Uma arqueologia do conceito de competência na realidade norte americana

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Uma “Arqueologia” do Conceito de Competência na Realidade Norte Americana Resumo

Jáder dos Reis Sampaio

A noção de gestão de competências, hoje internacional, tem suas raízes nos trabalhos de McClelland nos Estados Unidos. Este ensaio teórico tem por objetivo apresentar o surgimento, consolidação e disseminação de técnicas e conceitos distintos no contexto social e econômico norte-americano. As mudanças do conceito de competência são apresentadas em quatro “gerações”. Na primeira, competência é um atributo individual, identificado com metodologia quase artesanal, constituída a partir em entrevistas baseadas em eventos comportamentais. Na segunda, este conceito se torna um quadro de definições prontas, a serem compostas na realidade empresarial e adaptadas. Nesta “geração” as competências se tornam um modismo associado a práticas tradicionais de gestão de recursos humanos. Na terceira geração o termo se torna uma metáfora e ao mesmo tempo um atributo organizacional, necessário à implementação de uma gestão estratégica e inovadora. Na quarta e atual geração, não há proposta, conceito ou metodologia que sobressaia, o que há de comum é a intenção de articular-se competências individuais às competências organizacionais, e uma consciência difusa de que se encontram relacionadas, de forma não óbvia nem fácil de se identificar. Foi nesta geração que se começou a estudar e tentar implementar a gestão de competências no Brasil. 1. Introdução

A noção de competência tem uma história relativamente recente no Brasil, com uma promessa de uma grande influência nas práticas de gestão de pessoas e de administração estratégica (FISCHER, ALBUQUERQUE, 2001), mas como outros conceitos já existentes há muitos anos em outras realidades sociais e empresariais, ele é polissêmico. Muitos autores já se utilizaram deste conceito e o redefiniram antes que ele chegasse às organizações brasileiras. Esta multiplicidade de significados e de práticas sob o rótulo de competências, ou gestão de competências, tem gerado muita confusão entre administradores e pesquisadores brasileiros. O presente artigo é o primeiro resultado de uma pesquisa que visa a comparar a trajetória do conceito e de suas práticas associadas na realidade norte-americana, inglesa e francesa. Ela pretende distinguir e explicitar o contexto social, econômico e organizacional em que a idéia de competências foi sendo criada e como foi operacionalizada em suas organizações originais. Este trabalho discute, portanto, duas questões de pesquisa: Como se constituiu o conceito de competência nos Estados Unidos? Que mudanças ele sofreu nos últimos trinta anos? De posse destas respostas, desenvolveu-se um quadro que propicia ao gestor ou ao pesquisador distinguir que tipo de ações se pretende fazer, ou se tem feito, sob a denominação de competência em uma organização e que resultados se pode esperar delas. 2. As origens do termo: McClelland

