Uma Nova Retórica para a Música Contemporânea (Dissertação de Mestrado)

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Para uma discussão específica sobre as similaridades e as diferenças entre a retórica de Aristóteles e a de Perelman, ver SILVA, 2012.
Traduzido para o português em 1996, em publicação da Editora Martins Fontes.
PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 11.
HALLO, 2004, p. 25.
Como pode ser visto no exemplar de Petrarca de De oratore, de Cícero, absolutamente repleto de anotações de estudo. Em exposição a Fundação Martin Bodmer, em Genebra (Suíça).
Na teologia luterana, o Soli Deo Gloria, era um dos cinco princípios básicos, conhecidos como Cinco Solas: Sola Gratia, Sola Fide, Solus Christus, Sola Scriptura e Soli Deo Gloria, expressão com que Bach encerra boa parte de seus manuscritos.
Para desenvolvimentos mais extensos da retórica musical barroca, ver BARTEL, 1997 e TARLING, 2004
KIRKENDALE, 1980.
Define-se dialética, aqui, dentro da concepção aristotélica do termo: "Ora, uma proposição dialética consiste em perguntar alguma coisa que é admitida por todos os homens, pela maioria deles ou pelos filósofos, isto é, ou por todos, ou pela maioria, ou pelos mais eminentes, contanto que não seja contrária à opinião geral; pois um homem assentirá provavelmente ao ponto de vista dos filósofos se este não contrariar as opiniões da maioria das pessoas.
As proposições dialéticas também incluem opiniões que são semelhantes às geralmente aceitas; e também proposições que contradizem os contrários das opiniões que se consideram geralmente aceitas, assim como todas as opiniões que estão em harmonia com as artes acreditadas." (ARISTÓTELES, 2000, p. 15)
PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 34
MOSCA, 2001, p. 22
DESCARTES, 1973.
ARISTÓTELES, 2005, p. 104.
Discurso musical, como adotado aqui, define-se bem nas palavras de John Blacking: "O discurso musical não é uma realidade objetiva: é o resultado do criador, do executante e do ouvinte (ou transmissor, agente e receptor) dando sentido aos sons" (BLACKING, 1982, p. 17)
Como é mais demoradamente defendido por WOLTERSTORFF, 1980.
PERELMAN; OLBRECTHS-TYTECA, 1996, p. 22
Ibid, p. 35
Ibid, p. 38.
PERELMAN, 1993, p.29
PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 37.
CARVALHO, 1997, pp. 16-17
KOSSOVITCH, 2013.
MOSCA, 2001, p. 21.
BERIO, 1988, p. 86.
FERRAZ, 2001, p. 6
BERIO, 1988, p. 24
BERIO, 1983, p. 19
Nessa seção a notação representa cada uma das mãos, sendo o pentagrama superior a mão esquerda, que ativa e articula as notas através do tapping e, no pentagrama inferior, a mão direita, que percute o tampo do instrumento em quatro alturas distintas.
PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p 37
SCELSI, 2006, p. 151.
PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 4
ARISTÓTELES, 2005, p. 95.
PERELMAN, 1993, p. 41
CACCINI, 1601, p. 25.
MATTHESON apud. BARTEL, 1996, p. 29.
PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 50
PERELMAN, 2004, p. 363
ROUSSEAU. Emile, apud. PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 30
DANBLON, 2004, p. 81
OLIVEIRA, 2004, p. 71.
PERELMAN, 1993, p. 32.
ARISTÓTELES, 2005, p. 160.
MOSCA, 2004, p. 132.
FALCÓN, 2011, p. 52
BOULEZ, 2003, pp. 106-107
FERRAZ, 2012, p. 119.
Cf. SCHUESSLER (1948) já conclui em seu estudo, que segue metodologias que poderiam serem consideradas hoje, como obsoletas, que o background cultural influencia mais o critério de gosto do que as próprias classes econômicas, como BORDIEU (2007) veio consolidar posteriormente.
HASTINGS, 1853, p. 169.
SIMONDON, 1989, pp 53-54.
FERRAZ, 2012, p. 124.
IMPETT apud. HALFYARD, 2007, p. 83
BERIO, 2006, p. 18
MONTALI, 2013, p. 56
AUGIER aput. CASTANET, 2007, p. 65.
ARISTÓTELES, 2005, p. 105.
MOSCA, 2001, p. 32.
KOSSOVITCH, 2013 e ARISTÓTELES, 2005, p. 275.
CÍCERO, 1913, p. 250.
CÍCERO, 2011, p. 5.
BAHKTIN, 1997, p. 279.
KALLBERG, 1988, p. 242.
Ibid, p. 244.
BAHKTIN, 1997, p. 282
KALLBERG, 1988, p. 245.
BARTEL, 1997, pp. 19-20.
LENA; PETERSON, 2008, p. 700.
BERIO, 1988, p.25
BLACKING, 1973, p. 50
KAIERO CLAVER, 2011, p. 37.
BERIO, 1988, p. 84
PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996: 73
BARTEL, 1997, pp. 77-80.
CICERO, 1913: 248
FERRAZ, 2008 e PENHA, 2010.
SARAM; STEINHEUER, 2013, p.193.
BERIO, 1981, p. 78
MENEZES, 1993, p. 87.
AUGIER apud. CASTANET, 2007, p. 76
CÍCERO, 1913, p. 248.
QUINTILIANO, 1836, p. 72
ARISTÓTELES, 2005, p. 249
BARTEL, 1997, p. 69.
lbid. p. 81.
KIRKENDALE, 1980.
BONDS, 1991, p. 142
Ibid, p. 60
ARISTÓTELES, 2005, p. 278.
Expressão cunhada pelo escritor, e grande amigo de Berio, Umberto Eco, no livro homônimo Obra Aberta. A influência da retórica na teoria narrativa do autor é mais explorada em O super-homem de massa: retórica e ideologia no romance popular. (Tradução de Pérola de Carvalho. São Paulo: Editora Perspectiva, 1991).

BONAFÉ, 2011, p. 22
DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 90
DAMASCENO, 2007, p. 174
lbid, p. 175 e SIMONDON, 2007, p. 78
FERRAZ, 2014, p. 7
PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 162
FERRAZ, 1998, p. 1
KINNEAVY, p. 66
LESTON, 2013, p. 35
FERRAZ, 1998, p. 7
BERIO, 1983, p. 19
Ibid, p. 19
CÍCERO, p. 248.
PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 189.
Todas as referências a tratados vem de BARTEL, 1996.
Ibid. p. 86.
WILLIAMS, 1979, p. 476.
PIETROFORTE, 2008, p. 57.
FERRAZ, 1997, p. 63.
CASTELLANI, 2011, p. 189.
PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 214.
PERELMAN, 1993, p. 67
Ibid. p. 68.
BONAFÉ, 2011, p. 54.
ALBÈRA apud. BERIO, 1982, p. 94.
Ibid. p. 92
BERIO, 2013, p. 298.
ALBÈRA apud BERIO, 1983, p. 92.
PELLEGRINO, 2002, p. 148.
DESSY apud. CASTANET, 2007, p. 121.
Ibid.
CASTANET, 2007, p. 116.




WILLIAM TEIXEIRA DA SILVA











UMA NOVA RETÓRICA PARA A MÚSICA CONTEMPORÂNEA


















Campinas
2014
































UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES



WILLIAM TEIXEIRA DA SILVA



UMA NOVA RETÓRICA PARA A MÚSICA CONTEMPORÂNEA





Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Música, na Área de Concentração Música: Teoria, Criação e Prática



Orientador: SILVIO FERRAZ DE MELLO FILHO


Este exemplar corresponde à versão final de Dissertação defendida pelo aluno William Teixeira da Silva, e orientado pelo Prof. Dr. Silvio Ferraz de Mello Filho




Campinas
2014















































ABSTRACT
This thesis discusses about the relationship between contemporary music and rhetoric, essential device for understanding ancient music, but that has been underrated in the analysis of more recent objects. To update the rhetoric to the current thought this study it is referenced by the Treatise on Argumentation, written by Chaim Perelman and Lucie Olbrechts-Tyteca, since it has rehabilitated studies of rhetoric in the twentieth century. From this framework it is explored the dimensions in which rhetoric integrates the current musical discourse, specifically trough the analysis of pieces written by Luciano Berio and Giacinto Scelsi.
Keywords: New Rhetoric; Chaïm Perelman; Musical Rhetoric; Luciano Berio; Giacinto Scelsi



RESUMO
Este trabalho aborda os vínculos que a música contemporânea mantém com a retórica, dispositivo essencial para a compreensão da música antiga, mas que tem sido deixado de lado na análise de objetos mais recentes. Desse modo, para que a discussão seja coerente a atual realidade, media o estudo o Tratado da Argumentação, escrito por Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, obra fundante que reabilitou os estudos da retórica no século XX por atualizá-la ao pensamento moderno. A partir desse referencial serão discutidas as dimensões em que a retórica integra o discurso musical atual, mais especificamente na análise de peças de Luciano Berio e Giacinto Scelsi.

Palavras-chaves: Nova Retórica; Chaïm Perelman; Retórica Musical; Luciano Berio; Giacinto Scelsi











SUMÁRIO


LISTA DE ILUSTRAÇÕES xv
LISTA DE TABELAS xvii
INTRODUÇÃO 19
Um breve histórico da retórica musical 23
A noção de auditório para a música contemporânea 43
A questão da adesão 60
Os gêneros do discurso musical 80
Inventio: a ascendência retórica dos procedimentos composicionais atuais 97
Dispositio: uma leitura retórica sobre a forma musical contemporânea 111
Elocutio: sobre a possibilidade de figuras retórico-musicais hoje 133

CONSIDERAÇÕES FINAIS 168
BIBLIOGRAFIA 171













DEDICATÓRIA

Em memória de Syllas Weissmann.





















AGRADECIMENTOS

Ao Deus transcendente, imanente no λόγος, Jesus Cristo.
A minha família, Suzi, Aurélio, Gustavo, Dani e Dirce, fonte inesgotável de incentivo e amor.
A Silvio Ferraz, pela imensa generosidade, além do constante estímulo e confiança.
A André Micheletti, com quem através da música tenho aprendido sobre a vida.
A Rafael de Caboclo e André Teruo, companheiros de luta.
À FAPESP pelo inestimável suporte, que proporcionou este trabalho.
Ao Programa de Pós-Graduação em Música da UNICAMP, Neusa, Letícia e Vivian, por todo o auxílio.
A Pedro Bortolin, pelo suporte nesses 2 anos.
Aos professores Denise Garcia, Stéphan Schaub e Lineide Mosca, pelas valiosas contribuições em seus comentários e ensinos.
A Rohan de Saram pela incrível experiência e receptividade.
À Paul Sacher Stiftung pelo acesso à Coleção Berio.
À Universal Editions e Editions Salabert pela permissão de uso de suas partituras.
A Ronaldo Vasconcelos, Rev. Heber Campos e toda a Igreja Presbiteriana Paulistana pelas orações e suporte ininterruptos.
A todos os colegas do Grupo de Pesquisa em Criação Musical e da comunidade acadêmica, pelas contribuições no desenvolvimento do trabalho.





















LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: J. S. Bach. A arte da fuga: contraponto 13, cc. 1-2
Figura 2: J. Brahms. Sonata para violoncelo e piano em Mi menor, op. 38: 3o movimento, cc. 5-6
Figura 3: O triângulo retórico
Figura 4: Sequenza XIV, p. 2, l. 1.
Figura 5: Sequenza XIV, P. 1, L. 1.
Figura 6: Maknongan, p. 1, l. 1.
Figura 7: Indicações de andamento da Sequenza XIV
Figura 8: Sequenza XIV, p. 3, linhas 6 e 7.
Figura 9: p. 4, l. 7.
Figura 10: J. S. Bach. Suite para violoncelo solo no. 5. Início com ritmos pontuados
Figura 11: J. S. Bach. Sute para violoncelo solo no. 5. Mudança de seção com procedimento imitativo.
Figura 12: Níveis de gênero da Allemande
Figura 13: Sequenza XIV, p. 1, linhas 1 e 2.
Figura 14: Kandyan Drum
Figura 15: A sequência de 12 tempos escolhida por Berio
Figura 16: Série inicial de Les Mots sont Allés…, com as letras/fonemas correspondentes
Figura 17: Seçáo A, principais eventos.
Figura 18: Gesto inicial da primeira versão da Sequenza
Figura 19: Nenhuma das figuras em destaque nessa última página existiam até a edição final da peça
Figura 20: Figuras empregadas no tema do violoncelo no primeiro movimento do Concerto em Do Maior de J. Haydn, cc. 22-23
Figura 21: Rascunhos dos gestos
Figura 22: Gesto A, p. 1, l. 1.
Figura 23: Desenvolvimento do Gesto A, p. 1, l. 1.
Figura 24: p. 1, l. 4.
Figura 25: Gesto B, p. 1, l. 1.
Figura 26: J. S. Bach. Suite no. 3 para violoncelo solo, Allemande, c. 1
Figura 27: Reapresentação do Gesto B, p. 1, l. 3.
Figura 28: Reapresentação do Gesto B, p. 1, l. 4.
Figura 29: Gesto C, p. 1, l. 2.
Figura 30: Gesto D, p. 2, l. 1.
Figura 31: Gesto E, p. 2, l. 1.
Figura 32: Gesto F, p. 2, l. 2.
Figura 33: Expansão do Gesto F
Figura 34: Recorrência do Gesto G, p. 2, l. 5.
Figura 35: Gesto H, p. 2, l. 2.
Figura 36: Gesto I, p. 2, l. 5.
Figura 37: Gesto J, p. 3, l. 2
Figura 38: Gesto G; Gesto F; Gesto G com a dimensão morfológico em alta tensão; Gesto I combinado com o Gesto E.
Figura 39: Primeira apresentação dos gestos, p. 4
Figura 40: Reapresentação aliterada dos gestos na "peroração", p. 6.
Figura 41: Gesto final, p. 5, l. 6.
Figura 42: Gestos de encerramento, p. 6, l. 6.
Figura 43: Gestos de encerramento de Les Mots sont Allés…, p. 2, l. 10.
Figura 44: Gesto de Appoggiatura, p. 1, l. 1.
Figura 45: Gesto de Trilo, p. 1, l. 1.
Figura 46: Gesto de Vibrato Largo, p. 1, l. 1.
Figura 47: Gesto de Glissando, p. 2, l. 3.
Figura 48: Gesto do "Clímax", salto de oitava, p. 1, l.8.


LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Esquema formal da Sequenza XIV
Tabela 2: Esquema formal de Maknongan
Tabela 3: Adaptação do esquema analítico proposto por HANSEN (2010) com as quatro dimensões proposta por Berio.
Tabela 4: Análise do Gesto A
Tabela 5: Análise do Gesto B
Tabela 6: Análise do Gesto C
Tabela 7: Análise do Gesto D
Tabela 8: Análise do Gesto E
Tabela 9: Análise do Gesto F
Tabela 10: Análise do Gesto G
Tabela 11: Análise do Gesto H
Tabela 12: Análise do Gesto I
Tabela 13: Análise do Gesto J


































INTRODUÇÃO


Se enquanto Aristóteles escrevia seu manual sobre a arte retórica ele soubesse o quão fundamental sua obra seria para o desenvolvimento da música ocidental, talvez ele tivesse dedicado algumas páginas especificamente a esse fim, auxiliando o esforço que posteriormente muitos fizeram em compreender a dimensão e as possibilidades retóricas da música. Foi através da arte do discurso, a música instrumental obteve a emancipação da linguagem verbal e passou a ser uma linguagem autônoma, com sua própria semântica e estrutura.
Este trabalho irá discutir em que âmbitos a retórica pode ser compreendida na música contemporânea, tanto por ascendência histórica, quanto por uma ontologia da linguagem. Para isso, serão atualizados seus pressupostos filosóficos a partir de estudos atuais na área, sobretudo a Nova Retórica, de Chaïm Perelman.
Professor da Université Libre de Bruxelles, Chaïm Perelman foi a figura que trouxe para o século XX uma visão relevante acerca da retórica, advinda de demanda no estudo da Ética e da Filosofia Moral. Nascido em 1912 na Polônia, mas radicado na Bélgica, Perelman elaborou sua concepção de racionalidade baseada em uma reinterpretação da retórica aristotélica, que não foi apenas revivida, mas excedida amplamente, objetivando no restabelecimento dessa arte conseqüências metodológicas e filosóficas. Em parceria com Lucie Olbrechts-Tyteca, escreveu o Tratado da Argumentação: a Nova Retórica, em 1958.
Ao se opor ao relativismo absoluto de valores, Perelman pretendia lutar contra as limitações e desvios de abordagens pragmáticas e positivistas, apresentando a diferença entre o racional e o razoável, acreditando que julgamentos que não se baseassem em categorias da lógica formal poderiam ainda assim ser razoáveis e não irracionais. Essa visão possibilitou um pluralismo que se relacionava de modo muito melhor ao contexto social em que esse pensamento foi concebido, notadamente a ocasião da Guerra Fria, partindo do diálogo para a sustentação das ideias e criando uma metodologia capaz de ser aplicada em outros âmbitos, o que foi desejado pelo autor e é realizado neste trabalho dentro da perspectiva musical.
No capítulo 1 serão abordados os caminhos que a retórica e a música trilharam através da história, ao mesmo tempo apresentando seu desenvolvimento e as tensões ocorridas na interface. A partir da apresentação da crise em que a retórica se encontrava em meados do século XX será possível se compreender a necessidade da Nova Retórica, bem como de seu estudo dentro da discursividade musical.
No capítulo 2 será apresentado o principal ponto de atualização da Nova Retórica, o Auditório. A entidade receptora do discurso teve seu papel revisto a ponto de se reconhecer seu papel ativo na produção de sentido do discurso. Serão explorados os modos pelos quais o conhecimento do Auditório tem interferido na produção musical contemporânea.
Em seguida, no capítulo 3, uma questão fundamental será abordada: qual seria a adesão objetivada pelo discurso musical? Essa questão, que parece banal para discurso verbal, se torna complexa dentro da linguagem musical e ainda mais quando vista sob o ponto de vista da acepção contemporânea. Serão discutidos os mecanismos que a pesquisa atual tem identificado como os pontos de contato entre o discurso e o público.
No capítulo 4 será aborda um aspecto fundamental para a retórica que são os gêneros do discurso. O gênero musical tem seus critérios praticamente dissolvidos no contexto contemporâneo, mas serão discutidas as maneiras pelas quais essa estrutura do discurso permanece presente, ainda que redefinida.
A partir do capítulo 5 são abordados os âmbitos estruturais do discurso. O primeiro, a Inventio, terá suas implicações pesquisadas nos procedimentos composicionais vigentes, assim como no capítulo 6 a dispositio, que na retórica clássica cuidava da apresentação e formatação dos dados, terá de ser repensada dentro da filosofia contemporânea onde nem mesmo o conceito de forma é facilmente aceito.
Por fim, no capítulo 7, o mais famoso dispositivo da retórica, a figura, terá seu espaço de revisão. A partir de seu papel na retórica clássica, Perelman redefiniu sua importância para uma argumentação de acordo com as demandas do pensamento atual. Para a música não será diferente, por isso será conduzida a análise dos objetos musicais aqui estudados para que esses conceitos sejam verificados.
De posse desse arcabouço, este trabalho passa a estar habilitado para investigar as relações entre a retórica e a música contemporânea de maneira epistemologicamente coerente, primeiramente explorando os fundamentos conceituais que embasam essa possibilidade e, em seguida, identificando as ascendências retóricas do trabalho composicional em todas suas etapas, concluindo com a verificação da discussão na análise de obras chave do repertório contemporâneo. As peças escolhidas para esse fim são a Sequenza XIV e Les Mots Sont Allès..., do compositor italiano Luciano Berio e, representando uma estética distinta, Maknongan, do também italiano Giacinto Scelsi. A apresentação do contexto histórico e estrutural dessas peças será desenvolvida progressivamente no trabalho, já que cada um desses elementos possui fundamental valor retórico.











CAPÍTULO 1
Um Breve Histórico da Retórica Musical

A palavra retórica encontra sua origem no vocábulo grego ρητος, que se refere ao proferir, ao expressar. A ρητορική define-se, assim, como a arte do discurso. Apesar de ter atingido sua sistematização mais clara e sólida na Retórica, de Aristóteles, escrita em meados do século IV a. C., é praticamente impossível traçar um nascimento para sua prática. Estudiosos apontam indícios do estudo organizado do discurso ainda na Mesopotâmia, mas seguindo as proposições de Oswald Ducrot sobre a argumentação na língua, parece ser mais razoável assumir a inerência da dimensão retórica nas comunicações humanas.
Tendo sido escrita como manual para a escola peripatética, a existência do tratado é uma das evidências do estudo regular da disciplina na Grécia Antiga, que foi mantido e atualizado no Império Romano, sobretudo através dos trabalhos de Cícero, no século I a. C. Fazendo parte dos estudos clássicos, a retórica era amplamente difundida entre os cidadãos romanos de todas as classes livres, sobrevivendo em vigor até a era cristã, tendo sido mais uma vez atualizada no século I d. C., dessa vez por Quintiliano, em seu livro Institutio Oratoria.
Talvez o maior professor de retórica da Idade Média, Agostinho, seja pouco lembrado por sua profissão exercida em boa parte da vida, mas, no século IV d. C., é prova da vitalidade que essa arte ainda tinha no Império Romano. Sua filosofia é toda baseada e construída sobre esse arcabouço, que foi registrado em De magistro e De doctrina christiana. O mesmo Agostinho que escrevera De musica, via nas duas artes possibilidades de uma expressão do discurso de modo a tocar o ouvinte para a Verdade divina. Ainda na Idade Média, Boécio trabalha ambas as artes em De institutione musica e De diferentiis topicis expandindo as discussões através do entendimento da música como musica speculativa, acepção teórica que objetivava o estudo das razões matemáticas dos sons e sua combinação, e sua contribuição para o viés prático da música.
A Idade Média manteve muito do sistema pedagógico clássico, sobretudo o ensino e a organização das artes liberais, que conduziriam, em última instância, ao estudo da Teologia. Como pode ser visto em De magistro, escrito por Tomás de Aquino no século XIII d. C., as artes liberais mantiveram sua forma razoavelmente inalterada, no que tange a divisão em dois grupos de estudo, o quadrivium e o trivium. O quadrivium reunia as disciplinas mais nobres, pois se relacionavam ao conhecimento de Deus e sua ação na Criação, a saber, a Astronomia, a Aritmética, a Geometria e a Música. Pode parecer estranha a inclusão da música nessa categoria, mas tratava-se aqui de sua acepção especulativa, oriunda da tradição pitagórica aonde ela seria uma projeção da harmonia do próprio universo. O trivium reunia disciplinas menos importantes, pois se dedicavam apenas às relações do homem com outros homens, através da prática da Gramática, Lógica e Retórica.
O pensamento humanista, que teve entre seus pioneiros um profundo estudioso da retórica, o poeta Petrarca, promoveu grandes mudanças no mundo, a música com uma nova poética, na Renascença e a educação com uma inversão de valores no estudo das artes liberais. Já que o homem passava assumir a preeminência em sua própria cosmovisão, o que importava mais era seu conhecimento a partir de si mesmo, não mais como um ser passivo a espera da revelação divina. Sendo assim, o trivium ascendeu a um prestígio que nunca tivera, o que provocou o aprofundamento no pensamento retórico, sobretudo a partir da Institutio Oratoria ,de Quintiliano.
A música, antes tida como um objeto oferecido por Deus para os homens, não mais poderia satisfazer a esse novo homem e, portanto, seu estudo focado apenas em propriedades matemáticas também não bastaria a esse momento. O mais interessante é que, nessa mudança de direção, a música permaneceu sendo estudada dentro do, agora menos importante, quadrivium, entretanto, ela também passou a ser praticada dentro da outra disciplina: a retórica. Nesse contato, ela passava a apreender a comunicabilidade da retórica, o que provocou, pouco a pouco, mudanças extremas na maneira de se fazer e pensar a música.
O ápice desse desvencilhamento de paradigmas antigos foi, sem dúvida, a seconda pratica, na música italiana. Cláudio Monteverdi, Vincenzo Galilei, entre outros, se dedicaram a desenvolver uma música que tivesse como objetivo central o serviço aos intentos expressivos, na maior parte das vezes por meio de um acurado estudo do texto verbal e das possibilidades musicais para reforçar os significados desse texto. Da retórica musical que desejava ampliar a persuasividade do texto cantado, para uma aplicação dessa música em um contexto instrumental, bastou que Antonio Vivaldi levasse adiante o fazer retórico da música em sua prolífica e inovadora produção instrumental.
Paralelamente, no início no século XVI, a Alemanha respondia aos novos paradigmas humanistas com um tipo de ruptura muito maior e mais impactante: a Reforma Protestante. Tendo como seu principal proponente o monge agostiniano Martinho Lutero, o movimento reformador levou a cabo todas as reestruturações que identificavam estar mais de acordo com a Bíblia, lida a partir de agora em seus originais gregos e hebraicos, contando com novas ferramentas textuais de interpretação. Dentre tantas alterações na sociedade. que o Sacro Império Romano-Germânico assistiu, a que causou maiores reflexos, naquele período e posteriormente, foi o sistema educacional promulgado por Lutero, onde todo cidadão teria de ser alfabetizado para poder ler e interpretar as Escrituras para si. O braço direito de Lutero, Philipp Melachthon, além de ter redigido os tratados teológicos mais densos do período, foi o encarregado de produzir o manual de retórica que seria utilizado na Lateinschulle, pois era especialista na disciplina. Desse contexto de mudanças filosóficas (no mundo), musicais (na Itália) e teológicas (na Alemanha), bastou a combinação desses elementos para que se resultasse um nome: Johann Sebastian Bach.
Um estudioso da música italiana, principalmente de Vivaldi, e um protestante fervoroso, leitor ávido de Martinho Lutero, Bach quis levar sua música a um novo patamar, onde cada nota serviria para glorificar a Deus. Tendo sido educado e trabalhado nessa nova Alemanha protestante, Bach tinha os recursos retóricos ao seu dispor para expressar seus intentos teológicos na música. Sua obra prima nesse sentido foi a Paixão de Cristo Segundo São Mateus, gigantesca cantata repleta de figuras retórico-musicais e de modulações de afeto que obedecem a uma grande estrutura homilética, onde o texto bíblico, na tradução de Lutero, é alternado com comentário do coro, que representam a interpretação dos fatos pela assembléia. Atendendo aos principio vigentes da Figurenlehre e da Affektenlehre, Bach constrói seu discurso passando minuciosamente por todas as etapas do trabalho retórico.
A retórica é composta por cinco partes: inventio, dispositio, elocutio, memoratio e pronunciatio. A inventio se ocupa da concepção das ideias e do modo como suas premissas serão geradas, através dos entimemas, que são seu próprio corpo constitutivo, sendo, em essência, um silogismo retórico. A dispositio trata da escolha dos dados e de sua adequação a determinado fim argumentativo. A elecutio abarca todas as técnicas de apresentação dos dados e a própria forma do discurso. Aqui também está contido o estudo a respeito das figuras retóricas. Por fim, tem-se a memoratio, que se refere à memorização do discurso e a pronunciatio, que trabalha toda questão expressiva do discurso, tudo o que se refere à emissão daquilo que fora trabalhado nas etapas anteriores, desde questões propriamente oratórias, até mesmo questões gestuais que proporcionariam maior influência do auditório.
J. S. Bach faz uso da plenitude da retórica, desenvolvendo seu procedimento composicional a partir dela. A busca por um controle maior da retórica musical o leva a fazer algo além, escrevendo uma peça que cumpre exatamente todas as prescrições estruturas da Instutitio Oratoria, de Quintiliano, sua Oferenda Musical,
Por mais que Bach tenha sido um apogeu da aplicação da retórica, ela era prática comum entre os músicos do século XVIII. Até Mozart e Beethoven, o pensamento retórico continua relevante, não mais dependente de sistemas de significados emocionais e figurativos, mas através dos conceitos de comunicabilidade que as estruturas poderiam possuir.
Entretanto, a filosofia do final do século XVII abrigou o que pode ser pontuado como um dos primeiros ataques mais veementes à retórica, no caso, aqueles perpetrados pelo filósofo francês René Descartes (1596-1650). Apesar de ter desenvolvido seu trabalho nessa época, sua obra só encontrou aplicabilidade mais plena através das reformas no pensamento e, sobretudo para a música, na educação, através dos adeptos do Romantismo.
Para Descartes, a retórica, enquanto ferramenta de síntese das provas dialéticas e, portanto, apenas verossímeis, não continha valor algum, senão um possível pendor estilístico. Sendo a evidência, a prova analítica, a marca da razão, somente dispositivos que operam em silogismos fechados são passíveis de uso. A música, possuindo apenas propriedades estruturais e semânticas que a retórica lhe proporcionou, jamais seria capaz de atender essa demanda operacional dentro de uma linguagem essencialmente apodítica. Desse modo, a mudança de paradigma da "arte" para a "ciência" impediu que a retórica possuísse lugar nesse sistema, como fica claro na afirmação a seguir:

"Todas as vezes que dois homens formulam sobre a mesma coisa um juízo contrário, é certo que um dos dois se engana. Há mais, nenhum deles possui a verdade; pois se um tivesse dela uma visão clara e nítida poderia expô-la a seu adversário, de tal modo que ela acabaria por forçar sua convicção" (DESCARTES apud. PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 2)

É redundante dizer que todo o trabalho de desenvolvimento do material musical através de procedimentos oriundos da retórica tornou-se invalidado nesse panorama, pois, o que pode ser argumentado, ou em música, variado e resultar no objetivo aqui definido? Essa propriedade coerciva que a lógica continha na acepção cartesiana, de fato, tornava inútil qualquer discurso que visasse à argumentação. A nova contingência levou a música a dois rumos opostos e, ambos, distantes da concepção original de retórica. Partindo da contribuição do próprio Descartes para a compreensão sobre as paixões e sua força sobre os espíritos foram feitas tentativas de conciliação dentro do paradoxo criado.
O primeiro rumo foi atribuir significados e estados emocionais que deveriam ser compreendidos na escuta da música e justificariam a relevância da música enquanto linguagem, mesmo que sem logos, mas com capacidade única de manipulação e classificação do pathos. A segunda maneira de superar o problema imposto foi, indo em rumo oposto, a aceitação da total incapacidade da música em ter um discurso adequado a esse nível de racionalidade. Sendo assim, bastaria a ela lidar com seus próprios recursos, por fim, integralmente estéticos.
Perelman e Olbrechts-Tyteca avaliam de maneira bastante trágica os caminhos da racionalidade humana que aqui começaram a varrer para compartimentos distantes o saber que não se enquadrava na nova doutrina e que culminaram na lógica formal, a autodeclarada onipotência da ciência:

"Deveríamos, então, tirar dessa evolução da lógica e dos incontestáveis progressos por ela realizados a conclusão de que a razão é totalmente incompetente nos campos que escapam ao cálculo e de que, onde nem a experiência, nem a dedução lógica pode fornecer-nos a solução de um problema, só nos resta abandonarmo-nos às forças irracionais, aos nossos instintos, à sugestão ou à violência?" (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 3)

Junto a esse pensamento cientificista veio a contribuir o filósofo Georg Friedrich Hegel, sobretudo na Enciclopédia das Ciências Filosóficas. Sua contribuição age em duas frentes, tanto no âmbito lógico, com sua redefinição do pensamento dialético, ao qual ele conferiu uma nova ordem dos termos, privilegiando a lógica indutiva. Esse foi mais um ponto negativo atribuído ao pensamento aristotélico e, com isso, à retórica. Além disso, Hegel produziu na própria área da estética, constantemente utilizando a música como objeto de análise e conferindo maior valor a ela devido a seu nível de abstração frente às outras artes, fazendo parecer possível a busca por uma expressão universal, desde que a linguagem operasse dentro de si mesma.
Com o descrédito no qual a retórica se encontrava em meados do século, seu ensino foi cada vez mais reduzido, lentamente desaparecendo como disciplina elementar até o século XX, como fica evidente no raro excerto de seu estudo:

"Com efeito, o assunto [a retórica] talvez esteja apenas alguns graus acima da Lógica na estima popular; sendo uma em geral considerada pelo vulgo a arte de desnortear os cientistas com sutilezas frívolas; a outra, a de enganar a multidão com mentiras especiosas". (WHATELY, 1861: v-vi)

Esse foi o golpe mais duro que a retórica sofrera desde sua primeira sistematização, pois com a eliminação do estudo da disciplina, sua própria definição sofreu grandes distorções, afetando a concepção que todos, especialmente os músicos, tinham de suas possibilidades e importância. Grande parte dos problemas e conflitos que decorreram desses eventos foram ocasionados devido à rígida divisão de disciplinas que alienou da formação do homem aspectos fundamentais da estruturação lógica do pensamento e que se desdobraram no modo como a música passou a ser produzida. Isso, enfim, abriu o espaço deixado pela retórica para os novos ideais românticos de expressão artística.

"Vitor Hugo, literato romântico, rejeita a retórica opondo-lhe o paradigma de um ideal de sinceridade, que consistiria no uso espontâneo da linguagem. O Positivismo, por seu turno, exclui de seu ideal de construção de uma ciência da linguagem todo um conjunto de elementos valorativos e emotivos, até então consagrados na tradição das técnicas retóricas." (MAZZALI, 2008, p. 10)

Dentro desse conflituoso panorama construído em torno da retórica, os mecanismos que constituiriam a linguagem musical não poderiam permanecer inalterados. Da mesma maneira que o Idealismo e o Positivismo, cada um a seu modo, tentaram oferecer soluções para as problemáticas levantadas por pensadores Iluministas, a música reagiu a essas mudanças com alterações bastante radicais em todos os seus elementos.
Mesmo com cada região da Europa possuindo sua nuance quanto ao grau e acepção de retoricidade na música, a Alemanha que vira acontecer grandes avanços na retórica musical, de Mattheson a Walther (primo de J. S. Bach), também abrigou discussões muito ricas, como as que envolveram os ideais de Richard Wagner e de Eduard Hanslick, que, por vezes, pode ser lido como um porta-voz da estética pretendida por Johannes Brahms.
No concernente à retórica, ela ainda estava presente nas peças de ambos, todavia, proporcionando o desafio ao público de hoje em entender de que tipo de retórica cada um está falando.
Nessa carta comentando a tradução de Tannhäuser para uma apresentação na França, Wagner concede à retórica uma importância aparentemente enorme.

"Considero lamentável o estado da arte francesa neste momento; essa poesia [Tannhäuser] é algo totalmente estranho a essa nação, e, no seu lugar, ficam apenas a retórica e as frases sonoras. Com a língua francesa completamente centrada em si mesma e sua resultante incapacibilidade de assumir o controle do elemento poético que falta às outras línguas, o único método restante é deixar a poesia influenciar o francês através da música. (...) Gluck só ensinou aos franceses como levar música à harmonia com o estilo retórico da tragédia francesa. Não estamos preocupados com a poesia de verdade no caso dele de forma alguma. Essa é a razão pela qual, desde então, os italianos se ocuparam desse campo quase exclusivamente, já que a questão sempre foi o método retórico de expressão em vez da música em si, muito menos da poesia (...)"(WAGNER apud. KOBBE, 1905, p. 211-212)

Atendendo aos caminhos idealistas para uma linguagem musical, Wagner se valeu de sua visão da retórica para construir um léxico próprio de figuras, posteriormente chamadas de leitmotiven, que possibilitariam ao mesmo tempo a total abstração e a própria ressignificação da relação palavra/música, culminando com a construção de uma linguagem suprema e universal. Esse tipo de discurso demanda o que Perelman chamará de "auditório universal", um tipo de auditório homogêneo, o que no caso da música corresponderia a um tipo de ouvinte homogêneo, que estaria submisso à força coerciva do argumento acima exposto, mas que, em última instância, habita unicamente o mundo da suposição.
Dentro do âmbito real do discurso, é necessária a constante negociação por conexões de significação para que se estabeleça alguma relação argumentativa. "ao auditório que cabe o papel principal para determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores" (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 27), ou seja, é em função do auditório que se desenvolve o discurso.
Por outro lado, se opôs diametralmente a Wagner e seus ideais estéticos o crítico musical Eduard Hanslick. A contribuição de Hanslick, entre outras, para o desaparecimento da Doutrina dos Afetos foi precisa e ainda permanece relevante em alguns aspectos. Sua busca era incessante por uma linguagem musical desprovida de qualquer vínculo de representatividade ou de funcionalidade. No trecho a seguir, Hanslick fala da ineficácia da relação retórica entre palavra e música em Bach.

"De outros numerosos exemplos em J. S. Bach lembremos apenas todas as peças em forma de madrigal no Oratório de Natal, que, como se sabe, são retiradas sem maldade de diversas canções profanas de ocasião" (HANSLICK, 1989, p. 49)

Aqui, o crítico oferece um belo exemplo da diferença entre prosódia e retórica, mas não a falha da última. Ao se limitar ao mero alinhamento entre a linha melódica e o texto verbal, Hanslick parece não levar em conta o lugar-comum escolhido por Bach na etapa da inventio de sua composição, exatamente como costumava ser prescrito pelo reformador Martinho Lutero, de modo a facilitar e aproximar o entendimento da congregação. Reduzir a retórica musical apenas a relação de significâncias foi uma asserção bastante leviana à totalidade de sua presença na música
Cometendo outro equivoco trivial aos olhos do Aristóteles da Retórica, Hanslick desvencilha, em seu livro, os três âmbitos primordiais, ethos, pathos e logos, que sustentam a relação tripartida orador x discurso x auditório. Apesar da música dever a Descartes boa parte de sua concepção moderna de Afeto, toda a possibilidade de um discurso equilibrado nos âmbitos ético, patético e lógico, ruiu diante das proposições do filósofo a respeito da retórica.
Ao identificar a leitura fragmentada da retórica musical que circulava em diversas variações pelas mentes de críticos e músicos, se torna mais claro a passagem que era feita, no estudo do repertório antigo, de uma utilização retórica para um tão-somente procedimento composicional. É o que acontece no exemplo a seguir: Bach efetua um processo de variação oriundo da argumentação, onde os contrapontos XII e XIII, da Arte da Fuga, funcionam como peroratio, verticalizando processos contrapontísticos (confirmatio) já efetuados em relação ao sujeito (propositio). De todo esse contexto ricamente retórico, Brahms retirou apenas o desenvolvimento temático apresentando o tema com um contraponto similar na parte do piano.

Fig. 1: J. S. Bach. A arte da fuga: contraponto 13, cc.1-2






Fig. 2: J. Brahms. Sonata para violoncelo e piano em Mi menor, op. 38: 3º movimento, cc. 5-6

Reconhece-se, entretanto, a legitimidade da crítica de Hanslick aos excessos quase dogmáticos cometidos por praticantes da retórica musical. Por mais correta que tenha sido a associação entre Afeto e propositio, já que não se nega os frutos musicais desse tipo de pensamento, a prática desse conceito pouco pôde ser aproveitada fora de certos níveis de compreensão circunscritos a determinados grupos sociais. Isso não diminui de forma alguma o valor da ideia, muito menos o da música, mas o fato é que não era essa a intenção dos tratadistas que visavam a elaboração de uma linguagem mais próxima do universal, como posteriormente tentou também Wagner. Sem dúvida, foi aqui que um equívoco de compreensão da retórica clássica contribui para o enfraquecimento desse pensamento. Não considerando a entidade retórica do Auditório, sobrecarregou-se com um nível demasiado grande de representações a linguagem musical, não estando o público apto a compreender a totalidade pretendida, já que a própria formação do indivíduo estava sendo modificada, além, é claro, da evidente e crescente heterogeneidade dentre os inúmeros tipos de pensamento, mesmo se nos limitarmos a aristocracias européias.
A grande contribuição da Nova Retórica, que é a ênfase na entidade receptora do discurso, o Auditório, é um elemento mais discreto na retórica clássica, mas ainda sim existente. A omissão desse fator nas críticas, como as direcionadas a J. S. Bach e a Richard Wagner, reduz a música a impossível para qualquer criação humana, ainda mais musical.
Embora não se discuta que uma tribo indígena dificilmente irá compreender o crucifixo bachiano ou o leitmotif de Parsifal, seria ilegítimo retirar essa carga semântica da leitura de obras do tipo, pois elas trazem em si condições de serem entendidas, mesmo que por um público muito específico. Não é porque hoje cada uma dessas peças carece de vínculo de significância com o público, que se torna válido ignorar essa propriedade que, seja por alunos do Colégio de São Tomás, em Leipzig, ou pelos espectadores do Auditório do Festival, em Bayreuth, um dia já pôde ser de fato assimilada.
Por mais efetivo que determinado trabalho seja, é impossível garantir a integralidade da obtenção do resultado pretendido por seu autor. Porém, a não obtenção dessa integralidade não corresponde a uma ineficácia da obra da arte, do ensino, enfim, de um discurso. Isso deve nos levar, sim, a uma outra visão da objetividade, que é própria da retórica e se refere não à expectativa do que será necessariamente, mas do que será possivelmente alterado no auditório.
Em meio a essa controvérsia, a perda da referencialidade levou muitos que não queriam lidar com uma música autônoma a recorrerem a recursos externos para garantir a continuidade de sua música, como foi o caso da música programática, que do extra-musical derivava a disposição de todo o material. Houve ainda aqueles que recorram à "neo-classicismos", para que essas estruturas lhe concedessem soluções de continuidade, mas essas incursões tendiam a cair no mero formalismo, pois essas estruturas não traziam consigo a integralidade semântica que outrora possuíram. Contudo, aqueles que seguiam com a intenção de construir uma música puramente instrumental dificilmente conseguiriam se desligar de toda essa tradição que por tanto tempo operou a relação entre retórica e música.
Compositores como John Cage, firmaram estratégias que visavam agregar significados exteriores à obra musical para que ela tivesse valor, como é o famoso caso de 4'33". O ambiente da performance, ou ainda as circunstâncias ou figurinos estavam à frente do próprio som e sua organização em música.
Por outro lado houve aqueles que desenvolveram sistemas com uma lógica interna, de modo a proporcionar continuidade sem que se necessitasse grau algum de objetividade do discurso. Do dodecafonismo ao serialismo, muitos compositores bastaram sua escrita a procedimentos previamente escolhidos que processariam o material musical sem "interferência" de um produtor. A atribuição de significados caberia unicamente à audiência, pois a obra em si seria aberta às individualidades dos que lhe experenciariam esteticamente, no sentido adorniano do conceito:

"Na pré-história do impressionismo, em Manet, a ponta polêmica da espiritualização não era menos aguda do que em Baudelaire. Quanto mais as obras de arte se afastam da puerilidade do simples gozo, tanto mais prevalece o que elas são em si mesmas, o que apresentam ao contemplador, mesmo ideal; tanto mais indiferentes se tornam os reflexos deste. A teoria kantiana do sublime antecipa no belo natural aquela espiritualização que só a arte realiza " (ADORNO, 2012, p. 111)

Os procedimentos composicionais caminharam junto aos procedimentos interpretativos, denominados pelo compositor Luciano Berio como "Positivismo Analítico", onde uma teoria está a frente do próprio objeto musical e sua escuta. Esses Positivismos são o reflexo em música de um fenômeno muito maior, que colapsou não só a Estética, mas o próprio estudo e prática da Ética.
Foi nesse contexto que a Nova Retórica sedimentou-se como uma teoria do processo de argumentação, cujos limites permanecem inexistentes, onde cada frase tem uma conclusão clara e objetiva dando, todavia, oportunidade para a reflexão a seu respeito pelos participantes. A argumentação contém vários estágios e, assim, perpassa por considerações tanto práticas quanto intelectuais, exaltando o viés reflexivo, meditativo e até hesitante do pensamento.
A partir do restabelecimento de aspectos produtivos em sistemas já rejeitados pelo racionalismo, a Nova Retórica tenciona beber dessas inúmeras fontes e revitalizá-las em um novo conjunto de projetos. Advindo do pensamento retórico clássico, embora de modo renascido, é possível nomear três elementos enfatizados e aprofundados pelo estudo de Perelman, que caracterizam essa teoria da argumentação: a relação entre o razoável e o racional, o problema da audiência e o problema do diálogo.
Quanto a primeira questão, nota-se que a noção cartesiana de que em caso de haver duas opiniões opostas, pelo menos uma estaria errada sendo, portanto, irracional, não condiz com a realidade dos fatos. Sob um ponto de vista retórico, ambas as partes podem ser válidas e razoáveis, sendo alguma apenas preferível, possibilitando um pensamento pertinente à tolerância.
A questão da audiência, definida como "o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação", é fundamental dentro da metodologia da Nova Retórica já que é ela que possibilitará o reconhecimento do destinatário do discurso, de modo a adaptá-lo eficazmente. Entretanto, a retórica não é a arte de usar meios imorais para fins imorais, mas intenta estabelecer o diálogo em algum nível que o aceite só seja recebido por um argumento quando não houver objeções por parte dessa audiência, após o fluxo de argumentação mantido.
Por último, o diálogo e o aspecto dialético da retórica figuram lateralmente, sendo o primeiro imprescindível à sua revitalização, por ser a alma do processo da argumentação. Para que o diálogo seja realmente efetuado, é necessário que haja interesse de todas as partes envolvidas em trocar e modificar suas ideias, e que haja um ambiente de liberdade para o questionamento mútuo. Acrescenta-se a isso a já abordada raiz dialética da retórica, que é aqui tratada como um componente fundamental.
Para Perelman, a construção de uma teoria da argumentação adviria necessariamente da lógica aristotélica, concebida já para funcionar como uma teoria geral do discurso, utilizando-se dos raciocínios retórico e dialético. Como essa teoria teria de lidar com um imenso grau de dispersão da informação, outro conceito aristotélico teve de ser trabalhado: o auditório. Através dessa abordagem, passa a ser possível a construção de discursos dirigidos a um auditório específico, o que se faz necessário, pois cada auditório pode ser orientado por valores próprios e ser movido por determinadas paixões.
Ao expandir o conceito de auditório, foi possível agregar o pensamento dialético, já que foi considerado que o diálogo nada mais é do que a argumentação diante de um auditório de uma só pessoa, onde deve haver espaço para a refutação. Essa expansão denota também uma nova noção de respeito a esse auditório ao se valorizar o metaconhecimento prévio, sua experiência. A música, enquanto processo discursivo, também compartilha das mesmas condições e, portanto, deve ter sua dimensão de comunhão com o Auditório reavaliada.
















CAPÍTULO 2
A noção de auditório para a música contemporânea
A questão da recepção dentro do estudo musicológico tem sido estudada pelos mais distintos vieses. Da cognição à sociologia, cada interface efetuada tem trazido importantes contribuições para a compreensão dos fenômenos acarretados pela escuta da música quando executada. Apesar de trazer já em seu escopo inicial o conhecimento do público para o qual determinado discurso é proferido, da retórica pouco se é lembrada essa propriedade que sempre lhe foi essencial. Mesmo seus aspectos mais recordados dentro da aplicação em música, como a forma e as figurações, foram concebidos a partir da proposta de aproximação entre orador e audiência.
O auditório, enquanto construção do orador é, desde Aristóteles o primeiro fator a ser pensado ao se produzir um discurso. Naquele contexto, os gêneros deliberativos, judiciário ou epidítico eram selecionados a partir das intenções identificadas no auditório, fossem elas deliberar, julgar, ou apenas o prazer frente ao proferir. Na Renascença, a própria entrada da música dentro do trivium, através da retórica, foi acarretada por contingências sociais e tal evento modificou a linguagem musical drasticamente, sobretudo na Seconda Pratica e na tratadização alemã.
Desde então, mudanças sociais interagiram com mudanças na música, chegando à realidade que vivemos hoje, onde o estudo da retórica é bastante reduzido e sua importância foi praticamente esquecida fora dos círculos da musicologia histórica. Entretanto, a música ainda hoje demanda uma compreensão, seja em que nível for, das interações entre compositor/intérprete, discurso musical e ouvinte.
Tal interação toma como premissa o contato dos espíritos, ou seja, a relação mediata entre um individuo e outrem. No caso da música, principalmente em sua acepção ocidental contemporânea, o contato apresenta uma característica muito interessante que a divisão do próprio papel do orador em duas unidades, o compositor e o intérprete. Quando essa divisão de fato existe, há um momento anterior a performance onde o texto musical já é interpretado e tem seus valores retóricos postos à prova. Entretanto, não discutiremos aqui em que grau os mecanismos de interpretação do performer e do público diferem, mas tomaremos por definição de contato a enunciação plena (sonora) do discurso, entendendo o texto grafado como meio e não fim. Se o texto grafado extrapola esse papel, de fato, o que ocorreria, seria uma realocação dos papéis do fluxo discursivo, o que em nada alteraria a validade da teoria.
O contato dos espíritos é um evento complexo, pois em si já traz o tipo de comunhão que reúne os membros do discurso, o que pode se dar de modo mais ou menos livre, denotando assim a plenitude com que a participação do produtor e do receptor poderá ocorrer. Além disso, o contato pressupõe a disposição do interlocutor em, eventualmente, aderir à tese do proponente que lhe dirige o discurso, o que não é pouco, pois é uma condição que demanda um ethos de controle extra-textual praticamente impraticável. Sendo assim, tratamos aqui de um auditório que voluntariamente se apresenta para apreciar o discurso musical a ser interpretado e cuja postura de recepção se faz ativa desde o início da ação discursiva, afastando-se da mera "experiência estética" para um contato mais abrangente, que poderia ser denominado como "experiência artística".
A legitimação do discurso cientifico próprio do século XX, acabou por provocar a desligitimação dos demais discursos e seu arcabouço teórico, porém, já em meados desse século, começaram a serem evidenciados os primeiros indícios da superação do positivismo puro e simples, o que resultou em algumas lacunas por serem preenchidas, entre elas, a questão do auditório, antes totalmente coagido pelo fato cientifico, relação exemplificada pelo, hoje, popular ditado "contra fatos, não há argumentos".
Ao se deparar com tal questão, Chaïm Perelman retoma como próprio a qualquer discurso as contingências que o levam a existir. As relações resultantes de seu estudo foram bastante precisas, identificando a ação retórica utilizada na (1) deliberação com outros, (2) a dialética no diálogo com apenas um outro e a (3) lógica, ferramenta de estruturação do pensamento do homem consigo mesmo.
Assumindo que "a argumentação efetiva tem de conceber o auditório presumido tão próximo quanto o possível da realidade", o Tratado classifica a entidade receptora de acordo com a quantidade de interlocutores do discurso, resultando em três categorias: a argumentação consigo mesmo, a argumentação perante um único ouvinte e o auditório universal, essa última, sem dúvida, a mais polêmica e mais fértil concepção da qual podem derivar inúmeras visões, no presente caso, considerando a aplicação do conceito na realidade do objeto musical.
O auditório universal se estrutura a partir do fato de que um discurso dirigido a um auditório particular tende a se adaptar de maneira efetiva apenas a esse estrato receptor, resultando em uma provável ineficácia diante dos demais. Desse modo, tomando-se primeiramente o discurso filosófico como exemplo, conclui-se que devem ser estabelecidos parâmetros mínimos de interação, axiomas unificadores. Dentro dessa concepção, ainda, não há a expectativa de se obter o consentimento efetivo de todos os homens, mas a adesão de todos aqueles que compreenderem as razões do emissor, o que resulta no postulado de que "O acordo de um auditório universal não é uma questão de fato, mas de direito".
Essa definição, é claro, habita apenas a realidade discursiva e parte do fato de que acontece quando a recepção é de alguma forma presumida. Ele se diferencia, então, do auditório particular, por não depender de especificidades até mesmo ideológicas, que em última instancia poderiam levar o discurso a conter proposições que nem mesmo o orador seria favorável, mas que seriam usadas pelo efeito persuasivo local, como era, e por vezes ainda é, o caso da sofística. Por outro lado, pode ocorrer como quando um auditório particular é legitimado como encarnação do auditório universal, por exemplo, o auditório de elite, quando nele é reconhecido o papel de vanguarda e de modelo, embora ele tenha seu alcance sempre limitado, já que seu mero papel particular permanecerá assim avaliado por um remanescente.
A heterogeneidade do auditório não difere, se levada às últimas conseqüências, da heterogeneidade existente em cada ser, que é passível de mudanças, dialeticamente falando, e contém um grande número de pressupostos e paradoxos interiores. Desse modo, o estabelecimento de um estatuto do auditório favorece o processo de construção do discurso, pois traça um plano definido de negociação de seus significados, diferente do racionalismo, que conferiu toda a autoridade para o espírito abstrato desse auditório.
A ideia de um auditório universal encontra sua aplicabilidade em música, pois, de uma maneira geral, ela não é concebida em prol de um individuo ou grupo específico, mas para toda uma coletividade de público. As presunções sobre esse amplo destinatário, inerentes a criação, influenciará nas significações e é esse, justamente, o papel da retórica, pois lida com linguagens ambíguas, diferentemente da lógica formal. A atualização que a Nova Retórica proporciona faz emergir a primazia do Auditório tanto para os estudos retóricos, que por muito tempo se ativeram exclusivamente à expressividade eloqüente, quanto para a retórica musical, que da mesma maneira se bastou em estuda os procedimentos figurativos representativos.
Em uma realidade do saber que lida com colapsos da visão racionalista de mundo, a retórica volta a ser relevante como ferramenta (organon [ὄργανον]) que opera além das relações lógicas, que é o estado em que ainda jaz muito da discussão sobre significação musical. Nesse estado prévio, tal discussão teria resultados generalizantes ilegítimos, que apenas tautologizariam uma intuição particular. Sendo assim, não se pretende estabelecer a ideia de um discurso totalizante, que se dirija ao "espírito divino", mas a compreensão da imagem que cada orador (compositor, intérprete) faz de seu auditório universal, baseado em seu conhecimento prévio, e resultando no fechamento da tríade orador – discurso – auditório. O discurso tem seu sentido em função de seu auditório e mesmo o auditório, assume essa condição em função das presunções do orador, sendo essa cadeia contínua e dinâmica.



