Uma análise do programa de concessão de microcrédito na cidade de Macaé (RJ): resultados iniciais e sugestões para o futuro

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UMA ANÁLISE DO PROGRAMA DE CONCESSÃO DE MICROCRÉDITO NA CIDADE DE MACAÉ (RJ): RESULTADOS INICIAIS E SUGESTÕES PARA FUTURO REBEKA DE BARROS FRANÇA MOTTA - [email protected] UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF RAMON BAPTISTA NARCIZO - [email protected] UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF Área: 11 - ENG. PROD., SUSTENTABILIDADE E RESP. SOCIAL Sub-Área: 11.5 - DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Resumo: O MICROCRÉDITO TEM SIDO APONTADO COMO UMA ALTERNATIVA EFICAZ PARA A REDUÇÃO DA POBREZA , ALÉM DA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL POR MEIO DO COMBATE AO DESEMPREGO E GERAÇÃO DE RENDA. POLÍTICAS FAVORÁVEIS AO MICROCRÉDITO TÊM SSE INTENSIFICADO NO BRASIL. ESTIMATIVAS MOSTRAM A EXISTÊNCIA DE APROXIMADAMENTE 14 MILHÕES DE PEQUENAS UNIDADES PRODUTIVAS NO PAÍS, SENDO UMA PARCELA SIGNIFICATIVA COM POTENCIAL DE PLEITEAR O MICROCRÉDITO. CONSIDERANDO ESSE CENÁRIO, O OBJETIVO DESTE ARTIGO É ANALISAR O PERFIL DOS CLIENTES TOMADORES DE MICROCRÉDITO FINANCIADO PELA PREFEITURA MUNICIPAL DE MACAÉ, NO NORTE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, ABORDANDO A PERSPECTIVA DO MICROCRÉDITO COMO UMA ALTERNATIVA PARA O DESENVOLVIMENTO NO MUNICÍPIO A PARTIR DAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS. O UNIVERSO INVESTIGADO FOI COMPOSTO POR MICROEMPREENDEDORES RESIDENTES NO MUNICÍPIO DE MACAÉ E CLIENTES ATIVOS DO PROGRAMA “MACAÉ ACREDITA EM VOCÊ”. OS RESULTADOS OBTIDOS INSTIGAM A PENSAR DIVERSOS PONTOS DE MELHORIAS AO PROGRAMA E OPORTUNIDADES PARA FUTURAS PESQUISAS MAIS APROFUNDADAS. CONCLUI-SE APONTANDO QUE, APESAR DO SIGNIFICATIVO NÚMERO DE ATENDIMENTOS E DO VOLUME DE RECURSOS CONCEDIDOS, OBSERVA-SE QUE ESSE TIPO DE APOIO NÃO PODE SER UM ATO PONTUAL OU ISOLADO, MAS UM COMPROMETIMENTO DE MÉDIO PRAZO ENTRE OS AGENTES CONCEDENTES E RECEPTORES DOS RECURSOS. Palavras-chaves: MICROCRÉDITO; MACAÉ; DESENVOLVIMENTO; MICROEMPRESAS; INCLUSÃO SOCIAL