David McClelland foi um psicólogo da Universidade de Harvard que iniciou seus trabalhos no contexto da pesquisa básica e foi aos poucos migrando para uma psicologia em fronteira com a administração. Muitos autores Norte-Americanos atribuem a McClelland a “paternidade” da noção de competência. McClelland pesquisou em princípio temas ligados à motivação e à personalidade, migrando aos poucos para a motivação para o trabalho, em reação ao clássico de Max Weber (A ética protestante e o espírito do capitalismo). Posteriormente, ele foi designado para participar de um trabalho sobre “identificação precoce de talentos”, em 1958. Ao pesquisar sobre a identificação de talentos, McClelland criticou os critérios, métodos e técnicas psicológicos utilizados então (especialmente os testes psicológicos), eram falhos, apresentavam baixa predizibilidade e alta possibilidade de viés junto às minorias. Em 1964, o congresso norte-americano votou a lei conhecida como “Civil Rights Act”, que dispõe, entre outros assuntos, sobre a igualdade dos cidadãos norteamericanos ante o trabalho. Em 1972 votou-se o “Equal Employment Opportunity Act” que cria a Comissão de Iguais Oportunidades de Emprego (Equal Employment Opportunity Comission) e dá poderes a este órgão para representar ante a justiça federal norte-americana cidadãos que sejam vítimas de atos discriminatórios (raça, cor, origem nacional, sexo, religião, idade, necessidades especiais, crenças políticas e estado civil) teve por conseqüência fazer com que as empresas norte-americanas a apresentarem estudos que mostravam a efetividade de seus critérios e instrumentos de seleção profissional em juízo, caso houvesse uma denúncia de tratamento desigual em um processo seletivo. Esta legislação teve um impacto sobre a Psicologia do Trabalho e a Psicometria Norte-Americanas, que se viram na obrigação de realizar estudos para realizarem seus processos seletivos, não importa se eram utilizadas técnicas psicológicas ou não. Isto gerou toda uma tecnologia de validação de testes e de critérios de seleção. Praticamente qualquer manual de RH norte americano atual trata deste assunto e ensina aos alunos de administração e Psicologia os tipos de validade e confiabilidade e como validar testes e critérios de seleção. Em 1973, McClelland publicou um trabalho bastante ácido, intitulado “Testing for Competence Rather Than for Intelligence” no qual criticava a predizibilidade dos testes de inteligência para fins de trabalho. Ele acusa os testes de inteligência de discriminarem minorias, de não estarem associados estatisticamente ao rendimento no trabalho. Neste trabalho ele propõe que se abandone o uso de testes e os substitua por avaliações de “amostras de tarefas” (job sample), afirmando que “há amplas evidências de que as avaliações com base em habilidades de trabalho irão predizer a proficiência no trabalho” (1971, p. 7). Ele defende que se abandone os testes de lápis e papel e que se analise o desempenho das pessoas no local de trabalho, não confiar no julgamento dos supervisores, analisar cuidadosamente os resultados (outcomes) e os comportamentos adaptativos que estão associados a eles e para se assegurar se estes testes são válidos, “observar se a capacidade de uma pessoa realizar um trabalho aumenta à medida que sua competência em apresentar comportamento adaptativo à vida aumenta” e estas avaliações de competências deveriam ser voltadas à avaliação de “grupos de habilidades adaptativas” em vez de identificarem-se inúmeras capacidades de realizar pequenas tarefas como o fez o projeto ABLE de Gagné (p. 9). A avaliação de competências deveria considerar mais comportamentos operantes que respondentes. Neste trabalho, McClelland acena com competências não cognitivas que deveriam ser consideradas na avaliação de pessoas, como as habilidades de comunicação, a paciência, a capacidade de estabelecer objetivos atingíveis, e o desenvolvimento do ego. O discurso de competências de Harvard, portanto, nasceu na Psicologia Organizacional, com a finalidade de reduzir problemas de viés na seleção profissional e

com o objetivo de identificar-se características pessoais estatisticamente associadas ao “bom desempenho no trabalho” ou ao “sucesso na vida” profissional. Este é o contexto social e organizacional. Que metodologia McClelland utilizou para fazê-lo? Este é o assunto do próximo item deste trabalho. 3. A Primeira Geração dos Estudos de Competência nos EUA: Um conceito artesanal e psicológico.

Considerando a inteligência, as atitudes, os resultados de testes de conhecimento e o histórico escolar como inadequadas à realização de um processo seletivo justo, McClelland serviu-se do seguinte conjunto de técnicas para identificar variáveis de competência: a) “Emprego de métodos de comparação com grupos critério” b) Identificação de comportamentos operantes “causalmente relacionados com resultados de sucesso” (outcomes)

