastar a noção de “conservação” como sinônimo de “preservação”, pois “conservar” remete ao significado equívoco de manter a forma, o que não se aplica aos bens culturais imateriais, por natureza bens “mutáveis” no tempo e no espaço4, diferentemente dos bens de natureza material, cuja preservação representa precisamente a manutenção da forma em que construídos. Ainda em âmbito conceitual, é necessário registrar também que, diferentemente da definição civilista para os conceitos “bem” e “patrimônio”, que é redutoramente privatista, e não abrange um conteúdo da amplitude do conceito “cultura”5, a definição adotada neste trabalho é mais consentânea com o pensamento antropológico contemporâneo, seguindo-se, por exemplo, as formulações de Da Matta (1986)6 e Geertz (2000)7. Há uma interessante discussão acadêmica a respeito dos aspectos do patrimônio cultural, que reflete uma análise mais pormenorizada do conceito “cultura”. Essa discussão tenta estabelecer uma terminologia mais adequada para referenciar o que se entende por “patrimônio cultural”, partindo do debate no viés teórico8 até considerações práticas sobre qual a melhor política pública para a proteção do patrimônio cultural9. Definida a cultura, num sentido amplo, como “el conjunto de los rasgos distintivos, espirituales y materiales, intelectuales y afectivos, que caracterizan una sociedad o un grupo social”10, considerando ainda que a cultura “engloba, además de las artes y las letras, los modos de vida, los derechos fundamentales al ser humano, los sistemas de valores, las

tradiciones y las creencias” (CHZ, 2005), o que se tem em vista é um conceito deveras abrangente, senão vejamos: Esta definición de cultura incluye, pues, no sólo expresiones materiales sino también las inmateriales, que se transmiten de una generación a otra a través del idioma, la música, actitudes, gestos, prácticas y costumbres entre otras manifestaciones. (CHZ, 2005)

O debate acadêmico não deve considerar mais a terminologia a ser empregada do que os conceitos envolvidos. Com efeito, insurgir-se contra o “dualismo cartesiano” que orienta a legislação11, ou discutir sobre a materialidade dos bens culturais, e consequentemente do patrimônio cultural, apenas para distingui-los em “tangível” e “intangível”, em lugar de “material” e “imaterial”12, não é tão relevante para a proteção do patrimônio cultural, nem mesmo do ponto de vista teórico, quanto a observância efetiva dos conceitos vigentes, considerando-se a necessidade quase sempre emergencial dessa proteção. O que importa verdadeiramente já foi feito em parte, desde a criação da UNESCO em 1945, passando pela edição de Recomendações, Declarações e Convenções em âmbito internacional, pela constitucionalização e legislação internas, como é o caso do ordenamento jurídico brasileiro, até a atuação do Poder Público; a outra e decisiva parte é a orientação e o modo de execução das políticas públicas, se excludente ou inclusiva, isto é, se a proteção do patrimônio cultural imaterial deve ter como propósito explorar o aspecto econômico, qual seja, a viabilização do chamado “turismo cultural” 13, ou se deve admitir a “participação cidadã”, e a “educação para a proteção” do patrimônio cultural14. Após essas considerações, importantes para enquadrar a reforma do Centro Histórico de Salvador no panorama da discussão acadêmica, é igualmente importante definir o que vem a ser “patrimônio cultural imaterial”, para demonstrar a necessidade da efetiva proteção, na condução da referida reforma, também desse outro aspecto do patrimônio cultural. É a ocasião de dizer que todos aquellos elementos que caracterizan a una determinada cultura, como la comida, lengua, indumentaria, vivienda, tecnología, habilidades tradicionales, folclore, ceremonias religiosas, modales, costumbres, creatividad, artes del espectáculo y la transmisión oral de cuentos entre otros (CHZ, 2005)

merecem a mesma atenção do Poder Público e da sociedade que já é dada ao aspecto material do patrimônio cultural, sob pena de não se valorizar devidamente a “memória cultural” 15 e de se manter un profundo desequilibrio entre estas dos categorías de patrimonio (material e inmaterial) com el resultado de la omisión, y pérdida en ocasiones, de un gran número de expresiones culturales inmateriales (CHZ, 2005).

Em termos pragmáticos, analisando-se os estudos da realidade sócio-econômica e cultural do Centro Histórico de Salvador16, percebe-se que a reforma prioriza a recuperação do casario, de praças e ruas, sem preocupar-se simultânea e adequadamente com a

preservação das manifestações culturais peculiares, com a memória coletiva das pessoas que habitavam o lugar, por vezes a despeito desse outro aspecto do patrimônio cultural 17. Basta conferir o modelo de reforma adotado e os expedientes para desocupar os locais a serem reformados e se percebe a intenção de substituir a população estável, pobre e marginalizada, mas criadora da cultura local, por outra, mais comerciantes e prestadores de serviço que moradores, supostamente com condições de entender o significado cultural da reforma, manter um ambiente aprazível e explorá-lo de acordo com a idéia pré-concebida de inegável potencial turístico do lugar18. Em consequência, a recuperação dos bens culturais materiais, não-acompanhada da preservação dos bens culturais imateriais, pode interromper irreversivelmente o processo cultural original 19, o que interfere negativamente em duas questões: 1) no modo de vida da comunidade, e na existência dessa comunidade20, já que inevitavelmente ocorre uma dispersão populacional; e 2) na identificação cultural das pessoas que a compõem, as quais perdem talvez a melhor oportunidade de formação de sua identidade cultural21, considerando-se que passam a viver em outro lugar que não o de sua origem.

