Uma questão de direito: a homossexualidade e o universo jurídico

July 7, 2017 | Autor: Fernanda Duarte | Categoria: Direitos Homossexuais, Homossexualidade, NOVOS DIREITOS, Igualdade E Diferença
Share Embed


Descrição do Produto

Uma questão de direito: a homossexualidade e o universo jurídico

Fernanda Duarte

NOTAS DA AUTORA A presente obra é a reprodução fiel da tese de doutoramento apresentada, para defesa, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em dezembro de 2003, composta pelos Professores Doutores José Ribas Vieira, Ana Lúcia de Lyra Tavares, João Ricardo Dornelles, Joaquim B. Barbosa Gomes, Maria Gualdalupe, e Margarida Lacombe Camargo. Para esta edição, foram acrescentadas traduções dos textos que na tese original constavam apenas em língua estrangeira. Tal esforço, por sugestão do Min. Joaquim Barbosa, deve ser creditado a Aníbal Guimarães que de forma competente abraçou esta missão. Optou-se também por manter a integralidade do texto, a fim de preservar o percurso da pesquisa efetuada , culminando na elaboração/defesa da tese. Desta forma, o leitor pode percorrer os caminhos trilhados, compartilhando o esforço e o desafio acadêmicos empreendidos, devidamente contextualizados em seu momento histórico. As informações contidas na tese, especialmente nos Capítulo 3, 4 e 5 encontram-se atualizadas até julho de 2004 . Com relação à Ação Civil Pública 2000.71.00.009347-0 e ao Projeto de Lei 1151 nada de relevante, até o momento, deve ser consignado, prevalencendo assim o registrado na tese. Rio de Janeiro, março de 2005. Fernanda Duarte.

Para meu filhote amado, Pedro.

Escrever uma tese é um caminho árduo e solitário, povoado de incertezas e questionamentos. Todavia, por trás de todo esse labor, há uma magnífica rede de sustentação que nos permite seguir adiante. E desta forma sermos vitoriosos. Muitas das pessoas que integram essa rede, merecem reconhecimento público, já que me alentaram, em diferentes planos, ao longo da jornada. Meu marido Ronaldo Lucas da Silva, por ter compreendido minhas necessidades e ter respeitado minhas escolhas. Minha mãe Monica Duarte Lopes, minha sogra Leny Lucas da Silva, minha irmã Alessandra Duarte Lopes Marchiori Flores e minha avó Helena Rossi Duarte, por terem cuidado de meu filho - Pedro - da melhor e mais amorosa forma possível. Foi mais fácil suportar o peso do desafio, sabendo que vocês velam por ele. Meu pai José Carlos Lopes, que me forneceu apoio logístico e me assessorou nas tormentosas relações com o computador, aplainando o caminho. Meus amigos Jane Reis Gonçalves Pereira, Marcello Godinho e Carlos Alberto Lima de Almeida, por terem sido interlocutores lúcidos e incentivadores constantes. Parceiros verdadeiros, cujas marcas se encontram incorporadas na tese. Meu orientador, José Ribas Vieira, por sua disponibilidade e generosidade, que servem de exemplo para aqueles que pretendem abraçar a academia. Também agradeço a confiança e o apoio incondicionais a mim dedicados, em todos os momentos. Minha assistente Rebeca de Souza, por sua valiosa, criteriosa e pronta ajuda na compilação do material pesquisado - o que me permitiu agilizar e ultimar meus estudos. Gostaria de registrar a colaboração especial de José Carlos Garcia, Cleber Francisco Alves, Marília Gonçalves Pimenta, Joaquim B. Barbosa Gomes, Fábio e Aline Alves, Aníbal Guimarães, Ana Blower e Sérgio Costa Taldo. Declino também meus agradecimentos ao Tribunal Regional Federal da 2a. Região, na pessoa de seu então presidente Dr. Arnaldo Esteves Lima. E, por fim, agradeço o apoio dos servidores da 3a. Vara Federal de Execuções Fiscais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, em especial, nas pessoas de Alexandre Lins Giraldes, Mônica Helmholtz, Giza Cardoso Pereira e Wilson Antunes Filho.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1

I Considerações iniciais

1

II Os desafios da diferença como perspectiva de reflexão

3

III A delimitação do objeto de estudo investigado e definição da hipótese de trabalho 7

IV A estrutura do trabalho: metodologia – técnicas de pesquisa – desenvolvimento metodológico – ordem lógico-formal

10

Cap. 1 Algumas leituras sobre a homossexualidade

23

1.1 A concepção de homossexualidade adotada

24

1.2 Um percurso histórico:

33

1.2.1 Uma visão clássica

39

1.2.2 A homossexualidade como pecado e crime

41

1.2.3 A homossexualidade como patologia

45

1.2.4 As leituras da homossexualidade no Brasil

56

Cap. 2. A homossexualidade como movimento social

70

2.1 Algumas linhas sobre o movimento gay

71

2.1.1 A caracterização dos homossexuais como minoria

77

2.1.2. A problemática da identidade e do reconhecimento

81

2.1.3 A luta por direitos e emancipação

97

2.1.4 Gays and Lesbian Studies e Queer Theory

104

2.2 Algumas linhas sobre o movimento gay brasileiro

109

2.2.1 A trajetória da luta homossexual no Brasil

109

2.2.2 As estratégias do movimento gay brasileiro: visibilidade e legitimação

115

2.2.3 Estudos Gays e Lésbicos?

120

Cap. 3 A homossexualidade no universo jurídico: um mosaico de direitos

125

3.1 Pressupostos teóricos e metodológicos para a construção do mosaico de direitos dos homossexuais

126

3.2 Um mosaico de direitos: uma viagem ao redor do mundo

136

3.2.1 A licitude formal da atividade sexual

136

i)

países que adotam uma postura neutra em relação à

licitude da prática de condutas homossexuais; ii)

países em que a conduta homossexual masculina e

feminina são atos ilícitos, punidos com pena de prisão e/ou pecuniária; iii)

139

países em que apenas a conduta homossexual masculina

é ilícita;

142

iv)

países em que condutas homossexuais se encontram

sujeitas à pena de morte; v) 3.2.2.

137

144

problemática da maioriadade sexual. O cerceamento da liberdade de associação e de expressão (censura)

144 146

i) restrições ao direito de associação;

146

ii) restrições à liberdade de expressão;

147

iii) a proteção à liberdade.

149

3.2.3. A legislação anti-discriminação e anti-difamatória

150

3.2.4. O emprego

158

i)

legislação protetiva ao emprego (vedação de

discriminação por razão de orientação sexual);

159

ii)

161

a problemática do acesso às Forças Armadas.

3.2.5 O reconhecimento civil das relações homossexuais

163

3.2.6 A maternidade e paternidade

173

i)

adoção;

174

ii)

pátrio poder;

175

iii)

inseminação.

176

3.2.7 O asilo

178

3.2.8 Os direitos dos transexuais

179

3.2.9 A violência urbana: a “limpeza social” e a violência policial

181

3.2.10 As questões envolvendo os direitos humanos dos portadores de HIV/AIDS

182

i)

tratamento pró-direitos humanos;

182

ii)

tratamento agressor aos direitos humanos;

183

3.3 Algumas conclusões sobre a proteção jurídica dos homossexuais a partir do mosaico de direitos proposto

Cap. 4 O tratamento legislativo da

184

homossexualidade nos parlamentos: uma análise sobre o

reconhecimento civil das relações homossexuais.

O plano da fundamentação : um estudo

comparativo entre os fundamentos legislativos prevalecentes na Bélgica, em Portugal, na Espanha e no Brasil

189

4. 1 A problemática teórica do “casamento gay”

198

4.1.1 O debate animado por categorias civilistas

201

4.1.2 O debate animado por direitos humanos

214

4.2 Os caminhos da fundamentação legislativa prevalecente na Bélgica, Portugal, Espanha e Brasil

225

4.2.1 Um perfil dos fundamentos examinados

227

4.2.1.1 Bélgica: Lei de 29 de outubro de 1998

227

4.2.1.2

229

Portugal: Projetos de Leis nos. 338/VII; 384/VII ; 414/VII e 527/VII.

4.2.1.3 Espanha : Projetos de Lei nos. 122/000068; 122/000069; 122/000071 e 122/000098

232

4.2.1.4 Brasil: Projeto de Lei Martha Suplicy - PL n.º 1.151-A de 1995

234

4.2.2 Uma visão comparativa dos fundamentos examinados

237

4.2.3 Apresentação do tema em quadro comparativo sobre os fundamentos legislativos examinados

239

Cap. 5 O tratamento legislativo da homossexualidade nos parlamentos: uma análise sobre o reconhecimento civil das relações homossexuais. A moldura legal do reconhecimento em países da União Européia -

Dinamarca; Noruega; Suécia;

Holanda; Catalunha, na Espanha; Bélgica; França; Finlândia; Portugal e GrãBretanha - e no Brasil

243

5.1 A moldura legal do reconhecimento das relações homossexuais em países da União Européia: Dinamarca; Noruega; Suécia; Holanda; Catalunha, na Espanha; Bélgica; França; Finlândia; Portugal e Grã-Bretanha

246

5.1.1 Um perfil do quadro legal vigente: Dinamarca; Noruega; Suécia; Holanda; Catalunha, na Espanha; Bélgica; França; Finlândia; Portugal e Grã-Bretanha

247

5.1.1.1 Dinamarca: Lei n.º 372 de 1º de junho de 1989 (The Registered Partnership Act)

247

5.1.1.2 Noruega : Lei 40 de 30 de abril de 1993

249

5.1.1.3 Suécia: Lei de 23 de junho de 1994 (The Registered Partnership Act)

251

5.1.1.4 Holanda: Lei de 5 de julho de 1997 e Lei de 21 de dezembro de 2001

253

5.1.1.5 Catalunha, na Espanha: Lei 10/1998, de 15 de julho (Ley de Uniones Estables de Pareja)

255

5.1.1.6 Bélgica: Lei de 29 de outubro de 1998

258

5.1.1.7 França: Lei 207 de 9 de dezembro de 1998 (Du Pacte Civil de Solidarité)

260

5.1.1.8 Finlândia: Lei n. ° 950/2001, com as modificações da Lei n. ° 1229/2001

264

5.1.1.9 Portugal: Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio

265

5.1.1.10 Grã-Bretanha

266

5.1.2 Um perfil de lege ferenda

269

5.1.2.1 Espanha: Projetos de Lei nos. 122/000068, 122/000069, 122/000071e 122/000098

268

5.1.2.2 Itália: Projeto de Lei no. 2725 e Projeto de Lei no. 2870

273

5.2 A moldura legal brasileira: o Projeto de Lei Martha Suplicy – PL n.º 1.151-A de 1995 e o Substitutivo adotado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados

276

5.2.2.1 O Projeto de Lei Martha Suplicy – PL 1.151-A de 1995

277

5.2.2.2 O Substitutivo adotado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados

279

5.3

Uma visão comparativa dos tratamentos legais abordados em países da União Européia

(Dinamarca, Suécia, Holanda, Catalunha na Espanha, Bélgica, França, Finlândia, Portugal, Espanha, Itália) e no Brasil

280

5.4 Apresentação do tema em quadros:

286

5.4.1 Quadros sistemáticos sobre os tratamentos legais abordados:

286

a)

Quadro 1: quadro sistemático sobre as leis que disciplinam a

união/parceria homossexual b)

287 Quadro 2: quadro sistemático sobre os projetos de lei que

disciplinam a união/parceria homossexual c)

Quadro 3: quadro sistemático sobre o reconhecimento civil

das relações entre pessoas do mesmo sexo - uma ótica de direitos vigentes d)

295

299

Quadro 4: quadro sistemático sobre o reconhecimento civil

das relações entre pessoas do mesmo sexo - uma ótica de direitos em tese

302

5.4.2 Quadros comparativos sobre o tratamento legal abordado

303

a)

Quadro 1: quadro comparativo sobre as condições de reconhecimento

Parte I: Dinamarca; Noruega; Suécia; Holanda; Catalunha na Espanha e Bélgica Parte II: França; Finlândia; Portugal; Espanha; Itália e Brasil b)

304

Quadro 2: quadro comparativo sobre os efeitos

Parte I: Dinamarca; Noruega; Suécia; Holanda: Catalunha na Espanha e Bélgica Parte II: França; Finlândia; Portugal; Espanha; Itália e Brasil c)

306

Quadro 3: quadro comparativo sobre a extinção

Parte I: Dinamarca; Noruega; Suécia; Holanda: Catalunha na Espanha e Bélgica Parte II: França; Finlândia; Portugal; Espanha; Itália e Brasil

308

Cap. 6 O tratamento jurisdicional da homossexualidade: um estudo do caso Romer v. Evans

312

6.1 O caso Romer v. Evans

317

6.2 Interpretação e aplicação da Constituição Norte-Americana: considerações elementares

321

6.3 A Suprema Corte e a cláusula da Equal Protection of the Laws (princípio da igualdade)

325

6.3.1 Quadro sobre a interpretação do princípio da igualdade adotada pela Suprema Corte norteamericana

338

6.4 A Suprema Corte e a proteção de fundamental rights

339

6.4.1 A decisão em Romer v. Evans

343

6.4.2 Os prognósticos da Suprema Corte para a questão dos direitos dos homossexuais a partir de Romer v. Evans.

348

Cap. 7 O tratamento jurisdicional da homossexualidade: um estudo da Ação Civil Pública no. 2000.71.00.009347-0

357

7.1 A Ação Civil Pública 2000.71.00.009347-0

358

7.1.1 Quadros sistemáticos sobre as decisões proferidas no processo

368

7.2 A dimensão processual do caso

371

7.2.1 A ação civil pública como garantia de direitos: o veículo processual manejado

372

7.2.2 O papel do Ministério Público e sua legitimidade: a caracterização dos interesses metaindividuais

375

7.2.2.1 Os interesses metaindividuais

376

7.2.2.2 A legitimidade do Ministério Público

382

7.2.3 A problemática da extensão dos efeitos da decisão judicial

386

7.2.4 A articulação em juízo das teses sustentadas

393

7.3 A dimensão material do caso

398

7.3.1 A pretensão autoral e sua fundamentação

399

7.3.2 A decisão judicial e sua fundamentação

403

7.4 O exercício jurisdicional e as implicações teóricas da decisão

410

7.5 A Justiça e os homossexuais: um mar de rosas?

414

7.5.1 Quadro sobre os pontos de convergência entre o caso Romer v. Evans e a Ação Civil Pública no. 2000.71.00.009347-0

SÍNTESE DAS IDÉIAS DESENVOLVIDAS BIBLIOGRAFIA

416

419

441

LISTA DE QUADROS Capítulo 4: 4.2.3. Quadro comparativo sobre os fundamentos legislativos examinados

Capítulo 5: 5.4.1. Quadros sistemáticos sobre os tratamentos legais abordados:

a) Quadro 1: quadros sistemáticos sobre as leis que disciplinam a união/parceria homossexual b) Quadro 2: quadros sistemáticos sobre os projetos de lei que disciplinam a união/parceria homossexual c) Quadro 3: quadro sistemático sobre o reconhecimento civil das relações entre pessoas do mesmo sexo: uma ótica de direitos vigentes d) Quadro 4: quadro sistemático sobre o reconhecimento civil das relações entre pessoas do mesmo sexo: uma ótica de direitos em tese

5.4.2 Quadros comparativos sobre o tratamento legal abordado

a) Quadro 1: quadro comparativo sobre as condições de reconhecimento Parte I: Dinamarca, Suécia, Holanda, Catalunha na Espanha e Bélgica Parte II: França, Finlândia, Portugal, Espanha, Itália e Brasil

b) Quadro 2: quadro comparativo sobre os efeitos Parte I: Dinamarca, Suécia, Holanda, Catalunha na Espanha e Bélgica Parte II: França, Finlândia, Portugal, Espanha, Itália e Brasil

c) Quadro 3: quadro comparativo sobre a extinção Parte I: Dinamarca, Suécia, Holanda, Catalunha na Espanha e Bélgica Parte II: França, Finlândia, Portugal, Espanha, Itália e Brasil

Capítulo 6: 6.3.1. Quadro sobre a interpretação do princípio da igualdade adotada pela Suprema Corte norte-americana

Capítulo 7: 7.1.1 Quadros sistemáticos sobre as decisões proferidas no processo [Ação Civil Pública no. 2000.71.00.009347-0] Quadro 1: Concessão do pedido de Liminar Quadro 2: Decisão sobre a notícia de descumprimento da liminar Quadro 3: Decisão sobre notícia de descumprimento da liminar II Quadro 4: Sentença na Ação Civil Pública Quadro 5: Decisão interlocutória sobre a Instrução Normativa

7.5.1. Quadro sobre os pontos de convergência entre o caso Romer v. Evans e a Ação Civil Pública no. 2000.71.00.009347-0

LISTA DE REDUÇÕES ABGLT - Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis ACP - Ação Civil Pública ADEH - Associação Nostro Mundo ADIN - Ação Direta de Inconstitucionalidade AGLT - Associação Goiânia de Gays, Lésbicas e Travestis AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Acquired Immuno-Deficiency Syndrome) APA - Associação Americana de Psicologia (American Psychological Association) ASTRAL - Associação das Travestis e Liberados ATRÁS - Associação de Travestis e Transexuais de Salvador CCSS - Caixa Costarricense de Seguro Social CDC - Código de Defesa do Consumidor CFL - Coletivo de Feministas Lésbicas CHA - Comunidade Homossexual Argentina CID - Classificação Internacional das Doenças CIV - Comunidade de Incentivo à Vida CFV - Colorado for Family Values CPC - Código de Processo Civil DILP - Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar DOU - Diário Oficial da União FEBEM - Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (São Paulo)

GAIH - Grupo de Ação e Integração Homossexual GBT - Grupo Brasileiro de Transexuais GÊ - Grupo Estruturação GGAL - Grupo Gay de Alagoas GGB - Grupo Gay da Bahia GGI - Grupo Gay de Itororó GHL - Grupo Homossexual Londrinense GKOS - Grade Klein de orientação sexual GLB - Grupo Lésbico da Bahia GLBTS - Associação Ipê Rosa GLF - Frente para Libertação Gay (Gay Liberation Front) GLS - Gays, lésbicas e simpatizantes GRAB - Grupo de Resistência Asa Branca HIV - Vírus da Imunodeficiência Adquirida (Human Immunodeficiency Virus) IGLHRC - Comissão Internacional de Direitos Humanos de Gays e Lésbicas (International Gay & Lesbian Human Rights Commission) ILGA - Associação Internacional de Gays e Lésbicas (International Lesbian and Gay Association) IMPAR - Instituto Paranaense 28 de Junho IN - Instrução Normativa INSS - Instituto Nacional do Seguro Social IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano LBPS - Lei brasileira de previdência social LACP - Lei da Ação Civil Pública LF - Lésbico - Feminista LGBT - Lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros MHB - Movimento Homossexual Brasileiro MP - Medida Provisória OAB - Ordem dos Advogados do Brasil OCCUR - Associação pelo movimento Lésbico e Gay no Japão (Association for the Lesbian and Gay Movement in Japan) OMS - Organização Mundial de Saúde ONU - Organização das Nações Unidas PaCS - Pacto Civil de Solidariedade (Pacte Civil de Solidarité) PASTT - Prevenção, Ação e Saúde dos Travestis e Transexuais PC - Politicamente Correto PCP - Partido Comunista Português PJL - Projecto de lei PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro PL - Projeto de Lei PPB - Partido Progressista Brasileiro PS - Partido Socialista PT - Partido dos Trabalhadores PTB - Partido Trabalhista Brasileiro RECL - Reclamação RGPS - Regime Geral de Previdência Social REXT - Recurso Extraordinário SAT - Grupo Satyricom SIECUS - Sexuality Information and Education Council of the United States STF - Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça TJRJ - Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro TJRS - Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina TRF - Tribunal Regional Federal UCLA - Universidade da California, Los Angeles (University of California, Los Angeles) USP - Universidade de São Paulo VEA - Lei sobre os direitos dos Veteranos de Guerra (Veteran's Entitlement Act)

Quando, em 1895, no Dia dos Namorados (Valentine’s Day), "A Importância de Ser Prudente" ("The Importance of Being Earnest", no original) estreou, em Londres, Oscar Wilde, com 40 anos, tinha, reconhecidamente, conquistado o mundo do teatro. Num intervalo de cem dias daquele estrondoso sucesso, entretanto, Prudente foi retirado de cartaz, e seus trabalhos foram considerados bem pouco recomendáveis para serem encenados nos palcos. Wilde havia sido publicamente enxovalhado e cumpria pena de prisão por dois anos. Seu crime? Suas preferências sexuais. Sua orientação sexual. Sua homossexualidade. O oitavo Marquês de Queensberry levou a cabo uma perseguição pública contra Wilde, por conta da relação amorosa que o escritor mantinha com seu filho , Lord Alfred "Boise" Douglas. Após receber um bilhete do Marquês, chamando-o de "somdonite" [sic.], Wilde ajuizou uma ação por difamação contra seu desafeto. Em 03 de abril, todavia, Queensberry foi declarado inocente e, admitindo uma exceção da verdade, o Júri entendeu escusada a conduta do nobre inglês ao acusar Wilde, publicamente, de homossexual. Em 05 de abril Wilde foi preso. Ao longo daquele mês, foram realizadas várias audiências preliminares, nas quais novas provas foram produzidas, ao serem ouvidos os testemunhos de empregados de hotéis sobre os parceiros de cama do escritor e apresentadas manchas fecais encontradas em seus lençóis. Em 25 de maio, o Júri declarou Wilde culpado, e o juiz da causa declarou: "As pessoas que podem fazer essas coisas devem, em todos os sentidos, morrer de vergonha... É este o pior caso em que eu já atuei... Sob tais circunstâncias, espera-se que eu determine a mais severa sentença que a lei permitir. No meu julgamento, isto seria completamente inadequado para um caso como este. A Corte sentencia que... o senhor seja encarcerado e obrigado a serviços forçados por dois anos". 1 Oscar Wilde foi libertado em 18 de maio de 1897. Fixou-se na França. E veio a falecer em 30 de novembro de 1900, aos 46 anos, na penúria, no esquecimento e no ostracismo. Registra Faria que "A morte anônima, solitária e longe da família foi o final trágico de uma carreira brilhante, destruída pela rígida condenação por "ato de indecência grave", punido com a pena de dois anos de prisão. O nome Wilde passou a ser considerado maldito e se tornou o símbolo emblemático do amor homossexual" ( 2000). Cem anos após sua morte, os fatos que levaram ao martírio de um dos mais talentosos escritores da língua inglesa ainda permanecem abertos e inspiram reflexão. Pode o amor não ousar dizer seu nome?

1 "People who can do these things must be dead to all sense of shame ... It is the worst case I ever tried ... I shall, under such circunstances, be expected to pass the severest sentence that the law allows. In my judgement it is totally inadequate for such a case as this. The sentence of the Court is that ... you be imprisioned and kept to hard labor for two years".

Introdução I Considerações iniciais II Os desafios da diferença como perspectiva de reflexão III A delimitação do objeto de estudo investigado e a definição da hipótese de trabalho IV A estrutura do trabalho: metodologia - técnicas de pesquisa desenvolvimento metodológico - ordem lógico-formal I Considerações iniciais A questão da igualdade - ou de sua falta -tem sido calcada de diversos modos em todas as formas de sociedade, tendo merecido de estudiosos, como Louis Dumont (1985, 1990, 1991), uma atenção especial. O debate em torno do princípio constitucional da isonomia tem gerado uma série de construções teóricas que buscam dar conta, no universo do jurídico, da problemática da igualdade/desigualdade entre os homens em suas relações sociais, políticas, históricas e até mesmo afetivas. O problema das desigualdades inerentes ao ser humano, assim como a posição que o mesmo ocupa na estrutura social, na qual se insere, têm fornecido material para reflexão e investigação, nas mais diversas áreas do conhecimento, e inclusive gerado visões de mundo da mesma forma diferentes, que repercutem na organização social e nos distintos sistemas políticos. Ao examinar a díade esquerda e direita, Bobbio (1995) reconhece que a postura assumida perante a questão da igualdade é fator determinante da doutrina que informará a organização político-social de determinado grupo, acentuando-se ou minimizando-se as diferenças encontradas entre os diversos grupos e pessoas que integram aquela sociedade. Foi à luz dessas reflexões, que os primeiros estudos sobre o tema se realizaram durante o Curso de Mestrado, realizado junto à PUC do Rio de Janeiro, e resultaram na dissertação intitulada "Princípio da Igualdade: realidade ou ficção?". Na oportunidade, foi utilizado como marco teórico a necessidade de precisar o debate contundente sobre a questão dos princípios, a fim de fornecer elementos para a sua aplicação prática. Partindo-se da contribuição clássica sobre o tema (conceituação, origem, tipologia e função dos princípios), com o pleno reconhecimento de sua força normativa, chegou-se, também, à problemática da distinção entre regra e princípio, evidenciada pelas duas correntes de pensamento que têm liderado os debates: a concepção forte e a concepção débil dos princípios. Mais em particular, o foco de estudo foi centralizado no princípio da isonomia, propriamente dito, e nas suas possibilidades exegéticas. Examinou-se a distinção que a doutrina faz entre igualdade formal (que prescreve tratamento normativo igualitário) e igualdade material (que se destina a assegurar a igualdade real e efetiva diante dos bens da vida). Em seguida, tratando-se da igualdade formal, buscou-se fixar a abrangência do destinatário do princípio: analisando-se as expressões igualdade perante a lei (dirigindo-se ao legislador que, ao elaborar o comando legal, não pode criar privilégios a favor de uns poucos) e igualdade na lei (representando um comando para o aplicador da lei - juiz e administrador - que, ao fazê-lo, deve tratar a todos com igualdade). Examinou-se, ainda, o sentido do preceito constitucional da igualdade, em uma visão mais genérica, elaborada a partir do aporte não só da doutrina pátria, que se evidencia ainda insuficiente ao fazer coincidir a isonomia jurídica apenas com a igualdade formal, mas também da colaboração da doutrina estrangeira, em especial a italiana e a portuguesa, que escorçadas nos respectivos textos normativos constitucionais, oferecem abrigo constitucional à igualdade material. A igualdade material, por sua vez, tem seu rumo dirigido pela adoção de ação afirmativa ou discriminação positiva, para que, incidindo nas relações concretas, sejam as diferenças diminuídas ou minimizadas em prol de uma igualdade real. Defendeu-se, portanto, o texto da Constituição de 1988 que, além de consagrar a igualdade formal, também prevê o princípio da igualdade material, na sua ótica realista e efetiva - igualdade formal e material são as duas faces da norma constitucional. Em seqüência, discutiu-se a possibilidade constitucional de adoção de tratamento legal diferenciado, pois o princípio da igualdade guarda duas diretrizes: a determinação para tratamento igual, se não houver autorização constitucional para tratamento diferenciado; e a exigência de tratamento diferenciado, se a situação das pessoas envolvidas for essencialmente distinta. A constitucionalidade de tal distinção deve ser aferida através de um juízo de proporcionalidade que caracterizará o discrímen eleito como justificado (ou não) e, portanto, harmonioso com a ordem constitucional (ou não). Daí a pertinência da relação entre igualdade, discriminação e inconstitucionalidade, recebendo especial atenção as chamadas "classificações suspeitas ou discriminações odiosas", contribuição da jurisprudência norte-americana para o tema. Por fim, foram examinados dois casos em concreto, materializados em duas decisões proferidas pela Justiça Federal, de 1° instância, do Rio de Janeiro, nos processos 93.0007947-6 e 93.0013105-2, abstratamente chamadas de CASO A e CASO B, respectivamente. Nos casos selecionados foi discutida a constitucionalidade de legislação infraconstitucional ante o princípio da isonomia. Embora as decisões sejam diversas, ambas se revelam complementares já que evidenciam o princípio da isonomia em suas várias matizes e possibilidades de concreção. Mais do que apenas registrar o debate principialista, forneceu-se subsídios para que o princípio da isonomia ultrapassasse a barreira das meras assertivas liberais, tornando-se elemento tangível de realização da vontade constitucional. II Os desafios da diferença como perspectiva de reflexão Sabe-se, de certo, que o tema da igualdade, por sua complexidade e sua profundidade, não se encontra de todo esgotado, tendo sido apresentada apenas uma faceta do mesmo. A leitura da igualdade adotada foi o da inclusão, mas não é a única a ser considerada. A consagração do Estado Democrático de Direito e o surgimento de novos atores das relações político-sociais - especialmente a partir do movimento feminista e do negro - em defesa dos direitos das chamadas minorias, com sua luta pelo reconhecimento, fizeram com que a problemática da igualdade tomasse novos rumos e dimensões mais abrangentes. A onda global de democratização, vivida nas duas últimas décadas, tem sido acompanhada pelo ressurgimento de várias políticas de identidade/diferença. Do nacionalismo e do renascimento étnico nos países do leste e do centro europeu à antiga União Soviética, às políticas de separatismo cultural no Canadá e aos movimentos político-sociais das democracias liberais ocidentais , a composição do binômio identidade/diferença se tornou-se um desafio para as democracias da sociedades contemporâneas. Nessa via, explica Charles Taylor que "Um certo número de correntes da política contemporânea gira em torno da necessidade e, às vezes, exigência de reconhecimento. Pode-se argumentar que tal necessidade é uma das forças que impelem os movimentos nacionalistas na política. E esta exigência aparece, sob várias formas, no primeiro plano da política atual, formulada em nome de grupos minoritários ou 'subalternos', em algumas formas de feminismo e no que hoje se denomina de política do 'multiculturalismo'". (1993:43).2

2 "Cierto numero de corrientes de la política contemporánea gira sobre la necesidad, y a veces la exigencia, de reconocimiento. Puede argüirse que dicha necesidad es una de las fuerzas que impelen a los movimientos nacionalistas en política. Y la exigencia aparece en primer plano, de muchas maneras, en la política actual, formulada en nombre de los grupos minoritarios o ‘subalternos’, en algunas formas de feminismo y en lo que hoy se denomina la política del ‘multiculturalismo’" (1993:43).

