UMA CASA NAS COSTAS análise do movimento social urbano em Porto Alegre 1975 -1982 Porto Alegre/RS EDITORA ANIMAL 2014

September 30, 2017 | Autor: Rosemary Brum | Categoria: Urban Sociology, Movimientos sociales
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Descrição do Produto

Rosemary Fritsch Brum

UMA CASA NAS COSTAS análise do movimento social urbano em Porto Alegre 1975 - 1982

Porto Alegre/RS EDITORA ANIMAL 2014

Animal - Produtora e Editora Ltda - ME Rua Bernardo Pires, 285 Cj. 303 - Santana Porto Alegre - RS - CEP 90.620-010

Editora Rosemary Fritsch Brum

Conselho Editorial para a edição Ana Cláudia Padilha (UPF) Anacleto Ranulfo dos Santos (UFRB) Eloisa Capovilla Ramos (UNISINOS) Girlene Santos de Souza (UFRB) Jeferson Francisco Selbach (UNIPAMPA) José Fernando Manzke (PGCult/UFMA) Lorena Holzemann Silva (UFRGS) Márcio Pizarro Noronha (UFGO) Marilice Corona (UFRGS) Núncia Santoro de Constantino (PUCRS) Rosa Maria Araujo Simões (UNESP) Stephan Tomerius (FH Trier) Vanice dos Santos (FATO) Impresso no formato eletrônico - e-book

Capa Fxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP) BRUM, Rosemary Fritsch. Uma casa nas costas: análise do movimento social urbano em Porto Alegre1975-1982. Porto Alegre/RS: Editora Animal, 2014, XXXp.: il ISBN 978-85-67375-00-7 CDU 316.35 Grupos sociais. Organizações sociais. Este livro está disponível para visualização no Google Pesquisa de Livros

DEDICATÓRIA

FRASE

APRESENTAÇÃO JEFERSON

NOTA DA AUTORA

SUMÁRIO

Introdução

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Marco teórico e metodológico de investigação

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Evolução urbana de Porto Alegre

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Ocupaçãodo solo urbano e distribuição da população de baixa renda

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Movimentos sociais urbanos - Porto Alegre 75-82

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Conclusão

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INTRODUÇÃO

Os Movimentos Sociais Urbanos são o objeto desta investigação, como uma das formas de expressão dos conflitos gerados pela sociedade organizada em classes sociais. O universo selecionado para esta investigação é a cidade de Porto Alegre, sede de região metropolitana. O período de análise situa-se entre os anos 1975-1982, momento em que a conjugação de fatores diversos concorreram para a deflagração de movimentos reivindicatórios populares, de magnitude representativa dos processos em desenvolvimento no plano da sociedade regional e nacional. O objetivo principal foi associar a emergência desses movimentos aos processos engendrados pela disputa do solo urbano num contexto capitalista. O solo urbano é o suporte material das contradições geradas pelas relações sociais da produção capitalista, expressas na produção socializada e na apropriação privada do excedente social. Os elementos necessários à presente análise referem-se à mercantilização do solo urbano, aos instrumentos jurídicos que regulam sua apropriação e à crescente intervenção do Estado, via planificação urbana. Nesse contexto, os Movimentos Sociais Urbanos apresentam-se como forma de organização popular destinada a intervir nos processos de uso do espaço e, igualmente, na produção, distribuição e gestão dos equipamentos comunitários e urbanos necessários à reprodução da força de trabalho. Consideram-se comunitários os equipamentos públicos de

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Rosemary Fritsch Brum

educação, cultura, saúde, lazer e similares e urbanos os equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgoto, energia elétrica, coleta de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado. Este trabalho expressou a necessidade de apreensão das tendências e dilemas referentes ao assentamento da força de trabalho nos centros regionais de desenvolvimento. A par da concentração regional da economia capitalista, o modelo econômico adotado no Brasil tem-se pautado pela exclusão de amplos segmentos de trabalhadores dos benefícios econômicos e sociais gerados pelo processo produtivo. Para dar conta das necessidades de acumulação do capital e da reprodução da força de trabalho, a presença estatal, nas últimas décadas, tem-se manifestado num sistema de participação política restrita, através da elaboração e implementação de um conjunto de medidas e programas de investimentos públicos, onde a ‘questão urbana’ é erigida como sendo prioritária.

Uma casa nas costas

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que se exercem no quotidiano de cada organização de bairro/ vila. Esta pesquisa privilegiou aspectos político-administrativos por verificar que eles atuam inclusive na própria criação e confirmação dos micropoderes, estabelecendo um jogo de alianças e influências junto às Associações de Moradores, Centros Comunitários e outras formas de organização. O desdobramento da pesquisa empírica confirma a validade da ótica que este trabalho obedeceu. A dinâmica do micropoder, representado pelas entidades ou instituições, revelou-se não como um dado apriorístico, mas como uma trama que se tece durante o próprio processo, revelando-se peculiar a cada organização.

A complexidade da questão urbana no Brasil se deve à ausência de uma política nacional de habitação, à ocupação ‘desenfreada’ do solo urbano pelas camadas de baixa renda e a políticas setoriais não raro incompatíveis entre si. Nesse contexto, os Movimentos Sociais Urbanos alcançam identidade e expressão numa problemática que tem demandado reflexão por parte dos administradores, planejadores, economistas, arquitetos, políticos e sociólogos.

Observando essas premissas, o trabalho que se segue inicia abordando as concepções sobre a emergência da disputa do espaço urbano no bojo da interpretação da sociologia integracionista, por volta dos anos 50. Nesse período, o país atravessava profundas transformações de ordem econômica, que provocaram correntes migratórias aos centros urbanos e a conseqüente disputa do espaço urbano. Mas a compreensão do processo limitava-se a proposições de cunho assistencialista, cujo alcance não visava mais que soluções emergenciais. A percepção de que existia uma lógica implícita nessa disputa, no entanto, só foi alcançada mais recentemente, no momento em que o sistema passa a esgotar as possibilidades de prover satisfatoriamente as condições de assentamento da força de trabalho, passando a questão a ser entendida no cerne da própria acumulação capitalista.

Até onde alcançamos, esta pesquisa apresenta-se como um esforço de avanço no conhecimento dessa realidade. Sua limitada extensão não invalida, contudo, seu valor interpretativo. A tentativa de uma relação significativa entre os processos incidentes na distribuição da população, comumente adiou um aprofundamento da investigação dos Movimentos Sociais Urbanos no seu plano microscópico, ou seja, ao nível dos micropoderes

Centrada nessa análise, a pesquisa aborda a emergência de movimentos sociais organizados em torno da possibilidade de intervir nos processos decisórios. Como instância de análise, o planejamento urbano se destaca, na medida em que o Estado busca regular o espaço urbano como forma de expansão do capitalismo, em conflito com a necessidade de reprodução da força de trabalho.

A intervenção estatal via planejamento reúne instrumentos recentes de ordenação do espaço urbano desde a esfera federal até a municipal. Os limites e os suportes ideológicos dessa intervenção participam da análise, uma vez que é com eles que os Movimentos Sociais Urbanos têm-se confrontado. Nesse confronto, os Movimentos sociais Urbanos adquirem um caráter social e político, condição na qual são aqui entendidos. A especificidade dos Movimentos Sociais Urbanos em análise é dada pela eleição de Porto Alegre como campo de investigação, já que se trata de importante sede de região metropolitana e partícipe de uma estratégia de desenvolvimento econômico característica da intervenção estatal. A análise parte, pois, da relação entre os movimentos reivindicatórios e as condições de apropriação do solo urbano, acirrados pela implantação do ordenamento físico recentemente. Tal se coloca porque na conjuntura em exame, os Movimentos Sociais Urbanos expressam o referido processo. Na proposta de ordenação espacial definida pelo 1° Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre em 1979 chama atenção especial a direção e a contenção do adensamento populacional. Dos princípios orientadores desse plano, destacamos os referentes à localização da população de baixa renda para nortear esta pesquisa. Os pontos contraditórios presentes entre esta ampla planificação e programas setoriais são discutidos no que concerne à política de fixação da população de baixa renda, porque pensamos ser exemplificativo dos limites e desafios postos à intervenção possível dos Movimentos Sociais Urbanos. Baseada em documentação e pesquisa de campo, pretendeu-se identificar os elementos que concorrem para a configuração do campo conflitual, no período em análise, estabelecido entre a população e os agentes atuantes sobre o território, considerando o Estado como principal instrumento de

gestão do consumo coletivo. Do conflito são suscitadas ações que conduzem a efeitos urbanos e políticos. Buscou-se compreender como se estabelece, na conjuntura, a modificação da relação população como poder no sistema urbano e a modificação da relação equipamento/população. Como tais ações passam pela mediação entre a contradição objetiva e geral e entre o movimento reivindicatório, detivemo-nos na investigação dos processos que conformam essa mediação, na conjuntura examinada. A conclusão da pesquisa aponta para as determinações que influem nos Movimentos Sociais Urbanos, entendidos como organizações da força de trabalho que buscam, defensivamente, a superação da sujeição de uso/consumo da cidade pelo capital. As linhas de análise desenvolvidas pela pesquisa tiveram por objetivo, igualmente, identificar as instâncias que configuram a identidade dos Movimentos Sociais Urbanos. Em termos de reflexão teórica ou em termos de definição política, acreditamos ser impossível a análise dos conteúdos expressos nessas ações reivindicatórias, sem a incorporação daquelas dimensões que, enfim, as engendram. A partir da construção do marco teórico, apontamos as principais intervenções planificadoras que incidiram na cidade com o objetivo de adequar as especiais condições do sítio urbano às atividades econômicas e ao adensamento demográfico verificado basicamente após 1950, ano de profundas modificações da economia nacional e regional. A gradativa implantação de políticas urbanas no período recente é retomada com o objetivo de estabelecer as profundas modificações introduzidas na cidade, como desdobramento da lógica de ocupação do solo urbano pelos interesses econômicos dominantes. Procuramos retraçar as características básicas que definiram a ocupação e distribuição do espaço urbano da cidade pelas

distintas classes sociais, privilegiando o tratamento conferido ao fenômeno marginalidade pelas pesquisas dos anos 50. Como este processo acentua-se até se colocar como a forma de apropriação do espaço por significativa fração da força de trabalho, o fenômeno perde seu tratamento moralizante e passa a ter um tratamento institucional de proporções, que tratamos nos seus aspectos fundamentais. O capítulo seguinte é a conjugação dos elementos que vimos arrolando, onde tenta-se uma aproximação com as dimensões levantadas e os movimentos dos anos 70, tendo como foco explicativo central a especial conjuntura política dos anos 78-82. Esses anos não só espelham a agudização de crises que vinham gestando-se, como indicam as principais tendências que estes movimentos tendem a seguir, conservadas as mesmas condições. Propusemos situar as observações finais que visam recuperar a lógica do texto e buscam, antes de dirimir dúvidas, suscitá-las para nossa própria reflexão e de possíveis autores que venham a seguir nesse denso campo de investigação, enriquecendo o conhecimento já acumulado. Existe, para concluir, uma linha que tentou-se deixar visível na análise. Embora toda a limitação que este tipo de pesquisa está sujeita, trata-se de partir de uma postura teórica que configure o campo. Esta é buscada a partir do próprio objeto que busca investigar. Afinal, o que são os Movimentos Sociais Urbanos? Negando a suficiência analítica de posturas correntes, discussão que não será abordada nos limites deste trabalho, buscou-se a constituição não de uma formulação teórica original, mas de uma recolocação do problema. Ao que tudo indica, esta questão pode, muito satisfatoriamente, ser trabalhada a partir da política urbana como um novo nível de dominação política, onde o planejamento apresenta-se como instrumento viável.

MARCO TEÓRICO E METODOLÓGICO DE INVESTIGAÇÃO

A luta pelo espaço na concepção funcionalista O desenvolvimento do tema ‘Movimentos Sociais Urbanos’ impõe-se na atualidade da pesquisa sociológica por expressar uma problemática crítica no contexto da luta de classes, onde se coloca a questão urbana inclusa na contradição fundamental da sociedade organizada nos moldes das relações de produção capitalista. A Sociologia Urbana, frente aos conflitos gerados pelas formas diferenciais de apropriação do solo urbano, pelas classes sociais, empenhava-se, até o advento da contribuição recente1, em buscar associações entre o comportamento social e o meio ambiente. As disputas urbanas, até então, eram interpretadas segundo os supostos estabelecidos pela “Escola de Chicago”, tal como ficou conhecido o projeto “História Social das Comunidades Sociais de Chicago”, desenvolvido pela Universidade de Chicago. Visava traçar a influência das forças sociais no desenvolvimento das comunidades locais e vizinhanças, bem como determinar as características das distintas áreas. Os principais teóricos foram Park e Burgess.

Segundo Castells3 “a urbanização passou a ser um processo organizado a partir de um modelo (pattern) de interação entre o homem e o meio, tal é, em termos sociológicos, o objeto real do que foi e do que continua a ser ainda a sociologia urbana”.

de um certo grau de autosuficiência, onde vigoraria o espírito comunitário, isto é, no sentido de que prevaleceria nestas minicomunidades o espírito integrado tal como quando domina o sistema de valores rurais.

Os extremos levados por seguidores da Escola terminaram por impor uma associação entre comportamento social e o meio ambiente que não encobre seu forte apelo ao processo de integração.

Os valores rurais, por sua vez, foram determinados pelos sociólogos seguidores das dicotomias clássicas e transpostas para a análise dos processos de desenvolvimento das sociedades. Essas teorias, auferindo certas características de formas concretas das fases do processo de desenvolvimento social, buscam explicar os modos de transição de um tipo de sociedade para outro. No caso, seria a passagem da sociedade tradicional, agrária, para a sociedade moderna, industrial. A adoção de modelos de análise do tipo de dualismo estrutural, metodologicamente, são renovações da dicotomia comunidade-sociedade, segundo estudos que avaliam, diferentemente, a dinâmica de transição de um tipo de sociedade para outro4.

Os processos sociais que chamavam atenção especial referiam-se justamente ao crescimento populacional da cidade de Chicago, que em cada dez anos crescia em meio milhão de habitantes, a maior parte provindo da imigração. A integração do migrante à cidade será o foco central e os processos de desorganização social serão os temas dominantes nas diversas correntes advindas da contribuição de Park e Burgess. De toda a forma, encontramo-nos diante de um modelo de integração social que confere primado a um novo tipo de cultura que tende a ‘universalização’: a cultura urbana. Assim as contribuições da Escola ficaram prejudicadas pela generalização descabida, procedendo o que Castells chama atenção que a uma delimitação particular da realidade fosse dada uma orientação teórica específica. Criando modelos fantásticos, essa escola buscava subsidiar o estudo urbanista e a implantação de modelos sistêmicos com vistas ao planejamento. Os autores da referida Escola tinham em mente o modelo ideal da cidade. Se a cidade objetivasse condições, as relações sociais tenderiam a uma maior racionalização de recursos, evitando deseconomias e desajustes. O modelo real era a cidade de Chicago. Neste modelo observa-se a existência de um centro comercial de atividades e a radiação residencial de forma concêntrica. Os moradores se estabeleceriam nas periferias do centro. Os subúrbios americanos seriam mini-cidades, dotadas

A imersão na sociedade tradicional implica, na transição para a sociedade moderna, na adoção de valores e comportamentos racionais (urbanos) pelos indivíduos, dadas as novas exigências, segundo essas análises. A integração urbana, em princípio, trata-se do processo civilizatório que determina a socialização humana-econômica, social, cultural. O processo migratório induziria a uma perda relativa desta unidade para gerar uma nova identidade, com valores urbanos. As defasagens de integração nestes níveis seriam responsáveis por desajustamentos no comportamento psíquicosocial, gerando comportamentos anti-sociais. O folk_urban_continum seria a denominação deste processo de passagem da cultura rural para a cultura urbana. Lento, contínuo, ele se iniciaria desde o momento da imigração até a total e plena integração do homem na cultura urbana, definida como racional, pragmática, utilitarista. Nesta concepção a integração urbana

ocorre pela adoção de comportamentos racionais em todas as dimensões da vida social. A noção de integração é básica porque parte da concepção metodológica da estrutura social como conjunto de partes vinculadas entre si e composta por partes, setores, unidades, analisáveis separadamente mas que guardam recíproca dependência5. Assim o ajustamento ao modus vivendi urbano supõe a adoção de padrões de comportamentos racionais pelo indivíduo. Esta inicia-se pelo processo de individualização da comunidade rural e leva, gradativamente, à adaptação do indivíduo no meio social industrializado, racionalizado. Muito tempo se passou entre esta produção sociológica hegemônica, em termos de E.E.U.A., e a sua adoção no Brasil. O fato é que a urbanização acelerada na América Latina, suscitando uma problemática para o sistema político, por volta de 1950, 1evou à adoção, pela Sociologia, de modelos de explicação válidos nos países de capitalismo desenvolvido. O modelo de desenvolvimento latino-americano e mormente o brasileiro, no entanto, não obedeceriam este padrão, exigindo, portanto, um esforço de reflexão. O suposto metodológico nos esforços de interpretação inspirados nesta concepção consiste em pautar os sistemas políticos, sociais e econômicos dos países da Europa Ocidental e dos Estados Unidos como antecipadores do desenvolvimento das sociedades subdesenvolvidas. A partir de 1930, quase todos os países da América Latina experimentaram alterações de porte na sua estrutura econômica, como conseqüência da crise do mercado internacional. O processo substitutivo de importações que se seguiu acelera o processo de urbanização, expressando-se pelo aumento de centros num claro indício da metropolização hoje consagrada. Mas a relação entre o

processo industrial e a concentração urbana é diferenciada nos países em adiantado estágio de desenvolvimento industrial e os demais. A diferença maior repousa, na maioria das análises, na disfunção na relação adensamento demográfico e inserção no sistema produtivo. Datam notadamente de 1950 as teorias extraídas normalmente da teoria da modernização, entendendo o desenvolvimento urbano brasileiro como disfuncional, uma vez que expressivos segmentos da população não eram integrados no mercado formal de trabalho, indo constituir os ‘cinturões de miséria’ dos maiores centros econômicos do país. Assim, a questão da marginalidade era entendida estritamente como insuficiência de absorção da mão-de-obra que acudia às cidades, em função das mudanças da base produtiva da economia agrária. O fenômeno da marginalidade urbana passa a ser visto de forma moralizante no sentido em que reflete um comportamento pré-civilizatório, como anomalia do ‘corpo’ social, refletindo um estado de amplos segmentos da população desequipados para o padrão que se instalava. A não-absorção no sistema industrial, refletida na absorção destes segmentos em atividades no setor informal terciário (biscateiros, etc.) ficava por conta não das características próprias do dinamismo do sistema industrial brasileiro, mas, enfim, da baixa qualificação ‘moral’ desta população. As iniciativas de mobilização das populações urbanas alienadas dos benefícios gerados pelo modelo de desenvolvimento urbano-industrial eram, invariavelmente, tomadas como ameaçadoras do status-quo e a política assistencialista, seja pela iniciativa privada, religiosa ou governamental, tratava de amenizar os possíveis focos de tensão. A sociedade brasileira do período era então compreendida entre os ‘integrados’ e os ‘não integrados’, ou seja, os marginais. Mas o foco das análises então prevalecentes repousou nos mecanismos de integração psicossocial antes que na dinâmica do

processo econômico então em ação. Havia um otimismo generalizado em relação ao processo de marginalização no sentido de que era razoavelmente absorvida a mão-de-obra que demandava às cidades centros de pólos industriais. Bastaria um esforço governamental no tratamento dos marginais, consistindo este basicamente em reeducação social e moral. A prevalência da concepção modernizante, então presente, tratava de analisar a totalidade social em termos de sistemas, onde o determinante era o cultural, o agente das inovações. Como o modelo adotado era o desenvolvimento histórico do capitalismo europeu ocidental e norte-americano, os países que se industrializavam deviam de uma forma ou de outra seguir o mesmo sentido. Isto porque o desenvolvimento capitalista não era concebido em termos estritamente econômicos, mas como um padrão civilizatório. Sendo padrão civilizatório, os países deveriam sofrer ‘ritos de passagem’, isto é, passar do estágio de sociedades tradicionais para o de sociedades industriais. A concentração de população nos centros urbanos tem sustentado a polêmica teórica que iniciou pela teoria funcionalista da marginalização, subsidiária da teoria da modernização. O comportamento sócio-político das populações ditas marginais, prestou-se a uma série de análises que viam no mesmo ou a renovação de comportamentos ditos tradicionais ou não integrados ao mercado urbano. A teoria dualista, na sua vertente modernizante, fazia do conceito de marginalidade a razão e a explicação para comportamentos ‘desviantes’, ‘anômicos’, ‘prépolíticos’, etc., das populações segregadas física e economicamente. A ‘anomia’ desta população expressa o baixo interesse de ascensão social e seria fator determinante para a estagnação das condições de existência dos grupos marginais.

A anomia é concebida como uma ruptura na estrutura cultural, ocorrendo quando há uma disfunção aguda entre as normas e metas culturais e as capacidades socialmente estruturadas dos membros do grupo em agir de acordo com as primeiras... Quando a estrutura social e cultural estão mal integradas, a primeira exigindo um comportamento que a outra dificulta, há uma tensão rumo ao rompimento das normas ou ao seu completo desprezo.”6

A marginalidade urbana era entendida como um fenômeno da não integração de camadas de estratos baixos, basicamente de origem rural, dada as altas exigências da cultura urbana. Levava a tipos de adaptação variados, mas o que mais se destaca, nessas análises da marginalidade urbana, é a necessidade vinda desde fora (do Estado) de propor valores novos, ‘urbanos’, a estas populações. A atitude que recobria tanto as análises como as ações do Estado tinham, inevitavelmente, um cunho assistencialista. Tratava-se de elevar o padrão moral do marginalizado, para reintegrá-lo na sociedade. Por longo período, a marginalidade foi abordada, pois, em dois momentos distintos: no primeiro, era definida em termos físico-ecológicos, como tratamos anteriormente, e, no segundo, atinha-se a fatores tais como a maneira de viver, supondo que os moradores de bairros marginais tivessem uma condição social homogênea. A superação da concepção da marginalidade como desajuste entre as partes da sociedade, no entanto, só foi alcançada mais recentemente7. Concluindo, essas análises continham uma teoria de luta pelo espaço8 definida pela segregação espacial e social, que gerava comportamentos não socializados por parte dos ‘não integrados’ na cidade. A questão liga-se aos princípios teóricos de Park que coloca a cidade como uma organização física e moral, entrando em conflito com a sua própria teoria da luta pelo espaço baseada na ecologia animal, já que os pesos relativos aos aspectos morais

e físicos são muito diferentes nos dois casos. Mesmo assim, Park desenvolveu sua teoria de não intromissão pública na fixação do preço da terra e do não controle da organização é distribuição da população, deixando à empresa privada a delimitação, o uso e a localização do espaço urbano numa analogia urbana e humana pensamos, da teoria de Newton da preservação das espécies, só que aqui em nível ecológico, natural e moral.

trabalho é, pois, dado historicamente, como a reprodução do capital10.

Na produção sociológica tributária desse período não se encontram categorias analíticas para a compreensão da dimensão assumida, na atualidade, pelos Movimentos Sociais Urbanos.

A concentração do capital, por outro lado, exprimiu-se pela concentração e pela centralização das unidades de gestão e dos meios de produção, levando, igualmente, à concentração da força de trabalho e, portanto, à concentração dos meios necessários à reprodução desta força de trabalho. Assim, as aglomerações urbanas são organizadas em função da racionalidade produtiva capitalista e é em função desta mesma racionalidade que o espaço urbano é apropriado pelas classes sociais.

Movimento Social Urbano na sociedade capitalista A direção imprimida por outra conformação teórica aponta para a cidade como espaço físico onde se realizam as relações sociais geradas pela industrialização nos moldes capitalistas, processo que é contraditório, dada a intervenção de distintas forças sociais. Nessa medida, analisando as relações sociais engendradas por esta relação de produção, que faz da extração do trabalho excedente ou da produção da mais valia o conteúdo específico e o fim concreto da produção capitalista, tem-se demonstrado os mecanismos utilizados pelo capitalista no suprimento do limite mínimo das necessidades do trabalhador para a realização da reprodução do operariado9. Tal acontece porque o valor da força de trabalho se reduz ao valor de uma determinada soma de meios de vida, variando, pois, de acordo com o valor desta. Mas os meios de vida, seu volume, bem como sua satisfação, são um produto histórico, decorrente de fatores tais como o nível de cultura de um país, condições, hábitos e exigências com que se haja formado a classe dos operários livres. O processo de reprodução da força de

Assim, as condições de reprodução da força de trabalho tem sido conseqüência inclusive da organização operária, definindo exigências no tocante aos meios de vida, tais como transporte, saúde, habitação, etc., conquistas arrancadas do Estado, basicamente.

Em resumo, o urbano é o local principal da reprodução do capital e da força de trabalho. No cerne desta dinâmica, estabelecem-se os chamados conflitos urbanos, referentes ao problema do suprimento dos bens e serviços necessários à reprodução da força de trabalho nos centros urbanos (cidades) e dos significados das práticas estatais na solução desta exigência. A ordem dos novos problemas diz respeito, pois, à organização do espaço, à divisão social e técnica do território, bem como da produção, distribuição e gestão dos meios coletivos de consumo-necessários para a reprodução da força de trabalho requerida pelo capital e exigida segundo o estágio da organização das reivindicações populares, tal como descreve Castells. “... a evolução do capital, das unidades de produção do processo de circulação, das forças produtivas, das lutas de classe e das exigências populares, teve efeitos maiores sobre a reprodução da força de trabalho, aumentando consideravelmente o papel do salário indireto (preço e

qualidade dos meios coletivos de consumo e das prestações sociais), em relação ao salário direto distribuído pelo empregador.”11

Como o Estado atua na reprodução da força de trabalho por exigência de caráter econômico e político, segue-se que não o faz equilibrada e satisfatoriamente. Ao contrário, depende dos ciclos de expansão e retração do capital, bem como da correlação das forças sociais numa dada conjuntura. É uma intervenção determinada historicamente, portanto. A incidência dos Movimentos sociais Urbanos, na atualidade, diz respeito à generalização dos problemas urbanos, dada a concentração espacial das unidades de produção e da população. A ‘desordem urbana’ não traduz nada mais que a apropriação diferenciada e desigual do espaço urbano pelas classes sociais, através dos também desiguais recursos de poder que possam deter numa dada conjuntura, em um dado sistema político. O comportamento dos ‘marginais’ urbanos assume, a partir desta concepção, caráter diferente dos examinados pela sociologia vigente até os anos 50. A análise das lutas reivindicatórias levadas pelas populações de baixa renda devem ser pensadas, pois, a partir do fato de que a sociedade é organizada (produzida) pelo modo capitalista de produção, baseando-se na produção socializada de mercadorias e na apropriação da mais valia que o trabalho gera, pelos proprietários dos meios de produção. No caso da cidade capitalista, dado o desenvolvimento das relações de produção e a subseqüente concentração de capital, o substrato real deste processo será o uso do solo urbano como valor de troca e como valor de uso. Valor de troca para o capitalista proprietário, valor de uso para o trabalhador. Do caráter econômico e social que assume o solo urbano, neste contexto, tem-se a determinação das contradições urbanas.

O modo de apropriação do solo urbano, no sistema capitalista, configura espacialmente a distribuição dos bens, equipamentos e serviços necessários à reprodução do capital e da força de trabalho, já que o definidor será a capacidade de renda individual para apropriação do mesmo. Se o solo transforma-se em mercadoria, sua apropriação será diferenciada, considerando a estrutura de classes sociais. Nessa linha analítica toma-se o espaço como espaço ‘produzido’, portanto, pelas relações de produçao12. No nosso estudo, privilegiamos a condição de propriedade das áreas onde verificaram-se movimentos reivindicatórios, porque pensamos ser esta a determinação básica prevalecente na articulação dos mesmos. A condição de propriedade diz da condição de uso que é dada por duas variáveis: nível de renda que define a apropriação diferencial do solo urbano e grau de intervenção do Estado enquanto um dos agentes que definem os valores diferenciais infundidos no solo urbano, através de equipamentos e serviços. Os Movimentos Sociais Urbanos reivindicam equipamentos e serviços ligados à habitação, basicamente, dado o valor que estes significam para a reposição das forças vitais do trabalhador na cidade capitalista. Estes são determinados pelo provimento via Estado já que, para o capitalista, não interessa o investimento neste sentido. Por outro lado, o Estado quando intervém nos processos de apropriação e distribuição do solo urbano e quando atua como produtor ou co-produtor dos meios coletivos de consumo (habitação, educação, saúde, transporte, etc.) é pensado por nós como centro de exercício do poder político. Como tal é entendida a sua ação: como dependente da classe ou fração de classe que detém a hegemonia na sociedade13.

Desta forma, considera-se que a ação do Estado é pautada por duas determinações: pela correlação de forças sociais que o formam e pela distribuição do poder na estrutura social. Assim, quando estivermos nos referindo ao Estado, buscamos deixar presente que nem a sua ação é unívoca, conforme atesta a conjuntura política em exame, nem a sua função, enquanto inversor no plano econômico e enquanto administrador no plano técnico e político, se processa sem gerar novas contradições. O caráter das novas contradições pode ser percebido nesse momento, a partir do surgimento e generalização progressiva dos Movimentos Sociais Urbanos que são “sistemas de practicas sociales contradictorias que controvierten el orden estabelecido a partir de las contradicciones específicas de la problemática urbana”14. Estas práticas significam uma nova direção do conflito social ligado à organização coletiva do modo de vida, nas sociedades capitalistas, na fase do capitalismo monopolista, cuja natureza concentradora requer a intervenção crescente do Estado. Distantes colocam-se, portanto, na análise dos processos de disputa do espaço, as interpretações da sociologia de tradição norte-americana dos anos 50. Inserida no próprio processo de produção capitalista, a ocupação e a luta pelo espaço urbano, pelas classes sociais, adquirem novo sentido. A problemática da abordagem dos Movimentos Sociais Urbanos é bastante conhecida. Partimos do princípio de que esses movimentos fornecem não uma explicação mas uma indicação de análise em que as desigualdades sociais são um ponto de partida a partir do qual os movimentos são, antes de mais nada, ações dos usuários15 da cidade para evitar a degradação das condições de vida e para conseguir um melhor nível de conforto, através da pressão sobre o poder público, que é o fornecedor dos equipamentos urbanos.

O campo conflitual estabelecido pela análise poderia ser resumido pelo seguinte esquema: População consumidora

X

Agentes atuantes sobre o território; Estado como principal instrumento de gestão do consumo coletivo.

Do conflito são suscitadas que conduzem a efeitos políticos (modificação da relação população como poder no no sistema urbano).

ações

que conduzem a efeitos urbanos (modificação da relação equipamento/ população).