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AN ANALYSIS OF A MICROCREDIT FINANCING PROGRAM IN THE CITY OF MACAÉ (RJ): INITIAL RESULTS AND SUGGESTIONS FOR THE FUTURE Abstract: MICROCREDIT HAS BEEN APPOINTED AS AN EFFECTIVE ALTERNATIVE TO THE REDUCTION OF POVERTY AND THE PROMOTION OF ECONOMIC AND SOCIAL DEVELOPMENT THROUGH THE FIGHT AGAINST UNEMPLOYMENT AND INCOME GENERATION. FAVORABLE POLICIES TO MICROCREDIT HAVEE INTENSIFIED IN BRAZIL. ESTIMATES SHOW THAT THERE ARE APPROXIMATELY 14 MILLION SMALL PRODUCTIVE UNITS IN THE COUNTRY, WITH A SIGNIFICANT PORTION OF POTENTIAL DEMAND OF MICROCREDIT. GIVEN THIS SCENARIO, THE OBJECTIVE OF THIS PAPER IS TO ANALYZE THE PROFILE OF MICROCREDIT BORROWERS FINANCED BY THE CITY OF MACAE, IN THE NORTH OF RIO DE JANEIRO STATE, ADDRESSING THE MICROFINANCE PERSPECTIVE AS AN ALTERNATIVE TO THE DEVELOPMENT OF THE CITY AND ITS MICRO AND SMALL BUSINESS. THE UNIVERSE STUDIED WAS COMPOSED OF MICROENTREPRENEURS LIVING IN THE CITY OF MACAÉ AND ACTIVE CUSTOMER PROGRAM “MACAÉ ACREDITA EM VOCÊ”. THE RESULTS INSTIGATE THINK SEVERAL POINTS OF IMPROVEMENTS TO THE PROGRAM AND OPPORTUNITIES FOR FUTURE FURTHER RESEARCH. WE CONCLUDE POINTING OUT THAT DESPITE THE SIGNIFICANT NUMBER OF ATTENDANCES AND THE AMOUNT OF FUNDS GRANTED, IT IS OBSERVED THAT SUCH SUPPORT CAN NOT BE A ONE-OFF OR ISOLATED ACT, BUT A MEDIUM-TERM COMMITMENT BETWEEN GRANTORS AGENTS AND RESOURCES RECEPTORS . Keyword: MICROCREDIT; MACAÉ; DEVELOPMENT; MICRO AND SMALL ENTERPRISES; SOCIAL INCLUSION

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1. Introdução Dificuldades de acesso ao crédito são significativos empecilhos para que os pequenos empresários desenvolvam e alavanquem seus negócios. Bancos tradicionais exigem uma série de requisitos para a sua obtenção, tais como garantia real, movimentação bancária ou renda comprovada. Esse contexto de dificuldades propiciou o surgimento do conceito de “microcrédito”, uma modalidade criada na década de 70 em Jobra (Bangladesh) por Muhammad Yunus, para ajudar empreendedores carentes e com dificuldades de acesso ao crédito (HOSSAIN, 1988). Segundo Bezerra Neto (2006), Yunus iniciou, com recursos próprios, a concessão experimental de créditos a empreendedores pobres, para serem utilizados em atividades produtiva. Ao observar que pequenos empreendedores estavam recorrendo a agiotas para conseguirem empréstimos (a juros abusivos), passou a emprestar-lhes, com base nos próprios recursos, pequenas quantias sem burocracia e com juros baixos. Esse contexto e a experiência o inspiraram a criar, em 1976, o Grameen Bank. Nesse modelo, o crédito é apenas um dos meios utilizados para eliminar a pobreza, onde as taxas praticadas são subsidiadas ou de mercado, com alternativas diferenciadas para combater a inadimplência, não impactando, assim, no custo do crédito. Nos últimos anos, o microcrédito tem sido apontado como uma alternativa eficaz para a redução da pobreza, além da promoção do desenvolvimento econômico e social por meio do combate ao desemprego e geração de renda. Esse mecanismo foi estabelecido no âmbito das políticas institucionais de alívio à pobreza protagonizadas por organismos internacionais, ganhando grande destaque, principalmente, a partir do lançamento da Conferência Global sobre Microcrédito, em 1997, que em seu plano afirma o crédito como um instrumento central no combate à pobreza (YUNUS, 2002). O sistema de microcrédito, por sua vez, não se baseia em bens ou movimentação bancária, mas em análise do levantamento socioeconômico dos clientes que pretendem ampliar uma atividade econômica que lhes dê retorno efetivo, ainda que de forma modesta. E a maior diferença no sistema do microcrédito está em inverter a oferta, ou seja, não esperar que o cliente vá até a agência de crédito, mas sim busca-lo por intermédio de “agentes de crédito”. Esses agentes são os responsáveis por uma análise preliminar, fornecendo um parecer socioeconômico sobre os potenciais clientes (BEZERRA NETO, 2006). O contato direto e pessoal entre os agentes e os tomadores de crédito objetiva diminuir o obstáculo criado pela assimetria das informações, que trazem problemas como a seleção