É uma outra dimensão da igualdade que tem recebido muito pouca atenção dos estudiosos do Direito, embora seja farta na teoria política e moral. Já na Europa e nos Estados Unidos, especialmente a partir da década de noventa, fala-se na "exclusão pela inclusão", identidade/reconhecimento, no wirgruppe (nós o grupo), no pluralismo, no multiculturalismo, na luta pelo reconhecimento, no direito à diferença ... Por outro lado, a questão do reconhecimento pela diferença não diz respeito exclusivamente à dimensão coletiva. Na verdade, existe uma primeira dimensão individual e particular a ser considerada, que demanda uma exigência de identidade individualizada. É essa identidade que viabiliza a construção de uma consciência de ser-no-mundo que torna possível, ao homem, vivenciá-lo em plenitude, percebendo o real e atribuindo-lhe significados. Essa consciência tem por pressuposto a definição de uma esfera de autonomia pessoal ou autodeterminação, imprescindível à concreção da dignidade humana - referencial maior de qualquer ordem jurídico-política que se pretenda humanista e democrática. Dentro dessa visão, o reconhecimento do direito à diferença deverá ensejar ao homem uma tomada de consciência a respeito de si próprio, perante o que é e do que poderá ser para o mundo, viabilizando suas escolhas e opções particulares, isto é, permitindo à pessoa que escolha sua alternativa de ser, sua única e própria visão do bem-viver. Para Pavão, " [...] o princípio da autodeterminação é atingido por meio do processo de conscientização, cuja dinâmica supõe uma atitude crítico-reflexiva do Mundo, em que o homem como ser atuante e participante torna-se ser-consciente-no mundo. Assim, o homem pode compreender a si mesmo como existência, a qual se constituiu sua própria essência. E a dinâmica da existência constitui a dinâmica da subjetividade da liberdade. O ser do homem como sujeito implica necessariamente ser livre, cuja idéia fundamenta o sentido a liberdade das ações humanas. Isso inclui certa autonomia do Ser, que, para Sartre, traduz-se numa autodeterminação para querer e escolher, ou seja, autonomia de escolha, que só se revela pela ação. Assim, o homem para agir, livre e conscientemente, necessita de uma atitude reflexiva que, a partir de situações vividas, poderá levá-lo a buscar novos modos de ser" (1988:35-6). Essas dimensões da igualdade não têm recebido atenção devida, por parte dos estudiosos do Direito, embora sejam abordadas, com fartura, na teoria política e moral. Pode-se, todavia, verificar algum esforço de juristas renomados. Por exemplo, esta matéria é retratada na Introdução de Antonio-Enrique Pérez Luño (1996), na obra organizada pelo autor a respeito da temática dos Direitos Humanos no Terceiro Milênio. Além disso, essas categorias estão sendo incorporadas na presente discussão da Teoria Constitucional, projetando desafios também no plano normativo. Como se construir, no âmbito constitucional, proteção a estes grupos minoritários que lutam pelo reconhecimento de serem como são, mantendo seus valores e fins próprios? Como criar mecanismos constitucionais que instrumentalizem tais grupos, chamados de atores coletivos, para a luta pelo reconhecimento que os defenda do desprezo e do desrespeito a sua dignidade? As reflexões são de Habermas. "Uma constituição pode ser compreendida como um projeto histórico sustentado e implementado pelos cidadãos de cada geração. No Estado democrático de direito, o exercício do poder político está duplamente codificado: o tratamento institucionalizado dos problemas que se apresentam e a conciliação regulada de maneira procedimental/processual (?) dos diversos interesses deve, ao mesmo tempo, poder ser interpretada como a realização de um sistema de direito. Mas, na arena política, confrontam-se atores coletivos de setores que lutam pela definição de fins coletivos e pela distribuição de bens comuns. É apenas diante dos tribunais e no discurso jurídico que questões de direitos individuais, que podem ser objeto de reclames judiciais, são tratados diretamente. Da mesma forma, o direito vigente deve ser interpretado de maneira distinta quando se apresentam contextos históricos modificados pela alteração das necessidades e dos interesses. Esta contenda, levada a cabo devido à interpretação e concessão de promessas historicamente não cumpridas, é uma luta por direitos legítimos, e na qual se vêm envolvidos atores coletivos que se defendem do desprezo e da falta de respeito a sua dignidade. Nesta "luta pelo reconhecimento" se unificam experiências coletivas de danos à integridade, como já demonstrou A. Honneth" (1994:5) 3 Na esteira de insuficiência de aportes jurídicos a temática em pauta, a produção brasileira tem sido negligenciada expondo uma lacuna que instiga e desafia à reflexão. José Eduardo Faria, ao prefaciar a obra de Gisele Cittadino (1999), reconhece a carência: "Se na Europa e nos Estados Unidos, filósofos políticos, filósofos do direito e constitucionalistas têm conseguido estabelecer uma profícua discussão sobre a estrutura normativa mais adequada ao ideal de uma sociedade justa no mundo contemporâneo, entre nós esse diálogo interdisciplinar ainda continua incipiente". Dessa forma, no Estado Democrático de Direito já não há como fechar os olhos para esses movimentos sociais e mesmo manifestações de cunho mais individualizado que buscam o seu espaço legítimo no tecido social, cabendo à ordem jurídica, construir, instrumentalizar e efetivar o direito à diferença, como um dos desafios a serem enfrentados pelas sociedades contemporâneas, marcadas pelo pluralismo, em especial, a brasileira. Daí o tema da igualdade, em sua dimensão jurídica, sob estas novas perspectivas, merecer estudos mais profundos, a serem realizados em sede de doutoramento, migrando-se da igualdade para a problemática da diferença, sob uma ótica complementar. III A delimitação do objeto de estudo investigado e definição da hipótese de trabalho Nessa linha de reflexão, inicialmente pretendia-se trabalhar com a diferença, numa dimensão genérica - enquanto categoria de direitos humanos - e numa dimensão específica - nas suas relações com os direitos dos homossexuais, colocando-se como seu fundamento constitucional. Com a evolução da pesquisa, porém, verificou-se uma amplitude de temas e debates que recomendava a reformulação da hipótese de trabalho, a fim de torná-la factível. Dessa forma, considerando a relevância da problemática da homossexualidade, entre as múltiplas diferenças evidentes na contemporaneidade, optou-se por recortar o objeto de estudo da tese e desenvolver a problemática dos desdobramentos da homossexualidade no universo jurídico, cabendo ao direito à diferença figurar tão-só como pano de fundo da discussão. Inserido na agenda do mundo contemporâneo, é desprezível o esforço intelectual que se deve despender para reconhecer a atualidade da questão gay. A despeito de juízos de valores sobre a temática, marcados por argumentos de caráter moral e moralistas, inclusive com contornos religiosos, o fato é que ela se faz presente no dia a dia, desafiando convenções, tencionando limites, gerando simpatias e ódios , impondo reflexão.

3 "Una constitución puede ser compreendida como um proyeto histórico (S)ostenido e implementado por los ciudadanos de cada generación. En el Estado democrático de derecho el ejercicio de poder político está doblemente codificado: el tratamiento institucionalizado de los problemas que se presentam y la conciliación regulada de manera procesal de los diversos intereses debe, al mismo tiempo, poder ser interpretada como la realización de un sistema de derecho. Pero en la arena política se encuentram enfrentados actores coletivos de sectores que lucham por la definición de fines coletivos y por la distribución de bienes comunes. Sólo ante los tribunales y en el discurso jurídico se tratam directamente los derechos individuales de reclamo judicial que se puedam reclamar judicialmente. Tambien el derecho vigente debe ser interpretado de manera distinta cuando se presentam contextos históricos modificados según el cambio de las necesidades e intereses. Esta contienda llevada a cabo com respecto a la interpretación y concesión de promesas históricamente no cumplidas, es una lucha por derechos legítimos en la que de nuevo se vem involucrados actores coletivos que se defiendem contra el desprecio e irrespeto de su dignidad. En esta "lucha por el reconhecimento" se unificam experiencias colectivas de integridad dañada, como lo há mostrado A. Honneth" (1994:5).

Segundo Pierre Bourdieu, a questão gay traz à tona uma série de problemas cruciais para as ciências sociais: "O movimento gay e lésbico coloca, às vezes tacitamente - através de sua existência e ações simbólicas - e outras, explicitamente - através do discurso e das teorias que produz, ou às quais dá lugar -, um certo número de problemas que estão entre os mais importantes das ciências sociais, alguns mesmo inovadores. Fundamentalmente, este movimento de revolta contra uma forma distinta, e particularmente odiosa, de violência simbólica questiona de maneira profunda a ordem em vigor, ao mesmo tempo em que coloca, de maneira radical, os fundamentos dessa mesma ordem e as condições necessárias à mobilização exitosa de sua subversão. Portanto, além de inovar através de novos objetos de análise, o movimento radicaliza certas questões mais fundamentais à propósito da ordem social" (1998:5) 4 Deve-se consignar, portanto, que a temática gay extrapola os limites do gueto onde surgiu, tornando-se fecundo campo de saber. Potencialmente aberta à interdisciplinariedade, problematiza proposições que transbordam as relações homo/heterossexuais, questionando o problema das minorias, as instituições democráticas e a própria legitimidade da legislação e da atividade jurisdicional. Questionamentos, aliás, que não lhe são exclusivos. Anote-se, por exemplo, a afinidade teórica com o movimento feminista, o movimento negro e o multiculturalismo. A constatação é de Lugarinho. "Dessa maneira, a homossexualidade rompeu o cerco da patologia e do fenômeno social para se constituir como centro gerador de saber. Nesse processo, migrou da sua condição de mero tema para se constituir como campo investigativo que evidencia não apenas a diferença do objeto a ser analisado, mas, sobretudo, o ponto de vista do crítico que passa a perceber as relações sociais e culturais para além do par opositivo heterossexualidade/homossexualidade. As relações de gênero são aprofundadas, a fim de se perceber as contradições que a cultura perpetua diante da presença de estranhos não previstos pela sociedade tradicional" (2003:11). Neste mesmo sentido, Lopes reafirma a importância da homossexualidade para os estudos culturais, como forma de adesão a projetos coletivos que extrapolam as fronteiras do seu nascedouro. "[...] acho que a aliança com os estudos culturais é de vital importância para evitar um fechamento intelectual, para compor espaços que nos dêem visibilidade e espessura. Não se trata de uma adesão incondicional ao modelo culturalista norte-americano, mas a necessidade fundamental de ir além de uma guetização epistemológica, procurando um adensamento teórico e crítico, que conduz a um embate com diversas perspectivas de ponta nos debates contemporâneos. É necessário não perder de vista que toda identidade é relacional. O redimensionamento da homossexualidade implica repensar a heterossexualidade, bem como a transitividade sexual historicamente presente na cultura brasileira, muito antes do boom bissexual dos anos 70, que se nunca impediu a violência homofóbica, não pode ser reduzida à alienação, ao enrustimento. Pensar a sexualidade e afetividade implica discutir formas de adesão a projetos coletivos e temas que transitem para o conjunto da sociedade civil, como vem sido feito em relação a AIDS, por exemplo." (Lopes, 2003) A existência de grupos gays militantes; a cobertura da mídia, envolvendo fatos que se relacionam de alguma forma com a condição homossexual; no mundo da arte, a expressiva a produção cinematográfica que explora as relações homossexuais e a farta literatura homoerótica; a produção editorial voltada para o universo jurídico-político, versando sobre a temática e a chamada cultura queer (ainda que, mais à frente, vc tenha colocado a sua tradução, o termo aqui segue em Inglês apenas?); os debates parlamentares travados em várias sociedades sobre a necessidade do reconhecimento civil das relações homossexuais; as decisões judiciais, proferidas em distintos graus, e por juízes integrantes de órgãos judicantes de Estados distintos, apreciando a existência ou não de direitos gays, no que toca ao reconhecimento civil das uniões, ao deferimento de benefícios previdenciários, à possibilidade de adoção de crianças, à viabilidade de alteração de registro civil, etc... são fatores que corroboram a assertiva, dispensando-se maiores registros. A homossexualidade impõe-se, especialmente, como tema recorrente nos debates travados acerca da problemática dos direitos humanos, em especial, quando se trata de direitos das minorias. Richards afirma: "Precisamos agora, mais do que nunca, compreender o caso dos direitos gays como direitos humanos básicos que os povos livres desfrutam. Se estes direitos 'gays' forem requisitos de direitos humanos (ainda) mais básicos, o fracasso em reconhecê-los como direitos sinaliza para uma injustiça fundamental em nossa política, a qual deve ser intolerável às pessoas dotadas de razão e boa vontade." (1999:1) 5 Na verdade, por trás do debate, o que efetivamente se testa é a legitimidade do poder político (incluindo aqui a normatividade constitucional como a ordem hierárquica superior de organização do poder político), a partir do respeito aos direitos humanos inalienáveis. Richards (1998) sustenta que essa concepção associa-se à idéia de constitucionalismo revolucionário ("revolutionary constitutionalism") que remete aos movimentos abolicionistas, especialmente ao feminismo que lançou bases para outros movimentos libertários, como o movimento negro e para questões de gênero e de orientação sexual. Estabelecida a relevância do tema para além das fronteiras do mundo gay, indaga-se sobre a projeção da homossexualidade no universo jurídico - que se instrumentaliza na ordem jurídica buscando-se definir seus contornos e suas particularidades a fim de se apurar uma especificidade de tratamento que se impõe como condição de proteção a esse grupo minoritário. Esta é a hipótese de trabalho. IV. A estrutura do trabalho: metodologia - técnicas de pesquisa - desenvolvimento metodológico - ordem lógico-formal Tendo o recorte acima proposto, em relação ao Programa de Pós-Graduação da PUC-RJ, os estudos efetivados se ajustam em uma dupla vertente. A linha de pesquisa o Estado e as Transformações Constitucionais é um espaço importante para a contribuição nestas mudanças do presente quadro normativo constitucional. Por outro lado, reconhece-se a possibilidade de que, em razão da afinidade mantida entre as linhas de pesquisa oferecidas pelo Programa, os estudos realizados também possam ter pertinência com a temática de Direitos Humanos, Ética e Cidadania. A presente tese cuida da especificidade jurídica da homossexualidade; para tanto, adota-se uma metodologia aberta às várias sutilezas do tema. A metodologia caracteriza-se pelo pluralismo, inserindo-se no contexto pós-moderno, e privilegia a diferença. Para Marques:

4 "Le mouvement gay et lesbien pose, à la fois tacitement, par son existence et ses action symboliques, et explicitement, par les discours e les théories qu´il produit (au (OU) auxquelles il donne lieu), un certain nombre de problémes qui sont parmi les plus importants des sciences sociales, certains tout à fait nouveaux. Fondamentalement, ce mouvement de revólte contre une forme particulière et particulièrement odieuse de violence symbolique met en question très profondément l´ordre symbolique en vigueur et pose de manière tout á fait radicale la question des fondements de cet ordre et des conditions d´une mobilisation réussie en vue de le subvertir. Par là, outre qu´il fait exister des objets d´analyse nouveaux, il radicalise certaines des question les plus fondamentales à propos de l´order social" (1998:45).

5 " We need now, more than ever, to understand the case for gay rights among basic human rights that free people enjoy. If gay rights are requirements of such more basic human rights, failure to recognize such rights bespeaks a fundamental injustice in our politics that must be intolerable to reasonable people of good will" (1999:1).

"Os chamados tempos pós-modernos são um desafio para o Direito (GHERSI, 1995, p. 14). Tempos de ceticismo quanto à capacidade da ciência do Direito de dar respostas adequadas e gerais aos problemas que perturbam a sociedade atual e modificam-se com uma velocidade assustadora. ...Para muitos, o pós-modernismo é uma crise de desconstrução de desdogmatização do Direito (SANTOS, 1989, p. 17), para outros, é um fenômeno de pluralismo e relativismo cultural arrebatador a influenciar o Direito que aumenta a liberdade dos indivíduos (FRIEDMAN, 1994, p. 6 Ï), mas diminui o poder da crítica, da evolução histórica (VATTIMO, 1996, p. XII) e da verdade no Direito (FOUCAULT, 1996, p. 80), fenômeno contemporâneo à globalização (JAYME, 1995, p. 36) e à perda da individualidade moderna, mas que assegura novos Direitos individuais à diferença (JAYME, 1995, p. 37) e aumenta o radicalismo das linhas tradicionais (GELLNER, 1992, p.11)" (2001:63-89). A dimensão plural é declinada por Minda (1995) que reconhece sua inserção no universo jurídico que não pode mais fechar os olhos para a diversidade, a multiplicidade, a variedade de atores, de histórias e de cenários. No Direito, retoma-se Marques: "[o pluralismo], segundo Erik Jayme, manifesta-se na multiplicidade de fontes legislativas a regular o mesmo fato, com a descodificação ou a implosão dos sistemas genéricos normativos (Zersplieterung), manifesta-se no pluralismo de sujeitos a proteger, por vezes difusos, como o grupo de consumidores ou os que se beneficiam da proteção meio ambiente, na pluralidade de agentes ativos de uma mesma relação, como os fornecedores que organizam-se em cadeia, e em relações extremamente despersonalizadas. Pluralismo também na filosofia aceita atualmente, onde o diálogo é que legitima o consenso, onde os valores e princípios têm sempre uma dupla função, o ‘double coding’, e onde os valores são muitas vezes antinômicos. Pluralismo nos Direitos assegurados, no Direito à diferença e ao tratamento diferenciado dos diferentes ao privilégio dos ‘espaços de excelência’ e eficiência econômica agora considerada jurídica... Interessa-nos o novo pluralismo do movimento científico jurídico como nova forma de legitimar a intervenção da ciência do Direito na conduta das pessoas em sociedade. Se o Direito é, em sua essência, a arte da distinção, da orientação de condutas e da interpretação (ZIPPELIUS, 1990, p. l - 8), a pesquisa jurídica será, assim, o conjunto de atividades voltada para interpretar o sistema do Direito, do Direito posto ao Direito imanente no sistema, de forma a elaborar um conhecimento útil para entender e orientar esta realidade, identificar e melhorar sua eficácia na sociedade brasileira ( PÁDUA,1997, p. 29)" (2001:63-89). Por outro lado, evidencia-se uma abordagem interdisciplinar do tema. Interdisciplinaridade, aqui, significa, nos dizeres de Wolkemer: "[...] o diálogo que ‘se opera a partir do campo teórico inicial de uma disciplina analisada, que desenvolve problemas recortando total ou parcialmente aqueles elaborados de outra disciplina. Trata-se de uma articulação de disciplinas. [...] a cooperação interdisciplinar permite o diálogo, respeitando as diferenças específicas, visando realizar uma espécie de tradução científica de uma linguagem na outra’. Assim [...] a interdisciplinaridade impõe-se como o método de investigação central para superar a ciência dogmática do Direito" (2001:55). A adoção de uma perspectiva interdisciplinar evidencia-se na combinação de uma série de conhecimentos produzidos por distintas áreas do saber. Em especial, a Sociologia, a Antropologia, a História, as Teorias Política e Moral, a Sexualidade, são disciplinas que aportam com suas categorias próprias e contribuem para a análise mais profunda e pertinente da vida humana, pelo prisma do Direito, e facilitam a compreensão mais rica e abrangente das relações humanas. Essa abordagem interdisciplinar é facilmente perceptível. Por exemplo, chama-se a atenção para a utilização, entre outras, das categorias de representação social, movimento social, identidade, violência simbólica, estigma, originárias da Sociologia e Antropologia, que intrumentalizam a reflexão crítica proposta. Também a adoção de uma perspectiva histórica orienta a construção das diferentes leituras sobre a homossexualidade e a própria trajetória do movimento gay. As Teorias Política e Moral informam os registros do multiculturalismo, das políticas identitárias, da luta pelo reconhecimento. A Sexualidade fornece elementos de compreensão da problemática da orientação sexual e o seu papel na vida humana. Deve-se consignar também a importância do direito comparado, como método de pesquisa para o Direito Constitucional, sendo que, no presente trabalho, faz-se um esforço no sentido de aproximar os sistemas e as culturas jurídicos contemporâneos (Civil Law e Common Law), daí a inserção de investigações relativas aos Estados Unidos da América do Norte, aos países europeus e ao Brasil. Em especial o movimento de "aproximação das legislações jurídicas ou das instituições dos diversos países" (Ancel, 1980:73), buscando "cotejar para manifestar analogias y diferencias" "cotejar para manifestar analogias e diferenças" (Vergotini, 1985:75), é perceptível quando se mapeia a esfera legislativa que disciplina o reconhecimento civil das relações homossexuais, nos países europeus previamente selecionados e no Brasil, e quando se analisa decisões judiciais do Judiciário norte-americano e brasileiro. Adota-se, portanto, uma metodologia interdisciplinar e pluralista, voltada para a pesquisa teórica, jurisprudencial e legislativa, quanto às fontes - trabalhando-se, basicamente, com fontes bibliográficas diretas e indiretas, assim como fontes documentais (material legislativo e jurisprudencial) - e à pesquisa histórica, hermenêutica e comparada, no que tange aos métodos, resultando numa combinação de recursos e estratégias múltiplas. Como técnicas de pesquisa, adotam-se: a) no plano teórico, técnica de levantamento e de análise bibliográfica quanto ao tema pertinente às leituras sobre a homossexualidade e o movimento homossexual, assim como as considerações teóricas efetuadas como suporte de compreensão das questões investigadas em sede legislativa e jurisdicional; b) no plano legislativo, técnica de levantamento e de análise legislativa, referente aos diplomas legais e aos projetos de lei utilizados para a análise do direito ao reconhecimento civil das relações homossexuais; c) no plano jurisprudencial, técnica de análise de acórdão, para o estudo de caso, das decisões judiciais, proferidas no caso Romer v. Evans e na Ação Civil Pública 2000.71.00.009347-0. Nessa via, consigna-se a importância da utilização da internet como instrumento rápido para localização e atualização de fontes de pesquisa. Pretende-se, portanto, no plano metodológico, refletir a diversidade, como condição pós-moderna, que justifica e anima as investigações efetuadas nesse doutoramento. Quanto ao desenvolvimento metodológico do trabalho, partindo do geral para o particular, pretende-se: 1o. construir um panorama de como a problemática da homossexualidade se projeta no universo jurídico; 2o. densificar essa projeção, na ordem jurídica, em especial na esfera legislativa e judicial, a partir de uma ótica focada em direitos, considerados como o substrato da dignidade humana. Visando uma ordenação metodológica do trabalho reflexivo, a projeção construída revela-se em dois momentos que, entretanto, devem ser compreendidos em conjunto. O primeiro momento apresenta-se mais genérico, estabelecendo o contorno básico de contextualização da temática gay. Desenvolve-se, nos dois capítulos iniciais, registrando-se as diversas leituras que a homossexualidade tem recebido ao longo do tempo, ressaltando-se a importância do movimento gay, como elemento questionador e desestabilizador da ordem social. Estes dois capítulos devem ser entendidos como pressuposto para a compreensão e a contextualização da projeção da homossexualidade no universo jurídico. O segundo núcleo convida a um mergulho mais profundo no universo jurídico. Cuida-se da projeção da homossexualidade na ordem jurídica, o que é proposto a partir do discurso de direitos. Elaborado a partir das dinâmicas das atividades legislativa e jurisdicional, tem-se, por fio condutor de reflexão crítica, a visão que privilegia determinados direitos correlatos à temática gay (reconhecimento civil e igualdade) a fim de se indagar sobre a proteção/reconhecimento específico que a ordem jurídica lhes concede. Essa projeção, por sua vez, é investigada em dois estágios. Em um primeiro momento, de forma panorâmica, apresenta-se a projeção das questões homossexuais, na ordem jurídica e na esfera individual e coletiva das pessoas, compondo um mosaico de direitos.

Em um segundo momento, centra-se o foco nas esferas legislativa e jurisdicional, investigando, mais de perto, alguns dos direitos dos homossexuais. Parte-se, portanto, para uma dinâmica de densificação do discurso de direitos, mediante análise mais focada em pretensões específicas, plasmadas em concreto e previamente selecionadas. As pretensões selecionadas são: 1. o reconhecimento civil das relações homossexuais; 2. o direito à igualdade, concretizado na vedação de discriminação contra homossexuais e no direito à percepção de benefícios previdenciários. O reconhecimento civil das relações homossexuais será examinado na esfera legislativa, observando-se sua dinâmica no plano da fundamentação normativa e no plano de moldura legal adotada ou proposta. Faz-se um estudo comparativo entre diversas ordens jurídicas e a ordem brasileira. Na ordem internacional, utiliza-se, como fonte documental, a seleção constante do dossiê apresentado ao Parlamento Português, para fornecer subsídios para a comissão especializada que analisou os projetos 414/VII e 527/VII que resultaram na Lei 7/2001 de 11 de Maio. Faz-se um apanhado de alguns países integrantes da Comunidade Européia (Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda, Catalunha na Espanha, Bélgica, França, Finlândia, Portugal, Itália e Grã-Bretanha) que possuam legislação vigente dedicada ao direito invocado ou que, em seus respectivos órgãos legislativos, tramitem projetos de leis no sentido do reconhecimento do direito (Espanha e Itália). No caso brasileiro, o objeto de estudo será o Projeto de Lei (PL 1151/95), da então Deputada Marta Suplicy (PT/SP) - à época integrante das Comissões de Seguridade Social e Família e Direitos Humanos e Relações Exteriores da Câmara Federal - que disciplina a parceria civil de casais homossexuais. O direito à igualdade é considerado, na esfera jurisdicional, em duas manifestações, apresentadas como estudo de caso. Estabelecendo uma leitura sobre a produção jurisprudencial - que se desdobra na análise de duas decisões judiciais - foram selecionados dois casos, envolvendo direitos diferentes, embora com identidade de fundamentos, no que tange à questão da igualdade. Na ordem externa, trabalha-se com demandas de proteção contra a discriminação baseada em fatores de opção sexual; e, na ordem interna, demandas de natureza previdenciária. A vedação da discriminação contra homossexuais é considerada a partir da decisão da Suprema Corte Norte-Americana proferida no caso Romer v. Evans. O direito à percepção de benefícios previdenciários é objeto de exame na Ação Civil Pública 2000.71.00.009347-0, proposta perante a 3a. Vara Previdenciária da Seção Judiciária de Porto Alegre, e suas diversas peças processuais. Registre-se que as decisões analisadas foram selecionadas em razão de sua importância e de sua repercussão para o debate jurisdicional dos direitos dos homossexuais, assim como pela qualidade, extensão e profundidade com que a problemática foi considerada. Justifica-se igualmente a adoção de dois critérios diferenciados para a escolha dos direitos a serem examinados, bem como dos sistemas jurídicos considerados, alinhados ao Civil Law e a Common Law. A análise legislativa é reservada ao sistema de Civil Law, visto que nele prevalece, como fonte imediata de Direito, a lei. Nesse particular, utiliza-se o mesmo direito a fim de viabilizar um estudo comparativo, intra-sistema, mas integrado ao conjunto de diferentes ordens jurídicas, a fim de revelar os pontos de semelhança e de divergência encontrados a respeito do direito ao reconhecimento civil das relações homossexuais. A análise jurisprudencial recai sobre o sistema de Common Law, tendo em vista a força do precedente judicial; assim como aborda a atividade judicante nacional. Aqui são selecionadas duas esferas distintas de direitos, mas com o mesmo fundamento decisório - princípio constitucional da igualdade, a fim de identificar os diferentes argumentos adotados pelo Judiciário e revelar a pluralidade de abordagens possíveis, quer por se tratar de cortes distintas, quer por se tratar de direitos diferentes. Considerando-se a importância do direito europeu e do direito norte-americano como ordens jurídicas paradigmáticas, os cortes realizados permitem a investigação desses dois grandes modelos, em contraste com a realidade jurídica brasileira. E apresenta-se a problemática do reconhecimento de direitos dos homossexuais de modo mais direto, embora abrangente, quer porque são consideradas ordens distintas, quer em função do tratamento dado à matéria (análise legislativa e análise jurisprudencial). É explicada a organização lógico-formal privilegiada. Trata-se de uma estratégia de apresentação do trabalho com vistas a evidenciar coerência e facilitar a compreensão da projeção da homossexualidade, no universo jurídico. A tese inaugura-se com a presente INTRODUÇÃO, na qual são apresentadas algumas considerações iniciais que resgatam a vivência acadêmica que culmina com este doutoramento. Em seguida, como contextualização do tema, abordam-se os desafios da diferença. Delimita-se o objeto de estudo investigado, apontando-se a hipótese de trabalho da tese. Por fim, declina-se a estrutura do trabalho, registrando a metodologia adotada, as técnicas de pesquisa utilizadas, o desenvolvimento metodológico, bem como a ordem lógico-formal a ser observada. No Capítulo 1, apresenta-se a homossexualidade e suas possíveis definições, fixando-se os limites de sua compreensão enquanto objeto de reflexão e recuperam-se representações sociais que prevaleceram ao longo do tempo, em razão das visões de mundo, tratadas como universos simbólicos, que , hegemonicamente, se impunham nas sociedades ocidentais, inclusive no Brasil. Essas construções sociais percorrem a visão clássica, a concepção da homossexualidade como pecado/crime e a representação da homossexualidade como patologia. No Capítulo 2, registra-se a importância do movimento gay para a construção de uma nova leitura da homossexualidade. Essa releitura é perpassada pela caracterização dos homossexuais como minoria sexual, pela problemática do reconhecimento e da identidade e pelo respeito à diferença - considerações essas que se afinam com as discussões que permeiam o chamado multiculturalismo. O movimento gay é polarizado em dois modelos básicos. O primeiro voltado para a liberação sexual, chamado de modelo emancipacionista que questiona o status normativo da heterossexualidade. O segundo, centrado na luta por direitos, implica reconhecimento e é enumerado como assimilacionista. Indaga-se ainda sobre a possibilidade teórica do chamado Gay and Lesbian Studies (Estudos Gays e Lésbicos) e da questão Queer. Apontam-se algumas linhas sobre o movimento gay brasileiro, recuperando a trajetória da luta homossexual aqui existente e as suas estratégias, voltadas para a visibilidade e a legitimação. Trabalha-se também com a possibilidade de caracterização dos Estudos Gays e Lésbicos, com base na produção nacional sobre o tema. No Capítulo 3, oferece-se uma das possíveis sistematizações dos diferentes desdobramentos que a homossexualidade traz para a ordem jurídica, quer no plano legal, quer no judicial. Para tanto, desenha-se um mosaico de direitos que permite uma visão global da situação jurídica enfrentada pelos homossexuais, em diversos Estados, na atualidade. São declinados os critérios teóricos e metodológicos adotados para a construção do mosaico de direitos dos homossexuais, focalizando as categorias de discurso de direitos e de "Justiça Sexual". Em seguida, identificam-se as demandas que dão conteúdo a tais desdobramentos e revelam, em último plano, a necessidade de reconhecimento e proteção dessa pluralidade de direitos. O mosaico é apresentado em grupos de direitos que são organizados, sempre que possível, em regiões geográficas (região africana; região asiática; região do Oriente Médio; região americana; região européia e região do Pacífico). Os grupos propostos tratam da licitude formal da atividade sexual, do cerceamento da liberdade de associação e de expressão (censura), da legislação anti-discriminação e anti-difamatória, do emprego, do reconhecimento legal das relações homossexuais, da maternidade e da paternidade, do asilo, dos direitos dos transexuais, da violência urbana, "limpeza social" e violência policial e das questões envolvendo os direitos humanos dos portadores de HIV/AIDS. Ao final, seguem algumas conclusões sobre a situação jurídica dos homossexuais na atualidade, elaboradas a partir desse mosaico de direitos. No Capítulo 4, volta-se para uma dimensão metalegal, investigando, numa perspectiva comparativa, os fundamentos que prevaleceram como razão de positivação do reconhecimento civil das relações homossexuais. São objeto de análise, por amostragem, os fundamentos que circulam nos debates travados nos parlamentos belga, português, espanhol e brasileiro, com base nas propostas legislativas que se prestam a disciplinar a questão. Para tanto, inicialmente, discute-se a problemática teórica do "casamento" gay, abordando-se argumentos de cunho civilista e constitucionais no plano dos direitos humanos. Em seguida, percorrem-se os caminhos da fundamentação legislativa, traçando-se um perfil dos fundamentos examinados (na Bélgica: Lei de 29 de outubro de 1998; Portugal: Projetos de Leis nos. 338/VII; 384/VII; 414/VII e 527/VII; na Espanha: Projetos de Lei nos. 122/000068; 122/000069; 122/000071 e 122/000098; e no Brasil: Projeto de Lei Martha Suplicy - PL n.º 1.151-A de 1995). Propõe-se uma visão comparativa dos mesmos. E ao final do capítulo, sintetizando os debates, apresenta-se um quadro comparativo.

