Uma Ética das Virtudes para Professores

September 15, 2017 | Autor: Idalina Correia | Categoria: Filosofía, Educação, Pedagogia
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A edição utilizada foi a inglesa digitalizada pela Livraria Robarts – Universidade de Toronto e disponível no seu arquivo digital: http://archive.org/details/prudentiuswithen01pruduoft;

A adaptação é da minha autoria e é livre, apenas se baseia na lista original de Prudêncio. É um facto também que a lista das sete virtudes tem obtido diferentes versões no tempo e de acordo com as traduções realizadas.

TP = Aristóteles, Tratado da Política, referência completa na bibliografia.

Universidade do Minho
Instituto de Educação
Ética e deontologia da profissão docente
Profª Dr.ª Raquel Costa
Mestrado de Ensino da Filosofia no Ensino Secundário – 2º ano, 1º semestre





Uma ética das virtudes aplicada à profissão docente









Idalina Correia da Silva – PG 6979
Fevereiro – 2013

Índice


Esclarecimento prévio e fundamentação 3
7 Virtudes: uma ética das virtudes aplicada à profissão docente 4
Castitas Liberalitas Temperantia Diligentia
Patientia Humanitas Humilitas 6
Conclusão 9
Bibliografia 10














Esclarecimento prévio e fundamentação
"Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola(…)"

(Natália Correia, do poema:
Queixa das almas jovens censuradas)



A exposição que aqui apresento é a minha reflexão pessoal sobre a dimensão ética da profissão docente de acordo com a forma como foi abordada na disciplina de Ética e deontologia da profissão docente. É uma reflexão pessoal um pouco atípica. Parece subverter as convenções mas não o faz. Será pouco deontológica, reconheço que sim. É uma experiência de pensamento que procura ensaiar, de forma quase laboratorial, a aplicação de uma ética das virtudes à prática educativa e de formação. Um único objetivo norteia o projeto: contribuir filosoficamente para a reabilitação de uma abordagem eminentemente valorativa da profissão docente. Os receios do conservadorismo inerente à defesa dos valores associados ao caráter e à educação morais e à defesa de ideais de excelência e de virtude, são colonizadores e têm, a meio ver, subvertido a afirmação da educação enquanto formação do caráter. Por essa razão é que se multiplicam os regulamentos, os códigos, os normativos, as circulares, enfim, toda uma constelação burocrática que assola os professores e restante comunidade educativa; a própria administração educativa. Tem sido esta a forma encontrada de camuflar o delito. É um delito este constante fervilhar de discursos vazios transidos pelo medo de endoutrinar, de formatar, de moralizar. Como se a desdoutrinação, a desformatação e a desmoralização alguma vez servissem melhor os nossos interesses enquanto comunidade. É verdade que a democracia, o pluralismo, a liberdade foram conquistas árduas das sociedades ocidentais mas a anarquia (entenda-se, caos), a uniformidade totalitarista e a manipulação não se evitam com concessões e salvo-condutos relativistas das responsabilidades individuais, das responsabilidades relacionais e cívicas. A educação detém um protagonismo gigantesco na organização social contemporânea. Expandiu-se o acesso, multiplicou-se a igualdade. Ainda bem que assim é. Será bem pensado abrir para englobar e, ao mesmo tempo, esboroar e estilhaçar o quadro básico de valores que a Grécia clássica "tatuou" na epiderme da história ocidental?
É na ética das virtudes Aristotélica, de acordo, sobretudo com sua obra, Ética a Nicómaco e no poema épico de Prudêncio, Psychomachiaque se inspira e se faz suportar esta exposição. Na realidade, elaborou-se uma possível adaptação das sete virtudes propostas por Prudêncio para combater os sete pecados mortais. O poema, que é uma alegoria medieval reconhecida, e que descreve esse combate tem por título, Psychomachia (do grego: psychê + mache) que significa a luta da alma.