1. O Centro Histórico de Salvador como patrimônio cultural 1.1. O que diz a História Salvador foi fundada em 1549, para ser a sede do Governo Geral do Brasil, à qual se subordinariam as demais capitanias brasileiras. É preciso destacar que a cidade, capital da principal colônia lusitana, foi escolhida em razão de sua posição e formação geográfica, para atender à necessidade de centralização político-administrativa e defesa militar das terras brasileiras, além de ser um excelente porto para as embarcações que saiam da Europa com destino à África e à Ásia, tornando-se um privilegiado entreposto comercial no Oceano Atlântico, no passado parte importante do principal trajeto entre o Ocidente e o Oriente. (SILVA, 1997) A partir do momento em que se iniciou a exploração das terras da Colônia, Salvador passou a ser também porto de exportação, primeiro de madeira, fumo e açúcar, depois de ouro e diamante, e centro do comércio de escravos vindos da África. Assim foi até meados do séc. XVIII, pois em 1763 a sede do Governo transferiu-se para o Rio de Janeiro, em função de questões econômicas, a principal delas o exuberante ciclo do ouro de Minas Gerais. (SILVA, 1997) O planejamento urbano da cidade de Salvador foi feito nos moldes das cidades portuguesas Lisboa e Porto (AZEVEDO, 1975). Como informa o site do Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) na Internet, “Os sobrados de dois andares ou mais, as soluções planas no terreno em declive e a maneira de aproveitá-lo são exemplos típicos da cultura lusitana”. Essa descrição identifica a região de Salvador conhecida como Cidade Alta, construída entre os séculos XVI e XIX, região esta que fica no alto de um morro, defronte à Baía de Todos os Santos; a estreita faixa de terra entre o mar e a colina chama-se Cidade Baixa, e é de construção mais recente, do final do séc. XIX até meados do séc. XX. É na Cidade Alta que se concentra um rico conjunto arquitetônico, que por muito tempo abrigou o Governo da Colônia, a classe econômica mais abastada e ainda hoje muitas igrejas, conventos e mosteiros católicos. A Cidade Baixa era o porto e a principal área de comércio da cidade, e se ligava à parte alta por um engenhoso sistema de guindastes, sendo remanescentes o Elevador Lacerda, construído em 1872, e o Plano Gonçalves, um plano inclinado funicular construído em 1874 e reconstruído em 1931. É a esse núcleo urbano, e às adjacências, construídas simultânea ou posteriormente, que se dá o nome de “Centro Histórico de Salvador”. (IPHAN, 2005; e MATTOS, 1978) Além de centro político-administrativo e econômico, Salvador constituiu-se também num centro cultural, uma vez que nela convergiram as culturas do europeu (chegado no séc. XVI), do africano (a partir do séc. XVII) e do indígena (nativo), cada uma dessas matrizes culturais contribuindo para a formação do que se usa chamar “cultura baiana”, “cultura” esta que se propagou consideravelmente, em boa parte pelas trocas culturais provenientes do turismo, fomentado por uma eficaz divulgação cultural, desde os livros de Jorge Amado e as canções de Dorival Caymmi, até a criação e manutenção de uma estrutura oficial de propaganda cultural pelo Governo do Estado da Bahia e Prefeitura Municipal de Salvador. (MATTOS, 1978; e URIARTE, 2002) 1.2. Os bens culturais Os limites territoriais do Centro Histórico de Salvador não são muito bem definidos, seja porque há também em outros pontos da cidade construções e lugares de relevância histórica, em termos culturais e artísticos, seja porque alguns prédios históricos não foram devidamente preservados, tendo como consequência a deterioração e ruína (MATTOS, 1978; SIMÕES e MOURA, 1986; e URIARTE, 2002). Ainda assim, o Centro Histórico de Salvador conserva a estrutura urbana original do séc. XVI (...). Com pequenas alterações, a configuração urbana original é a mesma que se vê na cartografia do fim do séc. XVII e começo do séc. XVIII

(IPHAN, 2005).

Nesse espaço urbano, muito diferente do restante da metrópole em que se tornou Salvador, encontram-se becos, ladeiras, ruas estreitas calçadas com pedra, um conjunto de sobrados de arquitetura colonial e espaços públicos como a Praça Municipal, o Terreiro de Jesus, o Caminho de São Francisco, o Largo do Pelourinho, o Largo do Boqueirão e o Largo de Santo Antônio, lembrando o modo de vida urbana português da época do Império lusitano, entre os séculos XV a XVIII (AZEVEDO, 1975; IPHAN, 2005; e MATTOS, 1978). É aí também que se encontra grande parte dos templos católicos da cidade, todos eles apresentando inegável beleza arquitetônica, alguns sendo verdadeiros monumentos da arte barroca, rococó e neoclássica. Também merecem destaque construções como a antiga Faculdade de Medicina (primeira instituição de ensino superior do Brasil, criada por D. João VI e construída em 1808; situa-se na Cidade Alta) e o Mercado Modelo (construído em 1861, e reconstruído em 1984, após um incêndio que quase destruiu o edifício; situa-se na Cidade Baixa, no local onde antes ficava a Casa da Alfândega) (IPHAN, 2005). A cultura portuguesa não se manifestou apenas no traçado do espaço urbano do Centro Histórico de Salvador, mas é fato que os bens culturais de natureza imaterial, que o tornam um “local”22 cultural peculiar, fazem parte da herança cultural africana, nas artes plásticas, na música, na dança, nas festividades, na religiosidade, na culinária (IPHAN, 2005). Manifestações culturais como o artesanato em madeira, o samba de roda, a roda de capoeira, o carnaval de rua do Pelourinho, o terreiro de candomblé, o acarajé, o vatapá e o caruru, dão continuidade a um processo cultural que se originou no final do séc. XIX, quando no Centro Histórico de Salvador formou-se uma comunidade herdeira mais da cultura africana que da portuguesa, cuja identificação cultural é de matriz popular, e não erudita23. Como afirmam Simões e Moura (1986, p. 42), no Centro Histórico de Salvador. moravam os senhores de engenho, grandes comerciantes, empregados da Coroa [portuguesa], a aristocracia, enfim. Com o declínio e a estagnação da economia escravagista do Recôncavo, isto é, com a decadência da cultura da cana-de-açúcar e do fumo, e a consequente queda das exportações, mudaram os hábitos. O Pelourinho [parte central do Centro Histórico de Salvador] foi sendo abandonado pelos grandes proprietários e comerciantes, que se transferiram para outras partes da cidade. Os velhos sobrados eram abandonados, alugados, muitas vezes sublocados. Este processo, que persiste até hoje, vem do fim do séc. XIX. (...) o Pelourinho foi sendo ocupado pelos setores de mais baixa renda da cidade do Salvador, que encontraram as construções no mais completo abandono pelos antigos proprietários e pelo Estado.

Vale dizer que “os setores de mais baixa renda” a que se referem Simões e Moura (1986) eram a classe não-proprietária, classe esta formada por trabalhadores assalariados, que não tinham habitação própria, e que por essa razão passaram a ocupar os prédios abandonados do Centro Histórico de Salvador24. Apesar de a partir daquele momento habitar um espaço urbano construído nos moldes lusitanos, é possível afirmar que a comunidade que se formou

tinha mais vínculos com a cultura africana do que com a portuguesa. Certamente a origem das pessoas que constituíram essa comunidade não é uniforme25, mas a maior parte delas muito provavelmente descendia de africanos, ainda que remotamente, dado que naquele momento histórico os trabalhadores assalariados eram em sua maioria negros ou mulatos, por serem essas funções econômicas consideradas subalternas, sendo assim preteridas por aqueles de origem abastada, os europeus e seus descendentes26. Daí porque o Centro Histórico de Salvador, considerado “histórico” por ser um espaço urbano de imensurável valor artístico, é “histórico” também por ter dado abrigo a uma comunidade-chave para o desenvolvimento da cultura afro-descendente na Bahia e no Brasil. Essa comunidade formou uma identidade cultural “local”, num lugar que não era “seu”, mas que se tornou, porque “local” da origem do processo cultural que serviu tanto para a identificação cultural da comunidade como para uma ressignificação cultural do lugar 27. Desse modo, presentes as características agregativas de uma “comunidade”, como descreve Nisbet (1984, p. 255 e 256), o Centro Histórico de Salvador transformou-se no “local” por excelência da cultura afro-descendente, gerando o que se pode chamar de “cultura afrobrasileira”. Tanto o Centro Histórico de Salvador como a comunidade que o habita (rectius, habitava) são peculiares se comparados ao restante da cidade, e o fato de esta ser uma metrópole aprofunda ainda mais as diferenças urbanísticas e culturais existentes. Nesse ponto vale citar Santana e Oliveira (2005), que consideram a comunidade do Centro Histórico de Salvador uma comunidade urbana tradicional, o que conduz à afirmação de que as manifestações culturais dessa comunidade, assim como a memória coletiva das pessoas do lugar, constituem-se bens culturais, e seu conjunto, patrimônio cultural imaterial. 1.3. Reconhecimento como patrimônio cultural Em Salvador como um todo, e no Centro Histórico em especial, destacam-se “monumentos da arquitetura religiosa, civil e militar, o que se reflete no frontispício da cidade, onde uma massa horizontal é pontuada pelas torres das igrejas” (IPHAN, 2005). O IPHAN catalogou em Salvador 165 templos católicos, entre igrejas, capelas, conventos e mosteiros, inscrevendo 36 igrejas no Livro do Tombo Histórico, no qual são registradas “as coisas de interesse histórico e as obras de arte histórica”, de acordo com o art. 4º, 2, do Decreto-lei 25/1937. Mas em Salvador não são só os templos católicos que fazem parte formalmente do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em 19 de julho de 1984 o conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico do Centro Histórico de Salvador foi inscrito