Figura 3: O triângulo retórico
A retro-alimentação dos papéis ocorre quando, por exemplo, um orador se dissocia radicalmente de uma ordem estabelecida, formando, ao seu ver, toda a velha ordem um único auditório, mesmo que dentro de uma realidade multi-facetada, aspecto característico ao discurso revolucionário. A relação do orador com o auditório pode explicar certas propriedades da música quando vista sob esse foco, pois para Perelman:

"O grande orador, aquele que tem ascendência sobre outrem, parece animado pelo próprio espírito de seu auditório. Esse não é o caso do homem apaixonado que só se preocupa com o ele mesmo sente [ou pensa]. Se bem que este último possa exercer certa influência sobre as pessoas sugestionáveis (...) O que parece explicar esse ponto de vista é que o homem apaixonado, enquanto argumenta, o faz sem levar suficientemente em conta o auditório a que se dirige: empolgado por seu entusiasmo, imagina o auditório sensível aos mesmos argumentos que persuadiram a ele próprio (...)" (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 27)

A impossibilidade de se conhecer o real não impede a busca pelo significado mais imediato, aquele que é dado a partir da projeção feita pelo orador. Nesse caso a adesão a esse discurso com maior intensidade só comprovaria a importância do bom conhecimento do auditório. Seja em qual gênero de discurso for, o Auditório tem o papel de juiz, já que possui a autoridade para exercer sua vontade perante a tese defendida. No contexto atual, essa relação possui uma linha muito tênue com o mercadológico e pode facilmente ser lida como uma concessão que poucos estariam dispostos a fazer. Todavia, o elemento básico do discurso, que é a intenção de se alterar algo no auditório, traz consigo a necessidade do conflito, esclarecendo o porquê da retórica ser companheira da democracia e não da demagogia, como é a sofistica ou, pelo contrário, a erística.
Aliás, mesmo no século XX, Umberto Eco, escritor e pensador que muito influenciou a música de seu amigo Luciano Berio, já entendera que, mesmo em sua acepção aristotélica, cabe à retórica o estudo sobre os efeitos do discurso em relação ao público e não sobre suas estruturas internas única e exclusivamente. Nesta longa citação ele desenvolve o seu pensamento sobre a essencialidade de se conhecer a retórica para a constituição de uma obra artística sólida:

A primeira teoria sobre o enredo nasce com Aristóteles. O fato de que Aristóteles a tenha aplicado à tragédia e não ao romance é para nós irrelevante; tanto que a partir de então todas as teorias da narrativa recorreram àquele modelo. Aristóteles fala da imitação de uma ação (isto é, de uma sequência de acontecimentos) que se realiza construindo uma fábula, isto é, um enredo, uma sequência narrativa. Em relação a essa sequência, o desenho dos caracteres (isto é, da psicologia) e o elóquio (o estilo, a escrita) são acessórios. É portanto fácil pensar que existe uma entidade "enredo"que se subtende indiferentemente tanto às realizações dramáticas quanto às narrativas. A receita aristotélica é simples: tomem uma personagem com que o leitor possa identificar-se, não decididamente ruim, mas tampouco excessivamente perfeita, e façam com que lhe aconteçam casos tais que ela passe da felicidade à infelicidade ou vice-versa, através de peripécias e reconhecimentos. Retesem o arco narrativo além de todo limite possível, de modo que o leitor e o espectador experimentem piedade e terror a um só tempo. E quando a tensão tiver atingido o auge, façam intervir um elemento que desate o nó inextricável dos fatos e das conseqüentes paixões – um prodígio, uma intervenção divina, uma revelação e um castigo imprevisto; que daí sobrevenha, de algum modo, uma catarse – aliás, em Aristóteles, não fica claro se catarse é purificação da audiência, aliviada do peso que o enredo insustentável lhe impusera, ou purificação do próprio enredo, que encontra finalmente uma solução aceitável, coerente com a idéia que temos sobre a ordem lógica (ou fatal) dos eventos humanos. E acabou-se a história. Ao fornecer essa receita, Aristóteles (autor, além da Poética, da Retórica) bem sabia que o parâmetro de aceitabilidade ou da inaceitabilidade de um enredo não reside no próprio enredo, mas nos sistema de opiniões que regulam a vida social. O enredo deve, portanto, ser, para tornar-se aceitável, verossímil, e o verossímil nada mais é que a aderência a um sistema de expectativas partilhado habitualmente com a audiência. Quanto à piedade e ao terror, é curioso que ele não as defina na Poética (que trata da estrutura dos enredos) mas na Retórica que trata das públicas opiniões e do modo de utilizá-las para suscitar efeitos de consenso. (ECO, 1991, pp. 20-21)

Ao se transpor essa discussão de modo mais cercado ao objeto musical, devem ser pontuados alguns fatores que poderiam ser colocados como obstáculos para que tal discussão se desenvolvesse. Quando se fala em música como discurso, não é necessário adotar o pressuposto de que esse discurso estabeleça a mesma relação de significâncias que o discurso verbal o faria. Essa é uma questão que sequer existira na retórica clássica, pois antes mesmo de sua sistematização por Aristóteles, ela era amplamente empregada na arte grega, dentro de padrões de ornamentação e figuração, questão essa que se une a outras evidências de sua origem multidisciplinar, não circunscrita ao discurso verbal. Mesmo a retórica musical é muito mais que um sistema de representação figurativa, como ela é conhecida hoje por alguns que só esse aspecto dela aprenderam na música renascentista e barroca, sendo ela de fato um sistema que abrange desde a concepção até a emissão da música.
Desse modo, fica claro que a discussão sobre a audiência da música não objetiva descrever o modo o qual necessariamente o discurso musical será recebido, mas auxiliará no conhecimento da entidade receptora, possibilitando a compreensão do que possivelmente será efetuado pelo meio expressivo. Um pressuposto básico da retórica é a liberdade. Os primeiros registros do estudo sistematizado da retórica apontam, inclusive, para um contexto pioneiro de paz, onde havia uma disputa por terras na Sicília, mas não se via a necessidade de guerra para as negociações fossem efetivadas.
KAEIRO CLAVER (2011, p. 38) identifica em seu estudo três tipos básicos de compreensões do auditório feitas pela composição musical contemporânea. A primeira entende que seu público não está preparado para compreender o discurso composto, mas espera que em um futuro indeterminado, a nova linguagem seja ensinada a ponto de ser tornar senso-comum, assim como o sistema tonal, como esperava, em relação à dodecafonia, Arnold Schoenberg. A segunda compreensão é de que os desenvolvimentos que a música teve no século XX lhe imputaram estruturas "anti-naturais" e, portanto, impossíveis de serem assimiladas pela platéia, restando assim, ou o regresso a estéticas antigas ou a aceitação da assemanticidade total do discurso musical. Em terceiro lugar vem aqueles que acreditam que as grandes discrepâncias entre a música antiga e a contemporânea são gradualmente superadas pela prática e o hábito, mesmo que sem um estudo específico, sendo que mesmo dentro de um discurso há a possibilidade, de acordo com o trabalho, de se mitigar possíveis ininteligibilidades, como o pensa, por exemplo, Pierre Boulez. Desse modo, a problemática do Auditório acaba sendo um ponto não apenas discutido dentro da produção musical do século XX, como acabou sendo um elemento motivador de grandes inovações e renovações da arte.
Essa visão auxilia na compreensão do que Luciano Berio efetivamente nos diz quando define que seu trabalho na dimensão morfológica do som manipula a imagem que ele próprio tem de determinada fonte sonora. O orador parte de seu conhecimento acerca de seus próprios pressupostos quando necessita encarar um auditório não especificado para seu discurso. Sendo assim, o universal ao qual a obra se dirige necessita que sejam conhecidas primeiramente as premissas receptoras, antes mesmo das criadoras, daquele que a produz. Mesmo em uma música que não prima pelo auditório, o processo retórico permanece mais ou menos eficaz, pois até a deliberação consigo próprio demanda uma espécie particular de argumentação. Mas esse não é o caso aqui.
Berio é bem específico quanto a algumas proposições acerca da audiência. Inicialmente, esse aspecto fica claro quando identificado seu papel na concepção do material musical. Apesar de sua formação e produção serial, ele não se atém ao procedimento e busca interferir, modificar o próprio ato da escuta à sua música, nesse caso, em sua série de Sequenze, cujo propósito é "desenvolver melodicamente um discurso essencialmente harmônico e sugerir, especialmente (...) uma audição do tipo polifônico". (BERIO, 1988, p. 84, grifo nosso). É o caso do trecho a seguir, na Sequenza XIV, onde uma linha melódica aparentemente monódica e modal, na verdade contém através de elaborações nos planos dinâmicos e morfológicos uma potencialidade de escuta polifônica.

Figura 4: Sequenza XIV, p. 2, l. 1. (© Copyright 2002 by Universal Edition A.G., Wien/UE 32914)

O valor da tradição para Berio é inestimável, pois ele parte dela, não como entidade histórica, mas como elemento de comunhão com o auditório. Ele parte dela, não se limitando a ela, mas superando-a em muito, adquirindo, contudo, um vínculo comunicativo dentro do discurso, realizando a tarefa de transformar objetos simbólicos e conceituais em objetos passíveis de terem sentidos. A música, então, não comunica por si só, mas cria a possibilidade de se comunicar no espaço criado. Como fora afirmado, "música é um espaço de escuta virtual esperando para ser atualizado, mesmo quando ninguém não quer ouvi-la". O próprio Berio reforça essa ideia quando lembra uma propriedade da música que é constante proximidade temporal entre o produtor do discurso e o destinatário, já que a performance se refaz em cada oportunidade, diferente, por exemplo, das artes plásticas. Essa proximidade que, crê ele, reduz a distância entre orador e Auditório é um ótimo indicio do sistema significante retro-alimentado, redução que chega a ponto de o fazer dizer que "eu sou um compositor, mas também sou um ouvinte (...) eu sou a melhor audiência que existe. Sou a encarnação de uma audiência perfeita".
Assim, a obra de Berio é condicionada para ser aberta ao público permitindo "que o ouvinte 'escolha' e eleja 'seus' elementos formais", proporcionando uma escuta ativa ao auditório, incluindo-o no processo discursivo, como é definido no esquema retórico. Ele faz uso de figurações que consigam alterar a expectativa do público, trazendo figuras rítmicas de danças do Sri Lanka e construindo um gesto no violoncelo que não corresponde a nada antes escrito no repertório do instrumento, ao mesmo tempo em que, no exemplo anterior, constrói uma linha bastante próxima à linguagem tradicional.




Figura 5: Sequenza XIV, p. 1, l..

Berio afirma sua posição frente ao que foi acima exposto, sobre a tensão entre o refletir sobre a audiência e se render incondicionalmente a ela:
"Hoje, o ouvinte tem uma tendência a fazer uso de toda a música passada como se ela fosse um bem de consumo. Isso faz sentido, porque, para o ouvinte, o passado é a mais disponível fonte de conhecimento musical, embora essa tendência freqüentemente carregue sinais de uma frustração ideológica inconsciente, pois está enraizada não em um código de valores musicais plausíveis, mas na forma como nós somos condicionados pelo mercado". (BERIO, 2006, p. 61)

No início de uma entrevista, Berio surpreende o interlocutor ao apresentar sua visão ao mesmo tempo madura e cética sobre a implicação prática da relação entre compositor e público. Mais do que criticar o status quo, ele mostra um ponto de vista analítico que o permite se relacionar com sua realidade, fazendo uso desse contato como um instrumento artístico:

Bruce Duffie: Bem, vamos começar logo. Você sente que é da responsabilidade do compositor ajudar a levar as pessoas para os concertos?
Luciano Berio: Não.
BD: Não mesmo?
LB: Não mesmo. Primeiro de tudo, é uma interação muito complexa entre o compositor, a criatividade e o uso, o consumo, o mercado dessa criatividade. O compositor não tem tempo para lidar com isso, especialmente agora que há uma tendência a se industrializar a música.
BD: [Um pouco surpreso com a escolha da palavra] Industrializar?
LB: De certa forma, sim; é necessário. Caso contrário, como isso iria sobreviver? A grande máquina musical possui cada vez mais características industriais.
BD: Isso é uma coisa boa para a música, ou apenas uma coisa?
LB: Eu não sei; Eu não julgo. Simplesmente é a realidade, especialmente agora com a distribuição de música; a quantidade de música que foi distribuída por gravação e a qualidade dos concertos também. A música tem uma presença muito forte hoje, e nós temos que ver o que está acontecendo. Não me atrevo a julgar isso. (BERIO; DUFFIE, 1993)

Por fim, ele define bem aqui o já foi dito sobre o conhecimento do Auditório como meio necessário para se obter sua adesão:

As audiências têm personalidades como pessoas, como uma pessoa. Eles têm uma história; eles têm genes. O público deve ser educado, também - de uma forma muito suave, é claro, mas a relação do público com a música é muito móvel, muito diferente. (BERIO; DUFFIE, 1993)

Indo para o outro extremo da discussão, é possível explorar agora os pensamentos do também italiano Giacinto Scelsi e verificar de que modo as mudanças de concepção sobre o assunto se revertem no material musical, já que "poder-se-ia (...) caracterizar cada orador pela imagem que ele próprio forma do auditório universal".
Primeiramente, é preciso notar o modo assertivo com que Scelsi intenta fazer uma música que não dependa da meta-linguagem. Para tal feito, ele parte de seus conhecimentos em psicologia e trabalha o som a partir dos quatro elementos fundamentais que o homem seria capaz de perceber no som: o ritmo, a melodia, a construção e a arquitetura e harmonia, elementos que dialogariam com as capacidades humanas, respectivamente, da ritmicidade, da afetividade, da intelectualidade e do psíquico.
A partir do tríptico retórico, fica claro que, por mais ensimesmado que seja o trabalho discursivo, como no caso de Scelsi, para quem a música nasce do "centro do som", tem-se como plano de fundo certos pressupostos a respeito da receptividade desses materiais e suas combinações. As definições dos elementos acima mencionados são bem específicas, provando que Scelsi tinha uma clara imagem da audiência e de fato espera que o detalhamento de ataques, articulações e timbres tenham impacto público, como no caso a seguir:

Figura 6: Maknongan, p. 1, linha 1.
A expectativa de um discurso compreendido universalmente, no sentido global do termo é, além de totalitária, injusta, pois delega os esforços significadores a uma propriedade possivelmente unívoca do discurso. Mesmo para Scelsi, a busca pelo Oriente lhe agregou profundamente, mas ele reconhece que sua produção só poderia se dar em uma perspectiva européia. Ainda que por razões religiosas, o ímpeto de Scelsi ao criar é a crença de que sua música pode alterar algo no ouvinte.
Tanto a Sequenza quanto Maknongan possuem temáticas conectadas ao oriente, evidenciando a busca por elementos estranhos a seu público. Entretanto fica claro que o nível de percepção e compreensão esperado por cada um deles influi na distinção do resultado sonoro entre ambas. Assim, entender o conceito de auditório que o compositor possui é uma informação fundamental para o estudo do texto musical.
A ênfase no Auditório, contribuição de Perelman para o estudo da retórica, permite a aplicação dessa leitura na interpretação de todo e qualquer discurso, o que, na verdade, acaba esclarecendo a qual regime de signos determinada obra pertence, como defendido por Deleuze e Guattari (1997).
A correspondência entre a noção que compositor tem do auditório e a realidade, através dos recursos cognitivos, sociais, ou outros, influirá no nível de adesão latente ao discurso e poderá denotar sua efetividade quando emitido ou, no nosso caso, executado, fenômeno esse que será discutido em trabalho posterior. A adoção de tal concepção de auditório se torna, assim, possível no estudo da música, sem que haja dano ao entendimento do que é o discurso musical contemporâneo.












CAPÍTULO 3

A questão da adesão

O presente trabalho parte da premissa que a retórica, em sua aplicação no discurso, "permite provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se lhes apresentam ao assentimento". A retórica, na verdade, se define como arte justamente por buscar a persuasão em todo e qualquer caso, diferindo da demonstração exatamente quanto a finalidade, já que não intenta "provar a verdade da conclusão a partir da verdade das premissas, mas transferir para as conclusões a adesão concedida às premissas". No entanto, o que caracterizaria a adesão dos espíritos a um discurso em sua acepção musical?
Historicamente, o conceito de adesão levado da retórica à música se ateve a um princípio básico: o afeto. Todos os escritos que extrapolaram a reflexão puramente matemática sobre as propriedades da musica speculativa, acabavam por relatar e descrever fenômenos emocionais acarretados pela música no ouvinte por ela afetado. Sistematizando o conceito de maneiras distintas, tanto a retórica musical italiana quanto a alemã concordaram que essa era a raison d'être da música.
Giulio Caccini, por exemplo, atesta que sua prioridade ao compor sobre determinado texto, era adequar o afeto da música ao afeto que "se é falado", o que lhe possibilitaria licença, inclusive, de outros paradigmas composicionais então vigentes. Posteriormente e categoricamente, Johann Mattheson concluiu que "em suma, tudo o que acontece sem os afetos, não significa nada, não faz nada e não vale nada"
O conceito de afeto advém diretamente da tradição retórica clássica, onde Aristóteles já prevê sua importância, enquanto parte da tríade discursiva ethos, logos e pathos (πάθος traduzido para o latim como affectus). A atribuição dada a esse aspecto como tese discursiva foi, contudo, responsabilidade da retórica musical que emergia na música instrumental. Posto esse objetivo, o que lhe bastaria seria defender tal tese, sendo sua efetividade constatada após a realização do movimento da alma do ouvinte, pretendido pelo compositor.
É importante esclarecer, já aqui, que essa concepção, por mais ingênua que pareça, tinha suas bases cientificas dentro daquele contexto, sobretudo a partir dos estudos sobre os temperamentos fisiológicos dos indivíduos (sangüineo, fleumático, colérico e melancólico). Ainda, não se deve confundir de modo algum o movere do discurso com o sentido corrente que facilmente nos vem à cabeça como experiência estética, tal fora definido por Adorno.
Como já introduzido, o grande referencial teórico da compreensão barroca de Afeto foi escrito por um dos detratores da arte retórica, René Descartes. Em "As paixões da alma", escrito em 1649, o filósofo trata com mais sofisticação da concepção de temperamento que atravessara séculos desde suas primeiras menções. É pouco lembrado que, a partir das proposições cartesianas, os próprios teóricos da retórica musical levantavam a possibilidade de um discurso afetar indivíduos de maneira distinta, nesse caso, devido às predisposições fisiológicas de cada um.
A Affektenlehre toma lugar justamente nessa etapa do desenvolvimento do discurso musical. Diferentemente do significado determinista que o termo "doutrina" possa transmitir, ou da conotação pedante que "teoria" designe, esse conceito é muito mais uma organização sistêmica desses movimentos que a alma traria enquanto potência.
Nesse período, a clara definição do afeto conduziria a uma escolha de elementos constitutivos, como tonalidade e andamento, que comporia um discurso musical efetivo por reforçar em todos seus âmbitos a tese proposta. Mas em uma música sem tonalidade e com um pressuposto de afeto tão distinto, avaliar a efetividade do discurso, a adesão do auditório, faz por necessário novos critérios.
Na Nova Retórica, "uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão [conforme a citação acima], de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida". Mas é um problema para a análise do discurso musical encontrar uma ação concreta que comprove esse aumento de intensidade. Por exemplo, um discurso jurídico tem como objetivo a comprovação que determinado ato ocorreu dentro dos limites da legalidade e foi, portanto, correto. Como comprovar a eficácia desse discurso? Com a absolvição do réu! (falando sob o ponto de vista de um advogado, é claro). Essa ação é facilmente depreendida do gênero judiciário, mas, dentro do discurso musical, não há uma ação tão imediata que possa evidenciar a adesão da audiência a tese apresentada.
Para direcionar uma reflexão que possa proporcionar frutos positivos, tomamos as duas espécies de movimentações dos espíritos, cuja somatória é uma concepção mais ampla de adesão, que são o convencimento e a persuasão.
O convencimento é um conceito mais próximo da realidade atual do pensamento, pois sua efetividade está baseada na exatidão de certo sistema lógico. Dado um conjunto de premissas verdadeiras, basta que ele seja argumentado obedecendo às regras da lógica que não restará ao auditório outra resolução a não ser aderir à conclusão resultante. Por isso, a convicção sempre esteve associada, através da história, ao campo do Verdadeiro, e alcançou preeminência quase que sinonímica à adesão de toda e qualquer tese, dentro do pensamento Racionalista. No entanto, apesar de ser um mecanismo vital à comunicação, o convencimento não consegue alçar a onipotência da resolução argumentativa, pois mesmo com o aceite de sua veracidade, a tese pode não possuir força o suficiente para levar um sujeito a agir em função dela – o filho não discute a racionalidade da ordem materna, mas simplesmente não tem interesse em obedecê-la. Além disso, por fazer uso da linguagem enquanto meio argumentativo, um discurso só pode convencer dentro das aparências do real, pois a falibilidade desse meio não tem poder de gerar resultados absolutamente objetivos. Foi exatamente essa crítica que levou à tentativa Nominalista de "eliminação da linguagem, elemento de deformação e de mal-entendido".
A persuasão, por sua vez, aparece nos dias de hoje como o opróbrio da argumentação, já que qualquer falácia eloqüentemente sustentada poderia conduzir a tal resultado. Aliás, tal visão não é um privilégio de nosso tempo, mas é parte intrínseca à discussão sobre o pensamento retórico. Mais do que o ato de persuadir, sempre pareceu ultrajante explicitar o objetivo persuasivo de um discurso, como faz questão de esclarecer o apóstolo Paulo em uma de suas epístolas bíblicas:

"eu mesmo, irmãos, quando estive entre vocês, não fui com discurso eloqüente nem com muita sabedoria para lhes proclamar o mistério de Deus. (...) Minha mensagem e minha pregação não consistiram de palavras persuasivas de sabedoria, mas consistiram de demonstração do poder do Espírito" (1Co 2. 1; 4)

Tal divisão acarretou que a persuasão estivesse atrelada ao campo da Doxa, da opinião, opondo-se ao convencimento alcançado pela Verdade. Mesmo sendo o fetiche sofístico, a persuasão encontra seu valor no fato de que é ela que possui o poder de efetivar a adesão a uma tese em ação. Isso fez com que ela tenha sido adotada muito mais como objeto de estudo psicológico do que na legitimidade da presente discussão. Como disse Rousseau, "de nada adianta convencer uma criança 'se não se sabe persuadi-la'". Não só na educação infantil, mas faz parte da práxis humana a comunicação que visa uma movimentação de outrem e, quanto maior o grau de liberdade possuído pelos indivíduos, maior sofisticação será necessária para levá-los à ação pretendida. A negação desse fato mais subestima o nível de influencia da interlocução discursiva do que acrescenta racionalidade ao exame da argumentação, pois suporia um discurso esvaziado do interesse de se conduzir a uma tomada de decisão. A dicotomização dessas duas categorias é útil para o estudo, mas ambas possuem propriedades que fazem de sua combinação um critério mais seguro para a avaliação acerca da adesão ao discurso.
A Nova Retórica, como uma Teoria da Adesão, objetiva a atenuação da fronteira entre persuasão e convencimento através da crítica ao critério da evidência, apontando o caráter intersubjetivo que o fato passa a ter quando tomado como premissa de uma argumentação. Isso resulta na constatação de que a diferença entre verdade e opinião, no âmbito da recepção, é uma questão de grau e não de natureza. Essa é a razão pela qual Aristóteles já aponta que os entimemas retóricos operam no nível da verossimilhança, o que interessa muito à discussão sobre o discurso musical, dado o grau de significação de seus signos. Além disso, fica resguardada à persuasão a informação de cunho emocional e seus efeitos, componentes inevitáveis da adesão, devido a sua importância no ato resultante, como sustenta Aristóteles, ao dizer que não basta ao discurso ser digno de crédito, pois "as emoções são as causas que fazer alterar os seres humanos e introduzem mudanças nos seus juízos"
Essas novas proposições contribuem para a discussão em relação à afetividade na música contemporânea, pois já assumem que "a inserção da subjetividade é inevitável a todo e qualquer ato enunciativo", eliminando o mito da imparcialidade. Sendo assim, a atribuição desse dado afetivo à música não é nenhum absurdo, como gostaria de afirmar Hanslick.
Todavia, essa retomada do pensamento retórico procura o equilíbrio da tríade discursiva supracitada, já que foram justamente os excessos elocutórios que mais contribuíram para o desprestígio da retórica. Sendo assim, o afeto, aparece mais como um relevante recurso, do que como tese acima de todas, o que, na verdade, já acontecera de certa forma com os desenvolvimentos motívicos e temáticos classicistas, que deixaram cada vez mais de lado a ideia de um afeto único como tese.
Dentro de processos composicionais que não partem de estruturas tomadas a priori, mas que se dão dialogicamente, a deriva, essa ideia faz ainda mais sentido, pois o próprio material reage de maneiras com as quais o compositor deve lidar no proceder de seu discurso. Isso não implica em uma contingência, mas em um nível de interlocução interna do próprio discurso. Os afetos são intercambiáveis no nível em que se intenta empregá-los na obtenção da adesão. Outros desdobramentos desse aspecto serão retomados posteriormente, quando trataremos do gênero de discurso chamado epidítico.
A pesquisa sobre a aplicação desse conceito bipartite de adesão na compreensão do discurso musical demanda o estabelecimento dos modos pelos quais a persuasão e o convencimento se apresentariam em uma acepção discursiva não verbal. Adotamos aqui, como correspondência, um outro binômio, que tem sido estudado na musicologia para tratar dessas duas faces da efetivação do discurso musical, a saber, os conceitos de continuidade e pregnância.
No nível da efetividade lógica do discurso, a música contemporânea tem adotado o conceito de continuidade como um parâmetro básico de sua formalização, por mais dispares que sejam as vertentes estéticas e os paradigmas composicionais adotados por cada uma. Pierre Boulez afirma, mesmo que como intérprete, que "o senso de continuidade é o elemento mais importante da performance". Isso também acaba por direcionar seu próprio trabalho composicional, pois, em sua análise, mesmo uma música segmentada como a de Webern ou Berg, possui uma trilha "subterrânea" que mantém os eventos conectados.
Assim como Boulez, para HATTEN (2004, p. 248) "a continuidade deve ser definida em termos de consistência de ação, independentemente de suas possibilidades de variação articulatória". Mesmo uma sequência descontinua de sons, parametricamente falando, pode apresentar continuidade em algum nível, como por exemplo, no nível temporal, como é o caso da composição por justaposições de Stravinsky. Nesse ponto, o próprio conceito de Tempo se torna um pressuposto da escrita, correndo subterraneamente ao discurso, já que todos os desdobramentos de metro e pulso dependerão dele. O mesmo questionamento perelmaniano em relação à evidência, que aproximou a persuasão da convicção, se faz presente quanto questionamos, no discurso musical, a validade do duplo substância e forma, dando sentido, assim, ao conceito de consistência:

"A idéia de consistência aparece (...) tomada de Deleuze e Guattari, desenvolvida em Mille Plateaux. O plano de consistência, ou plano de composição é apresentado pelos autores como sendo o oposto dos planos de desenvolvimento e de organização, que são por sua vez concernentes à forma e à substância. No plano da consistência, substância e forma são ignorados em vista das relações localizadas de velocidade entre elementos, a composição de afetos intensivos. É pela consistência que são reunidas as heterogenias, os disparates; ela é a consolidação de conjuntos vaporosos das transformações apreendidas por elas mesmas, intensivamente." (FERRAZ, 1998, p. 92)

Como dito a respeito do abandono da ideia de uma música baseada em um afeto único, o elemento que mais será alterado da música barroca para a clássica será justamente a continuidade textural, pois a variabilidade de afetos demandará outro tipo de realização formal. A métrica aparecerá mais definida e claramente destacada pelo acompanhamento na homofonia, pois novos lugares expressivos serão passiveis de serem alcançados pelos então novos procedimentos tonais. Na música contemporânea, onde a transição entre ideais musicais é quantitativamente maior, caberá sempre uma análise mais minuciosa da cada peça para que seja encontrado qual aspecto mantém a continuidade em questão.
A continuidade é dos pontos analiticamente mais distintos entre objetos instrumentais e os que fazem uso de um texto verbal, pois o contato com esse outro sistema lingüístico possibilita uma continuidade do tipo dramático, que depende do fluxo discursivo verbal. Um exemplo claro é a diferença entre os madrigais de Monteverdi e, pouco tempo depois, as obras para instrumento solista de J. S. Bach. Mesmo sendo ambos ápices da aplicação da retórica em música, Monteverdi, em uma peça como Il Combattimento di Tancredi e Clorinda, pode fazer uso de uma gama enorme de sonoridades, até mesmo produzida por "técnicas estendidas", pois é o texto que garantirá a continuidade entre os eventos. Enquanto isso, se abrirmos a partitura do Prelúdio da Primeira Suíte para violoncelo solo, de Bach, não veremos muitos elementos além de uma longuíssima sequência de semicolcheias. Mesmo sendo essa uma peça altamente retórica, foi necessário que a música mantivesse sua continuidade por outros meios, fazendo com que o discurso se desenvolvesse dentro das demais instâncias.
AGAWU (2008, pp. 24-25) acrescenta que o conceito de continuidade é, em parte, acústico, mas que sua maior importância é devida a suas fontes psicológicas e semânticas. A música tonal cria essa ideia linearmente, fazendo uso de suas hierarquizações, mas incorre ao exacerbo formalista quando se torna uma formulação idealizada, onde o ouvinte estaria envolto pelo discurso apresentado, acorrentado pelo processo tonal, sem que possa haver nenhum espaço em tempo real parao desenvolvimento de uma escuta intertextual, ou seja, que leve em conta outros regimes de signos ou mesmo outras dimensões do gesto musical. Assim, podemos depreender que a música contemporânea, mesmo que sem tonalidade, pode também operar a continuidade a partir de unidades semânticas e/ou intertextuais, pois a morfologia do som permite que tais dinâmicas ocorram.
Prosseguindo para o outro termo de nossa compreensão da adesão, a pregnância tem, de certo modo, uma proximidade já filológica com a ideia geral de adesão, dando ambas as palavras a ideia de uma união física de corpos. Na presente acepção, o conceito deve seu significado aos pressupostos da psicologia da Gestalt, geralmente acompanhado pela Lei da Boa Forma.
A pregnância é o fenômeno perceptivo que trata da simplificação e estabilização do campo percebido, por mais complexo que ele seja em si. A arte é o campo onde a pregnância pode ser mais notada, "porque ao mesmo tempo em que [as obras] alcançam um alto grau de complexidade, nelas a forma perceptual é trabalhada no sentido da maior expressividade". O intento expressivo já desperta uma expectação diferenciada na audiência, o que proporciona uma experiência receptiva distinta da informação de outra ordem.
A ação perceptiva que acarreta a pregnância é tanto passiva, no sentido que recebe as formas estruturadas no discurso, quanto é também ativa, pois age na reorganização da energia do material. Nesse sentido, a obviedade não é em nada pregnante, pois já emana sua percepção ao não criar nenhuma tensão discursiva. Fica claro o significado de obviedade dentro do discurso musical: um tipo de música que não se afaste muito de um pulso e métrica regulares e constantes, com uma tonalidade razoavelmente bem definida na realização de planos harmônicos e melódicos e, ainda, com uma estrutura que se repita da maneira mais evidente possível, de preferência, por meio de uma gama timbrística reduzida e previamente conhecida. Em geral, uma música que corresponda a esses critérios está mais próxima da ideia de gosto do que da persuasão, habitando um campo de contingências culturais, ao invés de almejar a efetividade do discurso. Mesmo o discurso panegírico, aquele feito na Grécia Antiga com o intuito de louvar determinada pessoa, buscava, dentro da tópica laudatória, aspectos desconhecidos ao auditório, de forma que o objetivo fosse alcançado mais plenamente.
Thomas Hastings, em sua famosa "Dissertação sobre o gosto musical", afirma, mesmo que de maneira representativa à visão de sua época (1853), que se o objetivo do compositor é apenas o entretenimento, seu trabalho será fácil e a isso era devido o fato "porque tão grande quantidade de nossa música de salão é de caráter tão trivial", resultando em uma música de alta efemeridade. Ele conclui seu pensamento comparando a música à eloqüência, sendo ambas dádivas destinadas aos homens em todas suas classes, como recursos para a expressão de um objetivo superior.
Indo além disso, a pregnância lida com a tensão de informação, o dado, a principio, estranho ao receptor, mas que traz em si o potencial de excitar o processo interpretativo da percepção, possibilitando a modulação dentro da dinâmica discursiva. Isso explica o modo como essa dinâmica torna viável a adesão à música escrita antes de nós, mesmo que formemos, hoje, um Auditório distinto daquele para o qual determinada obra fora escrita: "Podemos dizer que se a arte sobrevive no tempo, é porque o tempo sobrevive nela". Daí se faz entender o conceito de Meta-estabilidade, de Simondon, uma estabilidade da obra que não a hermetiza, mas possibilita sua atualização.
O funcionamento desse conceito se dá pelo mecanismo de "captura de forças", o poder de afetar e ser afetado. Assim, o discurso constituiria um plano que objetivaria a captura de forças correspondentes em sua realização, cabendo a ele conter e expressar tal potencial em sua própria força energética. A adesão completa o processo discursivo, pois seu meio não carrega intrinsecamente um desfecho necessário, mas possível.
Sendo a adesão o objetivo do discurso, esse dois elementos portam-se, portanto, como critérios relevantes para a análise do discurso musical. Isso, obviamente, não implica no esgotamento ou em uma afirmação apodítica sobre a efetividade ou não do discurso, mas proporciona uma interpretação das potencialidades que o fluxo discursivo carrega consigo.
No caso da Sequenza XIV, por exemplo, podemos enxergar os dois termos de maneira bastante clara. Sua continuidade obedece a uma característica bastante própria de Berio, que é a construção por gestos. A peça não possui um centro tonal definido, nem obedece a nenhum padrão serial, desse modo, não conseguiria sustentar o discurso melodicamente, muito menos com um padrão harmônico hierárquico. No âmbito do tempo, além de não possuir formulas métricas definidas, seu pulso é sempre flutuante, pois as indicações de andamento sempre são enunciados que estimulam a flexibilidade, como:





Figura 7: Indicações de andamento da Sequenza XIV

Mesmo dentro de outros gêneros, Berio aplicava a escrita gestual como sua trilha subterrânea que manteria a unidade lógica da peça, como explicita David Osmond-Smith ao falar da principal contribuição do compositor à escrita da música eletrônica:

"Dois aspectos de seu trabalho que deram contribuições particulares a essa evolução [da música eletrônica]: a experiência de realizar contrapontos de camadas complexas de som e o estilo gestual de escrita, que forneceu continuidade retórica na ausência de elementos harmônicos mais tradicionais como referência." (OSMOND-SMITH, 1991, p. 15)

A continuidade gestual já fora aplicada não só em outras obras de Berio, mas nas próprias Sequenze, devido ao fato do caráter polifônico pretendido manter as camadas melódicas mais fragmentadas do que seria de se esperar. Gestos, como os do exemplo a seguir (Ex. 2), reúnem uma grande variedade de modos de jogo, dinâmicas e ritmos, mas apesar de sua diversidade, as reiterações ao longo da peça criam uma familiaridade que permite, pouco a pouco, que essas figuras sofram transformações também. Desse modo, obtém-se não só uma polifonia de alturas, mas, muito mais, uma polifonia de gestos, o que corresponde integralmente ao projeto estilístico que Berio nutriu desde o início de sua carreira, em contraposição, por exemplo, a John Cage: "Eu estava pessoalmente ocupado procurando coerência harmônica entre diversos materiais, em um contexto musical feito de sons e não apenas por notas"












Fig. 8: Sequenza XIV, p. 3, linhas 6 e 7.
A partir do estabelecimento da continuidade gestual, passa a ser possível a procura por aspectos que garantam continuidade ao discurso mesmo com a reconfiguração dos gestos. Os processos reiterativos e combinatórios, frutos de um procedimento composicional tão dialógico quanto o de Berio, fazem com que dentro de um mesmo gesto ocorra a absorção de elementos de outro gesto. No trecho a seguir (Ex. 3), que ocorrerá apenas no final da quarta página da peça, todos o gestos já apresentados e recombinados resultam em uma sucessão tão rápida de eventos que torna difícil a identificação da origem de cada elemento, mas, ainda sim, a continuidade gestual se mantém pela clareza da exposição: do ritmo pontuado, mesmo que agora em pizzicato e sucedido por duas colcheias que o assemelham ao gesto de quintina; da figura em quintina, mesmo com mudanças abruptas de dinâmica, modo de jogo, articulação e registro; e, novamente, da figura pontua, reiterada em curto espaço de tempo, agora com uma enorme mudança de registro, modo de jogo e dinâmica.



Figura 9: p. 4, linha 7

Esse parece ser o posicionamento de Berio, frente a uma maneira específica de conceber o discurso:
"O pensamento musical mudou, de fato, no momento em que os músicos passaram a considerar a possibilidade de uma interação significativa entre critérios aditivos e subtrativos, procurando, por exemplo, por continuidade estrutural entre timbre e harmonia." (BERIO, 2006, p. 15)
Retornando ao excerto anterior (Fig. 8), conseguimos abordar a outra face de nossa pesquisa por evidências de uma potencialidade do discurso em obter a adesão, agora, através da pregnância. Nesse termo, Berio trabalha com os afastamentos e aproximações de sonoridades "tradicionais", como definido anteriormente, para criar estímulos na escuta, persuadindo efetivamente o Auditório em uma escuta vividamente ativa. Ele define muito minuciosamente como trabalha essa dimensão "timbristico-histórica" do som, a dimensão morfológica, em comparação as dimensões temporal, dinâmica e das alturas:

"O que eu chamo dimensão morfológica coloca-se, sob certos aspectos, a serviço das outras três, funcionando como uma espécie de instrumento retórico. Ela visa definir o grau de transformação acústica em relação a um modelo herdado que, neste caso [da Sequenza I], é a flauta com todas suas conotações histórico-acústicas". (BERIO, 1988, p. 85)

No trecho escolhido, é possível ver uma sequência de notas tocadas de modo bastante convencional (Mi bemol, Lá, Si bemol, Ré) entrecortadas por um Sol sustenido em pizzicato bartók que maximiza o nível de tensão ao incluir uma sonoridade tão ruidosa. Em seguida, aparece uma figura tocada as fast as possible com o arco pressionando as cordas demasiadamente, a ponto do som se projetar com muito ruído do contato da crina com a corda, levando esse momento, novamente, para um nível de alta tensão dentro da dimensão morfológica. Esses momentos ora são mais afastados, ora são rapidamente intercalados como é o caso, o que cria uma constante expectativa e apreensão do discurso pelo Auditório. Como fica claro, o discurso fará uso das dimensões dinâmicas (essas duas linhas vão do ppp ao ff), temporal (das quatro primeiras notas longas até as figuras asap) e das alturas (nesse trecho, do Do1 ao Ré4) de modo a que a inclusão de cada elementos sempre possua uma razão e uma função retórica dentro do discurso, de modo a obter a persuasão do ouvinte.
Se buscarmos a aplicabilidade desses conceitos em nosso outro caso, o de Maknongan, teremos que compreender a dimensão retórica da peça nas instâncias em que o discurso é constituído, sobretudo na modificação do timbre através da variação dos modos de jogo. A ideia de continuidade, como um fator de conexão lógica dos eventos em uma linha do tempo, torna-se desnecessária no sentido em que já é imanente a uma música que gravita em torno de uma única nota, onde, na verdade, essa linha do tempo é um grande metáfora do espaço do som. Essa jornada dentro do som é a captura de um momento, dessa maneira, elimina qualquer possibilidade de descontinuidade.
Por outro lado, pareceria difícil atribuir a uma peça que opera nesse grau paramétrico tão "limitado" qualquer indício de potencial pregnante. Todavia, é naquilo que SOLOMOS (2013, p. 236) chama de "escuta imersiva" que habita a propriedade persuasiva do discurso, pois essa viagem ao redor do som provoca uma imersão do ouvinte de tal forma, que qualquer alteração de articulação será cada vez mais perceptível. O nível de tensão necessária acaba por ocorrer do estímulo criado para que se conheça novas regiões do som e o sentido de pregnância, como uma construção feita a partir do discurso, tem maior oportunidade de acontecer.
Scelsi busca um topos que transcenda a história, através da dimensão mais primitivamente ritual do som. Por isso ele desenvolve uma retórica da energia, da própria vida, onde o âmbito persuasivo da pregnância se dá quase que por uma hipnose, um encantamento.
Sendo assim, passa-se a ser possível uma ponderação sobre os objetivos emanados pela produção musical contemporânea. O diálogo da música com o público deve ser interpretado à luz desses conceitos que, mais do que estabelecer critérios quantitativos de análise crítica, permitem que essa relação, cada vez mais complexa, possa ter parâmetros razoáveis de avaliação, que considerem o fenômeno social a partir da estrutura interna do discurso, sem que seja necessária uma atribuição de significados relacionais que poderiam incorrer a alguma leviandade.
Da mesma forma que Perelman renovou o conceito de adesão ao discriminar dois tipos básicos de afetação, ou, ainda, de efetuação do discurso, crê-se que essas duas dimensões estão presentes também no discurso musical, sendo a continuidade e a pregnância, dois termos mais cabíveis para a interpretação dessas relações dentro de uma acepção não-verbal.
CAPÍTULO 4
Os gêneros do discurso musical
A atribuição de efetividade a um discurso está necessariamente ligada a seu objetivo, emanado pelo gênero de discurso praticado. Esse coletivo de intenções sistematizou-se através da história, resultando naquilo que conhecemos como gêneros discursivos ou mesmo posteriormente, dentro da Literatura, como gêneros literários. Os agrupamentos fazem sentido enquanto conjuntos de intenções reafirmados por demandas sociais, todavia, mais uma vez, parece difícil avaliar se tais demandas estariam atreladas a tipos distintos de adesão ao discurso musical ou se só haveria, simplesmente, o gênero de discurso musical. Para que a compreensão dos âmbitos preliminares da retórica musical seja completa é necessário, antes, definir quais tipos de adesão podem ser objetivados dentro dessa acepção discursiva e, portanto, quais seriam e como se identificariam os gêneros do discurso musical.
A ideia de gênero aparece na retórica aristotélica mais em função do tempo no qual o objeto do discurso se encontra do que em relação a um foro específico, embora ele acabe por acontecer. Por essa razão, ele chega a um total de três gêneros discursivos, dois referentes ao passado e um relativo ao futuro. É relativo ao futuro o gênero deliberativo ou político, onde são tratadas as motivações para que determinada ação passe a ser ou deixe de ser praticada. O gênero se desenvolveu grandemente nos discursos proferidos nas assembléias legislativas e sua efetividade poderia ser medida pela aprovação ou não da proposta apresentada. O primeiro gênero relativo ao passado é o judiciário ou forense, que trata da justiça ou injustiça de determinada ação praticada, discurso cuja efetividade pode ser avaliada pela absolvição ou não do réu. Por último, há o gênero epidítico ou demonstrativo, onde se dão os elogios e censuras, praticado, então, em funerais ou panegíricos, objetivando a comoção frente ao valor ou pessoa que é seu objeto.
A divisão tripartite era facilmente perceptível na sociedade grega antiga, onde os três supriam demandas discursivas claras, todavia é impossível assumir a imutabilidade e a pureza dessas categorias posteriormente. O grande consenso, que norteava a ideia de gênero, era que esse conjunto de possibilidades expressivas escolhidas também tinha grandes implicações nos significados do discurso. Uma hipérbole, que caberia muitíssimo bem para se exaltar um certo valor característico a pessoa homenageada em um discurso epidítico, não poderia ser empregada com a mesma licença em um discurso judiciário, onde da exatidão dos fatos apresentados advir-se-ia a argumentação em prol de se evidenciar a retidão do ato que provocou o ambiente de controvérsia. Além disso, um mesmo discurso poderia conter manifestações desses três gêneros, o que torna vital à interpretação do discurso o conhecimento sobre o gênero no qual se está operando em cada momento.
Acompanhou sempre a discussão sobre os gêneros de discurso uma certa inconsistência em relação ao que chamaremos aqui de níveis de gênero. Ao mesmo tempo em que essas três acepções estavam bem estabelecidas (ocasionalmente, apenas, eram propostos dois ou quatro gêneros), não há consenso sobre as peculiaridades demandadas em outros níveis classificatórios. Mesmo aceitando os três gêneros e estudando suas características e os argumentos mais cabíveis a cada um, Cícero afirma que diferente da poesia, a retórica é um gênero (no latim, genus) uno e, portanto, um bom orador seria capaz de trabalhar com qualquer tópico. Portanto, para se identificar as implicações do estudo sobre o gênero na análise do discurso, é preciso antes definir quais os critérios adotados de modo a ser possível uma divisão que seja útil a esse intento.
Genus, o termo latino de onde advém nosso conceito de gênero, significa família, raça. É esse nível de "parentesco" que determinados discursos tem entre si que nos interessa, para que seja possível o entendimento do grau em que ocorreriam tais semelhanças. Para que essa classificação seja possível, é necessário um conjunto de discursos que compartilhem "tipos relativamente estáveis de enunciados". Aqui começa uma primeira diferenciação entre o gênero do discurso e o gênero literário: no primeiro a definição assume como critério a natureza verbal dos enunciados, enquanto, no segundo, o que vale são aspectos estilísticos. Por mais tentados que possamos ficar em assumir essa segunda acepção, já que facilitaria o estudo ao aceitar formas musicais pré-estabelecidas, é justamente essa a lacuna existente na música contemporânea, que cria a necessidade de um estudo minucioso dos níveis de significado implícitos a esse tipo de estrutura, interessando mais ainda o conhecimento dos parâmetros necessários para a identificação de gêneros discursivos.
No artigo The Rhetoric of Genre (1988), Jeffrey Kallberg faz uma minuciosa investigação sobre os aspectos retóricos que a escolha de um gênero musical acarreta, em seu caso, aplicado ao Noturno em Sol menor, op. 15, no. 3, de Chopin. Primeiramente, em uma revisão de toda a obra escrita por Carl Dalhaus que tocou nesse assunto, Kallberg discute as definições tomadas pelo musicólogo alemão. Segundo Dalhaus, o conceito de gênero é totalmente dependente de uma função social e para que sua existência seja válida é necessário que essas estruturas sejam bem definidas, de modo a manter cada gênero no segmento que lhe é devido. Assim, o esfacelamento das nobrezas a partir do século XIX teve como um de seus efeitos a deslegitimação desse tipo de estrutura musical, pois o gênero não só teria uma função social como um destino particular a determinada classe social. O valor estético da obra estaria ligado ao grau de emancipação possuído frente às estruturas sociais. Uma colocação importante é que gênero não é um sinônimo para forma: tanto o primeiro movimento de uma sinfonia quanto de um concerto podem utilizar a forma-sonata, mesmo embora pertençam a gêneros distintos dentro do texto musical.
Kallberg critica a asserção de Dalhaus sobre a música do século XX dizendo que a não associação de compositores a gêneros pré-estabelecidos não comprova a ineficácia dessa estruturas hoje, pois por mais distante dessa ideia que o compositor queira estar, ele acabará por absorver tais estruturas devido a inevitável intertextualidade. Ainda, o argumento resulta em uma tautologia, pois a mesma razão para se sustentar o desaparecimento do gênero, parte da premissa da contingência social, ou seja, da uniformização de pares inseridos em um mesmo contexto, o que implica em um certo grau de similaridade, ainda que não consciente e não presente nos títulos de obras. Dessa maneira, o gênero atende mais a uma definição de taxonomia social, conceito que estará por trás dos rótulos de mercado, do que um conjunto estrutural semântico. Em suma, o problema reside no fato de Dalhaus considerar o gênero como um título de obra e não por suas propriedades persuasivas.
Essa negativa prenuncia a proposição de Kallberg:
"O gênero exerce uma força persuasiva. Ele guia as respostas dos ouvintes – esse é o porquê me refiro à 'retórica' do gênero. A escolha do gênero pelo compositor e sua identificação com o ouvinte estabelece o cenário para a comunicação do sentido" (KALLBERG, 1988, p. 243)