Tais ações passam pela contradição objetiva e geral

«Mediação entre»

Movimento Reivindicatório

Através de um processo complexo e longo de tomada de consciência da situação e da possibilidade de modificála. O alinhamento da presente investigação, segundo a abordagem sugerida por Borja, possibilita a superação de muitas das dificuldades presentes na análise do tema. Permite selecionar o essencial das questões presentes numa dada estrutura urbana, entendida como o conjunto das condições gerais de produção em uma unidade territorial, estabelecendo níveis de análise a

serem percorridos na conformação do problema, tal como apresentamos resumidamente a seguir. A ligação entre estrutura e conflitos urbanos é direta e complexa, porque expressa a organização e a gestão da exploração, dada a existência de uma lógica social dominante e resulta da correlação de forças entre as classes sociais. A modificação será conseqüência da transformação dessa correlação, ou seja, mudança de conjuntura política. Os conflitos urbanos, seja qual for a contradição que geram e a base social que os sustenta, têm capacidade desigual de incidir sobre a correlação de forças. Como um conflito urbano passa por diversas fases (não havendo linearidade necessária) nestas podem estabelecer articulação variada com outros movimentos sociais e condiciona a relação com o Estado e suas instituições. Mas, assevera: Em nenhum caso um movimento urbano terá um efeito urbano que modifique a lógica de desenvolvimento da estrutura urbana. Para isso é necessária uma mudança da correlação de forças entre as classes sociais, ou seja, uma mudança de conjuntura política. Por outro lado, na medida em que esta mudança é globa, não é resultado direto de um movimento setorial.”16

Os movimentos podem ser analisados, desde que com reserva, como movimentos reivindicatórios, que são baseados em contradição específica, constituindo-se como de resistência ao capital. Movimentos democráticos baseiam-se em programa que articula a reivindicação com respeito ao consumo e a gestão urbana e inclusive reivindicações quanto ao sistema produtivo e à organização territorial, os quais correspondem a período de ofensiva popular. Movimentos de dualidade de poder ocorrem quando o objetivo político é determinante e correspondem a um período de crise social e de crise do poder.

O objetivo político é determinante porque os movimentos só modificam a estrutura urbana quando a correlação social das classes permite níveis crescentes de intervenção na gestão urbana. E mais: um movimento não passa de um tipo a outro, porque as relações entre as classes é que, modificando-se, permitem esta mudança. Seguindo esse raciocínio, o conceito de movimento social urbano tomado nessa acepção pode incorporar essa capacidade de abrangência cada vez maior de reivindicações. Partirá sempre de necessidades específicas a nível urbano e de equipamentos, alcançando um nível mais geral de objetivos e de poder político e modificando as relações de poder entre as classes. Para nós, esse conceito é relativo. Poderíamos, também nós, generalizar os movimentos em análise sob a denominação de movimentos populares. Mas como uma posição é exigida, podemos, conservadas as considerações metodológicas apontadas até o momento, denominar os movimentos que questionam a produção, o consumo e a gestão no território como Movimentos Sociais Urbanos, sem maiores problemas. É preciso cuidado, no entanto, na adoção do instrumental analítico do tema, no estudo de situações concretas em país de desenvolvimento capitalista dependente e de sistema político de características autoritárias. Isso ocorre porque os movimentos sociais no Brasil inserem-se hoje no processo geral de reorganização popular, forçando criação de canais de participação que não passam, necessariamente, pelos já existentes (partidos, sindicatos, etc.). Esse novo platô de reivindicações move-se em arenas próprias aproximando-se ou diluindo-se conforme a correlação de forças sociais da conjuntura política, tal como veremos a seguir.

Movimento Social Urbano no contexto da sociedade brasileira No contexto da sociedade brasileira, os Movimentos Sociais Urbanos podem ser compreendidos como canais de organização popular diante dos processos econômicos que afetam a qualidade de vida. Se tem possibilidade de afetar a estrutura urbana, no sentido anteriormente apontado, visando a intervenção nas instâncias administrativas significativas ou não, será resultado de um processo de longa maturação, mesmo porque entendemos que as contradições presentes nessa relação se dão de forma contínua e velada, na maioria das vezes. No momento, cabe situar que a incidência desses movimentos, a partir de 1974, reflete um momento de rearticulação política17, e, do ponto de vista metodológico utilizado, expressam uma posição defensiva diante de processos que confluem para a segregação espacial das populações de baixa renda de regiões desenvolvidas, acentuada após a implantação de programas e planos de desenvolvimento urbano. Esses processos são dados não apenas pelo modelo econômico adotado no país, de caráter excludente, mas também pela concentração da força de trabalho que configura-se por seu baixo padrão de vida. Conjugue-se a isto a intervenção do Estado, via política urbana, buscando a regulação do espaço urbano através do equilíbrio entre adensamento populacional e distribuição das unidades produtivas, tal como veremos e teremos indicados os agentes fundamentais para a deflagração dos movimentos. O surgimento de movimentos reivindicatórios referentes ao consumo de equipamentos e serviços coletivos e à ocorrência de invasões de propriedade, gerando mobilizações de resistência nos centros urbanos a partir da década de 70, tem suscitado perplexidade18 por parte dos analistas da realidade social brasileira,

como igualmente tem levado à mudança de enfoque, por parte do Governo, no tratamento da chamada ‘questão’ urbana. De forma geral é com certa perplexidade que os estudos existentes sobre a ação política popular terminam por reconhecer que as virtualidades contidas nos movimentos não alcançam verificação na realidade e não atingem o autoritarismo do Estado, em suma. Há que se investigar, portanto, como na ação do Estado são desenvolvidas estratégias que não apenas demonstram alta maleabilidade diante das reivindicações como consegue mesmo infletir, através de determinadas políticas sociais, na relação antagônica mantida no primeiro momento, assimilando o conflito19. Assim, a questão urbana no Brasil é estrategicamente erigida como principal problema para o governo, deslocando a análise das reais causas do crescimento urbano e seus problemas para os ‘efeitos’ urbanos de uma desorganização das atividades, bens e serviços. É a ótica da organização da ‘desordem urbana’. A mudança no tratamento da questão urbana reflete alterações na base econômica do sistema produtivo, bem como uma rearticulação das forças sociais instaladas no sistema político que buscam a descompressão do mesmo. O surgimento de favelas, que se dava em 1950/1960, não preocupava o regime porque não tinha uma expressão significativa como hoje. Os motivos são vários. O significado que adquire a questão urbana refere-se, hoje, a crise do capital. O mesmo estudo de Blay20 aponta como superação de “... um estágio de expansão do capitalismo brasileiro florescia o investimento em vários setores da economia, em particular na construção civil, que representava uma fonte aparentemente inesgotável de lucro. O investimento estatal em infra-estrutura urbana visava basicamente

dividendos políticos. Além disso, estimulava um retorno econômico, o qual era apropriado pelos empresários particulares”.

O fechamento desse ciclo inaugura o período, portanto, da problemática urbana, com a qual nos debatemos. Datam desse período (expansão do capital), igualmente, as organizações de sociedades de amigos de bairro e de moradores, cujo objetivo era lutar pela instalação de bens e serviços por parte do Estado. Dado o caráter da ocupação do solo urbano para os mais diversos usos, num jogo de interesses enquadrado no cálculo capitalista, o acesso a bens e serviços das populações de menor renda em áreas desprovidas de equipamentos terminou por implementar este tipo específico de organização popular no local de moradia. Solidarizando proprietários e não proprietários na situação de moradores, este canal de organização, no período recente, recebe apoio institucional dos organismos oficiais. A forma de apropriação do solo urbano, no caso brasileiro, caracterizou-se, para a população trabalhadora, pela sujeição aos interesses das empresas imobiliárias, na medida em que, por um lado, o Estado não desenvolveu uma política habitacional que possibilitasse o acesso dos trabalhadores à mesma e, por outro lado, como muitos estudos apontam21, forçando os segmentos de trabalhadores, dado o preço do solo urbano, a adotar a autoconstrução como única forma de acesso a uma habitação. A preocupação do Estado em relação às favelas reflete um interesse na contenção das mesmas, bem como é reiterada a necessidade de prover casas aos trabalhadores. A análise desta questão aponta o crescente processo de centralização da política habitacional pelo Estado22, política essa configurada na criação, em 1964, do Banco Nacional da Habitação, órgão institucional estatal que dita, desde então, todas as diretrizes a serem seguidas

em relação à questão. O surgimento das favelas e de bairros deficientes é, pois, o resultado desses processos, destacando-se que a apropriação do solo urbano, como é regulada pelo mecanismo de mercado, exige uma disponibilidade de renda que o trabalhador não tem. A segregação espacial e social que caracteriza a favela no Brasil torna-se a ‘solução’ habitacional para o trabalhador. Assim, a favelização crescente, nos grandes centros urbanos do país, é a configuração mais imediata da marginalização do trabalhador dos bens econômicos gerados pela economia, a par de um regime político que suspende a sua manifestação. A apropriação do espaço urbano em economias subdesenvolvidas funciona de modo diverso do verificado nas economias desenvolvidas, o que imprime uma qualidade distinta aos movimentos urbanos, embora a manutenção da propriedade privada e o lucro sejam os móveis nos dois casos. “A elevação da renda per capita é gerada por uma elevação do consumo e concorre para a expansão do sistema nestes países. A elevação da renda, porém, pressupõe um estado de ‘’bem estar” em que a prestação de serviços sanitários e das condições positivas de trabalho favoreçam o rendimento do trabalhador. Esta é a exigência da manutenção do próprio sistema. E com isso se acatam inclusive medidas como a apropriação do Estado de uma parte do território que deixa de pertencer à propriedade particular e se destina ao bem comum. Esta “socialização” do espaço no sistema capitalista desenvolvido introduz limites à apropriação privada. É por esta via que países como o Canadá, França, Inglaterra conseguem exercer uma certa orientação no processo de urbanização.”23

Por outro lado, o Estado, como responsável pelo provimento dos equipamentos destinados tanto às empresas como aos moradores, atua na segregação na medida em que termina por infundir transformações no preço do solo.

Estas ações, no entanto, são aproveitadas, para Singer24, pelos especuladores segundo várias estratégias: ou pela antecipação das orientações de investimentos públicos ou pela antecipação das orientações de investimentos públicos ou pela política de favorecimento de acesso à terra urbana, pela camada de baixa renda, em áreas ainda não valorizadas. O passo seguinte será esperar que a própria população, organizada seja em mutirão, em auto-construção, etc., reivindique e conquiste os equipamentos comunitários e urbanos. Então os especuladores, sem investir, têm as áreas adjacentes valorizadas pela ação do Estado. O mutirão, a pressão popular em suas variadas formas terminam, segundo indica essa análise, a valorizar as partes não ocupadas da gleba, na medida em que o governo, para fornecer os serviços requeridos, passa pela parte não ocupada. Podemos inferir como a utilização das reivindicações populares atende aos interesses do capital imobiliário, pondo em ação a transformação do espaço/moradia, considerado um dos elementos da reprodução da força de trabalho, no caso urbano, em espaço/renda. Chama nossa atenção, igualmente, a subutilização dos serviços urbanos, dada a presença destas descontinuidades, refletindo diferentes momentos de valorização do mercado de terras, pela intervenção do Estado. Conclui Singer que, para esta população, que vegeta em favelas ou em vilas operárias, os sistemas de transporte, de comunicações e de saneamento são inacessíveis em maior ou menor grau, ao passo que áreas vagas, que facilitariam este acesso, lhes são vedadas pela barreira da propriedade privada do solo urbano. “Em última análise, a cidade capitalista não tem lugar para os pobres. A propriedade privada do solo urbano faz com que a posse de uma renda monetária seja requisito indispensável à ocupação do espaço urbano. Mas o funcionamento normal da economia capitalista não assegura um

mínimo de renda a todos. Antes pelo contrário, este funcionamento tende a manter uma parte da força de trabalho em reserva, o que significa uma parte correspondente da população que não tem meios para pagar pelo direito de ocupar um pedaço do solo urbano. Esta parte da população acaba morando em lugares em que, por alguma razão, os direitos da propriedade privada nao vigoram: áreas de propriedade pública, terrenos em inventário, glebas mantidas vazias com fins especulativos, etc., formando as famosas invasões, favelas, mocambos, etc. Quando os direitos da propriedade privada se fazem valer de novo, os moradores de áreas em questão são despejados, dramatizando a contradição entre a marginalidade econômica e a organização capitalista do uso do solo.”25

A lógica da cidade capitalista imprime um aparente caos que planejadores urbanistas buscam organizar, pensando a cidade enquanto sistemas interligados que podem ser entendidos e ajustados até o ponto ótimo em termos de racionalização de recursos. A existência das leis do mercado imobiliário, porém, faz do solo urbano uma mercadoria e portanto um bem econômico apropriado, desafiando, na sua lógica, a dos planejadores. O papel do Estado, por sua vez, é o de, mediante seus recursos de poder, legitimar a apropriação privada do solo urbano, terminando por promover a valorização mediante aplicação dos recursos em favor da reprodução do capital e infundir novo valor ao solo através da extensão dos bens, equipamentos e serviços destinados à reprodução da força de trabalho concentrada na cidade. Quanto à lógica dos planejadores, iniciaremos uma breve digressão sobre os supostos contidos no pensamento do planejamento participativo, por oposição ao tecnocrático, discurso manifesto nas últimas experiências de planejamento no Brasil. O que se pretende é examinar a viabilidade de participação da sociedade no planejamento entendido como processo, bem como os possíveis significados da intervenção planificadora posta em marcha no país.

Sociologia do planejamento Diante da aparente irracionalidade na distribuição e ocupação das atividades centradas nas cidades, surge a proposta da planificação urbana, e, mais recentemente no Brasil, do Planejamento Participativo, como forma de ‘alimentação’ de dados da população junto aos órgãos de planejamento, como veremos a seguir. A proposta da planificação urbana será o dispositivo técnicojurídico que passa a servir como instrumento passível de dirimir disparidades no uso/consumo do espaço na cidade. A questão da participação da comunidade nos organismos de planejamento passa a ser imposição dos diferentes atores envolvidos na disputa espacial. O modo diferente de uso do espaço (valor de uso para o trabalhador, valor de troca para o capital) coloca, pois, uma dinâmica nova no conflito social que ainda está sendo desenvolvida no plano da teoria e da prática política. Esta planificação, que normalmente é definida em termos técnico-jurídicos, quando implementada via um plano diretor, infunde uma dinâmica na distribuição espacial das atividades, serviços e população, de seríssimas conseqüências a médio e longo prazo. Superando os limites estreitos em que se dá a disputa política nos bairros, o corpo normativo de um plano diretor pode permitir, entre outros efeitos, a concentração da renda do solo urbano por parte dos setores rentistas e da construção civil, em detrimento da população para o qual teoricamente se destina. Mediante dispositivos legais, a apropriação diferenciada do solo urbano é tomada como uma questão técnica, descaracterizando o sentido político do planejamento. Quando este planejamento se afirma como participativo, é preciso saber-se qual o espaço real conferido à participação comunitária. Na medida em que este planejamento é um instrumento de controle do

desenvolvimento urbano, ele vive o dilema dos usos diferenciais entre o cunho social e a lógica da economia capitalista. Assim, o discurso oficial, ao mesmo tempo em que elabora programas específicos à camada de baixa renda, busca adonarse do discurso comunitário, disciplinando inclusive o espaço físico organizatório das classes subalternas. Este processo, pouco examinado ainda pela análise acadêmica, merece reflexão na medida em que podemos estar diante de uma rearticulação política de não poucas conseqüências. Considerando que a recuperação do comunitarismo está no horizonte político de distintos atores sociais, portando objetivos diferenciados, é de se prever um enfrentamento político de proporções. A questão é candente porque o sistema político vigente no Brasil tem se mostrado, no tratamento destas mobilizações, seriamente interessado na recuperação do comunitarismo, símbolo integracionista da sociologia funcionalista, que caracteriza-se por diluir as diferenças básicas existentes na sociedade organizada em classes sociais. Pretende, antes, fazer convergir em torno de uma suposta identificação de interesses que se definem pela solidariedade desejável entre as divisões administrativas da cidade capitalista, buscando nos bairros, o ‘espírito’ das mini-comunidades rurais. Como um dos teóricos do Planejamento Participativo que embora não explicite, corrobora essa prática, podemos indicar Wilheim e a discussão por ele iniciada: “... dizer aos outros o que devem fazer não foi o ponto de partida do planejamento, trata-se apenas do ponto de chegada, do beco sem saída, de uma forma particular de conceituar planejamento. Esta forma particular poderia denominar-se “planejamento controlador” ou “planejamento alocativo” ou “planejamento tecnocrático”.

O planejamento nasceu como teoria e como prática profissional do desejo de controlar processos de transformação social e da necessidade de otimizar recursos escassos pelo viés do aumento de eficiência. Não e por acaso que seu objetivo central era a eficiência e seu enfoque pragmático.”26

No extremo oposto deste planejamento controlador ou tecnocrático, mas como veremos, nem tanto, tem-se a posição de Mannheim, discutida por Wilheim, nos seguintes termos: “... Karl Mannheim (1893-1943) é quem com maior clareza e profundidade, lançou as bases de uma sociologia do planejamento. Em seu livro “Ideologia e Utopia”, descreve duas formas de pensamento, o pensamento ideológico, preocupado com a justificativa e explicação de uma situação existente, e o pensamento utópico, preocupado em transcender a situação e voltado para uma situação futura e socialmente desejável. Considerando o planejamento como a forma moderna da relação pensar-agir, superando as eras da descoberta causal e da invenção, Mannheim propõe uma praxis voltada para a transformação da sociedade. O planejador deveria utilizar-se de um pensamento utópico que lhe permitisse atribuir valores e normas à sua conceituação. Contrariava, destarte, a posição weberiana que desejava o exame de fatos independentes de seu valor. Num planejamento que se preocupa em definir valores acaba levando a um enfoque forçosamento político, o planejamento, segundo Mannheim, não pode estar desligado da política e os fatos analisados nunca são puros, dependendo sua interpretação de perspectivas em que os situa o planejador. Ou, como se diria mais tarde, do sistema ao qual pertence.”27

A proposta de Mannheim, subscrita por wilheim, é que, assumindo o caráter político de sua decisão planificadora, o planejador, no caso o urbanista, deve adotar o comportamento do cidadão. Ou seja, a utopia deve funcionar como vetor da estratégia transformadora. Para tanto, deve assumir uma postura democrática, como que refletindo os anseios da sociedade sobre a qual se debruça. Termina propondo a adoção do urbanismo democrático.

“A diferença entre um urbanismo controlador e um urbanismo democrático reside, inicialmente, na posição assumida pelo urbanista no contrato social que tacitamente se estabelece. Uma lei do uso do solo é, por definição, um elemento disciplinador. Dentro de uma ótica controladora a ênfase será posta na perfeição, residirá na eficiência de sua execução e de se evitar a burla. Dentro de uma ótica democrática, a ênfase residirá na adaptabilidade a novas situações, às formas de sua correção gradual.”28

Assim, depreende-se que o urbanismo democrático seja sempre inovador porque cerca-se de instrumentos financeiros e humanos, tendo o poder público como promotor deste efeito transformador. Quer dizer: não se limita, já que a sociedade é dinâmica e múltipla, a prever. Busca, antes de mais nada, localizar os fatores de transformação para então, induzir, mediante o pensamento utópico, as transformações desejáveis. Para Mannheim e Wilheim e para os planejadores orientados por esta ótica, a percepção do planejamento como processo decisório, e portanto político, termina subtraindo o fato de que, numa sociedade organizada em moldes capitalistas, o sentido deste não é dado pelo técnico, mesmo que este tenha a intenção de pairar sobre as classes, mas antes pela questão: é possível planejar a desorganização da produção capitalista? No caso, as cidades não são organismos vivos, mas o locus da produção/reprodução capitalista, antes de mais nada. A segunda consideração a ser feita é também breve e referese à crítica presente na ótica de Wilheim que, parece-nos, é partilhada pelo planejador em geral. Para ficarmos na questão urbana apenas, a crítica antiurbana tem colocado a questão da qualidade de vida, como se esta fosse decorrente do espaço físico e não função da reprodução da força de trabalho em bases capitalistas. Este é o limite da crítica e da indução à transformação da sociedade proposta pela maioria dos urbanistas. Senão, basta

confrontar as medidas do planejamento dito democrático ou, se quisermos, do urbanismo inovador e a realidade.

às vezes ser decorrente de uma obra física (construção de um teatro, por exemplo).”29

Como assinalamos, estas duas considerações são breves, requerendo um desdobramento que não pode ser feito nos limites desta investigação. Cabe registrar a nossa divergência em relação ao que convencionou-se chamar de ‘planejamento participativo’. Como panacéia é legítimo enquanto legitima a posição social do urbanista. Como função social, no entanto, encobre o que dizíamos anteriormente: como organizar o espaço físico das cidades organizadas em bases capitalistas? Quando Wilheim afirma que o promotor das transformações é o poder público, mas que esta indução seja ‘democrática’ e não ‘controladora’, ‘alocativa’ ou ‘tecnocrática’, que está querendo dizer? Que existe (à maneira de Mannheim) um grupo sintetizador da realidade e que mediante processos técnicos (mas democráticos, frisa), pode e deve apontar no sentido da ‘utopia urbana’: uma cidade para os cidadãos. Senão vejamos:

Tal posição não é assumida por Castells, para quem o planejamento é sempre político e orientado segundo interesses da classe que detém o controle do sistema político.

“... O planejamento deve integrar aspectos e disciplinas diversas: o campo físico, compreendendo as estruturas e infra-estruturas, de responsabilidade de arquitetos, paisagistas, geógrafos, engenheiros e comunicadores visuais; o campo econômico, compreendendo as estruturas produtivas, os aspectos financeiros e econômicos, inclusive a elaboração de orçamento plurianual, de que participam os economistas, o campo social, compreendendo recursos humanos, assistência médica e estruturas de ensino, relações e mudanças sociais, de responsabilidade de sociólogos, psicólogos e políticos, e o campo administrativo ou institucional compreendendo os instrumentos legais e administrativos de implantação do processo de planejamento, de responsabilidade de técnicos de administração.

Neste sentido, qual o caráter da política urbana no Brasil, segundo estudos mais recentes, considerando que o planejamento tem sido evocado como solução para dar conta da crise brasileira, como apontava anteriormente Blay? E, no tema em questão, qual o papel assumido pelos Movimentos Sociais Urbanos nesta problemática?

A integração desses campos na prática do urbanismo, não permite sua separação nítida, a não ser para o desempenho de tarefas específicas ou para fins didáticos. As principais medidas resultantes de uma decisão urbanística tem geralmente alcances integrados: o zoneamento tem alcance físico e econômico, a melhoria de recursos econômicos e pode

“O planejamento urbano pode definir-se, em geral, como a intervenção do sistema político sobre o sistema econômico, a nível de um conjunto sócio-espacial específico, intervenção encaminhada para regular o processo de reprodução da força de trabalho (consumo) assim como a reprodução dos meios de produção (produção), superando as contradições postas no interesse geral da formação social cuja substância procura assegurar.”30

Neste contexto, a questão que se coloca é a da posição e do peso que os múltiplos agentes sociais possuem no sistema político em dado momento, o que determinará a possibilidade de vir a ter seus interesses atendidos ou não pelas intervenções planificadoras do espaço urbano que se efetuam.

Crise urbana e política urbana no Brasil A nível de Estado, a crise urbana no Brasil engendra um esforço de planificação, que tem significados precisos, atendendo a determinados interesses. Alguns são identificados a seguir. Em princípio trata-se de ver o surgimento da própria crise. “... a crise urbana desponta como resultado de um crescimento não planejado: é o resultado do novo e contínuo a fluxo de migrantes, agora

não apenas de zonas rurais, mas claramente de outras zonas urbanas. Para disciplinar este ‘caos’, o Estado intervém sob várias formas, duas das quais cabe analisar aqui. Em primeiro lugar, a intervenção estatal sob a aparência de organizar o espaço - investe em infra-estrutura urbana. Desta forma, responde em parte as exigências do empresariado que reforça sua fonte de capital mediante contratos governamentais. À medida, porém, que o investimento estatal se retrai, agrava-se a crise econômica do setor empresarial direta e indiretamente envolvido na produção da cidade. Em segundo lugar, apela-se aos planeja dores, cientistas sociais, geógrafos, demógrafos, arquitetos, urbanistas, etc., a fim de que criem planos para a solução da crise urbana. E, de repente, a sociologia urbana é relembrada e retorna à moda.”31

Em segundo lugar, de discernir como o desenvolvimento urbano recente, a partir de 1964, no Brasil, especialmente a partir da perspectiva modernizadora assumida pelo aparelho do Estado, é definido como a compatibilização dos objetivos, estratégias e instrumentos da política nacional de desenvolvimento com o sistema urbano existente e o modelo de organização territorial que se pretende alcamçar32 As principais conclusões desse estudo, apontadas por Liedke indicam que: 33

1) essa política está favorecendo a instalação de bases para a superação de barreiras pré-capitalistas ou “pré-mercado moderno”, como se queria no Brasil, sendo que; 2) o sistema de planejamento vive ambigüidades, cabendo aqui ressaltar a contradição apontada pelo autor entre o caráter centralizador e autoritário que orienta a política de planejamento e a natureza do sistema econômico, onde predominam unidades de produção (estatais e privadas) com ampla margem de liberdade; 3) essa política e a mobilização da problemática evidentemente trouxeram foros de legitimidade perante a opinião pública, para questões relevantes. A mobilização das autoridades

de vários níveis na administração das questões tem sido, contudo, prejudicada pela natureza muito fechada do sistema de comunicações de caráter político; e, 4) por último, a política urbana, mesmo obtendo relativa legitimação para a problemática, tem sido enormemente prejudicada pelas condições políticas vigentes. O predomínio dos quadros oposicionistas na maioria dos núcleos urbanos metropolitanos no País tem sido obtido às custas da falta de mobilização sobre a questão, pois os partidos políticos (como tal) não se distinguem por nenhuma preocupação especial frente ao conjunto de matérias que compõem substantivamente a política urbana nacional. Todavia, o comportamento eleitoral urbano e metropolitano em especial, está aí para indicar insatisfações.” A crítica do autor, em parte, explicita o campo aberto pelos Movimentos Sociais Urbanos no embate político-institucional, dada a ausência de canais de expressão de questões específicas. Instrumentos de controle do solo urbano A intervenção do Estado no ordenamento do espaço urbano é problema de natureza complexa. No plano teórico, houvemos por bem apresentar as possibilidades, conferidas pela legislação, de ação municipal na questão. Enfim, é a instância imediata de confronto com os Movimentos Sociais Urbanos. O conjunto de matérias que compõem a política urbana no Brasil propicia uma vasta literatura jurídica a respeito dos instrumentos de controle do solo urbano, definindo âmbito de intervenção a nível federal, estadual e municipal. No âmbito internacional há muitos instrumentos que, embora conhecidos no Brasil, têm sido pouco utilizados. Para esta questão recorremos à contribuição de Santos 34, que busca delimitar tanto os instrumentos passíveis de intervenção, por parte das diferentes áreas administrativas sobre o uso do solo urbano, definindo o

âmbito da intervenção, bem como a sua aplicação referente à experiência brasileira. A partir de experiências de intervenção, o autor aponta os limites e os desvios passíveis de ocorrer na aplicação dos mesmos. Discordamos, contudo, de sua interpretação no que se refere à intervenção estatal. Para o autor, os instrumentos utilizados pelo Estado supõem a defesa do bem comum contra os interesses dos agentes especuladores dos terrenos urbanos. No entanto, a decisão de intervenção estatal não parte, do ponto teórico que adotamos, de uma decisão de uma instância alheia à correlação de forças sociais numa sociedade. Ao contrário, dado o caráter do Estado de condutor do processo político e ideológico, essa intervenção é vista por nós a partir de confrontos de classe e a sua natureza é que determina o mesmo. O Estado, portanto, não pode ser entendido como o regulador dos embates entre as classes, como uma instância estritamente administrativa, tal como faz supor o estudo. Ao contrário, o próprio desdobramento do mesmo explicita as contradições engendradas pela intervenção do Estado no uso do solo urbano, bem como a possibilidade de acumulação posta pelos instrumentos ordenadores do solo. Vale reportarmonos a Carvalho35; “... O planejamento governamental, enquanto função do aparelho do Estado, que se verifica no palco dessas contradições, não dispõe politicamente (ou não pode dispor) sobre as classes mas, apenas, para a classe que detém, conjunturalmente, o poder do Estado”. Observada essa perspectiva, os principais instrumentos de controle do uso do solo dirigem-se a instâncias distintas. Senão vejamos: o controle do uso do solo urbano define ocupação e compatibilização de atividades através de instrumentos de caráter jurídico-urbanístico, institucional, fiscal, tributário e político. São de responsabilidade municipal e visam a ordenação com o fito de tornar as cidades mais eficientes, unificando por edificações,

atividades e grupos urbanos (ex.: zona comercial, zona residencial, zona industrial, etc.). Estes instrumentos são as Leis de Zoneamento, as Leis de Loteamento, os Códigos de Obras, os Códigos de Posturas e, por enquanto em São Paulo, a Lei do Solo Criado. Em 1980, o Governo Federal editou a Lei nº 6803, que dá as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas da população. A partir de então, as indústrias devem se instalar em áreas de uso estritamente industrial, predominantemente industrial ou de uso diversificado, determinando sua instalação a partir do grau de periculosidade. Este grau é fixado pela Secretaria do Meio Ambiente (SEMA), órgãos federais e os governos estaduais e municipais. Os padrões de uso e de ocupação do solo deverão ser aprovados pelos órgãos estaduais após ouvirem os municípios interessados. As leis de Loteamento são específicas de loteamentos que completam o zoneamento, constituindo também prerrogativa municipal. Estabelecem quais as condições mínimas para o parcelamento e o uso da terra urbana, na perspectiva do Município. Tais leis costumam prever as relações entre áreas de uso público e de uso privado que deverão ser estabelecidas quando da apresentação de um projeto: dão as condições de desmembramento (divisão de uma gleba ou lotes grandes em uma série de lotes menores) e de remembramento (junção de lotes menores para construir uma unidade maior); dispõem sobre dimensões e hierarquias de vias e prevêem as reservas de áreas necessárias para implantação de equipamentos urbanos; esclarecem as obrigações do loteador quanto à provisão dos serviços de infra-estrutura básica; servem para indicar o que é de interesse coletivo e preservam os direitos dos compradores, impondo deveres aos vendedores. Assim, a possibilidade de legislar para os municípios é ampla (grifo nosso). Vindo a Lei

6.766, de 1979, estabelecer as condições mínimas para o parcelamento urbano, induzindo os governos estaduais e os municípios a adotar normas complementares mais restritivas. Nos loteamentos para moradores de baixa renda existe a recomendação de soluções urbanísticas tradicionais, bem como o uso de tecnologias de construção simples (grifo nosso). Esta excepcionalidade prevista pela legislação, no entanto, tem sido obstaculizada na prática, tal como demonstra a pesquisa por nós realizada. Os Códigos de Obras fazem a ponte entre as leis de loteamento e o uso particular de cada área ou logradouro público, sendo de uso corrente nas prefeituras do Brasil. Servem para regularizar as construções no que diz respeito à forma de ocupação dos lotes, dos coeficientes de aproveitamento do terreno, a altura das edificações, etc. Como costumam classificar as edificações segundo o uso, acabam, no caso das edificações com fins residenciais, sendo elitistas, assevera o autor e nossa observação confirma, porque não observam as condições de construção da população de baixa renda, que é maioria da população urbana no país (grifo nosso). Os Códigos de Postura são os que estabelecem as formas de utilização de espaços públicos e privados nas cidades. Constituem-se numa coleção de regras e sanções visando a preservação do interesse coletivo em detrimento dos direitos individuais (uso de calçadas, controle de ruídos, etc.). Como iniciativa de controle do uso especulativo do solo tem-se a “Lei do Solo Criado”. É uma inovação proposta em São Paulo, inspirada em modelos europeus e norte-americanos. Consiste em separar o direito de propriedade do direito de construir. O proprietário do solo não teria os mesmos direitos em relação ao espaço aéreo, considerado de propriedade coletiva. Em cada lote seria garantido o direito de construir apenas o

equivalente a uma vez a área do terreno. Daí para cima seria preciso pagar à autoridade pública para avançar na ocupação vertical do espaço. Esta arrecadação se destinaria a investimentos em infra-estrutura e equipamentos urbanos, tornados mais necessários à medida que se adense uma área pela construção em altura. Segundo o autor essa medida está sendo discutida pelas implicações burocráticas de aplicação. Parece adequar-se antes às áreas rarefeitas e de preservação dos edifícios históricos. Além desses instrumentos de caráter jurídico-institucional, existem os instrumentos de caráter urbanístico-institucional, como os Programas de Renovação Urbana e de Formação de Estoque de Terra. Os Programas de Renovação Urbana visam, em princípio, a melhoria das áreas tidas como decadentes ou que apresentem infra-estrutura e equipamentos ociosos, possibilitando adensamentos. O investimento público teria seu retorno garantido através da cobrança de taxas e impostos, com o acréscimo causado pela melhoria. O caráter empresarial desse tipo de programa exclui preocupações sociais ou redistributivas, já que ocasiona a expulsão dos mais pobres, incapazes de suportar as externalidades positivas introduzidas nos locais onde moravam. O projeto CURA, do BNH, é o principal programa de recuperação é já foi usado e várias cidades de grande e médio porte (grifo nosso). Em Porto Alegre esse programa foi aplicado em área central, tendo-se observado a confirmação desse processo excludente (ver secção 3.2). Já os Programas de Formação de Estoque de Terra consistem na aquisição, pelo poder público, de terras nas periferias urbanas. Esses terrenos, comprados a baixo custo, funcionariam como estoque regulador das condições de mercado. Quando houvesse tendências para a alta de preços, o governo aumentaria a oferta, recuperando o equilíbrio. Além do mais, as

externalidades positivas geradas pela urbanização não seriam apropriáveis pelo capital privado. O estudo aponta que exemplos de aplicação deste instrumento não foram satisfatórios porque a compra de terras acabou gerando uma valorização artificial nas áreas, ficando as terras adquiridas, ilhadas, no meio de outras mais caras. Acentua que o BNH, ao criar essa linha de financiamento às prefeituras, além de se defrontar com a valorização via intervenção do governo de áreas sem valor anterior, ainda corre o risco de agravar as descontinuidades internas, ao promover a compra de grandes extensões de terras contínuas para além da mancha urbanizada, agravando a situação de inúmeros lotes desocupados no interior de cidades de médio e grande porte.

dos terrenos, mas teria de excluir os proprietários que pretendem fazer uso de seus terrenos para construir casa própria (grifo nosso).