no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, no qual são registradas “as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, ameríndia e popular”, de acordo com o art. 4º, I, do mesmo Decreto-lei (BRASIL, 2005c; e IPHAN, 2005). Pouco tempo depois, em 28 de dezembro de 1985, seguindo recomendação do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), a 9ª Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial, reunida em Paris entre 2 e 6 de dezembro desse mesmo ano, decidiu inserir o Centro Histórico de Salvador na Lista do Patrimônio Mundial28. Já em 4 de setembro de 1987, a Prefeitura Municipal de Salvador, por meio do Decreto 7.894, criou o “Parque Histórico do Pelourinho”, fazendo expressa referência à área da “Cidade de Salvador reconhecida pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade” (art. 1º do Decreto; SALVADOR, 2005a). É preciso mencionar que em 1983, por meio da Lei 3.289, alteradora da Lei 2.403/1972, considerou-se o Centro Histórico de Salvador “Área de Proteção Cultural e Paisagística”, tidas como tais as áreas “vinculadas à identidade da cidade, tanto por se constituírem ou abrigarem monumentos históricos quanto por referenciarem simbolicamente lugares importantes no âmbito da cidade” (SALVADOR, 2005a) 29. Esses instrumentos normativos e administrativos tinham em vista valores arquitetônicos, paisagísticos e urbanísticos, enfocando o Centro Histórico de Salvador segundo a noção de “patrimônio histórico”, e não a de “patrimônio cultural”. Mas como observa Bittencourt (2005), a partir da segunda metade do séc. XX a noção de “patrimônio cultural” tende “a englobar e substituir a noção de patrimônio histórico”, graças ao impulso para que se comece “a repensar o lugar das manifestações culturais [tradicionais] e populares”, o que tem levado órgãos internacionais a classificar as “manifestações ditas ‘imateriais’, ou seja, manifestações culturais associadas a sociedades tradicionais e ameaçadas de desaparecimento”30. É nesse sentido que Souza (2005, p. 21-36) usa a expressão “ampliação do conceito de patrimônio cultural”, para admitir que o patrimônio cultural de um grupo social é bastante diverso, amplo e sofre mudanças constantemente. Sua amplitude justifica-se no momento em que se entende que o patrimônio cultural compreende os processos da vida humana. Trata-se das manifestações do ser humano em suas diversas projeções de vida cotidiana, ou seja, das criações musicais coletivas, objetos de uma época que se tornaram típicos, edificações arquitetônicas como componentes de uma cidade, as pinturas e poesias, as crenças e festas, os costumes e hábitos, os inventos tecnológicos, etc. A humanidade constrói constantemente aquilo que se chama patrimônio cultural.

Como se pode depreender, a “ampliação do conceito de patrimônio cultural” se deu também em termos jurídicos, como no caso do ordenamento jurídico brasileiro. Observa Mendes (2005) que a CF “ampliou o conteúdo jurídico de ‘patrimônio cultural’, enunciando a tutela, pelo Poder Público, dos bens culturais de natureza imaterial”, os quais têm

largo espectro de abrangência, englobando, entre outros, elementos tradutores do modo de ser e de viver de determinado grupo social, bem como aqueles reveladores de suas raízes identitárias e do conhecimento produzido e acumulado em seu seio 31.

É o que também aponta Vianna (2003, p. 15), para quem a CF “formaliza a dimensão ‘imaterial’ dos bens culturais”, uma vez que se utiliza de uma definição de “patrimônio cultural” que abarca tanto o aspecto material quanto manifestações de natureza “imaterial”, relacionadas à cultura no sentido antropológico: visões de mundo, memórias, relações sociais e simbólicas, saberes e práticas (...). A partir e para além da cultura material, dos monumentos e obras de arte, “patrimônio” compreende os processos e os significados das criações humanas 32.

No mesmo sentido o constituinte do Estado da Bahia. O art. 269 da CEB dispõe que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais, respeitando o conjunto de valores e símbolos de cada cidadão e considerando a essencialidade da expressão cultural” (BAHIA, 2005a), o que significa tutelar os bens culturais e o patrimônio cultural de forma abrangente, considerada toda a amplitude do que se pode entender por “expressão cultural”, que certamente engloba as manifestações culturais de natureza imaterial. A tutela do patrimônio cultural pelo Estado e ordenamento jurídico brasileiros não se refere apenas ao reconhecimento, mas também e talvez principalmente à proteção, na forma de preservação para a posteridade e de recuperação quando necessário, conforme dispõem os arts. 216, § 1º, da CF, segundo o qual se “protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação” (BRASIL, 2005a) e 271 da CEB, o qual dispõe que “Compete ao Estado e aos Municípios promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e ação fiscalizadora federal” (BAHIA, 2005a). Passados já mais de dez anos do início da tutela constitucional do patrimônio cultural imaterial pelo Estado brasileiro, por meio da constitucionalização do instituto jurídico, e do direito à preservação/recuperação, instituíram-se por meio de legislação órgãos, instrumentos e procedimentos administrativos para efetivação das medidas protetivas previstas, como é o caso, em âmbito federal, do Decreto 3.551/2000 (BRASIL, 2005b) 33, e no âmbito do Estado da Bahia, das Leis 8.895 e 8.899, ambas de 2003 (BAHIA, 2005b; e BAHIA, 2005c). Ao menos um desses instrumentos normativos, o Decreto 3.551/2000, foi aplicado em relação a um bem cultural muito pertinente ao Centro Histórico de Salvador, porque lá encontradiço, bastando a referência aos tabuleiros das baianas de acarajé do Terreiro de Jesus para validar tal alegação. Como informa Vianna (2003, p. 18 e 19), “O inventário do acarajé foi aberto inicialmente no Livro dos Ofícios e Modos de Fazer, orientado para os modos de fazer, comer e entender o acarajé”; depois, “o inventário do tabuleiro da baiana no Livro dos Lugares” e seu desdobramento no Livro dos Ofícios e Modos de Fazer, no que se refere aos “modos de