Cabe destacar que o objeto de análise de McClelland são as pessoas bem sucedidas em um cargo ou função, em comparação com pessoas de desempenho mediano. O primeiro caso de intervenção realizado por ele ocorreu no Serviço de Informações Norte-Americano. Em 1963 ele havia criado uma empresa chamada McBer & Company (ADAMS, 1997), que, no início dos anos 70 realizou pesquisas para a identificação dos comissários juniores do Serviço de Informação. Àquela época, quase todos os comissários eram brancos do sexo masculino. Como os testes de vocabulário e atitudes fracassassem na seleção de comissários de desempenho superior, McClelland e colaboradores identificaram (através da indicação de superiores, colegas e clientes do Serviço de Informações Norte Americano) jovens diplomatas com desempenho brilhante, considerado superior. Ele os comparou com um grupo de pessoas de mesma função que desempenhavam seu cargo o suficiente para não serem despedidos. A técnica empregada por McClelland foi chamada de “Entrevista Baseada em Eventos Comportamentais” (SPENCER JR, SPENCER, 1993, p. 4). Ela se baseou na Técnica de Incidente Crítico de Flanagan e no Teste de Apercepção Temática de Murray (que McClelland usara como técnica para seus estudos de motivação). O entrevistador solicita ao sujeito que ele narre detalhadamente “o que ele fez nas situações mais críticas que ele enfrentou em seu trabalho”. Pede-se ao sujeito que narre três situações bem sucedidas e três situações de fracasso, como se fosse uma história. O entrevistador “age como se fosse um repórter” que explora detalhes, situações, sentimentos do sujeito, pessoas envolvidas, questiona como o sujeito agiria se isto voltasse a acontecer, ou seja, faz emergir comentários que dêem evidências aos pesquisadores sobre que competências estão associadas ao trabalho em estudo. O objetivo das entrevistas é identificar características psicológicas em geral que encontradas diferentemente nos grupos de alto desempenho e de desempenho medíocre. Nota-se que, apesar de se preocupar com o desempenho das pessoas, a metodologia de McClelland não cria mecanismos de coerção ao comportamento das pessoas, mas tenta identificar características psicológicas que estariam associadas estatisticamente e compreensivamente a um desempenho superior. Neste primeiro momento, McClelland considerou inúmeras “variáveis de pesquisa”: motivos, traços de personalidade, auto-conceito, atitudes, valores, conhecimento específico e habilidades. No caso dos diplomatas do Serviço de Informação, encontrou-se, após a transcrição das entrevistas, que, entre outras características, eles apresentavam três grandes diferenças (SPENCER JR, SPENCER, 1993. p. 5-7):

a) “sensibilidade interpessoal intercultural”, ou seja, que eles eram capazes de “perceber o quê as pessoas de uma cultura estrangeira estão realmente dizendo ou querendo dizer, e predizer como irão reagir” b) Expectativa positiva com relação às outras pessoas, que seria uma forte concepção de que haja dignidade e valha a pena negociar com pessoas em posições diferentes da sua. c) Rapidez na aprendizagem das redes políticas, que seria a capacidade de apreender de forma presta quem influencia quem e quais seriam os interesses envolvidos.

Depois de identificar estas características, a McBer se deparou com um problema: como identificar estas competências em pessoas que ainda não são diplomatas nem tiveram experiências semelhantes? Esta pergunta não está bem respondida na literatura revista até o momento. McClelland diz que a primeira das competências acima citadas foi avaliada através de uma técnica criada pelo Prof. Rosenthal, denominada PONS (Profile of Non-Verbal Sensitivity, traduzindo, Perfil de Sensibilidade Não-Verbal). Trata-se de identificação de gravações nas quais o interlocutor não percebe o conteúdo do que está sendo dito, mas é capaz de apreender as emoções de quem está falando. Os consultores conseguiram mostrar que os diplomatas de sucesso obtinham melhores escores neste tipo de avaliação que os medíocres. O método de seleção é, portanto, validado em uma nova amostra. E as demais? Neste momento do desenvolvimento do conceito de competências, há alguns pontos a serem demarcados: a) O trabalho de se identificar competências é artesanal, em que pese a proposta metodológica das entrevistas baseadas em eventos comportamentais, e demanda alguma sagacidade dos pesquisadores que compõem a equipe. b) Supondo-se que se consiga identificar competências que estejam difundidas no grupo de alto desempenho e ausentes no de desempenho medíocre, nada assegura que se consiga desenvolver uma técnica para identificá-la em pessoas que ainda não realizaram a atividade em questão. c) McClelland admite que muitas das observações da equipe não são percebidas nem aceitas pelas pessoas que estão na organização. d) Nada assegura que as competências observadas através deste método seriam exclusivamente a explicação para um desempenho superior. É, portanto, um método artesanal, com forte ênfase em conceitos tradicionais à Psicologia Norte-Americana e focalizado nos processos de seleção e colocação de pessoas nos espaços organizacionais. Ele demanda um tempo grande de pesquisa e não há como se prometer de antemão resultados. McClelland afirma que geralmente se fazem entrevistas de uma hora com os executivos (este tipo de método, dado o custo de seu desenvolvimento, foi muito difundido nos cargos de direção e gerência, praticamente não foi utilizado para os cargos operacionais), que são transcritas em um período de não menos de três horas por entrevista. O custo e o tempo gasto para se desenvolver um programa de gestão por competências nestes moldes foram determinantes na mudança de perspectiva de pesquisa da McBer, como admite McClelland na entrevista concedida a Katherine Adams (1997). “...nós usamos competências genéricas em parte para economizar o dinheiro do cliente e, em parte, porque em muitos