Na continuação desta política de ordenamento do uso do solo há ainda os instrumentos de caráter fiscal e tributário, que são o Imposto Sobre Lucro Imobiliário, o Imposto Territorial Progressivo e as Contribuições de Melhoria.

Como complemento da regularização da ocupação territorial há os instrumentos de caráter político como a Política de Subsídios à Construção Habitacional, a Política Específica para Regiões Metropolitanas, as Desapropriações e a Política de Organização de Base.

A criação do “Imposto sobre Lucro Imobiliário” gerou enorme polêmica por parte dos monopolizadores do solo urbano. A criação desse imposto compulsório sobre lucros extraordinários lança o embrião do que poderá ser no futuro o imposto sobre lucros imobiliários. Já existiu, desde 1964, um imposto sobre ganhos de capital na transmissão de imóveis, que foi abolido. Os ganhos de capital eram apenas aparentes. Concluímos que este imposto não deverá lograr continuidade, apesar da esperança apontada pelo autor, dado os interesses em jogo. O Imposto Territorial Progressivo é uma variação do Imposto Territorial. Além de poder vir a ser excelente fonte de renda para a municipalidade, funcionaria como instrumento regulador da ocupação do solo. Esse instrumento, tal como acentua o autor, presta-se ao controle do caráter especulativo

A Contribuição de Melhoria está prevista na Constituição desde 1934, mas jamais foi utilizada com vigor. Trata-se de um tributo devido pelos proprietários beneficiados com a execução de investimentos públicos que valorizam seus imóveis. O estudo aponta que o poder público assim se ressarciria do mais-valor criado às custas do investimento coletivo e apropriado individualmente. O valor da cobrança seria limitado ao reembolso financeiro da valorização propiciada. A pressão política desfavorável a esta cobrança impede, até o momento, sua aplicação.

A Política de Subsídios à Construção Habitacional trataria de programas de redução de custos e de subsídios, como o Programa PROFILURB (lotes urbanizados), FICAM (financiamento em lotes próprios) e PROMORAR (oferta de terrenos recuperados a preços abaixo dos do mercado). Destas políticas, apenas o PROMORAR é contemplado na nossa análise. A Política Específica para Regiões Metropolitanas e Cidades de Porte Médio é de difícil implementação, dado o pouco recurso que detêm as autoridades metropolitanas. Cabe-lhes o planejamento dos serviços de interesse comum e a promoção do zoneamento metropolitano. Através do CNDU (Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano) foi elaborada a Lei de Desenvolvimento Urbano Nacional, para incentivo às cidades

médias e o financiamento de estudos básicos para as principais cidades brasileiras. No caso da Desapropriação por Necessidade e Utilidade Pública, a legislação é de competência da União. O Município é um executor, mas só pode desapropriar bens particulares. Já o Estado e a União podem desapropriar bens municipais. A desapropriação é indenizável e deve atender a três requisitos: ser prévia, justa e em dinheiro. A desapropriação obriga a que se use o solo adquirido de forma equitativa e que se aumente ao máximo a acessibilidade de todos os cidadãos ao local desapropriado e aos que lhe são contíguos, com o fim de evitar que o próprio governo se torne investidor imobiliário, agindo como uma unidade de capital e lucrando com o mais-valor das obras que ele mesmo realiza. A Lei 6.766 faz referências ao tema, definindo competências e garantindo aos expropriados a preferência de reaquisição, antes do lançamento no mercado. Esta lei, na prática, tem sido aplicada em casos excepcionais, que mereceriam estudos específicos, dada a gama de problemas suscitados. As Políticas de Organização de Base referem-se ao reforço das instituições ligadas aos problemas específicos urbanos, tais como as Associações de Bairro e as Associações de Moradores. Dizem respeito, basicamente, ao tema em análise. Como vimos, é bastante complexa e controvertida implementação de políticas destinadas ao ordenamento urbano, caso queiramos adotar a perspectiva da população de baixa renda, que, através dos Movimentos Sociais, busca intervir no processo de distribuição e ocupação do solo urbano. Basicamente, ao ferir os interesses dos setores imobiliários que detêm e monopolizam a propriedade privada do solo urbano, contam ainda menos com a expressa decisão política do Estado, na superação da crise urbana.

Dado o objetivo da pesquisa, a concreção dos principais elementos intervenientes na deflagração dos movimentos reivindicatórios e a abordagem possível, por nós elegida, para dar conta de dimensões importantes, estão contidas nessas considerações. Resta percorrer, no caso de Porto Alegre, o desdobramento dos mesmos, na especificidade dos movimentos analisados. Delimitação do campo de investigação A pesquisa concentra-se no município de Porto Alegre, área central de importante região metropolitana. Considerando os amplos recursos destinados para a capital do Estado, Porto Alegre, em relação aos demais municípios da região, aparece estatisticamente de maneira bem servida, em termos de serviços e equipamentos. A incidência de movimentos nos últimos anos, no entanto, parece dirigir a atenção para as questões apontadas e para o enfrentamento da problemática urbana atual. Com o adensamento demográfico, a cidade de Porto Alegre sofreu uma série de políticas de planejamento que incidiram em maior ou menor grau na fisionomia e funcionalidade da cidade. Dessas, a que se destaca pelo maior grau de abrangência é a que está formulada nos dispositivos do Primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, Lei Complementar nº 43, de 21 de julho de 1979 e Decreto nº 6.921 de 29 de agosto de 1979. Os princípios gerais desse plano visam o ordenamento do crescimento urbano, o aproveitamento dos recursos administrativos, naturais, culturais e comunitários, bem como o atendimento às necessidades e carências da população, a conservação do patrimônio ambiental, histórico e cultural. Pretende ainda a ordenação do uso e ocupação do solo e a participação comunitária.

Com a implantação do Plano Diretor em 1979, que utiliza índices de aproveitamento do solo urbano conforme o tipo de Unidade Territorial de Planejamento (UTP), propõe-se que a população total urbana de Porto Alegre seja constituída por cerca de 2.400.000 habitantes, distribuídos homogeneamente com vistas ao adensamento de espaços rarefeitos e contenção de crescimento dos demais, já saturados. Ora, esta diretiva está a gerar profundos conflitos entre o poder público e as populações atingidas pela intervenção planificadora. O que agudiza, em última instância, a contradição entre a reprodução do capital e a reprodução da força de trabalho. Os desdobramentos desse conflito serão objeto de nossa análise, porquanto a ocorrência desse processo parece-nos significativo na medida em que tem-se o cruzamento das dimensões que pretendemos centrais para uma aproximação com a questão das contradições urbanas e as práticas sociais recorrentes dos agentes envolvidos. O período escolhido, por apresentar configuração expressiva, é o de 75/82, imediatamente anterior e posterior à implantação do Plano. Procedimentos metodológicos Os procedimentos metodológicos utilizados partiam da premissa que concebe os Movimentos Sociais Urbanos como simplesmente ações de usuários da cidade capitalista, na busca da superação da sujeição dos mecanismos de espoliação urbana. Assim, buscou-se compreender como estas ações terminam por circunscrever-se num campo conflitual específico, distinto do que ocorre com outros tipos de ações de caráter mais organizado, como o partidário, o sindical, etc. O campo conflitual estabelecido para a pesquisa sofre inflexão da conjuntura política caracterizada pelo processo de abertura política que atravessa o país, pois, em certa medida, essa possibilitou o extravasamento destas tensões

dadas pelo modelo econômico excludente. Assim, as reivindicações urbanas tomaram direção da contestação das condições de vida das grandes massas dos trabalhadores, a qual é medida através dos indicadores de qualidade de vida. Coleta de dados Inicialmente, organizamos um fichário dos eventos que diretamente incidem na qualidade de vida urbana, tendo por base reportagens da imprensa local. Secundariamente, coletamos matérias referentes a indicadores sociais nas suas diversas dimensões: habitação, rede de água, esgoto, limpeza, coleta de lixo, iluminação pública e domiciliar, vias pavimentadas, transportes, saúde, educação e lazer. Considerando, no entanto, a estratégia adotada para a pesquisa, este procedimento foi abandonado, já que não é possível estabelecer a relação do consumo habitação de baixa renda/ equipamentos, em estatísticas agregadas. A utilização de indicadores, por outro lado, à medida que permite a elaboração de um sistema válido de índice das principais dimensões que enformam o quadro de vida de uma dada população, também opõe algumas dificuldades. A principal delas está no fato de que dificilmente se obtém uma série temporal completa. Essa dificuldade pode ser diminuída com a aproximação de dados aproximados, não raro de outra fonte. Como os indicadores são levantados por órgãos variados, que normalmente utilizam critérios próprios, torna-se necessária uma adequação entre as diferentes fontes, para obter-se um sistema válido. Este mesmo processo é utilizado para a segunda maior dificuldade, que se refere ao fato de que os dados normalmente são agrupados por regiões ou micro-regiões, permitindo pouca delimitação das camadas sociais com acesso a este ou àquele serviço. Desta forma, o uso dos indicadores é eficiente no plano mais geral, mas deve

ser complementado com outras medidas para uma delimitação mais precisa da qualidade de vida comunitária. A situação de posse/propriedade, pela mesma razão, foi acompanhada através de documentos existentes nos órgãos da administração. Bastante precários, os dados obtidos permitiram, no máximo, levantamentos por área. Acreditamos que os dados que possibilitem levantar o quadro da qualidade de vida urbana, pela população de baixa renda, não apenas requer uma metodologia apropriada, mas recursos de proporções. Os anos 75 a 78 não foram cobertos amplamente pela imprensa, em vista da incidência das matérias ser mínima em relação aos anos 78 a 82, no que se refere a mobilizações, ficando as matérias mais do ponto de vista das condições gerais da habitação, saúde, programas urbanísticos que incidiam na cidade. Já os anos 78 a 80 foram cobertos extensivamente, uma vez que o período apresentou-se como de ascenso do movimento por vários fatores. Registrou-se no período aproximadamente 200 matérias envolvendo reivindicações de equipamentos e infraestrutura e, principalmente, a questão da posse/propriedade. O período 80 a 82 foi pouco coberto por material jornalístico, já que a questão da qualidade de vida ficara subordinada à da propriedade da terra, passando o estudo a privilegiar os programas de urbanização propostos para vilas/bairros. De toda a forma, construímos um quadro demonstrativo não de todas as reivindicações, que se repetem, mas da relação situação legal e reivindicações. Como este foi o nosso ponto de chegada da coleta de material nesses anos, consideramos interessante registrar este quadro e não outros, que dispomos, para os objetivos deste trabalho.

Pesquisa de campo Da maior validade, no entanto, foi a pesquisa de campo, onde coletamos a reflexão dos atores envolvidos no campo conflitual que nos propunhamos enfrentar como objeto de pesquisa. Assim, valemo-nos de nossa participação na Federação Riograndense de Associações de Moradores e Amigos de Bairro (FRACAB) à época do lançamento das Campanhas pelo Custo de Vida e do Movimento dos loteamentos clandestinos, e do nosso acompanhamento quando da apresentação e discussão do I Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (IPPDU) à cidade. Buscamos refletir as questões em jogo igualmente aplicando entrevistas junto ao pessoal administrativo da Secretaria do Planejamento Municipal, Conselho Estadual de Desenvolvimento Urbano e Departamento Municipal de Habitação, visando esclarecer a questão a partir da ótica institucional. A ótica popular foi refletida a partir de participações em reuniões de Moradores no Campo da Tuca (Bairro Partenon); reunião de apresentação de projeto alternativo à urbanização proposta pela municipalidade (Bairro Partenon); entrevista com lideranças da Vila Monte Cristo(na Vila Nova) e da Viçosa (divisa com o município de Viamão) e presença no lançamento de Associações de Amigos de Bairro, no Morro Santa Tereza, onde as vilas estavam ameaçadas de despejo. Além da bibliografia relacionada, utilizamos como material auxiliar: a) Boletins da Federação Riograndense de Associações; b) Material de seminários, promovidos exclusivamente para debater a questão urbana e suas dimensões. Os elementos colhidos através desses instrumentos de pesquisa, além de traçarem as linhas básicas e nos conduzirem à

reflexão do conhecimento acumulado sobre o tema Movimentos Sociais Urbanos, introduziram dimensões inusitadas. A pesquisa, mesmo sofrendo percalços, permaneceu centrada no campo teórico, que acreditamos produtivo. Por esse motivo, sugerimos aos demais investigadores interessados um aprofundamento da temática.

CASTELLS, Manuel. Movimientos sociales urbanos. 4.ed. Madrid, Siglo Veintiuno, 1977. p.3. 2 PARK, Robert E. & BURGESS, E.W. & McKENZIE, R.D. The City: suggestions for the investigation of human nature in the urban environment. Chicago, The University of Chicago Press, 1967 3 CASTELLS, Manuel. Problemas de investigação em sociologia urbana. Lisboa, Presença, 1975. p.27. 4 CARDOSO, Fernando Henrique & FALETTO. Dependência e desenvolvimento na América Latina. 3.ed. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1975. p.17. 5 GERMANI, Gino. La sociologia de la modernización. Buenos Aires, Paidos, 1969. 6 MERTON, Robert K. Sociologia - teoria e estrutura. São Paulo, Mestre Jou, 1968. p.237. A análise funcionalista da marginalidade supõe o desarranjo entre as partes como a causal-explicativa dos comportamentos divergentes. 7 KOWARICK, Lúcio. O capitalismo e marginalidade na América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975. p.19. 8 BLAY, Eva Alterman. Crise urbana ou crise de reprodução do capital. In: ______, org. A luta pelo espaço. Petrópolis, Vozes, 1978. p.12. 9 MARX, Karl. La jornada de trabajo. In:______. El Capital. 2.ed. México, Fondo de Cultura Econômico, 1973. T.1, Sec.3, Cap.8, p.172. 10 MARX, Karl, op. cit., T.1, Sec.2, Cap. 4, p. 103. La transformacion del dinero en capital, p.103 - discute como os meios de vida são um produto histórico, infundindo caráter histórico à questão da reprodução da força de trabalho. 11 CASTELLS, Manuel Crise do Estado. Consumo coletivo e contradições urbanas. In: POULANTZAS, Nicos, org. O Estado em crise. Rio de Janeiro, GRALL, 1977. p. 164. 12 As formas de geração da renda do solo urbano e as frações econômicas e sociais que representam os agentes urbanos intervenientes no processo são analisadas por: ALQUIER, François. Contribucion al estudio de la renta del suelo urbano. Colombia, Universidad del Valle, s. d. 26f. mimeogr. Separata de Espaces et Societés, Paris (2), mar. 1971. e LOJKINE, Jean. Existe la renta del suelo urbano? Colombía, Universidad del Valle, s.d. 12f. mimeorg. Separata de Espaces et Societés, Paris (2), mar. 1971. 1

POULANTZAS, Nicos, org., op. cit., 1. parte. CASTELLS, op. cit., p.3. “Sistemas de práticas sociais contraditórias que controvertem a ordem estabelecida a partir das contradições específicas da problemática urbana”. 15 BORJA, Jordi. Movimentos sociales urbanos. Buenos Aires, Siap-Planteos, 1975. p.47. “Em nenhum caso um movimento urbano terá um efeito urbano tal que modifique a lógica do desenvolvimento da estrutura urbana. Para isto é necessario uma mudança da correlação de forças entre as classes sociais, quer dizer, uma mudança de conjuntura política. Por outra parte, na medida em que esta mudança é global, não e resultado direto de um movimento setorial”. 16 BORJA, op. cit., p. 47. 17 As distintas visões políticas sobre a conjuntura pós-74 e o papel desempenhado pelos movimentos sociais, reaparição da ação político-reivindicativa da classe trabalhadora, a ação dinamizadora das comunidades eclesiais de base, do movimento estudantil, dos sindicatos, das associações de moradores da periferia depois, principalmente de 1978, podem ser colhidas na discussão de CARDOSO, Fernando Henrique. Regime político e mudança social. Revista de Cultura e Política, São Paulo, CEDEC/Paz e Terra, (3): 7-25, nov.1980/jan.1981. e MARTINS, Carlos Estevan et alii. Regime polítíco e mudança social: comentários. Revista de Cultura Política, São Paulo, CEDEC/Paz e Terra, (3): 27-46, nov.1980/jan.1981. 18 A resenha bibliográfica dos anos 70/80 referente ao tema pode ser encontrada em JACOBI, Pedro. Movimentos Sociais Urbanos no Brasil. Boletim Informativo de Ciências; Sociais. Rio de Janeiro, IUPERJ, (9):22-30, 1980. 19 CARDOSO, Ruth. Movimentos Sociais Urbanos e a constituição dos novos atores políticos. São Paulo, Centro Brasileiro de Análises e Planejamento, 1983. Trabalho elaborado para o Programa de Participação Popular do UNRISD - United Nations Research Institute for Social Development. mimeogr. 20 BLAY, op. cit., p. 14. 21 MARICATO, Ermínia. Autoconstrução, a arquitetura possível. ln:_____, org. A produção capitalista da casa (e da cidade). São Paulo, Alfa-Omega, 1979. P. 71. 22 PEREIRA, Luiza Helena. Habitação popular no Rio Grande do Sul, 1890-1980. Porto Alegre, UFRGS, Curso de Pós-Graduação em Antropologia, Política e Sociologia. 256p. Dissertação de Mestrado. p.57. 23 BLAY, op. C1t., p. 82. 24 SINGER, Paul. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: MARICATO, Ermínia, org. A produção capitalista da casa (e da cidade). São Paulo, Alfa-Omega, 1979. p.21. 26 WILHEIM, Jorge. O substantivo e o adjetivo. São Paulo, Perspectiva, 1979. p.39. 27 WILHEIM, op. cit., p. 45. Neste texto e referenciado MANNHEIM, Karl. Liberdade, poder e planificação democrática. São Paulo, Mestre Jou, 1972. Para a concepção de valor em Marx Weber, alinha-se, entre outros, GOLDMANN, Lucien. Ciências humanas e filosofia - que é a sociologia? 3.ed. Traduzido por L.C. Garaude e J.A. Giannotti. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1972. 118p. 28 Por WILHEIM, op. cit., p.47. 13

14

WILHEIM, Jorge. O substantivo e o adjetivo. São Paulo, Perspectiva, 1979. p.53. CASTELLS, op. cit., p. 223. 31 BLAY, Eva Alterman. A crise urbana ou crise de reprodução do capital. In:_____, org. A luta pelo espaço. Petrópolis, Vozes, 1978. p.16. 32 SCHMIDT, Benício. O estado e a política urbana no Brasil, 1964-1976. Porto Alegre, UFRGS, PROPUR, 1978. 33 LIEDKE FILHO, Enno D. & FERRETTI, Rosemary B. Planificação urbana, gestão e condições de vida em área central metropolitana: o Primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre. Porto A1egre, 1980. mimeogr. trabalho inédito, não paginado. 34 SANTOS, Carlos Nelson. O uso do solo e o município. Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Administração Municipal, s.d. mimeogr. Trabalho apresentado no curso do Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 8a lição. 35 CARVALHO, Horácio Martins de. Planejamento e Estado nas sociedades capitalistas. Encontros com a civilização brasileira, Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, (9): 64, mar. 1979. 29 30

EVOLUÇÃO URBANA DE PORTO ALEGRE

Porto Alegre e as primeiras experiências de planejamento urbano Porto Alegre, inicialmente conhecida por Porto de Viamão (1732), surgiu como um dos núcleos urbanos da colonização açoriana no Rio Grande do Sul. Teve por primeira e, por longo tempo, primordial função econômica, a função comercial, especialmente de comercialização de trigo, durante seu primeiro século de existência, e posteriormente de produtos das colônias alemãs instaladas a partir de 1824, e italianas, de 1875 1. Sua transformação em capital do “Continente de São Pedro”, em 1773, substituindo Viamão, que em 1762 substituíra Rio Grande, primeira capital, então sob jugo castelhano, veio a significar a emergência, também, da função político-administrativa e militar. A essas duas funções, com o desenvolvimento do mercado interno, graças à consolidação dos núcleos coloniais no último quartel do século XIX, vem finalmente agregar-se a função industrial “Porto Alegre entra em franca fase de industrialização a partir de 1890... Este surto industrial faz parte da onda de industrialização que, pela primeira vez, varria o país por ocasião do encilhamento... A indústria de Porto Alegre cresce, num primeiro período, apoiada no mercado das colônias, onde goza de posição privilegiada. Somente depois de esgotar

estas possibilidades de expansão é que ela se lança no mercado nacional, contando, no entanto, com sólida base regional. É este fato que acaba capacitando a indústria porto-alegrense a conquistar a supremacia no Estado.”2

Os dois trabalhos eram de caráter viário e, embora com alguns valores pelo lançamento de eixos fundamentais da estrutura e pela sua adequação à funcionalidade próxima, não passavam de uma rede para circulação, sem conhecimento do que nela deveria circular.

No início deste século já estavam colocados os primeiros problemas urbanos. Prosseguia o adensamento da cidade. Novas indústrias surgiam e as existentes se desenvolviam em função da guerra de 1914.”3

Continuava faltando um estudo sócio-econômico da cidade...”4

O conflito europeu concorreu, nesse período, para um florescimento da industrialização nos países produtores de matéria-prima, dentre eles, o Brasil. A economia de base industrial floresce diante dos novos mercados. É neste Contexto que, na administração do Dr. José Montaury, o arquiteto João Moreira Maciel traça o “Plano Geral de Melhoramentos” para a cidade, propondo a subdivisão de alguns quarteirões centrais, projetando a continuação de avenidas principais que, partindo do centro, buscam ligá-lo a núcleos habitacionais suburbanos, a canalização de parte do Arroio Dilúvio e o tratamento urbanístico da margem da península onde está localizado o centro da cidade, prevendo-se, ao seu lado norte, a construção do novo porto. Analisando as obras realizadas em Porto Alegre, no período entre a primeira e a segunda guerra mundial, Riopardense de Macedo aponta que: “Pelo exame da documentação se compreende que quase todas estas obras, tanto de saneamento como de abertura de ruas e avenidas, com importantes funções radiais ou de perimetrais, resultaram de dois trabalhos de planejamento básico: o Plano Geral de Melhoramentos do arquiteto José Moreira Maciel e do projeto que, partindo deste, fora feito pelo engenheiro Edvaldo Paiva e Luiz Arthur Obatuba de Farias, ambos funcionários do município, “fortemente influenciados pelo Plano do Rio de Janeiro, do arquiteto Agache e pelo Plano de Avenidas de São Paulo, proposto por Prestes Maia”.

A estes dois trabalhos veio somar-se o realizado pelo arquiteto Arnaldo Gladosh, contratado pelo prefeito Loureiro da Silva (1943), o qual também limitou-se ao nível de proposições viárias, vindo a ser criticado pelo citado Edvaldo Paiva em artigo que deu origem a uma proposta do Expediente Urbano de Porto Alegre: “... primeiro esforço de uma pesquisa urbana, que deveria incutir nos técnicos e assessores a preocupação de estudar a realidade sócioeconômica, antes de qualquer proposição de traçado urbano ou de legislação orientadora do desenvolvimento da cidade.”5

O autor finaliza apontando que este Expediente Urbano veio a servir posteriormente de subsídio a um ante projeto de planificação de Porto Alegre, elaborado por Paiva e por Demétrio Ribeiro em 1951, que aborda as relações entre a cidade e a região, e fixa as normas que devem obedecer às quatro funções valorizadas pela Carta de Atenas: habitar, trabalhar, cultivar o corpo e o espírito e circular, sugerindo também: “providências para a obtenção de uma legislação urbanística adequada (Lei de Zoneamento) e uma planificação das obras municipais”. À época dessas intervenções planificadoras, Porto Alegre apresentava as seguintes tendências de ocupação, dadas as características físicas, como descreve o clássico estudo da década de 50, realizado por Roche6: “... colinas graníticas, de vertentes, geralmente regulares, alcançando 50, depois 100, depois 150 metros de altitude, se escalonavam em anfiteatro (Moinhos de Vento, Monte Serrat, Petrópolis, Partenon, Menino Deus) até 4 ou 5 km do centro, seguidas de colinas mais altas (25O m) e mais íngremes (Teresópolis, Morro da Polícia, etc.) que fechavam o

horizonte. As primeiras colinas podiam formar bairros, arejados e salubres; contentaram-se em retirar-lhes pedras para o calçamento das ruas e os alicerces das casas que se instalaram nos terraplenos formados nos vales dos rios que separam as diferentes colinas; esses terraplenos eram assás extensos mas pantanosos e insalubres. Foi preciso efetuar trabalhos de saneamento em 1874, sumamente importantes e apenas hoje terminados, para corrigir os inconvenientes de uma utilização demasiado rápida e demasiado extensa desse espaço, praticamente sem outro limite a não ser o dos meios de transporte. O plano atual da cidade revela ainda a influência da localização do”Grão Porto Alegre” sobre o seu desenvolvimento: os grandes eixos de circulação instalaram-se nos terraplenos, assegurando um fácil escoamento longitudinal, mas condenando a cidade a uma disposição radial, com grandes dificuldades de comunicações de uma artéria a outra. Sobretudo os bairros residenciais se desenvolveram em épocas e ritmos diferentes, em função do raio de ação e do preço dos meios coletivos de transporte, ou dos meios individuais modernos (grifo nosso). Vem daí que Porto Alegre não se assemelha às outras cidades novas da América Latina, as quais se estendem regularmente em tabuleiro a partir do centro, sobre uma planície ou um planalto onde não encontram obstáculo algum. Porto Alegre suporta ainda hoje a dupla hipoteca de sua localização e de seu passado (grifo nosso).”

Assim, a esta forma de ocupação do solo urbano de Porto Alegre, limitada pelas características físicas do sítio urbano e somada ao processo de industrialização, tem-se a distribuição da tendência ocupacional de bairros na seguinte direção: A população porto-alegrense se estende para o norte, em bairros até então pouco habitados, ou em novos bairros. Esse movimento se vê pelo quadro do estudo: 1920 1950

CENTRO 33.000 21% 77.000 20%

AZENHA 46.000 30% 77.000 20%

GLÓRIA 15.000 9% 35.000 9%

FLORESTA 35.000 23% 103.000 26,5%

S. JOÃO 23.000 15% 95.000 24,5%

“Enquanto a porcentagem da população residente no centro da cidade permaneceu a mesma, a dos bairros “Sul”, Azenha e Glória, diminuiu dez por cento, e a dos bairros “Norte”, Floresta e S. João aumentou treze por cento. Por si só esses dois bairros agrupam mais da metade da população de Porto Alegre. A população de S. João duplicou em 50 anos. Esse acréscimo suscitou problemas importantíssimos, como o abastecimento e alojamento dos novos habitantes ou como o saneamento das novas zonas urbanas e o transporte da população ativa dos bairros residenciais, cada vez mais periféricos, para as fábricas e os escritórios.”7

Assim, foi preciso um esforço poderoso - e recente - do homem, para que se tornassem realidade as possibilidades econômicas oferecidas pela situação de Porto Alegre. Mas este esforço, como vimos, redundou basicamente em soluções viárias - contenção das inundações e saneamento das baixadas, faltando o que Paiva chamava a atenção: a preocupação de estudar a realidade sócio-econômica. Antes de qualquer traçado urbano ou de legislação orientadora do desenvolvimento da cidade, a população nos bairros organizou-se em função do preço do solo pautado basicamente pelo fator localização - distância da área central. Em 1958 constitui-se uma Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai8, para fazer um levantamento de viabilidade econômica da região. Conclui que “na ausência de um ordenamento urbanístico mais rígido, a ocupação do solo urbano de Porto Alegre caracterizava-se no período pelo crescimento urbano desordenado, pelos loteamentos anárquicos, pela deficiência de equipamentos, pela estrutura urbana arcaica que não suportava o impacto das novas exigências sociais, falhas na circulação e no transporte coletivo, dada a expansão da cidade ligando-se às cidades vizinhas”. Estes dados apontam para a precariedade da situação habitacional, somada a leis que passam a disciplinar mais rigorosamente os loteamentos populares. Assim, em 1954, é

aprovada a lei de loteamentos 1.233, de 6/1/1954, que especifica as condições exigidas para a aprovação de novos loteamentos. Ainda que se considere que esta lei tenha representado uma elevação dos preços dos lotes9, gerando um movimento migratório em direção aos municípios vizinhos, pela população de baixa renda, localizando-se nos limites de Porto Alegre (fato que ocorre também em Viamão e Gravataí), deve-se salientar as conclusões do trabalho já citado, da Comissão Interestadual de 195810: “A influência preponderante que Porto Alegre exerce, como capital do Estado e centro de uma grande região econômica, sobre os municípios vizinhos, determinou nos mesmos uma série de reflexos. Como fatores mais importantes têm-se o crescimento na cidade e o rápido desenvolvimento das atividades industriais, principalmente no eixo Porto Alegre-Novo Hamburgo, que tende a projetar-se até Caxias. Os municípios que possuíam tendências e condições para a industrialização tiveram essa atividade incrementada, como é o caso de Canoas, Esteio, São Leopoldo e Novo Hamburgo. Outros beneficiaram-se indiretamente, com o aumento de sua população, como Gravataí e Viamão. O desenvolvimento da zona foi acompanhado por um aumento enorme no número de loteamentos. Essa expansão a partir de Porto Alegre estendeu-se em três sentidos principais - Porto Alegre - Canoas - Novo Hamburgo; Porto Alegre - Gravataí; Porto Alegre - Viamão.”