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adversa e risco moral. O primeiro envolve o desconhecimento do credor com relação ao tomador. Já o segundo diz respeito à falta de informação do credor sobre o tipo de atitude do tomador, com relação ao empréstimo a ser concedido (NERI, 2002). Considerando esse cenário, o objetivo deste artigo é analisar o perfil dos clientes tomadores de microcrédito financiado pela Prefeitura Municipal de Macaé, no Norte do Estado do Rio de Janeiro, abordando a perspectiva do microcrédito como uma alternativa para o desenvolvimento no município a partir das micro e pequenas empresas. O escopo metodológico concentra-se num estudo de caso simplificado, tendo como fontes de evidências a análise documental, afim de verificar a contribuição e o impacto na condição de vida dos empreendedores, que de forma direta ou indireta contribuem para o fortalecimento deste setor. 2. Conceituando o termo “microcrédito” Diferentes entendimentos sobre o termo “microcrédito” são encontrados da literatura de referência. Para Schreiner (2001) este não deve ser definido pelo valor da operação, mas sim pela forma como o crédito é concedido às populações de baixa renda. Já para Gulli (1998) o termo diz respeito aos serviços financeiros de pequena escala, isto é, que envolvam valores baixos. Barone et al. (2002) entendem o microcrédito como a concessão de empréstimos de valor baixo a pequenos empreendedores informais e microempresas que não possuem acesso formal ao sistema financeiro tradicional, principalmente por não terem como oferecer garantias reais, é um crédito destinado especificamente à atividade produtiva aplicado em capital de giro ou investimento (ou ambos) e possui metodologia específica (NERI e MEDRADO, 2005; CORSINI, 2007). Alves e Soares (2004) complementam essa perspectiva afirmando que o microcrédito pode ser definido como a concessão de crédito para o financiamento de pequenos empreendimentos e diferencia-se dos demais tipos de empréstimo essencialmente pela metodologia utilizada (elemento a ser abordado mais a frente neste texto), bastante diferente daquela adotada para as operações de crédito tradicionais. Sintetizando as várias perspectivas, Sandroni (2005, p. 540) apresenta o microcrédito como “[...] um crédito fornecido em pequena escala para empreendedores menos favorecidos, destinado ao crescimento de seu negócio, deve ser usado de alguma forma como ‘investimento’ no empreendimento”.