7 Virtudes: uma ética das virtudes aplicada à profissão docente
Aristóteles formulou as perguntas, em que consiste a boa vida? E, qual é o bem que o Homem procura? Aristóteles respondeu, "Pertence à sabedoria, quer de cada homem tomado individualmente, quer de todo o Estado em geral, o dirigir as ações e a conduta para o melhor fim." (TP, p. 46) "O Estado ou Cidade é uma sociedade de pessoas semelhantes para em conjunto viverem do melhor modo possível." "Ora, uma vez que a felicidade é o bem supremo e que consiste no exercício e no uso perfeito da virtude assim se percebe que o fim último do Estado seja proporcionar o conjunto de meios necessários à educação moral dos cidadãos, ou seja, à virtude." (TP, p. 73)
A virtude (grego: aretê que significa excelência, virtude) é um traço de caráter que se declara na ação, mesmo na mais habitual e comum. Os gregos designavam como virtuoso aquele que cumpria o seu propósito e a sua função na vida da polis e de acordo com os princípios políticos e de justiça corretos. Da mesma forma, de acordo com Aristóteles, a virtude coincide com a realização da natureza do Homem e da sua essência. Essencialmente e, por natureza um "animal cívico", o Homem depende da política (Estado, Comunidade política) para se orientar e educar moralmente de forma a concretizar a sua finalidade que é ser feliz. E a virtude é, para Aristóteles condição sine qua non da felicidade. Reduzindo esta equação às suas partes mais simples, obteríamos uma relação clara entre Estado, educação e virtude. A relação entre Estado e educação não necessita de esclarecimentos. E a virtude?
A aretê, a virtude, a excelência ocupava uma posição central na paideia grega já que nela assentava o modelo da educação integral do bom cidadão, capaz de desempenhar qualquer função na sociedade. A Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro alterada pela Lei n.º 115/97, de 19 de setembro) e que aqui se reproduz diz o seguinte:



O que significa "favorecer o desenvolvimento global da personalidade"? Uma educação do caráter moral dos indivíduos, nas suas dimensões individual e de cidadão? Parece inegável que o compromisso ético da educação está já consumado. Pedro D'Orey da Cunha, em Ética e educação considerava que, " A ética, em contraste com a cultura, é a articulação racional do bem, Não do gosto, das inclinações, do prazer, mas do bem." (1996, p. 17) É claro que há diferentes conceções de ética que se expressam em modelos educativos distintos de acordo com o mesmo autor. A proposta de uma ética das virtudes terá cabimento? Deixo aqui um esboço, não passa disso mesmo, do que penso que poderá constituir uma tal ética. Se para mais nada servir que seja útil ao um debate de ideias salutar.