O estudo salienta que, apesar da existência da legislação para loteamentos, em 1954, apenas para Porto Alegre, Canoas e Viamão, o que ocorre é a inobservância de fiscalização, a par de uma aprovação por pressões políticas de loteamentos que não se atêm à legislação vigente. Esse estudo data de 1958, governo de Leonel Brizola, e coloca para o período 1948 a 1955 o registro de 94 loteamentos, sendo 27 só no ano de 1953, o que significa deduzirmos que um processo não exclui outro, ou seja, a expansão de loteamentos irregulares em Porto Alegre se deu concomitantemente à criação de novos núcleos na zona periférica da cidade, basicamente nos eixos acima mencionados. Esta

distinção é importante para a configuração dos movimentos reivindicatórios no período 75/82, como se verá no desdobramento do texto, dada a concentração, em certas áreas da cidade, de mobilizações de cunho diferenciado. Assim, a expansão dos loteamentos da cidade no período 1950-1964 decorre da interveniência de distintos agentes, na promoção de loteamentos. Os efeitos são analisados por Cassiano: “A propriedade privada funciona como barreira à livre circulação dos capitais e, assim sendo, a estruturação da malha urbana de Porto Alegre foi marcada, de um lado pela disseminação indiscriminada de loteamentos e, de outro, pela presença constante de áreas baldias que decretaram uma ocupação descontínua do tecido urbano. Entretanto não se pode responsabilizar, exclusivamente, a barreira imposta pela propriedade privada da terra à livre atuação dos agentes promotores de loteamentos, pela configuração urbana resultante.”11

Na verdade, as práticas adotadas por esses agentes, segundo o estudo, passam pela mediação do Estado, que, através de suas políticas, participa decisivamente na forma de estruturação do espaço urbano. A conclusão para o período é que a esfera federal exerceu pouca influência na determinação dos parâmetros que regularam a atuação do Estado no mercado de terras12. Ou seja: Neste momento, em que se criam as bases para o fortalecimento do setor industrial a nível social, ainda não se evidencia uma total centralização de decisões e recursos por parte do Governo Federal. O município contava com relativo grau de autonomia para o exercício das funções de gestão. E o desenvolvimento do setor produtivo de terrenos ainda não se constituía em componente importante para a acumulação de capital. Assim sendo, o mercado de terras em Porto Alegre, no período de 1950 a 1964, foi regulado, basicamente, por ações originárias do poder municipal (grifo nosso).”

A proliferação de loteamentos irregulares deficitários ocorreu em razão da orientação dos agentes loteadores. Assim13,

“Em função da condição particular das glebas que estavam sendo subdivididas, os agentes dirigiram a formação para o consumo de baixa renda (grifo nosso), especialmente os agentes quase incorporaram ao mercado de terras no período em estudo e que efetuaram a promoção reunindo capital patrimonial de terceiros. Devido ao capital que serviu de suporte a estes agentes, tanto para aquisição da gleba como para dar início à produção do loteamento, vários desses parcelamentos resultaram inacabados, determinando sensíveis prejuízos a seus adquirentes, sem que os agente responsáveis pelos desmembramento sofressem qualquer tipo de punição (grifo nosso).”

sobre a população. O BNH é o órgão do Governo Federal encarregado da sua coordenação e financiamento. Os princípios norteadores do CURA estão analisados no trabalho de Gouveia e outros, “Renovação Urbana ou Segregação Planejada: o Caso do Projeto Renascença”15. Dados do estudo sobre o “Renascença” demonstram que o projeto incidiu sobre uma área central que na época do projeto atingiu 57.000 pessoas, com renda familiar média de 5 salários mínimos regionais, salientando-se que

Nesse período, a centralização federal não ocorre, o que coloca a ação do Município como básica na alocação de recursos (ou não) para dirigir a apropriação e valorização do solo urbano.

“ ... a renovação urbana, afetando áreas de localização privilegiada é, portanto, um instrumento fundamental no processo de reconquista dos centros urbanos pelo capital vinculado à construção civil e pelos grupos de alta renda.”16

Políticas urbanas recentes Ao processo de proliferação e valorização dos loteamentos no sentido descrito, tem-se a ocorrência, agora, já na década de 70, de profundas modificações na área central da cidade, em vista basicamente do sistema viário e das ‘reformas urbanas’, o que levou a uma reativação do setor da construção civil e da valorização de áreas nas áreas centrais e adjacências. Registre-se que em 1964 é criado o Plano Nacional da Habitação, que cria o Banco Nacional da Habitação e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo. Os objetivos e resultados são destacados em vários estudos14, centrados no Rio Grande do Sul. O primeiro projeto relevante data de 1972, quando é criado o projeto CURA (Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada) já não para a unidade habitacional, mas para a urbanização das cidades. Este projeto terá profundas repercussões na questão social, para o município de Porto Alegre. O Programa CURA foi instituído em 1972, tendo como objetivos declarados promover a melhoria das condições de vida urbana, com a eliminação da capacidade ociosa de investimentos e equipamentos e a contenção dos efeitos negativos da especulaçâo imobiliária

A conquista se dá pelo mecanismo da taxação progressiva: em 10 anos, em um terreno na área terá sido pago um imposto o equivalente ao seu valor. Esta é uma das formas de recuperação de uma área que inexoravelmente levará a mudanças da população original. Discutindo o significado da intervenção proposta, os autores apontam que17: “As condições privilegiadas de localização da área do Projeto Renascença como um todo, quando acrescidas das obras de infra-estrutura e da instalação de diversos equipamentos, seguramente acarretarão uma supervalorização para os imóveis ali situados. Isto efetivamente tende a privilegiar, pelo lado da especulação, os grandes proprietários e as empresas imobiliárias e, pelo lado da utilização final, as famílias de renda mais alta, caracterizando então um marcado processo de segregação social.”

Dois são os canais que os autores apontam, pelos quais se efetivará este processo: a valorização dos imóveis a tributação progressiva prevista para o auto-financiamente da renovação proposta. Outra conclusão do estudo citado diz respeito exatamente ao problema da participação da comunidade da área

do projeto e outros agentes sociais significativos na definição de suas diretrizes18: “ ... a marginalização de algumas entidades presumidamente interessadas no Projeto - como é o caso da METROPLAN e do IPHAN - e a cooptação de outras legalmente veiculadas - como foi o caso da Câmara de Vereadores - tiveram o efeito de permitir que as articulações de interesses tivessem seu campo de manobra reduzido apenas ao BNH e à Prefeitura. Essa redução de interlocutores viria a favorecer a composição dos interesses, de forma a que esta se desenvolvesse à margem ou contrariamente aos interesses reais da população atingida pelos efeitos do Projeto.”

Mais específico para a população de baixa renda foi elaborado o Projeto Pró-Gente, através dos recursos do BNH, em 1975, quando assumiu a prefeitura Guilherme Socias Vilela, reconfirmado no cargo em 1979. Trata-se de um programa destinado a abastecer de infra-estrutura os núcleos de subhabitação pertencentes ao Município e que será discutido, dentro dos objetivos da pesquisa, na seção seguinte. O órgão encarregado foi o Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB). Segundo o diretor do Departamento, tratava-se de projeto inovador, a ser lançado pela primeira vez no país e que partia de uma mudança de postura para resolver o problema das condições de moradia, sem remoção. Significou também a não reedição de deslocamentos para outra área, como foi o projeto da Restinga (situada a grande distância do Centro). Este projeto constituiu-se na criação de um bairro para atender a demanda de toda uma população sediada provisoriamente (e mal) em função da enchente e compôs a imagem de uma administração não eleita, mas preocupada com a qualidade de vida do portoalegrense. Aliás, esta característica acompanhou toda a legislatura daquele momento, quando o prefeito foi reconduzido ao cargo. Enfim, era a imagem de uma administração humana. Mas a realidade não confirma se observarmos os investimentos nesta

área e nos setores de grandes obras viárias incentivando sobremaneira o setor da construção civil. Esta aplicação de recursos inclusive gerou muita contestação já que, ambiguamente, a Prefeitura reconhecia-se sem grandes recursos para os bairros, ao mesmo tempo que endividava-se para custear as grandes obras. Como pano de fundo, estes investimentos estariam endereçados para a melhoria da qualidade de vida urbana. Em 1977 é lançado o programa Padroeira (com recursos do BNH, através do CURA e do Município), que recuperou uma zona deteriorada pelo transporte de carga, além da melhoria de infra-estrutura na área, onde constrõe-se o Porto Seco, para o transporte pesado. Este ocupa uma área entre os bairros Sarandi, Rubem Berta e Jardim Itú, área onde o setor da construção civil investe em conglomerados, diante das facilidades de aprovação de projetos na zona norte e de acesso a municípios da região metropolitana. A zona norte foi a área que mais valorizou proporcionalmente, em termos de mercado imobiliário, nos últimos anos. “O Padroeira difere do Renascença pelo menos em dois aspectos, embora os recursos sejam provenientes da mesma fonte. No primeiro, haverá poucas desapropriações, o que possibilitará a execução das obras num prazo menor. Como não se caracteriza pela reurbanização, como foi o caso do Renascença, os beneficiários serão os próprios moradores. Isto nao aconteceu, no entanto, na Ilhota, de onde muitas pessoas foram expulsas para a fronteira da cidade porque, com a melhoria da infraestrutura, os terrenos aumentaram de valor, estimulando a especulação imobiliária.”19 Quer dizer, em suma, que a população atingida já está num nível de renda mais alta. A área que o projeto atinge situase no 4º Distrito, onde estão sendo implantadas as redes de esgoto pluvial e cloacal, água, iluminação pública, escolas, áreas

verdes, pavimentação e repavimentação de algumas ruas e construção de uma usina de lixo. Em 1977 é anunciada a intenção de compra pelo Município de 27 núcleos localizados em terrenos ocupados de forma clandestina, a partir de estudos realizados pela Comissão Mista Governo do Estado e Município. Esta prática insere-se num programa mais global, para todo o Estado, elaborado com a presidência da Sudesul, com o órgão do Ministério do Interior e que é integrado pela Sudesul, pelo BNH, pelo DNOS e pelo Estado do RS. O objetivo do programa é atender 50 mil famílias com renda de até 3 salários mínimos, em todo o Estado. Este programa compreende os seguintes planos: PROFILURB-Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados; FICAM - Programa de Financiamento da Construção, Conclusão, Ampliação ou Melhoria de Habitação de Interesse social; FINC - Financiamento para Urbanização de Conjuntos Habitacionais; FINEC - Financiamento de Equipamentos Comunitários e de Conjuntos Habitacionais e o PROMOARAR, para compra do lote e habitação, conjuntamente. Dos núcleos de subhabitações de Porto Alegre, 27 já estão (em 1977) incluídos nos programas, tendo a Prefeitura como órgão promotor do PLANHAP - Plano Nacional da Habitação Popular. O protocolo de acordo entre o Ministério do Interior e o Governo do Estado foi selado em 30 de agosto de 1979, tendo o Departamento Municipal de Habitação como órgão executor. Além da aquisição de terrenos, os trâmites envolveram o levantamento sócio-econômico da população em questão, para avaliar a possibilidade de acesso aos planos de financiamento que seguem o programa. Essa limitação gerou uma série de inquietações nas populações das vilas. Todos esses projetos tiveram de se adaptar ao novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre (PDDU), criado em 1979. O histórico do Plano20 traça as áreas atingidas gradualmente pela planificação e o nível de intervenção crescente tal como segue.

Esse Plano Diretor foi elaborado na década de 50, a partir dos planos então existentes (Gladosch e Comissão Revisora) e de um Expediente Urbano que continha ampla pesquisa dos fatores atuantes na época. Instituído em 1959 pela Lei nº 2.046, foi alterado em 1961, pela de nº 2.330, ora em aplicação e, em 1966, pela de nº 3.004. Juntamente com o Plano Diretor foi criado o Conselho Municipal do Plano Diretor, de composição mista - Prefeitura e entidades externas - incumbido de torná-lo dinâmico, particularmente na adequação de seus conteúdos a uma realidade em constante transformação. A área física do Município abrangida pela Lei coincidia, na época, Com a superfície de maior densidade populacional da cidade, onde era mais urgente a regulamentação. Entendia-se inconveniente a aplicação dos dispositivos do Plano Diretor às áreas maiores, sem primeiramente examinar o comportamento da Região Metropolitana, a partir da elaboração do plano regional, isso porque havia a consciência generalizada das relações de interdependência entre as duas áreas - regional e municipal - já que o fenômeno da metropolização estava evidente, principalmente no eixo norte, onde as nucleações existentes marchavam para uma conurbação acelerada, carecendo, dessa forma, de qualquer sentido, para fins de planejamento, os limites políticos da região. A partir dessa realidade, o Plano Diretor original fundamentou-se em uma hipótese de desenvolvimento regional, que propiciou diretrizes para um pré-Plano de todo o Município, o qual foi em parte detalhado pela lei 2.330. Isso posto, em 1961 o Município tinha a seu dispor um Plano Diretor Físico, atuando em parte de seu território, uma hipótese de desenvolvimento regional e um pré-Plano para toda a área potencialmente urbana. Mais ainda, um Conselho Municipal com atribuições para estender o Plano inicial, na medida em que houvesse a necessária segurança e conveniência de fazê-lo.

Com o passar do tempo, a legislação foi sendo estendida a novas áreas do Município, cada uma valendo-se das experiências anteriores e do comportamento das diretrizes fixadas no préPlano geral e evoluindo, a partir daí, no sentido das realidades municipais e regionais. Como cada etapa significou um passo adiante em relação à anterior, é de pressupor que as que primeiro nasceram foram cada vez mais necessitando de adequações. É claro, como já foi dito, que a estrutura administrativa do Plano Diretor permitiu uma relativa dinâmica de atualização. Porém essa dinâmica não tinha condições de influir em profundidade, a não ser mediante nova Lei, procedimento julgado inconveniente de ser efetivado antes de se completar o Plano para todo o Município. Isso porque havia o perigo da constante reavaliação da parte, sem nunca atingir o todo. Paralelamente a essa instrumentação jurídica, vasta e dispersa, decorrente da Lei nº 2.330 e traduzida em Decretos, Resoluções e Pareceres do Conselho Municipal do Plano Diretor, existem estudos recentes, elaborados pela Secretaria do Planejamento Municipal, como a definição de áreas de preservação do ambiente natural, o Plano Básico para as Ilhas do Delta do Jacuí, o zoneamento de uso do so1o para a área continental, a identificação de Áreas de Interesse Paisagístico para efeito de limitação da altura das edificações, a disciplina do uso do pavimento térreo de prédios na Área Central, bem como a conclusão dos planos metropolitanos de transporte de massa, por ônibus e trem, constituem acerco importante a ser incorporado à legislação urbana do Município. Essas constatações, segundo o estudo, estão a indicar que o atual Plano Diretor, embora venha atingindo suas finalidades, após quase duas décadas, tem seus conteúdos afetados pela força da natural evolução das técnicas e dos recursos do planejamento

urbano e pelo impacto de variáveis econômicas e sociais, a influírem decisivamente no crescimento e desenvolvimento da cidade e da região. Segundo o relato, a abrangência do Plano Diretor é normativa e de tal expressão que merece estudo específico de distintas áreas técnicas. Destacamos estarmos diante de uma problemática nova, dada a sua recente aplicação, merecendo estudos porquanto revelam tendências prováveis tanto quanto à futura distribuição da população, como quanto às obstaculizações causadas pela instância econômica a qual o Plano subordina-se21. Com a aprovação do Plano, em 1979, encerrava-se o prolongado processo de elaboração por grupo de trabalho criado pela Secretaria de Planejamento Municipal, bem como de sua discussão em seminário promovido por esta Secretaria e de sua análise a nível de Comissão Especial e de Plenário na Câmara Municipal. Os princípios do Plano, quando ajustados à realidade, apresentam-se contraditórios. Senão, vejamos. Porto Alegre passou a contar então com um Plano Diretor que, abrangendo pela primeira vez toda a área do município, buscava a melhoria da qualidade de vida da população e o incremento de seu bem-estar22. Em seus 384 artigos e 257 emendas aprovados pelos vereadores e sancionados pelo Prefeito, o Plano objetiva prioritariamente a ordenação do crescimento urbano, o pleno aproveitamento dos recursos administrativos, naturais, culturais e comunitários, o atendimento das necessidades e das carências básicas da população, a conservação do patrimônio ambiental, histórico e cultural, a ordenação do uso e ocupação do solo e a participação comunitária.

Dentre os princípios orientadores do Plano Diretor em questão, em primeiro lugar cabe destaque à especialização, noção básica do Plano, a qual constitui-se de Unidades Territoriais de Planejamento, expressão física que é ao mesmo tempo a base estatística e urbanística, que corresponde a áreas especializadas segundo as predominâncias do solo, tais como: residencial, comercial e de serviços, industrial, área de lazer e cultural e áreas de circulação. A agregação de Unidades similares compõem as zonas de uso do solo urbano e finalmente a articulação entre zonas de uso residencial com as zonas onde estão localizados serviços e equipamentos de maior raio de abrangência compõem as seccionais, pólos de uma proposta de descentralização urbana que orienta o Plano. Um segundo princípio que orienta o Plano em questão é o relativo ao controle sobre a população urbana de Porto Alegre, em seu total, e sobre a sua distribuição. O Plano Diretor, utilizando-se de índices de aproveitamento do solo urbano conforme o tipo de Unidade Territorial de Planejamento, propõe que a população total urbana de Porto Alegre venha a ser de 2.400.000 habitantes, e que venha a se distribuir homogeneamente pelo espaço urbano já usado, especialmente pelo adensamento de espaços rarefeitos e pela ocupação de vazios, não devendo ocorrer a ampliação de superfície urbana ocupada até o presente. As áreas contíguas, as quais possivelmente já são áreas reservadas por interesses imobiliários, deverão ser destinadas a serviços comunitários a expensas particulares. Em terceiro, tem-se a regulamentação do parcelamento do solo urbano e especialmente da utilização de glebas que, possuindo frente para logradouros legalmente abertos, adquiram,

dispensadas de parcelamento, o direito de abrigar áreas residenciais. Visa o Plano assegurar, em ambos os casos, os limites de aproveitamento e pré-estabelecer os serviços e equipamentos públicos a serem implantados. Destaque especial cabe às propostas relativas aos loteamentos irregulares e aos núcleos clandestinos de subhabitação. O Plano autoriza o Poder Público a enquadrar os loteamentos irregulares e os núcleos de subhabitação existentes, em padrões compatíveis com as realidades constatadas, solucionando-se, assim, graves problemas sociais visando a fixação, sempre que possível, dos moradores nos locais em que se encontrem. Outros elementos do espaço urbano de Porto Alegre que são objeto de propostas são o meio ambiente, os equipamentos de lazer e cultura e a localização industrial. Quanto ao meio ambiente, o Plano se orienta no sentido da preservação ambiental e paisagística que, em linhas gerais, pretende assegurar extensas áreas não urbanizadas para lazer e convivência com a natureza, salvaguardar as margens do rio Guaíba e manter, mesmo nas áreas urbanizadas, as principais características da paisagem do sítio original de implantação da cidade. Quanto ao lazer e cultura o Plano tratou, igualmente, de conceituar e dimensionar as redes de estabelecimentos de ensino e de espaços de lazer, cujo resultado é expresso em lei, sob forma de diretrizes, no modelo espacial, dos equipamentos localizados e dimensionados em função da população prevista nas diversas Unidades Territoriais.

Já a circulação urbana foi tratada tendo presente as diretrizes do Plano vigente, as diretrizes de planificação do transporte urbano da Região Metropolitana, assim como o modelo urbano proposto pelo Primeiro Plano, quanto à distribuição da população e o zoneamento das atividades. O Plano prevê, quanto à localização industrial, a indução pelo Município à localização de novas indústrias e relocalização das indústrias já existentes no seu território, que tenham condições limitadas de expansão nos seus sítios de implantação ou que estão em atividades de uso desconfortável, criando-se unidades espaciais homogêneas - as Unidades Territoriais Industriais. Finalmente, tem-se a participação da comunidade no processo permanente de planejamento do espaço urbano de Porto Alegre, como princípio-coroamento do Plano Diretor enfocado. Esta participação é prevista em um primeiro nível, o das Unidades Territoriais de Planejamento, pela criação de Associações de Moradores a elas correspondentes, reconhecidas pela Administração Municipal, segundo um Estatuto Padrão, as quais terão por objetivo o encaminhamento de sugestões e de posicionamento em relação às matérias que interessem ao desenvolvimento, preferencialmente das áreas que representam. Ao nível do enfoque global da cidade, esta participação surgirá através do Conselho Municipal do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e, finalmente, a nível político, através da Câmara Municipal, no exame das aspirações e interesses dos moradores de Porto Alegre. Cabe destacar, dada a importância que assume nos limites deste trabalho, o papel conferido à participação da comunidade no planejamento, que se pretende não só contínua como princípiocoroamento do Plano. Em primeiro plano, esta participação é prevista através das UTP, pela criação de Associações de Moradores

a elas correspondentes, registradas segundo um Estatuto Padrão. As funções básicas das AM (Associações de Moradores) seriam as de encaminhamento das questões que dizem respeito diretamente à área em questão. No plano da Administração, a participação comunitária se daria ao nível da participação no Conselho Municipal do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. No plano diretamente político, a participação se daria através da Câmara Municipal. As UTP são as bases do planejamento porque são as áreas da idade que deverão fornecer os dados quantitativos e qualitativos para a prospecção do mesmo. A participação das Associações de Moradores se daria através do Conselho do Plano Diretor, através da indicação de representantes da comunidade. De 1978 até o momento presente, foi ampliada essa participação, através de intervenção de entidades23, na Câmara de Vereadores e conseguida a derrocada do Estatuto Padrão, já que este sujeitava as Associações à perda de certa autonomia. Estas associações foram sempre registradas segundo o Código Civil e rebelaram-se diante dessa exigência. Cabe explicar que as UTPs são as unidades sobre as quais serão constituídas as Associações de Moradores que concorrem à participação no Conselho Municipal do Plano Diretor. Os moradores da área abrangida pelo Plano Diretor já estavam organizados em Associações de Moradores tendo sido estas constituídas pelo movimento autônomo da população, em busca do atendimento de suas necessidades básicas. Estas Associações têm como órgão aglutinador de seus trabalhos, a FRACAB - Federação Rio Grandense de Associações de Bairros. Considerando-se que a área de abrangência das atuais Associações de Moradores não coincida com a área daquelas previstas pelo Plano, há um claro indício de duplicidade de

representação, com a tendência de esvaziamento progressivo das organizações autônomas, em prol daquelas atreladas, em última análise, à Prefeitura.

c) supermercados, hortomercados, centros comerciais;

Quanto à composição do Conselho, esta obedece hoje à seguinte proporcionalidade24:

f) garagens comerciais;

“Art. 15 – O Conselho Municipal do Plano Diretor de Desenvolvimento compor-se-á de 21 (vinte e um) membros indicados com renovação bienal do terço, sem prejuízo de recondução, dos quais 9 (nove) serão representantes do Município, 8 (oito) serão representantes de entidades de classe e 4 (quatro) serão representantes de entidades comunitárias.”

O processo de escolha dos representantes comunitários da população porto-alegrense no Conselho do Plano, escolha feita pelo Prefeito em lista elaborada pelas Associações Comunitárias, assim como sua sub-representatividade no mesmo, significa a criação de uma participação meramente formal da população no Conselho do Plano, visando legitimar a política dos órgãos públicos, cujos representantes constituem maioria. Por outro lado, as atribuições que são conferidas às Associações de Moradores pelo PDDU, não são compatíveis com uma organização independente, uma vez que estas poderão desempenhar verdadeiro papel subsidiário ao da Prefeitura, conforme se pode constatar pela leitura do texto referente às suas finalidades. “Art. 23 - As Associações de Moradores das Unidades Territoriais de Planejamento, desde que reconhecidas pelo Executivo, deverão ser consultadas sobre25: I - processos administrativos que tenham por objeto a instalação dos seguintes equipamentos urbanos no território das Unidades Territoriais de Planejamento dos seus associados: a) praças, parques e áreas de recreação; b) escolas;

d) depósitos e postos de revenda de gás liquefeito de petróleo; e) postos de abastecimento e de lavagem de veículos;

g) cemitérios; h) terminais e itinerários de transporte coletivo; II - processos administrativo relativos a loteamentos no território das Unidades Territoriais de Planejamento dos seus associados. Parágrafo único - A consulta a que se refere este artigo deverá ser respondida dentro de 20 (vinte) dias.”

Quanto à autonomia política, prevalece o controle, de forma branda, do espaço de atribuições das ditas Associações; senão vejamos: “TÍTULO III - DA PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO Art. 21 - As pessoas físicas ou jurídicas, em cada Unidade Territorial de Planejamento, que ali tiverem domicílio ou a sede de seu estabelecimento, poderão constituir Associações de Moradores, com a finalidade de promover ou defender interesses comunitários locais, obedecidas as disposições deste título26. Art. 22 - As Associações de Moradores das Unidades Territoriais de Planejamento, para efeito desta Lei, deverão atender às disposições da Lei Civil e aos seguintes requisitos: I – Vedação de finalidades lucrativas e de atividades político-partidárias; II – Vedação de remuneração dos cargos, sob qualquer forma, aos dirigentes e associados; III – Vedação de acesso dos associados pessoas jurídicas aos cargos de diretoria. Parágrafo único - O processo de reconhecimento das Associações de Moradores das Unidades Territoriais de Planejamentos será regulado pelo Executivo Municipal.”27

O que se questiona é se o Plano não visa criar um sistema formal de legitimidade e de participação da comunidade (grifo nosso), no sistema permanente de planejamento proposto, tentando, ao mesmo tempo, deslegitimar e esvaziar as Associações ora existentes, que, formadas historicamente a partir de núcleos comunitários em busca de melhoria de suas condições, têm questionado e mesmo enfrentado a Administração Municipal e suas políticas. A presente hipótese vem ao encontro das conclusões de Schmidt acerca da questão da legitimidade da problemática da política urbana no Brasil, dado o caráter autoritário do sistema política vigente. Como vimos, pelo Plano Diretor, a solução para as baixas condições de moradia tem sido pensada em termo de um tratamento urbanístico especial, que fixe a população nas áreas que concentram estes segmentos. Projetos especiais foram elaborados com vistas a, contendo a especulação imobiliária, permitir a melhoria das condições de infra-estrutura, o acesso à propriedade e um menor dispêndio de recursos por parte do Estado na questão do reassentamento da população. A prática anterior era simplesmente a remoção para áreas destinadas como de uso social. Mas o custo das operações e a série de novos problemas, tais como o distanciamento entre local de trabalho e local da moradia, levou ao desestímulo crescente desta prática. Como o governo necessita demonstrar que é sensível à questão da favelização crescente nos grandes centros urbanos, cria o PROMORAR, por Exposição Interministerial de Motivos nº 066/ 79, que propõe o reassentamento do favelado em seu próprio local de moradia. Em 25.06.79 tem-se a Resolução BNH nº 185/ 82 que dispõe sobre a execução do programa. A implantação deste programa alia-se ao fato já mencionado e comentado como o de rearticulação política numa

conjuntura de reativação da sociedade civil. Este processo tem sido analisado em vários estudos, como os de Singer28, que apontam para revigoramento de instâncias de organização, como as Associações de Moradores, em São Paulo, como um dos traços que estão a indicar esta nova conjuntura política. Como outros, Valladares reforça esta idéia chamando a atenção para o fato de que29 “... nos últimos anos, como decorrência de algumas alterações no quadro político do país, dentre as quais uma maior vitalidade político-partidária, o papel político eleitoral das favelas parece voltar a ter peso nas decisões da política habitacional. Assim é lançado o PROMORAR no sentido de ‘recuperar, urbanizar áreas faveladas e ouvir as associações de moradores’. “

Este programa, aliás, acreditamos fazer parte não apenas de uma concessão do governo diante das reivindicações de vilas ou áreas de subhabitação, mas insere-se numa política deliberada de ação de política econômica do Estado. Das 146 áreas de subhabitação constatadas pela Secretaria de Planejamento, estão incluídas no programa 46, desde 1983. Existe um estudo a respeito do PROMORAR30 que menciona, do ponto de vista da acumulação do capital, que haja a possibilidade hipotética de estabelecer dois momentos que definem o programa como estratégia que atende, antes de mais nada, o setor da construção civil, em crise de realização de capital. Assim é que é lançado o PROMORAR, no âmbito do BNH, propondo uma orientação a nível nacional, no sentido de ‘recuperar’ (urbanizar) áreas faveladas e ouvir as associações de moradores. “O primeiro momento é o da abertura imediata de novos mercados. Com o esgotamento do mercado da classe média e a característica de monopólio do mercado de alta renda, a primeira opção foi a de investir nos conjuntos habitacionais para a classe média. Mas isso não foi suficiente, e era preciso redefinir a atuação do Sistema Financeiro da

Habitação, possibilitando o financiamento não só de casas, mas também de obras de infra-estrutura. Trata-se de divisar, entre as múltiplas facetas do SFH, a transformação gradual da política habitacional em política financeira. A contagem e o acionamento de um complexo e gigantesco sistema financeiro, onde o Estado é o principal promotor da captação da poupança interna e seu administrador... Esse primeiro momento constitui-se, então, na urbanização das favelas a partir da atuação direta do Estado. Este compra os terrenos ocupados de seus proprietários, contrata os serviços do capital imobiliário para a execução das obras de infra-estrutura e vende os lotes já urbanizados para os antigos moradores da área, desde que tenham condições de assumir o financiamento. Tudo isso com fundos mobilizados a nível federal, estadual e municipal. Não se esgotam aí, porém, as possibilidades de lucro para o capital imobiliário. O segundo momento da estratégia se baseia na crença no modo de funcionamento da sociedade capitalista. Em conseqüência das melhorias necessárias e dos valores crescentes das prestações (paralelamente à diminuição do valor real dos salários e a uma crise de emprego), os moradores originais da área se vêem forçados a vender o lote e a procurar novas áreas de favela para morar.”31

Para os autores, o marco desta nova estratégia pode ser estabelecido a partir do Documento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, entregue ao Governo Federal em três de abril de 1979. “Nele está clara a posição de pressionar o Estado para que este assuma seu papel na regulação e articulação de condições para a superação do ônus da crise e retomada do processo de inversão. De um lado, requerse que o Estado amortize e ‘socialize’ custos e perdas decorrentes da crise e, ademais, que aplique políticas compensatórias de sustentação da demanda efetiva. De outro lado, o Estado deve tentar promover a recomposição para a acumulação produtiva, estabelecendo novas prioridades, incentivos, subsídios, créditos, etc.”32

Aliás, esta tônica já se encontrava presente quando da própria apresentação do projeto do IIPDU à cidade, por parte do setor da construção civil (1979)

Desta maneira podemos observar a confluência dos interesses de uma política urbana que se traduz, em última análise, como um complexo jogo de programas ajustados entre si e favoráveis à eliminação de obstáculos para uma completa apropriação pelo capital do espaço urbano. Não procederemos à análise dos programas na medida em que o nosso objetivo no momento é antes refletir como a questão urbana ganha centralidade na estratégia governamental, concretamente, através do nível municipal. Para concluir, a considerar-se os dispositivos previstos pelo Plano Diretor, em termos de distribuição da população por uso de área (intensiva, extensiva, rural) quanto ao índice de aproveitamento do solo urbano para cada Unidade Territorial de Planejamento, no sentido de densificar espaços rarefeitos e de contenção da área urbana já ocupada, não é inviável afirmar-se estar na presença de possível contradição no plano prático. Ou seja: como compatibilizar as proposições de fixação da população de subhabitações próximas ao local de trabalho, que é objetivo fundamental desta localização, e as limitações decorrentes de outros mecanismos de apropriação de uso do espaço urbano? Discute-se, portanto, a necessidade de adequação da legislação em vigor às necessidades específicas de um loteamento dito popular. Tal se coloca porque o grau de exigência sobre equipamentos e serviços postos ao loteador mediante exigência legal provavelmente elevará o valor unitário dos terrenos, eliminando a população de baixa renda. Isto quanto à iniciativa privada. Quanto aos programas estatais (PROFILURB, PROMORAR, etc.) é prematuro antecipar o seu significado. Tratase indiscutivelmente de programas para a faixa de menor renda, mas os dispositivos funcionais (localização, por exemplo) e exigências financeiras dos mesmos ainda estão por serem analisados, na medida em que a faixa abrangida deverá ser,

prioritariamente, para atingir seus objetivos sociais, a de 1 a 3 salários mínimos.