fazer os quitutes e as peças da indumentária da baiana” e aos “modos de fazer e seus significados para as pessoas que vivem nesse universo cultural”. Os respectivos registros foram feitos em 2004 (IPHAN, 2005). 2. A reforma do Centro Histórico de Salvador 2.1. O projeto Quando ocorreu a reocupação do Centro Histórico de Salvador, a partir do final do séc. XIX (como se vê no item 1.2 acima), a nova comunidade formou-se “pelos setores de mais baixa renda da cidade” (SIMÕES e MOURA, 1986), de modo que é possível atribuir a sua baixa condição financeira a razão por que, de meados do séc. XX em diante, a antiga área nobre da cidade tornou-se a mais degradada. É preciso salientar que esse fato não constitui a causa da degradação, embora também em razão dele tenha chegado ao estado em que chegou, a ponto de o escritor Jorge Amado descrevê-lo como “o fim do mundo”, tamanha era a sujeira e a pobreza do lugar (URIARTE, 2002, p. 6-12). Constituem causas ou fatores da degradação, segundo Uriarte (2002, p. 6-12): 1) “o deslocamento da alta classe da cidade para a zona sul, especialmente para o bairro e Corredor da Vitória”; 2) o “processo de descentralização em função de algumas obras públicas” de impacto, como o Túnel Américo Simas, a Avenida Contorno, o Centro Administrativo da Bahia, o Terminal Rodoviário Iguatemi, a Estação (de transbordo de passageiros) da Lapa, o Acesso Norte pela BR-324 (que liga a península onde se situa Salvador à região norte do Estado da Bahia), obras estas que geraram a reconfiguração urbana e sócio-econômica de toda a cidade, “dispensando a passagem pelo [antigo] centro”; 3) o processo de marginalização social do Centro Histórico, “ao qual foi somada uma intensa campanha pública [nos jornais impressos] que o associava com a pobreza, a marginalidade e a prostituição” 34; 4) a dificuldade de acesso à Cidade Alta, tanto pela Cidade Baixa quanto pela Baixa dos Sapateiros (lado Leste do Centro Histórico); 5) a estigmatização e o preconceito em relação aos moradores do Centro Histórico, descrito como “lugar de ruínas, vadiagem, desordem, ruas de marginais, como a ‘parte negra da cidade’” 35; e 6) a falta de investimento dos proprietários dos imóveis e a consequente desvalorização no mercado imobiliário. O Centro Histórico de Salvador “chegou à década de 1980 esvaziado das funções administrativas e cada vez mais abandonado nas funções habitacionais”, simplesmente “pela impossibilidade de moradia em que se encontravam os prédios”; “em 1991, 30 prédios desabavam por ano” (URIARTE, 2002, p. 10).

Diante desse panorama, alguns administradores públicos intentaram reformar o Centro Histórico. Já na década de 1910, “no Governo J.J. Seabra, criou-se o Plano Melhoramentos”, que não foi executado por falta de recursos; data dessa época, no entanto, obras de “reforço da centralidade” urbana do Centro Histórico, como a ampliação do porto e a construção da Avenida 7 de Setembro e da Rua Carlos Gomes (ainda hoje, duas das principais avenidas da cidade, localizando-se na primeira a Igreja e o Convento de Nossa Senhora das Mercês e a Igreja e o Mosteiro de São Bento, e na segunda, o principal acesso para a Igreja e Convento dos Descalços de Santa Tereza, onde se instalou o Museu de Arte Sacra da Bahia)36. Em 1967, foi criada a Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, hoje Instituto (IPAC), cuja atuação inicial “foi mais de ação social [criando creches, escolas, postos médicos, preenchendo “vazios de educação e saúde”] do que de restauro e manutenção do patrimônio” cultural; uma das ações da Fundação naquela época tem relevante repercussão atualmente, qual seja, a aquisição de um grande número de imóveis (ver item 2.2). No mesmo ano, um emissário da UNESCO, Michel Parent, propôs o uso do Centro Histórico de Salvador “para fins de ‘turismo cultural’”. Em 1969, sendo Prefeito de Salvador Antônio Carlos Magalhães, “pensou-se a recuperação e o aproveitamento do conjunto do Pelourinho como ‘centro cultural e turístico’”37. As intervenções na década de 1970, como “a reforma dos casarões do Largo do Pelourinho para a implantação do SENAC, do Hotel Pelourinho, da Pousada do Carmo e ateliês de arte e artesanato”, ocorridas no início da década, e as do Governo Roberto Santos, em 1977, destinaram-se a promover a “animação turística” do lugar, datando de 1978 a Proposta de Valorização do Centro Histórico de Salvador elaborada pela Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Salvador (CONDER). Na década de 1980, houve “um declínio das intervenções no Pelourinho, devido ao fim do Programa Centros Históricos, que financiava tais intervenções”; mas com o registro na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO, em 1985, voltou-se a discutir sobre a necessidade de uma profunda reforma, sendo atuante a Comissão de Revitalização do Centro Histórico da Cidade do Salvador (REVICENTRO), formada por várias entidades localizadas no Centro Histórico, inclusive religiosas. A atual reforma iniciou-se no Governo Antônio Carlos Magalhães, em 1993, seguindo o Programa de Recuperação do Centro Histórico de Salvador, a cargo do IPAC e da CONDER (URIARTE, 2002, p. 12-15). A atual reforma foi planejada em dez etapas, tendo-se como unidade de referência o quarteirão, e não mais um imóvel específico, o que significa que as ações não são pontuais, mas globais e integradas. Guia a reforma o chamado Termo de Referência, elaborado pelo IPAC em 1991 (URIARTE, 2002, p. 15-17). É nesse documento que se pode perceber a

orientação e o modo de execução das políticas e ações do Governo do Estado da Bahia, e, considerando o teor do citado Decreto 7.894/1987 (SALVADOR, 2005a), também da Prefeitura Municipal de Salvador. 2.2. O “novo” Centro Histórico Como salienta Uriarte (2002, p. 16 e 17), “O Termo de Referência pensava o Centro Histórico de Salvador como um ‘ícone’ da cultura baiana e da própria Bahia, como uma área especial que merecia uma atenção especial”, tanto que uma das passagens desse estudo revela “compreender o Centro Histórico de Salvador como parte especial da cidade (...) [por ser] o testemunho do início de sua história, necessitando para a sua preservação um trato também especial, não só para a consolidação de suas velhas estruturas [físicas], mas também a atenção (...) com o seu desenvolvimento sócio-econômico e cultural”; numa outra passagem, propõe-se “incentivar a vocação turística que se fortalece a cada dia, fomentando o surgimento do comércio específico e infra-estrutura de apoio (...) [e estimulando as] manifestações culturais espontâneas”.

Essa era a orientação do IPAC. No decorrer da reforma, No que diz respeito às etapas de intervenção, há [tem havido] um desencontro muito grande de informações (devido à divisão das obras, às vezes por quarteirões, às vezes por áreas e às vezes por etapas) e muita dificuldade para se ter acesso aos números e informações recentes. Impressiona o desconhecimento por parte dos próprios funcionários sobre as etapas a virem a curto, médio e longo prazo (URIARTE, 2002, p. 17).

Além desse fato quanto ao modo de execução, houve uma mudança na orientação da reforma, que não cumpre um dos objetivos do Termo de Referência, o qual propõe “sobretudo a atenção com o habitante do Centro Histórico de Salvador, com o seu desenvolvimento sócio-econômico e cultural” (apud URIARTE, 2002, p. 19). Isso leva Uriarte (2002, p. 19) a dizer que “As mudanças no uso do solo na área recuperada provam uma séria decisão de eliminar o uso habitacional e, consequentemente, expulsar os moradores”, sendo que “já em 1994 2.000 pessoas haviam sido trocadas por lojas, tornando o Pelourinho um cenário turístico sem população [estável]”, tendo sido removidos 95% dos moradores para a criação do “novo Pelourinho”, conforme noticiado na “Ilustrada” da Folha de São Paulo de 3/10/199438. Como denunciam Simões e Moura (1986, p. 43), O Centro Histórico passou, então, a ser cobiçado, e seus habitantes a serem considerados indesejáveis. (...) As classes que abandonaram seus sobrados os querem de volta, para ganhar dinheiro com o turismo 39.