casos nós descobrimos que elas estão relacionadas com o sucesso”

A necessidade de se utilizar uma metodologia que possibilitasse um atendimento mais ágil e econômico, levou a McBer a pesquisar competências universais. 4. A Segunda Geração de Estudos de Competência nos EUA: Em busca de Competências Universais

A McBer continuou seus estudos de competências, especialmente de competências de executivos, e desenvolveu um trabalho que buscava traçar competências gerais, um quadro composto de competências e seus respectivos indicadores comportamentais, que pudesse ser mais facilmente operacionalizável pelas empresas. Na década de 80, um discípulo de McClelland, Richard Boyatzis, com a participação da AMA (American Management Association, Associação Americana de Administração) realizou estudos empregando dados da McBer (SPENCER Jr., SPENCER, 1993. p. 19) que geraram um livro que ficou conhecido em todo o mundo anglo-saxão: “The Competent Manager”. Este livro baseou-se em estudos de 2000 gerentes ocupando 41 cargos diferentes em 12 organizações e deu visibilidade ao autor e à técnica “tornando-a obrigatória a qualquer consultor sério após os anos oitenta” (TRUJILLO, 2000. p. 101) Foi Boyatzis quem deu a definição de competência como “uma característica subjacente de um indivíduo que está relacionada de forma causal a um desempenho efetivo ou superior em uma função (job)”. Depois do trabalho de Boyatzis, a McBer resolveu fazer uma revisão em 1989 com um estudo que se baseou nas competências descritas no estudo de mais de 200 cargos. Os dados utilizados consideraram “286 modelos de competências” (é o nome empregado pela consultoria para descrever um conjunto de competências associado ao desempenho de um cargo), “...a amostra inclui 187 (66%) de estudos nos Estados Unidos e 98 (34%) de estudos conduzidos em 20 outros países ou multinacionalmente, com encarregados por funções de 3 a 10 países” (SPENCER JR, SPENCER, 1993. p. 20) O modelo geral oriundo deste estudo continua sendo aperfeiçoado pela Hay/McBer e é conhecido como dicionário de competências. Este dicionário foi desenvolvido a partir dos “modelos de competência” desenvolvidos para cada organização-cliente. Boyatzis estudou os indicadores comportamentais, mais que as competências, porque como haviam sido feitas por pesquisadores diferentes, muitas competências similares eram passíveis de ter denominações diferentes. O dicionário é composto de 21 competências, agrupadas em seis conglomerados e descritas com base em 360 indicadores comportamentais, no total. Competências da Hay-McBer Conglomerado I. Resultado e Ação II. Apoio e Atendimento Humano

Competências 1. Orientação para resultados 2.Preocupação com ordem, qualidade e precisão 3. Iniciativa 4. Busca de Informação 5. Compreensão interpessoal 6. Orientação para o atendimento do cliente