Por LIEDKE FILHO, Enno D. & FERRETTI, Rosemary B. Planifícação urbana, gestão e condições de vida em área central metropolitana: o Primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre. Porto Alegre, 1980, mimeogr. Trabalho inédito, não paginado 2 SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo, Nacional, 1974 APUD LIEDKE FILHO, loc. cit. 3 RIOPARDENSE DE MACEDO, Francisco. Porto Alegre, origem e crescimento. Porto Alegre, Sulina, s.d. p. 109. APUD LIEDKE FILHO, loc. cit. A população de Porto Alegre, em 1803, era de 3.927 habitantes; em 1858, 18.465 hab.; em 1890, 52.186 hab.; em 1900, 73.674 hab.; em 1920, 179.263 hab.; em 1950, 394.151 hab. e em 1970, 887.338 hab. Ver SINGER, op. cit., p.154, 180 e FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA. Migrações internas RS. Porto Alegre,1976. No ano de 1975, o número de habitantes era de 1.043.964 conforme PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Secretaria do Planejamento. Condições de vida da população de baixa renda na região metropolitana de Porto Alegre. Rio de Janeiro, IBGE, 1981. p.30. 4 RIOPARDENSE DE MACEDO, op. cit., p.113. 5 RIOPARDENSE DE MACEDO, op. cit., p.115. 6 ROCHE, Jean. Porto Alegre - Metrópole do Brasil Meridional. In: Revista Geografia Urbana, (19): mar. 1955, São Paulo, p.35. 7 ROCHE, op. Cit., p. 42. 8 COMISSÃO INTERESTADUAL DA BACIA PARANÁ-URUGUAI. Estudo de uma capital: Porto Alegre. São Paulo, 1958. Problemas de desenvolvimento, necessidades e possibilidades dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, secção 4. 9 DEBIAGI, Moema Castro. Distribuição dos equipamentos sociais urbanos. Porto Alegre, UFRGS, PROPUR, 1978, p.68. mimeogr. Dissertação de Mestrado Planejamento Urbano e Regional. Nesse trabalho, a autora atribui a maior incidência de loteamentos irregulares, na região metropolitana, ao maior vigor da fiscalização em Porto Alegre. 10 Ver COMISSÃO INTERESTADUAL DA BACIA PARANÁ-URUGUAI, op. cit. 11 CASSIANO, Paulo Coapaciara Neu. Estudo sobre o mercado de terras em Porto Alegre. Porto Alegre, UFRGS, PROPUR, 1982. p.193. Dissertação de Mestrado Planejamento Urbano e Regional. 12 Ibid., p. 194. 1

CASSIANO, op. cit., p. 227. PEREIRA, Luiza. Habitação popular no Rio Grande do Sul, 1890-1980. Porto Alegre, UFRGS, Curso de Pós-Graduação em Antropologia, Política e Sociologia, 1980. 256p. Dissertação de Mestrado. 15 GOUVEIA, Sergio Roberto et alii. Renovação urbana na segregação planejada: O CASO DO PROJETO RENASCENÇA. Porto Alegre, UFRGS, PROPUR, 1977. mimeogr. não paginado, trabalho inédito. 16 Ibid., loc. cit. 17 Ibid., loc. cit. 18 GOUVEIA et alii, ibid. 19 ENTREVISTA do Secretário do Planejamento l?l Folha da Manhã, Porto Alegre, 31 dez. 1977. Ver também FOLHA DA TARDE, Porto Alegre, 16 ago. 1980. Este projeto para a Zona Norte implica na remoção de uma Vila, a Vila Aparecida (ex-”Caiu do Céu”) desapropriada em 1979 após intensa mobilização. A situação das famílias da área e de pura insegurança, uma vez que 26ha onde se localiza foram definidas pelo Plano Diretor como área industrial, onde uma faixa de acesso da vila deverá servir de acesso pela Free-Way ao Porto Seco. 20 PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE - Secretaria do Planejamento Municipal. IPPDU - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre. Porto Alegre, Ed. AGE, 1980. p.13. 21 A problemática levantada pela implantação do Primeiro Plano Diretor, através dos debates da Câmara e registrada pela imprensa, indicam a interveniência de diversos interesses econômicos em jogo, do ano de sua aplicação ate o momento. 22 O que se segue está no estudo já citado de LIEDKE FILHO, Enno D. & FERRETTI, Rosemary B. Planificação urbana, gestão e condições de vida em área central metropolitana: o Primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre. Porto Alegre, 1980. Mimeorg. trabalho inédito, não paginado. O texto utilizado para este estudo foi o anteprojeto apresentado no Seminário de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre, Porto Alegre, 1978. As hipóteses foram elaboradas levando em consideração o anteprojeto, as discussões na Câmara de Vereadores, de 1978 a sua edição final pela LEI COMPLEMENTAR Nº 43, de 21 de julho de 1979 e pelo Decreto Nº 6921, de 29 de agosto de 1979. 23 SILVA, Clovis Ilgenfritz da et alli. Ofício nº 1302/77-80 a Cleon Guatimozin. Solicita mudanças na composição do Conselho e garantia de organização independente. Porto Alegre, 27 nov. 1978. 4f. Em ofício aos vereadores, o Sindicato dos Arquitetos no Rio Grande do Sul solicita que “... ao Poder Legislativo de Porto Alegre, algumas modificações que julgam fundamentais para a existência de uma real participação comunitária no processo de 13 14

planejamento. Referimo-nos aos artigos 15 e 23 do Projeto de Lei que institui o 1º PDDU. O artigo 15 trata da composição do Conselho do Plano Diretor de Desenvolvimento de Porto Alegre e o artigo 23, que trata da formação de Associações de Moradores das Unidades Territoriais de Planejamento. Assim sendo, propomos a inclusão das seguintes modificações na Lei do 1º PDUU: 6.1 - no artigo 15 - Composição do Conselho do 1º PDUU: 1º - Composição do Conselho com participação proporcional de representantes da Prefeitura (1/ 3), das Entidades de Classe (1/3) e das Associações de Bairros (1/3); 2º - A indicação dos representantes como prerrogativas das próprias Entidades e Associações representadas; 3º - Renovação anual do terço do Conselho, sem prejuízo de recondução para mais de um mandato. Observação: Para se efetivar estas recomendações, necessário se faz, S. M. J., uma alteração na lei municipal que estabelece normas de organização, funcionamento, representatividade dos Conselhos Municipais. 6.2 - no artigo 23 - Associações de Moradores das UTPs - introduzir as seguintes modificações, sem prejuízo dos itens I, II e III: 1º - Garantia do direito de organização independente das Associações de Moradores das UTPs; 2º - Garantia de participação de um representante das UTPs, quando estiver concluída na pauta das reuniões do Conselho, matéria específica àquela UTP. (...).” 24 PREFEITURA MUNICIPA DE PORTO ALEGRE. Secretaria do Planejamento Municipal. 1º PDDU - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto Alegre, op. cit., p. 24. 25 Ibid., p. 25. 26 Ibid., p. 25. 27 Ibid., p. 25. 28 SINGER, Paul. Movimentos de bairro. In: SINGER, Paul & BRANT, Vinicius Caldeira, org. São Paulo: o povo em movimento. São Paulo, Vozes, CEBRAP, 1981. 29 VALLADARES, Licia do Prado. Passa-se uma casa. Análise do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Zahar Editores. 1978. 142p. 30 LISBOA JUNIOR ET alii. PROMORAR – uma estratégia de segregação planejada: o caso de Porto Alegre. Porto Alegre, UFRGS, PROPUR, 1982. Mimeogr. 50 f. Trabalho inédito. 31 LISBOA JUNIOR ET alii, ibid., p. 21. 32 Ibid., p. 17.

OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO E DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA

Gênese da favelização em Porto Alegre Próximo da década de 50 se intensifica o êxodo rural no Rio Grande do Sul, especialmente para a capital, mas também para terras ociosas, inclusive fora das fronteiras do Estado. Este êxodo, causado pela alteração das relações de produção e de propriedade rural, levou a uma liberação de mão-de-obra, seja nos minifúndios, seja nos latifúndios. Analisando o período, Muller acentua que1: “... do período de governo de Jobim ao de Dorneles (1947 a 1955), a economia gaúcha revela extraordinário crescimento da renda interna, com exceção dos nos de 1951 e 54. No entanto, ambos os dirigentes revelam-se extraordinariamente preocupados tanto com a situação econômica quanto social. Êxodo rural, fuga para as cidades do Estado do RS e para as fronteiras agropecuárias do Brasil, extrema polarização da estrutura fundiária, esgotamento (apropriação prévia) de terras virgens no RS, aumento do desemprego e das favelas, dificuldades em aparelhar as cidades, em dotar o Estado de transporte e energia elétrica, dificuldades em alimentar a preços condizentes com o poder aquisitivo da maioria da população nas cidades e muitos outros problemas.”

Segundo o estudo, os saldos migratórios, de 1940 a 1979, foram os seguintes: entre 1940/50 - de 135 mil (entrada); entre 1950/60 - de 162 mil (saída); e entre 1960/79 - de 340 mil (saída).

Para Muller, esse êxodo para fora do Estado foi benéfico, na medida em que serviu para desafogar (pelo ângulo dos interesses dominantes) áreas densas da população, desafogando igualmente a pressão sobre as cidades. Neste trabalho, onde se analisa a posição do RS em relação às profundas modificações ocorridas na estrutura econômica do país (basicamente o pólo Centro-Sul) estão indicadas duas importantes dimensões na análise, quais sejam: a necessidade que se coloca do controle institucional dada a emergência dos problemas advindos das concentrações urbanas após os anos 50 e o papel dos partidos políticos no encaminhamento das questões. É no quadro desta transformação econômica, caracterizada por intensa migração, que surgem os processos de favelamento de Porto Alegre, por volta de 1946. Para dar conta desse processo, em 1940, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre cria o primeiro órgão específico encarregado de executar a política habitacional geral e de interesse social. Chamava-se Superintendência da Habitação, nome modificado para Serviço da Habitação Popular, em 1951, Departamento Municipal da Casa Popular, em 1952, e Departamento Municipal da Habitação, em 1965, nome que conserva até hoje. Trata-se, pois, de privilegiar, na análise, a questão dos assentamentos diferenciais na cidade de Porto Alegre como a dinâmica básica que engendra os conflitos do período em análise. Os assentamentos são reflexos do processo da apropriação privada do solo urbano e, como tal, pautados pela inflexível lógica da concentração do capital na cidade capitalista, que transforma o solo em suporte das atividades exigidas pela acumulação capitalista. Há que se atentar para o uso da habitação como valor de uso e valor de troca, no processo. No momento cabe adiantar o seguinte: segundo o DEMHAB2, de 1950 a 1972, a infra-estrutura instalada foi mínima

ou inexistente. Os termos de instalação das vilas eram os seguintes: constituía-se o loteamento e, quando a prefeitura instalasse a infra-estrutura, os custos seriam repassados para o proprietário. Tratava-se de uma solução emergencial. Dado o crescimento demográfico da época, e a potencialidade política de uma pressão por habitações, a solução era garantir um mínimo de satisfação para esta demanda. O que se viu foi a proliferação de situações irregulares de vilas implantadas pelo Departamento - Vila São Gabriel (1950), Vila Batista Xavier (1952), Vila São José (1952), Vila Santa Anita (1953), Vila Sarandi (1953), Vila Passo das Pedras (1955), Vila Carlos Barbosa (1953), Vila Vargas (1955), Vila Santo Agostinho (1956), Vila São Borja (1958), Vila Santa Rosa (1959), Vila Mapa (1964), Vila Restinga (1964), Vila Nova Brasília (1953). São vilas que, com exceção da Mapa e da Restinga, obedeceram na sua constituição, a esta lógica. Na mensagem de 1948, o governador Jobim afirma que3 “... agrava-se consideravelmente em algumas cidades do Estado, particularmente Porto Alegre e Rio Grande, o problema das casas populares. Quando fosse necessário demonstrar essas afirmações, bastaria o espetáculo das malocas, a assumir proporções cada vez mais sérias nestas cidades. (Mas os problemas não se delimitam às camadas pobres e assalariadas, alcança a própria classe média).”

Associada a esta ocupação, tem-se a proliferação dos loteamentos irregulares, sempre nas adjacências do perímetro central. A avaliação da situação habitacional de bairros, decorridos dez anos da administração Jobim, da situação de Porto Alegre, em 1958, a partir de pesquisa amostral 4 de cinco bairros diferenciados, é a seguinte: Dois bairros de população de baixa renda: 1) Vila Santa Luzia - vila de malocas, bairro de baixa renda, 4.500 habitantes, ausência de equipamentos sanitários e de saúde pública, alta incidência de doenças transmissíveis, parasitárias,

baixo nível de nutrição, contaminação da água (que é fornecida por algumas bicas), ausência de serviço de lixo, baixo consumo de bens duráveis, presença de auto-construção, malocas de 10m2 grudadas umas às outras;

Outrossim, destacamos a análise do tipo psicosocial prevalecente nas vilas de malocas6, numa clara demonstração da vigência da visão sociológica predominante no período: paternalista e moralizante.

2) Vila Dona Teodora - semelhante à Santa Luzia -, localizada em terreno baixo e alagadiço; presença da Prefeitura na construção de algumas casas e também na abertura de canais de drenagem; população de 12.000 habitantes.

“Sobre ambiência social: não se encontram nas vilas de malocas consciência e iniciativa para solucionar os problemas coletivos. No conjunto do IAPI nota-se uma tendência para exigir que aquela autarquia solucione todos os problemas, enquanto que nos outros dois bairros, a falta de iniciativa é comum. As reivindicações por maior justiça social traduzem a consciência do direito de uma vida mais humana porque lutam as classes menos favorecidas e espoliadas. Os chamados ‘maloqueiros’ possuem consciência da situação em que se encontram, em grande parte devido à ação dos partidos políticos e dos comunistas introduzidos no meio ... nos demais bairros, a situação geral é de acomodação e passividade ... as atividades políticas são muito intensas e num estado de exaltação nas vilas de malocas. Isto devido ao fato de sua situação ser explorada continuamente em benefício de partidos legais (PTB) ou ilegais (PCB).”

Num crescendo, para o investimento em serviços, equipamentos, etc., o estudo relaciona dois bairros de renda média: 3) a Vila IAPI (conjuntos residenciais construídos pelo Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários, extinto em 1966), que é formada heterogeneamente, com predominância de operários especializados, capatazes, mestres, e alguma classe média alta, com 16.000 habitantes; nível razoável; 4) São João/Navegantes - popular média, operários e classe média, na zona industrial do 4º Distrito; 30.000 habitantes; nível razoável superior. E, para alta renda: 5) Petrópolis - classe média alta; 30.000 habitantes; nível superior. Estes referenciais, pois, fornecem uma idéia da distribuição desigual das camadas sociais na cidade, no período (1958). Quanto à atuação do Departamento Municipal da Casa Popular para as vilas de malocas, o relatório da referida comissão aponta que este5 “... autoriza a construção de novas malocas, fornece algum material, construiu conjuntos de casas populares que são malocas melhoradas, mas, efetivamente não conta o CDP com meios para enfrentar o problema”.

Esta amostra é bastante significativa: além de demonstrar a diferenciação por grupos de renda, dos serviços e equipamentos por bairros para Porto Alegre, na época já indica a polarização política do período. Os partidos, diante da conjuntura, se apresentam, segundo Muller, como instâncias mediadoras, “uma vez que o que está em jogo é, cada vez mais, a situação total da dinâmica das classes, dada a pressão das massas populares” . Este período caracteriza-se por intensa polarização política, já que a política começa a ganhar um cunho predominantemente urbano, com a disputa de base eleitoral pelos partidos (PSD, PL, UDN e PTB). Assim, se o período de 1950 a 1960 caracteriza-se por uma ocupação caótica do espaço urbano (inclusive por interesses políticos), sob as formas de loteamentos mal equipados, cumpre a tendência que de resto verifica-se nos demais centros urbanos do país, nos mecanismos já conhecidos de valorização de áreas

mediante investimentos não apenas das loteadoras, mas também do Estado, através da extensão diferencial de serviços e de equipamentos, segundo os interesses investidos na malha urbana. Os loteamentos de 1958 localizados nos eixos de expansão da cidade, Av. Assis Brasil, Av. Protásio Alves, Av. Bento Gonçalves, Glória e Av. Teresópolis, pela zona sul da cidade e pela Estrada Federal, no sentido de Canoas, hoje apresentam a sua fisionomia modificada, o que de resto significa a lenta extensão dos serviços de infra-estrutura reclamados na época, como a densificação destas áreas então definidas como de “fraca densidade demográfica”. Os diferentes níveis sócio-econômicos que os bairros compreendidos nestes eixos apresentavam, denunciam, igualmente, uma desigual distribuição de equipamentos e serviços, como já se colocou. Os primeiros estudos especificamente sobre favelamento foram realizados em 1951, por Comissão designada pela prefeitura8. Descreve a favelização nos termos vigentes dos anos 50, tal como o realizado pela Comissão Interestadual. Senão, vejamos. “Porto Alegre é uma cidade que cresceu pelos vales. Ela é Como uma grande mão, com o punho apoiado numa curva do Guaíba e com os dedos a repousarem por entre os morros, acompanhando o casario, o curso dos riachos e se espraiando a sombra das colinas e morros que margeiam a cidade. Sobraram, por isso, pela grande extensão da Capital, muitos terrenos baldios, muitas vezes próximos às linhas de bondes, que se desdobram, para poder alcançar as casas dos bairros distantes. Começaram a a aparecer nestes terrenos, uns, pertencentes a particulares, outros, à Municipalidade, pequenos casebres, construídos do dia para a noite, sem licença de qualquer espécie, sem forma e arruamento. De início não havia problemas. Desde o momento, entretanto, em que o povo notou as vantagens na vida nestes casebres, vida sem preocupações e sem impostos, e reparou que os construtores e moradores não foram dali desalojados, houve um surto repentino destas construções e surgiram, de repente, as chamadas vilas de

‘malocas’. (A maloca, para o porto-alegrense, é o pequeno casebre, geralmente feito de tábuas velhas, equivalente à favela carioca e ao mocambo pernambucano).”

Estes são os resultados do levantamento: Procedência da família - sob quatro pontos de vista foi considerada a procedência da família: a) famílias formadas e residentes na capital - constituem a maior parcela - 57,61% (2.492 famílias); b) famílias procedentes do interior, isto é, famílias fundadas no interior do Estado e que, pelos motivos abaixo discriminados, transferiram-se para a capital - 37,57% (1.625); c) famílias oriundas de outros Estados, pelas mesmas considerações acima - 4,76% (206); d) famílias vindas do exterior - 2. Os motivos alegados para a transferência do interior para a capital foram: em busca de maior oportunidade de trabalho: 83,08%; à procura de recursos médicos -5,83%; por laço afetivo - 2,94%; para conhecer a capital - 1,36%; imigração - 2 famílias, apenas. Esclarecendo os comentários a respeito da procedência das pessoas que habitam as malocas e que as consideram geralmente, como vindas do interior, constatou-se que 32,9% dos maloqueiros são originários do interior e 67,1% da capital. Este dado se refere, apenas, aos últimos cinco anos. A formação das malocas está ligada a diversas causas, mas as razões apresentadas pelas famílias foram: Da capital para a vila de malocas: • demolição do prédio .............................................254 famílias • desocupar a casa .................................................691 famílias

• não pagar aluguel ................................................ 439 famílias • mais próximo do local de trabalho ......................... 191 famílias • não tinha onde morar .......................................... 610 famílias • sempre viveram em casebre ................................. 247 famílias • não informaram ...................................................53 famílias • propício a enchente ............................................. 7 famílias • voltariam ao local de procedência ......................... 293 famílias

Esta pesquisa é bastante significativa porque além de revelar pela primeira vez o interesse estatal pela favelização, na análise utilizam os supostos teóricos que advêm da sociologia urbana dos anos 50, que, em resumo, consistem em conceber basicamente a marginalização econômica e física como fenômeno da dimensão psico-moral. A interpretação dos dados da pesquisa leva a uma formulação moralizante, no sentido de, após uma ‘seleção’, recuperar socialmente as famílias que por uma série de fatores estão vivendo nestas condições. A visão assistencialista sobrepõe-se na análise na medida em que apesar de reconhecerem os fatores sócio-econômicos como os responsáveis pela situação de marginalidade, supõe que ‘a saída’ desta condição é possível apenas no caso dos indivíduos que ainda possuem valores éticosociais. A ‘contaminação’ seria o processo gerado a partir da convivência destes indivíduos (famílias) com os ‘realmente’ marginais, anti-sociais, sendo o Estado convocado a intervir. A metrópole, como é a causa dos desarranjos, já que esta é uma conjugação de forças que podem agregar ou não a população. O que era expressão meramente geográfica (bairro/vila) convertese em vizinhança (‘boa ou má’). Partidária desta mesma concepção, tem-se outros estudos que apontam, invariavelmente, para a mesma visão assistencialista. Deve-se o fato às condições de emergência da favelização em

Porto Alegre,em 1950, não apresentar um caráter ligado tão nitidamente ao rebaixamento das condições de vida do trabalhador, como na atualidade. A presença da visão ecológica da Escola de Chicago reaparece também quando supõe como a diferenciação social se revela na distribuição espacial9: “Robert Park, aliás, diz muito bem que a mudança de ocupação, o êxito ou o fracasso pessoal - em suma, as mudanças na posição social e econômica - tendem a registrar-se nas mudanças de localização. Afinal de contas, a organização física e ecológica da comunidade corresponde e reflete a sua organização ocupacional e cultural. A seleção e a segregação sociais, que criam os grupos naturais, determinam ao mesmo tempo as áreas naturais da cidade.”

Donde que o fenômeno da favelização, antes de mais nada, na concepção sociológica vigente, é “á correspondência, no plano da organização física e ecológica, da sua organização ocupacional e cultural”10. A conclusão do estudo aponta para a consideração de fatores econômicos e não econômicos na formação das “vilas de malocas” enquanto fenômeno arquitetônico de habitação, porque não se explicam apenas como fenômeno de simples habitação. Elas seriam fenômenos de vizinhança e de diferenciação. Vizinhança pela homogeneidade interna apresentada pelos grupos segregados que compartilhariam uma mesma identidade cultural e diferenciação pela heterogeneidade destes grupos em relação a outros grupos sociais, localizados em outras áreas na cidade. De 1950 para cá, o poder explicativo desta linha sociológica vai perdendo sua expressão. O fenômeno das migrações para os grandes centros urbanos como pólos de concentração do desenvolvimento capitalista no Brasil, modifica o tratamento da questão favelização. Hoje o conceito prevalecente a nível do Estado é o de subhabitação.

Subhabitação em Porto Alegre Os estudos atuais sobre subhabitação em Porto Alegre foram procedidos inicialmente pelo Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB), em 1965. Este órgão é uma autarquia da Prefeitura e é responsável pela política habitacional do Município, sendo resultado da reestruturação do Departamento Municipal da Casa Popular, já citado. A reestruturação foi exigida em função da criação, em 1964, do Sistema Financeiro da Habitação. O segundo estudo foi realizado em 1973, via a contratação do Projeto Rondon, que realizou o reconhecimento dos núcleos, cadastramento, mapeamento e questionários em todas as famílias moradoras em malocas. Os resultados principais e que serviram para a formulação mais precisa do problema do favelamento em Porto Alegre são estes11: “Nota-se o aumento de indivíduos dentro do grupo familiar, no período, de 3,52 para 4,74 pessoas, assim também como na maloca, de 4,11 para 5,25, apesar do índice de coabitação ter diminuído de 14,47% para 9,78%. Entretanto, aumentou a quantidade de filho por família que, de 1,68 em 1951, passou para 2,61 em 1972, ou seja, um crescimento de 55,4%. A coabitação de famílias agregadas mostra diminuição na proporcionalidade; o crescimento destas famílias, de 22,36% da média anual, durante os primeiros 14 anos decresce para 10,74% quando se amplia o campo de relação para 21 anos. Isto contribui para o desdobramento de novos barracos à custa daqueles que coabitavam, cujo índice declinou de 14,47% para 9,78%. Em 1951 existiam 7.799 menores até 18 anos e estes, ao franquearem a idade núbil durante os 21 anos subseqüentes, alimentaram em grande parte a multiplicação das malocas e núcleos. Os filhos tiveram um aumento na taxa de 25,14% durante os 14 anos mais remotos, elevandose o crescimento médio anual para 30,85% quando se considera todo o período.”

No momento cabe alertar que a taxa de ocupação é uma medida muito relativa, na medida em que não apanha o aspecto

qualitativo na situação habitacional, a menos que seja acompanhada de outras variáveis. Assim, para Porto Alegre temse, no caso das subhabitações, um descenso no índice de coabitação, que, longe de representar uma melhoria nas condições gerais de moradia, segundo os critérios de privacidade, espaço físico e psicológico, etc., expressa o descenso social do período e é uma das fontes alimentadoras de novos núcleos de malocas. Donde, para o DEMHAB12, “... as malocas, em Porto Alegre, já ultrapassaram a fase migratória do fenômeno e encontram-se, já há algum tempo, em outra fase mais avançada em que o favelamento é auto-perpetuável. A maloca alimenta a maloca cada vez mais. O descenso social, fruto da mobilidade atual, apresenta-se como a segunda fonte alimentadora. As migrações internas, não tanto rurais, como também de outras cidades, constam ainda, mas com participação cada vez menor.”

A considerar-se apenas a população tida como favelada e, por conseguinte, localizada em subhabitações, pode-se dimensionar o problema da precariedade em sua faceta mais crítica. Como se sabe, o problema da marginalização não pode ser exclusivamente computado a uma questão de ‘situação provisória’, restrita ao processo de êxodo rural. Trata-se de explorar os mecanismos de marginalização crescente, fruto do processo de deterioração dos salários, concomitantemente com a especulação que se faz sobre a renda da terra urbana, que resulta no trânsito de uma dada população de uma área em valorização para outra, mais afastada, mais carente de infra-estrutura. Assim, a própria caracterização do processo de marginalização, vista tradicionalmente como fenômeno dependente do processo geral da urbanização dos centros industriais, encontra a sua relativização em dois processos que, conjugados, atuam na geração do fenômeno malocas: a impossibilidade de mobilidade social, dado a relativa capacidade de absorção de mão-de-obra pelo modelo industrial instalado, e o descenso social provocado pelo congelamento dos salários.

Assim, enquanto Porto Alegre cresceu nos últimos anos em 220%, a contrapartida é da multiplicação de malocas em torno de 649% 13. Para o PROPLAN observa-se que

14

“... a aceleração entre os favelados faz crescer a percentagem sobre a população da capital de 3,89% para 10,67% em 21 anos. Observa-se, outrossim, que nos índices de crescimento de 1965, os favelados somaram 9,8 pontos sobre Porto Alegre, considerada isoladamente e, em 1972, a parcela adicional foi de 16,8.”

Contrapondo-se à generalização tradicional, tem-se que os naturais de Porto Alegre, comparados aos oriundos de migrações, chegam, no ano de 1972, a 28,27%, o que em si não confirma a marginalização como fenômeno exclusivo da migração. “Deste modo, a participação dos naturais de Porto Alegre cresceu de 22,41% em 1951 para 28,27% em 1972, ou seja, a única fonte em crescimento progressivo sobre as demais. Isto nos leva a pensar que a marginalização das famílias pobres de Porto Alegre é mais acentuada a partir dos últimos anos sendo um dos problemas mais graves na conjuntura atual (grifo nosso).”15 “Um total de 4.612 famílias que provêm de habitações alugadas ou cedidas se radicaram por anos nas malocas, por não poder pagar aluguel ou não disporem de uma casa cedida. Este grupo, que representa 20,65%, foi afetado por um forte descenso social nos anos próximos passados, segregado habitacional mente pelas condições de mercado.”16

Segundo o Departamento Municipal de Habitação, em trabalho já citado17: a) para o ano de 1973, existiam no município de Porto Alegre 124 núcleos irregulares, com 20.152 malocas, residindo 22.336 famílias e totalizando 105.833 pessoas; b) cresce a população nas malocas 4,5 vezes mais do que a média da população da cidade considerada à parte;

c) ingressam nas malocas 20,65% dos favelados por descenso social nos últimos anos; d) é maior o ritmo de crescimento do número de naturais de Porto Alegre a partir de 1965: a maloca alimenta a maloca em 63,72%; e) o desemprego declarado é 1,9% e o subemprego atinge 50% dos chefes de família; f) o maior número de chefes de família concentra-se em rendas inferiores a 2 salários mínimos, ao redor de 74% (na década de 60/70 o salário deteriorou-se em 35%); g) quanto à moradia, 38,91% mostram-se indiferentes; 37,5% querem terreno e 23,5% demonstraram interesse por casa; h) os principais interessados em terrenos e em casa encontram-se entre os que ganham 1 salário mínimo e possuem 3 a 4 pessoas no grupo familiar. Esses resultados corroboram a interpretação que associa, para esta população, a insegurança frente ao mercado de trabalho, acesso ao mercado habitacional e tem-se as diferentes situações que resumem a condição de ocupação para esta expressiva camada social de até 3 salários mínimos. Deve-se observar ainda o seguinte: dado o peso da prestação, seja para a aquisição de terreno, seja para a casa no mercado particular (loteadores, etc.) ou governamental (BNH), a existência de 39% de ‘indiferentes’ deve, no mínimo, ser considerada como uma acentuada ausência de expectativa de acesso a compromissos regulares para o consumo-habitação. Subhabitação em Porto Alegre e o Primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Em 1980 a Secretaria do Planejamento Municipal, através da Unidade de Estudos Sócio-Econômicos (UESE) e da

Coordenação de Estudos Urbanos (CEU), que integra a Supervisão de Planejamento da mesma, realiza estudo sobre subhabitação em Porto Alegre. Este trabalho, de caráter preliminar, visa a caracterização parcial da situação das áreas ocupadas por subhabitação na cidade. Neste trabalho são acentuadas as dificuldades em vista da desatualização dos dados a respeito, de resto situação idêntica encontrada em nossa pesquisa, bem como da incompatibilidade existente entre os princípios de fixação da população de baixa renda previstos no I Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e a definição de áreas segundo o mesmo. A conclusão do trabalho coloca que a divergência funcional partiria no ‘desconhecimento’, por parte da Secretaria do Planejamento, da real situação habitacional de segmentos da população em áreas então definidas como de preservação da natureza, lazer, etc. visando corrigir essas distorções, é efetuado este trabalho em função basicamente da solicitação da comunidade atingida pelas definições funcionais do IPPDU. É suficientemente esclarecedor das questões de reassentamento das subhabitações o que se segue18: “A última informação mais completa sobre o problema da subhabitação em Porto Alegre é de 1973 quando o DEMHAB procedeu levantamento sócio-econômico em todo o Município. Tentativas de atualização foram feitas, inclusive contando com a participação desta Secretaria, porém sem os resultados esperados. Em contrapartida, a fonte que poderia fornecer com maior clareza a situação física das áreas de subhabitação, ou seja, o levantamento aerofotogramétrico, também se encontrava desatualizada, datando o último de 1956. E foi utilizando esta fonte e mais informações do DEMHAB sobre vilas onde tinha jurisdição, que se baseou o Plano Diretor na sua reavaliação em 1979. Em função disso muitos locais onde havia subhabitações foram destinados a usos nãocompatíveis com a habitação. Nesse mesmo tempo, começaram a surgir movimentos nas vilas pela recuperação das mesmas e conseqüente posse da terra. Por outro lado, o governo acenava esta possibilidade através da reabilitação de alguns programas do BNH não implantados até o momento, ressurgindo com o nome de Programa de Erradicação da Subhabitação - PROMORAR.”