No Capítulo 5, também numa perspectiva comparativa, aborda-se a moldura legal do reconhecimento civil das relações homossexuais, a partir das condições de reconhecimento, dos efeitos do reconhecimento e das formas de extinção. A delimitação geográfica da análise recai sobre certos países da União Européia e sobre o Brasil, considerados, para tanto, os planos de lege lata e lege ferenda. São objeto de análise as leis dos seguintes países: Dinamarca: Lei n.º 372 de 1º de junho de 1989; Noruega : Lei 40 de 30 de abril de 1993; Suécia: Lei de 23 de junho de 1994; Holanda: Lei de 5 de julho de 1997 e Lei de 21 de dezembro de 2001; na Catalunha, Espanha: Lei 10/1998, de 15 de julho; Bélgica: Lei de 29 de outubro de 1998; França: Lei 207 de 9 de dezembro de 1998; Finlândia: Lei n. ° 950/2001, com as modificações da Lei n. ° 1229/2001); Portugal: Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio e Grã-Bretanha. Como perfil de lege ferenda, apresenta-se a Espanha, Projetos de Lei nos. 122/000068, 122/000069, 122/000071e 122/000098, e a Itália, Projeto de Lei no. 2725 e Projeto de Lei no. 2870. A moldura legal brasileira é materializada no Projeto de Lei Martha Suplicy - PL n.º 1.151-A de 1995 e no substitutivo adotado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Ao final, são apresentados diversos quadros sistemáticos sobre os tratamentos legais abordados (sejam leis, sejam projetos de lei). No Capítulo 6, efetua-se uma análise qualitativa da atividade jurisdicional, centrada na análise de fundamentos/argumentos da decisão judicial. Para a análise estrangeira, optou-se pela decisão da Suprema Corte Norte-Americana no caso Romer v. Evans, proferida em 1996. Integram a análise efetuada os seguintes pontos: considerações elementares sobre interpretação e aplicação da Constituição Norte-Americana; a Suprema Corte e a cláusula da equal protection of the laws (princípio da igualdade); a Suprema Corte e a proteção dos fundamental rights (direitos fundamentais), examinados a partir da decisão estuda e os prognósticos da Suprema Corte para a questão dos direitos dos gays a partir do caso Romer v. Evans. No Capítulo 7, para a análise da jurisprudência brasileira foi escolhida a Ação Civil Pública no. 2000.71.00.009347-0 proposta perante a 3a. Vara Previdenciária da Seção Judiciária de Porto Alegre, com suas diversas peças processuais, e julgada em 2001. Os pontos abordados tratam das dimensões processual e material do caso. Na dimensão processual, trabalha-se com o veículo processual manejado (a ação civil pública como garantia de direitos); o papel do Ministério Público, sua legitimidade e a caracterização dos interesses metaindividuais; e a problemática da extensão dos efeitos da decisão judicial. Na dimensão material, analisam-se a pretensão autoral e sua fundamentação; a decisão judicial e sua fundamentação; o exercício jurisdicional e as implicações teóricas da decisão. Por fim, indaga-se sobre a relação entre a Justiça e os homossexuais. A seguir apresenta-se uma SÍNTESE DAS IDÉIAS DESENVOLVIDAS que resume as reflexões efetuadas, e a BIBLIOGRAFIA levantada e utilizada para a elaboração da tese. Espera-se colaborar para a superação de certos desafios acadêmicos, atribuindo um significado maior à atividade do pesquisador e voltada para as necessidades da sociedade que lhe sustenta. No entender de Santos: "No paradigma emergente, o carácter autobiográfico e auto-referenciável da ciência é plenamente assumido. A ciência moderna legou-nos um conhecimento funcional do mundo que alargou extraordinariamente as nossas perspectivas de sobrevivência. Hoje não se trata tanto de sobreviver como de saber viver. Para isso é necessária uma outra forma de conhecimento, um conhecimento compreensivo e intimo que não nos separe e antes nos uma pessoalmente ao que estudamos. A incerteza do conhecimento, que a ciência moderna sempre viu como limitação técnica destinada a sucessivas superações, transforma-se na chave do entendimento de um mundo que mais do que controlado tem de ser contemplado. Não se trata do espanto medieval perante uma realidade hostil possuída do sopro da divindade, mas antes da prudência perante um mundo que, apesar de domesticado, nos mostra cada dia a precaridade do sentido da nossa vida por mais segura que esteja ao nível da sobrevivência. A ciência do paradigma emergente é mais contemplativa do que activa. A qualidade do conhecimento afere-se menos pelo que ele controla ou faz funcionar no mundo exterior do que pela satisfação pessoal que dá a quem a ele acede e o partilha" (2002: 53-54) . Ao evidenciar-se a projeção da homossexualidade no universo jurídico, apontando-se para uma especificidade de desdobramentos que resultam no respeito à diferença, busca-se resgatar uma dimensão efetivamente humana do Direito. Trata-se tão só de uma questão de direito. "Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrastar consigo as pessoas e as coisas que não têm voz." Ferreira Gullar

1 Algumas leituras sobre a homossexualidade 1.1. A concepção de homossexualidade adotada. 1.2 Um percurso histórico: 1.2.1 Uma visão clássica. 1.2.2 A homossexualidade como pecado e crime .1.2.3 A homossexualidade como patologia. 1.2.3 As leituras da homossexualidade no Brasil Pretende-se, nesse capítulo, traçar os primeiros contornos do panorama que, ao final, deverá revelar a projeção da homossexualidade, na ordem jurídica, com seus desdobramentos para a esfera de direitos humanos, núcleo da dignidade humana. O interesse investigativo fixa-se nas leituras possíveis para o fenômeno homossexual, que podem ser compreendidas como representações sociais que prevalecem em uma sociedade, em um determinado período, privilegiando-se uma abordagem de cunho histórico. No particular, as considerações traçadas são pinçadas no que se convencionou chamar de história das mentalidades, "voltada para o grande campo dos sentimentos, desejos, crenças, costumes e de outras atitudes situadas na fronteira entre o individual e o coletivo, entre o movimento e a inércia das épocas passadas: ‘história das visões de mundo’ [...]" (Vainfas, 1997: 14). O ponto de observação considerado fixa-se "nos sistemas de regras, leis e valores que vigoram socialmente, bem como nas instâncias de poder que lhes dão vigência (história dos códigos)" (Vainfas, 1997: 15). Para tanto, inicialmente, apresenta-se a homossexualidade e suas possíveis definições, elegendo-se os limites de sua compreensão enquanto objeto de reflexão desta tese. A partir daí, recuperam-se as representações sociais que prevaleceram ao longo do tempo, em razão das visões de mundo que, hegemonicamente, se impunham nas sociedades ocidentais. Numa abordagem geral, em épocas não necessariamente sucessivas no tempo, quatro são os registros brevemente elaborados: a Antigüidade Clássica, a Santa Inquisição, a concepção novencentista, com a invenção médica do "homossexualismo", e o período nazista de extermínio gay. Chama-se atenção também para Berlim da Girlkultur. Voltando-se para o Brasil, faz-se um apanhado de como a homossexualidade foi e é vista, dando ênfase especial ao período do Brasil Colônia, que inaugura a chamada "mentalidade nacional" sobre o tema e a legislação penal que lhe sucede. As repercussões que a medicalização da homossexualidade trouxe para compreensão da questão também são consideradas, chamando-se a atenção para dois casos de grande repercussão nacional: Febrônio Índio do Brasil e Roosevelt Antônio Chrysóstomo de Oliveira. 1.1 A concepção de homossexualidade adotada Assim, segundo o roteiro acima, em razão do objeto de investigação proposto, e por força da necessidade de centralizar o foco de estudo no mesmo, as expressões direitos dos homossexuais e direitos gays são utilizadas indistintamente, de forma genérica, como sinônimas, abrangendo tanto a homossexualidade masculina, quanto a feminina (lesbianidade) Também na expressão genérica adotada - homossexuais - considera-se a bissexualidade/. Entretanto, há outras designações mais específicas que se abrem à riqueza das diferentes manifestações homossexuais, utilizadas no contexto de minorias sexuais. Registra Mott que "[n]o Brasil, nos últimos anos, vem se popularizando cada vez mais a sigla GLS - gays, lésbicas e simpatizantes - sobretudo nos meios de comunicação e no circuito comercial. Fala-se, por exemplo, em "revista GLS" ou que o "mercado GLS" tem alto poder aquisitivo" (2003:85). Por outro lado, deve-se igualmente consignar que certas organizações ativistas se utilizam da expressão LGBT - lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros - para dar conta de toda essa realidade multifacetada e que nem sempre coincidem em suas identificações. Não se ignora, porém, o debate teórico a respeito das especificidades da homossexualidade masculina (em geral dita gay) e da homossexualidade feminina (lesbianidade). (não seria lesbianismo???)

Miller, ao apresentar seu plano de trabalho no livro "Freedom to Differ" ("A Liberdade de Diferir"), reconhece os riscos de se pretender uma uniformidade de concepções ao se adotar genericamente as expressões. "Mesmo o meu emprego da frase 'movimento gay e lésbico de direitos' representa uma distorção. Ao contrário de apresentar um centro político coesivo, o movimento sempre foi alvo de disputa e divisão. Conflitos internos não só ocorreram, como continuam a ocorrer. Assim, apesar de temas como a assimilação e a igualdade terem predominado, estes nunca foram temas exclusivos." (Miller, 1998:8) 6 Aliás, tais diferenças tornam-se mais evidentes quando a temática da homossexualidade feminina se vê associada à teoria feminista, já que o processo de marginalização, historicamente, se opera em duas frentes, havendo uma dupla invisibilidade. Novamente Miller: "O movimento gay e lésbico de direitos que vem se desenvolvendo nas últimas três décadas partilha algumas características com o feminismo lésbico, enquanto diverge em outros aspectos. A predominância de metáforas de visibilidade e voz, e a ênfase em uma íntima conexão entre ser vista e ser ouvida, são comuns a muitos grupos minoritários. Já no tocante às estratégias de direcionamento desses temas, existe uma maior divergência. Por exemplo, algumas feministas lésbicas estão comprometidas com o desenvolvimento e a valorização de um espaço à margem da sociedade, de onde possam desafiar instituições patriarcais e desenvolver uma cultura toda própria. Tais esforços podem se dar através de uma série de possibilidades, tendo como fronteiras, de um lado, o absoluto separatismo e, do outro, a completa assimilação como fim. A principal corrente do movimento gay e lésbico de direitos frequentemente se aproxima mais dessa última, esforçando-se em obter igualdade dentro da instituição existente". (1998:15) 7 Há ainda divergências, inclusive de natureza semântica, mas que revelam diferentes percepções valorativas das experiências homossexuais. Para Garcia: "Sabemos que os termos utilizados para definir homens que fazem sexo com homens, principalmente no Brasil, têm uma conotação variada, tendo em vista a complexidade de situações. Homossexual, homossexualismo, homoerótico, gay, bicha são palavras que esbarram em diferentes significações a partir do contexto expressado. A palavra homossexual, por exemplo, estigmatiza o sujeito para o campo da vida sexual, bem como a medicina faz a sua classificação para a preferência sexual. Nos Estados Unidos o termo gay é um conceito apropriado e politicamente correto, diferentemente do Brasil quando associado ao termo bicha, como indicação sociocultural pejorativa (discriminatória e preconceituosa). Contudo, dentro dos ambientes mais intelectualizados/politizados, a palavra homoerótico está conquistando cada vez mais espaço na denominação de um comportamento favorável ao erotismo entre duas pessoas do mesmo sexo. O que descarta o estigmatismo do sujeito, passando a eleger o ato, enquanto atividade, ação homoerótica" (2000:12-13). Segundo Jurandir Freire Costa (1992 e 1996), adepto da concepção de que uma nova palavra pode criar uma nova consciência, homossexual é uma palavra cuja carga de significados é negativa. Essa visão aproxima-se do chamado movimento "politicamente correto" ou simplesmente "pc" que pretende, na visão de Semprini: "[...] evitar que a sensibilidade ou a auto-estima dos diferentes grupos sociais, minorias ou indivíduos possam ser ofendidas ou humilhadas por conversas, atitudes ou comportamentos inconvenientes, de modo a induzir ou reforçar na pessoa em questão uma visão desvalorizada ou culpabilizante dela mesma. Estas práticas, afirmam os defensores do ‘pc’, podem reforçar as condições de marginalidade ou insegurança em indivíduos-alvo e contribuir para a perpetuação de uma condição inferior inaceitável" (1999:62) . Daí surge a necessidade do emprego de um outro termo liberto do preconceito e que rompa com a visão pejorativa e discriminatória das relações sexuais e afetivas mantidas por pessoas do mesmo sexo, tradicionalmente associadas à perversão, à doença, à anomalia/. Homoerotismo seria então a expressão adequada que propõe uma leitura mais aberta à compreensão dessas relações que integram o variado repertório da sexualidade humana. "Homossexual foi uma palavra inventada para descrever pejorativamente a experiência afetivo/sexual de pessoas do mesmo sexo. Homoerotismo diz que a mesma experiência pode ser vista de uma outra forma. Tentar eliminar o preconceito usando um termo viciado seria tão difícil quanto falar de maneira neutra (do ponto de vista do valor) sobre o

6

"Even my use of the phrase ‘lesbian and gay rights movement’ represents a distortion. Rather than having one cohesive political center, the movement has always been a divided, contested site. Conflicts have occurred within the movement both historically and currently. Thus, although the themes of assimilation and equality have predominated, they have never been exclusive themes." (Miller, 1998:8)

7

"The lesbian and gay rights movement that has evolved over the past three decades shares some characteristics with lesbian feminism, while differing in other aspects. The predominance of metaphors of visibility and voice and the emphasis on a close connection between being seen and being heard are shared by many minority groups. Yet strategies for addressing these issues often differ. For example, some lesbian feminists are committed to developing and valuing a space along the margins of society from which to challenge patriarchal institutions and develop a culture of their own. Such efforts may be located on a spectrum of possibilities, bounded on one end by absolute separatism and on the other by the goal of complete assimilation. The mainstream lesbian and gay rights movement often falls nearer the latter end, striving to attain equality within existing institution." (1998:15).

migrante nordestino pobre, chamando-o de "paraíba". [...] Homoerotismo não é uma palavra neutra, do ponto de vista dos valores. Com ela pretendo revalorizar, dar outro peso moral às experiências afetivo-sexuais que, hoje, são pejorativamente etiquetadas de homossexuais. Quando mudamos os conceitos, mudamos os problemas e com eles as interpretações que damos de certos fatos. Por exemplo, para falar sobre a experiência dos trabalhadores da indústria, já se deixou de chamá-los de "os pobres" ou simplesmente de trabalhadores, para chamá-los de operários. Com isso, deslocou-se o enfoque do problema do eixo pobre/rico para um outro enfoque que é o da articulação do modo de produção. Quando você fala de classe social e não de "povo", você está querendo propor outra leitura de um fato. Mas é preciso não esquecer que, sem a prática, a simples mudança de vocabulário seria um mero adorno, fadada à ineficácia" (Costa, 1992). Luiz Mott, a seu turno, opõe-se veementemente à expressão homoerotismo, vez que a mesma reduz a opção homossexual somente a momentos de atos eróticos, e defende a utilização do termo homossexual por entender que o mesmo, "além de universal e histórico, reúne todas as aspirações dos defensores dos direitos de cidadania deste segmento social" (Mott, 2003:231). E ainda refuta os dois argumentos que são utilizados contra o uso da palavra homossexual, quais sejam: 1. o problema da rotulação sexual; 2. a origem da expressão cunhada na medicina como forma de patologizar o amor entre pessoas do mesmo sexo. Para Mott, a problemática da rotulação é inerente a nossa sociedade ocidental, sendo requisito de auto-referência no mundo. Quanto à origem da expressão, diz que há um equívoco histórico a ser corrigido. "[...] diferentemente do que Foucault, Peter Gay e vários outros autores escreveram , e que alguns militantes desinformados continuam repetindo, este termo não foi inventado por um médico com vistas a reprimir os praticantes do ‘amor proibido’. A verdade histórica já comprovada desde os inícios dos anos 80, e também por mim repetida na mídia, é que o inventor do termo homossexual e homossexualismo não era um médico e sim um jornalista e advogado húngaro, Karol Maria Kertbeny, que escreveu esse conceito pela primeira vez nos jornais em 1869. E por que motivo? Exatamente para lutar contra o parágrafo 175 do Código Penal Alemão, que condenava os praticantes do amor do mesmo sexo à prisão com trabalhos forçados" (Mott, 2003:232-233). Sedgwick registra que não há um critério satisfatório que possa informar a escolha a ser feita entre os termos "homossexual" e "gay", entretanto admite que poderia ser possível uma associação a momentos históricos, cabendo à palavra "homossexual" um caráter mais atemporal. Ainda assim, para a autora, a afirmação não é de todo isenta de problemas. "Até recentemente, parece que o termo 'homossexual' - mesmo que o seu emprego antes do final do século XIX possa ser considerado como grave anacronismo - estaria temporalmente menos circunscrito que o termo 'gay'; quem sabe, até porque, talvez, soasse mais oficial e menos como um diagnóstico. Aquela aura de atemporalidade, entretanto, rapidamente se desfaria - menos devido à manifesta inadequação dos mapas cognitivos e comportamentais do século anterior em que foi cunhada do que ao fato de que as fontes de sua autoridade, no século seguinte, parecem crescentemente tendenciosas e datadas. Assim, 'homossexual' e 'gay' parecem cada vez mais como termos a serem empregados em períodos distintos, não sobrepostos, da história de um fenômeno para o qual não resta qualquer rótulo..." (Sedgwick, 1990:16-17).8 Por outro lado, a expressão homossexual, por ser mais neutra, melhor atenderia às demandas de gênero. Lopes apresenta uma visão mais aberta sobre a problemática da denominação, ressaltando a importância de estratégias diferenciadas em razão das realidades culturais e regionais distintas. "Há que se refletir sobre a opção do Festival Mix de sexualidades múltiplas e o termo GLS ou ainda a tônica do homoerotismo, termo clássico, colocado novamente em circulação entre nós por Jurandir Freire Costa, e utilizado no nome deste encontro. O radical e coloquial bicha, viado ou a construção transnacional de uma homocultura ou do gay? A saída não está em apontar para um nome único, mas estratégias diferenciadas em função de realidades culturais e regionais distintas" (Lopes, 2003). Para além do debate semântico, percebe-se, ainda, que a homossexualidade tem recebido, ao longo do tempo, uma série de leituras, não sendo possível estabelecer-se um consenso de significados e significações. Há algumas definições mais simplistas que se revelam superficiais e inadequadas, já que reduzem a compreensão do que seja a homossexualidade a uma dimensão meramente física e orgânica, desconsiderando todo um complexo de afetos e emoções. Veja-se Dover, "(a homossexualidade) é definida como a disposição em buscar prazer sensório através do contato corporal com pessoas do mesmo sexo em detrimento de contatos com o sexo oposto." (1989:1) 9 Indagando o que é a homossexualidade, Peter Fry e Edward MacRae respondem: "Esta pergunta tem como pressuposto que a homossexualidade é alguma coisa. O problema é que a homossexualidade é uma infinita variação sobre um mesmo tema: o de relações sexuais e afetivas entre pessoas do mesmo sexo. Assim, ela é uma coisa na Grécia Antiga, outra coisa na Europa do fim do século XIX, outra coisa ainda entre os índios Guaiaqui do Paraguai" (1991:7). Vê-se, pois, que a multiplicidade de representações e de concepções sobre a homossexualidade varia segundo o contexto e a cultura, sendo uma categoria fortemente marcada pela historicidade. Inclusive, sobre a possibilidade de uma definição de homossexualidade, escreve Trevisan que "O desejo homossexual partilha de uma extrema pluralidade libertária - mas também dos paradoxos da padronização cultural de cada período. Nesse exercício de corda bamba, faz sentido perguntar se é adequado e funcional definir a homossexualidade, outorgando-lhe algo como um caráter definitivo e uma natureza compartimentada" (2002:35-36). Assim, reconhece-se que a tarefa de definir a homossexualidade extrapola os objetivos desta pesquisa, se é que é possível de ser realizada. Entretanto necessário se impõe - como imperativo metodológico para o presente estudo - delimitar-se a compreensão dessa categoria estudada. Desta forma, ao se investigar a homossexualidade e suas relações com o universo jurídico, toma-se propositadamente uma concepção bastante genérica, e minimamente neutra, a fim de dar conta das "homossexualidades" - que resultam em pluralidade ou multiplicidade sexual. Tem-se aqui a homossexualidade como a preferência e/ou a inclinação por relacionamentos afetivos e/ou eróticos e/ou sexuais entre pessoas do mesmo sexo, considerando-se as suas diferentes manifestações que integram uma minoria sexual ainda não homogênea em suas manifestações. 1.2 Um percurso histórico Num plano sociológico, as leituras sobre a homossexualidade facilmente podem ser associadas à noção de dissidência e aos recursos e aos mecanismos desenvolvidos pela sociedade para neutralizá-lo, já que a dissidência ameaça o universo simbólico prevalecente. O universo simbólico está associado ao problema da legitimação que resulta num processo de explicação e de justificação. A legitimação "explica a ordem institucional outorgando validade cognoscitiva a seus significados objetivados. A legitimação justifica a ordem institucional dando dignidade normativa a seus imperativos práticos" (Berger e Luckmann, 1993:128). Ela pode se

8 "Until recently it seemed that ‘homosexual’, though it severely risked anachronism in any application before the late century [19th], was still somehow less temporally circumscribed than ‘gay’, perhaps because it sounded more official, not to say diagnostic. That aura of timelessness has, however, faded rapidly - less because of the word’s manifest inadequacy to the cognitive and behavioral maps of the century before its coining, than because the sources of its authority for the century after have seemed increasingly tendentious and dated. Thus ‘homosexual’ and ‘gay’ seem more and more to be terms applicable to distinct, non overlapping periods in the history of a phenomenon for which there then remains no overarching label" (Sedgwick, 1990:16-17).

9 "[homosexuality] is defined as the disposition to seek sensory pleasure through bodily contact with persons of one´s own sex in preference to contact with the other sex" (1989:1).

dar em quatro níveis, sendo o universo simbólico o quarto nível. Os universos simbólicos são, portanto, "corpos de tradição teórica que integram diferentes áreas de significação e abrangem a ordem institucional em uma totalidade simbólica" visto que "todos os setores da ordem institucional acham-se integrados num quadro de referência global, que constitui então um universo no sentido literal da palavra,porque toda a experiência humana pode agora ser concebida como se efetuando no interior dele"(Berger e Luckmann, 1993:131). É esse universo simbólico totalizador, então, que legitimará as condutas individuais, a biografia de cada indivíduo, bem como a própria ordem institucional, pois a sociedade inteira ganha sentido num processo de significação e, portanto, de ordenação. Desta forma, "instituição e papéis particulares são legitimados por sua localização em um mundo compreensivelmente dotado de significação" (Berger e Luckmann, 1993:141). Assim, novamente, para Berger e Luckman: " O universo simbólico é concebido como a matriz de todos os significados socialmente objetivados e subjetivamente reais. A sociedade histórica inteira e toda a biografia do indivíduo são vistas como acontecimentos que se passam dentro deste universo.[...] O universo simbólico é evidentemente construído por meio de objetivações sociais. No entanto sua capacidade de atribuição de significações excede de muito o domínio da vida social, de modo que o indivíduo pode ‘localizar-se’ nele, mesmo em suas mais solitárias experiências. Neste nível de legitimação a interação reflexiva de processos institucionais distintos alcança sua plena realização. Um mundo inteiro é criado. Todas as teorias legitimadoras menores são consideradas como perspectivas especiais sobre fenômenos que são aspectos deste mundo. Os papéis institucionais tornam-se modos de participação em um universo que transcende e inclui a ordem institucional"(1993:132). Por outro lado, é importante compreender também que esse processo de significação se encontra permanentemente ameaçado pelo caos. E uma vez que toda realidade social é precária, todas as sociedades, em última ou primeira instância, são "construções em face do caos" (Berger e Luckmann, 1993:146). Essa ameaça permanente faz com que o universo social desenvolva mecanismos de conservação. E o maior risco que o universo simbólico enfrenta é a quebra de seu ordenamento de significação, a subversão de seu sentido, o que se opera pelo surgimento de outras significações possíveis, isto é, de outros universos simbólicos potencialmente subversivos, porque elaboram distintas significações. Os mecanismos conceituais que conservam os universos simbólicos implicam, necessariamente, a sistematização de legitimações cognoscitivas e normativas que se entrelaçam. As legitimações normativas, por sua vez, abrem as portas para a estruturação de uma ordem jurídica que cumpra com a função de manutenção e de alimentação do universo simbólico, fazendo-se a ponte de pertinência com as considerações apresentadas ao longo da tese. Mais amiúde, entre os diversos mecanismos conceituais historicamente perceptíveis, em uma série aberta de combinações e modificações, há duas aplicações que merecem destaque - a terapêutica e a aniquilação - e se operacionalizam, em especial, nas representações da homossexualidade como pecado/crime e como doença. A terapêutica pretende uma reformulação da representação desviante, propondo sua correção, mediante a aplicação de mecanismos de retificação. A aniquilação traduz-se na destruição conceitual da representação divergente, visto que incompatível com o universo simbólico dominante. A despeito do alcance da citação de Berger e Luckmann, acostada abaixo, sua precisão teórica justifica a utilização. "A terapêutica acarreta a aplicação do mecanismo conceitual a fim de assegurar que os discordantes atuais ou potenciais se conservem dentro das definições institucionalizadas da realidade, ou, em outras palavras, impedir que os ‘habitantes’ de um dado universo ‘emigrem’. Realiza isso aplicando o parelho legitimador aos ‘casos’ individuais. Desde que [...] toda sociedade enfrenta o perigo de dissidência individual, podemos admitir que a terapêutica, de uma forma ou de outra, é um fenômeno social global. Seus dispositivos institucionais específicos, do exorcismo à psicanálise, da assistência pastoral aos programas de aconselhamento pessoal, pertencem naturalmente à categoria de controle social. Aqui interessa-nos, porém, o aspecto conceitual da terapêutica. Tendo a terapêutica de ocupar-se com os desvios das definições ‘oficiais’ da realidade, deve criar um mecanismo conceitual para explicar esses desvios e conservar as realidades assim ameaçadas. Isto requer um corpo de conhecimento que inclui uma teoria da dissidência, um aparelho de diagnóstico e um sistema conceitual para a ‘curas das almas’.[...] A terapêutica eficaz estabelece uma simetria entre o mecanismo conceitual e sua apropriação subjetiva pela consciência do indivíduo. Ressocializa o transviado, reintroduzindo-o na realidade objetiva do universo simbólico da sociedade. Evidentemente existe uma grande satisfação subjetiva por motivo deste retorno à ‘normalidade’"(1993:153-155). A aniquilação, para os mesmos autores, utiliza-se de um processo de legitimação negativa. "A legitimação conserva a realidade do universo socialmente construído; a aniquilação nega a realidade de qualquer fenômeno ou interpretação de fenômenos que não se ajustam nesse universo". Isso se dá de duas formas. Em primeiro lugar, é possível dar um status ontológico negativo aos fenômenos de desvio, isto é, "a ameaça às definições sociais da realidade é neutralizada atribuindo-lhe um status ontológico inferior, e com isso um status cognoscitivo que não deve ser levado a sério, a todas as definições existentes fora do universo simbólico. [...] Em segundo lugar, a aniquilação implica a tentativa mais ambiciosa de explicar todas as definições dissidentes da realidade em termos de conceitos pertencentes ao nosso próprio universo. [...] As concepções transviadas não recebem simplesmente um status negativo, são atacadas teoricamente em detalhes. O objetivo final desse procedimento é incorporar as concepções dissidentes ao nosso próprio universo, e com isso em última análise liquidá-las. As concepções dissidentes devem portanto ser traduzidas em conceitos derivados de nosso próprio universo. Desta maneira, a negação de nosso universo transmuta-se sutilmente na afirmação dele. Há sempre a pressuposição de que o negador não sabe realmente o que está sendo dito. Suas afirmações só adquirem sentido quando são traduzidas em termos mais ‘corretos’, isto é, em termos derivados do universo por ele negado" (Berger e Luckmann, 1993:156). Desta forma, a terapêutica usa o mecanismo conceitual para manter todos dentro do universo considerado, ao passo que a aniquilação, a seu turno, usa um mecanismo semelhante para liquidar conceitualmente tudo o que está fora deste mesmo universo. E, uma vez que há essa liquidação conceitual, não há obstáculos cognoscitivos para a liquidação física, pois os desviantes são dispensáveis para a manutenção do universo simbólico dominante. Sendo certo, para Berger e Luckman, que "quer se passe da aniquilação à terapêutica, quer se empreenda a liquidação física do que se liquidou conceitualmente, isto é apenas uma questão de política" (1993:157). A despeito da lógica utilizada de inserção da terapêutica ou de eliminação da aniquilação, os autores declinados explicam que "as aplicações terapêutica e aniquiladora dos mecanismos conceituais são inerentes ao universo simbólico enquanto tal. Se o universo simbólico tem de abranger a realidade, não é possível deixar que alguma coisa fique fora de seu âmbito conceitual. Em princípio, de qualquer maneira suas definições da realidade devem abranger a totalidade do ser" (Berger e Luckmann, 1993:157). Especialmente nas sociedades em que a representação social da homossexualidade é associada ao desvio (quer moral ou físico), a aniquilação e a terapêutica podem ser vistas como mecanismos recorrentes de neutralização da dissidência, animando experiências históricas, ao longo do tempo, e ensejando representações da homossexualidade compatíveis com o projeto de conservação do universo simbólico. Se os universos simbólicos são produtos sociais e, portanto, frutos da história, pretender entender seu significado é mergulhar na história de sua produção e na forma em que a sociedade lida com o dissidente. Logo, o estudo de tais mecanismos - instrumentalizados em seus desdobramentos jurídicos - presta-se à reconstrução de uma versão histórico-jurídica da questão da homossexualidade. Assim sendo, no que diz respeito à homossexualidade, impõe-se uma investigação no plano histórico, no qual, ao longo do tempo, registram-se as mais diversas formas de práticas e tratamentos que as sociedades lhe dispensavam. Essas, em função do universo simbólico dominante, de seus mecanismos de conservação e das estruturas de poder prevalecentes,graduavam-se da valorização à tolerância, da permissividade aos extremos da condenação pública, como caracterizado nas sociedades de matriz judaico-cristã.