Como toda convenção, o gênero pressupõe um contrato mútuo entre o compositor e a audiência, onde ambos concordam sobre a função semântica de determinados elementos estruturais. O cumprimento esperado pode, por vezes, ser substituído por uma contravenção, que trará ao discurso uma tensão se o acordo estiver de fato bem definido entre as partes. Mesmo esse afastamento possível é prova da efetividade da estrutura do gênero enquanto força expressiva, pois a quebra da expectativa pode ser usada dentro do discurso como recurso persuasivo. "Um compositor pode, assim, escolher escrever em um determinado gênero justamente para desafiar seus atributos ao invés de se adequar a eles."
É por conta dessa controvérsia que adota-se aqui uma outra concepção de gênero, que é o desenvolvimento feito por Mikhail Bakhtin a partir dos gêneros discursivos da retórica. A utilização do referencial bahkhtiniano nos auxilia, pois suas proposições atendem ao anseio constatado na produção antiga, de níveis de gênero mais bem definidos. Sua proposta de divisão separa os níveis discursivos em gêneros primários e secundários, sendo que o primeiro reúne estruturas simples, como um diálogo cotidiano ou um bilhete, e o segundo abarcar estruturas mais complexas, que podem inclusive fazer uso de estruturas primárias, como o romance ou outras comunicações culturais. Aliás, esse mecanismo, como pode ser visto na diatribe retórica, a simulação de uma conversa, parece conter os germens da própria arte retórica em seu surgimento. Para nosso estudo, interessa o critério de avaliação que leva em conta a complexidade social inerente a determinado discurso, pois "ignorar a natureza do enunciado e as particularidades de gênero que assinalam a variedade do discurso em qualquer área do estudo lingüístico leva ao formalismo e à abstração, desvirtua a historicidade do estudo (...)".
Dentro do gênero secundário, faz parte do intuito discursivo do produtor do discurso a escolha do gênero que melhor abrigará esse gatilho subjetivo na construção do objeto que resultará em uma relação intersubjetiva com seu Auditório. Essa escolha ainda não implica em uma forma a priori para o discurso, mas visa situá-lo em um determinado lugar argumentativo, com significados convencionados ao nível de lugar-comum. Isso não quer dizer que, ao iniciar uma fala, o individuo saiba exatamente onde e como irá chegar, mas, para ser compreendido, ele lançará mão de toda sua bagagem intertextual, que trará gêneros discursivos consigo. Assim, o gênero discursivo será mais ou menos evidente de acordo com a dificuldade expressiva que o objeto do discurso possuir. Da mesma maneira que o discurso verbal bebe de diversas fontes de gêneros em sua construção, o discurso musical também pode fazer uso de um número variável de gêneros, de modo a fazer dialogarem diferentes conjuntos de significados. O prelúdio da quinta suíte para violoncelo de J. S. Bach, em Do menor, é um bom exemplo disso: apesar de anteceder um conjunto de danças, seu início apresenta um afeto bastante introspectivo, utilizando ritmos pontuados franceses (Fig. 10). Aliado ao andamento lento, o discurso estabelece a forte convicção de que o prelúdio na verdade é uma abertura francesa, já que é sucedido por uma seção rápida. Entretanto, assim que andamento rápido se inicia, é apresentado um tema que sofre processos de variação imitativa, constituindo pouco a pouco uma fuga cada vez mais consolidada (fig. 11), que segue assim até o final, mostrando que na verdade esse Prelude é um típico Prelúdio e Fuga bachiano.







Fig. 10: J. S. Bach. Suíte para violoncelo solo no. 5. Início com ritmos pontuados.





Fig 11: J . S. Bach. Suíte para violoncelo solo no. 5. Mudança de seção com procedimento imitativo.
As escolhas feitas por um compositor, quando situa o lugar de significações de seu discurso, inevitavelmente levam em conta o estado atual desses conjuntos que estão a sua disposição de modo pré-estabelecido, seja em qual nível for. A própria escolha de um instrumento musical, acabará por acarretar um tipo de escolha de gênero, ainda que em um grau incipiente, como Bahktin define os gêneros primários, que o seja o gênero instrumental. Cada escolha traz consigo um arcabouço de informações cuja troca terá de ser negociada entre os intentos do compositor e o repertório interpretativo do Auditório. "O passado pode ser contradito, mas não obliterado".
A revisão bibliográfica efetuada por MOORE (2001) prova que o grande problema nos estudos sobre o gênero musical é a própria definição do termo, que não só pode ter uma grande gama de acepções, quanto ainda é passível de ser confundida com a noção de estilo. Por isso parece mais válido, ao invés de escolhermos arbitrariamente uma definição dentre tantas, estabelecer níveis de gêneros, a partir dos critérios bahktinianos. Tanto a música de dança é um gênero musical, quanto a Courante, o Minueto, ou mesmo o Samba e o Forró podem vir a ser também. Todavia esses últimos estão circunscritos no primeiro e a análise deve levar em conta essa relação ao avaliar a efetividade do discurso. Isso porque, por exemplo, a Allemande da Quinta Suite para violoncelo de J. S. Bach faz parte do gênero Allemande, uma dança de origem alemã que possui ênfase no passo que leva aos tempos fortes do compasso, uma espécie de passo anacruzico. Ao mesmo tempo, ela faz parte do grande gênero de música de dança e, ainda, do gênero "música instrumental", já que seu discurso não demanda um texto verbal. Se levadas em conta as grandes questões sobre a estética musical do barroco, ela ainda poderia ser incluída dentro do gênero musica poetica, pois não estaria nem dentro daquilo conhecido como musica theoretica ou musica practica.
Cada um desses termos define predicados que enquadram dentro de um determinado tipo de divisão as obras que correspondem a esses critérios e aos pares de categoria, mas cada gênero demanda um tipo mais ou menos complexo de adesão do auditório, fazendo com que a interpretação de uma peça deva levar em conta cada uma dessas categorias em que o discurso se apresenta para que possa ser avaliado seu potencial total de efetividade. No caso mencionado, os níveis de gênero poderiam obedecer a seguinte ordem de complexificação:
Figura 12: Niveis de gênero da Allemande
Tais níveis de gênero aumentam a eficácia da análise, pois se colocam entre a aceitação pura e simples da coleção escolhida pelo compositor e o funcionalismo social do discurso, fazendo uso dos dois pólos para que se encontre um equilíbrio entre os critérios. A avaliação bipartite é assim facilitada, pois, para ter sucesso no âmbito da continuidade, basta a Allemande ter seu discurso construído de modo a evidenciar os tempos fortes e as anacruzes sendo, portando, "dançável". No nível da pregnância, que seu discurso explore as possibilidades estruturais da dança para se desenvolver do modo mais persuasivo, por meio das tensões disponíveis.
Lembremos que o gênero difere de um mero lugar argumentativo, pois não é só um conjunto de significados aceitos, mas é, além disso, uma estrutura que demanda um tipo particular de adesão. Um tipo de gênero musical de fácil compreensão é o estudo. Constituindo-se como um gênero didático, a música não só possuirá continuidade e potencialidade de pregnância, mas terá como principal aspecto avaliador a efetividade do trabalho realizado para se resolver ou ensinar determinado problema técnico-musical. Sendo esse o objetivo do discurso, seria impossível se analisar uma peça pertencente a esse gênero sem que, em primeiro lugar, se busque a razão didática para qual ele foi criado, sendo esse o aspecto que guiará os demais.
O problema de definição é agravado pelo interesse que a ideia de gênero despertou na indústria cultural, sobretudo em seus setores relacionados à fonografia. Isso porque, para fins mercadológicos, não há valor algum nas propriedades persuasivas inerentes a cada gênero, mas unicamente aquela acepção de Dalhaus, onde o valor do gênero reside exclusivamente em sua funcionalidade social. Esse critério cabe às intenções do mercado, já que os rótulos otimizam a divulgação do produto de modo mais intensivo a determinado público-alvo e facilitam a inserção de novos itens a uma mesma prateleira, ou seja, ao mesmo público consumidor. Com a Internet e sua possibilidade de algoritmizar entradas digitais, torna-se possível o mapeamento dos gêneros musicais mais ouvidos por cada consumidor, de modo que o marketing seja cada vez mais incisivo e efetivo. Aliás, o próprio Luciano Berio chega a afirmar que essa divisão do público não tem valia alguma para a composição musical, mas tão-somente à industria musical.
Nessa acepção, os gêneros são divididos por grupos variavelmente estáveis de potenciais compradores, onde o que delimita suas possibilidades são fatores socioeconômicos, como renda monetária e escolaridade. Aqui não há espaço para se falar em níveis de gênero, pois as redes de significados estão longe de interessar ao mercado. O máximo que pode ocorrer, determinado por critérios iguais, é a classificação de sub-gêneros, objetos musicais superficialmente diferentes, que possuem a mesma e fundamental função social. A ordem da análise é uma adaptação mercantilista de um fenômeno identificado pelo etnomusicólogo John Blacking em diversas sociedades, por ele denominado de "sound groups". De fato, os diferentes tipos de música reuniriam pessoas mais afeitas a ele, fazendo com que a música tenha um poder social agregador. Ainda, ela seria uma consequência do papel social do individuo, já que em uma comunidade, é lógico que os encarregados pelos afazeres religiosos estarão mais próximo da música feita para esse fim, por exemplo. Contudo, esse aspecto social não exaure o discurso de outras dimensões criativas, pois é um fenômeno a posteriori, diferente da música que engendra um discurso especificamente voltado a seu consumidor, estabelecendo ao invés de sounds groups, uma cultura de sounds grouping.
Por essa razão há dificuldade de se considerar como gênero musical certo tipo de discurso só porque suas propriedades estruturais são muito particulares, até porque, na realidade do mercado, tudo o que poderíamos analisar seria um único gênero, a música erudita ou clássica. No máximo nos seriam concedidos sub-gêneros como música de orquestra, concertos com solista, música de câmara, canções, etc... Quando avaliamos o conceito de gênero a partir dos gêneros discursivos advindos da retórica clássica, o que mais deve ser modificado são os atuais critérios de classificação, pois cada conjunto de significados aceito demanda um tipo particular de adesão, ou seja, de continuidade e pregnância, pode ser denominado como gênero musical.
A música contemporânea se encontra em uma situação complexa, pois a tensão que vimos ser responsável pela classificação de um gênero, encontra-se de fato danificada pela razões apontadas por Dalhaus. Tal independência social proporciona maior liberdade, de modo a desobrigar o compositor de atender padrões pré-estabelecidos. Todavia, o aspecto significativo que o gênero possui é ainda passível de ser utilizado e pode, inclusive, oferecer pistas da real situação de determinados aspectos pertencentes à ordem da funcionalidade social. Sendo assim, na busca por um gênero no qual a Sequenza XIV possa estar inserida, poderíamos considerar a própria série das Sequenze como um nível complexo de gênero, devido às suas propriedades particulares referentes à adesão. Se o termo gênero incomoda, é porque esquecemos de seu significado primeiro, de familiaridade entre vários discursos. Aliás, o próprio Berio reconhece que a construção dessas peças à maneira polifônica de Bach, todavia, sem o contexto barroco que favorecia a comunicação dos significados, resultava em busca quase que utópica.
Em relação à continuidade da peça, podem ser elencados os elementos que caracterizam o discurso de todas as peças da série: a construção de um discurso polifônico com recursos melódicos ou, mesmo, com instrumentos monódicos, por meio de uma polifonia latente ou implícita; a virtuosidade demandada do interprete, a partir da desconstrução da técnica do instrumento e sua história, fazendo dialogar passado e futuro. Cumprindo a esses paradigmas, Berio, em seu trabalho gestual, garantiu continuidade a todas elas, todavia partindo desses a priori. Os elementos particulares que evidenciam a ideia de um gênero próprio são desenvolvidos de modo a serem realmente perceptíveis pelo Auditório, não se bastando como elementos subliminares ao discurso. Berio faz uso das repetições e, por conseguinte, da memória, para formalizar o gênero no instante da escuta, o que afeta tanto esses pilares estruturais quanto a própria forma, como veremos posteriormente. Isso ficará mais claro no capítulo posterior onde abordaremos o uso dos gestos musicais na Sequenza.
Quanto a pregnância, a grande questão está no fato de que esse discurso polifônico, por mais utópico que seja na comunicação dos significados, cria uma possibilidade de escuta que deve ser explorada pelo executante. Berio intenta a sugestão dessa escuta em sua escrita, por isso incute tal potencial no material, acrescentando um novo aspecto de pregnância, além da própria dimensão morfológica do som. Talvez seja aqui que resida umas das questões mais intrigantes desta décima-quarta peça de série. Berio faz uso do mencionado atributo polifônico para, não só confirmá-lo, mas desafiá-lo.
Durante o desenvolvimento da peça, constava como subtítulo a palavra "Dual", devido à aplicação de maneira aparentemente independente das duas mãos na seção percussiva inicial e intermediária. Esse subtítulo esteve presente ainda na primeira edição da peça, que foi estreada em 2002, como pôde ser confirmado nos arquivos da Paul Sacher Stiftung. Isso evidencia ainda mais a importância dessa seção percussiva. Todavia, essa independência existe apenas no plano da coordenação motora exigida do instrumento.
Nesta Sequenza Berio introduz uma novidade, que vai de encontro ao paradigma polifônico da peça, que é a construção de uma monodia com recursos polifônicos, por meio de sínteses aditivas. Sendo assim, na verdade o que a mão direita realiza é a produção do ataque de um som cuja ressonância é, por sua vez, produzida pelo tapping da mão esquerda. Um trecho representativo desse momento é esta sequência de doze tempos com suas permutações:







Fig. 13: Sequenza XIV, p. 1, linhas 1-2
A partir do resultado encontrado pela análise passa a ser possível construir a sonoridade objetivada pelo compositor. Não se tratam aqui de duas linhas polifônicas distintas, por isso o desafio do interprete é homogeneizar os dois sons, de modo a criar uma síntese cujo ataque parte da mão direita, mas a ressonância é produzida pela mão esquerda. Tendo estabelecido esse objetivo, a maior questão a ser levada em conta é o equilíbrio dinâmico entre as duas emissões, assim como a manutenção do papel de cada uma, pois se o ataque no tampo possuir um grau de ressonância que invada a altura definida da mão esquerda, a escuta sintética será perdida. Por outro lado, a clareza de articulação na mão esquerda é imprescindível, pois tendo seu papel de na composição do som, não lhe basta emitir apenas o knocking no espelho do instrumento, o que foi verificado em aula com o próprio Rohan de Saram.
Por fim, pode-se dizer quanto ao estabelecimento da Sequenza como uma estrutura de gênero em nível complexo, que mesmo outro compositor poderia adotar os mesmo paradigmas das Sequenze para construir uma obra, ainda que com outro título. Isso porque essa série possui características que ultrapassam o estilo ou um momento do compositor, mas são reflexos de uma estrutura de gênero criada e desenvolvida por ele, servindo como significante ao discurso.






CAPÍTULO 5
A ascendência retórica dos procedimentos composicionais atuais
A discussão sobre a gênese do discurso e a criação, ou melhor, a seleção da tese a ser defendida, é um tema amplamente abordado no Tratado da Argumentação. A grande novidade é a proeminência dada a entidade receptora do discurso no processo argumentativo, o auditório: "o ponto de partida da argumentação pressupõe o acordo do auditório (...). A própria escolha das premissas e sua formulação (...) raramente estão isentas de valor argumentativo". A própria escolha de uma tese, ou um tema para o discurso, emana um intento argumentativo.
Conseqüentemente, uma nova reflexão pode nos fazer entender como a música demanda em sua estrutura um certo tipo de procedimento composicional. Desde a Renascença, a música tem devido à retórica os procedimentos de seleção do material musical, como, por exemplo, a escolha de um sujeito na música imitativa, a ligação entre métrica e tonalidade a afetos específicos, ou mesmo a legitimação da improvisação como processo generativo. Essas questões foram demandadas pela realidade da música tonal, mas como a retórica pode estar presente na composição da música contemporânea?
O conceito da invenção retórica é uma estrutura bastante aberta, em que se busca mais por critérios para escolha do material inicial, do que um método rígido de criação por si só. Além disso, seu estudo de pontos cruciais pode ser uma referência válida para a procura por elementos retóricos nas práticas contemporâneas, pois as proposições da Nova Retórica são feitas para o atual estado da arte do pensamento humano.
Cícero, ao propor a divisão em cinco partes da retórica, define a inventio como "a concepção de tópicos verdadeiros ou prováveis , que podem tornar a causa de alguém parecendo provável". É importante mencionar aqui que o trabalho mais aprofundado feito nesse âmbito foi justamente aquele contido no livro dos "Tópicos", escrito por Aristóteles e, posteriormente, homonimamente feito por Cícero em sua atualização. Isso porque o estudo dos tópicos é justamente a sistematização da relação entre os pensamentos aceitos, ou seja, os lugares-comuns, e sua adaptação na formatação de argumentos. O orador poderia, por exemplo, partindo do fato de que todo homem ama sua terra natal, construir um argumento de ordem política que clame por esse valor. Sendo assim, uma forma correta e simples de entender essa parte da retórica é compreendê-la como o exame dos lugares-comuns entre o orador e o auditório e as maneiras de se expandir esses lugares para novos desdobramentos que a tese apresentada poderá demandar.
Essa definição é importante, pois o conceito de tópico tem sido utilizado dentro da musicologia atual de maneira bem distinta, principalmente no que tange o que será discutido posteriormente sobre as figuras. O postulado fundante da teoria está sintetizado pelo autor no seguinte parágrafo:

"A partir de seu contato com o culto religioso, a poesia, o teatro, o entretenimento, a dança, o cerimonial, o militar, a caça e a vida das classes baixas, a música do início do século XVIII desenvolveu um léxico de figuras características, que formou um rico legado para os compositores clássicos. Algumas dessas figuras estavam associadas com vários sentimentos e afetos; outras tinham um sabor pitoresco. Elas são designadas aqui como tópicas [no inglês topics] – temas para o discurso musical. As tópicas aparecem desenvolvidos como peças completas, ou seja, tipos, ou como figuras e progressões dentro de uma peça, ou seja, estilos. A distinção entre tipos e estilos é flexível; minuetos e marchas representam tipos de composição, mas também fornecem estilos para outras peças." (RATNER, 1980, p. 9)

Embora o autor parta de uma ideia semelhante àquelas de Aristóteles e Cícero, o salto dado para que o conceito pudesse ser aplicado ao discurso musical parece ter sido grande demais, a ponto de ignorar princípios retóricos fundamentais. O principal deles é o exame dos lugares-comuns entre o orador, nesse caso o compositor, e seu auditório. A única especificação quanto à entidade receptora está na limitação feita à música do início do século XVIII. Todavia, por mais homogêneos que os auditórios fossem, parece difícil crer que tais significados tinham conotações indiscutivelmente iguais para todos os casos. E por mais localizadas que as situações para as quais a música era concebida fossem, já existia um transito bastante amplo de compositores como Haydn e Mozart por toda a Europa, do Reino Unido ao Leste Europeu, para que seja possível aceitar que tais tópicas eram um léxico unívoco de criação. Quando expandida a reflexão para o conceito perelmaniano de Auditório, essa problemática se acentua mais ainda, eliminando, é claro, qualquer possibilidade de se atribuir tais tópicas ao discurso por si mesmo, sem se estabelecer em qual situação tais significados seriam negociados.
Isso se dá pelo fato de que as categorias clássicas de tópicos estão ligadas muitos mais a valores éticos e metafísicos do que a seus desdobramentos em casos específicos. Sem dúvida as categorias listadas por Ratner poderiam ser válidas em determinados contextos, todavia, a semelhança do que foi exposto acerca do gênero, apenas em um nível de alta complexidade, diferente do intento aristotélico de buscar valores elementares e indiscutíveis, de modo a construir bases para se desenvolver uma argumentação. Por fim, a interdependência que o conceito estabelece entre a tópica e sua realização figurativa, ou trópica, evidencia mais uma fragilidade conceitual frente ao arcabouço retórico.
A Inventio foi sim, utilizado na música do início do século XVIII, como um meio de se conceber materiais iniciais frente a situações dadas. Assim como um discurso verbal se dará frente a alguma controvérsia que exigirá a defesa de uma tese, seja ela propositiva ou negativa, o discurso musical também se dá frente a algum tipo de demanda, seja uma encomenda, ou mesmo uma ânsia estética, ou, ainda, uma motivação pessoal. Todavia, essa motivação inevitavelmente direcionará o fluxo discursivo.
Como ricamente evidencia DREYFUS (2004, p. 2), Bach e seus contemporâneos aplicavam tal estudo na invenção de temas sobre baixos cifrados dados, progredindo por materiais iniciais mais esparsos, até a criação sem nenhuma outra estrutura inicial, como o próprio Bach diz fazer em seu prefácio às Invenções a duas vozes, chamadas originalmente de Inventio. Bach praticou essa etapa ainda em sua análise, por exemplo, dos concertos de Vivaldi, que originaram não só suas transcrições, como os doze concertos para órgão a partir de concertos para violino de Vivaldi, mas foram estruturas básicas para sua própria escrita concertante. Esse diálogo com a música que lhe antecedeu, ou mesmo com a música que lhe era contemporânea, foi fundamental para o desenvolvimento de seu discurso dentro de uma continuidade histórica e estrutural.
Esse tipo de procedimento tem ainda uma presença fundamental dentro da música contemporânea, dentro daquilo que tem sido chamado de reescrita. Assim como Bach partia de uma estrutura vivaldiana, mas não se bastava nela, compositores como Webern e Berg fizeram o mesmo, e essa mesma ideia de se conceber a composição a partir de outra, tem sido explorada das mais diversas maneiras, se estabelecendo como uma categoria de procedimento corrente que apesar de manter espaço aberto para o trabalho de cada compositor, proporciona um material inicial sólido. Uma reflexão importante é que, por mais que Bach tivesse um ponto positivo a seu favor, que era o sucesso estabelecido de Vivaldi com o público, seu maior interesse era realmente pedagógico e mesmo criativo, pois ambicionava a explicitação daquilo que ele via implícito na obra do italiano. Essa compreensão esclarece o modus operandi da reescrita dentro da linguagem musical contemporânea.
A reflexão toma uma forma mais objetiva quando a aplicamos em nossos objetos de análise. Em relação a Sequenza XIV, o primeiro e mais determinante ponto é a vontade que Berio tinha de prestar uma homenagem ao violoncelista inglês Rohan de Saram. Eles tinham um longo histórico de trabalho juntos, já que Saram era violoncelista do Arditti Quartet e também solista de músicas escritas por Berio. O compositor usou o fato de Saram ser um descendente do Sri-Lanka e pediu a ele alguns exemplos musicais do seu país, levando em consideração que Saram também tocava o Kandyan Drum, um instrumento percussivo de rituais. De todo o material que Saram gravou e transcreveu, Berio escolheu um ritmo de 12 batidas para ser a célula condutora das sessões percussivas da peça.