III. Impacto e Influência IV. Gerência

V. Cognitivo VI. Efetividade Pessoal

7. Impacto e influência 8. Consciência organizacional 9. Estabelecimento de relações 10. Desenvolvimento de pessoal 11. Assertividade e uso do poder hierárquico 12. Trabalho em equipe e cooperação 13. Liderança de equipe 14. Pensamento analítico 15. Pensamento conceitual 16. Perícia (expertise) 17. Autocontrole 18. Autoconfiança 19. Flexibilidade 20. Comprometimento organizacional

Os autores apresentam com detalhes cada uma destas competências e descrevem os indicadores comportamentais associados a elas. Eles desenvolveram escalas associadas aos indicadores comportamentais para a avaliação destas competências, mas fica uma questão no ar: como identificar se estas competências são adequadas à realidade de uma dada organização? McClelland (SPENCER JR e SPENCER, 1993. p. 23) afirma que “as escalas do dicionário genérico são aplicáveis a todas as funções – e a nenhuma função especificamente”. Apesar de a McBer haver desenvolvido toda uma metodologia própria de seleção de pessoas, com impactos sobre o treinamento, o desenvolvimento, a avaliação e talvez a remuneração, as exigências de mercado fizeram-na abrir mão da metodologia artesanal e partir de uma metodologia baseada em competências universais que passariam a ser adaptadas às necessidades organizacionais. O contexto Norte-Americano e o sentido da gestão de competências parece ter mudado. A idéia de associar a prática de gestão de recursos humanos a competência perdeu muito do sentido de atendimento das exigências dos direitos civis e tornou-se uma ferramenta gerencial na qual se apostava buscando-se excelência nos negócios. Nos anos 90, muitos outros consultores empregavam a técnica, alguns de uma forma um tanto própria, o que levou McClelland a comentar em sua entrevista: “Muitas pessoas juntaram-se ao trem da alegria. O perigo é que eles não venham a identificar com propriedade as competências.” (ADAMS, 1997)

Ele temia que se substituísse o emprego das demoradas entrevistas baseadas em eventos comportamentais por painéis de especialistas, nos quais eles apontassem quais seriam as competências necessárias aos ocupantes de determinadas funções. “Fazer desta forma é muito menos caro, mas temos mostrado mais e mais que os especialistas apenas identificam cerca de 50% das competências que você descobre com entrevistas baseadas em eventos comportamentais. E as taxas dos especialistas tendem a ser menores se comparadas às taxas encontradas com o uso das entrevistas baseadas em eventos comportamentais. Me aborrece que as companhias estejam fazendo isto sem checar a validade de suas medidas.” (ADAMS, 1997)

Surgiram listas alternativas de competências, como afirma TRUJILLO (2000, p. 104-105):

“O número de competências “existentes pode ser muito grande. Levy-Leboyer (1996) apresenta seis listas diferentes. Ansorena Cao (1996) inclui 50 competências comportamentais. Woodruffe (1993) propõe nove competências genéricas, o que significa que há muitas outras específicas. (...) Barnhart (1996) inclui 37 competências básicas em sete categorias.”

A gestão por competências vai se tornando um modismo, que se dissemina no mundo pela via das multinacionais e pela difusão de um conceito preciso, mas cada vez mais redefinido, em resposta aos possíveis problemas com direitos autorais. Em 2002, Daniel Goleman, publicou um livro em co-autoria com Annie McKee e Richard Boyatzis intitulado Liderança Fundamental (Primal Leadership) no qual defende uma proposta de 18 competências básicas, agrupadas em competências pessoais (auto-consciência emocional, auto avaliação precisa, autoconfiança, auto controle emocional, transparência, adaptabilidade, realização, iniciativa e otimismo) e competências sociais (empatia, consciência organizacional, serviço, liderança inspiradora, influência, desenvolvimento de terceiros, mudança catalizadora, administração de conflitos, construção de redes e espírito de equipe) que estariam associando as propostas da teoria de inteligência emocional às de competências. A McBer tornou-se uma divisão da Hay, uma consultoria com escritórios em todo o mundo. Em países diferentes, a proposta das competências ganhou contornos diferentes, o que será rapidamente comentado neste trabalho, mas outro problema ainda surgiria nos Estados Unidos: a popularização do termo fez gerar uma escola de competências baseada na administração estratégica e no marketing, de todo estranha à tradição iniciada pela McBer. 5. A terceira geração norte americana: a escola estratégica.