Nessa perspectiva, tem especial importância a moral sexual judaica que é fortemente marcada por "dois axiomas: a dominação machista e a repressão de todas as formas de sexualidade não reprodutiva" (Mott, 1988:178) - o que implica a condenação do derramamento de sêmen masculino como subversão máxima à significação última da existência humana: a atividade reprodutiva, a procriação . Shulz registra: "[...] a homossexualidade masculina [...] é, e sempre foi, em determinados países, objeto de sanções penais específicas, mesmo no caso de relações consensuais entre adultos, principalmente através da recriminação da sodomia. O ato sexual, através da percepção mais que limitada e restritiva da natureza das relações entre os homens, é assim penalizado. É o desencaminhamento da semente masculina de seu objetivo sagrado (a reprodução) que acarreta esta repressão, a qual é orquestrada, principalmente, pela Igreja. Paralelamente, as uniões entre homens, as quais não questionam a organização da sociedade, se beneficiaram de uma relativa tolerância." (1998) 10 Por outro lado, Dagnese constata: "[...] o povo hebreu - que viria influenciar profundamente o posterior cristianismo - passou a proceder de maneira a reiterar segregação e rejeitar costumes estrangeiros sob o pretexto de proteger o seu povo. Na verdade, objetivando destruir similaridades com os estrangeiros como forma de enfatizar o nacionalismo emergente. Ainda que nos textos mais antigos (Segundo Livro do Reis, ,XXIII, 7) a presença de prostitutos masculinos fosse tolerada, com Leviticus (XX, 13) - que passou a condenar severamente também a nudez e o adultério - surge o claro édito de que um homem não deve se deitar com outro homem como se deitaria com uma mulher sob pena de ambos terem cometido uma abominação e, assim, serem submetidos à morte. Eis a primeira informação que faria as vezes de semente da ditadura homofóbica posterior. Interessante é constatar que, apenas muito tempo depois, também a homossexualidade feminina seria condenada" (2000:13). A significação ordenadora da visão conceptiva transladou-se também para o Cristianismo. Para o apóstolo Paulo, a homossexualidade sequer poderia ser nomeada. Decretava "que essas coisas não sejam sequer nomeadas entre vós" (apud Mott, 1984:100), fixava-se o nefando, como adiante se verá. Enfim, especificamente, o intento de certos mecanismos conceituais de conservação do universo simbólico "relaciona-se com o poder possuído por aqueles que operam com eles. O confronto com universos simbólicos distintos implica um problema de poder, a saber, qual das definições da realidade em conflito ficará ‘fixada’ na sociedade" (Berger e Luckmann, 1993:147). 1.2.1 Uma visão clássica A idéia de que o universo simbólico se abre a múltiplas possibilidades de existência evidencia-se ao longo da história de nossa civilização. Merece destaque a visão grega clássica, reconhecidamente favorável à homossexualidade, como atestam os registros históricos dos ritos de iniciação dos jovens gregos que tinham por modelo relações pedófilas - recorde-se que o universo simbólico da Antiguidade se alicerçava em outros pilares distintos daqueles adotados posteriormente pelo Cristianismo. Para Dias, a homossexualidade era vista como uma necessidade natural, "[N]ão se tratando de uma degradação moral, um acidente, um vício. As atitudes sexuais eram sobretudo referentes aos amores masculinos e tinham como modelo relações pedofílicas, que constituíam verdadeiro rito de iniciação sexual para os adolescentes, nominados efebos. O preceptor exercia o papel de mestre que se dispunha a transmitir-lhe seus conhecimentos. Era um modelo de sabedoria, geralmente um guerreiro, sendo uma honra para um jovem ser escolhido. A obra de Platão explora o amor dos rapazes como meio de adquirir sabedoria. Fazia parte das obrigações dos preceptados que inclusive ‘servissem de mulheres a seus preceptores’, com o que ficariam mais bem treinados para a guerra e mais hábeis para a política. Os que se negavam a essas práticas eram considerados desviantes. Para os gregos, todo indivíduo poderia ser ora homossexual, ora heterossexual, dois termos, aliás, desconhecidos na língua grega" (2000:24). Inclusive, sequer o conceito de homossexualidade era por eles articulado, como demonstra Dover.."Os gregos tinham a consciência [...] de que os indivíduos diferem em suas preferências sexuais mas, entretanto, a sua linguagem não dispõe de termos que correspondam àqueles empregados em nossa língua (o Inglês) como 'um homossexual' e 'um heterossexual', a partir do fato que eles supõem [...] que (a) praticamente, todas as pessoas, em diferentes momentos, respondem a estímulos homo e heterossexuais, e (b) praticamente, nenhum ser masculino penetra outro" (1998:1) 11 Becker também registra que, na Antigüidade, a Grécia se colocou como a maior expressão da homossexualidade. "Não apenas porque a pederastia foi alçada ao status de instituição que conduzia à uma reflexão filosófica excepcional mas, também, porque era o local para aquele tipo de homossexualidade feminina que era menos comentada e, sem dúvida, complementar à pederastia." (apud Dagnese, 2000:13).12 No que tange à homossexualidade feminina, Dagnese associa a questão ao mito das Amazonas. " […] a respeito do fenômeno das Amazonas, suposta tribo feminina de guerreiras que teriam habitado às margens de um rio da Ásia Menor, cujas normas permitiam relações heterossexuais com varões de outras tribos apenas para procriação e uma vez por ano. As meninas eram mantidas na tribo, enquanto que os meninos eram assassinados ou enviados às tribos de seus pais. Entre si, as Amazonas tinham a prática homossexual, de origem religiosa, fundamentada na necessidade de desenvolver qualidades masculinas. Em 612 a. C., na ilha Lesbos, nasceu a poetisa Safos (nomes que originariam os termos lesbianismo e safismo) cujos versos glorificavam a homossexualidade. Embora reconhecida e elogiada por sua beleza por renomados como Platão e Sócrates, grande parte de sua obra foi destruída pelos posteriores cristãos,acreditando tratar-se de grave ameaça à moralidade, of which they had set themselves up as guardians (Becker:1969)" (2000:12-13.) E para Shulz, "[...] as práticas femininas homossexuais foram reduzidas àquelas da grande poetisa Safo, nas quais a homossexualidade foi apagada, negada ao curso dos séculos que se seguiram, e em particular no século XIX, ainda que, segundo Bernard Sergent, a alta sociedade grega tenha conhecido as 'escolas' iniciativas femininas, homólogas às escolas pedagógicas masculinas [...] É certa a sua existência não apenas em Lesbos, mas também em Pamfilia e Esparta" (2003)13

10 "[... ]l'homosexualité masculine [...] a été, et fait toujours, dans certains pays, l'objet de sanctions pénales spécifiques, même entre adultes consentants, principalement via l'incrimination de la sodomie. L'acte sexuel est ainsi pénalisé en tant que tel, dans une perception plus que limitée et restrictive de la nature des relations entre hommes. C'est le détournement de la semence masculine de son objectif sacré (la reproduction) qui entraîne cette répression, orchestrée principalement par l'église. En parallèle, les unions entre hommes, qui ne remettaient pas en cause l'organisation de la société, ont bénéficié dans l'histoire d'une relative tolérance" (1998).

11 "The Greeks were aware […] that individuals differ in their sexual preferences, but their language has no noums corresponding to the English noums ‘a homosexual’ and ‘a heterosexual, since they assumed […] that (a) virtually everyone responds at different times both to homosexual and to heterosexual stimuli, and (b) virtually no male both penetrates other" (1989:1) 12 "Not only because pederasty was raised to the status of an institution that and (!?!) led to philosophical reflection of an outstanding kind, but also because it was the location for type of female homosexuality which was less talked about but was no doubt complementary to pederasty" (apud Dagnese, 2000:13).

Também o tratamento dispensado pelos Romanos igualmente merece nota. Os registros são de Dias: "Em Roma, a sodomia não se ocultava. O preconceito da sociedade romana decorria da associação popular entre passividade sexual e impotência política. A censura recaía somente no caráter passivo da relação, na medida em que implicava debilidade de caráter. Como quem desempenhava o papel passivo eram os rapazes, mulheres e escravos - todos excluídos da estrutura do poder -, fica clara a relação entre masculinidade-poder-político e passividade-feminilidade-carência de poder" (2000:25). 1.2.2 A homossexualidade como pecado e crime Aliás, para além do plano sociológico, resumido em condenação cultural e social, com seus mecanismos próprios de sanção e exclusão, a história jurídica da homossexualidade - associada à prática da sodomia - no Ocidente, a partir do endurecimento do Cristianismo, da Idade Média ao período Inquisitorial, é marcada por opressão, perseguição e extermínio. Observe-se, na verdade, que, embora a sodomia não fosse restrita às relações homossexuais, era comumente associada, na legislação civil, ao amor entre pessoas do mesmo sexo (Trevisan, 2002). Alerta, porém, Mott: "a sodomia homossexual sempre foi mais reprimida do que o sexo anal heterossexual por duas razões: por serem dois os indivíduos a desperdiçarem o esperma, e por ameaçarem não apenas o projeto demográfico expansionista, primeiro dos judeus, depois da cristandade e do Islã, mas por ostentarem os homens sodomitas um estilo de vida incompatível com os pressupostos fundantes da família patriarcal de tradição abraâmica"( 2003 a). Assim, a tipificação da homossexualidade - inclusive com a prescrição de pena de morte - remonta a tempos antigos (final do Império Romano e Alta Idade Média: leis de Constantino e de Teodósio, Código Justiniano no século VI, leis visigóticas no século VII), sem que a mesma, a despeito da moralidade cristã em ascensão, ostentasse grande repercussão em reprimir as condutas homossexuais, marcando-se por ser episódica e ineficaz (Vainfas, 1997). Entretanto, retorna-se a Vainfas: "[A] era das perseguições, a má sorte dos praticantes da sodomia viria somente a partir do século XI, estimulada por uma igreja fortalecida pela Reforma Gregoriana e, ainda, pelas monarquias feudais em processo de expansão. Já no III e IV Concílios de Latrão, realizados respectivamente nos séculos XII e XIII, tomaram-se decisões mais severas contra os culpados do nefando, especialmente quanto aos clérigos, condenados à deposição das ordens e ao confinamento ministerial. [...] Foi, portanto, no contexto da afirmação da Igreja contra suas dissidências internas, e em meio ao processo de expansão territorial da cristandade pela via das Cruzadas, que os praticantes da sodomia passaram a sofrer a hostilidade das leis. Em toda a Europa, os códigos civis tornaram-se extremamente rigorosos com o ‘crime da sodomia’, fixando penas infamantes e capitais que seriam a base jurídica das perseguições tipicamente modernas" (1997:159-160). No particular, registra Mott (1985) que, em Portugal, desde o século XIII, a lei ordenava que os homens "culpados do pecado contra a natura" fossem castrados e colgados pelas pernas até a morte. Numa leitura normativa, verifica-se que o peso da tutela repressiva se agrava com o passar do tempo, coincidindo o endurecimento das leis com o esforço da Igreja em suprimir suas dissidências internas e em manter a "integridade" da fé cristã. Nesse contexto, a separação entre o Estado e a Igreja é muito tênue. Por sua condição de crime gravíssimo, o pecado da sodomia era punível por três instâncias distintas com diferentes tribunais: a justiça del Rei, do Bispo e da Santa Inquisição. Na legislação, essas fronteiras são pouco delimitadas, por exemplo, nas Ordenações Filipinas, o pecado de sodomia é equiparado ao crime de lesa-majestade quando lhe são atribuídas penas equivalentes; assim como na aplicação da pena, já que a sua execução era feita pela Justiça do Rei. Prevalece a representação social da homossexualidade como misto de crime e de heresia, com forte carga de recriminação moral. Para Vainfas: "No entanto, o rigor da legislação dos séculos XIII e XV não parece ter sido acompanhado por uma sistemática perseguição antes dos tempos modernos, embora haja registros de algumas execuções naquele período envolvendo geralmente homens acusados de outros delitos além da sodomia. [...] Seja como for, a partir do século XV, e sobretudo no século XVI, os Estados europeus renovaram sua hostilidade jurídica contra os culpados de sodomia e, insuflados pela propaganda moralista das Reformas, as populações de quase toda a Europa, católica ou protestante, começaram a despejar, por compulsão ou vontade, centenas de réus nos cárceres da Justiça Civil ou da Inquisição. Da Inglaterra ao Santo Império de Carlo V, da Suíça calvinista à Península Ibérica, diversas leis reiteraram a morte como pena ordinária para os culpados de sodomia, compelindo o povo à delação" (1997:160161). Desta forma, a perseguição aos homossexuais não se restringe à esfera de condenação formal, isto é, à mera prescrição legal: passa-se, efetivamente, a puni-los através da Inquisição, embora não uniformemente , quer ao longo do tempo, quer em razão dos territórios, ou dos sujeitos envolvidos. Retoma-se o autor: "O impacto do furor persecutório contra os sodomitas foi desigual, geográfica e socialmente. Via de regra, a perseguição recolheu entre as massas de artesãos, trabalhadores e deserdados suas vítimas mais freqüentes, concedendo-se à nobreza e aos demais seguimentos da elite certa dose de liberdade de movimentos e hábitos sexuais, exceto se o gosto pelo nefando fosse acompanhado de delitos como a traição e homicídio. Em certos países, foram poucos os réus levados ao cadafalso pelo pecado sodomítico, inclusive na Itália, a moderna "Sodoma", e na própria Inglaterra, até pelo menos os meados do século XVII, quando a ascensão política dos puritanos transformou episodicamente a relativa liberdade em que viviam os buggers ingleses. Em outros lugares a repressão foi feroz; menos nos países ibéricos - apesar de muitos "fanchonos" e "sométicos" terem sido levados à fogueira - do que nas regiões calvinistas, a exemplo da Suíça e da Holanda. E, numa visão de conjunto, a grande leva de execuções situou-se entre meados do século XVI e meados do século XVII, declinando sensivelmente em toda a Europa do século XVIII" (Vainfas, 1997:161). Para além das diferenças de classe social, a Inquisição não trata as relações homossexuais femininas com o mesmo rigor atribuído às relações masculinas, revelando-se assim, um descaso para com essa questão. "Como o lesbianismo, chamado de sodomia faeminarum, foi descriminalizado pela Inquisição lusitana em 1646, a documentação sobre a homossexualidade feminina é bastante rara, muito embora a justiça civil continue até o século XIX a tratar esta conduta como crime" (Mott, 2003 e). Em conseqüência dessa postura, geralmente uniforme na Europa e nas Colônias, as mulheres nefandas passaram, em geral, despercebidas. Nesse caso também o estigma da invisibilidade imperava. Isso, porém, não quer dizer que não houve episódios de punições. Os documentos históricos, como os assentos dos Tribunais do Santo Ofício, indicam que a homossexualidade foi, na Península Ibérica, depois do judaísmo, o pecado/crime mais perseguido. Os processos inquisitoriais apontam para vergonha e humilhação pública, mutilações, flagelos, fogueira, degradação, perdimento de bens, banimento e degredo, "ficando seus filhos e netos inábeis e infames para o resto da vida", entre outras sanções impostas àqueles que ousavam "pecar contra a natureza". 1.2.3

13 "[...] les pratiques homosexuelles féminines sont réduites à celles de la grande poétesse Sappho dont l'homosexualité a été effacée, niée au cours des siècles ultérieurs, et en particulier au XIXe siècle, alors que, selon Bernard Sergent, la haute société grecque a connu des " écoles " initiatiques féminines, homologues aux écoles pédagogiques masculines [...]. Elles paraissent attestées, non seulement à Lesbos, mais aussi en Pamphylie et à Sparte" (2003).

A homossexualidade como patologia Saltando-se no tempo, já no século XIX, a representação da homossexualidade adquire contornos distintos. Com a mentalidade racionalista do Iluminismo, a homossexualidade deixa de ser heresia e recebe um tratamento científico. De pecado condenável, passa a ser doença tratável, abrindo-se, no linguajar foucaultiano, novos saberes de dominação. Aponta Costa que: "A invenção dos homossexuais e heterossexuais foi uma conseqüência inevitável das exigências feitas à mulher e ao homem pela sociedade burguesa européia. [...] Mas quando pensamos em sexo, quase nunca imaginamos que o "sexo" da divisão sexual originária só veio a existir no século XIX. No modelo médico do one-sex model, o sexo referia-se exclusivamente aos órgãos do aparelho reprodutor. Não era algo invasivo, que perpassava e determinava o caráter, amores, sentimentos e sofrimentos morais dos indivíduos. Este sexo absoluto, onipotente e onipresente só tornou-se teórico-culturalmente obrigatório a partir do momento em que se criou a noção da bi-sexualidade originária; com ela, surgiu a necessidade imperativa de definir 'um novo sexo' com uma natureza, norma, desvios, finalidades, características etc. [...] Desde o séc. XIX, então, o sexo ocupará o lugar da perfeição metafísica do corpo neoplatônico. Mas com outro referente. No lugar das formas essenciais, será posto o 'instinto sexual', mais uma das formidáveis criações ideológicas do século XIX. [...] A imperfeição, o desvio, a anormalidade, a doença, a patologia ou a perversão do instinto sexual serão buscadas na noção de degeneração. Finalmente, o que definirá a 'norma do instinto' e o 'desvio degenerado' será a 'lei da evolução'. Com o evolucionismo, o instinto sexual e a degeneração, a ciência médica estava teoricamente armada para justificar a moderna moral sexual burguesa. A homossexualidade será, inicialmente, definida como uma perversão do instinto sexual causada pela degenerescência de seus portadores e, depois, como um atraso evolutivo ou retardamento psíquico, manifestos no funcionamento mental feminino do homem. Historicamente, junto com as histéricas, o invertido vai ser o filho bastardo da mulher-mãe e do homem-pai e o irmão patológico dos trânsfugas e viciosos da nova ordem médica familiar: velhos senis e indecentes; solteiros dissipados; crianças masturbadoras; criminosos natos; sifilíticos irresponsáveis; prostitutas masculinizadas; alcoólicos; homicidas; loucos etc. A grande família dos degenerados instintivos estava fabricada e dela herdamos boa parte de nossas crenças sexuais civilizadas"(1996:86-87). Na verdade, a história da homossexualidade como doença transfere do juiz para o médico a possibilidade de condenação e encarceramento para fins de tratamento, já que como doente mental, o homossexual necessita curar-se. Estabelece-se assim o binômio normalidade/anormalidade em matéria de comportamento sexual. Segundo Rios: "A origem desta "ciência do sexo" é situada nas primeiras décadas do Século XIX, em virtude das conseqüências da urbanização e da industrialização, especialmente diante do temor de epidemias e da necessidade da imposição de disciplina às classes trabalhadoras. Assim, a saúde e moralidade confundiam-se no receituário das práticas médicas. Desde então, os imperativos de higiene e correção comportamental resultaram numa regulação em que a sexualidade era vista de modo negativo, numa perspectiva cuja ênfase repousava nos danos físicos decorrentes das práticas sexuais imorais. Comportamento sexual, moralidade e saúde pública eram unificadas no discurso médico pela advertência dos riscos e dos perigos, o que fazia sentido na cosmovisão capitalista então vigente e era possibilitado pela falta de objetividade científica" (2001:40). São os primeiros estudos médicos que, inclusive, cunham a expressão "homossexual" que até hoje é utilizada. Registra Stein: "Desde o final do século XIX, cientistas, médicos e especialistas em saúde mental interessam-se em saber como as pessoas desenvolvem a sua orientação sexual. Na busca de seus objetivos, estes pesquisadores vêm estudando os homens gays; ocasionalmente, as lésbicas; em uma medida menor, os bissexuais; e em uma extensão muito menor ainda, os heterossexuais. Inicialmente, o especial interesse na homossexualidade relacionava-se com o desejo de cura ou de eliminação do que era considerado como uma perversão sexual, interesse este que recentes estudos explicitamente negam. Sejam quais forem as suas motivações, os estudos relativos à orientação sexual nos útimos cem anos variam dramaticamente em suas razões, abordagens metodológicas, bases disciplinares, hipóteses de trabalho e conclusões gerais". (1999:119) 14 No que diz respeito à homossexualidade, o grande objeto de interesse dos cientistas era precisar sua causa. De forma sistemática e abreviada, pode-se apresentar, como fruto das pesquisas científicas, duas grandes teorias: uma de matriz biológica; e outra social. Para a matriz biológica, com suas várias teorias, as causas da homossexualidade têm origem física, tais como problemas hormonais, defeitos congênitos, hereditariedade; já a social, atribui a homossexualidade a problemas comportamentais, calcados em aspectos experienciais, sociais e/ou familiares. Fry e MacRae (1991) são contundentes ao concluir que, a despeito do linguajar técnico adotado pela medicina, pressupondo um distanciamento científico neutro, o que efetivamente permeia seus posicionamentos, no fundo, são juízos morais sobre a homossexualidade, já que saúde e doenças são "metáforas" para bom e ruim. A fim de possibilitar uma melhor compreensão desse paradigma médico, merece destaque o primeiro grande marco da medicinalização da homossexualidade que se dá com a chamada "escola da perversão", inaugurada por Richard Von Krafft-Ebing, em 1897, na sua obra Psychopathia Sexualis: with especial reference to antipathetic sexual instincts. A medico-forensic study.. A descrição é de Rios: "Tratava-se de um catálogo de perversões sexuais identificadas a partir da descrição e do exame detalhados (sic.) de centenas de casos (com ênfase em homossexualidade, autoerotismo, masturbação, sexualidade feminina e infantil, além dos perigos dos excessos sexuais), relacionando conduta aberrante, doenças nervosas e desordens mentais. À obra de Krafft-Ebing juntam-se outros cientistas no alvorecer desta "ciência do sexo", como Havelock Ellis, Iwan Bloch e Magnus Hirschfeld, sem esquecer, jamais, de Sigmund Freud" (2001:42). Freud inaugura uma nova forma de compreender a homossexualidade, deslocando a sua causa da biologia para psique, relacionando-a as dinâmicas do consciente/inconsciente de cada indivíduo perante si mesmo, a vida em sociedade e o próprio processo de civilização e afastando-a da reprovação moral. Para Freud, de forma simplificada, a homossexualidade é atribuída a anomalias do desenvolvimento emocional, calcada em uma excessiva fixação do jovem a sua mãe e hostilidade a seu pai - o que, no final acabaria por levá-lo a uma tendência de comportamento feminino. Em seus estudos sobre a sexualidade (três ensaios sobre a teoria da sexualidade), Freud inclui a homossexualidade entre as aberrações sexuais, como inversão sexual. Segundo Rios, "[...] muito se discute sobre a conotação atribuída por Freud à homossexualidade. Da interpretação predominante de suas obras, emerge um caráter negativo, segundo o qual a homossexualidade, ainda que destituída de reprovabilidade moral, revela uma interrupção no processo de desenvolvimento sexual; o homossexual, deste modo, seria um ser humano carente do desejado amadurecimento pessoal, afetivo e sexual. ... [Porém] há registros incontestes da postura freudiana de tolerância e, até mesmo, de defesa dos homossexuais" (2002:110).

14 "Since the late 1800s, scientists, physicians, and mental health specialists have been interested in how people develop sexual orientation. In pursuing this interest, these researchers have typically studied gay men; occasionally, lesbians; to a lesser extent, bisexual; and to a much lesses extent, heterosexuals. Initially, the special interest in homosexuality was connected to the desire to cure or eliminate what was seen as sexual perversion, an interest some recent studies explicitly denies. Whatever their motivations, the studies of sexual orientation done in the last one hundred or so years very (vary) dramatically in their motivations, methodological approaches, disciplinary foundations, working hypotheses, and general conclusion" (1999:119).