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3. O cenário atual no Brasil e na cidade de Macaé (RJ) O Microcrédito no Brasil é um fenômeno recente, porém crescente. Contudo, já possui um histórico. Segundo Alves e Soares (2004), a primeira experiência em microcrédito no país ocorreu em 1973. Foi desenvolvida pela União Nordestina de Assistência a Pequenas Organizações, conhecida como Programa UNO, envolvendo a participação de entidades empresariais de Pernambuco e da Bahia. Ainda segundo os autores, o programa encerrou suas atividades em 1991, por não ter incorporado conceitos e práticas que permitissem sua sustentabilidade. Porém, a primeira organização formal para o microcrédito foi criada em 1987, com o Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos Ana Terra (CEAPE), na cidade de Porto Alegre (RS). O CEAPE foi fundado como uma organização não-governamental, e contou com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da Inter-American Foundation, que aportaram recursos para os financiamentos. Atualmente, microcrédito conta o amparo institucional baseado no Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado, criado pela Lei 11.110/2005, que orienta que os recursos destinados ao microcrédito sejam efetivamente direcionados a atividades produtivas. Este programa tem por objetivo incentivar e fomentar a geração de trabalho e renda entre microempreendedores a partir da oferta de microcrédito, além de fortalecer as instituições que administram estes valores. As fontes de recursos para este fim são o Fundo de Amparo ao Trabalhador, recursos vinculados ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, além de fontes correlatas amparadas pela Lei 12.249/2010. Para fins legais, é considerado como microempreendedor popular ou tomador final a pessoa física ou jurídica que fatura, segundo o Decreto 6.607/2008, até R$ 120 mil/ano. As políticas favoráveis ao microcrédito têm se intensificado no Brasil. Estimativas mostram a existência de aproximadamente 14 milhões de pequenas unidades produtivas no País, sendo uma parcela significativa com potencial de pleitear o microcrédito. Estima-se em seis milhões a demanda atuante no setor (ALVES e SOARES, 2004). Segundo Amaral (2005), o Brasil se caracteriza por possuir muitos componentes que o qualificam como um celeiro para micro-empreendimentos, elencando as seguintes características:  Numerosa população, com potencial para gerar e abrigar micro-empreendimentos.  Significativo segmento de empreendimentos considerados menores, especialmente quando se refere às camadas da população de baixa renda.  Altos níveis de desemprego, que, aliados às diferenças sociais, são fatores determinantes para o surgimento da economia informal.

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 Setor bancário oferecendo a maior parte de seus serviços para empreendimentos de maior porte e indivíduos com maior poder aquisitivo, criando um déficit na inclusão das comunidades de baixa renda.

Meyer (2002) sugere uma representação conceitual do microcrédito que revela-se útil ao contexto brasileiro, pois integra diversas características do cenário nacional atual. O modelo sugere três principais finalidades aos programas de microcrédito. O primeiro objetivo é alcançar o maior numero possível de população de baixa renda. O segundo e terceiro objetivos são, respectivamente, a sustentabilidade financeira, e a possibilidade e gerar impactos positivos no bem-estar dos clientes, aumentando a qualidade de vida a partir do maior nível de renda.

FIGURA 1 - O Triângulo do Microcrédito. Fonte: Retirado de Meyer (2002).

Para Rosemberg (1996), o microcrédito deve oferecer valores baixos que atendam aos empreendedores das camadas menos favorecidas da população, especialmente quando pretendem constituir microempresas. Essa visão pode ser bastante útil para o Brasil incentivar futuros novos créditos aos microempreendimentos que se destacaram positivamente. O Quadro 1 traz um panorama sobre as condições fundamentais para sua concessão.

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QUADRO 1 – Características do microcrédito CARACTERÍSTICA Finalidade Público alvo

DESCRIÇÃO Trata-se de crédito produtivo. Financia capital de giro e investimento fixo, não se destina a financiar consumo. Pequenos empreendimentos informais, microempresas e empresas de pequeno porte

Montante

Baixo valor

Ausência de garantias reais

O empréstimo é geralmente realizado através de fiador ou aval solidário

Mínima burocracia

Como grande parte dos empreendimentos beneficiados são informais, a formalização é limitada

Periodicidade de pagamentos

Pagamentos podem ser semanais ou até diários

Orientação

O crédito é realizado de forma assistida através do agente de crédito

FONTE: Adaptado de Barone et al. (2002).

Particularmente na cidade de Macaé, no Norte do Estado do Rio de Janeiro, o microcrédito foi implantado, em caráter de teste, no ano de 2013 com o programa “Macaé aCredita em você”, oferecendo algumas concessões iniciais. O programa, sediado na Casa do Empreendedor, órgão vinculado a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Tecnológico e Turismo (SDETT), somente começou formalmente em 2014. Até o final de 2015, cerca de 685 empreendedores foram contemplados com microcrédito. Um montante superior a R$ 2,8 milhões em crédito foi concedido no período, como mostra o Quadro 2. QUADRO 2: Número de microcréditos concedidos em Macaé. ANO