Já nas intervenções anteriores percebeu-se uma inclinação para a mudança de “uso”, e de “usuários”, do Centro Histórico de Salvador. Tanto que, já na década de 1970, com o objetivo de aliar a preservação do patrimônio histórico com o “uso” cultural desse patrimônio, Azevedo (1975) propunha um outro tipo de intervenção, uma intervenção que “permitisse uma progressiva transferência da propriedade dos imóveis para seus reais ocupantes”, [segundo ele] porque “só pode existir

boa conservação de um monumento se seus usuários se sentem identificados com ele ou são proprietários” (apud URIARTE, 2002, p. 14).

E na década de 1980, no âmbito do REVICENTRO, Espinheira (1989) relata a divergência de posições sobre o destino da população do Centro Histórico de Salvador, dizendo dos que reconhecem o direito de permanência no local da população residente, seja por uma simples questão de justiça social, ou pelo fato de ser ela responsável pela vida ativa desse sítio histórico [dir-se-ia vida cultural]. Nessa linha, a população deve ser considerada como parte integrante da própria recuperação do conjunto histórico: o morador e a moradia são uma só coisa e, assim sendo, merecem a mesma atenção. Em outra direção, e baseando-se em argumentos racionalizadores, há os que advogam a retirada dos atuais moradores, alegando-se seu perfil de renda, suas atividades e ocupações econômicas, não raro incertas, duvidosas, enfim, “marginais”. Essa percepção da população local a condena como incompatível com as “vocações turísticas” e culturais [?] da área (apud URIARTE, 2002, p. 15)40.

Tomem-se como “argumentos racionalizadores” estas passagens encontradas em Uriarte (2002, p. 20): O fundamento da política do IPAC é que a população (pobre e marginal) é incompatível com o desenvolvimento do turismo e a manutenção da recuperação. (...) A manutenção da área renovada, segundo a Diretora do IPAC em 1994, Adriana Castro, não poderia ser feita pelos seus antigos moradores, porque se tratava de uma população ‘sem condições econômicoculturais de conservá-lo’. (...) Para o IPAC é o dinamismo econômico que garante a conservação.

O discurso oficial é impassível: Diante das críticas feitas à intervenção no Pelourinho, o IPAC respondeu, em 1995, com uma publicação que informava que, antes da intervenção, 70% dos casarões estavam arruinados, que a renda média familiar na área do Pelourinho era de US$ 110,00, que 3,4 pessoas por família residiam em cubículos e que 1.788 famílias moravam sem infra-estrutura sanitária. Com a intervenção, argumentou o IPAC, implantou-se infra-estrutura na área, revertendo-se a pobreza do local e o abandono dos imóveis: “Dentre os resultados alcançados pela reforma do Centro Histórico, o mais importante, sem dúvida, foi a reversão do quadro sócio-econômico, caracterizado pelo empobrecimento da população e arruinamento físico crescentes, mediante a ativação do ciclo econômico, da geração de empregos e renda, da reintegração do bairro ao todo da cidade, além do óbvio saneamento. Dessa forma, criaram-se condições para se assegurar a manutenção da integridade física das estruturas arquitetônica e urbanística”.

(URIARTE, 2002, p. 32). De fato, no decorrer da execução da reforma iniciada em 1993, houve um incremento na economia local, com o surgimento de muitos estabelecimentos comerciais, de serviços e de entretenimento. Mas como aponta Uriarte (2002, p. 32 e 43), “sem a função habitacional, a política de ‘recuperação’ da área do Pelourinho não poderia se manter por si só”, por não haver auto-sustentabilidade financeira, sendo até noticiada a “injeção constante de dinheiro público”, dada a “irregular frequência de clientela, o pouco movimento nos estabelecimentos de comércio e serviços, bem como a inadimplência de uma parte significativa de empreendedores”. Ressalte-se que o IPAC, como “gestor da atribuição da utilização de imóveis”, também por ser o maior proprietário, como indicado no item 2.1 (“em 1995, na área recuperada restavam apenas 80 imóveis particulares, sem vínculo com o Governo do Estado”), é o IPAC que determina os preços dos aluguéis e a escolha dos locatários, o que tem

sido feito entre pessoas sem qualquer identificação cultural com o Centro Histórico, apenas preocupadas com a exploração econômica do lugar. Também a oferta de empregos não considerou a comunidade local, afastando-se em mais esse ponto do Termo de Referência, que sustenta uma “‘efetiva participação da comunidade residente na área’, com base no ‘modelo de intervenção participativa’”. Não bastasse isso, com a “expulsão” dos moradores, deu-se a criação de um “espaço artificial”, por “excluir a vida do bairro”, fato este percebido tanto pelos turistas quanto pelos “usuários” locais, de outros pontos da cidade (URIARTE, 2002, p. 32 e 100-123). Nas palavras de Espinheira (1989), a atuação do Poder Público mata “a galinha dos ovos de ouro, na medida em que a matéria turística da Bahia é sua gente, seu cotidiano” (apud URIARTE, p. 31). A “mudança” de orientação do IPAC implica ainda, segundo Fernando Conceição, Coordenador de Consciência Negra da Universidade de São Paulo, uma verdadeira “limpeza étnica”, com graves consequências para a localidade cultural do Centro Histórico de Salvador, e com um inevitável caráter preconceituoso. “Marginal tem que ser tratado pela polícia ou órgãos assistenciais, não pelo Patrimônio Histórico. (...) Não pode haver romantismo: marginal não pinta a casa e joga fezes na rua.” Palavras de Adriana Castro, como citado anteriormente, Diretora do IPAC em 1994. (URIARTE, 2002, p. 19 e 44) 2.3. Juridicidade da reforma Considerando-se o exposto nos dois itens anteriores, faz-se oportuno discutir a juridicidade da reforma do Centro Histórico de Salvador, isto é, o caráter jurídico da atuação dos órgãos do Poder Público encarregados dessa reforma. Não se discute a inegável, porque visível, recuperação do patrimônio cultural material; o que se deve discutir é se isso é o bastante, e se não é igualmente necessária a preservação do patrimônio cultural imaterial. Uma vez tutelados pelo ordenamento jurídico brasileiro, os bens e o patrimônio cultural, em ambos os aspectos, material e imaterial, devem ser igualmente preservados na execução de qualquer tipo de obra, seja ela pública ou privada. A inobservância dessa proposição permite afirmar o caráter não-jurídico de uma obra assim orientada. No caso da reforma do Centro Histórico de Salvador, sob certo autoritarismo do discurso oficial, infelizmente não deslegitimado socialmente 41, revela-se a face não tão oculta assim de práticas aristocráticas, em desconformidade com o regime democrático instalado 42; valendo-se da vaguidade do discurso normativo vigente, encontram-se exemplos de medidas administrativas que violam princípios e direitos constitucionais, sendo mais sutil a violação ao direito difuso de proteção do patrimônio cultural imaterial (arts. 215, § 1º, 216, caput, I, II e