Na verdade, o grande trunfo da perspectiva médica é a nova maneira de se lidar com os homossexuais, pois, a partir da identificação das raízes da homossexualidade, abre-se a possibilidade de prescrição de tratamentos. Stein aponta que: "A pesquisa científica sobre orientação sexual representa uma história repugnante, utilizada de forma danosa para lésbicas, gays e outras minorias sexuais. (Bullogh 1994; Katz 1976, 197-316; Murphy 1992). Historicamente, quase toda investigação realizada quanto as causas da homossexualidade objetivava a sua eliminação, ou seja, tal pesquisa dirigia-se à descoberta de 'tratamentos' para a homossexualidade. Os resultados dessa pesquisa têm sido utilizados para forçar muitas lésbicas e gays a experimentar vários procedimentos destinados a reverter a sua orientação sexual, mesmo quando havia pouca razão para que se acreditasse que tais procedimentos tivessem qualquer efeito. [...] Outros gays e lésbicas, os quais se mostravam infelizes com os seus desejos sexuais e com as condições sociais por eles vividas, decidiram submeter-se às terapias de conversão. Estas terapias incluíam tratamentos à base de eletrochoque, mutilação genital, cirurgia cerebral, além de longos e violentos tratamentos de psicanálise. Alguns desses procedimentos, surpreendentemente, há até muito pouco tempo, não só eram amplamente empregados nos países ocidentais, como os mesmos continuam a ser utilizados em muitos outros. Por exemplo, até 1974, o Jornal (ou Revista?) da Associação Médica Americana (American Medical Association) examinava/traçava/criticava/revisava comentários sobre os resultados advindos da cirurgia cerebral para 'curar' homens gays e bissexuais de seus desejos por outros homens (a idéia era remover o seu 'centro feminino ...). Despida de qualquer comentário moral, aquela crítica concluia, de maneira superficial, que a cirurgia cerebral era mais eficaz que a castração química, como tratamento para a homossexualidade ('Resultados de Cirurgia Estereotáxica', 1974 - ou manter o original em Inglês???). Em geral, abordagens terapêuticas, cientificamente questionáveis, destruíram, com bastante frequência, as vidas de pessoas perfeitamente saudáveis. (1999:329-330) //. 15 De qualquer forma, a despeito de eventual e questionável veracidade e qualidade do conhecimento produzido pela comunidade médica, o mesmo tem desempenhado um importante papel político na questão do controle/aceitação/assimilação/discriminação/criminalização da homossexualidade, e na construção de categorias opostas, como a homossexualidade/heterossexualidade e normalidade/anormalidade sexuais. Nesse sentido, Fry e MacRae: " [...] podemos perceber que a medicina atuava e continua a agir politicamente no que diz respeito à homossexualidade. A partir do século XIX, ao tachar os homossexuais de doentes, ela justificou sua ‘cura’, sua ‘conversão’ em heterossexuais. Desta maneira, a medicina exerceu um forte controle social contra a homossexualidade e em favor da heterossexualidade. Mais tarde, perante as críticas oriundas do movimento homossexual,ela soube se preservar e, usando as mesmas noções de saúde e doença, introduziu a noção de ‘homossexual sadio’" (1991:77). Registre-se que, atualmente, a concepção da homossexualidade como distúrbio se encontra, de certa forma, superada. Em 1973, a APA retirou a homossexualidade da lista dos distúrbios mentais e apenas, em 1995, a expressão homossexualismo (o sufixo "ismo" indica doença e o "dade" significa modo de ser) foi substituída por homossexualidade no CID - Classificação Internacional das Doenças. Nos memoriais apresentados pela APA, na qualidade de amicus curae, no caso Romer v. Evans, resta corroborado tal entendimento: "As profissões ligadas à Psiquiatria, Psicologia e Serviço Social não consideram a orientação homossexual como um transtorno. Há mais de vinte anos, a amicus Associação Psiquiátrica Americana removeu a 'homossexualidade' de sua lista de transtornos mentais, declarando que 'a homossexualidade, per se, não implica em diminuição na apreciação, estabilidade, confiança ou , em geral, das capacidades sociais e vocacionais'. Em 1975, a amicus Associação Psicológica Americana adotou a mesma posição, conclamando todos os profissionais de saúde mental a contribuir para o fim do estigma de doença mental que, há muito, tem sido associado à orientação homossexual. A amicus Associação Nacional de Assistentes Sociais adotou semelhante política. A desclassificação da orientação homossexual como doença mental reflete os resultados de extensas pesquisas conduzidas ao longo de três décadas, comprovando que a conduta homossexual não é um desajuste psicológico. Uma consistente literatura no tema demonstra que "teorias que sustentam que a existência de diferenças entre homo e heterossexuais implicam em desajustes são irresponsáveis, desinformadas, ou ambas.] Está mais do que reconhecido que 'a homossexualidade em si, e de si (???), não comporta qualquer relação necessária com o ajuste psicológico.' Entre outras razões, as circunstâncias sociais em que gays e lésbicas vivem, inclusive a exposição a um preconceito disseminado e intenso, frequentemente é a causa de um agudo stress; mas não há evidência confiável de que a orientação homossexual, per se, atesta para uma redução do funcionamento psicológico ou do (rendimento no ?) local de trabalho. A literatura igualmente subverte presunções negativas a respeito da paternidade ou maternidade exercida por gays e lésbicas. Um estudo comenta: 'A primeira e mais surpreendente característica da pesquisa sobre mães lésbicas, pais gays e seus filhos é a ausência de dados patológicos. Dentro desse mesmo estudo, a segunda característica que mais chama a atenção é quanto à semelhança entre os grupos de pais gays e mães lésbicas e os seus filhos com os dos pais heterossexuais e seus filhos'. E o fato de uma criança ser criada por pais gays e/ou lésbicos não parece ser a causa da orientação homossexual'. 16

15 "Scientific research on sexual orientation has a gruesome history of being used to harm lesbians, gay men, and other sexual minorities (Bullogh 1994; Katz 1976, 197-316; Murphy 1992). Historically, almost every investigation into the causes of homosexuality has aimed at its elimination, that is, such research was directed at discovering "treatments" for homosexuality. The results of such research have been used to force many lesbians and gay men to undergo various procedures to change their sexual orientation, even when there was little reason to think such procedures would have any effect. […] Other gay men and lesbians, who were either unhappy with their sexual desires or with the social conditions that went along with them, chose to undergo conversion therapies. Such therapies included eletroshock treatment, genital mutilation, brain surgery, and lengthy and wrenching psychoanalysis. Some of these procedures were widely used in Western countries until surprisingly recently, and many continue to be used around the world today. For exemple, as recently as 1974, the Journal of the American Medical Association reviewed the results of using brain surgery to "cure" gay and bisexual men of their sexual desires for men (the idea was to remove their "female mating center"). Without any moral commentary, the review glibly concluded that brain surgery is more effective than chemical castration as a treatment for homosexuality ("Stereotaxic Surgery Results" 1974). In general, scientifically questionable therapeutic approaches have all too often destroyed the lives of perfectly healthy people" (1999:329-330) //.

16 "The psychiatric, psychological, and social-work professions do not consider homosexual orientation to be a disorder. More than twenty years ago, amicus American Psychiatric Association removed "homosexuality" from its list of mental disorders, stating that "homosexuality per se implies no impairment in judgment, stability, reliability, or general social or vocational capabilities." In 1975, amicus American Psychological Association took the same position, and urged all mental health professionals to help dispel the stigma of mental illness that had long been associated with homosexual orientation. Amicus National Association of Social Workers has a similar policy. The declassification of homosexual orientation as a mental disease reflects the results of extensive research, conducted over three decades, showing that homosexual orientation is not a psychological maladjustment.A comprehensive literature on the subject demonstrates that "theories contending that the existence of differences between homosexuals and heterosexuals implies maladjustment are irresponsible, uninformed, or both."] It is well established that "homosexuality in and of itself bears no necessary relationship to psychological adjustment." The social and other circumstances in which lesbians

É interessante observar algumas contradições que marcam as sociedades humanas, em especial, verificadas no século passado. Nas primeiras décadas do século XX, com a euforia que se segue à Primeira Grande Guerra, registram-se alguns momentos de escape da opressão, abrindo-se espaço para manifestações públicas por preferências homossexuais femininas. Berlim torna-se a capital da Girlkultur - que pode ser entendida como uma cultura lésbica - envolvida em um forte clima de sensualidade e de tolerância. Para Ulrich, "Girkultur - uma curiosa mistura de fantasias e modas germano-americanas que apareceu depois da Primeira Guerra Mundial - era uma das forças psíquicas que transformou Berlim, desalinhada pelos estilhaços da guerra, em uma moderna cidadela sáfica do pensamento livre e do comportamento feminino independente" (2003) 17 Encontrando-se concentrado na cidade alemã um expressivo número de lésbicas, novamente, Ulrich registra essa atmosfera aberta à lesbianidade. "Dentre os quatro milhões de habitantes da Berlim de 1930, havia uma vibrante comunidade homosexual, então chamado de 'Terceiro-Sexo', formada por mulheres, estimadas entre 85.000 e 400.000, variação essa que se atribui à fonte escolhida para coleta dos dados. Estas estimativas derivam, entre outras, das assinaturas de revistas, associação a clubes, agentes de viagem que se especializavam no turismo sexual (???), e sexólogos que meticulosamente categorizavam o espectro das intimidades femininas exibidas pelas ruas. Estas 'namoradas', fossem elas estenógrafas, dançarinas de revista, acadêmicas ou vendedoras, tinham dinheiro em seus bolsos e aclamavam Berlim como a sua Xangrilá às margens do rio Spree.' Além desta mistura cultural, os modismos das ruas de (dedicadas às?) mulheres eram de inspiração francesa, ainda que talhadas pela precisão germânica. Fanchonas podiam ser 'papais' (= a person who prefers relatively younger sex or courtship partners. Synonyms: cradle-robber; cradlesnatcher; intergenerational relationships; rob the cradle), garçonnes, sharpers, escorpiões ou girinos (tadpoles), cada qual facilmente identificável pelo seu específico corte de cabelo, desenho de sobrancelha e corte de terno. Os papéis de lésbicas passivas ('femme') eram igualmente complexos. Mesmo as mais entediantes lésbicas tinham os seus clubes-noturnos (ou night-clubs?), clubes de jogos, cafés, restaurantes, sociedades políticas e literárias, eventos esportivos, bailes de máscaras e concursos de beleza, que eram divulgados pela revista semanal 'Garçonne', e cujo lema era "para amizade, amor e iluminismo sexual [...]" (2003) 18 Todavia, os ecos da homossexualidade como patologia também chegaram ao século XX, a despeito da tolerância que possa ter acompanhado a efervescência do início de suas primeiras décadas, marcando funestamente a história de nossa civilização, com extermínios de massa. "Partindo do pressuposto eugênico de que os homossexuais eram anormais incuráveis, como loucos e aleijados, o nazismo estigmatizou-os com o triângulo rosa e determinou sua eliminação como corolário para a boa saúde da sociedade" (Trevisan, 2001:33). Há quem explique, como Gayle Rubin (1993), a perseguição nazista aos homossexuais, com a chamada teoria do "scapegoat" (bode-expiatório). A figura do bode-expiatório funciona como canalizador do sentimento de ódio que é direcionado a minorias sexuais em momentos de grande tensão social. Nesses momentos, percebe-se um acirrado pânico moral que precisa de uma válvula de escape para "aliviar" a pressão social. Esse pânico redireciona os medos e as preocupações sociais para um determinado grupo minoritário que se torna o "responsável" pela decadência moral da sociedade, ameaçando, nos extremos, a própria segurança nacional; e insufla a tomada de medidas contra esses grupos minoritários que, em geral, repercutem em discriminação e perseguição. Vandenberg, inspirado em Jeffrey Weeks, chama de pânico moral "aqueles períodos de intenso medo moral que resultam em ação política e mudança social; nas guerras sexuais, a atividade sexual se torna o significador da apreensão social e pessoal, para as quais não há qualquer conexão intrínseca com sinais de escândalo público, ação policial, e de novas leis às custas de alguns grupos eróticos, inócuos e indefesos." (1999)19 Ainda assim, gays e lésbicas são vítimas esquecidas do Nazismo. Em geral, pouco é o interesse acadêmico que a questão desperta. Aliás, um breve levantamento bibliográfico sobre a questão como o ora realizado - confirma tal esquecimento. Entretanto, há algumas obras dignas de menção, em especial o trabalho realizado por Grau e Shoppman (1995) que - apesar da pouca disponibilidade de fontes históricas, já que parte dos arquivos da policia alemão e da Gestapo se perderam ou foram destruídos com a proximidade do fim da guerra - conseguiram reconstruir a política homofóbica alemã de 1933 a 1945 e suas conseqüências. Essa política, cuja matriz se alimenta em concepções eugênicas da raça humana, engendrou-se mediante campanhas sistemáticas de discriminação legal e judicial adotadas contra indivíduos e organizações. A obra indicada acima documenta os métodos empregados para perseguir homens e mulheres homossexuais e examina a utilização que os nazistas deram à incineração, castração e assassinato. Relata, ainda um caso de estudolevado a cabo no campo de concentração de Buchenwald, onde um homossexual foi submetido a uma série de experimentos médicos. Infelizmente, a recente experiência degradante do Nazismo, com perseguição explícita e tentativa de extermínio dos homossexuais - mais de 80 mil pessoas foram assassinadas por conta de sua opção sexual - corrobora um passado de terror, no qual a clandestinidade, o segredo e a discrição se colocavam como formas de resistência e sobrevivência. 1.2.4 As leituras da homossexualidade no Brasil

and gay men live, including exposure to widespread and intense prejudice and discrimination, often cause acute distress; but there is no reliable evidence that homosexual orientation per se impairs psychological functioning or workplace functioning. The literature also undermines negative assumptions about gay men and lesbians as parents. One study commented: "The most striking feature of the research on lesbian mothers, gay fathers, and their children is the absence of pathological findings. The second most striking feature is how similar the groups of gay and lesbian parents and their children are to the heterosexual parents and their children that were included in the studies." And being raised by gay parents does not appear to cause homosexual orientation" .

17 "Girlkultur, a curious blend of German and American fantasies and fashions that surfaced after the First World War, was one of the psychic forces that transformed a dowdy war-shattered Berlin into the modern Sapphic citadel of free thinking, freewheeling female behavior that it became" ( 2003). 18 "Among Berlin’s four million inhabitants in 1930 was a vibrant "Third Sex" community of homosexual women estimated to be between 85,00 and 400,000, depending on your preferred source. Estimates have been derived from magazine subscriptions, club memberships, travel agents booking sex tourists, and sexologists who meticulously categorized the spectrum of female intimacies flaunted on the streets. These "girl friends," whether they were stenographers, revue dancers, scholars, or shopgirls, had money in their pockets and claimed Berlin as their sexual Shangri-La by the Spree.!" Adding to the cultural mix, the women’s street fashions were French-inspired, but tailored with German precision. Butches could be Daddies, Garçonnes, Sharpers, Scorpions, or Tadpoles, each easily identified by a specific haircut, eyebrow styling, and cut of suit. Femme roles were equally complex. Even the boring lesbians had their own particular nightclubs, cafés, restaurants, gaming clubs, political and literary societies, sporting events, masked balls, and beauty contests, echoing the weekly magazine Garçonne’s motto, "For Friendship, Love, and Sexual Enlightenment […]" (2003).

19 "those intense periods of moral fear that result in political action and social change; in sexual wars, a seXual activity becomes the signifier for personal and social apprehension to which they have no intrinsic connection with signs of public outrage, police action, and new laws at the expense of some innocuous, defenseles, erotic group" (1999).

Em nossas terras, embora os registros históricos sobre práticas homossexuais sejam escassos - o que evidencia um certo descaso para com o tema - ainda assim, quando elaborados, remetem à cultura indígena e à própria História do Brasil Colônia, prevalecendo a concepção de algo pecaminoso, vergonhoso e passível de punição. Em linhas gerais, incorporam-se, em nossa história da homossexualidade, com as particularidades que nos são peculiares, os rumos traçados no continente europeu. Narra Dagnese que : "A chegada dos europeus ao Brasil proporcionou, embora oficialmente proibido e negado à época, grande atividade sexual conforme os costumes locais. Pessoas vindas da extrema rigidez inquisitorial européia quanto à atividade sexual, encontraram no Brasil recém-descoberto a liberdade para praticarem seus desejos mais proibidos, em geral com os nativos que lhes demonstravam a naturalidade da prática. Havia o consenso tácito, entre os estrangeiros chegados da doutrina : infra equinoxialem nihil peccari - abaixo do Equador não há pecado. Ou seja, embora horrorizados com a devassidão pagã, os europeus mostraram-se também fascinados por ela [...] Registros do século XVI, do português Manuel da Nóbrega, relatam a prática indiscriminada e difusa de relações homossexuais, em que muitos colonos tomavam índios como mulheres, conforme costume da terra. Grande parte do continente colonizador era composto, o que agravaria a libertinagem brasileira de então, por, como era costume entre as nações colonizadoras, ladrões, assassinos, judeus foragidos e gente considerada devassa por cometer sodomia, bestialidade, proxenetismo (promover a prostituição) e molície" (2000:26-27). De igual forma, as relações escravocratas estavam marcadas por relacionamentos homossexuais que, para além da sexualidade, revelavam uma estrutura de poder dominante, associada à polaridade ativo/passivo/. Por sua vez, a estrutura normativa acompanhando os ditames traçados pela metrópole portuguesa, recepciona a leitura da homossexualiade como pecado/crime de sodomia. Veja-se a disciplina legal imposta, quer pela Igreja, quer pelo Estado. Em terras brasileiras, a normatividade religiosa se fez veicular através das chamadas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (primeiro e único sínodo colonial), que absorveram as pregações dos teólogos e ao que dispunham os códigos seculares e eclesiásticos desde séculos. As palavras são de Trevisan: "Em 1707, o Sínodo Bahiano promulgou as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Como, além de ser o primaz do Brasil, o arcebispo bahiano também era o coordenador do episcopado brasileiro, as Constituições eclesiásticas promulgadas em Salvador valiam para as demais dioceses do país, que constituía então uma única província religiosa. Nessas Constituições - que continuaram em vigor até 1900 -, a sodomia era considerada ‘tão péssimo e horrendo crime (...) e provoca tanto a ira de Deus, que por ele vêm tempestades, terremotos, pestes e fomes, e se abrasaram e subverteram cinco cidades, duas delas somente por serem vizinhas de outras onde ele se cometia’. Pecado ‘indigno de ser nomeado’, chama-se por isso ‘nefando, que é o mesmo que pecado em que não se pode falar, quanto mais cometer’. Quem ousasse cometer tal crime ‘que parece feio até mesmo ao Demônio’, devia ser entregue preso ao Santo Ofício da Inquisição" (2002: 165-166). Assim também o Santo Ofício aportou em nossas terras, embora mais embotado e sem a criação de Tribunais próprios, agindo de forma indireta, lentamente, ainda que sem tribunais, a Inquisição se foi cristalizando na sociedade colonial. Novamente Trevisan: "De modo geral, deve-se admitir que a Inquisição foi obrigada a se abrandar em solo brasileiro. A amplidão territorial da colônia e a instabilidade da vida social constantemente ameaçada por perigos naturais diminuíram a pressão social e impunham um ambiente de maior tolerância. As horrendas masmorras inquisitoriais da Europa transformaram-se em prisões comuns, no Brasil, com janelas para a rua, através das quais os prisioneiros pediam esmolas quando havia procissões, podendo inclusive conversar com os transeuntes. Mesmo porque as culpas não pareciam tão sérias: os pecados brasileiros eram menos contra a fé e mais por malandragem".(Trevisan, 2002:136). E segundo Vainfas: "Nunca houve no Brasil o extraordinário e mórbido auto-da-fé, espetáculo que aglutinava no terreiro do Paço, em Lisboa, multidões que escarneciam dos condenados, apedrejavam-nos no cadafalso, contemplavam-nos na fogueira, extasiadas, e recebiam, ao mesmo tempo, a lição intimidatória que o Santo Ofício apreciava ministrar ao povo católico com exceção das improvisadas "procissões de fé" organizadas pelo visitador Furtado de Mendonça nos finais do século XVI, a encenação do Santo Ofício no Brasil foi bem modesta. Também faltaram à Colônia os temíveis "cárceres secretos", o poder de julgar, a tortura e, por conseguinte, os documentos - depositados quase sem exceção nos bem guardados cofres do Santo Ofício lisboeta. Mas nem por isso deixou a Inquisição de atuar no Brasil desde meados do século XVI, a partir da instalação da diocese bahiana [...] "Pela ação de seus próprios visitadores, comissários e familiares, ou pelas periódicas devassas episcopais, montaria uma fabulosa máquina de vigilância, lubrificada pelo apoio dos jesuítas e dos confessores sacramentais - sorvedouro de réus em toda a Colônia" (1997:221-22 e 229). As penas aplicadas eram as mais variadas e as sentenças eram lidas em privado perante a Mesa Inquisitorial ou mesmo em autos-de-fé públicos, solenes ou não, em uma praça pública da vila ou povoação, com o comparecimento da população local. Por fim, interessante é a sentença proferida em Olinda, no século XVI, no caso de Salvador Romeiro: "Decide o Visitador do Santo Ofício que vistos os Autos, declarações das testemunhas e a confissão que fez depois de preso o sodomita SALVADOR ROMEIRO, (...) o qual confessou que já foi preso na Ilha de São Tomé e mandado para Portugal preso onde andou remando nas galés por fazer as torpezas do pecado de molície (masturbação) e outrossim mostra-se que depois disso o réu fez e efetivou por muitas e diversas vezes o horrendo e nefando crime de sodomia, sendo umas vezes agente e outras vezes paciente, com pouco temor de Deus e esquecido da salvação de sua alma. E outrossim mostra-se o réu muito notado e infamado de sodomítico e cometedor de tais torpezas, no qual caso as leis e as Ordenações do Reino mandam que qualquer modo que o fizesse, seja queimado e feito por fogo em pó, para que de seu corpo e sepultura nunca mais haja memória e todos os seus bens sejam confiscados pela Coroa Real posto que descendentes tenha ou ascendentes, e que seus filhos e descendentes fiquem inábeis e infames como os daqueles que cometem o crime de lesa-majestade. Vendo porém como réu de misericórdia, a qual ele pediu confessando sua culpa depois de preso, com muitas provas de arrependimento, condenam o réu SALVADOR ROMEIRO que vá ao Ato Público descalço, em corpo, com a cabeça descoberta, cingido com uma corda e com uma vela acesa na mão, e seja açoitado publicamente por esta vila e vá degredado para as galés do Reino, por oito anos, para onde será embarcado na forma ordinária, nas quais servirá oito anos ao Reino, remando sem soldo, fazendo penitência de tão horrendas e nefandas culpas, e pague as custas do processo. Olinda, Capitania de Pernambuco, 4 de agosto de 1594. Heitor Furtado de Mendonça, Visitador" (apud Trevisan, 2002:151-152). No que toca a legislação secular, no Regimento de 1574, Dom Sebastião - El Rey, na "Lei sobre o pecado de Sodomia", atribui o incremento do "pecado contra a natureza", no Reino lusitano, ao contato travado com os novos povos em razão das grandes descobertas e da expansão marítima portuguesa: "Vendo eu como de algum tempo a esta parte foram algumas pessoas de meus Reinos e Senhorios, culpados em o pecado nefando, de que eu recebi grande sentimento pela graveza do pecado tão abominável, de que meu Reino pela bondade de Deus tanto tempo foram limpos [...]" (apud Mott, 1985:102-103). Por sua vez, as Ordenações do Reino de Portugal, em cujos cinco livros se achavam compiladas todas as leis portuguesas (inclusive Constituição, Códigos Civil e Penal - este sempre o quinto livro - e normas de procedimento judicial), em matéria que envolvessem pecado as Ordenações "mandavam recorrer ao Direito Romano e ao Direito Canônico", e assim também disciplinavam a sodomia como crime. Registra Trevisan que:

"As Ordenações Manuelinas foram o mais antigo Código Penal aplicado no Brasil, pois vigoravam em Portugal à época do Descobrimento. Nelas, a sodomia passou a ser equiparada com o crime de lesa-majestade. Além da pena de fogo, foi acrescentado como punição o confisco dos bens e a infâmia sobre os filhos e descendentes do condenado. Mas foram as Ordenações Filipinas que tiveram importância maior, por terem sido aplicadas entre nós durante mais de dois séculos. As Filipinas continuaram vigorando ainda no Brasil independente, adaptadas para a Constituição do Império, com as necessárias atualizações, em 1823" (2002:164). Nas Ordenações Filipinas, vigentes no Brasil até 1830, prescrevia-se: "Toda pessoa, de qualquer qualidade que seja, que pecado de sodomia por qualquer maneira cometer, seja queimado e feito por fogo em pó, para que nunca de seu corpo se sepultura possa haver memória, e todos os seus bens sejam confiscados para a Coroa de nossos Reinos, posto que tenha descentes; e pelo mesmo caso seus filhos e netos ficarão inabilitados e infames, assim como os daqueles que comete [sic.] o crime de Lesa Majestade. 1. E esta lei queremos, que também se estenda e haja lugar nas mulheres, que umas com as outras cometem pecado contra a natureza, e da maneira que temos dito nos homens. 2. Outrossim qualquer homem ou mulher, que carnalmente tiver ajuntamento com alguma alimária [animais], seja queimado e feito pó. Porém por tal condenação não ficarão seus filhos, nem descendentes neste caso inabilitados, nem infames, nem lhes fará prejuízo algum acerca da sucessão, nem a outros, que por Direito seus bens devam herdar" /. Em 1830, foi sancionado um novo Código Criminal que assimilou o que na época havia de mais progressista em matéria criminal. A sodomia deixa de ser uma conduta típica, sendo substituída pela concepção fluida de crime "por ofensa à moral e aos bons costumes", quando praticado em locais públicos. Segundo o já citado Trevisan, "sem que haja qualquer menção explícita, é debaixo de tal infração tão vagamente enunciada que, daí por diante, a homossexualidade será enquadrada (na prática e/ou em teoria)" (2002:167). Torna-se, a partir de então, um crime moral, previsto no capítulo dedicado aos chamados "Crimes Policiais", apenado com "prisão por dez a quarenta dias e multa correspondente à metade do tempo". No Código Penal Republicano de 1890, o tipo penal de ofensa à moral e aos bons costumes permanece sob o nome de "crime contra a segurança da honra e a honestidade das famílias" ou ainda de "ultraje público ao pudor", com uma pena mais severa (de um a seis meses de prisão). Nele, o travestismo (conduta atribuída a quem tomasse "trajos impróprios de seu sexo" e os vestisse "publicamente para enganar") era explicitamente considerado uma contravenção, apenada com pena de prisão de quinze a sessenta dias. Em 1932, acrescenta-se à tipificação do "ultraje ao pudor". O próximo Código promulgado em 1940, e vigente até hoje mantém a tipificação do ultraje ao pudor quando o ato obsceno for praticado publicamente ou o objeto obsceno for exposto ao público que é apenado com detenção de seis meses a dois anos ou pagamento de multa correspondente. É interessante observar como a sodomia de crime/pecado explícito, na era colonial, vai sendo substituída por um tratamento legal velado, mascarado e escondido - o que não implica liberdade sexual, já que não estava afastada a repressão da tutela penal que enquadrava as relações homossexuais em tipos fluidos, fortemente marcados pela moralidade social vigente. Para Mott: "Com a extinção do Tribunal da Santa Inquisição, em 1821, e a conseqüente descriminalização da homossexualidade por influência do Código de Napoleão, a "pederastia" deixa de ser crime passando a ser tratada como doença. Os médicos são os novos inquisidores desta minoria sexual, e embora tivessem a boa intenção de livrar os desviantes homossexuais da perseguição policial, passam a funcionar como cães de guarda da moral oficial, obrigando os infelizes "uranistas" a tratamentos violentos e inócuos com vistas a transformá-los em heterossexuais. Os gays, travestis e lésbicas mais ousados e explícitos, eram vítimas quer de registros pejorativos na jovem imprensa brasileira, sobretudo durante a segunda metade do século XIX - época em que também no Brasil vigorou intolerante o puritanismo vitoriano - quer de detenções abusivas praticadas pela polícia" (2003 e). A propósito, para Trevisan "a verdade é que, na legislação brasileira, parece que esse assunto se considera de tal modo escabroso que fica envolto num silêncio tácito - situação típica de sociedades provincianas cuja opinião pública é mais um conceito vazio" (2002:167). Também entre nós, a influência da mentalidade cientificista sobre a sexualidade se fez sentir; a homossexualidade, de igual sorte, recebeu tratamento científico, sendo igualmente representada como doença, e, assim, movendo a esfera decisória sobre a questão para os médicos, cabendo ao universo jurídico incorporar as concepções que informavam os juízos médicos e resultavam em segregação. Para Wunderlich: "O tratamento dispensado ao doente mental foi o mesmo dispensado ao criminoso: a segregação. Criaram-se os manicômios que, assim como as prisões, são verdadeiras casas de horror. Os doentes mentais e os criminosos foram segregados, rejeitados pela sociedade moderna e, ao longo de nossa trajetória, viveram com a pecha estigmatizante de "louco" ou de "criminoso". As instituições totais reproduzem a violência da própria sociedade, oficializando e estigmatizando as categorias sociais excluídas. Tudo fruto da evolução do poder punitivo, que inicia com o suplício do corpo pelo soberano e termina na atual política estatal punitiva-repressivista. A própria instituição total já carrega em si uma enorme carga de violência institucionalizante, tolerada e aceita pela sociedade moderna que acreditou ser uma forma desses segmentos excluídos do contexto mais amplo. A própria organização dessas instituições se fundamenta na exclusão, no isolamento, etc" (2003). A propósito, o especialista em Medicina Legal, Leonídio Ribeiro, expressamente recomendava: "No século passado foi que o problema do homossexualismo começou a ser estudado por médicos e psiquiatras, interessados em descobrir suas causas, a fim de que juristas e sociólogos pudessem modificar as legislações existentes, todas baseadas em noções empíricas e antigos preconceitos, e fosse possível seu tratamento em moldes científicos. As práticas de inversão sexual não podiam continuar a ser consideradas, ao acaso, como pecado, vício ou crime, desde que se demonstrou tratar-se, em grande número de casos de indivíduos doentes ou anormaes, que não deviam ser castigados, porque careciam antes de tudo de tratamento e assistência. A medicina havia libertado os loucos das prisões. Uma vez ainda, seria ela eu salvaria de humilhação esses pobres indivíduos, muitos deles vítimas de suas taras e anomalias, pelas quaIs não podiam ser responsáveis" (apud Fry e MacRae, 1991:61-62). A patologização da homossexualidade se fez valer no cotidiano de nossa sociedade, sendo utilizada como mais um dos instrumentos de controle social, pelo aparato judiciário-psiquiátrico. Fry e MacRae reproduzem a visão de então: "Diz Ribeiro: Provado que o homossexualismo é, em grande número de casos, uma conseqüência de perturbações do funcionamento das glândulas de secreção interna, logo surgiu a possibilidade de seu tratamento. Era mais um problema social a ser resolvido pela medicina" (grifos nossos). Nos casos dos indivíduos cuja homossexualidade é resultante de meio ambiente, propõem-se "medidas pedagógicas". (...) Em muitos casos, sobretudo quando está em jogo o filho único, em que é predominante a influência materna, a solução será o afastamento do ambiente familiar, a fim de que a creança possa privar com pessoas de sua idade e de sexo contrário. (...) É preciso suprimir os carinhos e facilidade do ambiente familiar. (...) Em tais casos é inútil a internação em colégios onde haja dormitórios coletivos, sem fiscalização rigorosa, na convivência exclusiva com creanças do mesmo sexo" (1991:66). Um exemplo clínico-jurídico da absorção dessa representação, na sociedade brasileira - revelando uma questionável "libertação" para homossexualidade - é o caso inaugural de Febrônio Índio do Brasil, que, segundo o antropólogo Peter Fry, foi "um dos mais velhos prisioneiros e o que mais tempo ficou encarcerado, no Brasil. Sem nunca ter sido sentenciado pelos crimes que alegadamente teria cometido, condenaram-no, vagamente, como um ‘louco moral’ "( apud Trevisan, 2002:200). Preso em agosto de 1927, Febrônio, acusado de estupro e morte de um menor, já registrava passagens anteriores pela polícia. Como uma tática de defesa, articulada por um advogado inexperiente, foi argüida sua condição de doente mental (associando-se homossexualismo e sadismo, com alusões à religiosidade criminosa) e requerida sua internação em um manicômio. O laudo médico-pericial, da lavra de Heitor Carrilho, então diretor do Manicômio Judiciário, diagnosticava "anormalidade constitucional", com perversões instintivas sexuais que lhe incapacitavam