OPERAÇÕES POR EXERCÍCIO

2014

283

991.504,44

3.503,55

2015

402

1.875.515,00

4.665,46

685 TOTAL Fonte: Os autores.

2.867.019,44

4.185,43

VALOR (R$)

VALOR MÉDIO (R$)

4. Metodologia O universo investigado foi composto por microempreendedores residentes no município de Macaé e clientes ativos do programa “Macaé aCredita em você”. A pesquisa, quanto aos fins, caracteriza-se como descritiva de acordo com Gil (1999) e exploratória, segundo Selltiz (1975). Quanto à estratégia, tendo em vista o escopo da pesquisa, optou-se pelo estudo de caso empregando evidências qualitativas e quantitativas (YIN, 2001). Uma parte dos dados proveio da análise documental de fichas cadastrais, manuais operacionais e regulamentos internos da organização, e outra de um questionário direcionado a microempreendedores tomadores de microcrédito.

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De acordo com Fonseca (2002, p. 20), numa pesquisa qualitativa, como “[...] as amostras geralmente são grandes e consideradas representativas da população, os resultados são tomados como se constituíssem um retrato real de toda a população alvo da pesquisa. A pesquisa quantitativa se centra na objetividade (...) [e] recorre à linguagem matemática para descrever as causas de um fenômeno, as relações entre variáveis etc. A utilização conjunta da pesquisa qualitativa e quantitativa permite recolher mais informações do que se poderia conseguir isoladamente”. Adotando essa premissa conceitual, a pesquisa mapeou todos os indivíduos que obtiveram acesso ao crédito, a fim de traçar um perfil médio desses microempreendedores. Assim, o único requisito para que um empreendedor integrasse a base da pesquisa era que este já houvesse efetuado ao menos uma operação de microcrédito junto ao programa. A coleta de dados foi efetuada entre os dias 7 e 11 de dezembro de 2015, e operacionalizada por meio de consulta ao sistema Officer Banking. Foram analisados 685 clientes da cidade de Macaé, cadastrados desde o primeiro dia do programa até o último dia útil de novembro de 2015.

5. A experiência do microcrédito em Macaé O programa teve seu inicio em 2013 por meio de uma parceria firmada entre a Caixa Econômica Federal e a “Casa do Empreendedor”, uma instituição municipal orientada para o suporte ao empreendedor. Inicialmente, o crédito estava limitado a um valor máximo de R$ 4 mil, com taxa de juros de 5% ao ano, podendo ser financiado em até 12 vezes. Em 2014 o programa foi expandido a partir de um convênio firmado com a Agência de Fomento do Estado do Rio de Janeiro. A partir desse novo convênio, o limite de crédito foi ampliado para R$15 mil, com taxas de juros de 3% ao ano, parcelado em até 24 vezes. Nesse mesmo ano foram contratados seis agentes de crédito para acompanhar o processo (ilustrado na Figura 2) e atender à demanda de empreendedores interessados no programa. Em 2016 o programa foi paralisado em função de dificuldades administrativas e financeiras.

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FIGURA 2 – Modelo conceitual do Programa. Fonte: Os autores.

Nesse programa, o microcrédito é uma linha de crédito produtivo, focada para criar ou apoiar novas oportunidades aos pequenos negócios. Assim, deve ser encarado como um crédito orientado, com ênfase na necessidade de cada microempreendedor, visando atender às modalidades de negócios para cada atividade para a qual o microcrédito está destinado.