IV, da CF e 271 da CEB; BRASIL, 2005a; e BAHIA, 2005a), e mais surpreendente a impassibilidade com que se viola um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, IV, da CF; BRASIL, 2005a) e por conexão o direito fundamental à nãodiscriminação (art. 5º, XLI, da CF; BRASIL, 2005a), nesse caso de natureza coletiva43. Como mencionado no item 1.2, a comunidade do Centro Histórico de Salvador, desfeita em decorrência da orientação e do modo de execução da reforma iniciada em 1993, constitui-se numa comunidade urbana tradicional, como aliás afirmam Santana e Oliveira (2005). Sendo talvez a principal comunidade afro-brasileira, essa comunidade urbana tradicional inclui-se na proteção especial conferida pelos arts. 215, § 1º, da CF e 271 da CEB, segundo os quais, respectivamente, “O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras (...)” e “Compete ao Estado e aos Municípios proteger o patrimônio histórico-cultural local (...)” (BRASIL, 2005a; e BAHIA, 2005a), pois Constituem patrimônio cultural brasileiro [e baiano] os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira [e baiana], nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; (...) IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticoculturais (art. 216, caput, I, II e IV, da CF; BRASIL, 2005a).

As mudanças impostas na referida comunidade, com a remoção da população estável, e práticas administrativas que constituem ingerência até mesmo na programação cultural do Centro Histórico44, revelam precisamente o oposto da proteção devida pelo Estado, ao passo que são uma violação ao direito difuso de proteção do patrimônio cultural imaterial, que vem a ser parcela dos direitos culturais, previstos no caput do art. 215 da CF (BRASIL, 2005a). Resta violado também o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV, da CF), e por tabela o direito fundamental à nãodiscriminação, cuja consequência, prevista no art. 5º, XLI, da CF, é que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Percebe-se que houve uma segregação dos antigos moradores, considerando-se o tipo de “uso” a que se destina o “novo” Centro Histórico, em favor de pessoas a quem se reservou a “administração” de tal “uso”, pessoas que presumivelmente são mais conscientes da necessidade de proteção do patrimônio cultural45. É suficiente para se falar em segregação o fato de a “administração” do patrimônio cultural imaterial do Centro Histórico de Salvador estar nas mãos de pessoas sem vínculo cultural com o lugar; some-se a isso a não-participação da comunidade criadora dos bens culturais que compõem o referido patrimônio e o que se tem é mesmo segregação dessa comunidade, que se vê excluída da vida cultural total do Centro Histórico.

A recuperação física do Centro Histórico de Salvador, que sem dúvida se fazia necessária, gerou em contrapartida todos esses problemas jurídicos. Os dados e informações que baseiam esse argumento, em relação à população outrora estável do Centro Histórico de Salvador, podem ser encontrados em Uriarte (2002, p. 30): Segundo o IPAC, foram oferecidas três opções aos [antigos] moradores [do Centro Histórico de Salvador]: a relocação definitiva em imóvel alugado, a relocação provisória e a mudança definitiva com indenizações. Em 1995, o IPAC afirmava que houve uma ‘opção maciça pelas indenizações’ (que variavam entre US$ 150 e US$ 2.000) e que tais indenizações permitiram que “85% dos moradores indenizados pudessem adquirir casas populares em bairros proletários ou de periferia”. [Mas] essas mudanças não foram capazes de alterar para melhor a qualidade de vida desses indivíduos, no tocante às condições de moradia, de vida e de trabalho.

Nenhuma das três opções atende a contento aos dispositivos normativos que disciplinam a proteção do patrimônio cultural no Brasil, na Bahia e em Salvador. Em todas elas o reflexo é a discriminação da agora antiga comunidade do Centro Histórico. A “oferta” oficial assume o caráter de logro, sem disfarce para seu objetivo discriminatório. É difícil imaginar que pessoas pobres, já marginalizadas, deixem de aceitar oferta que, em parcela única, representa mais que o dobro de seu rendimento mensal, em alguns casos anual 46. Aceita uma das opções, qual não terá sido a surpresa de passar a ter de pagar aluguel, de se ver sem condições de pagar as parcelas da compra do imóvel reformado ou perceber que a quantia recebida a título de indenização só permite adquirir um imóvel na periferia da cidade? E passada a surpresa, a percepção do que interessa a este trabalho: como viver distante do Centro Histórico de Salvador quem lá nasceu, lá sempre viveu, quem o criou, quem lhe deu vida? O resultado é o esvaziamento do significado cultural original do Centro Histórico, e a manifesta não-proteção do patrimônio cultural brasileiro e baiano, uma parte do patrimônio cultural da humanidade. Considerações Finais A reforma do Centro Histórico de Salvador antecipou ou acompanhou mudanças culturais, sobretudo para a inserção do lugar no roteiro do turismo cultural mundial47, com relevantes impactos sócio-econômicos e culturais, alguns deles positivos, como a entrada de divisas na economia local48, mas principalmente negativos, pois que a reforma promoveu uma alteração no processo cultural que o originou. Como afirma Bittencourt (2005), No caso do patrimônio imaterial, detecta-se um problema relativo à “autenticidade” – como preservar práticas e tradições sem expô-las à distorção. Comunidades expostas a um fluxo volumoso e repentino de turismo em suas regiões tendem a adaptar-se à presença desse novo fator econômico, o que significa adaptar também suas práticas tradicionais às demandas dos consumidores.

Como descrito no primeiro capítulo, especialmente no item 1.2, é possível afirmar que, para a formação do chamado Centro Histórico de Salvador, concorreram dois processos

culturais distintos: um que remonta à criação da cidade de Salvador e um outro que se iniciou no final do séc. XIX e início do séc. XX. Embora distintos, são complementares, o que torna possível esta outra afirmação, a de que são duas fases de um mesmo processo cultural 49. Em termos estritamente jurídicos, essa distinção não é necessária, visto que o reconhecimento da UNESCO, e posteriormente a proteção conferida pelo ordenamento jurídico brasileiro, considera “Centro Histórico de Salvador” o espaço urbano, levados em conta os valores artístico e cultural, em que tiveram lugar ambos os processos culturais citados, ou o processo cultural que o abrange historicamente, desde meados do séc. XVI até então50. O mesmo não pode ser dito do ponto de vista antropológico, e consequentemente sócio-jurídico. Dizer que não se trata de dois, mas de apenas um processo cultural, faz muita diferença. A primeira visão conduz a um equívoco metodológico, servindo ao argumento de que o que se chama Centro Histórico de Salvador são os “monumentos” construídos pelos portugueses e seus descendentes a partir do séc. XVI e os “mitos” criados no séc. XX para “aproveitamento” no séc. XXI. Ocorre que em termos antropológicos a História não dá saltos, e seria um salto histórico-antropológico, o que é metodologicamente equivocado, considerar que entre os séculos XVI e XX, os da “Salvador-portuguesa” e da “Salvador-turística”, não houve o período de quase um século no qual a cidade, com destaque para o Centro Histórico, passou a ser a “capital mundial” da cultura afro-descendente51. Valendo-se de um conjunto normativo de teor vago, permeado de normas simbólicas52, a atuação do Poder Público no caso da reforma do Centro Histórico de Salvador dá prioridade ao aspecto material do patrimônio cultural, aproveitando todavia o exotismo do que a propaganda oficial chama “baianidade”, um arremedo do patrimônio cultural imaterial, um conceito cuja finalidade é atrair o que se intitula de “turismo cultural”53. Com o argumento de que Salvador é uma metrópole especial, por “conservar” um espaço urbano único, “remanescente” do milênio passado, o discurso oficial tenta incutir a idéia de que todo o mundo quer vê-lo, merece vê-lo, por isso se deve “cuidar” dele, ainda que sem distinção ou observância a peculiaridades, mas da forma, bem-sucedida economicamente, como se faz alhures; a contraface desse discurso é que, para inserir-se na indústria do turismo, a Bahia precisa de uma Salvador “bela”, por isso seu principal cartão-postal deve ser “acolhedor”, e ser “acolhedor” tem significado ser um estereótipo, “limpo” e “seguro” 54. Mas a recuperação do casario, ruas e praças deve ser acompanhada da preservação das manifestações culturais peculiares, da memória coletiva das pessoas do lugar. A forma mais adequada para que isso aconteça, dado o caráter espontâneo da cultura popular 55, é permitir a