São apontadas a seguir dificuldades de definição de processos oriundos seja do DEMHAB, seja de vereadores, Associações de Moradores, etc., pedindo informações sobre a viabilidade de recuperação das áreas ou simples implantação de serviços. Diante dessa precariedade, buscaram o levantamento possível da real situação de subhabitação, não apenas para atualizar os dados, mas para disputar a prevalência na definição de áreas de recuperação ou/e relocalização, indicando ao DEMHAB os locais de intervenção. Esta diretiva introduz a idéia de que não há a complementaridade desejada entre os órgãos, no que se refere estritamente à questão do assentamento da população de baixa renda, o que reflete as ambigüidades no tratamento tanto dos órgãos de planejamento como do órgão responsável pela habitação popular (Departamento Municipal de Habitação). Nas 146 áreas de subhabitação, 102 foram caracterizadas como loteamento clandestino surgido por invasão de população. Destas, 46 estão cadastradas no Departamento Municipal de Habitação para receber benefícios PROMORAR. Quanto às condições de ocupação, tem-se a situação sanitária nas 146 áreas, onde inexiste esgotos; água: 30,8% não, bica próxima 44, 5%, servida por bica e por rede 6,8% e por rede 17,2%. O que significa ligações clandestinas, porque a presença de rede geral só se dá nas casas em vias oficializadas; assim: luz – 93,2% graças às ligações clandestinas; pública – praticamente inexistente. Quanto às condições físicas: terreno - a maioria em assentamentos com boas condições físicas, em relação à maioria das cidades onde as áreas de suhabitação estão em terrenos sujeitos a enchentes, erosões, etc.; 31,5% das 146 em locais planos e secos; 19,2% em declividade forte; 15,1% em declividade fraca; 15,1% em declividade moderada; 15,1% em plano alagadiço e 4,1% em local irregular.

Conclui o estudo que os terrenos, em geral, são favoráveis ao uso habitacional, por 61,7% dos mesmos constituem-se em áreas planas e áreas de fraca ou moderada declividade; 34,3% não preenchem tais condições. Outro dado importante refere-se à diferenciação entre vila ou núcleo. O estudo optou por considerar como19 “... vila de subhabitação a que, além de possuir maior concentração populacional, muitas vezes reflete um certo grau de organização social de seus habitantes, onde as lutas por melhores condições de vida são mais presentes, localizando-se nas mesmas alguns equipamentos mínimos e apresentando estabilidade mais acentuada em relação à ocupação da terra. São os grandes núcleos ou vilas de subhabitação que têm merecido maior atenção de órgãos públicos, no sentido de promover sua recuperação e/ou dotá-las de uma infra-estrutura mínima, já que o custo de remoção de áreas com significativa concentração populacional é bastante dispendioso. Por sua vez, núcleo concentra menos população, não reflete algum tipo de organização social mais consistente entre seus habitantes, e se não mais sujeitas à remoção sua vinculação com o espaço pode ser caracterizada como transitória e temporária, estando sua população propensa à busca de outro lugar para viver. Um dos fatores que determina a não expansão dos núcleos é o tamanho do espaço físico onde estão assentados. Um grande número de núcleos está localizado em terrenos de pequenas dimensões ou em reservas de praças e escolas de loteamento.”

Quanto à situação de uso das áreas de subhabitação de Porto Alegre segundo atividade residencial prevista pelo Plano Diretor tem-se no estudo de localização, levando pela unidade, que visava estabelecer a situação das áreas quanto ao zoneamento de uso pela Lei Complementar 43/79 que serviu de informação básica e mais outros estudos das demais unidades. O uso conforme significa destinação residencial. Desconforme, onde não é permitido o uso residencial. Parcialmente, quando a área é mista.

Os dados evidenciam que em uso conforme, segundo o ponto de vista funcional definido pelo plano, estão 72,5% das áreas de subhabitação e em uso desconforme 17,8%. Em uso parcialmente desconforme, 9,6%. Isto a partir do critério zoneamento. Relacionando a variável tempo de existência com o período de estudo da reavaliação do Plano Diretor (1979) tem-se que apenas oito áreas surgiram após este período, localizando-se de forma incompatível. O que significa que já deveria ser do conhecimento da Secretaria do Planejamento, a existência das áreas definidas pelo Plano Diretor como desconformes ou parcialmente desconformes. Pode-se concluir que o Plano não levou em consideração a existência de todos os núcleos/vilas na definição do critério de zoneamento, o que teria evitado essas distorções. Relacionando as variáveis uso e ocupação do solo previsto pelo I Plano Diretor com as áreas de subhabitação, apenas 18 das 146 destacam, não têm algum tipo de problema com relação à legislação urbana em vigor. O estudo apresenta também dados sobre a implantação das vilas, onde consideram todas as áreas levantadas como clandestinas, exceção dos loteamentos irregulares que apresentam estágios mais avançados no que se refere à urbanização. Destacase o alto índice de loteamento clandestino por invasão, que chega a perfazer 69,9% dos casos das áreas de subhabitação. O menor índice é o de loteamento irregular com invasão. Analisando os dados, o estudo salienta que somente as áreas de loteamento por invasão serão objeto de estudo para fins de recuperação, cabendo às demais medidas pertinentes, dado que são áreas loteadas por empresas.

Quanto à situação de propriedade, o maior índice de ocupação das áreas de subhabitação e o de área particular, seguida pela área pública.

à destinação dessa área, por parte do governo municipal, à zona industrial, assumindo com isso um papel gerador de especulação. Em função disso, algumas vi

Das 146 áreas, o estudo aponta que menos da metade possui entidade, 71,9% destas situam-se em vilas com mais de 100 unidades e acrescentam que mesmo nas áreas de menos de 50 unidades, haveria o canal de reivindicação nas Associações de Moradores dos bairros onde se encontram. Como as Associações de Moradores sempre refletem o grau de organização das comunidades, o dado aponta para a relação entre tamanho da área e presença desta organização.

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O crescimento geométrico das áreas de localização da população de baixa renda passou de 3,62% em 1965 a 5,72% em 1980, o que é confirmado em outros estudos (Departamento Municipal de Habitação) que chamam a atenção para o fato de a taxa demográfica da população marginalizada estar acima do dobro da correspondente taxa de crescimento demográfico da população total de Porto Alegre.

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Observa-se a concentração das áreas, bem como seu crescimento. As hipóteses para esta distribuição são as seguintes: em primeiro lugar, as demais áreas menos importantes apresentam um crescimento quase estático (15,1% em 1965 e 16,4% para 1980) talvez em função da localização, ou seja, falta de espaço físico para expansão, uma vez que estão próximas do centro e também porque as áreas mais condensadas oferecem vantagens locacionais (infra-estrutura, acesso local de trabalho, transportes, etc.).

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Agora, como entender as áreas em questão? O estudo aponta o seguinte: a área da vila Dona Teodora e da Av. Ipiranga apresentam taxas de crescimento negativas. No caso da Dona Teodora, a razão social deste comportamento pode ser atribuída

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PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, Departamento Municipal da Habitação, op. cit., p.34. 13 FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA. Indicadores sociais do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n.2, 1975. p.55. 14 PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Programa de Reavaliação do Plano Diretor. Relatório de sociologia urbana. Porto Alegre, 1977. p.67. 15 PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, Departamento Municipal de Habitação, op. cit., p. 31. 16 PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, Programa de Reavaliação do Plano Diretor, op. cit., p.70. 17 PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, Departamento Municipal de Habitação, op. cit., p. 31. 18 PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE - Secretaria do Planejamento. Reprodução da favela: migração, empobrecimento da população; subhabitação: um estudo preliminar. Porto Alegre, 1982. p. 5. 19 PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE - Secretaria do Planejamento, op. cit., p.34. 12

MULLER, Geraldo. A economia política gaúcha dos anos 30 aos 60. In: DACANAL, José Hildebrando & GONZAGA, Sergius. RS: economia e política. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1979. p.375. 2 Exposição do então diretor do Departamento na sede da FRACAB em reunião de moradores convocada para debater a política do Município diante das ameaças de despejo, em algumas vilas atingidas por processos de reintegração de posse em 1978. Marca o início da discussão sobre o PROMORAR na cidade. 3 MULLER, op. cit., p.337. 4 COMISSÃO INTERESTADUAL DA BACIA PARANÁ-URUGUAI. Estudo de uma capital: Porto Alegre. São Paulo, 1958. Problemas de desenvolvimento, necessidades e possibilidades dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, secção 4. 5 COMISSÃO INTERESTADUAL DA BACIA PARANÁ-URUGUAI, op. cit., p. 345. 6 Ibid., p. 351. 7 MULLER, op. cit., p.385. 8 PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Comissão Especial. Levantamento econômico-social das malocas existentes em Porto Alegre. Porto Alegre, dez. 1951. 9 MEDEIROS, Laudelino. Vilas de malocas. Ensaio de sociologia urbana. Porto Alegre, Ed. UFRGS, 1951. p.70. 10 Ibid., p.71. 11 PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Departamento Municipal de Habitação. Malocas, diagnóstico evolutivo das subhabitações no município de Porto Alegre-RS. Porto Alegre, Emma, 1973. p.10. 1

MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS PORTO ALEGRE -

75-82

As ações mobilizatórias Do acompanhamento de casos no período em análise, algumas considerações podem ser adiantadas. Ressalte-se que são movimentos que apontam para as questões ligadas ao espaço urbano, adquirindo seu significado na relação com as hipóteses aventadas. A imprensa divulga1, desde os anos 70, movimentos reivindicatórios, destacando-se as barricadas, que consistem em bloquear pontos de circulação viária. Diante da denúncia da distribuição desigual de serviços e equipamentos, a administração municipal implementa os programas de caráter social reivindicados. Nesse contexto são apresentados os já citados projetos Pró-Gente I (1975) e II (1977), Voltados basicamente para as vilas do Departamento Municipal de Habitação, como uma nova etapa na solução dos loteamentos irregulares2 Como expusemos anteriormente, ligando-se à direção e dimensão do crescimento das subhabitações, dada a particular forma de parcelamento e ocupação a que foi sujeita a cidade, temos que a mobilização das vilas e bairros populares tem sua razão na específica forma de apropriação do solo urbano. Tanto é assim, que os moradores dos loteamentos precários, no período em análise, organizam-se ativamente pela melhoria da condição

de vida. Já em relação aos moradores das vilas clandestinas, a questão que colocam é a da propriedade da terra, condição primeira ao direito à reivindicação. Estas vilas clandestinas, normalmente fixadas em locais próximos ao trabalho, estão sujeitas a todo tipo de deficiência nas condições de moradia, aliado a um alto grau de instabilidade quanto ao seu futuro destino. A prática de remoção pura e simples, por uma série de fatores de ordem política, tem sido obstaculizada. Mas ocorre que, como já se disse, a migração, aliada às remoções de populações, principalmente em função de planos urbanísticos que incidiram sobre a área central da cidade e às margens do rio Guaíba, terminaram por configurar a invasão de lotes, nos últimos quinze anos, seja em área pública, seja em área privada, como a alternativa possível para, emergencialmente, resolver o problema da moradia. O que se pode observar, pois, é um trânsito contínuo dessa população, por força do despejo, e também, ultimamente, por outro mecanismo: o da valorização imobiliária, configurando o que se denomina de processo de substituição de população de baixa renda pela populacão de média e alta renda3. A função da Restinga insere-se diferentemente nesse processo. Constituída a partir do ano de 1964 como centro de triagem da população, construída pela prefeitura com financiamento do Plano Nacional de Habitação Popular para a Nova Restinga, como foi denominada a área, era a de acomodar a população removida. Além de configurar-se como uma tentativa de fixação da população, recebe o projeto de instalação de um Distrito Industrial com o objetivo de gerar os empregos necessários às famílias lá fixadas. O problema que se coloca é que ocorre um impedimento de ordem financeira por parte da população teoricamente preferencial, para assumir os custos das unidades construídas. Além disso, a distância da área em relação ao centro da cidade, onde estão os empregos, não tem feito deste núcleo

uma opção muito viável para a população de baixa renda. Muitas tentativas de remoção para esta área foram rejeitadas, preferindo a população instalar-se em bairros precários, mas próximos ao local de trabalho. Um dos exemplos disso é a Vila Nova São Carlos, que da Bento Gonçalves, no local hoje ocupado (1984) pela Estação de transbordo, foi, por opção, para a Lomba do Pinheiro. Outro é o da Vila Nova Brasília, no sarandi, cujos moradores optaram pela Vila Santa Rosa ou Ramos, Bairro Rubem Berta, pela mesma razão. O insucesso da Restinga insere-se em um tipo de assentamento da população levado pela Prefeitura Municipal que tende a não se repetir. Mais recentemente, partindo da esfera federal, tem-se vários programas que buscam a solução para o problema das subhabitações, como por exemplo o já citado PROMORAR4. No limite da análise, pode-se adiantar que a forma de ocupação e parcelamento do espaço urbano em Porto Alegre responde pela deflagração desses movimentos populares por melhores condições de vida, na conjuntura em exame, onde a cidade sofre a sua mais ampla ordenação, via Plano Diretor, tratada nos capítulos anteriores. A natureza legal da apropriação do espaço parece incidir, e muito, sobre o tipo de ação prioritária e a forma de organização da população para obter os resultados esperados. Numa primeira aproximação com esta dimensão de análise, pensamos que as formas de organização da mobilização estão estritamente vinculadas à condição de apropriação legal do solo, configurando o teor da mesma. I - Partindo do princípio de que a área seja legal, mas carente, os moradores, inicialmente, utilizam tanto o abaixoassinado à autoridade competente, como a audiência; recorrem

à imprensa; manifestam-se publicamente através de barricadas ou concentrações. O fato de ser proprietário e, portanto, contribuinte, direciona basicamente a ação no sentido da denúncia da alocação desigual dos recursos do Estado. A barricada tem sido a ação mais divulgada. Em parte por repercutir imediatamente no fluxo de trânsito da cidade. E também porque a curto prazo tem recebido mais pronto atendimento ou resposta das autoridades. As principais mobilizações através de barricadas no período, segundo a cobertura jornalística5, reivindicavam calçamento. Ocasionalmente alinhava-se a concessão de demais equipamentos públicos. Bastante exemplificativa foi a barricada no bairro Vila Nova, Monte Cristo, em janeiro de 1979. O movimento, além do calçamento, requeria âgua, esgoto e melhoria do transporte. Inicialmente reprimido, foi posteriormente proposta a solução para o calçamento, que consistia na pavimentação pela Prefeitura, na íntegra, de uma rua e de forma partilhada entre Prefeitura e moradores, de outra. Como o movimento era composto por moradores regulares e clandestinos, não houve acordo entre eles na ocasião, já que, o valor foi considerado oneroso dado o nível de renda existente. De um modo geral, a solução da partilha de custos tornouse prática comum dos órgãos públicos em todas as áreas, o que levantava imediatamente a questão da renda e da situação irregular ou clandestina dos moradores. Pela ótica dos moradores a Prefeitura deveria distribuir os serviços e equipamentos de forma equânime na cidade, sem ônus para os mesmos. A inconformidade, diante da partilha proposta, passava pela alocação desigual dos recursos orçamentários do poder municipal, privilegiando a área central, bairros de alta renda e programas urbanísticos de vulto, em detrimento dos bairros e vilas de média

e baixa renda. A alta incidência de barricadas, nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, referem-se aos transtornos provocados pela ausência de calçamento, o que implica em poluição das moradias, somada às críticas em diversas áreas da cidade, devido a falta de água que ocorre nesses meses. II - Quando a área é irregular, isto é, quando a maioria está com a sua moradia não legalizada, os movimentos se desencadeiam a partir das extenuantes tentativas de regularização da propriedade. Após esse processo e mesmo enquanto a letargia burocrática impede o registro que legaliza a propriedade, os moradores se organizam em movimentos reivindicatórios por equipamentos comunitários e urbanos. Neste caso ocorre um duplo processo: de denúncia da falta de equipamentos, através dos mesmos recursos, e de receio de que os pagamentos destes recaiam pesadamente sobre a população, que, via de regra, percebe baixos salários, o que inibe a ação. Mas não é levantada a questão da “justiça para o contribuinte”, como no primeiro caso. O que aqui mais se coloca é que a reivindicação pode ser atendida, mas incidindo em custos para os moradores. O que resulta são ações isoladas, dos que têm recursos. A solidariedade se forja quando toda área é passível de remoção, devido à situação irregular dos loteamentos. Esse momento, o da remoção, gera identidade de interesses que provocam a ação coletiva dos moradores. Foi o que aconteceu na Vila Viçosa, na Lomba do Pinheiro, Bairro Agronomia6. Ameaçados de despejo, foram ao Registro de Imóveis e à Justiça para defender seus direitos, amparados na Lei 6.766/79 que confere respaldo à sua reivindicação de propriedade da terra. A incidência deste fato nas demais vilas ensejou tamanha articulação entre estas, criando condições para a unificação de interesses entre áreas regulares e clandestinas, diante dos processos de reintegração de posse perpetrados no período.

A organização criada na Vila Viçosa diz das possibilidades emanadas da ação dos moradores, na defesa da posse do solo urbano e das instâncias em que esse tipo de movimento tem inserção. Por isso, detalharemos a seguir breve histórico sobre a vila. Até 1975, a gleba pertencia a particulares, quando foi lavrada escritura pública de venda, transmitindo a propriedade e a posse direta à União dos Moradores das Vilas Populares, sociedade civil especializada na feitura de loteamentos clandestinos. Essa passou a demarcar lotes, abrir ruas, fixando espaços para o colégio e a praça, etc. Ato contínuo, foi o oferecimento público dos lotes de terrenos a quem os quisesse comprar. O que era uma gleba de terras destinada à agricultura transformou-se em Vila popular. Mas a loteadora não apenas não registrou o terreno, após a prévia aprovação na Prefeitura, como não pagou aos proprietários o valor da compra do terreno. Assim, os antigos proprietários ingressaram com ação, em 1976 e, após a tramitação jurídica, ganharam o mandado de reintegração de posse. Esse fato mobilizou os moradores. Em 1978, após também extenuante tramitação jurídica, foram mantidos na posse de toda a vila, através da Associação de Moradores, como figura jurídica responsável. Nesse meio tempo, surgiu um novo pretendente a titular do domínio da área, tendo a Associação recém criada prosseguido na disputa, o que foi realizado com sucesso. Em 1980 é outorgada a escritura pública de compra e venda, comprometendo-se a Associação à venda dos terrenos a seus associados que ocupavam espaços na área, em valores bem abaixo do preço do mercado. Comprometia-se igualmente a quitar a dívida do comprador, caso ele viesse a falecer e a efetivar a regularização do loteamento.

Enquanto essa não se concretizasse, lutaria por melhorias das condições de vida, o que de fato foi concretizado. A vila possui hoje luz elétrica, iluminação pública, escola de 1º grau, Posto de Saúde e rede de água. Em 1983 possui 68 casas e aproximadamente 300 habitantes e luta com dois impedimentos. O primeiro se refere à regularização: em 1979 a vila foi deixada pelo Plano Diretor, por alguns metros, fora da zona urbana, pois, quando de sua elaboração, o Plano definia essa área como de extensão urbana, ou melhor, nos termos do Plano, zona de expansão urbana. O processo de regularização tramitando na justiça, aguarda decisão favorável, uma vez que, só mediante a definição de área urbana, poderá receber os equipamentos e serviços requeridos. O segundo impedimento, de natureza política, dizia das práticas a serem levadas pela comunidade na auto-gestão do processo de urbanização da vila; experiência inédita nas vilas populares, uma vez que, a Associação detinha a posse e propriedade da área, cabendo-lhe manter a coesão alcançada na luta. A forma escolhida foi conferir à Associação amplos poderes na comercialização dos lotes, mas sempre dentro de proposições definidas em assembléias e comissões de moradores no controle do processo que deveria sempre antepor os interesses coletivos aos individuais. Mas a vila encontra-se imersa na sociedade capitalista e, portanto, não escaparam os moradores do lento processo de penetração da anteposição do lucro imediato ao interesse coletivo. Assim que tomaram conhecimento que eram comunheiros e não proprietários exclusivos de cada terreno, iniciaram um movimento pela extinção da propriedade coletiva. Não obstante a organização dos moradores, no seu início, postulasse que a habitação deveria permanecer enquanto função social, não transformável em mercadoria, a compra e venda ou alocação dos prédios

generalizou-se. O que modificou a composição social da população, na medida em que predominam hoje os proprietários de terrenos, e uma acirrada disputa interna pelo controle político da área, disseminada entre distintas lideranças e com penetrações dos órgãos administrativos municipais. Segundo lideranças entrevistadas, a barganha política estabelecida entre a cessão de equipamentos e serviços necessários a melhoria da qualidade de vida da população, hoje não se diferencia em natureza às estabelecidas nos demais movimentos urbanos verificados no período. Bem como a vila está, como ficou claro nos últimos pleitos, cinggida em distintas correntes políticas, embora ainda mantenha alto grau de organização frente às demais, existentes na Lomba. III - Quando a área é invadida geralmente são formações recentes, tanto de pessoas despejadas de outros núcleos, como de migrantes. Aqui a palavra de ordem tem sido o direito à posse. Vários mecanismos são utilizados. Quando a área é requerida pelo proprietário, tratam de utilizar o recurso do usucapião (atentar para os limites jurídicos desta lei) ou forçar o poder público para que desaproprie a área em benefício da população. Neste caso, usam-se todos os recursos disponíveis de pressão e envolvimento da opinião pública (órgãos de comunicação, políticos, etc.). As áreas invadidas 7 cujo desapossamento de seus proprietários deu-se há longo tempo, merecem um tratamento distinto daquelas outras áreas, cujas invasões são atuais. Antes disso, todavia, convém precisar alguns conceitos jurídicos que, bem assimilados, ajudarão a melhor entender a questão. Assim, vejamos: posse e propriedade refletem duas realidades distintas. Proprietário é aquele em cujo nome encontra-se transcrito o imóvel no Cartório de Registro de Imóveis competente. Tem um aspecto nitidamente formal, portanto, a propriedade. O proprietário, a seu turno, pode ou não ser o possuidor da coisa. Há inúmeras

hipóteses de proprietário não possuidor, mas, neste caso, o que mais importa é aquela em que ele perde a posse por ato de outrem ou de uma coletividade. Possuidor, vulgarmente tratado por posseiro’, é aquele que detém fisicamente a coisa. Pode não ser o proprietário mas tem um imóvel sob sua posse. Essa posse, alijada da propriedade, comporta inúmeras gradações e qualidades que, aqui, pouco interessam. Exemplificando, tão-só, há o possuidor de boa ou má-fé, o clandestino ou precário, etc. (artigos 485 e seguintes do Código Civil Brasileiro). Quando a invasão é de longa data, a presunção é de que a posse da coletividade é de boa-fé. Explica-se melhor: passados um ano e um dia - prazo fixado em lei - ninguém poderá mais afirmar que a posse não é pública. De outro lado, posse - exercício efetivo de um poder sobre uma determinada coisa - está sempre relacionada com o tempo. Assim, um (1) ano e um (1) dia já dão direito ao possuidor às medidas possessórias (defesa da posse), inclusive contra o proprietário; vinte (20) anos de posse ininterrupta ensejam o usucapião, ou seja, a transmutação da posse em propriedade. O embrião da organização popular ao nível de áreas de invasão para efeito de opinião pública foi gerado no Campo da Tuca. Esta vila está localizada no Bairro Aparício Borges, limitandose com o Bairro São José, áreas que concentram alto índice de subhabitações. O Campo da Tuca em 1976 contava com 512 subhabitações, perfazendo 2.560 pessoas (PROPLAN). A uniformidade das ações levadas por esta vila clandestina, no período, distingue-se das demais por recorrer a soluções por conta própria, através do ‘multirão’ da comunidade. Existente há 13 anos, em 1979 surge processo de herdeiros para a área. No mesmo ano o DEMHAB localiza os proprietários e começa a transacionar a área. A questão jurídica passa pela política, já que existiam no momento da pesquisa duas Associações de Moradores, uma atuando desde 1975, outra desde 1978.

Ambas definem a presença da interveniência de dois outros agentes externos na área - o DEMHAB e a FRACAB consolidando espaços no controle político e urbanístico. A organização via mutirão, pré-rearticulação partidária, propunha a solução dos problemas pela comunidade, e o reforço das lideranças naturais na condução das decisões que afetassem a área (urbanização). O exemplo da Tuca foi levado pela imprensa e outros canais de comunicação informal para demais áreas de invasão, pelas lideranças de uma das Associações de Moradores, enquanto a outra cingia-se estritamente a fazer valer a programação do DEMHAB e demais órgãos da municipalidade para a área. A idéia da urbanização pela própria comunidade e da luta pela posse da terra generaliza-se, ao ponto da política institucional buscar a desapropriação para utilidade pública, afora casos especiais (destinação desconforme o Plano Diretor, por exemplo), das principais áreas invadidas e requeridas pelos proprietários. A vila, hoje incluída no programa PROMORAR, perdeu muito da solidariedade nos anos 78/79, em virtude das definições político-partidárias assumidas pelas lideranças após a rearticulação partidária de 1980, apresentando nova configuração política interna. Na Tuca a perplexidade é muito bem retratada no depoimento de uma moradora colhido durante reunião realizada em uma das Associações de Moradores da área, para definir a proposta da comunidade diante do programa urbanístico PROMORAR8: “Se eu vim despejada de outra vila, aqui me instalei em casa provisória da prefeitura, por que não posso puxar fio de luz sem ordem do representante do DEMHAB? Será que é por que eu particiço da Associação daqui de baixo e não a lá de cima? E esta urbanização? Por que a gente mesmo não faz, desque a prefeitura oriente? E será que todos nós que

aqui estamos vamos continuar aqui? O lote deve ser tanto por tanto, aqui tem muito mais gente, pra pouco terreno. E quem vai pagar a extensão dos fios? Fui a CEEE saber se podia estender os fios mas não sei agora como fica, não quero ter posição separado dos moradores, mas tenho o meu interesse, né?”

Área irregular e área invadida meio que se confundem; portanto, uma vez que umas e outras estão sujeitas à distribuição desigual dos recursos do poder público, donde a legitimidade da reivindicação esbarra no fato de serem aglomerados em maior ou menor medida passíveis de despejo e remoção. Nesses casos atua ativamente o loteador fraudulento, que subloca não raras vezes áreas que nem sequer lhe pertencem. Exemplo: Vila Ramos - Bairro Sarandi, em seu início, e Vila-Esmeralda na Lomba do Pinheiro. Esses dois casos valem-se dos mesmos recursos do caso I, exceto a barricada, em parte porque a questão do calçamento e transporte não lhes sejam tão prioritárias como a regularização dos terrenos, que lhes dará algum tipo de segurança. Relativa por certo: uma vez garantido o direito de permanência, partem para a necessidade de urbanização da vila. É quando o sistema de expulsão via regularização passa a ser temido (Campo da Tuca, Bairro Aparício Borges, do Respeito, Bairro Sarandi, etc.), pela seleção via rendimentos mínimos necessários à participação no programa. Os limites do mesmo estão presentes no próprio DEMHAB9: “8. PONTOS DE ESTRANGULAMENTO DO PROGRAMA a) Legislação urbanística do Município: por se tratar ainda de um programa novo e não testado em suas conseqüências, praticamente são usados os mesmos critérios adotados tanto para projetos de órgãos públicos quanto para projetos de entidades privadas, embora exista o Art. 185, do Iº Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, que trata especificamente de projetos de regularização feitos pelo DEMHAB. b) Falta de recursos próprios e do BNH.

c) Renda dos mutuários: elevado número de famílias sem renda ou com renda de até um salário mínimo. d) Limitação de, no máximo, 10% do salário mínimo, como valor da prestação. e) Limitação de 300 UPC por lote urbanizado. f) Necessidade de áreas livres contíguas as favelas, para remanejamento de casas situadas em ruas, praças, escolas, etc. g) Falta de recursos das concessionárias de água, energia e esgoto, para investimentos de caráter social. h) Problemas políticos causados por extratos ideológicos que procuram impedir quaisquer melhorias nas áreas de subhabitação. SUGESTÕES10 1. POSSE DA TERRA 1.1 - Dar prioridade absoluta à compra e desapropriação de áreas ocupadas de boa fé, a fim de evitar uma especulação imobiliária gerada por estes conflitos sociais. 1.3 - Alterar a legislação no que tange aos processos de reintegração de posse para os casos em que seja impossível a urbanização, dando ao posseiro um prazo mínimo para a desocupação, que deverá ser igual ou maior que o tempo de sua permanência na área. 1.4 - Limitar a área possível de usucapião urbano, a fim de evitar a verdadeira indústria de tais procedimentos jurídicos. 1.5 - Limitar em um o número de usucapião ‘possível’ para cada família. 1. EXIGÊNCIAS URBANÍSTICAS 2.1 - Sujeitar as Prefeituras, Estados e Poder Judiciário a receber os loteamentos e condomínios originários de projetos de regularização de favelas, sem a realização completa das obras previstas e aprovadas por seus respectivos projetos, mediante compromisso expresso dos Agentes do Sistema Financeiro da Habitação em realizá-las. Com isso as escrituras seriam registráveis nos Registros de Imóveis, trazendo tranqüilidade aos adquirentes.

2.2 - A exemplo do Iº Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, que os loteamentos e condomínios de caráter social tenham parâmetros diferenciados dos demais conjuntos. 2.3 - Oferecimento de lotes urbanizados para as pessoas que moram em favelas que não tenham condições de urbanização, principalmente por se encontrarem em áreas verdes, em áreas destinadas a obras públicas, áreas inundáveis ou acima das cotas previstas pelo Iº PDDU (morros acima da cota 100).”