Castitas Liberalitas Temperantia Diligentia Patientia Humanitas
Humilitas

Em latim e lida em voz alta esta lista de virtudes faz lembrar as cantilenas e ladainhas que os nossos pais e avós repetiam na escola para memorizar. Os nossos pais e avós foram instruídos. De forma muito severa, por vezes, quase sempre disciplinadora, autoritária e repreensiva. Hoje, pais, alunos e professores acusam-se mutuamente de indisciplina ou de excessiva permissividade, de desinteresse ou de facilitismo, de laxismo e de incompetência. A nostalgia pelos velhos modelos educativos, do instrutivo ao construtivista é contraproducente. A defesa da afixação de uma tábua de valores éticos elementares não representa uma viagem no tempo em em direção ao passado. E nem tão pouco significa a "teleprogramação", a definição à distância, pelos governos e pelas administrações escolares de uma forma única de estar aceitável e de um corpo único de metodologias para a implementar. Parece-me que a solução é mais orgânica do que isso, mais natural, mais consistente com os projetos de vida dos indivíduos em sociedade. A boa pessoa e o cidadão responsável definidos como metas pelo sistema educativo são ideais arbitrários e/ou inócuos senão perante um quadro de valores, que sejam as virtudes, bem definido e bem estruturado. As virtudes que proponho e que se inspiram na criação de Prudêncio contra os males e os vícios decorrem de uma mundividência cristã. A secularização das instituições públicas e a laicização do ensino não pactuam, hoje, com tendências religiosas porque a liberdade religiosa é um princípio estruturante das nossas sociedades. Inteiramente de acordo. Já não estou de acordo, no entanto, que abandonemos no esquecimento aquilo que constitui as nossas tradições, as nossas raízes, a nossa génese e a nossa genética cultural, social e ética.
A educação orientada para o ideal da pureza, da sobriedade ou da integridade (CASTITAS) é uma educação que tem por missão construir a possibilidade do autoconhecimento no processo de transmissão de conhecimentos científicos. O conhecimento de si próprio é uma responsabilidade individual por muito que floresçam especialidades técnico-científicas, da psicanálise ao psicodrama e manuais de autoajuda nas prateleiras das livrarias. A maior parte das nossas vidas é passada nas escolas. Não só o corpo, como a mente e o caráter devem receber investimento, devem ser exercitados e treinados de acordo com o ideal moral da integridade. A generosidade (LIBERALITAS), a humildade (HUMILITAS), a paciência (PATIENTIA) constituem uma tríade de valores centrais necessários para o conseguir. Ensinar e ser ensinado são atos de generosidade. O professor invade o território do aluno como diz George Steiner, na obra Lessons of the Masters, para o conduzir, orientar e o aluno deixa-se invadir, conduzir, orientar:
"The calling of the teacher: There is no craft more privileged. To awaken in another human being powers, dreams beyond one's own; to induce in others a love for that which one loves; to make of one's inward present their future; that is a threefold adventure like no other." (Steiner, 2005, p. 28)
Não há verdades definitivas, o ensino e o conhecimento são atos de generosidade tanto quanto são exercícios de humildade. A resiliência, a determinação, a observação das diferenças e dos distintos ritmos e especificidades, o empenho e o esforço convocam a paciência. Aprender é um exercício de paciência e ensinar é um ato paciente. Mas como agir de acordo com isso? O que há a fazer? É imperativo, todos sabemos que a educação não pode ser assimilável a uma fábrica de salsichas, percorrer pacientemente um itinerário. Produzir em massa indivíduos amestrados, acríticos, passivos, ignorantes do seu papel e funções na comunidade ainda que excelentes profissionais, técnicos e especialistas não é culturalmente aceitável porque choca com a noção mais minimalista de bem comum que se possua. O sistema educativo é público: os interesses comuns da comunidade não podem deixar de constituir o maior bem. É evidente que existem noções diversas e contrastantes de maior bem que coabitam e convivem entre si. Se o sistema de ensino atual decorre do princípio da igualdade de oportunidades e da procura da equidade então ele assenta necessariamente num esforço de harmonização. Não há harmonização de coisa alguma sem uma procura declarada do meio-termo e da moderação (TEMPERANTIA). A sensatez, o sentido do razoável, o autocontrole, a responsabilização e o bom senso são decisivos nesse processo e, creio, deveriam orientar as práticas pedagógicas.
A educação não é uma lobotomia. O homem educado e instruído não é um homem lobotomizado. A educação para a cidadania, o saber viver juntos da UNESCO está inscrita nos programas curriculares das disciplinas, nos projetos educativos das escolas, nos regulamentos das funções dos professores e dos outros cargos que este ocupa nas escolas. A proposta de um ideal educativo é real mas, como se realiza? É necessário operacionalizar, diligenciar (DILIGENTIA), tomar decisões. O processo de tomada de decisões requer discernimento, inteligibilidade, ponderação. Educar é colocar as pessoas frente a frente e por isso não pode deixar de ser um exercício de humanidade (HUMANITAS). O funcionalismo, do professor que exerce e cumpre a sua função ao aluno que aprende e é formado para exercer a sua, desvia e subverte a inevitabilidade desse estar frente a frente educativo. "Senão, para quê duplicados no mundo? Não é preciso. Para isso é que inventaram os carimbos. Eu não sou um carimbo de ninguém.", dizia Agostinho da Silva na entrevista televisiva que concedeu a Herman José no programa, Conversas vadias, da RTP1, nos anos 80.
Conclusão
Como dizia, nesta exposição foi elaborado um simples esboço daquilo que poderia ser a aplicação de uma ética das virtudes á profissão docente e ao sistema educativo na sua generalidade. Tenho consciência de que seria necessário maior aprofundamento para que o projeto fosse credível. Ainda assim constitui o meu contributo para a partilha de modos de ver e pensar a ética que configurou o programa da disciplina de Ética e deontologia da profissão docente. É minha esperança ter conseguido "descristalizar", pelo menos, alguns preconceitos que têm remetido a ética das virtudes a um silêncio pouco aceitável.




Bibliografia

Aristóteles. Ética a Nicómaco. 2004. Lisboa: Quetzal Editores.
Aristóteles. Tratado da Política. 1977. Mem Martins: Publicações Europa – América.
Caetano, Ana Paula & Silva, Maria de Lurdes. 2009. Ética profissional e formação de professores. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 08, pp. 49-60.
Cunha, P. D'Orey. Ética e educação. 1996. Lisboa: Universidade Católica Editora. Pp. 12-50
Prudêncio. Psychomachia. 1949. Londres: William Heinemann Ltd.
Steiner, G. Lessons of the masters. 2005. EUA: Harvard University Press..

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