Fig. 14: Kandyan Drum (Fonte: https://www.flickr.com/photos/kandyan_art_association/7411388104/)






Fig. 15: A sequência de 12 tempos escolhida por Berio

A escolha do material mostra uma intenção de se elogiar, que corresponde aos princípios do discurso epidítico, prescrito por Aristóteles, o que significa que esse não é apenas um discurso para Saram ou sobre Saram, mas a partir de Saram. Esse gênero grego de discurso era usado em situações em que uma pessoa enaltecia ou censurava alguém através da argumentação sobre um valor específico, e não falando sobre toda a sua personalidade. Dessa nobre vontade, Berio construiu um discurso quase biográfico, reunindo elementos da vida de Rohan de Saram, mas ele, de fato, foi além, explorando as possibilidades musicais de trabalho com esses elementos. Essa é uma afirmação importante, já que a principal intenção aqui não é fazer uma música meramente étnica, mas o próprio Saram é o elemento inicial de continuidade entre as ideias. Uma prova dessa afirmação é o fato de que Berio faz uma série de permutações daquele tema de 12 batidas, deslocando ele de onze a treze tempos. Essa mudança surpreendeu Rohan de Saram, que tentou corrigir Berio, mas foi alertado pelo compositor sobre sua intenção.
Isso não é incomum na história da música: um gosto pessoal ou característica da pessoa honrada é o objeto escolhido, a tese que será trabalhada com dado procedimento. No entanto, a origem desse tipo de critério é precisamente a ascendência retórica no processo composicional, que alimenta o ciclo discursivo entre orador e audiência e assim por diante.
Essa escolha de um material exótico também é um ponto de muita importância para a compreensão da peça. Desde suas famosas Folk Songs, Berio fez uso exaustivo da música folclórica de diversas regiões do mundo, assim como repetiu em Voci, Coro e diversas outras. Todavia, maIs do que estabelecer um tópico étnico de significância, Berio propõe, ao utilizar esse tipo de material, uma revisão dos próprios pressupostos estéticos que subsidiam a música do século XX em sua fenomenologia imperativa, como fica claro em sua própria explicação:

Eu sempre retorno à música folclórica, porque eu tento estabelecer contato entre ela e minhas próprias ideias sobre musica. Eu tenho um sonho utópico, que eu sei que não pode ser realizado: eu gostaria de criar uma unidade entre a música folclórica e a nossa música – uma continuidade real, perceptível e compreensível com o antigo fazer musical popular, que está exatamente entre o nosso trabalho cotidiano e a nossa música" (BERIO apud. STENZL, 2001, p. 5)

Um segundo elemento é a própria série das Sequenze, ou, a partir do que já foi discutido, dentre desse gênero de nível bastante complexo. Além do ponto anterior, Berio escolheu uma certa maneira de estruturar esse elogio. Essa peça é a décima quarta de uma série que começou em 1958 com a Sequenza para flauta. Os aspectos que unificam todas elas são: (1) tentar escrever polifonicamente para um instrumento monódico, (2) a virtuosidade demandada do instrumentista e (3) A sequência de alturas trabalhadas, especialmente o intervalo do trítono. O título foi definido desde os primeiros rascunhos, incluindo, no momento, o subtítulo "Dual.
Como Berio diz em seu artigo "Form" de 1961, a falta de uma forma de senso-comum à música sem tonalidade é um dos principais desafios aos compositores contemporâneos. Apesar das tentativas de reviver a rígida ocorrência da forma sonata, os compositores criaram suas próprias estruturas formais, tentando definir um deslocamento sintático do material que permitiria a negociação de significado dentro da música. Esse tipo de abordagem no pensamento composicional de Berio se aproxima da proposta de Perelman, para quem a escolha do lugar onde o discurso se faz, o grego tópoi, é uma decisão que implica numa gama de significados que podem ser usados como premissas, os entimemas. Portanto, quando Berio decide colocar essa peça dentro dessa série específica, ele decide adotar uma série de paradigmas criados por ele mesmo, proporcionando um contexto musical à peça. Essa decisão encontra uma expressão imediata na mudança que Berio faz na afinação regular do violoncelo. A corda Sol é afinada meio tom acima, resultando na scordatura Lá-Ré-Sol#-Dó, o que cria um trítono já nas cordas soltas e aumenta a possibilidade da ocorrência desse intervalo.
O terceiro e mais sólido ponto é a escolha do instrumento, nesse caso, o violoncelo. Para Berio, um instrumento musical é toda uma dimensão de história e tradição em vez de um mero emissor de som. O instrumento é a chave para constatar um topos, e aqui Berio quer encontrar um lugar onde ele possa dialogar com o passado, presente e futuro do repertório do instrumento, mas também dialogar com o histórico do público; todo o seu repertório anterior que cria expectativas do instrumento que é visto no palco. Esse lugar onde duas pessoas diferentes podem se comunicar através do discurso é chamado, desde Aristóteles, de lugar-comum.
O lugar comum é um conjunto de argumentos incontestáveis, que podem ser usados como uma base consensual para a troca de informação. Para Aristóteles, a efetividade de um discurso está na habilidade do orador em reconhecer o modo certo de falar com a audiência. Às vezes, uma colocação pode ser dita como uma verdade absoluta, mas alguém pode se levantar contra ela, questionando sua fundamentação..
No nosso caso musical, o lugar comum foi estabelecido na música antiga como um mecanismo que escolhia temas existentes dentro do repertório conhecido pelo público para criar outra peça com uma ligação pré-estabelecida com a audiência. Posteriormente, esse lugar passou a ser utilizado na escrita da música tonal, quando o bem estabelecido sistema tonal era aceito ou desafiado dentro de uma determinada obra.
Após os novos recursos musicais contemporâneos, não é mais surpreendente quando um acorde de dominante não é sucedido pela sua tônica, portanto, o compositor deve buscar novas (ou antigas) conexões com sua audiência. Acaba por ser muito inovador quando um som é criado através do ataque de um golpe no corpo do violoncelo e a ressonância vinda de um tapping da mão esquerda em uma nota definida. Esse modo de jogar com tradições estabelecidas permitem que Berio crie tensões comunicativas no discurso, já que para ele "é muito importante entender (...) que um instrumento musical é por ele mesmo um fragmento de linguagem musical".
Discutir sobre os tópicos nos permite inserir outra grande contribuição do corpo conceitual de Perelman, que é a associação de tópicos quantitativos e qualitativos com o classicismo e o romantismo, respectivamente. O lugar da quantidade contém uma série de argumentos como "uma coisa é mais importante que outra se é mais antiga ou se é conhecida por um número maior de pessoas", por exemplo. Por outro lado, o lugar da qualidade ocorre quando a raridade de algo o faz mais valioso que outras coisas, ou um evento urgente ultrapassa a regra aplicada em situações comuns. Essa dicotomia é constantemente apresentada em decisões feitas pelo compositor quando a sua vontade de estar mais próximo da audiência se encontra com ideias e projetos pessoais.
Portanto, está claro que a habilidade artística é, em geral, um ponto entre esses dois extremos. A grande diferença está na distância em que cada compositor quer estar entre servir seus intentos de originalidade e ter um completo entendimento da audiência. A retórica é esse espaço amplo onde o compositor pode fazer escolhas procurando pelo efeito na audiência e por onde é possível conduzir a efetividade de seu produto final em comparação com as intenções iniciais
Outro argumento de que a demanda composicional emana certos tipos de procedimentos é o contexto de Les Mots Sont Allés..., escrita por Berio em 1979, em ocasião de uma encomenda coletiva feita pela Paul Sacher Stiftung em honra do aniversário de 70 anos de seu mecenas. A encomenda sugeria que o nome de Sacher originasse a série "eSACHERe", a partir das notas, algumas de maneira improvisada, Mib , Lá, Do, Si, Mi natural e Ré.
Todavia, Berio foi além, fazendo uso não só das alturas da série, mas dos fonemas do nome, já que era esse um procedimento intensamente estudado por ele nesse momento de seu percurso composicional, como forma de ampliação do sentido do discurso musical. Assim, através de um material inicial, Berio pôde extrair a tese gestual que seria ampliada por toda a peça.






Fig. 16: Série inicial de Les Mots sont Allés..., com as letras/fonemas correspondentes.

Já nosso outro objeto de análise, Maknongan, foi publicada em 1976 e pertence ao fim da carreira de Scelsi, quando seu método de composição era bastante improvisativo, em sua grande parte após ele tocar em um estranho instrumento chamado ondiola. Essa improvisação era gravada, e então o compositor fazia os ajustes para a peça final, um processo muito diferente do minucioso trabalho de Berio.
Como foi constatado, a legitimação da improvisação como processo gerador foi uma contribuição feita pela retórica à música instrumental, a saber em peças phantasia. Esse gênero não era livre e disforme, mas seguia alguns princípios para que se mantivesse a unidade e continuidade. Na música tonal, a variação de um tema ou o trabalho virtuosístico em uma determinada tonalidade ou progressão de acordes eram os dois modos de atestar algum tipo de tese musical.
A música de Scelsi está inserida em um contexto pós-tonal, portanto sua tese musical vai muito além que uma organização de notas. Sua principal preocupação era descobrir a vida dentro de um som. Para ele, a música habitava o coração, o centro do som, portanto esse procedimento de improvisação deu a ele a oportunidade de explorar o som em todas as suas possibilidades, como ataques, dinâmica, articulação, timbre e todos os elementos inseridos no som. Maknongan é o registro de sua exploração ao redor de um Sol# no baixo com todos os seus harmônicos e freqüências vizinhas, modulados por uma grande gama de nuances. Aqui, o som é a tese a ser defendida.
O instrumento musical também possui uma importância retórica para Scelsi, mas muito mais os registros, Essa é a causa porque ele prescreve que Maknongan pode ser tocada por vários instrumentos, todavia todos eles de tessitura grave. Isso porque na busca pelo "centro do som", as fundamentais graves proporcionam um acesso muito mais direto a seus parciais harmônicos, tendo já a decisão inicial um vislumbre do objetivo sonoro.
Assim, é possível ver a profunda influência da retórica na composição musical contemporânea, mesmo quando o material não é tonal. O estudo desse recurso milenar pode ajudar o músico, tanto compositor quanto instrumentista, a entender o desenvolvimento do discurso musical em todas as suas instâncias. Desde as primeiras idéias, a intensidade com a qual o compositor almeja afetar a audiência está presente no ponto central da peça. Esse método de criação oferece recursos para alimentar a criatividade e selecionar os elementos certos para se construir o mundo dentro da peça.
Dessas duas manifestações musicais distantes e seus objetos longínquos, ainda é possível notar traços da retórica na realização da intenção dos em suas relações com a audiência. Lugares argumentativos, os tópicos, são um objeto eminente que estará ainda mais presente nos estudos musicais se forem priorizados junto com o estudo da audiência e as presunções que cada compositor tem dessa entidade. O corpo conceitual da Inventio vai além de referências culturais ou sociais que a música pode ter dentre suas figurações, mas define o regime de signos em que a peça é construída com cada um de seus elementos, desde os instrumentos musicais adotados, aos paradigmas estruturais estabelecidos, em qualquer grau de definição.
O exame que a análise musical faz nos processos usados pelo compositor é mera informação histórica se não é coordenada com o estudo da concepção das idéias e da disposição e trabalho da substância musical. A mesma retórica que outrora concedeu seu arcabouço criativo pode, hoje, oferecer à musicologia ferramentas mais eficientes para consolidar a interpretação de toda a informação relacionada à musica.



CAPÍTULO 6
Dispositio: uma leitura retórica da forma musical contemporânea

Após a gênese da ideia inicial, o desenvolvimento que esse material terá será dirigido pelos intentos persuasivos intrínsecos a ele, sendo direcionado, sobretudo, pelo estatuto do auditório, como já discutido. Dentro do sistema retórico, a parte que segue essa primeira concepção é a dispositio, definida por Cícero como "a distribuição dos tópicos que foram concebidos com ordem regular ".
Essa parte da retórica ficou mais conhecida pela acepção encontrada na Institutio Oratoria, de Quintiliano, onde ele a apresenta e a desenvolve com muitos pormenores, chegando à seguinte estrutura do discurso: exordio, ou proêmio, parte onde se introduz o discurso e se capta a atenção do auditório; narratio, onde se apresenta o problema para o qual irá se propor uma tese; propositio, onde a tese é propriamente apresentada; confutatio, onde se argumenta em defesa da tese proposta; refutatio, parte que abriga as contra-argumentações e suas refutações; peroratio, conclusão do discurso, onde são sumarizados os principais pontos e o modo como eles foram efetivos em defender a tese principal . Entretanto, é interessante notar que essa é uma atualização de Quintiliano justamente porque seu pensamento não coincide exatamente com os postulados aristotélicos, como será discutido mais adiante.
A adaptação que os dados iniciais devem sofrer não é apenas no âmbito do posicionamento, mas também da própria realização da ideia enquanto material. O exemplo de Aristóteles permanece sendo o mais claro para o entendimento sobre a forma como um mesmo fato pode ser apresentado de maneiras dispares, dependendo do intento persuasivo do orador: Orestes poderia ser o assassino de sua mãe, mas também o vingador de seu pai. Nesse ponto, perpassa um conceito fundamental à toda a tradição retórica que o kairos, que encontra uma problemática já em sua definição, mas que basicamente compreende o exame da situação na qual o discurso se dará para que ele se adeque a tal demanda.
Sendo assim, a reflexão sobre a ocorrência desse trabalho formal na contemporaneidade, mais especificamente dentro do discurso musical, passa basicamente por duas discussões principais. O primeiro ponto é a questão da forma enquanto estrutura organizacional tomada a priori na construção do discurso. O segundo, a adaptação de uma ideia em relação ao intento persuasivo do discurso como um todo.
Tão logo a música passou a fazer uso da retórica como um conjunto de principios que conduziria à persuasão de outrem, ela também assumiu suas diretrizes acerca da disposição do material e seu desenvolvimento dentro do corpo discursivo. Não é demais lembrar que o principal tratado de retórica e mais constante objeto de estudo na area era a Institutio Oratoria, de Quintiliano. Logo, o entendimento dessa dimensão discursiva partia, para boa parte dos músicos, das proposições estruturais mais complexas de Quintiliano.
Mesmo dentro de peças cuja organização harmônica denotaria uma forma binária, a disposição das frases em seu arranjo figurativo cumpriria de maneira mais ou menos clara a estrutura retórica, desenvolvimento esse que foi gradualmente se esclarecendo. Essa aproximação em direção à estrutura do discurso retórico operava não só na construção de peças específicas, mas também na organização de grandes obras, como é o caso da Oferenda Musical, de J. S. Bach, onde a controversa ordem dos movimentos só foi estabelecida quando foi entendido o significado complementar que a grande estrutura tem e sua origem na retórica de Quintiliano, ainda que via Melanchton.
Ainda que essa relação possa nos parecer forçada, é necessário compreender que por mais teóricas que as discussões fossem, o foro real onde a controvérsia se estabelecia era a própria música. A segmentação do discurso dialogava assim com as segmentações do próprio falar e, ao se aproximar desse padrão, permitia que os afastamentos dele também tivessem seu valor expressivo. Ordenava-se os eventos de modo que as sucessões fossem feitas obedecendo à constituição de coerência entre os materiais, para que quando essa ordem fosse rompida, tal ato fosse por si mesmo um evento.
Uma grande revisão feita sobre essa questão é aquela de Mark Evan Bonds em seu livro Wordless Rhetoric. Bonds acompanha o desenvolvimento dos tratados de composição desde o Der Vollkommene Capellmeister de Johann Mattheson (1738) e mostra como a compreensão da forma estava intimamente ligada ao modelo retórico em um sentido mais amplo do que a mera disposição fraseológica ou ao cumprimento de um certo tipo de estrutura harmônica. A formalização do discurso musical, ou seja, a emancipação desse aspecto como uma estrutura externa às demais, foi acontecendo gradualmente, seguindo o mesmo caminho do abandono do estudo da retórica como disciplina. Isso culminou na compreensão formal romântica que objetivava a organicidade da forma, como se essa dimensão já estivesse circunscrita dentro do material temático, não como potencialidade, mas como contingência, cabendo ao "gênio" explicitá-la, fazendo germinar a planta que a semente determina dentro de si.
A maior contribuição de Bonds ao estudo da forma em sua ascendência retórica é a compreensão que ele apresentada da forma, ainda no classicismo, como estrutura tanto conformativa, quanto generativa. A forma conformativa é aquela que acontece a priori e, portanto, oferece à música um direcionamento estrutural a ser cumprido, cabendo ao material musical se conformar a ela. Já a forma generativa é aquela que se dá a posteriori, simultânea ao processo composicional, sendo ela mesma uma criação desse processo como um material musical moldável. Essa visão bipartida da forma possibilita a compreensão sobre a maneira pela qual a organização do discurso agregaria ao valor da persuasão, pois, mais necessário do que atender aquilo que já havia sido feito em discursos concorrentes, era conseguir comunicar uma ideia musical através da própria manipulação da forma. Isso justifica a existência de uma noção paradoxal de forma que há na análise hoje, onde procura-se o cumprimento de uma estrutura formal rígida, e ao mesmo tenta-se explicar as decisões que porventura não caibam nessa compartimentalização.
Desde o romantismo estabeleceu-se um modelo analítico que eliminou o âmbito generativo da forma e que permaneceu interpretando unicamente como uma fôrma, ou seja, em sua acepção conformacional. Toda a significação que a retórica atribuia a esse processo, que acabou por gerar as formas de sonata, foi diluída em uma busca por modelos universais, que culminou na grande "forma-sonata", não só então praticada mas também atribuída ao repertório anterior. O problema é que a autonomia dada ao aspecto formal não é suficiente para interpretar nem ao menos essa música do período clássico. A razão é que a grande tese nessa música tonal do século XVIII não era a organização melódica ou harmônica, mas a própria tonalidade. A organização melódica e harmônica, na verdade, eram recursos, "argumentos" para se defender ou afirmar essa grande proposição que era obedecida e desafiada dentro do discurso e, portanto, se comportavam como material generativo.
A própria concepção estrutural de Quintiliano era vista menos como um arcabouço rígido e mais como ponto de reflexão para o compositor sobre o lugar de entendimento da audiência. O trecho inicial de uma peça conteria uma funcionalidade proêmica por mais que não tenha sido concebido com tal intento, pois inevitalvemente ele seria a introdução de um dado discursivo dentro da dimensão temporal. Essa lógica conduz a uma compreensão da forma como as fases do processo de adesão, operando, como proposto por Perelman, em função do Auditório. Na realidade, se for revisto o próprio tratado de Aristóteles é possível identificar uma discrepância fundamental quanto à concepção da dispositio em seus trabalho retórico.
Aristóteles introduz sua apresentação das partes do discurso enfatizando que deve-se encarar a distribuição dos dados em dois grupos ou seções, a exposição e a demonstração, sendo que no primeiro a tese é apresentada e na segunda ela é provada. Apenas a partir dessa ênfase ele irá explanar brevemente sobre as subseções, mas sem deixar de lado que o enrijecimento do discurso em torno dessas segmentações exacerbadas seria uma "distinção ridícula". Isso corrobora ainda mais para a compreensão da forma como um estudo da percepção temporal do discurso em sua sucessão de eventos.
Antes que se prossiga para o estudo das concepções contemporâneas sobre a forma musical e sobre o modo como elas almejam a adesão da audiência, parece cabível apresentar uma citação do Tratado da Argumentação, que, apesar de extensa, define claramente as diretrizes que norteiam a visão atualizada da retórica sobre a forma do discurso:

"Recusamos separar, no discurso, a forma do fundo, estudar as estruturas e as figuras de estilo independentemente da meta que devem cumprir na argumentação. Iremos mais longe até. (...) O que focalizaremos no exame da forma do discurso, na medida em que a cremos discernível de sua matéria, são os meios que possibilitam a uma determinada apresentação dos dados situar o acordo num determinado nível, imprimi-lo com certa intensidade nas consciências, enfatizar alguns de seus aspectos. É pensando nas variações de forma, nas diferentes apresentações de certo conteúdo, que, aliás, não é completamente igual quando apresentado de modo diferente, que será possível descobrir a escolha de uma determinada forma. Assim como a existência de mais de uma interpretação possível nos permite não confundir o texto com os sentidos que se lhe atribuem, assim também é pensando nos diversos meios que o orador poderia ter utilizado para dar a conhecer ao auditório a matéria de seu discurso que conseguiremos, para as necessidades da exposição, distinguir entre os problemas levantados pela apresentação dos dados e os relativos à escolha dele." (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 162)


A forma musical entrou em colapso em meados do século XX, devido ao engessamento criado pelos formalistas, que concebiam as macroestruturas do discurso como esqueletos inalteráveis que seriam necessários serem mantidos para que se desenvolvesse a continuidade nos outros parâmetros musicais. Isso permaneceu até que a própria ideia de uma organização pré-estabelecida do material foi questionada e novas estratégias passaram a ser adotadas para a organização temporal dos eventos.
Um dos momentos mais emblemáticos da reação a essa situação foi a prática da chamada música aleatória. Na busca por escapar das predeterminações, as decisões generativas seriam tomadas passo a passo da maneira mais randômica possível, fazendo uso, por vezes, até de dados ou outros dispositivos que garantissem o "descontrole" formal do compositor. Entretanto, mesmo esse procedimento se esgotou e mostrou sua debilidade quando confrontado com o fato de que, embora os eventos localizados pudessem divergir de momento a momento, a grande estrutura que abrigaria as seções aleatórias deveria ser de uma forma ou de outra disposta pelo compositor, que não seria capaz de organizar possibilidades infinitas de variabilidade, incorrendo novamente à constituição de uma estrutura formal.
A experiência aleatória foi importante para conduzir o pensamento sobre a forma musical para um próximo estágio, que agiu de maneira mais madura frente às suas limitações e possibilidades, que foi a concepção da obra artística como uma obra aberta. O conceito tenta delimitar os espaços que permanecem livres de influência formal, de modo a explorar essas lacunas com construções que possibilitem uma maior independência para a recepção. Luciano Berio explica da seguinte forma a preponderância dessa forma generativa:

"Uma concepção de forma musical que tende à abertura implica no desejo – se não exatamente na possibilidade – de seguir e desenvolver caminhos formais que sejam alternativos, inesperados, não-homogêneos, e o mais importante, não lineares. Mas alternativos e inesperados com relação ao quê? Obviamente, principalmente com relação a termos estabelecidos pelo compositor na concepção concreta do trabalho. Em qualquer obra que pode ser definida como aberta, há um óbvio paradoxo" (BERIO, 2006, p. 80)

Esse caminho conduz à necessidade de uma proposição sobre a forma do discurso que se mostre epistemologicamente coerente frente a um pensamento artístico que identifica a própria noção de forma como insuficiente, ou seja, que questiona o duplo matéria x forma. Simondon propõe, em contraposição às teses substancialistas, que os processos físicos e coletivos são, na verdade, operados através do mecanismo da individuação, que é a atualização do pré-individuo virtual, metafísico. Dá-se lugar assim a um movimento de constante devir, impulsionado pelas forças energéticas em jogo. Trata-se justamente da impossibilidade de se isolar a informação da forma, de se poder compreender uma matéria amorfa ou uma forma pura.
Dentro da realidade do discurso musical, auxilia o desdobramento da individuação, dado por Simondon, que é o processo alagmático, termo vindo do grego que denota mudança, em um sentido mais amplo. Esse processo abarca duas operações, que são as de modulação e de demodulação, que funcionam justamente como um agenciamento de forças que oferece continuidade a uma sucessão de eventos ou objetos musicais, dentro da dimensão temporal. Como resultado, tem-se gerado um corpus comunicativo, nos âmbitos analíticos e simbólicos, através da sucessão de continuidades e cortes do material sonoro.
A partir dessa concepção, parece ilegitima a busca por uma compreensão retórica da forma na música contemporânea, pois a arte clássica de fato propõe estruturas básicas de disposição, ainda que exposição e prova, e identifica importância para o ordem de apresentação dos materiais. Isso se dá justamente pelo fato da retórica clássica partir do pressuposto aristotélico da hilemorfia, que entende como entidades separadas matéria e forma. Todavia, mais uma vez a revisão da Nova Retórica se mostra fundamental para que essa relação possa ser discutida. Devido a centralidade dada ao Auditório dentro das relações discursivas e suas negociações de significado, a forma passa a ser vista mais no seu papel de produtora de sentido do que como operadora organizacional. É por isso que o trecho supracitado enfatiza tanto que essa relação é absolutamente interdependente, sendo que matéria e forma dialogam não como substâncias, mas como unidades perceptivas, compondo ambas o material discursivo que conduz à adesão (continuidade e pregnância): "É pensando nas variações de forma, nas diferentes apresentações de certo conteúdo, que aliás não é completamente igual quando apresentado de modo diferente". Assim, a forma a priori dá lugar a um mise-en-forme, uma forma que na realidade não se refere a um atributo do discurso, mas sim a um atributo da percepção em formatação, que comunica "estratégias de escuta musical e de concepção de um tempo de escuta".
Ao se pensar a forma do discurso musical como um processo que se dá no tempo, acaba por ser necessário definir a própria noção de tempo no qual o discurso se realiza. Dentro do arcabouço clássico havia três acepções gerais de tempo: aeon (αἰϝών) , o "tempo" da eternidade; chronus (Χρόνος), o tempo medido, quantitativo; kairos (καιρός), o tempo localizado, situacional, qualitativo. Aristóteles apresenta a retórica justamente como a arte de buscar o persuasivo em cada situação, definindo o âmbito kairótico do discurso retórico. Cícero latiniza não só o termo como o conceito, sob o nome de decoro. Na teoria, o decoro seria um sinônimo ao kairos, todavia, essa latinização trouxe consigo uma acepção diferente, que trazia embutida em si um juízo moral sobre o Belo e o Certo que seria almejado em que cada situação. O kairos era mais do que o estabelecimento de critérios morais, pois ele visava a persuasão, dentro da qual poderia inclusive haver o Belo e o Certo, mas que ia além, já que se preocupava fundamentalmente com as demandas discursivas localizadas.
Isso fortalece a ideia de que a forma musical rígida e pré-estabelecida não possui total sustentação na retórica, nem mesmo na clássica, pois se o discurso lidasse com tamanho grau de aprioridade, estaria se relacionando muito mais com estruturas passadas e, portanto, cronológicas. A retórica acontece no limiar entre o topológico e o teleológico (a adesão), ou seja, no presente. As tomadas de decisão no discurso são frutos da relação dialógica entre orador e auditório, fazendo com que a negociação dos significados, inclusive formais, não esteja nunca engendrada previamente. Kairos é o momento da atualização do virtual, o ponto de contato entre aeon e chronus, entre o temporal e o eterno. A enfase que litigia Perelman em prol do auditório implica em uma ontologia, da qual tempo e espaço são partes integrantes e essenciais, sendo a forma, assim, tanto temporal quanto ecológica.
A partir do exposto, fica claro que não se pretende estabelecer aqui nenhuma nova tipologia das formas, muito menos propor qualquer tipo de leitura univoca da estrutura formal dos objetos de análise. O objetivo é identificar o modo pelo qual a disposição do material contribui para a obtenção de continuidade e pregnância através do discurso. Berio parece corroborar com a presente acepção de forma:

"A perspectiva formal, estrutural e generativa da música de hoje, isto é, aquela pela qual tenho me interessado, são um convite à percepção dos extremos, o próximo e o distante, o banal e o complexo (...) em que a forma não é algo que "funciona", mas é agente e material de sua própria criação." (BERIO, 2013, p. 85)

Berio fornece assim mais um subsidio para que um critério formal já imanente a sua música fique ainda mais evidente, que é o trabalho com os contrastes, as dualidades. Assim como foi visto que a forma perceptiva estabelece continuidade através das modulações e demodulações, Berio em seu trabalho composicional possibilita a percepção formal quando decide interromper um determinado fluxo discursivo e adentrar um outro topos aparentemente oposto, mas que mantém a continuidade através de outros parâmetros musicais. No caso da Sequenza XIV, o corte textural que acontece entre as seções polifônicas e as seções monódicas exigem uma adaptação muito rápida da escuta, já que lidam com elementos também opostos, que são a maior quantidade de objetos sonoros na monodia, unidos através de síntese aditiva. Essa interrupção ganha significado, entretanto, quando se recorda da discussão sobre o gênero e como essas rupturas possuem um alto valor de pregnância.
Desse modo, é possível constatar serem aspectos mantenedores da continuidade a polifonia gestual composta pelo compositor, sendo a forma também um material discursivo, fruto do processo, comunicando macroestruturalmente em simultâneo aos eventos localizados. Por isso que ele afirma ser um pressuposto de sua escrita uma contigência perceptiva e mnmônica, que "permite ao auditório escolher e eleger seus elementos formais", outorgando-lhe uma "parte ativa da realização da obra". É nesse sentido que a obra é aberta na mesma medida que um debate é aberto, servindo a retórica como um arte de se encontrar o persuasivo em cada caso, em cada momento presente.
A proposta de divisão formal aqui apresentada pode auxiliar, então, a compreensão dos conjuntos de significados mais próprios a cada seção, auxiliando na interpretação do discurso, dada a transformação material que implica a percepção. Adotando o critério textural, parecem evidentes as seguintes seções:


SEÇÃO
LOCALIZAÇÃO
ATRIBUTO
TÉCNICA
A
1
Textura monódica
Percussão
B
2-4
Textura polifônica
Arco
A`
5
Textura monódica
Percussão
"Peroração"
6
Ambas
Ambos
Tabela 1: Esquema formal da Sequenza XIV


A primeira seção, A, tem início com uma pequena estrutura que apresenta o material técnico que é a síntese aditiva percussiva e a sonoridade paradigmática do trítono já fazendo uso da scordatura. Essas duas entidades são constituídas por gestos simples, mas que tem a função de preparar e construir a escuta demandada dali em diante como uma espécie de exordio para a acepção presente de forma. A seção segue, desenvolvendo gesto percussivo até alcançar a sequência rítmica de 12 tempos com suas permutações.
Após o encerramento dessa seção, há uma pequena transição executada com pizzicati de mão esquerda, que possibilita que o violoncelista segure seu arco para a seção que prossegue, chamada aqui de B. A seção tem inicio com um gesto que já sobreposições de camadas, seguido por uma outra categoria gestual, dando inicio a polifonia de gestos características às sequenzas. Esse desenvolvimento acontece durante as três páginas seguintes, onde, após a apresentação de cada novo gesto, acontecem os processos diálogicos entre esse gesto e os demais, sem que, contudo, se perca a clareza textural polifônica.
Na quinta página, uma nova seção percussiva tem início, tendo em comum com a primeira apenas o aspecto textural e, durante um pequeno trecho, o uso da sequência rítmica de doze tempos, chamada aqui de Seção A, por trazer de volta a primeira escuta, ainda que com materiais distintos.
Por fim, tem-se na última página uma seção final, grosseiramente denominada aqui de peroração, pois traz à escuta uma recordação de todos os materiais apresentados na peça, muitas vezes aliterados (processo discutido no próximo capítulo). Essa sumarização procura encerrar o discurso repetindo os mesmo gestos, que, todavia, já não são mais ao mesmo graças ao seu papel material que se construiu junto com o discurso.

























































Fig. 17: Seção A, principais eventos


Depois que foi definido o presente conceito de forma, parece ser muito simples e evidente a forma emanada pela Sequenza, sendo seus significados muitos patentes. Todavia essa peça apresenta uma característica processual que em muito interessa a essa reflexão. Apesar da escuta identificar uma forma através da sucessão temporal de eventos, essa forma generativa se dá na percepção e não necessariamente na composição. Diz-se isso, pois em sua estreia em 2002 por Rohan de Saram, toda a seção A, a primeira página, não existia! A negociação dos significados tem assim uma total reconfiguração, já que o processo que se revela na forma passa a ter uma significação totalmente distinta.
Em sua primeira versão, a Sequenza tinha início com este trecho:


Fig. 18: Gesto inicial da primeira versão da Sequenza (Fonte: Coleçaõ Berio/Paul Sacher Stiftung)


Embora seja possível se depreender que a versão final correspondia mais aos intentos discursivos do compositor, não há como eliminar o fato de que a primeira estréia foi feita e a peça tinha sua forma, sua sustentação para ser levada ao palco diante do público. A grande diferença é que a antiga disposição temporal atribuía outros significados aos mesmos gestos, pois haveria uma forma mais similar a um A - B - AB, com uma clara síntese das duas texturas apresentadas previamente na seção final. Prova, finalmente, a construção de significado feita por Berio, o fato de que apenas na última versão, poucos momentos antes da publicação final, o gesto de quintina da página final foi enxertado nela toda, completando-a com o único gesto que não constava nessa sumarização. Aliás, mesmo a atual disposição de páginas, que divide tão claramente as seções, só atingiu esse formato na versão final.




Fig. 19: Nenhuma das figuras em destaque nessa última página existiam até a edição final da peça (Fonte: Coleção Berio/Paul Sacher Stiftung)


Para Berio, a forma generativa é a única acepção da forma capaz de gerar significado dentro da realidade musical contemporânea:

"Alguns compositores só estão interessados na música como forma. Eu estou muito mais interessado no aspecto formacional, na música como um processo. A fim de ir a fundo no processo, a formação de uma forma, necessita-se dessas diferentes dimensões temporais. Às vezes experimenta-se a iluminação repentina de algo que te faz pular. Então gradualmente se descobre qual realmente é sua busca." (BERIO; MULLER, 1997, p. 19)


A liberdade formal possibilitada por seu processo composicional lhe dá, de fato, muito maiores possibilidades de trabalho com a forma perceptiva. O Auditório passa a estar em uma instabilidade tão grande quanto o próprio discurso. Passo a passo o material toma forma, e a forma se torna material, fazendo com que a ênfase na entidade receptiva seja definitivamente a melhor forma de se negociar significados para um discurso.
Essa questão está presente na Sequenza, mas acontece de uma maneira muito mais explícita em Les Mots Sont Allés…. Em seu processo composicional, a partir de uma série dada (eSACHERe, adaptada para Mi , Lá, Dó, Si, Mi e Ré), Berio gerou primeiramente todas as alturas utilizadas na peça, através de um enorme contraponto da série e de um estudo de transposições, como esse:


Ex. 4: Início do procedimento composicional com transposições da série. (Fonte: Paul Sacher Stiftung - cópia do autor)


Após estabelecer todo o parâmetro melódico da peça, Berio construiu uma primeira versão onde mais da metade das figuras ritmicas da versão final estão alteradas. Sendo que a clareza da forma A-B-A' dessa versão final é definida justamente pelo parâmetro rítmico, fica evidente que a forma foi uma construção a posteriore, independente, dentro de sua definição:

"Vamos imaginar um célula de alturas, por exemplo, ou uma sequência de alturas, que gera melodias, figuras, frases e processos harmônicos. Uma configuração rítmica molda essas melodias e gera padrões, glissandos de tempo, e distribuições descontinuas, ou mesmo estáticas dessas mesmas melodias e figuras. Camadas dinâmicas, técnicas e cores instrumentais, podem anular ou aperfeiçoar os caracteres individuais de cada processo, a natureza de sua evolução e o grau de sua independência. Às vezes essa independência pode se tornar indiferença e os parâmetro musicais podem seguir sua própria vida." (BERIO, 2006, p. 13)


Ao se prosseguir para o outro objeto de análise, Maknongan, é possível entender que, por mais díspares que sejam os materiais musicais, a ideia de uma forma perceptiva continua a prevalecer, todavia, nesse caso, através da condução da escuta para espaços distintos do som. A peça é construída em torno de um Sol #, por isso sua estrutura formal também relaciona com essa proximidade, se dividindo nas alturas predominantes em cada seção, conforme este esquema:


SEÇÃO
LOCALIZAÇÃO
Sol #
1-15

16-22
Sol #
23-26
Sol
27 (final)
Tabela 2: Esquema formal de Maknongan


São essas as notas que garantem a continuidade acústica da peça, sendo que é sobre tais estruturas que as articulações irão gerar as filtragens proto-espectrais que constituem o material musical da obra, ainda que sua duração seja reduzida.
A partir dessa revisão, fica claro que a música contemporânea inevitavelmente preserva uma ideia de forma, mas que necessita, para ser compreendida, que não se separe as entidades produtoras e receptoras do discurso. Se essa premissa fica clara, o exame das propriedades formais podem revelar preciosas informações sobre os significados da obra musical e suas intenções persuasivas. Para completar essa ideia, Berio faz um alerta muito interessante:

"Quanto mais a linguagem musical de hoje tende a se constituir e a se formar em referência a um sistema lingüistico, mais ela renuncia a sua significação; e, o que é mais importante, quanto mais as relações das estruturas propostas são predeterminadas, mais frágil é a consciência critica do público face a essas estruturas musicais" (BERIO, 1983, p. 37)


A retórica musical não é um operador meramente simbólico e, se coerente com seu arcabouço original, pertence a uma arte que impregna todas as formas de discurso, em todas as linguagens. Sendo assim, a dispositio não se coloca como um molde, mas como um estudo dos efeitos persuasivos da disposição e do posicionamento do material na dimensão temporal, no kairos no qual o discurso é colocado como mediação entre orador e auditório.
A análise dos objetos aqui interpretados evidencia que a disparidade de materiais característica da música contemporânea, emana uma diversidade formal, mas que mesmo assim guarda certas similaridades quanto às dualidades, os constrastes, entre as continuidades e cortes. Por fim, a acepção generativa da forma nos leva a repensar, em última instância, não só sobre as relações atuais com a música contemporânea, mas mesmo com a música antiga, que já fazia uso dessa ideia, mas que foi reinterpretada devido aos pressupostos analíticos românticos.


CAPÍTULO 7

Elocutio: sobre a possibilidade de figuras retórico-musicais hoje


Junto a questão dos afetos, sem dúvida o aspecto mais lembrado da retórica musical são suas figuras, as chamadas figuras retórico-musicais. Assim como na disciplina retórica os exacerbos na utilização desses dispositivos levaram a retórica a ser tida mais como uma eloqüência sofística, na música, os excessos figurativos fizeram dessa relação uma caricatura quase que dogmática, por conta da intensa sistematização e catalogação feita na conhecida Figurenlehre. Entretanto, como vem sendo mostrado desde o início deste trabalho, essas avaliações, ainda que legítimas, contam com certo grau de má compreensão dos fundamentos da arte retórica. Para que seja possível discutir a possibilidade de uma interpretação da música contemporânea que considere tais dispositivos, é necessário antes avaliar o percurso histórico dessa etapa do trabalho retórico e revisar sua validade no presente contexto.
O estudo das figuras retóricas e seu efeito persuasivo fazem parte da terceira etapa do trabalho retórico, a Elocutio, "a adaptação de palavras e sentenças adequadas aos tópicos já concebidos". Enquanto na Retórica de Aristóteles essa etapa é desenvolvida não tão extensamente quanto seu estudo sobre os valores do Auditório, nos tratados latinos ela ocupa a maior parte dos escritos, pois são sempre listadas as mais diferentes acepções de figuras, em listas que sempre pretendem exaurir as categorias, mas que acabam se desdobrando em compartimentos cada vez mais específicos e segmentados. Essa pode ser a razão do porquê boa parte daquilo que já foi mencionado até aqui sobre a retórica clássica não ser do conhecimento de boa parte da contemporaneidade. De figuras mais conhecidas como as metáforas e as hipérboles, até outras bastante específicas como a polysyndeton (uso seguido de várias conjunções), ou o hypallage (a inversão na sentença entre um objeto e seu epílogo), as listas somavam centenas de páginas, escritas em tom absolutamente prescritivo.
Na realidade, as figuras são recursos utilizados pelo retor para gerar argumentos a partir de valores já aceitos, negando-os ou os afirmando. Como a adesão só poderia ser obtida obedecendo ao equilibrio entre ethos, pathos e logos, não bastaria a essas figuras ter efetividade lógica, mesmo que algorítmica, se não resultassem também em um movimento das paixões. Por isso, seu estudo envolveu sempre o efeito artístico mais amplo que elas proporcionariam ao discurso, atingindo até mesmo a construção rítmica e métrica das sentenças. Por fim, as figuras podem ser definidas como os instrumentos dedutivos definitivos do discurso.
O que dá a essa categoria de expressão a capacidade de gerar uma conclusão, ainda que parcial, é o espaço semântico que ela ao mesmo tempo cria e problematiza entre o signo e seu significado, já que atinge o status de figura justamente por não se enquadrar no uso comum de seus elementos. Ao negarem seus significados primeiros, as figuras pairam em busca de significação, estando o discurso já preparado para suprir essa demanda. Essa dissociação do senso comum resulta em uma poiesis rica em estilo e expressão que, contudo, foram mais valorizadas que o próprio processo retórico por trás do desenvolvimento das estruturas.
Assim como as figuras retóricas se caracterizam por sua significação extra-ordinária, as figuras retórico-musicais nasceram como "aberrações" às noções tradicionais da composição musical, no início do Barroco. A transição de seu papel do início ao fim desse período foi a de instrumento a objeto da escrita. Em sua primeira acepção, enquanto ornamento, na verdade as figuras traziam muito do seu significado primeiro, pois ornare, em latim, justamente significava equipar, favorecer certa ação, nesse caso, a ação retórica.
De uma aplicação como ênfase, as figuras passaram a ser emancipadas como dispositivos musicais que continham tanto agrupamentos fraseológicos quanto procedimentos contrapontísticos. O nascimento dessas figuras era, às vezes, oriundo de adaptações feitas das figuras retóricas clássicas, todavia poderia se dar a partir de questões práticas e processuais da própria escrita musical. Essas classificações objetivavam não só uma tipologia das figuras, mas ambicionava sistematizar os efeitos que elas causariam no âmbito afetivo, de modo a constituir, de fato, uma Figurenlehre normativa, como o Lexicon de Johann Gottfried Walther o faz. Nele o autor faz um importante trabalho de reunir Figurenlehren de diversas origens.
Assim, as várias Doutrinas das Figuras existentes tinham objetivos variados. Na acepção de Wolfgang Printz, ela preservava seu uso ornamental advindo das diminuições renascentistas, da qual seria um exemplo a Figura corta; na de Athanasius Kircher, procurava a conexão das figuras com afetos respectivos, como a anabasis e seu caráter redentivo, dado ser uma figura com alturas ascendentes; para Christoph Bernhard, o uso das dissonâncias, como no passus duriusculus; para Johann Rudolph Ahle, o que importava era uma ligação com as figuras da retórica clássica, como fica claro em sua Epanalepsis, figura que à semelhança da acepção de Quintiliano, denomina a repetição de um mesmo elemento no decorrer de todo o discurso. Dentro dessa multiplicidade de teorias, a prática que se conservava fazia uso de todos os recursos, tornando a música barroca composta por essa variedade de acepções das figuras, de maneira pouco distinguivel.
Durante o período clássico essas figuras foram se afastando de seus arcabouços originais e passaram a constituir um grande léxico musical, que era cada vez mais material musical de caráter estrutural, preservando cada vez menos seu primeiro caráter ornamentativo. No tema de seu concerto para violoncelo em Do Maior, por exemplo, Haydn emprega muitas figuras ornamentativas sobre uma simples estrutura triádica, que, todavia, constituirão o material temático de toda a obra:










Fig. 20: Figuras empregadas no tema do violoncelo solista no Primeiro Movimento do Concerto em Do Maior, de J. Haydn, cc. 22-23 (Fonte: Editora C. F. Peters)



Pouco a pouco, o conceito de figura e sua importância estrutural para o discurso foram tendo de si emancipados os componentes formais, caminhando para unidades motívicas que em nada tinham interesse nos procedimentos retórico-musicais, sendo apenas agrupamentos ritmico-melódicos. No romantismo, a emancipação chega a ponto do aspecto formal, em sua aparente ausência de significado, ter de recorrer a intersemioses, como o fez Richard Wagner com seus leitmotiven, a partir do contato com o drama operístico.
No trajeto que se seguiu, o resultado não poderia ter sido outro além deste retratado por Adorno:

"Na modernidade, poderia já reconhecer-se o sacrifício da arte por aquela maioridade, cujo postulado era sabido desde a fórmula discutível de Kant - «Nenhuma coisa sensível é sublime». Com a eliminação do princípio figurativo na pintura e na escultura, da retórica na música, tornou-se quase inevitável que os elementos libertados: cores, sons, configurações absolutas de palavras, surgissem como se já exprimissem alguma coisa em si. Mas isso é uma ilusão." (ADORNO, 2012, p. 109)




A presente discussão não teria muito espaço para acontecer se os postulados de Adorno estivessem realmente corretos em sua integralidade, ou se fosse adotado um pressuposto evolucionista da linguagem, que avaliasse como inevitável o niilismo da música. Nesse ponto, faz-se de grande auxílio à semiótica, como um instrumento teórico para se avaliar a retórica, que por sua vez fornece um arcabouço unificador entre a concepção das ideias e sua expressão prática.
Uma das alternativas que ela auxilia a se enxergar é que, menos do que uma degradação das figuras retórico-musicais, o que aconteceu foi uma desintegração de suas zonas de significação, compreendidas em seus três níveis, em música, como a textura, a figura e o gesto, zonas essas intrínsecas a todo objeto musical. A textura se refere à primeiridade, à dimensão sensível do som, anterior às interpretações e associações. A figura, compreendendo a secundidade do objeto musical, se refere a determinado arranjo das estruturas paramétricas, tendo em vista unicamente seu caráter qualitativo. Por fim, a terceiridade é notada no gesto, a zona mais ampla, que abarca as simbologias, o movimento, a "interação entre os diversos procedimentos presentes em um contexto composicional que convergem em direção a um efeito global", contendo em si as outras duas zonas.
As figuras retórico-musicais representavam a totalidade desses elementos por abrangerem o sensível, o estrutural e o semântico, todavia, o feitichismo do aspecto gestual teve em tanto enfatizado seu atributo simbólico, que por oposição foi formalizado a ponto de se bastar em uma figura, o que na acepção tripartite classifica melhor aquela primeira ideia de motivo, ainda que também não tenha conseguido atingir tal autonomia. Por isso o que fez Wagner foi, na verdade, reconstruir artificialmente a gestualidade dos objetos musicais, recorrendo a outros regimes de signos para que fosse possível a plenitude da música enquanto linguagem, preferivelmente com alcance universal.
Nesse contexto, faz mais sentido a proposta de Perelman de que ao invés de se trazer para a contemporaneidade o conceito clássico de figuras retóricas, seja trabalhado um outro conceito, as "Técnicas argumentativas". As técnicas diferem das figuras por objetivarem primordialmente a obtenção da persuasão a partir de valores, sem que estejam contidas no estudo o isolamento das implicações estéticas que essa utilização possivelmente acarretará. As técnicas são caracterizadas pela ruptura no fluxo discursivo. Depois de sua introdução, o discurso deve mudar de rumo, pois sua consequência é exatamente o esclarecimento do conflito e a alteração dialógica direcionada à persuasão
Quando o conceito é levado à realidade da música antiga, as figuras, se entendidas como tropos autônomos, conduziriam uma compreensão indevida do discurso musical como uma justaposição de gestos, ou seja, uma colcha de retalhos. As verdadeiras figuras retóricas, como proposto por Perelman, têm um fim persuasivo em relação à tese apresentada, funcionando como desenvolvedores do material, e não como catálogos estanques.
O mecanismo de agenciamento entre a volatilidade estabelecida pela figura retórico-musical e o intento persuasivo poderia ser visto tanto como um processo gerativo, quanto transformacional, todavia, como bem definem Deleuze e Guattari, se dão muito mais no plano da consistência, diagramaticamente e nos estratos, no plano maqúinico. Seguindo a premissa já estabelecida aqui da adesão enquanto continuidade e pregnância, e da individuação não formalmente substancializada, não seria possível propor uma compreensão das figuras que não considerasse tais pressupostos.

"Na verdade, não são os enunciados que remetem às proposições, mas o inverso. Não são os regimes de signos que remetem à linguagem, e tampouco a linguagem constitui por si mesma uma máquina abstrata, estrutural ou gerativa. É o contrário. É a linguagem que remete aos regimes de signos, e os regimes de signos às máquinas abstratas, às funções diagramáticas e aos agenciamentos maquínicos, que ultrapassam qualquer semiologia, qualquer lingüística e qualquer lógica. Não existe lógica" (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 92)


Assim, a preocupação desta análise, a partir da Nova Retórica, não é a identificação e catalogação de figuras, pois não é cabível o interesse pelo desdobramento formal do gesto musical, mas sim as maneiras como esses gestos, integralmente falando, são desenvolvidos no discurso e, eventualmente, dialogam com outros objetos, realizando assim o processo discursivo.
A grande diferença entre as figuras retóricas e as técnicas argumentativas é que as primeiras se relacionam às transformações semânticas que o dispositivo causa no discurso, enquanto as técnicas argumentativas dizem respeito às transformações causadas pelo fluxo argumentativo no Auditório. Sendo assim, esse estatuto não tem como fornecer uma taxonomia rígida como acontece com os sistemas formais, mas antes, estuda as sustentações dos argumentos dentro do Auditório e as maneiras como se pode conduzi-lo a outras conclusões. A Nova Retórica propõe duas categorias mais definidas de funcionamento dos argumentos: a ligação, onde transfere-se para uma conclusão a adesão já concedida às premissas e a dissociação, que separa elementos antes unidos na linguagem.
Sendo que na música contemporânea a diversidade dos materiais extrapola os parâmetros da altura e do ritmo, não há como se pensar em um gesto, nem em seu papel dentro do discurso sem que se destaque que essa ação atravessa os parâmetros, atingindo a plenitude da acepção de gesto. As técnicas de variação e desenvolvimento dos materiais podem agir assim através da ligação entre gestos como pela dissociação de elementos (figurativos ou texturais) constituintes de um gesto, resultando ambas na continuidade pretendida ao discurso.
O gesto, comportando em si a própria figura, se consolida como processo, já que sua essência não depende exclusivamente de nenhum parâmetro unívoco, mas pode transformar e ser transformado, como mostra o próprio Berio:

"Para ser criativo o gesto deve poder destruir qualquer coisa, ele deve ser dialético e não deve se privar de seu 'teatro', mesmo ao preço de se sujar - como diria E. Sanquinetti - na lama na palus putredini da experiência. Isto quer dizer que ele deve poder conter sempre um pouco daqui que ele se propõe a ultrapassar." (BERIO, 1983, p. 45)

Desse modo, o gesto cumpre o papel que as figuras retórico-musicais possuíam de se estruturar um discurso em direção a seu intento persuasivo, sendo caracterizado por três atributos essenciais: o movimento, já que é delimitado dentro do tempo; a energia, pois carrega potencialidades manifestadas em sua trajetória; o significado, pois possui um aspecto semântico em seu sentido musical.
Para verificar a ocorrência desses procedimentos na Sequenza XIV, de Berio, é preciso estabelecer antes um método de análise para que seja possível uma compreensão correta da funcionalidade de cada gesto. Berio propõe em uma entrevista, que sua escrita se dá a partir de quatro dimensões:

"A dimensão temporal, dinâmica, das alturas e a dimensão morfológica são caracterizadas por um grau máximo, médio e mínimo de tensão. O grau de tensão máxima (que é também o grau de excepcionalidade em relação a uma norma geral de convenção executiva) da dimensão temporal ocorre nos momentos de velocidade máxima de articulação e nos momentos de duração máxima do som; o grau médio é dado sempre por uma distribuição neutra de valores bastante longos e de articulações bastante rápidas e o grau mínimo é constituído pelo silêncio e pela tendência ao silêncio. A dimensão das alturas está no grau máximo quando as notas se deslocam sobre amplas zonas de registro, sobre intervalos de tensão maior, ou então quando insistem sobre registros extremos: os graus médios e mínimos são a lógica conseqüência disso. O grau máximo da dimensão dinâmica ocorre, obviamente, nos momentos de máxima energia sonora e de máximo contraste dinâmico. O que eu chamo dimensão morfológica coloca-se, sob certos aspectos, a serviço das outras três, funcionando como uma espécie de instrumento retórico. Ela visa definir o grau de transformação acústica em relação a um modelo herdado." (BERIO, 1981, p. 85)


Essa explicação permite se entender que tipo de lógica sustenta a aparente descontinuidade de sons, gestos e ideias, característica a todas as Sequenze. A alternância nos níveis de tensão cria sempre uma espécie de "densidade global constante".
A partir da proposição de Berio, HANSEN (2010) desenvolveu uma expressão analítica dos gestos a partir das quatro dimensões em seu três níveis de tensão, que auxiliam o entendimento de sua função e de suas transformações no discurso, bem como possibilita que se avalie a instrumentalidade retórica da dimensão morfológica. O uso desse método aliado à definição de gesto aqui proposta, possibilita que se resulte um sistema como o disposto aqui, representado no seguinte esquema:


Nível de Tensão


Dimensão
Máximo
Médio
Mínimo
Temporal
Velocidade máxima de articulação (staccato, acentos, notas rápidas); máxima duração dos sons
Distribuição neutra dos valores
Silêncio; tendência ao silêncio
Alturas
Mudanças bruscas de registro; registro extremo; intervalos tensos
Transições lineares de registro; registro confortáveis ao instrumento
Manutenção de uma mesma altura
Dinâmica
Dinâmicas altas; contrastes dinâmicos
Dinâmicas médias; mudanças gradativas
Dinâmicas suaves; dinâmicas estáticas
Morfológica
Uso não-tradicional do instrumento
Técnicas expanidas já difundidas; mistura de sons tradicionais com elementos não-tradicionais
Uso idiomático do instrumento
Tabela 3: Adaptação do esquema analítico proposto por HANSEN (2010) com as quatro dimensões propostas por Berio.