penalmente, mas o tornavam um indivíduo altamente periculoso. Segundo o perito, Febrônio deveria "ficar segregado ad vitam para os efeitos salutares da defesa social, em estabelecimento apropriado para psicopatas delinqüentes" (apud Fry,1983: 73-74). Internado definitivamente no Manicômio Judiciário (é o seu primeiro interno), Febrônio fez insistentes pedidos (alguns de próprio punho) para provar sua sanidade e inocência - todos rejeitados pelo juiz da causa. Após vinte e nove anos de confinamento consecutivos no mesmo manicômio, o último laudo médico sobre Febrônio é realizado em 1956, quando, então, dois peritos reconhecem sensibilizados: "Pouco importa que cometeu crime ou não cometeu; trata-se que já acabou o máximo de pena imposta a qualquer criminoso; em nosso país o máximo de pena pra qualquer crime é de 30 anos de prisão" (apud Trevisan, 2002:199). Os registros são, novamente, de Trevisan: "Com Febrônio, consolidava-se a produção da homossexualidade enquanto doença, em continuação a um processo iniciado no século XIX; a vitória da inimputabilidde do chamado doente mental agravou sensivelmente essa tendência do ponto de vista penal. Se nas mãos do juiz o condenado cumpria uma sentença delimitada, que possibilitava inclusive obtenção de liberdade condicional ou redução da pena, nas mãos do psiquiatra o "louco moral" não tem sequer uma sentença que estabeleça prazos ou limites e contra a qual se possa recorrer. Sua liberdade depende direta e exclusivamente da opinião onipotente do médico, que pode obrigá-lo a continuar o "tratamento" pelo resto da vida - como no caso de Febrônio, que cumpriu quase o dobro da pena-limite de trinta anos de reclusão por crime" (2002:204). Um outro caso emblemático, citado pelo autor, é do Roosevelt Antônio Chrysóstomo de Oliveira, jornalista bastante conhecido na década de 70, homossexual assumido e um editores do jornal gay ‘Lampião’. Chrysóstomo havia adotado uma menor de rua chamada Cláudia, de 3 anos de idade - que acabou sendo a pivô de seu drama pessoal. Em um processo, marcado por denúncias de vizinhos, manifestações de cunho "moralista", participação sensacionalista da mídia e pouco respaldo fático , o jornalista perdeu a guarda da criança (que foi encaminhada para a FEBEM, onde passou a viver desde então), sendo preso preventivamente. Depois foi condenado por maus-tratos contra menor , atentado violento ao pudor, somando-se a pena de dois anos, dez meses e vinte dias, lhe tendo sido aplicada ainda um ano de medida de segurança em prisão por periculosidade social. Em março de 1983, sua sentença foi reformada, reconhecendo o Tribunal sua inocência, por insuficiência de prova. Após um ano e nove meses de prisão, Chrysóstomo foi libertado. E faleceu alguns anos depois. Toda a documentação de seu processo foi organizada e publicada por ele mesmo, em um livro dedicado a Claudinha, sua filha adotiva - que nunca chegou a reaver. Para Trevisan, "ainda que ocorrido bem mais tarde e num contexto completamente diferente , o processo de [Chrysóstomo] tem surpreendentes pontos em comum com o de Febrônio, mostrando, como, diante da homossexualidade, o sistema psiquiátrico pouco mudou, sendo coadjuvado por novos e mais sutis sistemas de opressão" (2002:200). Fixando-se esses elementos mínimos de entendimento, inicialmente, delimitou-se a categoria "homossexualidade", registrando-se, para além das divergências semânticas, a riqueza de conteúdo que a expressão encerra e, ao cabo, explicitando-se o conteúdo genérico e abrangente que se adota, como referência para reflexão. Logo após, chamou-se atenção para as diversas formas de tratamento dado à homossexualidade ao longo do tempo, no mundo ocidental, caracterizando-se as representações sociais que prevaleciam em cada período, em especial sua leitura como pecado/crime e, posteriormente, como patologia. Deve-se, em seguida, avançar em direção ao movimento gay, no exterior e no Brasil. Debruça-se sobre o movimento gay com o intuito de apurar sua contribuição para a construção de uma nova representação da homossexualidade que se abre a um discurso libertário e/ou a um discurso protetivo, calcado no reconhecimento de direitos - que servirão de substrato para o universo jurídico. "A raiz da palavra 'opressão' está no elemento 'pressão'*. A pressão da multidão; a pressão em prestar o serviço militar; o pressionar o ferro de passar contra a roupa; pressionar o tipo** contra o papel; pressionar o botão. Prensas são utilizadas não somente para dar forma aos objetos mas, também, para achatar ou reduzir os seus volumes; às vezes, até mesmo extraindolhes gases ou líquidos. Uma determinada coisa que passou por todo este processo foi, na verdade, objeto da correlação de forças e de barreiras assim constituídas para limitar, restringir ou impedir a sua moção e mobilidade. Moldar. Imbilizar. Reduzir." M. Frye, apud Angelia Wilson * do latim 'pressione', ato ou efeito de comprimir - figurativo: influência constrangedora e coercitiva ** tipo - do grego typos, 'cunho, molde, sinal' 20

"Oh, quem é aquele jovem pecador que tem os pulsos algemados? E atrás do quê estava ele que os faz murmurar e sacudir seus punhos? E por que razão tem ele um ar tão aflito? Oh, eles o estão levando preso por causa de sua cor de cabelo." A.E. Housman21

20 "The root of the word 'oppression’ is the element 'press'. The press of the crowd; pressed into military service; to press a pair of pants; printing press; press the button. Presses are used to mould things or flatten them or reduce them in bulk, sometimes to reduce them by squeezing out the gases or liquids in them. Something pressed is something caught between or among forces and barriers which are so related to each other that jointly they restrain, restrict or prevent the thing's motion or mobility. Mould. Immobilise. Reduce." M. Frye, apud Angelia Wilson

21"Oh who is that young sinner with the handcuffs on his wrists? And what has he been after that they groan and shake their fists? And wherefore is he wearing such a conscience-stricken air? Oh they’re taking him to prison for the colour of his hair." A.E. Housman

A homossexualidade como movimento social 2.1 Algumas linhas sobre o movimento gay. 2.1.1 A caracterização dos homossexuais como minoria. 2.1.2 A problemática do reconhecimento e da identidade. 2.1.3 A luta por direitos e emancipação. 2.1.4 Gays and Lesbian Studies e Queer Theory. 2.2 Algumas linhas sobre o movimento gay brasileiro. 2.2.1 A trajetória da luta homossexual no Brasil. 2.2.2 As estratégias do movimento gay brasileiro: visibilidade e legitimação. 2.2.3 Estudos Gays e Lésbicos? Fixada a concepção de homossexualidade para fins da investigação científica almejada e marcadas as representações que prevaleceram ao longo do tempo, deve-se atualizar essas representações a fim de revelar a contribuição do movimento gay para uma nova leitura da homossexualidade que, renovada, pretende libertar-se da carga negativa herdada através dos tempos, resgatando o exercício da cidadania e da sexualidade humana. Para tanto, seguem-se considerações gerais sobre o chamado movimento gay, simbolicamente datado com os conflitos de Stonewall. Dá-se ênfase às suas demandas e reivindicações, à respectiva leitura da homossexualidade e dos dilemas entre o reconhecimento de direitos e de emancipação sexual. São traçadas algumas reflexões, num contexto multiculturalista, sobre o problema da minoria sexual, as políticas identitárias e a luta pelo reconhecimento do outro. Aborda-se, ainda, a noção de Gay and Lesbian Studies (Estudos Gays e Lésbicos) e da proposta Queer. Registram-se também algumas considerações sobre o movimento gay brasileiro, a fim de evidenciar sua inserção e sua participação na realidade nacional, na construção de uma representação positiva da homossexualidade, chamando-se a atenção para suas vitórias. Indaga-se sobre a possibilidade da caracterização dos Estudos Gays e Lésbicos no Brasil. 2.1. Algumas linhas sobre o movimento gay Superados os contornos históricos do objeto de estudo, a despeito da extensão cronológica dos registros de manifestações de natureza homossexual, é de pouco tempo a organização de um movimento social, de luta pelos direitos e emancipação dos homossexuais que vem alterando, paulatinamente, o equilíbrio da balança histórica que até então pendia para a discriminação e a perseguição. Na verdade, é apenas na organização em grupos socialmente estáveis que surge o potencial transformador da realidade, já que o indivíduo isolado, estigmatizado, é impotente para reverter o quadro social no qual se vê aprisionado, por carecer de base social na qual possa cristalizar seu contramundo. Conseqüentemente, para Berger e Luckman "quaisquer auto-identificações contrárias que possam surgir em sua própria consciência não possuem nenhuma estrutura de plausibilidade que as transformaria em algo mais do que efêmeras fantasias"(1993:219). Por outro lado, Rios aponta seis fatores concomitantes que - originários das transformações advindas da ascensão do capitalismo industrial e do surgimento das grandes cidades, no final do século XIX - concorreram para a superação da homossexualidade com algo negativo e pejorativo. São eles: "(1) a formação de ‘comunidades homossexuais’, (2) a organização de movimentos sociais lutando pelo reconhecimento de direitos de homossexuais, (3) o impacto do movimento feminista na estrutura social urbana (principalmente pelo desafio à divisão de papéis entre os gêneros na sociedade ocidental) (4) a crise do modelo familiar até então determinante dos padrões de moralidade, (5) as diversas manifestações de protesto reivindicatório de liberdade na década de 1960 (especialmente o movimento estudantil) e (6) a revisão de conceitos médicos e psicológicos, que até então rotulavam a homossexualidade como doença" (Rios, 2001:49-50) . Com a organização do movimento gay, surge uma nova representação social para os homossexuais que passam a se ver (e lutam para serem vistos) como sujeito de direitos, ainda que compreendidos como uma minoria, sustentando até mesmo a superação dos confinamentos do binômio heterossexualidade/homossexualidade. Ressalte-se que a expressão movimento gay é apresentada de forma bastante genérica (correlata à concepção adotada de homossexualidade), mas não monolítica. Inclusive, seus próprios opositores estão cientes dessa diversidade:."Confrontamos, a partir de então, um movimento de considerável complexidade; devemos respeitar a diversidade existente entre nossos pares, sejam eles cidadãos homossexuais ou crentes (???). Alguns não querem mais do que ajuda e compreensão para lidar com aquilo que consideram como seu problema; outros, não mais que serem deixados a sós" (The Ramsey Colloquium, 1995:3233).22 A heterogeneidade do movimento gay não é ignorada, mas apenas não individualizada enquanto objeto de análise, pois o objeto de estudo recortado não comporta a exploração das especificidades das diferentes leituras às quais a homossexualidade se abre como, por exemplo, as especificidades do movimento lésbico (Miller ,1998 e Phelan, 1995), ou do movimento gay negro, ou do movimento lésbico negro (Brandt, 1999), ou do movimento lésbico feminista (Wilson, 1995; Jagose, 1996 e Castells, 2002). Na verdade, a própria compreensão da homossexualidade, como algo distinto do pecado ou da doença, pode ser vista como um dos resultados do permanente processo político de tensionamento, forçado pelo movimento gay, dos limites do "tolerável" e da transgressão moral, através da ação concreta de seus membros, pois, sendo produtos históricos da atividade humana, "todos os universos socialmente construídos modificam-se, e a transformação é realizada pelas ações concretas dos seres humanos" (Berger e Luckman, 1993:157).

22

"We confront, therefore, a movement of considerable complexity, and we must respect the diversity to be found among our homossexual fellow citizens and fellow believers. Some want no more than help and underestanding in coping with what they view as their problem; others ask no more than that they be left alone" (The Ramsey Colloquium, 1995:32-33)

Quanto à evolução histórica do movimento gay, seu marco emblemático e mítico ajusta-se aos conflitos envolvendo a polícia da cidade de Nova York e o bar gay Stonewall Inn em Greenwhich Village, nos fins da década de 60, mais precisamente em junho de 1969. Stonewall inaugurou, para muitos, a luta pelos direitos gays, passando o episódio a ser conhecido como Stonewall Riots. Aliás, é a partir dele (uma década ou mais após seus conflitos), que lésbicas, gays e seus aliados adquiriram maior visibilidade e conseguiram conquistar alguns de seus objetivos políticos (Stein, 1999). Tem-se, com ele, a identificação de um caráter simbólico que marca o ímpeto político que passa a ser impresso às manifestações gays, especialmente nos Estados Unidos da América do Norte, na Inglaterra e em outras partes do mundo, com a formação da GLF - Gay Liberation Front. Tamanha é sua significação que, inclusive, alguns autores tratam o movimento gay em dois momentos cronológicos: PreStonewall (pré-Stonewall) e Post-Stonewall (pós-Stonewall). Há quem sustente até que, anteriormente ao mítico episódio, a questão gay apresentava, em geral, um perfil atomizado, marcado por resistências individualizadas que ainda não tinham força de construir uma consciência de pertença a uma minoria sexual, e que, portanto, careciam da força de um movimento social politicamente organizado . As primeiras manifestações de resistência, aliás, retrocedem às últimas décadas do século XIX, quando se organizam, na Europa e nos Estados Unidos, alguns grupos de homossexuais que propunham iniciativas públicas pela liberalização da vida sexual de homens e de mulheres. Na Alemanha, a figura de Ulrichs é precursora . Em meados do século dezenove, o jurista e escritor alemão, quixotescamente, lançava uma campanha para a abolição das leis penais que tipificavam as atividades homossexuais. Alguns, como LeVay (1996), até sustentam que teria sido o primeiro gay assumido e que publicamente defendia os direitos dos homossexuais. Outro nome alemão merece destaque. Trata-se do médico judeu e homossexual Magnus Hirschfeld que, em 1897, fundou um grupo para abolir o artigo 175 do Código Penal Alemão. Essas iniciativas forjaram um movimento gay alemão, especialmente em Berlim, que floresceu e se expandiu até a ascensão do Nazismo - quando foi destruído pela política de extermínio imposta por Hitler. Retomando as formas de compreensão da homossexualidade, outras considerações precisam ser registradas, sobretudo no que diz respeito à questão de minorias, à problemática do reconhecimento e da identidade; à luta por direitos e à visão de emancipação. 2.1.1 A caracterização dos homossexuais como minoria O tema é um dos pontos mais sensíveis para o debate sobre as teorias democráticas, em escala global, pois coloca a descoberto o problema de como legitimar a obediência às normas e às decisões pelos que não tomaram parte no processo decisório nem anuíram com o mesmo (e que eventualmente as consideram injustas) implicando questionamentos sobre a própria legitimidade do sistema democrático em si. Assim, a categoria minoria deve ser devidamente aclarada, já que, de imediato, remete à noção de maioria, embora não esteja diretamente relacionada a um condicionamento numérico ou demográfico. Por outro lado, a caracterização de um grupo, como minoria, projeta-o para uma via reivindicatória bastante contundente que demanda, principalmente, adoção de políticas de nãodiscriminação; tratamento político e jurídico diferenciado (seja no plano individual, seja no coletivo); pretensões de igualdade substancial que podem resultar em prestação de certos bens ou serviços. Em suma, o reconhecimento de um grupo, como uma minoria, legitima-o a exigir um alto grau de proteção das instituições formais do Estado - quer para a subsistência e a preservação do grupo enquanto tal, quer como um elemento de sua integração. Sanchís (1996) reconhece que o conceito não é autônomo; ao contrário, ele se apresenta relacional e conflitivo. A partir da análise do conceito de minoria, que informa o art. 27 do Pacto das Nações Unidas para Direitos Civis e Políticos, o autor aponta seus aspectos redutores a dois campos: interno e externo. Quanto ao aspecto interno, a dificuldade encontra-se no fato de que a norma internacional pressupõe que a dissidência cultural se encontre unida a um determinado substrato étnico, religioso ou lingüístico - o que obviamente não alberga todas as possibilidades de culturas minoritárias (pense-se, por exemplo, na maçonaria ou outros grupos ideológicos não religiosos; nas chamadas "tribos urbanas", como os "punks"; nos homossexuais. Cada um desses grupos apresenta seu modo de vida e seus valores próprios, muitas vezes até conflitantes com os da maioria e, pelo art. 27, não poderiam ser considerados como minorias). No aspecto externo, Sanchís sustenta que, com freqüência, a expressão minoria não se aplica a grupos sociais estruturados a partir de um componente cultural mais ou menos homogêneo. "Assim, quando se diz que as crianças, as mulheres, os anciãos, os estrangeiros ou os pobres constituem outras tantas minorias, é evidente que não se pensa em tradições, língua, costumes ou valores diferenciados, mas em grupos que sofrem algum tipo de desigualdade ou que padecem de alguma situação que os impede, ou dificulta, o exercício dos direitos. O mesmo ocorre com aqueles que alguns chamam de 'sujeitos frágeis', ou seja, os doentes mentais (ou doentes psíquicos ??? existe alguma forma 'politically correct' ???), os dependentes químicos, os presidiários e, de uma forma geral, aqueles que se integram em alguma das categorias do desvio social. [...] Em resumo, trata-se de grupos que são, de alguma forma, discriminados, ainda que não formem uma categoria unitária" (Sanchís, 1996: 369-370).23 Em seguida, o autor sistematiza três grandes categorias e propõe uma avaliação de minoria centrada no critério da "desvantagem". "Os grupos que citamos nesta epígrafe podem ser divididos em três grandes categorias: primeiramente, aqueles que apresentam alguns recortes culturais próprios mais ou menos dissonantes da maioria ou, inclusive, explicitamente antijurídicos; em segundo, as minorias que, vale dizer, são construídas pelo próprio Direito, não a partir de critérios fáticos, mas jurídicos, como ocorre com os estrangeiros, que constituem uma minoria definida a partir do fato de "não ser espanhol"; em terceiro, os grupos que sofrem uma discriminação de fato ou estão em uma posição de desvantagem, geralmente traduzida, ou traduzível, em termos de necessidades físicas, econômicas ou culturais. Certamente, a perspectiva adotada se faz tão ampla, possibilitando recortes tão heterogêneos, que se torna difícil propor um elemento definidor de um conceito de minoria que seja, ao mesmo tempo, preciso e bem limitado, o que, neste caso, tampouco me parece constituir um infortúnio conceitual, pois tal amplitude permite conectar melhor a noção de minoria com as distintas implicações do princípio da igualdade. Em concreto, o que têm em comum os grupos acima citados é unicamente o fato de que ocupam uma

23 "Así, cuando se dice que los niños, las mujeres, los ancianos, los extranjeros o los pobres constituyen otras tantas minorías, es evidente que no se piensa en tradiciones, lengua, costumbres o valores diferenciados, sino en grupos que sufren algún tipo de desigualdad o que padece una situación que les impide o dificulta el ejercicio de los derechos. Lo mismo ocurre con los que algunos han llamado ‘sujetos frágiles’, como los enfermos psíquicos, los drogadictos, los presos y, en general, quienes se integran en alguna del as categorías de la desviácion social. [...]. Se trata, en suma, de grupos de un modo u otro discriminados, aunque no forman una categoría unitária" (Sanchís, 1996: 369-370).

posição de desvantagem, e apenas na medida que ocupam esta posição é que constituem uma minoria, seja no âmbito jurídico, institucional, econômico ou social" (Sanchís, 1996:370).24 A dificuldade em se caracterizar uma minoria reside, na verdade, menos num plano conceitual e mais num problema pragmático, uma vez que não há uma única base comum que possa servir de elemento identificador do grupo. Assim, verifica-se uma multiplicidade de fatores que podem levar à caracterização de um grupo social como minoria. Deve-se, portanto, falar em minorias, no plural. Muito embora a base étnica,cultural, política ou nacional seja um dos critérios de caracterização mais evidentes, nem todas as minorias são a ela redutíveis. Há muitos outros fatores a serem tomados em conta. Há grupos minoritários que se organizam em torno de um sistema de valores comuns, de um estilo de vida homogêneo, de um sentimento de identidade ou de pertença coletivo, ou, ainda, a partir de uma experiência de marginalização decorrente de fatores econômicos, físicos (como a deformação ou a doença) e sociais. Daí se considerar como minorias os homossexuais; os grupos religiosos e seitas; as associações de indivíduos portadores de algum estigma físico; as mulheres; os pobres; os idosos; os drogados etc... A despeito da problemática conceitual, é possível uma aproximação de elementos que podem concorrer para a identificação de uma minoria. Por minoria entende-se um grupo de pessoas que se encontram, em razão dos mais diversos fatores - alguns imodificáveis (como raça), outros voluntários (como crença), mas calcados, via de regra, em posições preconceituosas - em situação de flagrante desvantagem, no que tange à força política e, por conseqüência, no exercício de direitos, implicando, para o grupo desvalido, tomada de consciência dessa posição de inferioridade nas relações travadas na sociedade e da necessidade do estabelecimento de estratégias contra essa situação de "sem voz e sem vez". Para Semprini, a emergência de "uma minoria depende não somente do fato, para o grupo em questão, de chegar a se perceber como uma ‘minoria’, ou seja, como uma formação social apresentando suficientes traços comuns para adquirir homogeneidade e uma visibilidade interna aos olhos de seus membros, mas igualmente pelo fato de conquistar uma visibilidade externa e chegar a ser percebido como ‘minoria’ pelo espaço social circundante" ( 1999:59). Javier de Lucas define minorias como."grupos de indivíduos que são como os demais (que pertencem a um grupo mais amplo: o Estado como marco comum, do qual também são cidadãos os membros da minoria) mas que, apesar de tudo, não querem/ não podem/ não são assimilados integralmente por todos os demais" (apud Sanchís, 1996:369).25 Interessante observar que as minorias são fruto de um processo de opressão que se perpetua no tempo, mas é exatamente tal opressão que acaba por aglutinar as pessoas em torno de um fator excludente comum, dando-lhes visibilidade interna e reconhecimento externo. Com freqüência, alerta Semprini, "[...] é esse sentimento de exclusão que leva os indivíduos a se reconhecerem, ao contrário, como possuidores de valores comuns e a se perceberem como um grupo à parte"(1999:44-5). Retomando o tema da homossexualidade, a construção da concepção de minoria sexual, ao longo do tempo, não se deu de forma uniforme, resultando de um processo de evolução do próprio movimento homossexual. Segundo Valdés (1995), após Stonewall, dois são os momentos vivenciados pelo movimento gay que marcam estágios relativamente distintos. "O primeiro desses, durante os anos 1970, foi uma era de ativismo e hedonismo, a qual começou imediatamente após os distúrbios de Stonewall. O segundo, uma era de resurgimento e pandemia, começou com o aparecimento do HIV e prossegue até hoje através da predominância de uma consciência 'Queer', ao mesmo tempo estridente e sofisticada, forjada a partir da alienação, da radicalização e da mobilização que parece tomar conta dos sobreviventes, suas famílias afins, seus vizinhos e amigos. O que ocorreu nessas décadas acabou evoluindo para o que se chama atualmente de 'minoritariedade' sexual de consciência 'Queer'." (Valdés,1995) 26 Aliás, paradoxalmente, é a criação da categoria de "homossexual" que abre espaço para o surgimento posterior de uma consciência gay, própria de um grupo social específico, e que se abre a um pluralismo sexual baseado em outras formas de sexualidade . Segundo Giddens: "A subseqüente criação de grandes comunidades gays proporcionou um florescimento de novos grupos e associações, muitos deles promovendo preferências sexuais minoritárias. A batalha para assegurar a tolerância pública à homossexualidade provocou o ‘aparecimento’ de outras organizações interessadas na promoção do pluralismo sexual. Como declara Jeffrey Weeks: ‘Não parece mais um grande continente de normalidade cercado por pequenas ilhas de distúrbios. Em vez disso, podemos agora presenciar uma grande quantidade de ilhas, grandes e pequenas ... Surgiram novas categorias e minorias eróticas. Aquelas mais antigas experimentaram um processo de subdivisão com preferências especiais, atitudes específicas, e as necessidades tornaram-se a base para a proliferação de identidades sexuais’ " (1993:44). Por sua vez, é a qualificação dos homossexuais como minoria que alimenta a luta pelo reconhecimento identitário. 2.1.2 A problemática da identidade e do reconhecimento A questão das políticas identitárias e da luta pelo reconhecimento coloca-se, hoje, como um dos grandes desafios do novo milênio, que tem um diagnóstico marcado pela fragmentação, pelo risco, pela incerteza, pelo avanço tecnológico, pela globalização.

24 " [...] los grupos que hemos citado en este epígrafe puedem dividirse em três grandes categorias: primero, los que presentam unos rasgos culturales propios más o menos disonantes con los de la mayoría o incluso abiertamente antijurídicos; segundo, las minorias que, cabe decir, son construidas por el própio Derecho a partir de criterios jurídicos y no fácticos, como ocurre con los extranjeros, que constituyen una minoria definida a partir Del rasgo ‘no espanõl’; tercero, los grupos que sufren una discriminación de hecho o una posición de desventaja generalmente traducida o traducible en términos de carencias físicas, económicas o culturales. Ciertamente, la perspectiva adoptada resulta tan amplia y da entrada a rasgos tan heterogéneos que resulta difícil proponer un elemento definidor del concepto de minoría preciso y bien delimitado; lo cual en este caso me parece que tampoco constituye un infortunio conceptual, pues dicha amplitud permite conectar mejor la noción de minoría con las distintas implicaciones del principio da igualdad. En concreto, lo que tienen en común los grupos que se han mencionado es únicamente que ocupan una posición de desventaja, y sólo en la medida en que ocupen dicha posición constituyen una minoría; ya sea de deventaja jurídica o institucional, ya de desventaja económica o social"(Sanchís, 1996:370).

25 "grupos de indivíduos que son como los demás (que pertencen a um grupo más amplio: el Estado como marco común, del que son ciudadanos también los miembros de la minoría), pero, que, sin embargo, no quieren/no pueden/no son asimilados en todo a ellos" (apud Sanchís, 1996:369) 26 "The first of these, during the 1970´s, was the era of activism and hedonism, which began in the immediate wake of Stonewall Riots. The second of these, the era of pandemic and resurgence, began with the onset of HIV and continues today with the ascendancy of a strident but sophisticated Queer consciousness forged from the alienation, radicalization and mobilizatioin that has spread through the survivors, their families of affinity, their neighbors, and their friends. These decades therefore lead up to today´s Queer consciousness sexual minorityhood." (Valdés,1995)

Nesse contexto, o tema pode ser compreendido especialmente como uma das grandes forças motrizes do chamado Multiculturalismo, significando, nas palavras de Semprini, "as reivindicações de determinadas minorias para sua especificidade e sua identidade sejam reconhecidas e leis sejam criadas, podendo ir da simples concessão de direitos ou privilégios especiais até a concessão de formas de autonomia política e governamental" (1999:56). Os pressupostos que informam tais reivindicações residem no primado da dignidade humana que reconhece a todos o direito à auto-realização, ao desenvolvimento pessoal; logo, a todos os seres humanos é legítima a busca de felicidade. Para tanto, é necessário assegurar-se o valor do autoconhecimento, da autoconsciência, da autenticidade e da autonomia, como elementos de conformação do ser e de suas relações políticas no mundo. Nesse sentido, Miller: "Compreensões quanto à identidade não só fornecem a base sobre a qual políticas são organizadas e alianças forjadas mas, também, modelam, de maneira ainda mais profunda, o nosso sentido do self, influenciando nossas vidas, desde interações as mais íntimas até ações as mais públicas. Uma política baseada em identidade frequentemente lança mão da influência de atributos enraizados no nosso mais profundo íntimo (ver obs acima), identificando este lugar, tão profundo, como fonte de verdadeiros self (selves ???) e vozes genuínas, os quais devem ser recuperados, revelados e celebrados." (1998:23)27 Portanto, demanda-se proteção à diferença/ como instrumento de combate e de resistência à opressão compartilhada por determinadas pessoas, cuja autenticidade não tem aprovação (moral, social, cultural ou política) da sociedade. Fala-se, assim, em termos de política da diferença. Trata-se de se manter a especificidade como forma de inclusão, sem a exigência de renúncia aos caracteres identitários básicos. Essa especificidade é descrita com clareza na Stanford Enciclopedia of Philosophy. "Enquanto doutrinas que tratam da igualdade apelam para a noção de que cada ser humano é capaz de empregar a sua razão ou senso moral para viver uma existência única (como indivíduo ???), a política da diferença apropriou-se da linguagem da autenticidade para descrever formas de vida que são essenciais/verdadeiras para às identidades dos grupos sociais marginalizados. É Sonia Kruks quem diz: "O que torna a política identitária um ponto de partida significativo quando comparada com as formas anteriores de política de reconhecimento é que a sua demanda toma precisamente como base esta mesma negativa: é como mulheres, como negros, como lésbicas que os grupos requerem reconhecimento. A demanda não é pela inclusão no âmbito da espécie humana universal com base em atributos (humanos) compartilhados; tampouco pelo respeito 'apesar' das diferenças individuais. Ao contrário; na verdade, a demanda é pelo respeito a cada um como (um ser ???) diferente/às diferenças individuais? (2001, 85)’" (2003).28 O respeito à diferença tem repercussões diretas e imediatas para o projeto de realização pessoal. Este se encontra intrinsecamente ligado à resposta que se formula para a pergunta "quem sou eu", que, a seu turno, remete ao problema da identidade/ e, portanto, ao desafio do reconhecimento do outro. Assim, tem-se, na auto-representação de si, a figura da identidade individual. Há que se considerar também a identidade coletiva. Para Castells, a identidade, no que diz respeito a atores sociais , é "o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado" (2000:22). Esse processo de construção da identidade (quer individual quer coletiva) não é um processo autônomo e isolado da biografia das pessoas. Ele se condiciona tanto a um plano pessoal, quanto a uma dimensão social e só pode ser compreendido dentro de seu contexto de formação histórico, resultando de um contexto marcado por relações de poder. Daí falar-se que a identidade é localizada no tempo e no espaço. Berger e Luckmann registram o elemento de interação social na construção da identidade: "A identidade é evidentemente um elemento-chave da realidade subjetiva, e tal como toda realidade subjetiva, acha-se em relação dialética com a sociedade. A identidade é formada por processos sociais. Uma vez cristalizada, é mantida, modificada ou mesmo remodelada pelas relações sociais. Os processos sociais implicados na formação e conservação da identidade são determinados pela estrutura social. Inversamente, as identidades produzidas pela interação do organismo, da consciência individual e da estrutura social reagem sobre a estrutura social dada, mantendo-a, modificando-a ou mesmo remodelando-a. As sociedades têm histórias no curso das quais emergem particulares identidades. Estas histórias, porém, são feitas por homens com identidades específicas" (1993:228) . Essa dimensão social, a seu turno, remete à problemática do reconhecimento do outro , pois o "eu" individual é construído e negociado pelo indivíduo em suas relações e interações com o outro . Diz Semprini: "As problemáticas reagrupadas sob o rótulo Política Identitária concernem às reivindicações - feitas por grupos muito diferentes entre si - reclamando uma maior visibilidade social e cultural, por acesso mais universalizado ao espaço público e por uma consideração de suas especificidades enquanto minorias. As questões de fundo levantadas por esse tipo de demanda são as alterações do espaço social e das condições históricas e socioeconômicas que tenham provocado o surgimento de certos grupos ou movimentos sociais. Essas reivindicações sinalizam por fim a importância, nas sociedades contemporâneas, da questão do reconhecimento do outro" (1999:59-60). O reconhecimento completo, ensina Gutman, se opera em dois planos, identificadas a partir do respeito a ser deferido e assegurado ao outro diferente. Desta forma, o pleno reconhecimento público da igualdade entre os cidadãos pode requerer duas formas de respeito: (1) o respeito pelas identidades únicas de cada indivíduo, independentemente de seu gênero, raça ou etnicidade, e (2) o respeito por aquelas atividades, práticas e visões de mundo que são particularmente valoradas ou associadas com membros de diferentes grupos em desvantagem [...]" (Gutman,1994:8).29

27 "Understandings of identity provide the ground on which politics are organized and alliances forged, but they also shape most profoundly our sense of self, influencing our lives from our most private interactions to our most public acts. A politics based on identity often emphasizes the influence of characteristics rooted deep within us. (Acredito que essas duas sentenças sejam, na verdade, uma só, pois só assim faz sentido...) Identifying this inner depth as the source of the true selves and authentic voices that must be reclaimed, revealed, and celebrated." (1998:23)

28 "While doctrines of equality press the notion that each human being is capable of deploying his or her reason or moral sense to live an authentic live qua individual, the politics of difference has appropriated the language of authenticity to describe ways of living that are true to the identities of marginalized social groups. As Sonia Kruks puts it: ‘What makes identity politics a significant departure from earlier, pre-identarian forms of the politics of recognition is its demand for recognition on the basis of the very grounds on which recognition has previously been denied: it is qua women, qua blacks, qua lesbians that groups demand recognition. The demand is not for inclusion within the fold of "universal humankind" on the basis of shared human attributes; nor is it for respect "in spite of" one's differences. Rather, what is demanded is respect for oneself as different (2001, 85)’" (2003).