6. Principais resultados obtidos Com base nas informações e dados disponibilizados, um conjunto de características básicas sobre o programa “Macaé aCredita em você” foi encontrado. Assim, o levantamento de dados referentes aos 685 clientes da amostra constatou-se que:  Quanto ao sexo, 57,36% dos empreendedores eram do sexo feminino e 42,64% do sexo masculino.  Com relação às faixas etárias, 12,95% até 24 anos; 28,50% entre 25 e 35 anos; 35,75% entre 36 e 50 anos; e, por fim, 22,80% acima de 50 anos.  A maior concentração de empreendedores (75,13%) atuava no setor de comércio; 18,78% do setor de serviços e 6,09% do setor produtivo.  A maior parte dos clientes recebeu valores de até R$ 3.000,00 (45,57%) e 43,04% receberam valores entre R$3.000,00 e R$6.000,00. Apenas 1,9% receberam valores acima de R$10.000,00.  Quanto à finalidade do crédito, 37,56% dos empreendedores utilizaram o crédito para investimento fixo (compra de máquinas, obras, equipamentos, utensílios etc.), 35,5% dos demandantes solicitaram para capital de giro (compra de mercadorias ou matérias

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primas) e 26,9% para investimento misto (utilização do crédito para capital de giro e investimento fixo na mesma operação).

Apesar das limitações inerentes à base disponível, observa-se alguns dados interessantes. O primeiro é a superioridade das mulheres como principais tomadoras de crédito, uma realidade que surpreendeu os coordenadores do programa. Além disso, também destaca-se a preponderância do setor de comércio (75,13%), indicando o baixo nível tecnológico dos empreendimentos, em sua maioria decorrentes do empreendedorismo por necessidade – não por oportunidade. Por fim, ressalta-se que quase 90% dos empreendedores recebeu menos de R$ 6 mil, o que indica o poder de capilaridade, alavancagem e desenvolvimento de pequenos negócios que o microcrédito pode gerar. Pequenos valores como esses viabilizaram os investimentos ou o capital de giro necessários à sobrevivência de muitos desses negócios, garantindo a renda de empreendedores e suas famílias.

7. Considerações finais Os resultados obtidos instigam a pensar diversos pontos de melhorias ao programa e oportunidades para futuras pesquisas mais aprofundadas. O programa não coletava, por exemplo, informações sobre o nível de escolaridade dos microempreendedores, as questões pessoais que os motivaram a abrir um novo empreendimento, o número de funcionários dos negócios, o grau de sucesso do empreendimento após a concessão dos recursos etc. Também não registrava as principais vantagens percebidas que os levaram a buscar o programa, bem como as melhorias alcançadas ou os benefícios ao municípios e seus cidadãos de baixa renda. Apesar do significativo número de atendimentos e do volume de recursos concedidos, observa-se que esse tipo de apoio não pode ser um ato pontual ou isolado, mas um comprometimento de médio prazo entre os agentes concedentes e receptores dos recursos. Muitos desses empreendedores não demandavam apenas por apoio financeiro, mas orientações básicas sobre legislação e legalização dos seus negócios, por exemplo. Ademais, a concessão dos recursos sem uma análise da sua efetividade na competitividade e manutenção dos negócios dificulta uma compreensão mais aprofundada sobre a real contribuição do município como agente fomentador dos pequenos negócios e redutor da pobreza. Sugere-se também que programas dessa natureza possuam vínculos com diversas entidades das esferas privada e pública, incluindo as estaduais e federais, de forma a assegurar sua estabilidade e perenidade em longo prazo. Parcerias com outros agentes de desenvolvimento devem ser construídas, assim como mecanismos gerenciais devem ser

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instalados, garantindo a manutenção do programa independentemente de oscilações políticas de curto prazo. Conclui-se apontando ao fato de que muitos dos microempreendedores participantes do programa esperavam essencialmente por uma oportunidade de impulsionar seus negócios. Contudo, para que uma microempresa se desenvolva deve-se investir de maneira coerente e consistente, não somente em crédito, mas também em capacitação. A análise dos resultados obtidos indica um amplo potencial para o microcrédito, ainda pouco explorado no Brasil. Assim, difundir experiências como essa é um passo fundamental para a difusão desse importante mecanismo de redução da pobreza e desenvolvimento social.

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