permanência da comunidade criadora da cultura local, para a vivência cotidiana, e não apenas para ir se “apresentar”, ir compor uma “paisagem cultural” que se pretende “conservar” para que visitantes a vejam e a “consumam”56. De tudo o que surpreende, fique registrado que os órgãos do Poder Público encarregados da reforma, e nisso se evidencia a orientação e o modo de execução das políticas públicas adotadas57, esses órgãos permitem-se prescindir, na condução dessas políticas públicas, de estudos mais detalhados, desconsiderando os que foram feitos58, e da participação da comunidade mais imediatamente interessada59. E não é o caso de se infirmar uma tentativa de defesa do patrimônio cultural imaterial do Centro Histórico de Salvador alegando-se, por suposta, a desnecessidade de uma tal proteção pela falta de registro de bens culturais imateriais do lugar, ou pela inexistência (?) de cultura na comunidade que o ocupou por tanto tempo. Verifique-se toda a arbitrariedade desse “argumento” em Santos (1988): “Não há razão para querer imortalizar as facetas culturais que resultam da miséria e da opressão”60. É claro que a miséria não constitui um espetáculo apreciável. Ocorre, entretanto, que o povo que habitou e habita o Centro Histórico, conservando seus prédios entre as dificuldades do cotidiano, tem direito a usufruir da revitalização, com tudo o que ela possa significar em termos de moradia, saúde, higiene, educação, lazer, segurança, etc. (SIMÕES e MOURA,

1986, p. 43) Seja porque tanto a CF quanto a CEB conferem uma proteção jurídica objetiva (isto é, tutelam igualmente o patrimônio cultural material e imaterial), seja porque as consequências da não-proteção de bens culturais imateriais assemelham-se às da não-proteção de bens culturais materiais, a referida defesa tem em vista que, dado o caráter “contingente” do patrimônio cultural imaterial, os bens culturais que o compõem podem deixar “de ser reproduzidos e transmitidos às gerações futuras”, dando-se a lamentável perda por desaparecimento (MENDES, 2005)61. A proteção do patrimônio cultural, material e imaterial, significa em última análise proteção à comunidade que o erige, no processo cotidiano de criação e recriação de bens culturais, proteção esta que deve permitir à comunidade existir, desenvolver-se, sobreviver62. Referências Bibliográficas ARANTES, Antonio Augusto. O que é Cultura Popular. São Paulo: Brasiliense (Coleção Primeiros Passos), 1981. AZEVEDO, Paulo Ormindo David de (Coord.). A Revitalização de Conjuntos Arquitetônicos. Salvador: (impresso), 1975.

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Relatório final de pesquisa apresentado ao Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão sobre o Centro Histórico de Salvador (GIPECHS) em janeiro de 2006. O Grupo foi coordenado por Prof. Dr. do Programa de Pós-Graduação em Direito e integrado por alunos-pesquisadores dos Cursos de Mestrado e Graduação em Direito e de Graduação em História e Sociologia. O objeto de estudo foram as consequências da reforma do Centro Histórico de Salvador sobre a população local e visitante. Foram analisadas questões como a historiografia do local de sua fundação até a reforma; a jurisdicionalidade da atuação do Poder Público por ocasião da reforma e a observância ou não do direito fundamental social ao patrimônio cultural imaterial; e a configuração urbanística e sócio-econômica após a reforma e suas consequências e sub-produtos sócio-culturais. O objetivo era publicar uma edição especial da Revista do Mestrado em Direito reunindo artigos produzidos pelos integrantes do Grupo, assim como promover um seminário para lançamento e apresentação dos resultados das pesquisas. O Grupo foi desativado sem o atingimento do objetivo, haja vista que, embora produzidos os artigos, não foi possível reuni-los numa edição especial da Revista do Mestrado em Direito, e, consequentemente, não foi promovido o seminário de lançamento e apresentação. Homepage no Diretório do Grupo de Pesquisas no Brasil, mantido pelo CNPq: http://www.prppg.ufba.br/sisgrupos/grupos/grupo306.html. 2 Currículo: lattes.cnpq.br/8900052310138642. E-mail: [email protected]. 3 Trata-se portanto de um “estudo de caso”, nos termos da definição de Becker (1999). 4 Ver CHZ, 2005; MENDES, 2005; PÉREZ, 2005; e UNESCO, 2005b. 5 Nas palavras de SOUZA FILHO (1997, p. 36 e 37), o bem cultural (…) faz parte de uma nova categoria de bem (...), que não se coloca em oposição aos conceitos de privado e público, nem altera a dicotomia”. E como diz Cruz (2005), uma visão patrimonialista dos bens e patrimônio culturais limita “a possibilidade de compreensão do fenômeno cultural”, restringindo-os “a uma noção de apropriação e valoração econômica”; “Face ao reconhecimento de um direito coletivo sobre determinado bem, a incidência do valor