29 "full public recognition of equal citizens may require two forms of respect: (1) respect for the unique identities of each individual, regardless of gender, race, or ethnicity, and (2) respect for those activities, practices, and ways of viewing the world that are particularly valued by, or associated with, members of disadvantaged groups […]" (Gutman,1994:8)."

O outro é o elemento fundante que permite a percepção dos contornos de cada indivíduo, pois é, na interação entre o eu e o outro, que a identidade de um indivíduo vai se formando, pelo contato com o outro e "através de uma troca contínua que permite ao meu eu -o self -estruturar-se e definir-se pela comparação e pela diferenciação" (Semprini, 1999:101). Nessa dimensão, compreende-se melhor o valor da diferença, pois, se cada busca pela identidade engloba a diferenciação entre o que se é e o que não se é, políticas identitárias serão sempre e necessariamente uma política de criação da diferença, em relação ao outro. Semprini valoriza essa dimensão de alteridade: " [Se] a identidade individual fica definida por sua inscrição num quadro de pertença, esse quadro representa ao mesmo tempo o potencial e os limites da experiência identitária do sujeito. É somente pelo encontro com o outro que esta experiência pode ser enriquecida e transcendida [...] A experiência da diferença é vista como um valor em si, pois ela não permite apenas o desencadeamento da dinâmica intersubjetiva - algo sempre válido para qualquer interação - mas ela permite igualmente ao indivíduo ‘distanciar-se’ de sua identidade, colocá-la em jogo e fazê-la evoluir ao compará-la a outros modelos identitários " (1999:103-104) . Considerando-se o tema de estudo desenhado, as questões envolvendo a construção da identidade e do reconhecimento não se apresentam de forma mansa, abrindo-se a uma série de possibilidades diferentes, especialmente no que toca à identidade gay - que é multifacetada e tensiona a idéia de uma identidade sexual "natural" e, portanto, fixa e determinada - o que, a seu turno, condicionará os rumos e as demandas a serem adotadas pelo movimento homossexual e seus matizes. Importa a serem ressaltados dois pontos: a) o caráter desestabilizador da identidade gay; b) a própria categoria em si. O caráter desestabilizador, como já ensaiado acima, apresenta-se como um recurso libertário, já que funciona como elemento de demolição da normatividade heterossexual e de um sujeito sexual universal. Stychin sustenta que: "[...] não apenas a articulação de uma identidade gay corrói aos poucos a universalidade do sujeito sexual como, também, encerra o potencial de desafiar a naturalidade da identidade baseada em gênero, tal como esta tem sido culturalmente construída [...] Ao desconstruir identidades sexuais, as fronteiras de categoria do outro começam a se desintegrar. A hiper determinação (???) da identidade traz à cena o que havia sido anteriormente escamoteado, mais precisamente, que o outro é, por si mesmo, uma derivação, ou cópia, do universal construído. Desembaraçada das fronteiras de alteridade da homossexualidade, a naturalidade de gênero pode se enfraquecer. [...] Assim, a proliferação da representação gay dispõe de um profundo potencial subversivo, capaz não apenas de desestabilizar uma subjetividade sexual universal mas, também, de problematizar a universalidade de uma subjetividade generificada ( = construída sobre a noção de gênero). Em parte, a estratégia para a conquista de um sistema pluralista radical de sexo/gênero reside na proliferação de imagens. Isto resultaria na perda do controle representacional, na desestabilização de ambas as categorias de gênero e dos constrangimentos em nossas concepções de gênero e sexualidade tais como vêm sendo impostos no seio do discurso dominante." (1995:31-32).30 A categoria em si é também problematizada e lhe são formuladas críticas contundentes. Halperin indaga: há uma identidade gay hoje? Qual é o seu valor, sua função, sua utilidade política? Quais são suas promessas? E entende que a questão é insolúvel, pois se depara com um impasse: ao mesmo tempo que a identidade gay é politicamente necessária, ela também é uma catástrofe política. "Esta é uma identidade necessária, essencial, indispensável, porque sempre ameaçada de desvanecer-se e 'invisibilizar-se'. É esta uma identidade que requer, a todo preço, afirmar-se, incessavelmente, em especial porque sempre designada como vergonhosa, patológica e desviante. Mas, ao mesmo tempo, trata-se de uma identidade perigosa, traiçoeira até, uma identidade a qual se faz necessário rejeitar e à qual se deve sempre resistir, porque desempenha um papel normalizador, policiador, não só na sociedade mas, também, na cultura gay. Trata-se de uma identidade politicamente catastrófica por permitir à sociedade gerir, com bastante tranquilidade, a diferença sexual, a qual funciona como uma forma de estabilizar a identidade heterossexual. Em resumo, a identidade gay é, às vezes, uma identidade homófoba, já que totalizante e normalizadora; e uma identidade na qual toda a negação e recusa, por sua vez, não são menos homófobas." (Halperin, 1998:117-118)31 Verifica-se, portanto que, no tocante à homossexualidade, a problemática da identidade é um ponto nevrálgico. E, pressupondo-se sua inevitabilidade, para além dos questionamentos da validade da identidade gay, outros elementos devem ser adicionados, e que reforçam essa a necessidade. Os indivíduos homossexuais precisam superar circunstâncias extremamente nefastas para construir uma visão positiva (no sentido de auto-afirmação) de si mesmo, já que "uma parte significativa da identidade de um indivíduo está em grande parte no olhar do outro" (Semprini, 1999:104). Pois todo indivíduo, sem distinção, "indivíduo faz, de um modo mais explícito ou menos, um ‘julgamento’ sobre a identidade do outro e é objeto, por sua vez, de um julgamento análogo. Essa dinâmica pode afetar profundamente os personagens da interação e provocar uma alteração de identidade" (Semprini, 1999:104). Nessa dinâmica, o estigma, a escravidão moral e a dominação simbólica são fatores que interferem, de modo contundente nesse processo identitário. A estigmatização é uma forma de assinalar, condenar, censurar, marcar, negativamente, em relação aos indivíduos incapazes de se confinarem aos padrões adotados da sociedade. Para Cunha, "[s]ão indivíduos com deformações físicas, psíquicas ou de carácter, ou com qualquer outra característica que os torne aos olhos dos outros diferentes e até inferiores e que lutam diária e constantemente para fortalecer e até construir uma identidade social"(2003). Desta forma, o estigma social é uma característica de certos grupos, tornando-os vítimas do rechaço e do

30 "[…] not only does an articulated gay identity undermine the universality of the sexual subject, it also potentially challenges the naturalness of gendered identity as it has been culturally constructed.[…] By deconstructing sexual identities, the boundaries of the category of the other begins to disintegrate. The overdetermination (???)of identity brings to the forefront what had previously been concealed, namely, that the other (is ???) it self a derivation or a copy of the constructed universal. Once the boundaries of the otherness of homosexuality unravel, the naturalness of gender may be weakened. […] Thus, the proliferation of gay representation has deeply subversive potential not only in destabilizing a universal sexual subjecthood, but also in problematising the universality of a gendered subjecthood. The stategy, in part, for achieving a radical pluralist sex/gender system thus becomes the proliferation of images. This results in a loss of representational control and a destabilization of both gender categories and the constraints on our conceptions of gender and sexuality that have been imposed within dominant discourses" (1995:31-32).

31 "Cette une identité nécessaire, essentielle, indispensable, parce qu´elle est toujours menacée d´effacement et ‘d´invisibilization’. C´est une identité qu íl faut à tout prix affirmer, sans relâche, et ce d´autant plus qu´elle est toujours et encore designée comme honteuse, pathologique et déviante. Mais c´est aussi une identité dangereuse et même traîtresse, une identité qu’ íl est nécessáire de rejeter et à laquelle el fault toujours resister, parce qu´elle joue un role normalisateur et même policier dans la societé mais aussi dans la culture gay. C´est une identité politiquement catastrophique car elle permet à la societé de gérer tranquillement la difference sexuelle er elle fonctionne comme un moyen de stabilizer l´identité heterosexuelle. L´identité gay, en somme, est à la fois une identité homophobe en tant que totalisante et normalisatrice et une identité dont toute negation et tout refus ne sont pas moins homophobes." (Halperin, 1998:117-118)

antagonismo. O estigma é um recurso de identificação que coloca uma etiqueta negativa no indivíduo, a fim de evidenciá-lo marcá-lo, feri-lo, constrangê-lo, resultando, ao final, em discriminação. Já a dominação ou violência simbólica implica a imposição arbitrária de significações, produzidas por um grupo dominante, sobre um grupo dominado, mascarando-se as relações de poder arbitrário travadas de forma individual ou coletiva, entre seus membros. Desta forma, para Bourdieu e Passeron, "todo poder que chega a impor significações como legítimas, dissimulando as relações de força que estão na base de sua força, acrescenta sua força simbólica a estas" (1975:19). No que diz respeito aos homossexuais, a dominação ou violência simbólica atua sobre a prática sexual - e não sobre os signos sexuais visíveis - e, portanto, sobre a definição da sexualidade dominante legítima, mais especificamente, "do relato sexual, como um relato de dominação do princípio masculino sobre o princípio feminino" (Bourdieu ,1998:46), que se constitui em um "inconsciente" universalmente compartilhado e compreendido pelos dominados, no caso, mulheres e homossexuais que incorporam, por exemplo, as percepções e categorias desse "falonarcismo mediterrâneo" (Bourdieu,1998:46). E ainda Bourdieu: "A forma particular de dominação simbólica de que são vítimas os homossexuais se exprime através da lógica da honra (fala-se em Gay Pride, ou seja, 'orgulho gay') e da vergonha, obtida através de ações coletivas de categorização que permitem a existência de diferenças significativas, positiva ou negativamente marcadas (catègorein, de onde procede o termo categoria, em grego, significa 'acusar publicamente') e, por aí, os grupos, as categorias sociais, valorizáveis ou mesmo valorizadas, ou estigmatizadas. A dominação, nesse caso, como em certas espécies de racismo, toma a forma de uma denegação da existência pública, visível" (1998:46).32 Desta forma, à exceção de uma revolta subversiva que levaria a uma inversão das categorias de percepção e de valorização, os dominados tendem a aplicar, sobre si próprios, os parâmetros dominantes, aceitando-os e reproduzindo-os, como "categorias 'caretas' de percepção (No jargão homossexual, 'careta' significa heterossexual. No texto original, Bourdieu faz uma comparação entre o anglicismo 'straight' - que, além de 'reto' também, significa heterossexual - com a cosmogonia mediterrânea, na qual este, igualmente, se opõe ao termo 'tordu' - algo como 'torcido, não-reto'") (Bourdieu, 1998:46) 33. Esta percepção remete os homossexuais a uma vida imersa num mundo de vergonha que é definido pelas práticas sexuais dominantes . O problema do estigma e da dominação simbólica podem resultar na chamada moral slavery (escravidão moral) que sujeita grupos de pessoas a relações desumanizadoras, por redução de direitos, que, a seu turno, resultam em opressão, pois, a despeito de a escravidão moral buscar uma legitimação racional, que autorize a dominação de um grupo sobre o outro, para impor-lhe valores e condutas, na verdade, trata-se de escamotear preconceitos irracionais. A opressão dos homossexuais, para Richards: "[...] como aquela vivida pelos negros e pelas mulheres que experimentaram a escravidão moral, está, ela própria, perversamente racionalizada como que a proteger (o direito à) a vida ínima (valores familiares) quando, de fato, trata de combater uma outra forma, igualmente legítima, de vida íntima. Isto, como outras formas de escravidão moral, marca as raízes do preconceito, sob a forma mais intimamente degradante de paternalismo injusto: a resultante suposição de que a comunidade poderia e deveria, legitimamente, conhecer e controlar muito bem o coração e a mente do outro, esses que são os mais íntimos recursos da personalidade moral" (1998: 349-350).34 Essas circunstâncias deturpam, nublam o horizonte da identidade do homossexual de tal forma, (pois a depreciação sistemática atinge com severidade a auto-estima de uma pessoa e acaba sendo interiorizada e instalada no centro de sua identidade), que a possibilidade de realização pessoal, privilegiando-se a forma de vida escolhida, torna-se comprometida. Como forma de combate a tais obstáculos, o movimento gay -para além da denúncia teórica - tem teorizado e desenvolvido estratégias que eliminem ou que pelo menos minimizem esses efeitos opressivos. Nesse contexto e no processo de construção da identidade, desempenha um papel fundamental a forma de comunicação entre as pessoas, em especial as estratégias de voz e de visibilidade (voice and visibility) que podem ser resumidas na popular expressão "sair do armário" ou "assumir-se" e na sua versão anglo-saxônica "coming out of the closet" ou simplesmente "outing". O ato de "assumir-se" é uma estratégia que se presta a uma série de objetivos. A enumeração é de Miller. "Declarações de identidade atendem a diversas funções; são, ao mesmo tempo, poderosas expressões individuais, reforçando o sentimento individual de pertencimento a um grupo em particular; mensagens comunicativas, servindo como uma forma de transmissão aos outros; e representações, oferecendo um retrato particular do indivíduo e de seu grupo, para o público em geral. Declarações de auto-identidade podem alterar a compreensão e representação de um grupo para o público, ao mesmo tempo em que a representação pública de um grupo pode influenciar auto-identidades coletivas e individuais. Esta mútua interação de linguagem e identidade pode tanto reduzir quanto expandir o alcance disponível de identidades para um dado grupo. (Shotter and Gergen 1989, ix). Tais consequências podem ser particularmente surpreendentes para lésbicas e gays, os quais, como grupo, estão 'conscientemente envolvidos na construção de suas próprias identidades e objetivos', e cujas representações públicas permanecem calorosamente contestadas (Fejes and Petrich 1993, 397)" (1998: 4-5) .35 Por outro lado, a estratégia da visibilidade não é imune a críticas e a questionamentos, visto que reforça os padrões de conduta social questionados, pois "sair do armário" significa reforçar a existência de pessoas homo e heterossexuais, isto é, o processo de categorização social.

32 "Le forme particuliére de domination symbolique dont sont victimes les homosexuels s´exprime dans la logique de l ´honneur (on parle de Gay Pride) e de la honte, et s´accomplit à travers des actes colletifs de catégorisation qui font exister dês différences significatives, positivement ou négativement marquées (catègorein, d´où viennent nos catégories , signifie accuser pibliquement...), et par là des groupes, des catégories sociales, honorables ou même honorées, ou stigmatisées. La domination, en ce cas, comme dans certaines espèces de racisme, prend la forme d´un déni d´existence publique, visible" (1998:46).

33 "catégories de perception droites (straight, qui comme dans la cosmogonie méditerrannéennem s´oppose à crooked, tordu)" 34 "[…] like that of black and women under moral slavery, is perversely rationalized as itself a protection of intimate life (family values) when it, in fact, wars on a legitimate form of intimate life. This marks the roots of the prejudice, like other forms of moral slavey, in the most intimately debasing forms of unjust paternalism: the totalizing assumption that the community legitimately can and should know and control the very heart and mind of another´s most intimate resources of moral personality" (1998: 349-350).

35 "Declarations of identity serve several functions; they are at once powerful individual expressions, reinforcing one´s sense of belonging to a particular group; communicative messages, conveying that identification to others; and representations, offering particular portrayals of the individual and his or her group to the public. Statements of self-identity can modify public understandings and portrayals of a group, while a group´s public representation can influence individual and collective self-identities. This mutual interaction of language and identity may either extend or abridge the available range of identities for a given group (Shotter and Gergen 1989, ix). Such consequences may be particularly striking for lesbians and gays, who are, as a group, ‘consciously involved in creating [their] own identity and purpose’, and whose public representations remain hotly contested (Fejes and Petrich 1993, 397)" (1998: 4-5) .

Fry e MacRae questionam: "Porém, este ‘avanço’ coloca novos problemas e novas angústias, pois se é verdade que a homossexualidade é em geral menos discriminada que antes, o seu reconhecimento como algo válido e legítimo tanto por parte das elites culturais quanto das do capital faz com que se estabeleçam novas formas de conduta que não deixam de cercear a vida social e sexual dos indivíduos. Se no Brasil que chamamos de popular, os rapazes são divididos entre ‘machos’ e ‘bichas’, o mundo moderno opera no sentido de dividi-los em ‘homossexuais’, ‘heterossexuais’, e, marginalmente, ‘bissexuais’, num linguajar erudito, e ‘entendidos’, ‘gays’, ‘caretas’ e ‘giletes’, na gíria corrente. Tem muita gente que preferiria não ter que se submeter a estas novas categorias sociais que tendem a empurrá-los para ‘guetos’ estanques. Prefeririam que estas categorias sociais fossem elas mesmas combatidas e acabam entrando em choque não só com a ciência médica mas também com alguns ‘homossexuais conscientes’ que, por razões várias, têm interesse na manutenção das distinções. Afinal, negar a inevitabilidade da fronteira que separa os ‘homossexuais’ dos heterossexuais’ colocaria em questão a própria noção de uma identidade homossexual que, para muitas pessoas, representa um modo de dar ordem às suas vidas, cheio de possibilidades de gratificação e muitas vezes ‘assumido’ a duras penas" (1991:119-20). Também se problematiza a eficiência do movimento, já que ele pressupõe um confronto e exibicionismos marcados por uma percepção de vitimização do homossexual; nem sempre isso determina os resultados almejados, quer no sentido de aceitação, quer no sentido da ruptura com a concepção de uma "sexualidade normal". Por outro lado, pode-se dizer, também, que a estratégia do outing não tem a força transformadora necessária para combater a exclusão social, como um todo, prestando-se, apenas, para dar conta da realidade da comunidade gay ou do grupo que busca a visibilidade. Numa outra visão, Eribon trabalha com as categorias de subjetivação e de resubjetivação, em que a reivindicação de uma determinada identidade parte do que é dado para, ao superá-lo, reconstruir uma nova forma de compreensão de si mesmo, libertária. "E experimentei reconstituir a maneira pela qual os gays são 'assujeitados' pela ordem sexual; a maneira pela qual eles, diferentemente em cada época, resistiram à dominação construindo modos de vida, espaços de liberdade, um 'mundo gay'. Interessei-me, então, por esse processo de subjetivação, ou de re-subjetivação, pelo qual compreendo a possibilidade de recriar a sua identidade pessoal a partir da identidade designada. Consequentemente, isso significa que o ato pelo qual se reinventa a sua identidade depende, sempre, da identidade que lhe é imposta pela ordem sexual. Não se cria o nada a partir do nada, sobretudo subjetividades. Trata-se, sempre, de uma reaproximação ou, para empregar a expressão utilizada por Judith Butler, de uma re-significação. Mas, esta re-significação, é o ato de liberdade por excelência, aliás, o único possível, porque abre as portas do imprevisível, do inédito" (Eribon, 1999:18). 36 Esses debates, com forte caráter normativo, repercutem diretamente na ordem jurídica, pois "na medida em que o direito intervém em questões ético-políticas, ele toca a integridade das formas de vida dentro das quais está enfronhada a configuração pessoal de cada vida" (Habermas, 2002:164). Nesse sentido, a ordem jurídica pode transformar-se em veículo de implementação dessas políticas de identidade, diferença e reconhecimento do outro, propiciando os meios, os mecanismos e as condições para proteger e possibilitar a realização da dignidade humana em sua plenitude, inclusive a dos homossexuais. Habermas, a despeito de sua produção teórica não se alinhar com os multiculturalistas, fala na inclusão com sensibilidade para as diferenças, contemplando as minorias, embora faça a ressalva para o risco da fragmentação. "Mas quando estas [sociedades pluralistas] estão organizadas como Estados democráticos de direito, apresentam-se, todavia, diversos caminhos para se chegar a uma inclusão ‘com sensibilidade para as diferenças’: a divisão federativa dos poderes, uma delegação ou descentralização funcional e específica das competências do Estado, mas, acima de tudo, concessão de autonomia cultural, os direitos grupais específicos, as políticas de equiparação e outros arranjos que levem a uma efetiva proteção das minorias. Através disso, dentro de determinados territórios e em determinados campos políticos, mudam as totalidades fundamentais dos cidadãos que participam do processo democrático, sem tocar nos seus princípios." (Habermas, 2002:166) Nesse diapasão, Denninger, ao tratar dos novos ideais constitucionais, fala do "gosto pela diversidade" que alimenta a auto-afirmação de grupos através da própria Constituição. Essa autoafirmação se expressa de modo diferente daquele prescrito pelo modelo iluminista moderno, consistindo, para o autor, em: "A salvaguarda da identidade do indivíduo que se identifica, sobretudo, com um grupo limitado e circunscrito, 'nosso grupo' (Wir-Gruppe); - como consequência, uma pluralidade de esferas particulares de valores, tornando quase que impossível uma racionalização racional??? e - o reconhecimento dos iguais (em sentido abstrato) como desiguais, em sentido concreto, ou seja, com todas as prestações do Estado social, de acordo com a fórmula 'direito igual à desigualdade'" (1996:310).37 2.1.3 A luta por direitos e emancipação De forma sistemática, os objetivos a serem alcançados pelo movimento homossexual podem ser reduzidos a duas visões ou modelos, com suas agendas próprias. Cada um desses modelos tem recebido alguns sinônimos. Trata-se de uma vertente liberacionista/emancipatória que pretende a emancipação sexual e outra vertente que pretende ver reconhecida uma cidadania homossexual, defensora de uma percepção assimilacionista/reformista/étnica. Para Jagose, o movimento gay inaugura-se com um propósito de radicalização e de liberação da sexualidade humana, propondo uma verdadeira revolução sexual. Com o passar do tempo, a radicalização deixou de ser o ponto mais importante na agenda gay, que se desloca para uma visão mais assimilacionista, permeável à noção de identidade de grupo e de diferença cultural. Verifique-se: "O movimento homófilo começou por delinear princípios mais radicais que aqueles que, eventualmente, chegou a representar. Similarmente, os movimentos de liberação lésbico e gay evoluíram para movimentos sociais culturalmente tão elaborados que os princípios e valores representados passaram a ser vistos como hegemônicos, sofrendo a resistência, por sua vez, de grupos ainda mais marginalizados. Inicialmente, (os movimentos de) a liberação gay e o feminismo lésbico advogaram uma revolução sexual 'por

36 "Et j´ai essayé de reconstituer la maniére dont les gays sont "assujettis" par l´ordre sexuel; la manière aussi dont ils ont, différemment à chaque époque, resiste (resistés ???) à la domination em produisant des modes de vie, des espaces de liberté, um "monde gay". Je me suis donc interesse à ces processus de "subjectivation" ou de "resubjetivation", par quoi j´entends la possibilité de recréer son identité personelle à partir de l´identité assignée. Ce qui signifie, par conséquent, que l´acte par lequel on réinvente son identité est toujours dépandant de l´indentité qu´ellle est imposée par l´ordre sexuel. On ne crée rién à partir de rien, et sourtout pás dees subjectivités. Il s´agit toujours d´une réappropriation, ou, pour employer l´_expression de Judith Butler, d´une ‘resignification’. Mais cette ‘resignification’ est l´acte de liberté par excellence, et d´ailleurs le seul possible, parce qu´il ouvre les port de l´imprevisible, de l´inédit " (Eribon, 1999:18).

37 " - la salvaguardia de la identidad del individuo que se identifica además con un grupo limitado y circunscrito, ‘nuestro grupo’ (Wir-Gruppe); - en consecuencia, una pluralidad de esferas particulares de valores, que hace casi imposible una racionalición racional (???) , y - el reconocimiento de los iguales (en sentido abstracto) como desiguales en sentido concreto, o sea, con todas las prestaciones del Estado social, por así decirlo según la fórmula ‘derecho igual a la desigualdad" (1996:310).

atacado' (maciça/ampla/extensiva e indiscriminada) e, cada vez mais, se consolidaram (como movimentos) na defesa por direitos civis, intencionando assegurar a igualdade para grupos minoritários marginalizados" (Jagose, 1996:58).38 O modelo libertário propugna que a homossexualidade é uma construção social e, como tal, contingenciada pelos limites temporais e espaciais da história - o que refuta qualquer tentativa de legitimação de exercício da sexualidade humana centrada em uma das possibilidades da orientação sexual, em detrimento das demais possibilidades eróticas: questiona-se assim o status normativo da heterossexualidade. Rios consigna: "Conceber a homossexualidade como construção social significa postular que a identificação de alguém ou a qualificação de seus atos sob uma ou outra orientação sexual só tem sentido na medida em que, num certo contexto histórico cultural, houver a institucionalização de papéis e de práticas próprias para cada um dos sexos, onde a atração pelo sexo oposto ou pelo mesmo sexo seja considerada um elemento relevante, capaz inclusive de impor diferenças de tratamento entre os indivíduos. Nesta perspectiva, relativiza-se a condição homo ou heterossexual como critério de distinção, tanto que em outras culturas tal característica pode ser irrelevante ou assumir conotações diversas. [...] Deste modo, a concepção da homossexualidade como construção social advoga, em última instância, a abolição das categorias homossexual/heterossexual na identificação dos sujeitos, caminho considerado apropriado para a superação da exclusão e discriminação dos indivíduos em função de suas preferências sexuais" (2001: 55-56 e 60). Desta forma, para este modelo, a ordem social estabelecida é fundamentalmente corrupta e, portanto, o êxito de qualquer ação política fica condicionado à força do movimento em derrubar o sistema. Assim nenhum homossexual pode ser livre se persiste o sistema social vigente. Para Altman (1972), vários são os objetivos da liberação, que incluem a erradicação dos papéis sexuais; a transformação da família em uma instituição; o fim da violência homofóbica; o recuo das categorias monolíticas da homossexualidade e da heterossexualidade em favor de uma bissexualidade em potencial; o desenvolvimento de um novo vocabulário para o erótico; e uma compreensão da sexualidade como prazerosa e relacional, no lugar de uma concepção voltada para a função reprodutiva ou de categoria normativa , com um status de index. Nessa vertente do movimento gay, entende-se que não é suficiente uma luta por direitos que apenas pretende legitimação pela aceitação. Essa visão mais libertária tem tecido algumas críticas às estratégias baseadas no reconhecimento de direitos, no sentido de que as mesmas são parciais e insuficientes para uma real emancipação e efetivo exercício da liberdade. Diz Miller: "Na medida em que as iniciativas pelos direitos civis são parte necessária deste movimento social, um elemento de nossa luta que não precisa nem deve ser abandonado, essas representam apenas uma parcial abordagem com vistas à obtenção da liberdade. Ao priorizar estratégicas de direitos civis em detrimento de outras táticas, arriscamos abandonar demandas necessárias de mudança em favor de assimilação e concessões simbólicas" (1998:141).39 Deve-se buscar a radicalização do discurso, com tons emancipatórios, rumo à liberação da sexualidade humana, já que a orientação homo e heterossexuais tem exatamente a mesma dimensão moral-axiológica. Embora seja reconhecido que essa perspectiva já não é hegemônica no movimento homossexual, a mesma trouxe contribuições dignas de relato. Veja-se Jagose : "A liberação homossexual converteu a (proposta de) reforma homófila em um movimento internacional de massa. Atribui-se, em parte, à frequente falta de reconhecimento do trabalho desenvolvido pelo movimento homófilo as consideráveis conquistas obtidas pelo movimento homossexual de liberação. (ou:"Em parte, graças ao frequente desconhecimento do trabalho realizado pelo movimento homófilo, as conquistas do movimento gay de liberação são consideráveis" ??? ) Jamais como a força revolucionária que se dizia representar, a liberação homossexual, irrevogavelmente, alterou a organização social ocidental ao gerar uma identidade homossexual pública (e não apenas sexual) que funcionou sob formas politicamente efetivas. Embora não tenha tido êxito em criar uma sociedade livre da imposição de gênero, na qual termos como 'heterossexualidade' e 'homossexualidade' seriam meramente descritivos, a liberação homossexual articulou uma substancial e influente crítica de gênero como uma construção opressiva que sustenta a heterossexualidade" (1996:42).40 O outro modelo considerado mais conformista - a partir da perspectiva acima anunciada - chamado também de reformista, volta-se para a reconhecimento de direitos inerentes à minoria sexual, isto é, busca-se o estabelecimento de uma identidade gay como um grupo minoritário legítimo - o que se traduz no reconhecimento oficial de direitos para os homossexuais que se traduzem para o estado como cidadãos. Há autores, como Jagose, que associam essa visão a uma estratégia étnica, daí falar-se, também, em modelo etnicista. "Construído de forma análoga a uma minoria étnica - ou seja, como uma população distinta e identificável, ao contrário de uma radical potencialidade para todos - lésbicas e gays podem demandar reconhecimento e direitos iguais dentro do sistema social existente. Através do uso da lógica 'iguais, mas diferentes' do movimento de direitos civis, o modelo étnico foi concebido como uma forma estratégica de assegurar proteção legal, igual ou majorada, para sujeitos lésbicos e gays, estabelecendo comunidades urbanas lésbicas e gays, visíveis e co-modificadas (?!?!?), da mesma forma que legitimou 'gay' e 'lésbica' como duas categorias de identificação" (1996:61).41

38 "The homophile movement began by outlining principles more radical than those it eventually came to represent. Similarly, both the lesbian and gay liberation movements evolved into social movements so culturally concretised and elaborate that the tenets and values they represented came to be seen as hegemonic, and were resisted in turn by farther marginalised groups. Initially gay liberation and lesbian feminism advocated a wholesale sexual revolution; increasingly they consolidated themselves as civil rights movements intent on securing equality for marginalised minority groups" (Jagose, 1996:58).