Na Administração Norte-Americana, uma alternativa teórica às escolas clássicas, que têm o posto de trabalho como referência para se pensar a produtividade e a competitividade das organizações é a abordagem estratégica. Um de seus autores influentes, que se destacou pela teorização a partir de uma análise comparativa de casos de empresas de grande porte foi Alfred Chandler. Chandler (MCCRAW, 1998, p. 136) conceituou estratégia como “...a definição dos principais objetivos a longo prazo de uma empresa, bem como a adoção de linhas de ação e a alocação de recursos tendo em vista esses objetivos” e estrutura como “ ... o modelo de organização pelo qual se administra a empresa”. Segundo Chandler (1990) “a organização de negócios moderna pode ser vista como uma coleção de “capacidades dinâmicas organizacionais” que são a fonte da competitividade da organização”. Este autor não tratou de competências em seu trabalho, mas foi influente o suficiente para que se demarcasse nas Ciências Administrativas um corolário segundo o qual a “estrutura acompanha a estratégia e que o tipo mais complexo de estrutura é resultado de uma articulação de várias estratégias básicas”. (MCCRAW, 1998. p. 137) Tal idéia esteve em vigor durante muitos anos, sendo questionada recentemente (FLEURY, FLEURY, 2000, por exemplo). A escola estratégica passou a trabalhar com o conceito de competências essenciais e ganhou notoriedade ganhou notoriedade com os trabalhos de Gary Hamel

(Strategos) e de C. K. Prahalad. (Michigan University), publicados na Harvard Business Review (1990) e depois transformados em um livro que teve seu título traduzido para o português como “Competindo pelo Futuro”. O emprego do termo competência parece ter sido empregado metaforicamente, tendo sido deslocado por estes autores das pessoas para as organizações. Hamel e Prahalad definem competências essenciais como “capacidades subjacentes à liderança em uma gama de produtos e serviços. “Elas devem ser identificadas e mantidas pelas organizações para que venham a possibilitar que se obtenham oportunidades futuras. Estas competências em questão não seriam ativos do balanço das empresas, proximidade, nacionalidade, licenças ou outras vantagens comparativas que se perdem facilmente com o tempo. (PRAHALAD, HAMEL, 2000) Em resumo, os autores afirmam que uma competência essencial organizacional tem pelo menos duas das três características seguintes: criar valor percebido como tal pelos clientes, possibilitar a diferenciação entre concorrentes e/ou possibilitar capacidade de expansão para novos serviços ou produtos. Uma outra característica fundamental da competência organizacional, segundo Hamel e Prahalad (1995) é o seu foco no futuro. Para isto é importante que a empresa 1) descubra novas aplicações para as competências atuais e, mais importante, 2) desenhe e comprometa-se com as novas competências que devem ser geradas no futuro, lembrando-se que uma competência relevante pode levar de 5 a 10 anos para ficar utilizável, ou seja, é preciso descobrir “hoje” as que devem ser desenvolvidas. Tal consideração agrega, portanto, um elemento novo e importante à discussão do conceito de competências: a estratégia. Talvez estes autores devessem ter utilizado outro termo para seu trabalho, tão diferente e original (do ponto de vista da descontinuidade teórico metodológica com as propostas de competências existentes). Mas a confusão está posta, e os NorteAmericanos passaram a ter que atentar para as diferenças entre as escolas. Quando a proposta de gestão de competências chegou ao Brasil de forma mais difundida, no final dos anos 90, estas duas grandes escolas teóricas, somadas à experiência inglesa e à francesa, que são também substancialmente diferentes (com isto quero dizer, conceitos, métodos e técnicas diferentes, geradas em contextos diferentes) aportaram de uma vez, causando confusão e desentendimento, uma vez que ainda não se faziam pesquisas substantivas sobre competências, os livros de McClelland e Boyatzis não haviam sido traduzidos e todo o processo de competências à francesa só começaria a ter tradução no início do século XXI.