IV - Quando a área é requerida pelo poder público, como se trata de área pública, o tratamento político é diferente e sua utilização é definida principalmente pelo Plano Diretor (por exemplo, Morro Santa Tereza). Quando a área é de algum órgão público (Departamento Municipal de Habitação, Instituto Nacional de Previdência social, etc.), conforme o grau de mobilização, o Departamento Municipal de Habitação procura catalizar o movimento, da seguinte forma: 1) negocia a área quando ela não lhe pertence; 2)propõe projeto de urbanização quando a área lhe pertence; 3) acena com o projeto de urbanização, mas não o implementa quando a definição da área pelo Plano é de natureza contrária à ocupação intensiva (ex.: preservação paisagística). O que aconteceu no Morro de Santa Tereza é um caso de mobilização muito respaldado no exemplo do Campo da Tuca, mas precipitado pela remoção em ação. Em março de 1979 á anunciado o despejo na rua Dona Maria, Morro de Santa Tereza. A população tem como alternativa para reassentamento o Morro da Cruz, no Bairro São José. A área é definida como de preservação paisagística pelo Plano Diretor. O núcleo de subhabitações era relativamente recente. Apesar dos protestos e da insegurança quanto à disponibilidade de empregos no novo local, as famílias são removidas. No mesmo mês, idêntico processo repete-se na mesma área, agora na Vila “Buraco Quente”. Desta vez, a proposta de reassentamento é para a Vila São José, no Partenon, ou para

a distante Restinga, onde a crítica maior continua sendo o acesso aos empregos (basicamente, construção civil, biscates, etc., para os homens, e emprego doméstico para as mulheres). A vila é das mais antigas. Ameaçados de expulsão, os moradores das demais vilas do Morro de Santa Tereza reunem-se e fundam Associações na tentativa de impedir o despejo11. Como resultado da mobilização dos moradores, é proposto pela comunidade um programa de urbanização, onde a Prefeitura entraria com o material. Deste processo até o presente observase uma acirrada disputa de lideranças nas Associações de Moradores e a suspensão de planos da Prefeitura para a vila, até que se defina a liderança local, cingida entre simpatizantes dos partidos em formação (no período) e os claramente vinculados aos órgãos da Prefeitura. A unidade inicial, expressa no movimento que funda as Associações, perdeu-se, abrindo espaço para a barganha política do DEMHAB junto a lideranças mais favoráveis ao partido do governo. Os desdobramentos subseqüentes, embora observados à distância, não estão registrados aqui, mas nas eleições de 78 a 82 observou-se, pela imprensa, alta disputa entre as lideranças da área. A política, ao que parece, para os invasores, é de ocupação das áreas públicas porque o processo de despejo é de negativa repercussão. O sistema de informação para ocupação de terrenos públicos parece estar presente em alguns casos, pelas informações obtidas. A tensão que se estabelece é do controle do processo de urbanização em todos os casos. Várias alternativas são aventadas, principalmente a urbanização da vila pela própria comunidade, como tentativa de que não funcione o “despejo via urbanização”. É o ‘mutirão’, aliás prática estimulada pelo próprio governo.

A diversidade de situações situa os movimentos no seguinte: pelos investimentos públicos, pela posse da terra ou ambos. Tendo como indicadores a imprensa escrita, observação participante e entrevistas, tem-se que a unidade das mobilizações se perde porque a solução municipal tenderá a fazer valer o nível de renda e a propriedade do imóvel. A solidariedade se perde igualmente porque a diversidade do nível de renda impede ação conjunta, presente no primeiro momento. Como a apropriação do solo urbano é regida pelo valor do capital, resta a alternativa da subversão da ordem legal, que esporadicamente tem sido tentada na medida em que o valor social, na ação jurídica, sobreponha-se ao estatuto da propriedade. Esta tem sido a alternativa do movimento comunitário escorado nos processos jurídicos e a conduta de entidades ligadas ao movimento. Via de regra, os proprietários que têm ingressado com ação de reintegração de posse (medida protetiva da posse) contra vilas há muito tempo assentadas em áreas invadidas, têm, também, perdido essas ações, quando a posse é comprovada. Um exemplo disso foi o ocorrido com a Vila União, no Bairro Sarandi. A ação de reintegração de posse proposta pelo município esbarrou num acordo com o DEMHAB. Logo a seguir, por um projeto na Câmara dos Vereadores, a ârea foi transformada de ‘coisa pública’ em coisa passível de ser apropriada individualmente, assegurando a permanência da vila no local. Vale lembrar que do ponto de vista da valorização imobiliária, deve-se considerar que existe sentido na orientação dos investimentos públicos (infra-estrutura urbana, no geral), ou privados (grandes investimentos imobiliários em prédios em condomínios, no geral). Esses dois movimentos incidem na

apropriação do solo urbano na medida em que os terrenos sobem de valor monetário. Com isso, tem-se a generalização do processo lento e contínuo de expulsão das populações que pagam aluguel, no primeiro momento; no segundo momento, da população proprietária, que não consegue arcar com a nova tributação nas áreas de valorização. Nas áreas irregulares ou clandestinas, a situação é diversa porque a municipalidade, na ausência de interesses imobiliários ou industriais, busca repassar para a população os melhoramentos, através de partilha dos custos de infra-estrutura.

inevitavelmente, tendem a estreitar relações com outras organizações, solidarizando setores diversos da sociedade. (grifos nossos) De 1975 até o presente a atuação da municipalidade, ao nível do discurso, tem sido ofensiva. Diante dos movimentos reivindicatórios, inúmeros projetos, afora os já citados Pré-Gente I e II, foram idealizados, visando contemporizar diante das reivindicações realizadas pelos bairros. No período são lançados vários programas, além do PróGente, sendo os principais:

Esses diferenciais na situação jurídica da propriedade incidem nos Movimentos Sociais Urbanos e impedem a solidariedade mínima, já que a composição de renda dos moradores é diversificada.

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elaboração, pela Secretaria Municipal de Obras e Viação, do “Plano Comunitário de Pavimentação”. Este Plano prevê a partilha dos custos da pavimentação entre a comunidade interessada e o Estado;

Os Movimentos Sociais Urbanos, se analisados como efeito do clima político aberto pelos pleitos eleitorais, constituído pela transformação do discurso dominante que se coloca politicamente democrático e interessado no homem’, podem ser considerados como contra-ofensivas declaradas diante de processos econômicos de valorização urbana de alta repercussão. Na nossa opinião, eles são efeito das profundas modificações urbanísticas por que passa acidade. Na atual conjuntura, pensamos não passarem de respostas a essa ofensiva. É por isto que irrompem desordenadamente e tendem a se unir, formando uma organização inter-vilas, quer mediadas ou não pela Federação Riograndense de Associações Comunitárias e de Amigos de Bairro - FRACAB. É por isso que um estudo amostral mais pormenorizado, refletindo a dinâmica por dentro deste ou daquele movimento, deve ser feito com vistas a um interesse específico, ao nível do microcosmo da ‘vila’. Para nós, a instância que importa entender no momento é o confronto da municipalidade com os Movimentos Sociais Urbanos. Estes se centram na ação da instância municipal e,

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início, pelo Executivo Municipal, de programa de descentralização municipal, com atendimento de audiências nos bairros da cidade;

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elaboração, pelo Centro de Desenvolvimento Social, de projetos de educação na periferia de Porto Alegre, numa primeira etapa. Projeto a ser executado através dos Centros Sociais Comunitários;

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criação do Gabinete de Atendimento às Reivindicações dos Bairros, ligados às Associações de Moradores e Federação Riograndense de Associações Comunitárias e de Amigos de Bairro (FRACAB);

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reativação da Comissão de Bairros como parte das decisões do I Seminário de Obras em Vias Públicas;

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participação da população no Conselho do Plano Diretor;

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tratamento urbanístico especial para áreas de subhabitação, pelo Iº Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano.

A atuação do município tem sido ambígua no geral, mas concreta no seguinte: o custo da benfeitoria será assumido de alguma forma pela população - todos terão seu direito de posse consagrado desde que o pretendente tenha condições de assumir os encargos da urbanização - o que já define como é tratada a questão. Se, de 1975 em diante, passou a ser levantada a questão da participação como forma da população ‘marginalizada’ fazer frente às péssimas condições de vida nos bairros populares, sem opor claramente uma opção partidária, hoje o que se tem é uma curvatura no processo. Encampada pela municipa1ldade, a participação é sinônimo de integração nos planos governamentais - via saúde, educação e, principalmente, via habitação - através da formulação de tratamento urbanístico de interesse social para as áreas de subhabitações, tal como colocamos anteriormente. A maioria das iniciativas populares de algum vulto teve o efeito de chamar a atenção da opinião pública para a situação de abandono das vilas populares, por parte da municipalidade. Isso gerou uma rearticulação no tratamento da questão urbana12, na medida em que a conjuntura política aberta após 1974 permitiu que o debate, que se dava estritamente no plano técnico, fosse gradativamente incorporando análises políticas advindas dos distintos setores da sociedade envolvidos na questão urbana. Conjuntura em exame Neste contexto é expressiva a atuação da Federação Riograndense de Associações Comunitárias e de Amigos de Bairros (FRACAB). Segundo estudo realizado13 , fundada há 25 anos, numa época em que a situação política favorecia a organização de movimentos de massa e associações bairro. Essa época é denominada o segundo período de Vargas. A entidade é o resultado dessa situação histórica que durou até 1964, ano que inicia o fechamento político no Brasil.

Conforme esse trabalho, durante 13 anos, até 1977, a ação da FRACAB foi bastante limitada. Após 1977 houve uma abertura política graças às pressões da sociedade civil, dos estudantes e dos trabalhadores. Aí, a Prefeitura e o Estado declararam guerra à FRACAB. Desde 1977, ela está trabalhando independentemente. O poder público começou a impedir o trabalho da Associação. Primeiro, foi cortado o subsídio financeiro. Ela pôde continuar então graças a doações financeiras. Segundo, o Estado do Rio Grande do Sul fez uma investigação para encontrar motivos que possibilitassem fechar a Federação. Porém, esse problema foi superado e a FRACAB continua seu trabalho. Terceiro, o Executivo Municipal criou uma organização paralela, o Conselho Metropolitano de Porto Alegre, o ‘Conselhão’, que abrangeria todas as associações de Porto Alegre e da região metropolitana. A tática do ‘Conselhão’, segundo o autor, consistia em criar associações de bairros onde ainda não havia. Apesar disso, o ‘Conselhão’ não teve êxito, devido à falta de interesse mostrada pelo público. O quarto passo foi a criação do Movimento Comunitário Gaúcho. A Federação Riograndense de Associações Comunitárias e de Amigos de Bairro tem o apoio de sindicatos, dos estudantes e pessoas de profissões liberais. Nesta tentativa de criar entidades paralelas, acrescente-se o Gabinete de Atendimento das Reivindicações dos Bairros (GAREBI), também na Prefeitura. O movimento comunitário de Porto Alegre não iniciou com a Federação, mas a sua fundação representou a formalização de uma entidade de natureza civil, voltada para os interesses de vilas e bairros populares do Estado, visando representá-los. Para nós, não foi e não é a expressão definitiva do movimento dito popular, mas é um bom indicador na medida em que assumiu o papel de representação institucionalizada frente aos poderes públicos deste segmento da população. De toda forma, e uma

análise interna certamente revelaria, esta entidade sempre foi pautada por uma certa duplicidade de atuação. Duplicidade porque tinha que se haver internamente com disputas de facções políticas e externamente devendo apresentar-se com uma unidade que estava longe de existir. É ilustrativa a entrevista com o presidente da FRACAB, realizada no período14. Este líder está presente na entidade o tempo suficiente para reter a memória considerável das fases distintas da mesma: “FRACAB, de 75 em diante: ela se caracteriza por uma atuação mais positiva. Diferentemente de outros períodos, pretende uma visão das causas, deixando de atuar nos efeitos aparentes”. Como exemplo, cita a promoção do encontro pelas eleições diretas. De qualquer forma, segundo o entrevistado, após a rearticulação partidária o movimento comunitário está marcado pelas opções partidárias. Para ele, a Federação perdeu em representatividade quando adotou uma posição claramente oposicionista, perdendo sua base popular. Neste sentido, como entidade que busca superar o assistencialismo, deve ser antes de oposicionista, representativa. Por outro lado, as Associações de Moradores passam pela tensão política na medida em que os líderes, ao tomarem posição partidária, buscam atrelá-las aos partidos ou as Associações Comunitárias são assediadas pelos militantes políticos. A Federação Riograndense de Associações Comunitárias e de Amigos de Bairro foi, assim, desde 1975, o que nos permite pensar que sempre foi e é assim. De toda a forma, é um campo aberto à investigação. Voltando ao movimento comunitário, cuja documentação praticamente inexiste e cuja história deve ser recolhida pelo testemunho dos remanescentes do período, observou-se que em 1978/1979 acontecem grandes ações de reintegração de posse, mobilizando a população de áreas invadidas e colocando a questão

da propriedade do solo urbano em primeiro plano. Já não se tratava apenas das carências de áreas da população de baixa renda, mas da situação legal dos terrenos. O ano de 1978 é um ano de características definidas para o Movimento de Bairros na região metropolitana e de Porto Alegre, em particular. A esporadicidade dos Movimentos, a sua articulação com as demais entidades, enfim, a sua base organizatória e a dimensão política que pode assumir estão bem marcadas no ano. Alinham-se algumas hipóteses para o fato. A primeira e mais visível é que se trata de ano eleitoral, o que introduz uma variável altamente aglutinadora na vida política municipal, perpassando todos os níveis de organização, inclusive as Associações de Moradores. A segunda e não menos importante é a série de modificações que o Plano Diretor pretende introduzir na organização da cidade. Como uma etapa de democratização, a Prefeitura vem a público apresentar o projeto de lei. sua formulação contudo foi entregue a grupos técnicos, que não levgram em consideração a possibilidade de mais segmentos sociais colaborarem na sua confecção. Como um projeto acabado, ele é posto em ‘discussão’ para a cidade, através de entidades, representando os mais diferentes setores sociais. A terceira é a série de intervenções que a cidade vem sofrendo e que gera a questão das prioridades sociais para os bairros (lembrar a série de projetos em implantação ou a serem implantados: Renascença, Padroeira, modificações no sistema viário central, como os corredores exclusivos de transporte coletivo, áreas de lazer, etc.). (grifos nossos) A quarta é o espaço que os meios de comunicação abrem para divulgar os casos de organização de ajuda mútua e de resistência aos interesses, que os bairros, especialmente alguns, silenciosamente, vinham realizando. Com este fator, a idéia de

organização da comunidade tende a disseminar-se, completando o trabalho que alguns bairros já vinham realizando. (grifo nossos) A quinta é a divulgação do término do prazo, dado pela prefeitura, para a regularização dos prédios unifamiliares, construídos irregular ou clandestinamente (grifos nossos). Essa medida, baixada em dezembro do ano anterior, diz da necessidade de regularizar a situação de moradias mediante a apresentação da planta da casa, barraco ou apartamento, como condição para a cessão de benfeitorias. O que aconteceu foi uma grande mobilização dos moradores que se enquadravam nessa situação. Paralelamente, várias ações de reintegração de posse são acionadas por particulares, mobilizando os núcleos de ocupação clandestina. A luta pela posse da terra está ligada a esta lei, uma vez que ela condiciona a regularização da habitação à posse legal. Levanta-se assim o problema mais comum que é o da posse ilegal. Enfim, essas cinco hipóteses sobre a deflagração dos movimentos não pretendem abarcar toda a explicação do fenômeno. são apenas indicativos da importância que tiveram para o mesmo. Com o advento da nova Lei dos Loteamentos (6766/79) que disciplina o parcelamento do solo para fins urbanos e, principalmente, pelo estágio de articulação das lideranças comunitárias, foi iniciado um amplo movimento de conscientização em loteamentos não registrados15. As reuniões, inicialmente realizadas nas vilas e, após um curto período de tempo, na Federação Riograndense de Associações Comunitárias e de Amigos de Bairro, serviam não só para a discussão de atos práticos mas para responder a dúvidas e questões colocadas por pessoas e associações que lá chegavam. Nessas reuniões, conduzidas com dificuldade, compareciam lideranças comunitárias já habituadas à discussão do tema, para

deliberarem sobre uma linha de ação que, ao fim, cingia-se, rigorosamente, aos estreitos limites da legalidade. Ficou deliberado a realização de novos encontros, só que numa vila, preferencialmente, a formação de um grupo de pressão para forçar a aplicação da Lei 6766/79 e a edição de uma cartilha para orientar os moradores de loteamentos clandestinos16. É inegável que a primeira fase encontrava-se superada, havendo maior articulação entre as vilas. Exemplos disso foram as Vilas Araçá e Chácara das Pedras, na Lomba do Pinheiro. Em ambas, as associações encaminharam suas lutas com o auxílio das demais vilas vizinhas e alcançaram razoável êxito, assim como alguns movimentos dos loteamentos irregulares, através das ações utilizadas nos muitos casos concretos. Ex.: Viçosa, na Lomba do Pinheiro. O I Encontro de Moradores Irregulares aconteceu apenas em 1982 na Câmara de Vereadores com 40 representantes dos 8 loteamentos irregulares da Grande Porto Alegre. Nesse encontro foi elaborado um documento ao Prefeito, já que a lei determina que a Prefeitura assuma a regularização dos loteamentos, e outro ao juiz responsável pelo Registro de Imóveis, porque a lei determina que as prestações sejam suspensas e nele depositadas. A entrega desses documentos percorreu distintas instâncias administrativas, já que a competência não era assumida nem pela Prefeitura na pessoa do Sr. Prefeito, nem pelo DEMHAB, que comprometeu-se apenas a enviá-las à Procuradoria do Município. Isto feito, a Procuradoria propõe que o órgão competente para o assunto é a Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV). Diante dessas dificuldades, os moradores recorrem à FRACAB, elaborando um documento ao Juiz da Vara de Registros Públicos, denunciando as obstruções encontradas nos Cartórios

de Registro de Imóveis, quando tentam suspender o pagamento das prestações e depositá-los junto aos mesmos, como manda a lei.

Uma dessas tentativas foi a idéia de criar a Intervilas, como órgão paralelo, mas o movimento fracassou por absoluta ausência de base popular.

Ato subseqüente foi a tentativa do movimento, de utilizar todos os meios de divulgação, denunciando as arbitrariedades e irregularidades prestadas pelo poder público. Um dos efeitos positivos desse movimento foi a reativação do Departamento de Habitação da FRACAB, revelando, acreditamos, maior inserção desta no movimento dos bairros.

Essa crise gerou uma composição interna para fazer frente à crescente influência de órgãos da administração e de setores mais radicalizados no seu interior17.

A Federação, em si, mereceria um estudo à parte, na medida em que, no nosso entender, o fato dela encampar este movimento refletiu uma definição da sua tomada de posição mais objetiva diante da realidade social. Mesmo que negado pela direção, a conduta da FRACAB sempre teve um cunho mais assistencialista, inclusive pelo fato de sediar-se em Porto Alegre, sempre teve dificuldades em interiorizar-se efetivamente. Desta forma, sua área de atuação é mais definida em termos de Porto Alegre e região metropolitana, advindo daí não poucos problemas. Posteriormente, a FRACAB buscou criar a União Municipal de Associações de Moradores, que visa descentralizar a atuação da mesma, tornando-se mais dinâmica. Existem hoje uniões em Pelotas, Santa Maria, Caxias do Sul, Novo Hamburgo, Sapucaia, São Leopoldo, Canoas, Alvorada, Gravataí e Viamão, além de Porto Alegre. A atuação de distintas correntes políticas no seu interior levou, com o desenvolvimento das lutas desencadeadas, a um certo manobrismo. Em nome do movimento popular, essas correntes interpunham-se contra a direção da FRACAB, cobrando posições deslocadas da realidade. O ‘aparelhismo’ foi uma constante daí em diante. Criavam espaço na Federação, sem deter espaço ou inserção no movimento popular, a não ser de lideranças ‘criadas’.

O comportamento político da FRACAB como aglutinadora dos Movimentos Sociais Urbanos foi muito controvertido nos pleitos eleitorais de 78 e 82. Embora ninguém saiba com precisão quantos votos os vileiros colocam em disponibilidade para 15 de novembro, desenvolveu-se uma árdua e violenta disputa. Em meio aos calculados 300 mil habitantes das favelas na capital, dos quais nem um terço possui título eleitoral (graças ao alto nível de analfabetismo, elevado número de menores e procedência do interior, que reduz a votação em Porto Alegre), acredita-se que nelas se localiza um eleitorado facilmente capturável pela promessa de terrenos, casas, etc. De toda a forma, as vilas de Porto Alegre foram palco de acirradas disputas partidárias, principalmente em 82, quando os candidatos situacionistas usaram todo o prestígio dos órgãos governamentais na campanha. Não é de admirar que os vereadores eleitos, bem votados nas vilas e bairros populares, fossem ligados à administração municipal. A condução dos discursos dos partidos enfatizavam dois pontos: a intervenção do candidato e o compromisso partidário com as vilas18. Foi geral no Rio Grande do Sul, foi enfático na cidade. Houve uma política de favorecimento que influenciou nos resultados eleitorais, além, evidentemente, da disputa entre os partidos oposicionistas em 82. Estudos apontam19, analisando o comportamento eleitoral dos bairros em Porto Alegre, em 1974, que o eleitorado do então

MDB era significativamente dos bairros populares, mas a rearticulação partidária deve ter introduzido variáveis que merecem um exame acurado. No cálculo político desta camada do eleitorado prevaleceu o lucro imediato na medida em que votar no partido do governo é garantir a efetivação das promessas, já que, evidentemente, é este que detém os recursos para tal. Pode-se questionar, neste momento, até que ponto o eleitorado urbano das metrópoles é tendencialmente de oposição. De toda a forma, a questão é que, ao fazer das Associações de Moradores comitês eleitorais, perdeuse os conteúdos ideológicos levados pelos partidos oposicionistas, na medida em que eles foram vistos usando os mesmos recursos clientelísticos dominantes na história política brasileira. É o cálculo de negociação, não o de acordo ideológico. Na conjuntura em exame, segue proliferando a criação de Associações de Moradores, em estreita ligação com os movimentos de posse da terra e as reivindicações gerais. Em 1980, assiste-se a uma inflexão do movimento comunitário, na medida em que a rearticulação partidária introduz uma variável nova na análise do mesmo. Seria viável suporse que, para efeito da opinião pública, há uma espécie de imobilização. Mas o que está longe de significar uma retirada do cenário político deste tipo de movimento reivindicatório. O que a observação sugere é que parece estar ocorrendo uma imobilização de ação causada pela própria indefinição do poder local das Associações. Trata-se de investigar a longo prazo esta tendência. O que fica claro é que o poder público está conseguindo espaço privilegiado na condução do processo, uma vez que conta não só com o controle financeiro mas atua em todos os instrumentos políticos de pressão e persuasão para conduzir a alocação de recursos para as áreas, com vistas ao mercado de terras, conforme sua valorização, o que pode significar levar os projetos de

urbanização de favelas prioritariamente para aquelas áreas que seriam colocadas no mercado, já valorizadas com valor de troca (grifos nossos). Trata-se de observar se é válida esta hipótese, ainda mais que, pela ótica dos moradores (e dos partidos), esta urbanização é vista como ganho político na alocação dos recursos do Estado, fruto da denúncia e da mobilização. Por outro lado, documentos do Departamento Municipal de Habitação sugerem uma prioridade absoluta na compra e desapropriação de áreas ocupadas com conflitos sociais. O que talvez não seja percebido é que o Estado, ao investir nas vilas, não o faz satisfatoriamente, mas visa legitimar-se perante a população atendida e perante a sociedade como um Estado protetor, paternalista. O nível de percepção da ação do Estado fica, pois, sujeito à compreensão dos atores envolvidos. (grifos nossos) Além disso, há a questão da urbanização das vilas, cujo processo nada mais é que o Estado dotar de infra-estrutura mas repassar os custos para a população. Pergunta-se da disponibilidade desta de arcar com tais investimentos. Afigura-se possível tratar-se de um processo de expulsão, considerando-se o nível de renda da população e o valor já não apenas da tributação, mas do calçamento, da eletrificação, etc. e das moradias econômicas. Estas avaliações certamente superestimam o valor da renda da população beneficiada. Sintomaticamente, apenas três das vilas cadastradas pelo Departamento Municipal de Habitação no plano PROMORAR receberam a implementação do plano. A demora fica por conta inclusive da contestação das populações atingidas, exatamente nos pontos que se referem a parcelamento e custos. Ex., Vila Ramos, no Bairro Rubem Berta, que não só contestou o programa acabado, como conseguiu a incorporação de sugestões ao mesmo, mais recentemente.

O Pró-Gente foi cancelado, de lá para cá. Foi criado o PROMORAR pelo Ministério do Interior, além de outros projetos, agora já não sob a forma de lotes individualizados, mas de condomínios horizontais, como forma de impedir a especulação imobiliária. Na verdade, entre o primeiro Pró-Gente e o atual PROMORAR, o que se tem é um período de intensas movimentações, surgindo este como solução para a regularização das vilas. O PROMORAR, pensado em termos de lotes individuais, ficou na fase dos levantamentos, provando ser inviável. Em 1981, é definido, a nível municipal, o parcelamento por condomínios como projeto que permite maior área comum e impede a sublocação. Está em estudo para as Vilas. Mas o PROMORAR supõe uma disponibilidade e empenho de renda que parte da população, por suas características de inserção instável no mercado de trabalho, agravadas pela crise econômica que assola o país, não dispõe. Outra importante contradição do programa refere-se às condições técnicas do projeto, onde elevações, terrenos insalubres, por exemplo, não atendem as exigências técnicas de implantação20. Por outro lado, por envolver a matriz da sociedade organizada em função do capital, a questão da propriedade privada permite a monopolização do solo urbano. A função social do solo será sempre secundária no plano jurídico. O direito protege o proprietário mas permite espaços mínimos para o direito de posse que poderiam ser acionados se a população tivesse acesso ao apoio jurídico. O que ocorre em vista destas limitações (preço do solo urbano, instabilidade de renda, critérios técnicos, arcabouço jurídico) é que somente algumas vilas serão contempladas pelo Programa, atendendo a uma propriedade já

estabelecida de alguma forma seletiva, como vimos. As demais não entrarão no programa, assim como não existe menor previsão de que a população migrante seja acolhida na área, de forma tão acessível como outrora. A estratégia, de 1980 para cá, dos Movimentos Sociais Urbanos das vilas clandestinas de invasão, tem sido forçar o compromisso de que as autoridades as incluam nos projetos, consentindo assim no direito de ocupação/posse até passar ao de propriedade, nos termos econômicos viáveis. Isto é, que o nível de renda exigido seja de acordo com o nível de renda da população e que os projetos urbanísticos para as áreas sejam flexíveis o suficiente para conter a população em questão, o que significa preservar a urbanização (arruamento, disposição dos lotes, etc.) feita pelos próprios moradores. Isto quando a área tem definição urbanística de acordo. E quando tal não ocorre? Simplesmente está criado o impasse. O Plano Diretor é bem claro. Sua flexibilidade e a participação da comunidade é que não são. O limite da flexibilidade é técnico (as UTPs). A participação da comunidade é relegada, ao menos ao nível de plano, a funções não tão básicas, como se vê, cabendo no período em análise um papel antes formal que real nas decisões de vulto, diante dos demais interesses em jogo. O tratamento da questão urbana em Porto Alegre apresenta-se, assim, em grandes vértices: o político (discurso comunitarista), o técnico (limites/exigências técnicas), econômico (orçamentos municipais) e jurídico (questões jurídicas envolvendo o direito de propriedade). Se esta tem sido a tônica do período em exame, é normal que diversas entidades, oficialmente ou não, tenham se envolvido na questão. Promovendo seminários21, debates públicos ou internos, apoiando os movimentos nos debates com os órgãos

da administração ou a infatigável caminhada das lideranças nos setores burocrático/jurídicos, buscam esclarecer os direitos passíveis de ação legal, dentro da parafernália legalista que se abate sobre a população desassistida. O endosso dessa questão pelas entidades tem duas conseqüências de efeitos a serem pensados: a primeira significa repensar “a cidade para os cidadãos”, em termos de uso social do espaço urbano, sem envolver a radical reestruturação do modo de produção capitalista e suas mazelas, mediante a organização da participação popular para a intervenção no estrito sistema político, ampliando-o. A segunda envolve a delimitação do espaço conferido aos partidos que deveriam (e que pretendem, ao menos ao nível do discurso) encaminhar as reivindicações junto aos poderes legislativo e executivo. Para dar conta da direção e intensidade dos investimentos municipais para a população de baixa renda são evocadas duas premissas: a reforma tributária e a eleição direta para a Prefeitura. Sobre a reforma tributária não há muito o que discutir, tal a carência financeira do município brasileiro após o processo de centralização do país no último período. Mas o quadro fica mais complexo em relação à eleição para a Prefeitura. Considerando a atuação das diversas prefeituras em poder da oposição no Brasil (74, 78, 82), nada nos indica que a atuação destas tenha sido distinta em relação à população de baixa renda localizada nas cidades. O processo de marginalização social e espacial manteve-se. Houve alguma diferença no grau de condescendência no tratamento das remoções violentas. Afora certas experiencias22, como as da cidade de Lajes, Estado de Santa Catarina (promoveu a solução para o ‘déficit’ habitacional através da geração de recursos do próprio município, criando formas cooperativadas de construção, por meio de olarias, cessão de terrenos e construção por mutirões da própria população), os projetos alternativos não se afastaram muito do

quadro assistencialista. Como já mencionamos, pensar a questão urbana num país de desenvolvimento capitalista dependente requer imaginação, uma vez que o processo de expoliação é duplo: além da exploração interna exigida pelo Modo de Produção Capitalista, a extração do excedente é feita pelos centros econômicos dominantes. Esta dupla determinação não se coloca para a questão urbana nos países desenvolvidos. Demais propostas alternativas, por outro lado, são observadas nos países ligados à experiência socialista, o que confere natureza distinta à questão. Os temas que envolvem participação, gestão e descentralização, estão presentes onde houver concentração econômica, política e espacial. Neste sentido, existe uma certa solidariedade nas tentativas de intervenção dos cidadãos nos processos decisórios que partem dos sistemas centralizadores, os quais atuam através dos mecanismos postos à disposição das agências de planejamento. O erro de análise reside, a nosso ver, em buscar importar experiências só possível em outras conjunturas políticas de países capitalistas avançados ou de países socialistas onde a questão do poder remete a uma sociedade política e econômica de natureza distinta. A reforma tributária solidarizou de tal forma as propostas partidárias, que hoje se apresenta como a panacéia capaz de beneficiar os habitantes em conjunto. De certa forma, a reforma tributária aliada à devolução do poder legislativo municipal termina por encobrir os suportes do discurso. No período em análise são promovidos seminários sobre assuntos municipais contendo invariavelmente estas propostas. Voltando à questão municipal, não nos parece que a eleição direta permita, diante deste divisionismo e desta ausência de soluções alternativas, maior participação e gestão, a não ser que a representação da comunidade se dêem nível mais amplo que o momento eleitoral. Por exemplo, participar da discussão do

orçamento municipal. Mas estamos no plano hipotético, embora já seja uma proposta da Câmara de Vereadores na tentativa de uma intervenção mais efetiva na condução dos assuntos municipais. O movimento popular poderia pleitear propostas com vistas à gestão, democracia e participação. A identificação, por outro lado, entre vereadores e movimento popular, com relação ao poder executivo municipal, fica por conta do esvaziamento de poder que ocorreu sob o período autoritário nas duas instâncias. As características são diferentes, evidentemente, mas o processo de reorganização de ambos tende a solidarizar-se na medida em que, ainda orbitando em arenas diversas, nos momentos de pique as Associações de Moradores se socorrem junto aos vereadores e estes buscam continuamente, por uma questão de sobrevivência eleitoral, uma inserção junto aos movimentos, realimentando o novo clientelismo. Esta foi e é a contradição mais evidente: se a comunidade e partidos se unem requerendo maior atenção do poder público, como contrapor-se a um programa que pode se revelar excludente? Ao eleger como principal a contradição ao nível da moradia, não apenas se rebaixa o nível da percepção da contradição principal, que se dá na relação de trabalho, como expõe o discurso comunitário à manipulação oficiosa. Para nós, esta “curva” expressa a ingenuidade e a fragilidade da atuação dos grupos oposicionistas, que visam uma prática fora do tradicional assistencialismo ao transformarem a questão popular em questões dos bairros. Por outro lado, a implantação do Plano Diretor para a cidade e o poder de veto do prefeito, aliada à fragilidade da representação comunitária no Conselho do Plano tem agudizado processos decisórios de grande repercussão na distribuição do espaço urbano no período. Diante do despreparo técnico dos vereadores, as entidades profissionais e civis envolvidas (Instituto dos Arquitetos do Brasil, Sindicato dos Arquitetos, Federação Riograndense de Associações Comunitárias e de Amigos de Bairro,

etc.) têm feito da Câmara o espaço de expressão das categorias sociais. A intervenção de entidades tem sido fundamental no período, buscando definir os pontos chaves das questões presentes e apoiando as posições ditas mais democráticas, para a população. Mas afora as posições manifestas quando da apresentação até a aprovação do Plano Diretor, as intervenções destas entidades têm sido episódicas, prevalecendo em última instância a programação segundo os órgãos da municipalidade. Esta inacessibilidade permite que o movimento popular fique na maioria das vezes isolado diante da intervenção municipal e que não disponha de alternativas viáveis. O comum é o alinhamento de técnicos junto à população atingida, mas sempre em caráter individual, nunca representando a posição das entidades profissionais. Aliás, se as entidades tivessem posição uniforme sobre os processos de ocupação e apropriação do solo de Porto Alegre, acreditamos que se constataria a mesma impotência observada na atuação dos partidos e políticos de oposição, diante das determinações estruturais e políticas envolvidas no processo. Centralizado e excludente, o Plano Diretor se conclama participativo, interessado na qualidade de vida, na reintegração do espírito comunitário perdido em função da desintegração a que é forçado o habitante urbano, etc. Na verdade, tanto o seminário de apresentação do Plano Diretor como o processo de discussão posterior, na Câmara, provam a interveniência do espírito tecnocrático criticado anteriormente. Mesmo que imbuído de um espírito centrado no modelo ótimo da cidade, o que se viu é que incide em planejá-la, deixando de lado os pobres. Esta assertiva remete ao dilema dos técnicos planejadores porque, dada a presença de processos econômicos, quanto mais uma área de subhabitação contenha melhorias em grau suficiente à qualidade de vida de uma população, em contrapartida, mais se transforma em área expelidora da mesma população a longo prazo, via valorização imobiliária.