cultural implica restrição ao exercício do direito de propriedade e ao reconhecimento da função social deste”, de modo que “O termo patrimônio é insuficiente para abarcar as referências culturais. Ainda que não seja afastado, é de ser tomado/emprestado com cautela, reconhecendo-se incontinenti que o fenômeno cultural é maior e integrante do próprio ser coletivo, estando, portanto, na esfera extrapatrimonial”. 6 Uma “maneira de viver total”. 7 Uma “teia simbólica” que controla os comportamentos dos indivíduos, não apenas como um “sistema de padrões de comportamentos”, mas principalmente como responsável por uma “significação do mundo”. 8 Ver CORRÊA, 2005; e PÉREZ, 2005. 9 Ver SOUZA, 2005; e URIARTE, 2002. 10 Isto é, uma sociedade e também uma comunidade; ver HORKHEIMER e ADORNO, 1984; e NISBET, 1984. 11 Ver CORRÊA, 2005. 12 Ver PÉREZ, 2005. 13 Segundo URIATE, 2002, essa é a orientação da reforma do Centro Histórico de Salvador. 14 Ver SOUZA, 2005. 15 Ver VOLKMER, 2005; ver também MARIANI, 1999. 16 Desde FPACB, 1969, até URIARTE, 2002. 17 Lembrando o que diz Souza Filho (1997, p. 36 e 37), “ao bem material que suporta a referência cultural (…) se agrega um novo bem, imaterial, cujo titular não é o mesmo sujeito do bem material, mas toda a comunidade”. 18 Ver URIARTE, 2002. 19 Ver SOUZA, 2005. 20 Ver NISBET, 1984. 21 Ver HALL, 2001. 22 Ver HALL, 2001, p. 77-89. 23 A respeito da noção de “cultura popular”, ver ARANTES, 1981; e IANNI, 1987. 24 Ver também MATTOS, 1978; e URIARTE, 2002. 25 Ver SANTOS, 1959; e FPACB, 1969. 26 Ver MATTOS, 1978; SIMÕES e MOURA, 1986; e URIARTE, 2002. 27 A respeito do processo de identificação cultural “local”, ver HALL, 2001, p. 67-89. 28 De acordo com os critérios “iv. to be an outstanding example of a type of building, architectural or technological ensemble or landscape which illustrates (a) significant stage(s) in human history” e “vi. to be directly or tangibly associated with events or living traditions, with ideas, or with beliefs, with artistic and literary works of outstanding universal significance”, dois dos dez critérios usados pelo ICOMOS para justificar a inserção de um bem cultural ou natural na World Heritage List, a Lista do Patrimônio Mundial. (Disponível em: whc.unesco.org/en/criteria. Acesso em: 8 de janeiro de 2006.) A justificativa do ICOMOS no caso do Centro Histórico de Salvador: “Criterion IV. Salvador is an eminent example of Renaissence urban structuring adapted to a colonial site having an upper city of a defensive, administrative and residential nature wich overlooks the lower city where commercial activities revolve around the port”; “Criterion VI. Salvador is one of the major of convergence of European, African and American Indian cultures of the 16th to 18th century. Its founding and historic role as quite of Brazil quite naturally associate in with the theme of the discovery of the universe”. (Disponível em: whc.unesco.org/archive/advisory_body_evaluation/309.pdf . Acesso em: 8 de janeiro de 2006.) Ver UNESCO, 2005a, Artículos 8 a 14. 29 Ver arts. 107 a 122 da Lei 2.403/1972; SALVADOR, 2005b. 30 Como a Recomendación sobre la salvaguardia de la cultura tradicional y popular da UNESCO, que considera “que la cultura tradicional y popular forma parte del patrimonio universal de la humanidad”; “Tomando nota de su importancia social, económica, cultural y política, de su papel en la historia de los pueblos, y del lugar que ocupa en la cultura contemporánea”, “Subrayando la necesidad de reconocer la función de la cultura tradicional y popular en todos los países y el peligro que corre frente a otros múltiples factores”, “los gobiernos deberían desempeñar un papel decisivo en la salvaguardia de la cultura tradicional y popular, y actuar cuanto antes” (UNESCO, 2005d). E como a Convención para la salvaguarda del patrimonio cultural inmaterial, também da UNESCO, Convenção esta que considera “la profunda interdependencia que existe entre el patrimonio cultural inmaterial y el patrimonio material y natural” e reconhece “que la comunidades, en especial las indígenas, los grupos y en algunos caso los individuos desempeñan un importante papel en la produción, la salvaguardia, el mantenimiento y la recreación del patrimonio cultural inmaterial, contribuyendo com ello a enriquecer la diversidad cultural y la creatividad humana” (UNESCO, 2005b). 31 Ver art. 216 da CF, em especial os §§ 1º e 2º; BRASIL, 2005a. 32 Ver também CUNHA, 2004; RISEWITZ, 2004; SILVA, 2001; e SOUZA, 2005.

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Para maiores detalhes, ver CUNHA, 2004; DIAS, 2005; MENDES, 2005; RISEWITZ, 2004; SOUZA, 2005; SOUZA FILHO, 1997; e VIANNA. 34 Ver também SIMÕES e MOURA, 1986. 35 Ver também AZEVEDO, 1975. 36 Ver IPHAN, 2005. 37 Ver também FPACB, 1969. 38 Quanto à juridicidade dessa “decisão”, ver o item 2.3. 39 Ainda a respeito da “mudança” de orientação da reforma, e para efeito comparativo das “orientações”, ver MIRANDA e SANTOS, 2002. 40 Ver também MATTOS, 1986. 41 Ver SIMÕES e MOURA, 1986, p. 43 e 44; e URIARTE, 2002, p. 100-124. 42 Ver arts. 1º, par. ún., da CF e 2º, II, da CEB; BRASIL, 2005a; e BAHIA, 2005a. 43 Nesse sentido, pertinente a observação de Cruz (2005), que lembra que, “Segundo a Constituição Federal de 1988, bem cultural é aquele que está protegido por ser representativo, evocativo ou identificador de uma expressão cultural relevante e, portanto, gravados de interesse público”. 44 Ver URIARTE, 2002, p. 15-32 e 58 e 59. 45 A respeito, ver URIARTE, 2002, p. 15-43 e 62-65. 46 Ver FPACB, 1969; MIRANDA e SANTOS, 2002; SIMÕES e MOURA, 1986; e URIARTE, 2002. 47 Ver URIARTE, 2002, p. 124-163. 48 Ver URIARTE, 2002, p. 46-57. 49 Sobre o conceito, ver COHN, 1987; e SOUZA, 2005, p. 15-36. 50 Ver seção sobre o Centro Histórico de Salvador no site da UNESCO na Internet intitulada Advisory body evaluation, disponível em: whc.unesco.org/archive/advisory_body_evaluation/309.pdf , acesso em: 8 de janeiro de 2006; IPHAN; CF, CEB e legislação. 51 A respeito da continuidade histórica da cultura, ver ARANTES, 1981; DA MATTA, 1986; GEERTZ, 1978; HALL, 2001; e SANTOS, 1988. 52 Sobre a temática, ver os conceitos “constitucionalização simbólica” e “legislação-álibi” em NEVES, 1994, p. 37-40 e 76-83. 53 Ver MATTOS, 1986, p. 154; MIRANDA e SANTOS, 2002; e URIARTE, 2002, p. 153-163. 54 Ver URIARTE, 2002, p. 51-65. 55 Ver ARANTES, 1981; ver também IANNI, 1987. 56 Sobre a apropriação econômica do patrimônio cultural, ver BITTENCOURT, 2005; MENDES, 2005; e VIANNA, 2005. 57 Ver URIARTE, 2002, p. 15-33. 58 Como FPACB, 1969, por exemplo. 59 Sobre a centralização administrativa da reforma, ver URIARTE, 2002, p. 38-43; sobre uma proposta contrária, ver SOUZA, 2005, p. 104-119. 60 Citado na Contestação da Procuradoria-Geral do Estado da Bahia à Ação Direta de Inconstitucionalidade 38148-7/2002, impetrada perante o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia “com o objetivo de invalidar o procedimento adotado na 7ª Etapa de Revitalização do Centro Histórico de Salvador”, como informado por Mascarenhas Jr. (2004). 61 Ver também CHZ, 2005; e VIANNA, 2005. A respeito da “necessidade de conexão entre os aspectos material e imaterial do patrimônio cultural”, ver SOUZA, p. 96-99. 62 Questão interessante apresentada por Hall é a da identificação cultural “local” no mundo globalizado e do “retorno da etnia”. A permanecer a orientação do Poder Público, no caso da reforma do Centro Histórico de Salvador, até mesmo essa contingência histórico-antropológica fica impossibilitada. Ver HALL, 2001, p. 67-89.

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