6. A quarta geração: ajustando competências universais a realidades organizacionais considerando-se a estratégia

Após a consolidação destas duas escolas de competências norteamericanas, os consultores e autores vêm tentando fazer uma ponte entre as competências individuais e as competências organizacionais ou a estratégia. KOCHANSKI e RUSE (1996) publicaram um trabalho no qual propõem que se trabalhe simultaneamente com ambos os conceitos da seguinte forma: Desenvolver um plano organizacional de necessidades de mudanças, identificar competências organizacionais, priorizá-las e classificá-las em estratégicas, essenciais ou necessárias, fazendo-se listas. Finalmente, aprovar o plano no nível de direção, montar uma equipe de implementação, desenvolver um plano de comunicação e implementar as mudanças. GREEN (2000) mantém uma proposta calcada nas entrevistas comportamentais, parecidas com as de McClelland, mas propõe que se utilize uma linguagem comportamental na sua redação e que se incorpore alguns elementos

estratégicos nas competências, como a identidade organizacional, a visão, a declaração de missão e os valores. Este autor considera que se estaria fazendo um “alinhamento estrutural dos sistemas de recursos humanos”. PARRY (1996) também parte das competências individuais, mas constrói uma proposta de identificação das mesmas com base em entrevistas de análise de tarefas e um método de escolha forçada que ele denomina repertory-grid analysis. Parry classifica as competências em intelectuais, interpessoais, de negócios e técnicas, faz uma relação das principais competências em cada uma destas categorias, identificando quais delas seriam importantes para famílias de cargos relacionadas. Por fim, ele procura mensurar os resultados do trabalho como critérios para verificar se as competências estão bem definidas e se as “entregas” de cada empregado são consistentes com as competências identificadas. De uma certa forma, este autor mantém grande parte dos instrumentos e técnicas de gestão de recursos humanos, mesmo adotando uma abordagem calcada em competências. 7. Conclusão

A história das competências ainda não terminou, nem está suficientemente descrita. A trajetória inglesa e francesa das competências e de sua gestão é muito diferenciada, seja pelo momento do seu desenvolvimento, seja pelos instrumentos e técnicas que passaram a ser utilizados pelas organizações destes países sob o mesmo rótulo. Foge, entretanto, da capacidade deste trabalho explorar estas outras competências, mas entende-se que o estudo das práticas destes países é importante para a compreensão das múltiplas facetas que a gestão de competências assumiu no Brasil. A competência foi criada como ampliação da noção de habilidade (skill) e promessa de justiça nos processos seletivos. De uma metodologia artesanal, passou a um conjunto de definições universais. Teve sua marca apropriada pela abordagem estratégica e tornou-se um qualificativo das organizações em busca de excelência. Hoje transita entre múltiplas propostas, tão diferentes entre si, tão polissêmicas, mas sintetizadas em uma palavra só. A trajetória norte-americana ensina como a vulgarização de uma técnica gerencial pode esvaziá-la dos motivos que a fizeram surgir. Como parece não haver vencedores, apenas competidores (e em número cada vez maior) indaga-se qual será a trajetória dos programas de gestão de competências no Brasil e no exterior. Fontes Bibliográficas.

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TRUJILLO, Nelson Rodriguez. Selección efectiva de personal basada en competencias. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 51, n. 3, p. 101-121, jul-set 2000. ARTIGO PUBLICADO COMO CAPÍTULO DE LIVRO EM:

PAULA, Cláudio Paixão, MORAES, Lúcio Flávio R. Administração contemporânea: desafios e controvérsias. Pedro Leopoldo – MG: Tavares Editora, 2009.

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