Antes, é interessante pontuar o nascedouro dos gestos nos rascunhos de Berio, pois eles auxiliam na compreensão de seu desenvolvimento e relação com os demais.



Fig. 21: Rascunho dos gestos (fonte: Coleção Berio/Paul Sacher Stiftung).


Nessa folha de rascunho, Berio concebeu vários dos gestos que permaneceriam pouco alterados até o final do processo composicional. Mas o que mais influencia a análise é que, embora esses gestos tenham se mantido intocados, nenhum deles se encontra na mesma configuração figurativa, parametricamente falando, que em sua primeira ocorrência na peça. Isso mais uma vez prova que o gesto, mais do que um motivo figurativo, é uma ideia musical materializada, sendo sua essência um conjunto de simbologias e manejos instrumentais antes de depender da própria estrutura musical. Sendo assim, a seguinte análise apresentará os gestos utilizados por Berio em ordem de ocorrência na peça, não porque se parta da ideia original para as suas variações, mas porque na presente acepção de forma, generativa e receptiva, essa é a ordem temporal formatada pela escuta.

A Sequenza XIV já tem em seu início um primeiro gesto de alta tensão morfológica, sendo essa uma declaração retórica muito forte, pois ao adentrar o palco, o instrumentista trás consigo todo a história e tradição do instrumento, despertando no Auditório uma série expectativas construídas a partir de seu repertório prévio.


Fig. 22: Gesto A, página 1, linha 1.












Nível de Tensão

Dimensão
Máximo
Médio
Mínimo
Temporal


Apesar da rápida alternância de notas, na realidade esse gesto resulta muito mais em uma sonoridade estática
Alturas
Apesar da baixa dinâmica o intervalo que apresenta o gesto é um trítono


Dinâmica


Equilíbrio dos componentes em baixa dinâmica
Morfológica
Técnica percussiva


Tabela 4: Análise do Gesto A


Esse gesto continua sendo trabalhado de modo manter a dimensão morfológica em alta tensão, sendo reapresentado com o acréscimo de (1) uma rápida alternância entre a síntese aditiva e pizzicati, (2) Golpes da mão direita sobre o espelho do instrumento, que preparam, de certa forma, a apresentação do gesto B.

Fig. 23: Desenvolvimento do gesto A, p. 1, l. 1

Esse gesto está envolvido ainda em outro processo que é a linearidade através dos emissores, criando uma monodia não por síntese, mas por complementação dos sons:

Fig. 24: p. 1, l. 4

O gesto B exemplifica um interessante paradoxo composicional da Sequenza, que é o fato de que quando dois pentagramas são utilizados, na realidade se está notando um único som, monódico, sinteticamente composto. Todavia quando há um único pentagrama, aí sim acontece o trabalho polifônico. É o caso deste gesto, que realiza, mesmo que dentro do movimento escalar, um contraponto de timbres, alternando a definição das alturas proporcionada pelos pizzicati e pelo knocking mais pressionado pela mão esquerda (nota ré "preta") com a indefinição das notas produzidas pelo knocking puramente percussivo e rítmico.

Fig. 25: Gesto B, p. 1, l. 1.




Nível de Tensão

Dimensão
Máximo
Médio
Mínimo
Temporal
Rápida mudança de alturas e timbres


Alturas

Movimento escalar longo, porém linear

Dinâmica

Apesar do ff, a técnica empregada não é capaz de gerar muito volume sonoro

Morfológica
Rápida alternância de técnicas


Tabela 5: Análise do Gesto B


Esse é um gesto de difícil execução, pois há uma fragmentação na conexão das notas. Quando a mão direita aciona a corda através do pizzicato, ocorre um favorecimento por meio da dinâmica de notas-eixo que se destacam no meio da seqüência descendente. Por mais entremeadas que tais sons estejam, é vital que haja uma nitidez na execução, pois são justamente eles que formarão a entidade harmônica do gesto, como, na verdade, já poder ser visto neste exemplo em J. S. Bach:


Ex 7: J. S. Bach. Suíte no. 3 para violoncelo solo, Allemande, c. 1


Diferentemente de Bach, Berio evidencia seus eixos não por meio da tonalidade que caracteriza as notas do arpejo, pois a Allemande inicia com o acorde de Do Maior, mas com a alteração do "modo de jogo" que produz timbres que favorecem essa percepção. O conhecimento sobre o modo como Berio emprega a técnica estendida é fundamental a uma interpretação que possa manter a continuidade mesmo em meio a tanta diversidade, e é o que ele mantém nos desenvolvimentos do gesto:


Fig. 27: Reapresentação do gesto B, p. 1, l. 3.


Fig. 28: Reapresentação do gesto B, p. 1, l. 4.


O último gesto dessa seção A, como foi aqui denominada, é o já apresentado motivo de 12 tempos que será permutado em suas apresentações seguintes. Sua única característica além das demais sínteses aditivas é a inclusão do glissando na mão esquerda, que será explorado pelo decorrer da peça.


Fig. 29: Gesto C, p. 1, l. 2.




Nível de Tensão

Dimensão
Máximo
Médio
Mínimo
Temporal
A ênfase do gesto está no aspecto rítmico devido seu caráter de dança e suas permutações


Alturas

Registro médio do instrumento

Dinâmica

Dinâmica média

Morfológica
Técnica percussiva


Tabela 6: Análise do Gesto C


Adentrando a seção mais polifônica da peça, denominada B, aparece o primeiro gesto que faz uso do arco, após o acorde de Do Aumentado com Sétima menor que faz a transição harmônica e gestual. Este gesto apresenta a primeira sobreposição de sons, com um lá pizzicato soando simultaneamente ao lá de mesmo registro produzido com arco:


Fig. 30: Gesto D, p. 2, l. 1.









Nível de Tensão


Dimensão
Máximo
Médio
Mínimo
Temporal

Alternância entre uma nota curta e duas lentas

Alturas

Registro médio do instrumento

Dinâmica


Dinâmicas extremamente suaves
Morfológica


Sons tradicionais
Tabela 7: Análise do Gesto D


A partir desse primeiro gesto polifônico começam a acontecer os processos de derivação, onde a polifonia acontece também na "dissociação de uma totalidade sonora e sua recomposição em uma ordem diferente". É o que acontece com o elemento rítmico de uma nota curta imediatamente seguida de uma ressonância longa. Na verdade, esse processo deriva já da síntese aditiva do Gesto A, se distancia mais no Gesto D, e atinge seu ápice neste gesto E, onde a nota curta se torna ainda mais rápida e é produzida com um pizzicato Bártok, gerando um gesto de corte dentro da continuidade morfológica brevemente estabelecida. Isso porque a continuidade de Berio não é paramétrica, mas gestual.

Fig. 31: Gesto E, p. 2, l. 1


Nível de Tensão


Dimensão
Máximo
Médio
Mínimo
Temporal
Rápida alternância de durações


Alturas

Registro médio do instrumento

Dinâmica
Alternância instântanea entre os extremos


Morfológica
Ruptura da continuidade com o pizz. Bártok


Tabela 8: Análise do Gesto E


Esse conceito de dissociação entre ataque e ressonância, proposto pela síntese aditiva da seção monódica será, na verdade, uma das ideias centrais da peça, pois a ocorrência de notas curtas sucedidas por notas longas em cordas diferentes será constante. O processo continua a acontecer na dissociação que há do glissando do gesto C, que resulta no gesto F, onde as dimensões temporais e morfológicas tem seus níveis de tensão reduzidos, sendo que distinção binária dos sons permanece acontecendo, agora neste gesto de modo mais sútil, se alterando os vibrati e os pontos de contato da corda.


Fig. 32: Gesto F, p. 2, l. 2.




Nível de Tensão


Dimensão
Máximo
Médio
Mínimo
Temporal

Equilíbrio de durações

Alturas

Registro médio do instrumento

Dinâmica


Dinâmica baixa
Morfológica

Sútil alternância de "modos de jogo"

Tabela 9: Análise do Gesto F


Esse gesto, vai ter seus atributos expandidos temporalmente, e com o uso do trêmolo, vai ser desenvolvido nesta outra ocorrência, que trabalha localmente com as dimensões que lhe são próprias:


Fig. 33: Expansão do Gesto F

É importante notar que o processo de geração dos gestos é bastante gradativo, se dando por essa dissociação de elementos pouco a pouco. O que proporciona às unidades resultantes o status de gesto é a posterior utilização dos mesmos atributos do gestos no decorrer da peça, caracterizando uma entidade mais autonomizada. Da ideia de uma nota curta sucedida por uma longa, com uma ideia "anacruzica", é que tem origem o gesto de muitas notas com pouca projeção sonora no lugar da nota curta.



Ex. 15: Gesto G, p. 2, l. 2


Nível de Tensão


Dimensão
Máximo
Médio
Mínimo
Temporal
Rápida alternância entre notas rápidas e uma nota longa


Alturas
Utilização de notas agudas por meio de harmônicos e filtragens sul ponticelli


Dinâmica

Dinâmica média

Morfológica

Sútil alternância de "modos de jogo"


Tabela 10: Análise do Gesto G






O gesto é reapresentado ao longo da peça em outras acepções, mas mantendo suas dimensões estáveis:



Fig. 34: Recorrência do Gesto G, p. 2, l. 5.

A ideia da rápida sucessão de notas como um dispositivo de composição dos sons estará na raiz, também, do gesto H, um dos mais recorrentes durante toda a peça, já que dada sua tensão média, ela serve como um estabilizador para o discurso nos momentos mais tensos:


Fig. 35: Gesto H, p. 2, l. 2













Nível de Tensão


Dimensão
Máximo
Médio
Mínimo
Temporal

Alternância de valores próximos

Alturas

Registro médio

Dinâmica

Dinâmica baixa, mas com crescendo

Morfológica


Sonoridade tradicional
Tabela 11: Análise do Gesto H.


Pelo contrário, o Gesto I funciona como grande desestabilizador da peça, devido a conter graus máximos de tensão em todas as dimensões:


Fig. 36: Gesto I, p. 2, l. 5.














Nível de Tensão


Dimensão
Máximo
Médio
Mínimo
Temporal
Quiáltera e alternâncias de articulação


Alturas
Muitos saltos e intervalos dissonantes


Dinâmica
Mudanças bruscas de dinâmicas extremas


Morfológica
Rápida alternância de modos de jogo



Tabela 12: Análise do Gesto I.

O gesto H será um dos mais desenvolvidos na peça, justamente porque será a partir dele que os momentos de maior tensão e polifonia gestual será estabelecidos, como nesse caso onde ele é dialogizado com elementos dos Gestos E, F e G, sendo um dos momentos mais densos e complexos da peça:


Ex. 19: Polifonia gestual operada pelo Gesto I, p. 3, l. 6.


Por fim, o último gesto mais bem definido, o Gesto J, consiste em uma sequência de notas muito rápidas, utilizadas para aumentar o nível energético da peça.

Ex. 37: Gesto J, p. 3, l. 2.



Nível de Tensão


Dimensão
Máximo
Médio
Mínimo
Temporal
Notas rápidas


Alturas

Notas mantidas, porém alteradas pelas filtragens dos "modos de jogo"

Dinâmica

Dinâmicas estáveis

Morfológica

Alternância presente, porém gradativa


Tabela 13: Análise do Gesto J.

Esse gesto, primeiramente apresentado desse modo incipiente, vai ser intensamente trabalhado nas seções rápidas da peça, sendo combinado com outros gestos, também. Entretanto, seus atributos permanecem estáveis mesmo frente a inclusão de mais alturas.
A partir da definição dos gestos, a peça é desenvolvida por meio da explorações alternadas de cada um deles e, nos momentos de maior densidade polifônica, na combinação de fragmentos de cada um deles. É essa polifonia gestual a maior responsável pela continuidade da peça em termos de seu gênero, pois além das sobreposições de camadas, demandam um controle muito grande do intérprete em mantê-las caracterizadas, estabelecendo assim o paradigma virtuosístico da série, como neste caso:


Fig. 38: Gesto G; Gesto F; Gesto G com a dimensão morfológica em alta tensão; Gesto I combinado com o Gesto E.


Na página 6, na seção que foi aqui entendida como uma peroração há a reapresentação dos gestos já apresentados e desenvolvidos, todavia em ordem perfeitamente invertida e com alguns poucos elementos alterados. Esse "processo aliterativo" proporciona justamente uma sumarização dos materiais, característica de uma peroratio, mas os ressegnifica, ao alterar sua natureza formal e, portanto, sua própria substância. Berio caracteriza esse processo como a "retomada da noção de aliteração própria da língua – seja na prosa ou poesia – como um fato de natureza estética e instrumento retórico". Esse é responsável por manter a continuidade da peça e ao mesmo tempo realiza a pregnância ao reposicionar os gestos.








Fig. 39: Primeira apresentação dos gestos, p. 4

Fig. 40: Reapresentação aliterada dos gestos na "peroração", p. 6.


Isso mostra que a localização no tempo de um gesto tem uma implicação retórica, pois opera com níveis variáveis da memória do público, reabilitada e requisitada por Berio. O Auditório pode acompanhar os processos de derivação, desenvolvimento e combinação que estabelecem a "forma da escuta". Entretanto, embora o trabalho aconteça sem uma forma a priori, cabe a dado momento a decisão do compositor em encerrar seu discurso, mas agora sem mais poder fazer uso dos dispositivos formais de conclusão.
Aqui se faz necessária mais uma vez a carga simbólica do gesto, ainda preservada das antigas figuras retórico-musicais. No início da "peroração", Berio apresenta uma nova síntese gestual, com o glissando dos gestos F e os gestos G e I, dentro de uma tensão na dimensão da altura ainda maior:


Fig. 41: Gesto final, p. 5, l. 6.

Enquanto para uma música tonal bastaria o restabelecimento da Tônica e sua confirmação para que o discurso tivesse seu final posicionado, para a música contemporânea essa questão se torna problemática. Como encerrar o discurso sem um corte abrupto ou alguma espécie artificial de fade out? A complexidade do gesto musical faz com que, mesmo sem a relação tonal, seja possível manter outros elementos de sua constituição. O principal desses elementos no gesto de encerramento é a repetição, quando efetuada enfática e estaticamente. O movimento de reiteração das estruturas dissipa a energia do discurso levando a uma expectação do corte final. No caso, o gesto possui tanta força que consegue estabelecer o encerramento do discurso mesmo que com um intervalo de trítono, o paradigma estrutural da série que havia iniciado a peça.

Ex. 42: Gestos de encerramento, p. 6, l. 6.

A utilização desse tipo de gestualidade não é exclusividade da Sequenza. Como já foi visto sobre a concepção de Les Mots Allès…, a origem serial da peça deixa pouco espaço em aberto para que o compositor desenvolva o discurso com fins persuasivos. Todavia o pensamento sobre as quatro dimensões ajuda a entender que as dimensões da altura, da dinâmica e a morfológica estão presas ao conceito fonológico que subsidia a peça, mas não a dimensão temporal. Portanto é a dimensão temporal que tem maior liberdade para construir o discurso e torná-lo, além de contínuo, pregante. Mesmo nesse panorama restrito, o que permite a atribuição de significado aos gestos é seu uso retórico, como também acontece no final da peça. Embora a máquina serial de gerar alturas seja infinita, tão logo Berio decidiu encerrar a obra, fez uso do mesmo gesto de encerramento, cujas propriedades são as repetições enfáticas e estáticas, mesmo, também nesse caso, com um intervalo de trítono.


Ex. 43: Gestos de encerramento de Les Mots sont Allès…, p. 2, l. 10.

É possível notar assim a politropia que constitui o discurso da Sequenza XIV, composta por procedimentos gradativos de derivação e desenvolvimento, conservando, porém, a funcionalidade dos gestos para o objetivo persuasivo. Reitera-se que essa listagem de gestos não pretendeu ser exaustiva, nem definitiva, mas parece ser a maneira mais clara de se compreender seus efeitos expressivo da peça frente ao Auditório.
Ainda sob o mesmo conceito tripartite de gesto, a análise da música de Scelsi necessita, contudo, ser repensada já que o material musical em questão difere drasticamente. Ele crê que a obra artística é composta por dimensões, ou elementos distintos a Berio:

"Podemos, portanto, encontrar, em cada expressão artística, a manifestação dessas forças criativas nas mais diversas aparências. Para ficar com a música, podemos dizer que o ritmo, as emoções, o intelecto, e a psiquê se manifestam e se realizam no ritmo, melodia, construção ou arquitetura e harmonia." (SCELSI, 2006, p. 91)

Fica claro, assim, em que termos Scelsi concebe seu material musical e quais são os elementos em jogo em seu processo gestual. Sendo que, como já foi visto, a tese a ser defendida em sua música é o próprio som, o que os processos gestuais objetivam é a exploração das "redondezas" do Sol #, buscando o ser (sono) do som (suono). Essa é uma declaração importante, pois os gestos que a principio pareceriam meras ornamentações, constituem, na verdade, aquele tipo de ornare que equipa o objetivo retórico, de caráter fundamental, como que "divindindo celularmente o som", células essas dividas aqui:




Fig. 44:: Gesto de Appoggiatura, p. 1, l. 1





Fig. 45: Gesto de Trilo, p. 1, l. 1.






Fig. 46: Gesto de Vibrato largo, p.1, l. 1







Fig. 47: Gesto de Glissando, p. 2, l. 3.


Todos esses são os gestos aplicados para se explorar o som em menor ou maior amplitude. Por mais que a origem do efeito sonoro seja ornamental, eles se emancipam da gestualidade original exatamente enquanto função, por estarem incluídos em um discurso quase que sem variabilidade de alturas, resultando em um maior destaque para suas ocorrências.
O elemento rítmico, apesar da aparente pouca alternância, está presente internamente no som, como se todos os gestos fossem metáforas das oscilações do próprio som, sendo que quanto do mais rápido (Fig. 44) ao mais lento (Fig. 47), é como se uma lente de aumento ampliasse a freqüência em questão, conhecendo todo seu mundo de possibilidades. A harmonia, na verdade, está na própria série harmônica da fundamental aqui explorada, que é mais ou menos presente de acordo com as rítmicas aplicadas.
O elemento melódico está presente não só nas alturas, mas na utilização das dinâmicas que dão direcionalidades aos gestos. Ele é o maior responsável, também, por estabelecer o elemento intelectual da peça, pois como visto no último capítulo, os pilares formais são construídos pela maior permanência em Sol #, Lá, Sol #, Sol , respectivamente.
Na seção aqui denominada B, é atingido o grande clímax da peça, possuindo, ele, alguns gestos particulares.






Fig. 48: Gesto do "clímax"', salto de oitava, p. 1, l. 8.


Nesses gestos ocorrem a única mudança de registro da peça que é esse lá em uma oitava acima da fundamental, como se uma filtragem do primeiro harmônico fosse realizada. Também passam a constar as indicações de que o som deve ser ora "claro" e ora "escuro". Esses sons opostos se referem a uma dualidade muito presente na música de Scelsi, que remetem a uma dualidade medieval, mas também aos dualismos orientais, ambos dos quais ele é muito próximo. Como metáforas de uma substância dupla contida no som, Scelsi apresenta sua cosmovisão em seu discurso, a partir do esclarecimento gradual dos caminhos que o levam a "conhecer o som".
A dificuldade que há em falar sobre a música de Giacinto Scelsi é proporcional à dificuldade de interpretá-la, pois advindos de uma tradição outra, os músicos não podem perceber facilmente o papel estrutural que os gestos têm na constituição do discurso, sendo a clareza em sua execução a chave para sua efetividade, ou seja, a adesão.















Considerações Finais
Após as reflexões feitas nesse trabalho, parece ser possível afirmar que a tão esquecida retórica permanece viva e ativa na música contemporânea, ainda que sob outros auspícios. Na realidade, fica clara uma tensão entre a retórica musical e a dimensão retórica da música. O músico poderá ignorar ativa ou passivamente o pensamento retórico no discurso musical, mas não poderá fazer com que suas implicações comunicativas sejam eliminadas. Assim, parece mais efetivo, como as análises evidenciaram, que o papel do Auditório esteja bem colocado em todas as etapas do processo artístico.
É justamente a proeminência do Auditório, reavaliado por Perelman, que possibilita uma presença vívida dessas dimensões frente à linguagem musical contemporânea tão diversa e segmentada. A readequação dos papeis envolvidos no âmbito discursivo leva a reflexão não apenas sobre o repertório contemporâneo, mas fornece questões a serem estudadas mesmo no repertório antigo, já que os referenciais teóricos têm divergido quanto as possibilidades semânticas do discurso musical. A tríade orador - discurso - auditório parece ser a solução mais legítima.
A adesão ao discurso musical, dada por meio da continuidade e da pregnância, é um processo inevitavelmente objetivado na música, ainda que em segundo plano. Se a música de Bach mantém sua persuasividade até hoje, mesmo com pessoas que não compreendem os significados e simbologias implícitos no discurso, é porque há uma imanência do discurso em torno desses dois aspectos da adesão que permanecem vivos. Mesmo o gênero musical, termo que transita entre o mercadológico e o vazio taxonômico, possui o seu lugar de modo semelhante aos gêneros do discurso na Antiguidade, necessitando menos de seus critérios de categorização e mais de suas redes e regimes de significados.
Quanto ao processo composicional, efetivamente, a retórica está presente desde o momento onde a primeira demanda, interna ou externa ao material, surge. Da encomenda à fruição, as atitudes perante o material demonstram algum tipo de presença do Auditório direcionando a escolha e seleção das ideias iniciais. Essas ideias, como foi visto, não são moldadas em estruturas a priori, mas tem esse contato desenvolvido momento a momento, buscando o persuasivo em cada segmento existente.
Por fim, as tão discutidas figuras retórico-musicais viram uma desfragmentação de sua totalidade tão grande, que a compreensão contemporânea delas se torna muito problemática. A atribuição de significados e categorias comunitárias não parecer ter mais tanta importância, quanto têm os processos de desenvolvimento do discurso. Assim como Perelman viu no argumentativo uma chave para se conhecer o retórico, o aspecto gestual da música contemporânea guarda vínculos profundos com as outras entidades constitutivas da linguagem.
Desse modo, a principal contribuição da retórica ao estudo da música é de um unificador epistemológico e metodológico, que lida com a totalidade da linguagem musical, ao invés de seccioná-la em segmentos de difícil aplicação na interpretação dos objetos propriamente ditos.
Este trabalho encerra-se, então, deixando algumas possibilidades de abordagem para a retórica em música, mas também com muitas outras perguntas levantadas. Seria possível uma mudança nos processos composicionais se esse fator unificador fosse ativamente levado em contato? Teria a performance, aspecto deixado de lado por Perelman, alguma influência no processo discursivo e sua negociação de significados? Esses são alguns questionamentos mais imediatos para os quais a discussão aqui mantida pode auxiliar a busca por soluções. Todavia, mais que respostas, o interesse da retórica está no conflito, no problemático. Sendo assim, o debate está aberto.












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