A apresentação do projeto-lei do Plano à comunidade, do ponto de vista da participação popular, exigia a existência de um estatuto padrão de recurso para as Associações de Moradores participarem no Conselho do Plano. Após muitas deliberações, com o apoio de entidades de classe, foi revogada a exigência do Estatuto e ampliou-se, ainda que minimamente, a participação no Conselho do Plano Diretor. Se a representação da comunidade, por um lado, teve garantido maior espaço, deixa dúvidas, por outro, na medida em que o processo de escolha é indefinido e garante pogco peso na decisão das diretrizes do Plano. As Associações de Moradores foram reconhecidas como interlocutores válidos, mas este reconhecimento tem dois pesos e duas medidas. Registrando as tramitações na Câmara e na imprensa, foi possível constatar que pouco refletem no processo decisório. Ao contrário, a tendência é duplicar lideranças, introduzindo conflitos na organização da comunidade. Aqui mais uma vez reconhece-se a complexidade das questões envolvidas na apropriação do solo urbano. Trata-se de espaço tensionado, definido por diferentes instâncias de poder ocultadas pelo discurso técnico, refletindo a atuação política dos órgãos da administração, em vista das pressões de interesse econômico. Quando se fala na atuação dos órgãos municipais pode-se dar a idéia de univocidade, mas é um engano, cabe frizar. Na documentação mais significativa que pudemos obter, e em entrevistas realizadas, pode-se observar uma crítica interna quando se trata da dispersão (e não autonomia) na atuação dos mesmos. Para ficarmos nos mais importantes, veja-se a Secretaria do Planejamento Municipal e o Departamento Municipal de Habitação, o DEMHAB. A crítica deste Departamento é que, dado os processos indutores de valorização imobiliária, a Secretaria não deveria projetar pólos de desenvolvimento próximos às áreas do DEMHAB,

porque elevam o valor do solo e conseqüentemente impulsionam processos de troca da população original por outra de maior renda. Ex.: os projetos para a Zona Norte. A prospecção e a pesquisa das áreas de subhabitação é outro exemplo. Os dois órgãos trabalham simultaneamente, mas, a nosso ver de forma desarticulada. Quanto aos programas habitacionais, a precariedade de documentos revela certo empirismo nas implantações da política habitacional, como de resto acontece com as demais políticas sociais para a população de baixa renda. A atuação do Departamento Municipal de Habitação já foi analisada pela dimensão habitacional23, mas gostaríamos de chamar a atenção para outro ângulo, qual seja o processo já analisado por Valladares24 sobre o fechamento do regime em 1964, que modifica a natureza do papel político das favelas, pois a mediação política dá lugar à mediação burocrática, ou seja, para o enfrentamento de situações específicas, os moradores têm que se haver com o pessoal administrativo que enfeixa os recursos de poder. Assim é compreendida a alocação do Departamento Municipal de Habitação. Na comparação com os demais órgãos municipais, este tem uma política que estabelece relação direta com as vilas/bairros de baixa renda, quer através das Associações de Moradores, quer através de outros recursos de poder, estabelecendo uma teia de relações políticas no microcosmo de cada vila, porquanto seja o órgão específico encarregado da habitação popular e quem em última análise executa a política habitacional para esta camada. Esta situação aponta diretamente para o próprio cerne das contradições presentes no movimento social urbano, centrado na questão da posse/propriedade do solo urbano, no período analisado. Isto se dá exatamente pela lógica pensada, estruturada, decidida para o crescimento urbano da cidade.

De toda a forma, como já dissemos, a dificuldade de perceber-se a lógica da atuação destes órgãos reflete o empirismo e o oportunismo político do período. Se examinarmos o adensamento de Porto Alegre, entenderemos a duplicidade da ação, porque, sobre o processo de irregularidade dos loteamentos (1950) superpõe-se o de invasões (1976), cuja direção era o de terrenos públicos. Os casos de mobilização para posse ocorreram, realmente, em terrenos baldios. A implantação do Plano Diretor, destinando essas áreas para outras funções, não apenas ignorou a situação de fato, como limitou, por antecipação, a aplicação do art.49 que destina tratamento urbanístico especial para áreas de subhabitação que já existiam e que certamente tinham baixo valor de troca até o momento do projeto. Se a intenção do plano fosse a permanência da população, toda a área de invasão significativa teria tratamento urbanístico especial. Como se vê, a questão da implantação é de natureza política, induzindo direções na dinâmica do mercado de terras, transformando áreas de baixo valor econômico e alto valor social no seu contrário. No período registrou-se intensa mobilização em alguns municípios da Região Metropolitana. A diferença qualitativa dos movimentos de Porto Alegre em relação aos da Região Metropolitana situa-se na apropriação histórica do solo urbano, distinta nos dois casos, bem como na intervenção via planejamento na cidade. Isto se coloca porque, enquanto o planejamento urbano não considerar que a cidade é disputada para usos que se revelam contraditórios, será um instrumento reforçador da apropriação, afora todo o leque de intenções democráticas e participativas que possa conter. Tal como se coloca a realidade, estas intenções correm o risco de inserir-se como elemento importante do encobrimento ideológico, contido na defesa da qualidade de vida urbana, que faz da circulação, do transporte25, da moradia, privilégios da alta e pequena burguesia.

São tendências de longa maturação. Observada a seletividade do acesso ao solo urbano em Porto Alegre, a localização dos centros industriais e a direcão dos movimentos dos empreendimentos imobiliários, o crescimento demográfico de algumas cidades da Região Metropolitana e o tipo de inserção no mercado de trabalho, podemos pensar, com alguma antecipação, que Porto Alegre será uma cidade sem ‘pobres’. Se o crescimento projetado da cidade para o ano 2.000 é de 2.400.000 habitantes, conservadas as referidas tendências, é o que se pode deduzir. Conforme a ótica dos planejadores, o gigantismo e a hipertrofia dos serviços advêm de um crescimento urbano acelerado e não controlado institucionalmente. Estes serão contidos às custas de férreo controle funcional do solo urbano, mas visando maior racionalização segundo os interesses do capital. Nesse sentido, questiona-se a busca para as classes sociais em seu conjunto, de melhoria da qualidade de vida, dadas as determinações estruturais presentes. Contra essas determinações insurgem-se os Movimentos Sociais Urbanos analisados no período.

Do levantamento jornalístico realizado, só no período de março de 1978 a janeiro de 1980 registrou-se 194 matérias sobre o assunto nos periódicos diários Zero Hora, Folha da Tarde e Folha da Manhã. 2 Há quem faça uma distinção entre loteamento clandestino e loteamento irregular. Há, também, quem confunda num só conceito ‘área invadida’ e loteamento clandestino. Os TRIBUNAIS, no que lhes toca, não têm uma terminologia uniforme sobre a matéria. Assim, o Conselho Superior de Magistratura de SÃO PAULO, em 06.01.81, teve como irregular (“aliás irregularíssimo”), loteamento sem inscrição, nos termos do Decreto-lei 58/37 (ap. cível 439-0, in Revista do Dir. Imobiliário nº 9). Já o 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo usa Como sinônimos e, portanto, refletindo a mesma situação de fato, as designações “clandestinas e irregulares” (Ap. Cíve1 251.852, 2º Câmara do TACSP, in Rev. do Dir. Imob. nº 4, p.100). Há, de certa maneira, idêntico comportamento entre os teóricos que tratam da matéria, sem, contudo, 1

identificarem áreas invadidas pelos ‘sem terra’ com o loteamento clandestino. Acertado é estabelecer a seguinte gradação: irregular, quando registrado mas irregularmente realizado; clandestino, quando não registrado. 3 VALLADARES, Lícia do Prado. Passa-se uma casa. Análise do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Zahar Edítores, 1978. 142p., analisa o processo de substituição de população no contexto dos próprior planos de habitação popular. 4 Em reunião realizada a 26/06/80, na sede da FRACAB, para informar da política habitacional do Município, o então diretor do DEMHAB §firmava: “a partir da experiência da Restinga provou-se ser mais viável economicamente a urbanização no próprio local, com recursos federais. O que vai de encontro aos dados da pesquisa feita pelo departamento, onde os entrevistados, em 1973, preferiam terreno no local mesmo. A partir da Vila Santa Rosa, Bairro Rubem Berta, quando o DEMHAB puder, compra e oferece programa adequado”. 5 ZERO HORA. Porto Alegre, 12 jan. 1979. FOLHA DA MANHÃ. Porto Alegre, 13 jan. 1979. 6 Boletins do movimento completaram as entrevistas realizadas junto às lideranças presentes no movimento. Entrevistas realizadas de 82 a 83. 7 Distinção estabelecida junto à assessoria jurídica do Movimento do Loteamento Clandestino em 1983. 8 Depoimento colhido em reunião do Campo da Tuca, numa das Associações da vila, para tratar dos projetos de urbanização debatidos na época - 1980. 9 PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Departamento Municipal de Habitação. Ingresso do DEMHAB no programa PROMORAR. Porto Alegre, s.d. p.10. 10 Ibid., p.12. 11 A essa reunião acorreram não apenas as lideranças do Campo da Tuca, mas entidades interessadas na questão da participação popular. Dessa reunião foram tiradas as bases para a criação das Associações de Moradores na área. Em 1979, a imprensa cobriu amplamente a mobilização, citando-a como exemplo de organização popular a ser reproduzido pelas demais vilas nas mesmas condições. 12 Uma das primeiras medidas tomadas pelo governador eleito em 1982, foi a criação da Secretaria Extraordinária para Assuntos da Grande Porto Alegre, com área de atuação na região. Esta secretaria pertence à órbita estadual. Em se tratando de órgão estadual, sobrepõe-se à atuação municipal, mas desde sua criação tem atuado na cidade, igualmente, introduzindo nova variável para a compreensão da intervenção estatal. Em 1983 cria núcleo de estudo para os Núcleos de Serviços Comunitários integrados (NUSCIS), bases físicas disponíveis, integrando todos os órgãos do Estado ligados às áreas sociais.

Essa secretaria coloca-se como centralizadora das questões gerais postas pelas reivindicações urbanas da população de baixa renda. 13 GUARESCHI, Pedrinho A. Urban social movements in Brazilian squatter settlements. Madison, University of Wisconsin, 1980. Tese de doutorado em Filosofia. 14 Entrevista ao autor. FRACAB, 1983, presidente em exercício 15 Movimentos gerados pela desapropriação de terra, despejo, pedidos de reintegração de posse, registrados pela FRACAB: Vila Santa Catarina, Tronco e N.S. do Brasil, Caiu do Céu, Jardim Viçosa, São Vicente, Cruzeiro do Sul, Morro da Cruz. FEDERAÇÃO RIOGRANDENSE DAS ASSOCIAÇÕES COMUNITÁRIAS. Boletim dos bairros n° 1, julho 1978; 6, abril 1979; 7, maio 1979; 9, agosto 1979; 13, junho 1980. 16 UNIÃO DE VILAS DA LOMBA DO PINHEIRO. No loteamento irregular, podem cobrar as prestações? Boletim do 1° Encontro do Loteamento Clandestino, n° 2. Porto Alegre, 17 jan. 1982. if. 17 A FRACAB conta, em 1984, com 1500 associações e atua em “todos os flancos: desemprego, transporte coletivo, vagas nas escolas, saneamento, moradia” (presidente por nós entrevistado e reeleito em 1984). FRACAB aos 25 anos muda alvos de luta: maiores inimigos são, hoje, o BNH e o desemprego. Zero Hora, Porto Alegre, 14 set. 1984. Geral, p.37. 18 A cobertura jornalística nos períodos eleitorais, nas vilas e bairros populares, enfatizava a política de favores entre candidatos provenientes de órgãos municipais, os discursos com forte apelo participativo dessas áreas na definição de políticas públicas de caráter social e a disputa entre candidatos, lideranças comunitárias, presidentes ou não de Associações de Amigos de Bairro ou Associações de Moradores. Na verdade, pode-se observar mudanças qualitativas nos períodos. Em 78, as lideranças forjadas no processo de defesa do direito à posse reivindicavam participação popular fora da ingerência e alinhamento partidário, dentro do bipartidarismo existente - MDB e ARENA. Em 82, algumas dessas lideranças, já alinhadas dentro do pluripartidarismo (PT, PMDB, PDS, PDT), conclamam à participação popular via opção partidária. É desse período a elaboração, nos programas partidários, do discurso participativo. No geral, os candidatos que tinham sua força eleitoral baseada na participação real nas comunidades, não conseguem expressiva votação para a Câmara, ao contrário dos candidatos que podiam unir tanto a máquina partidária como a máquina administrativa a seu favor. Vereadores eleitos, em 82: PDS (10), PMDB (11), PDT (11) e PT (1). Dos candidatos eleitos pelo PDS, 7 exerciam ou já exerceram cargos na administração pública municipal. PEREIRA, André. Nas vilas ca capital, a guerra pelos votos. Zero Hora, Porto

Alegre, 18 out. 1982. Geral, p.24; _____. Para os vileiros, época é de fortuna. Zero Hora, Porto Alegre, 18 out. 1982. Geral, p.25; VEREADORES de Porto Alegre, Folha da Tarde, Porto Alegre, 26 nov. 1982. Política, p. 20-1. 19 TRINDADE, Hélgio. Padrões e tendências do comportamento eleitoral no Rio Grande do Sul. In: CARDOSO, Fernando Henrique & Bolivar Lamounier, org. Os partidos e as eleições no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975. p.183. 20 Em entrevistas junto a técnicos da Secretaria do Planejamento Municipal e do DEMHAB, ambos ressaltaram as dificuldades de implantação de programas, dadas as características físicas apresentadas pelo sítio urbano onde encontramse muitas áreas de subhabitação - 1983. 21 ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO RIO GRANDE DO SUL. Comissão de Direitos Humanos. Curso: Os movimentos populares e os problemas urbanos. Porto Alegre, 10 set. a 22 out. 1980; INSTITUTO DE ESTUDOS POLÍTICOS, ECONÔMICOS E SOCIAIS -I.E.P.E.S./PMDB-RS. 1° Seminário sobre os problemas de Porto Alegre. Porto Alegre, 29 e 30 abril 1983. Acorriam aos seminários, além dos técnicos, lideranças comunitárias interessadas nas questões de direito urbano, estratégias alternativas aos programas do BNH e políticas municipais específicas destinadas às áreas de interesse social. 22 A experiência de Lajes foi relatada durante o Seminário de Planejamento Urbano, promoção do Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB, em 1982, na sede do mesmo, pela assessoria técnica da prefeitura de Lajes, especialmente deslocada para o encontro. Presentes, além dos técnicos convidados, secretários de planejamento de municípios do interior, interessados em projetos alternativos, fora dos programas do BNH (CURA). 23 GARAYP, N.R. de C. Casas para quem? Uma análise da política habitacional para população de baixa renda no Rio Grande do Sul: 1964-1980. Porto Alegre, Curso de Pós-Graduação em Antropologia, Política e Sociologia da UFRGS, 1980. Diss. mestr. sociologia. p.128. 24 VALLADARES, op. cit. 25 Questionando a eficiência e os interesses econômicos envolvidos nos grandes projetos viários (corredores exclusivos de transporte coletivo), a FRACAB unificase a movimentos, no período pós-80, pela possibilidade inclusive de intervir na fixação das tarifas de transporte coletivo que incide pesadamente no orçamento do trabalhador. UNIÃO DE VILAS DA LOMBA DO SABÃO. A voz da lomba. Porto Alegre, n° 4, fev. 83.

CONCLUSÃO

O ponto crucial de todo tipo de planejamento urbano, quer se queira indutivo, participativo, no contexto da atual crise urbana brasileira, é a identificação dos valores de interesse público manifestados pelo Estado. Se o planejamento urbano é parte do uso do poder estatal para intervir na evolução econômico-social da sociedade, tudo indica, através de estudos, que, no Brasil, tem tomado a direção da crescente elaboração de programas ajustados entre si e favoráveis à eliminação de obstáculos para uma completa apropriação do espaço urbano através da ampliação do capital. O planejamento urbano no Brasil demonstra a tendência de acenar com a participação popular como forma de atingir objetivos sociais amplos. Esta tônica, presente nas últimas elaborações, responde pela idéia de que a população deve ser consultada, na medida em que é a fonte por excelência dos dados necessários para a melhoria da qualidade de vida. Na prática, no entanto, observa-se não apenas a ausência desta participação, mas igualmente o estreitamento dos canais que poderiam influir nas decisões de política econômica em geral e na urbana em particular. O estreitamento corre por conta do processo de centralização levada a efeito pelos governos pós-64, no país, dos níveis decisórios nas órbitas municipal e estadual das políticas setoriais, acompanhado do esvaziamento dos poderes do legislativo

e do judiciário diante do executivo. As instâncias de organização da sociedade, do tipo corporativo, como os sindicatos, associativo como as Associações de Moradores, por exemplo, sofrem uma série de imposições de caráter intervencionista que põe em risco a sua própria existência. Os canais burocráticos substituem os canais de representação da democracia liberal, sujeitando as instituições emanadas da sociedade aos desígnios do modelo político adotado, segundo determinada estratégia de desenvolvimento econômico. O planejamento centralizado substitui as arenas de discussão política. O sentido tomado pela urbanização, no País, somado à ineficácia de planos diretores locais, levou a elaboração no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), 1974-1979, de uma política para o Desenvolvimento Urbano Nacional. Esta é bastante clara no que se refere à região Sul: prevê o ordenamento do processo de desenvolvimento do sistema urbano por meio da expansão das metrópoles regionais e o fortalecimento dos núcleos urbanos de dimensões médias. Ora, no que tange ao município de Porto Alegre, como consta no referido plano, significa a planificação e o controle da expansão urbana, através do uso do solo e da planificação integrada junto aos eixos de desenvolvimento industrial. Para sermos claros: a política de ocupação do solo, para o município, é de contenção do crescimento populacional. Essa diretiva do planejamento central, para a região e, particularmente, para o município, enquadra a chamada ‘questão urbana’ em termos nem sempre contemplados pela análise sociológica e, muito menos, pelos agentes envolvidos. Trata-se, portanto, de perceber o planejamento urbano como um instrumento eficaz na distribuição e no próprio controle político da força de trabalho concentrada na cidade. Cabe identificar a eclosão de movimentos reivindicatórios, não apenas como disputa pela melhoria da qualidade de vida, mas como

tentativas esparsas, nem por isso menos significativas, de interferir no processo de tomada de decisão nas diversas esferas que compõem o poder político dominante. Ainda que o sistema de planejamento possa conter conteúdos democráticos, é limitado pelo sistema político restritivo (por ex.: o funcionamento do Conselho do Plano Diretor da cidade). A posse/propriedade do solo urbano e a redistribuição dos equipamentos/serviços sociais de consumo coletivo, exigidos para reprodução da força de trabalho, estão determinados pelos mecanismos de geração da renda da terra urbana, na cidade capitalista. A partir disso concebeu-se que os Movimentos Sociais Urbanos, no período em análise, foram engendrados por mecanismos históricos e contraditórios de apropriação do espaço urbano da área central da Região Metropolitana pelas distintas classes sociais e catalizados em grande número a partir da implementação dos dispositivos planificadores da área municipal, que significa a atualização dos valores de uso/troca do espaço urbano da região. O elo entre os processos históricos de apropriação do espaço urbano pela força de trabalho e a intervenção planificadora posta em ação é a questão legal dos terrenos. Tal acontece porque, dada a apropriação privada do solo urbano, exige-se, como requisito, a posse de uma renda monetária mínima que uma parcela da força de trabalho não dispõe. Isso conduz à localização para áreas onde o direito de propriedade ainda não foi acionado, caracterizando as famosas invasões. O conflito fica estabelecido quando, sobre esta apropriação, dada historicamente, coloca-se a necessidade de anexar tais áreas ao mercado de terras. Propriedades abandonadas, à espera de valorização, suportam a posse durante longos períodos, até que a orientação

dos investimentos estatais e o próprio adensamento da cidade atualizem o valor de troca dos imóveis fundiários. Glebas até então rurais, são anexadas, portanto, ao mercado de terras, com novos valores. O instrumento destas anexações será a normatização através da planificação e do restabelecimento do direito de propriedade, com vistas não mais ao uso do solo urbacidade local como definidora dos mesmos e o seu cruzamento com as instâncias políticas, no jogo clientelístico, no sentido de troca de benefícios entre políticos e moradores, parece-nos que os movimentos atuais estão a refletir uma mudança qualitativa. Tratase, antes de mais nada, de perceber a direção dos mesmos enquanto colocação de um platô de reivindicações que, para seu atendimento, exigem uma inversão de estratégias do Estado, na gerência de bens econômicos, onde se inclui o solo urbano como suporte de atividades produtivas ou não. Os movimentos, que têm nas Associações de Moradores sua base organizatória, enfeixam tensões que culminam no estabelecimento de novas contradições nas relações com as instâncias políticas. Estas devem ser estudadas por pesquisas específicas, para que se obtenha o quadro político abrangente em que se situam os Movimentos Sociais Urbanos. Em linhas gerais, observou-se que tradicionalmente as associações de bairro de Porto Alegre (como no resto do País), funcionam como locais de reivindicação dos moradores. Ao menos, este sempre foi o discurso manifesto. Controlar a associação é, pois, definir um espaço determinado de controle imediato. Sob a ideologia do interesse comunitário, engalfinham-se lideranças portando ideologias diferenciadas. Quais os critérios para o líder? Aparentemente é “a pessoa que mais trabalha pela comunidade” ou “é a pessoa mais velha do local”, etc.

Pode-se colocar a hipótese de que o poder do líder emana não da população mas de outra fonte que não a comunitária. Qual? Na superfície aparecem alguns indícios: por vezes, a associação é controlada por um órgão municipal ou por um político e até mesmo por um partido. Confrontar-se com este domínio já cristalizado, disputar espaço e impor uma direção tem sido meta implícita de outros sujeitos, portadores de uma vontade política qualitativamente diferenciada da linha do comunitarismo tradicional. Ou ainda, criar espaços: o fenômeno mais recente da experiência das Associações de Moradores em Porto Alegre tem sido a duplicação das Associações de Moradores em algumas vilas, onde o controle é disputado passo a passo. Quem pode ser legitimado como a Associação mais representativa? À primeira vista, dado o discurso no plano meramente reivindicatório, será aquela que mais concretizar seu programa. Por exemplo, construir uma escola é diferente de ganhar uma escola. Mas os óbices que se colocam para o mutirão tendem a tornar pouco freqüente esta alternativa. O comum, ao que tudo indica, tem sido a pura doação (da Igreja, da municipalidade, dos órgãos assistenciais, etc.). O que tem-se configurado mais recentemente é a co-participação, isto é, a divisão dos custos e da mão-de-obra entre os moradores e os poderes públicos. Nestas três formas de concretização das necessidades da comunidade, tem-se o espaço que confirma ou redefine a liderança (controle). Desta forma, as Associações de Moradores, como microorganismos do poder pensado como intervenção, democratização, gestão de processos abrangentes, atuariam em que nível decisório? Se existe um sistema político que confere a representação dos cidadãos à vereança, como pensar o espaço das Associações de Moradores? Onde os cidadãos deverão se fazer representar, via suas Associações de Moradores ou via Vereança? Caberia a reflexão a respeito, na medida em que as Associações de Moradores, no Brasil, estão estruturando um espaço

próprio, refletindo nova instância de tramitação política. As Associações de Moradores dirigem-se à Câmara Municipal, ao prefeito, aos diretores de departamentos, deputados, sempre buscando preservar sua autonomia. Isso ocorre no plano ideal, é claro, porque existe o contato pessoal, via direção das Associações de Moradores ou, em certos casos, na figura isolada do presidente. É onde se dá o atrelamento das lideranças às facções políticas e o afastamento das bases. Na maior parte das vezes, o fracionamento da diretoria é tão evidente, que novas eleições são realizadas para tentar recompor o micropoder local. Enfim, a organização do poder local é tão fragmentada, que impede ligações políticas de mais lenta maturação e, portanto, de efeitos políticos mais conseqüentes. Pensar as Associações de Moradores como bloco popular, isto é, centralizador da vontade política das classes subalternas, não confere com o que ocorre com as Associações de Moradores de Porto Alegre. O problema é que o bloco popular é pensado por setores políticos para as suas penetrações. O trabalho dos partidos, além de envolver muita disputa, incorre no clientelismo, porque a cidade é pensada eleitoralmente e, como tal, buscam ganhar as Associações de Moradores ou a ascendência para a direção, visando o controle político. O novo clientelismo, posto pelo uso político dos órgãos municipais, é reforçado pelos partidos. Pensar as Associações de Moradores é pensar nestas contínuas redefinições do poder local. O indicador seguro dessas disputas internas é o quadro pré e pós-rearticulação partidária. O discurso mobilizatório tratava de apelar para a organização da população de forma independente dos partidos (ARENA, MDB). Com o pluripartidarismo, o que se viu foi o alinhamento dos temas dentro dos partidos. Os temas permaneciam, mas o alinhamento partidário estava implícito e, como já dissemos, a fórmula permanece idêntica. Isso resultou na dispersão ideológica, na medida em que a ARENA, depois

PDS, manteve sua coerência interna, e aos partidos de oposição restou um acirramento interno prematuro que paralizou o ascenso do movimento. Acreditamos que o mesmo ocorreu em outras instâncias de organização da sociedade civil. Depois de 1982, a situação tende a definir-se segundo as propostas partidárias postas pelo resultado eleitoral. Para nós, configura-se como início de nova conjuntura a definir o movimento, o que não avaliaremos. Indicam, de tal forma, a precariedade do movimento na busca de consolidar sua autonomia. Segundo o atual presidente da Federação Riograndense de Associações Comunitárias e de Amigos de Bairros, o objetivo permanente da entidade é manter uma posição unívoca, mesmo que internamente haja opção política bem definida. Pela história da Federação no período, é de se supor que as Associações de Moradores sofrem o mesmo processo, com os agravantes já mencionados que se referem à atuação dos departamentos municipais. Isso não impede que, nos momentos de pique dos movimentos, essas diferenças se atenuem, apresentando-se em bloco para efeito externo. Mas depois refluem, porque é da sua natureza essa composição heterogênea, ao nível social e ideológico, já que são constituídas por distintas frações da classe subalterna, abrigando diferentes níveis de consciência social. A vocação eleitoreira dos partidos brasileiros, fruto dos vícios da história política partidária, permanece intacta, embora toda a reestruturação política pos 64, quando o sistema político assume o modelo autoritário. As práticas são idênticas, pulverizando a possibilidade de discernimento ideológico desta população bombardeada sistematicamente por propostas confusas e impraticáveis. Ao nosso ver, a incoerência está nos partidos, não na população. A fragilidade das propostas é tão evidente ao ponto de a população mais atingida pelo modelo econômico excludente preferir as migalhas da proposta situacionista - afora

todo o peso da ideologia dominante... O descrédito do discurso político, enfim, é uma das propostas do autoritarismo travestido, como vimos, de técnico. Porto Alegre, nos últimos pleitos, teve suas vilas/bairros populares divididos pelos partidos, centrados principalmente nas Associações de Moradores. É impossível estabelecer rigidamente a relação acima, mas esta existiu, acentuando o que afirmávamos anteriormente em relação à própria Federação Riograndense de Associações Comunitárias e de Amigos de Bairros. Pode-se adiantar (o que necessitaria pesquisa caso a caso) que inclusive o movimento comunitário que emerge vigorosamente em 1978 (por força inclusive da conjuntura eleitoral), em 1982 sofre inflexão dado o profundo divisionismo provocado não apenas pela rearticulação partidária, mas pela visão eleitoreira e assistencialista levada pelos partidos, via candidatos e ‘cabos’ eleitorais. Os cabos eleitorais inclusive eram principalmente de duas espécies distintas: os pinçados do movimento pelos partidos, ou os introduzidos no mesmo pelos partidos. A base dos movimentos, dada esta exacerbação política,viu-se, poderíamos dizer, ‘paralisada’ diante das propostas que, como dissemos, não tinham grande diferenciação interna ao nível do discurso. E porque não tinham, a expressiva votação do PDS na cidade (ao contrário de outras eleições onde as vilas eram ‘currais’ oposicionistas) explica-se pela superioridade de recursos à sua disposição na campanha. Destacaríamos como principais pontos, a proposta de concretização da política iniciada em 1979/1980 - urbanização das vilas; não remoção da população; participação no governo. Ao nosso ver, a superioridade do discurso da situação colocou-se do ponto de vista do morador como mais concreta, a curto prazo, já que se tratava do pólo que realmente detém os recursos. Para nós foi o fechamento do ciclo iniciado em 75/76, ao situar a questão da moradia como contradição secundária que é, para, estrategicamente, atuar como principal na conjuntura, na

concepção de que a conscientização pode emergir pela solidariedade da situação de morador. Assim, chegamos à polarização das posições inicialmente colocadas a respeito da compreensão dos Movimentos Sociais Urbanos, ora como agentes transformadores, ora como incidentais, sem maior significação política. Na posição por nós assumida, não partilhamos de nenhuma destas posições. São, como a análise buscou contemplar, organizações da força de trabalho que buscam, defensivamente, a superação da sujeição de uso/consumo da cidade pelo capital. Neste sentido tem-se o campo para investigações futuras.

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