39 "While civil rights initiatives are a necessary part of this social movement, an element of our struggle that need not and should not be abandoned, they represent only one, partial approach to gaining freedom. In priorizing civil rights strategies over other tactics, we risk abandoning necessary demands for change in favor of assimilation and token concesions" (1998:141).

40 "Gay liberation transformed homophile reform into an international mass movement. Enabled in part by the often unacknowledged work of the homophile movement, the achievements of the gay liberation movement are considerable. Never quite the revolutionary force it represented itself as being, gay liberation altered western social organisation irrevocably by generating a public (and not simply sexual) gay identity that functioned in politically effective ways. Although it did not succeed in creating that genderless society in which terms like 'heterosexuality' and 'homosexuality' would be merely descriptive, gay liberation articulated a substantial and influential critique of gender as an oppressive construction propping up heterosexuality" (1996:42).

41 "Constructed as analogous to an ethnic minority - that is, as a distinct and identifiable population, rather than a radical potentiality for all - lesbians and gays can demand recognition and equal rights within the existing social system. Using the 'equal but different' logic of the civil rights movement, the ethnic model was conceived of as a strategic way of securing equal or increased legal protection for gay and lesbian subjects, establishing visible and commodified lesbian and gay urban communities, and legitimating 'gay' and 'lesbian' as categories of identification." (1996:61).

Desta forma, nesse modelo etnicista, o discurso de minoria sexual vem acompanhado de uma intensa reivindicação social, jurídica e política pelo reconhecimento de direitos àqueles que se dizem homossexuais. É a via dos direitos que se identifica com os movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos, especialmente na década de 60 . É uma demanda que questiona um critério de distribuição de bens que se respalda na orientação sexual. E aqueles que não exercem sua sexualidade nos termos preestabelecidos por esse critério, leia-se heterossexualidade, vêem-se à margem da ordem jurídica, sendo-lhes negados a proteção e o reconhecimento de direitos. Desta forma, sustenta-se que a orientação sexual deve ser vista como um critério neutro de diferenciação. Essa via de direitos estende-se por todas as áreas de inserção do ser humano, em suas relações sociais, refutando a diferenciação entre as diversas possibilidades de orientação sexual, como um fundamento adequado para justificar os tratamentos normativos diferenciados que produzem as desigualdades existentes. Entretanto, é a própria problemática da impossibilidade da homogeneidade de uma identidade homossexual, como já registrado anteriormente, que se coloca como um ponto cinzento para essa perspectiva - que pode gerar outros nichos de )marginalização. A sistematização desse problema e de suas leituras teóricas é feita por Jagose: "Naquele momento histórico, quando o modelo étnico dominante constituiu sujeitos lésbicos e gays como um grupo que representava a principal corrente, ainda que minoritário, processos de centralização e marginalização foram repetidos, e grupos 'recém-descomprometidos/desligados/desengajados' se opuseram ou criticaram a noção de uma identidade gay unificada ou singular. Aqueles que foram alienados do modelo étnico consolidado através de uma 'identidade lésbica e gay' não apenas requereram a sua inclusão como, também, criticaram os princípios fundamentais que levavam à primazia da centralização daquela identidade específica (ainda que supostamente universal). Ao lembrar da controvérsia a respeito da 'ameaça lavanda' (obs: nos países anglo-saxônicos, lavanda é a cor símbolo para a homossexualidade e lesbianismo), Gayle Rubin (1981) entitula o seu ensaio pró-sadomasoquista de "The Leather Menace" ("A Ameaça de Couro"), sugerindo que as feministas lésbicas eram tão responsáveis/culpadas pela manutenção das categorias normativas de identidade quanto as feministas da 'segunda onda'. Já que o sucesso do modelo étnico de identidade gay deve ser avaliado de maneira significativa pela extensão com que legitimou a identidade gay e lésbica na cultura dominante, existe dificuldade, da parte de grupos que são ainda mais marginalizados, em absorver ou controlar desafios a sua autoridade. Em um contexto especificamente lésbico, Stein (1991:45) argumenta que o problema 'não era que a criação de um movimento que estabelecesse fronteiras havia substituído um outro que pretendia se basear na abrangência de todas as identidades, mas que o discurso do movimento, com raízes em noções de autenticidade e inclusão, ia completamente contra ele" (1996:62).42 Na verdade, os dois modelos podem afinam-se com ideais de liberação e de legitimação, respectivamente almejados pelos modelos emancipatório/liberacionista e etnicista/assimilacionista. Vaid faz a associação: "A legitimação de gays e lésbicas busca a tolerância e a aceitação dos homossexuais pelos heterossexuais; a liberação homossexual não busca nada menos que a afirmação, representada através do reconhecimento de que a sua sexualidade é moralmente equivalente à heterossexual. A legitimação busca mudar corações e mentes através da educação do público em geral para que compreendam que as pessoas gays e lésbicas são seres humanos. A liberação busca esta mesma mudança não somente nas consciências mas, também, uma transformação nas instituições sociais - no governo, família, religião e economia" (1995:37) .43 A visão emancipatória e a via dos direitos podem também ser associadas a duas outras concepções do movimento gay - o revisionismo (perspectiva reformista) e o construcionismo (perspectiva revolucionária) - que se relacionam diretamente à visão que adotam a respeito da orientação sexual. Segundo Rios (2002), os revisionistas sustentam um essencialismo na orientação sexual, pois as categorias sexuais possuem uma essência fixa, o que possibilitaria a identificação dos indivíduos pela atribuição de um sexo ou de outro; para os construcionistas, a orientação sexual é uma categoria social e como tal designadas em função das diferentes culturas. Desta forma, "masculino/feminino" são categorias relativas e mutáveis, são construções sociais pelas quais o sexo biológico é compreendido nas sociedades ocidentais. As explicações são de Boswell: "Nominalistas ('construcionistas sociais', no debate atual), ao abordar a questão, impedem que categorias de comportamento e preferência sexual sejam criados pelos seres humanos e as sociedades humanas. Seja qual for a realidade de que eles disponham, esta é a consequência do poder empregado nestas sociedades e dos processos de socialização que os fazem parecer reais para aqueles que sofrem a sua influência. As pessoas consideram-se homo ou heterossexuais porque são induzidas a acreditar que os seres humanos são uma coisa ou outra. Se deixadas a sua própria sorte, sem estar sujeitas a estes mesmos processos ou à socialização, elas simplesmente seriam sexuais. Em outras palavras, a categoria 'heterossexual' não apenas descreve um padrão de comportamento inerente aos seres humanos da forma como, também, cria e estabelece este mesmo padrão. Os realistas ("essencialistas") afirmam que não é este o caso. Os seres humanos, eles insistem, são diferenciados sexualmente. Muitas categorias podem ser concebidas para caracterizar a taxonomia sexual humana, algumas mais aptas do que outras, mas a precisão das percepções humanas não afeta a realidade. A dicotomia heterossexual/homossexual... não foi inventada pelos taxonomistas sexuais, mas serviu-lhes de objeto de observação" (1989:17).44

42 "At that historical moment when the dominant ethnic model constituted lesbian and gay subjects as a mainstream-albeit minority-group, processes of centralisation and marginalisation were repeated, and newly desaffected groups opposed or critisied the notion of a singular or unified gay identity. Those alienated from the ethnic model consolidated by lesbian and gay identity did not simply demand to be included but also critiqued the fundamental principles which had centralised that specific (although supposedly universal) identity in the first place. Recalling the 'lavender menace' controversy, Gayle Rubin (1981) titles her prosado-masochism essay The Leather Menace', implying that lesbian feminists are just as culpable as second-wave feminists in maintaining normative identity categories. Since the success of the ethnic model of gay identity is to be gauged largely by the extent to which it has legitimised gay and lesbian identity in the dominant culture, it has difficulty in absorbing or controlling challenges to its authority from groups which are even more marginalised. In a specifically lesbian context, Stein (1991:45) argues that the problem 'was not so much that boundary-making took place-for it does in all identity-based movements-but that the discourse of the movement, rooted in notions of authenticity and inclusion, ran so completely counter to it'" (1996:62).

43 "Gay and lesbian legitimation seeks straight tolerance and acceptance of gay people; gay and lesbian liberation seeks nothing less than affirmation, represented in the acknowledgment that queer sexuality is morally equivalent to straight sexuality. Legitimation seeks to change hearts and minds by educating the general public to understand that gay and lesbian people are human beings. Liberation seeks that same shift in consciousness, but it also looks for a transformation in social institutions - in government, family, religion and the economy" (1995:37) .

44 "Nominalists ("social constructionists" in the current debate) in the matter avert that categories of sexual preference and behavior are created by humans and human societies. Whatever reality they have is the consequence of the power they exert in those societies and the socialization processes that make them seem real to persons influenced by them. People consider themselves "homosexual" or "heterosexual" because they are induced to believe that humans are either "homosexual" or "heterosexual." Left to their own devices, without such processes or socialization, people would simply be sexual. The category "heterosexuality", in other words,

A relação dessas posições diante da orientação sexual é imediata. Segundo Rios: "[...] os construcionistas defenderão direitos de homossexuais mais como um slogan político do que como afirmação de uma minoria social, pois para eles maiorias ou minorias são construções sociais relativas e sem raízes na natureza das coisas; os essencialistas, diversamente, pugnarão pelo reconhecimento de direitos de minorais, que clamam por se inserir na sociedade como um todo, regida pelos padrões morais majoritários" (2002:59-60). Assim, o revisionismo aproxima-se mais à noção de legitimação, por intermédio do reconhecimento de direitos, ao passo que o construcionismo se pretende mais emancipatório. Entende-se, porém, que essas visões encontram-se intimamente ligadas, já que reciprocamente se influenciam. Não há como se falar em liberação quando, por exemplo, ainda se tem a homossexualidade como um crime. Por outro lado, proteção de direitos, que apenas implique tolerância imposta institucionalmente, não significa reconhecimento da legitimidade moral da orientação sexual do indivíduo - o que reflete em certo grau de menos-valia para a automonia do homossexual. Daí a imbricação dessas concepções, como na célebre relação traçada, por Benjamin Constant, entre a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos; embora, na atualidade, em razão da qualidade de atuação e de intervenção dos principais grupos de defesa dos direitos dos homossexuais, possa-se concluir que predomina largamente a concepção reformista. Para além das características do movimento gay, são suas repercussões jurídicas - alicerçadas em discursos acadêmicos - que incidem diretamente na problemática do reconhecimento dos direitos dos homossexuais, e, com suas estratégias político-jurídicas de ação para tensionamento do mainstream, se fazem também acompanhar de toda uma importante produção teórica que lhe respalda ou mesmo questiona. 2.1.4 Gays and Lesbian Studies e Queer Theory A problemática suscitada pela temática gay - e acima exposta - pode ser compreendida em uma esfera mais ampla, chamada de Gay and Lesbians Studies. (Estudos Gays e Lésbicos) Lopes reconhece que: "Os estudos gays e lésbicos representam um institucionalização no seio da universidade norte-americana, com tudo que isso implica em termos de um aparato: revistas, linhas de pesquisa, programas, centros de estudo, encontros, congressos etc. Ainda que não atingindo o grau de estabilidade do feminismo, definitivamente se constitui nos EUA, um campo social e intelectual, para usar os termos de Bourdieu, ou seja, a constituição de um espaço em que atores sociais identificados como gays estão dispostos à luta concorrencial pelas posições dominantes, com um público específico e com autonomia econômica dos produtores culturais. Mais do que uma linha teórica precisa, trata-se de um espaço plural coletivamente constituído" (2003) . Há quem fale também de Queer Studies (Estudos 'Queer') e ainda de Queer Legal Theory (Teoria Legal 'Queer'). E, embora não sendo o objeto de estudo delimitado, algumas considerações se fazem necessárias. Em primeiro lugar, o que significa queer? A expressão é controversa, arrojada, transgressora, que nega assimilação ou tolerância. Queer traz todo um significado especial de ser "transverso". Sedgwick (1998) registra que a palavra "queer" tem a raiz indo-européia twerkw; em francês significa "à travers"; em alemão resultou em Quer (transversal); em latim torquere (torcer); em inglês athwart (transversal). "É precisamente sobre os enunciados tranversos/torcidos??? que numerosos escritos, atualmente, se esforçam em produzir: transversos/torcidos dos sexos, transversos/torcidos dos gêneros, transversos/torcidos das perversões. O conceito 'queer', neste sentido, é transitivo, e transitivo de múltiplas formas. O movimento imemorial que o termo 'Queer' representa é tanto anti-separatista quanto anti-assimilacionista. No fundo, ele é relacional e, seguramente, estranho. (Sedgwick, 1998:115-116) .45 Segue uma coletânea de visões queer que pretende capturar o significado da expressão. "Queer é um termo inclusivo para pessoas de orientação sexual ou identidade de gênero minoritária, a saber, gays, lésbicas, bissexuais e pessoas transgênero. Empregado desta forma, em geral, pode ser considerado como um sinônimo de outros termos, tais como LGBT ou 'lesbigay'. Com frequência, carrega em si a conotação da opressão experimentada por essas mesmas pessoas pelo simples fato de ser quem são. Em geral, quando se refere a uma identidade ou comunidade, e não apenas ao ato sexual, o termo é empregado com a sua primeira letra em maiúscula [...] Historicamente, o termo é uma alcunha para homens gays, avizinhando-se à profanidade. Desde que o termo passou a ser utilizado - e sob muitas circunstâncias ainda persiste - como um insulto homofóbico, diversos membros das minorias sexuais não são favoráveis a seu uso. Por outro lado, muitas pessoas identificam-se essencialmente como 'Queer', e não como gay, lésbica, bissexual ou transgênero. O termo foi mais amplamente disseminado nos anos 1980, quando tornou-se popularizado através do grupo ativista 'Queer Nation' ('Nação Queer'). (Wikipedia, 2003).46 " [...] na Europa e nos Estados Unidos tem sido utilizado para definir a comunidade GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) como estranho, diferente e a política do desejo fundamenta nesses modos de representação queer uma noção conceitual de simulacros artificiais materializados. [...] Porém, o cunho queer se coloca ambiguamente manifestado

does not so much describe a pattern of behavior inherent in human beings as it creates and establishes it. Realists ("essentialists") hold that this is not the case. Humans are, they insist, differentiated sexually. Many categories might be devised to characterize human sexual taxonomy, some more or less apt than others, but the accuracy of human perceptions does not affect reality. The heterosexual/homosexual dichotomy...was not invented by sexual taxonomists, but observed by them" (1989:17).

45 "Ce sont précisement des énoncés ‘a travers’ que de nombreux écrits s´efforcent de produire aujourd´hui: à travers les sexes, à travers lês genres, à travers les ‘perversions’. Le concept de queer, dans ce sens, est trasitif e transitif de multiples façons. Le courant immémorial que le Queer représent est anti-sépartiste autant qu´il est anti-assimilationniste. Profondément, il est relationnel. Et, assurément, il est étrange" (Sedgwick, 1998:115-116) .

46 "Queer is an inclusive term for people of a minority sexual orientation or gender identity, such as gay men, lesbians, bisexuals, and transgendered people. In this usage, it is usually a synonym of such terms as LGBT or lesbigay. Often, it carries the connotation of being oppressed merely for being who they are. The term is often uppercased when referring to an identity or community, rather than merely a sexual fact […] Historically, the term was an epithet for gay men, bordering on profanity. Since the term originated, and in many circumstances persists, as a homophobic slur, many members of sexual minorities do not favour its use. On the other hand, many people identify primarily as Queer rather than gay, lesbian, bisexual, or transgendered. The term first attained common usage during the 1980s, when it was popularized by the activist group Queer Nation" (Wikipedia, 2003).

na sua condição existencial transgressiva de resistência: um posicionamento político pela resignificação simbólica do desejo. [Queers] existe nas repetições e em tudo aquilo que não pode ser absorvido/contido pela linguagem falocrática. E, é exatamente a ‘instabilidade’ ou a ‘flutuação’ causada por esse excesso que permite o nascimento e a continuação da resistência criativa de significação Queer que não se deixa corromper/incorporar. (SANTOS:1999:4)" (Garcia, 2000:13). "Contra a crescente integração conservadora do gay de classe média que pode ser caricaturizada no desejo de se casar, ter filhos e ir para o exército, os queer studies emergem, em meio a necessidade de uma politização dos hibridismos, que tem uma de suas melhores encarnações na aposta de Homi Bhaba em uma "sociedade socialista de posições" (1999, 348), evitando leituras monumentalizadoras e não raramente desmobilizadoras do ponto de vista social de autores como Deleuze e Derrida que com a justificativa de buscar as ambigüidades do sujeito contemporâneo, só reafirmam discursos individualistas e/ou eurocêntricos (ver KAPLAN, C.: 1996). Não só se trata de reafirmar o clichê de tornar indissociáveis a questão da homossexualidade e as relações entre centro e periferia, de classe e etnia, para citar alguns dos elementos complexificadores da condição homossexual contemporânea, marcada pelo trânsito intenso de valores e comportamentos, mas politizar e relativizar o pós-gay, para além do espaço colocado por Alain Sinfield (1998, 7) como problematizador das identidades gays metropolitanas (minorias raciais, movimento Queer, bissexuais, homens que fazem sexo com homens/mulheres que fazem sexo com mulheres)"(Lopes, 2003). Sobre Queer Theory: (Teoria Queer) "A expressão ‘queer theory’ designa no mundo anglo-saxão um campo de conhecimento onde aportam inúmeros estudos relativos às questões de gays e lésbicas, formado pela conjunção não-sistematizada de diversas perspectivas [...] fornecendo uma perspectiva ‘queer’ em várias áreas do saber, como geografia, cibernética, literatura, história, cinema, meios de comunicação de massa, cultural visual, filosofia, feminismo, psicanálise, pós-modernismo, antropologia, etnia, bissexualidade, heterossexualidade, transexualidade, sadomasoquismo e AIDS." (Rios, 2001:60). "'Queer' pode ser empregado como um substantivo, um adjetivo ou um verbo mas, em qualquer destes casos, é sempre definido em oposição ao 'normal' ou 'normalizador'. A 'Teoria Queer' não é uma estrutura singular, conceitual sistemática ou metodológica, mas um apanhado de compromissos intelectuais com as relações entre sexo, gênero e desejo sexual. Se a 'Teoria Queer' for uma escola de pensamento, então, trata-se de uma disciplina com uma visão altamente heterodoxa. O termo descreve uma ampla gama de práticas e prioridades críticas: leituras de representação de desejos pelo mesmo sexo em textos literários, filmes, música, imagens, análise das relações de poder sociais e políticas da sexualidade, críticas ao sistema de gênero/sexo, estudos quanto à identificação transexual e transgênero, desejos sadomasoquistas e transgressivos/transgressores. [...] A 'Teoria Queer' emprega algumas das idéias da teoria pós-estruturalista, inclusive os modelos psicanalíticos de identidade instável e descentralizada formuladas por Jacques Lacan, a desconstrução das estruturas linguísticas e conceituais binárias de Jacques Lacan e, claro, o modelo de Foucault de discurso, conhecimento e poder" (Spargo, 2000:8-9 e 40-41).47 "[...] essencialmente, o termo apresenta dois conceitos. Primeiramente, 'Queer' designa um sentido de inclusão e igualitarismo pois reúne lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Em segundo lugar, 'Queer' denota um sentido de radicalismo na luta contra a subordinação de sexo/gênero pois simboliza uma auto-identidade assertiva' (Valdés, 1997).48 Por Queer Studies (Estudos Queer), numa definição de cunho mais enciclopédico, entende-se uma série de questões que são discutidas na Teoria Literária, na Teoria Política, na História, na Sociologia, na Ética e em outros campos de reflexão, tendo por objeto de análise a identidade, as vidas, história e percepção de pessoas consideradas queer. Por exemplo, no campo da sexualidade humana, relacionada à problemática da identidade, os estudos queer denunciam uma "naturalização" e uma "hierarquização" historicamente construídas e contextualizadas da sexualidade humana, com a prevalência da heterossexualidade sobre a homossexualidade, como o padrão normativo a ser observado. Numa visão mais subversiva, chega-se até mesmo a propor uma desconstrução desses estereótipos a fim de libertar todas as formas de manifestação da sexualidade humana. Para a Stanford Enciclopedia of Philosophy, a política queer deve ser entendia como: "A política 'Queer', portanto, ressalta a utilidade do construcionismo social, enquanto esquiva-se de uma questão/missão genética quanto às origens da homossexualidade, como sempre uma história presentista (nota do Webster's Encyclopedic Unabridged Dictionary of the English Language: 'presentist' = "a person who mantains that the prophecies in the Apocalypse are now being fulfilled.") Além de historicizar e contextualizar a sexualidade, bem como a própria idéia da identidade sexual, a mudança para 'queer' também se caracteriza por métodos desconstrutivistas. Mais do que compreender identidades sexuais como um conjunto de tipos sociais independentes e discretos, os teoristas 'queer' enfatizam a sua mútua implicação: por exemplo, a palavra 'homossexualidade' aparece pela primeira vez, no idioma Inglês, em 1897, enquanto que o termo 'heterossexualidade' é cunhado a partir daquele, sendo usado pela primeira vez alguns anos mais tarde. (Garber 1995, 39-42). O termo 'heterossexualidade' somente adquire vida própria, como uma forma de comprender a natureza dos indivíduos, após o diagnóstico da figura do homossexual; a homossexualidade requer a heterossexualidade como o seu reverso, não obstante o seu essencialismo auto-professado/pretendido/reconhecido. Os teoristas 'Queer' destacam que a dicotomia homo/hetero - assim como tantas outras na história intelectual ocidental, que ela argumentativamente recorre e reforça - não está apenas mutuamente implicada mas, também, é apresentada de maneira hierárquica (a heterossexualidade é superior, normal e inevitável), mascarando-a como natural ou descritiva. A tarefa de uma política identitária mais radical, segundo esta visão, é de, constantemente, desnaturalizar e desconstruir as identidades em questão, dentro de um obejtivo político de sua subversão, e não de acomodação. (2003) 49

47 " ‘Queer’ can function as a noun, an adjective or a verb, but in each case is defined against the ‘normal’ or normalising. Queer theory is not a singular or systematic conceptual or methodological framework, but a collection of intellectual engagements with the relations between sex, gender and sexual desire. If queer theory is a school of thought, then it´s one with a highly unorthodox view of discipline. The term describes a diverse range of critical practices and priorities: readings of the representation of same-sex desire in literary texts, films, music, images; analyses of the social and plotical power relations of sexuality; critiques of the sex (não tem um travessão entre gender e system? assim: sex/gender) gender system; studies of transsexual and transgender identification, of sadomasochism and of transgressive desires. […] Queer theory employs a number of ideas from poststructuralist theory, including Jaques Lacan´s psychoanalytic models of decentred, unstable identity, Jacques Derrida´s deconstruction of binary conceptual and linguistic structures,and, of course, Foucault´s model of discourse, knowledge and power" (Spargo, 2000:8-9 e 40-41).

48 "[...] the term principally signifies two concepts. First, Queer connotes a sense of inclusiveness and egalitaranism because it groups together Lesbians, Gay males, Bisexuals and trans-gendered. Second, Queer denotes a sense of radicalism in the fight agaisnt sex/gender subordination because it symbolizes an assertive self-identity"(Valdés, 1997).

49 "Queer politics, then, both stresses the usefulness of social constructionism while eschewing a genetic quest for the origins of homosexuality as always a presentist history. In addition to historicizing and contextualizing sexuality, including the very idea of sexual identity, the shift to queer is also characterized by

Já a Queer Legal Theory, na visão de Valdés"é uma exploração interdisciplinar e auto-consciente da forma como as doutrinas legais, os costumes e as práticas impactam sobre as minorias sexuais como minorias sexuais" (1995)50 A importância do movimento gay, independentemente de suas fundamentações teóricas, extrapola as questões circunstanciadas ao problema da orientação sexual e se alarga para todo um discurso de proteção de direitos e de legitimação moral, repercutindo em mudança nas esferas pública e privada, no comportamento social e político, na cultura, na religião, na moralidade e na própria ordem jurídica. Há uma nítida vocação universalizante, no sentido de que a problemática gay abarca pontos essenciais para a noção de uma cidadania efetiva e libertária. Para Baird, citando a publicação The Nation, de 3 de maio de 1993: "Atualmente, todas as correntes transversas/transversais de lutas de liberação são consideradas como parte das lutas gay. De certo modo, o movimento gay assemelha-se a alguns momentos vividos por outras comunidades no passado desta nação; entretanto, ele vai mais além, pois uma crise de identidade sexual espalha-se pela população, e as pessoas gays - por sua vez, os mais visíveis sujeitos e objetos da crise - foram forçados a inventar uma completa cosmologia para apanhá-la/dominá-la/detê-la. Ninguém afirma que as mudanças serão fáceis, mas é bem possível que uma pequena e desprezada minoria mude a América para sempre. (1995:31).51 2.2 Algumas linhas sobre o movimento gay brasileiro 2.2.1 A trajetória da luta homossexual no Brasil Viajando-se ao universo brasileiro, reconstrói-se a trajetória da luta homossexual. É apenas em 1895 que surge a primeira obra literária que discorre sobre a temática gay de forma naturalista. Trata-se do romance "O Bom Crioulo", de Adolfo Caminha. E a temática lésbica viria à tona apenas no início da década de 1930, com "O terceiro sexo", de Odilon Azevedo. Na verdade, o "O Bom Crioulo", para Mott (2003:46), "é um marco literário na visibilidade deste seguimento social até então trancado a sete chaves em nosso meio social, artístico e literário". Mas o movimento gay tem um início mais tardio e se caracteriza, no geral, por um perfil de militância, concretizado na formação de grupos de defesa de homossexuais, com estratégias de ação voltadas principalmente para a construção de uma cidadania de uma minoria sexual, mediante o reconhecimento e a proteção de direitos, e menos preocupada com a adoção de posturas libertárias mais radicais. Seu marco histórico remete ao final da década de 70, com dois eventos significativos: o Lampião e o Somos, que representam a busca pela ruptura do confinamento ao gueto "restrito no qual os homossexuais circulavam, bem como de derrubar os estereótipos sociais ligados à homossexualidade" (Green, 2002:430). Em abril de 1978, João Silvério Trevisan, João Antônio Mascarenhas e outros intelectuais, jornalistas e artistas criam, no Rio de Janeiro, um tablóide chamado O Lampião da Esquina, com uma tiragem de dez mil exemplares e vendido em todas as bancas do país. A primeira publicação voltada especialmente para a comunidade gay estreou tendo, por matéria da capa, um artigo sobre Celso Curi, o colunista gay pioneiro do ‘Última Hora’ que vinha sendo vítima de perseguição dos militares, sob a acusação de ofensa à moral e aos bons costumes, ao exaltar abertamente a homossexualidade. Green registra : "Os editores do Lampião usaram o primeiro número do jornal para defender Curi e argumentar que o caso contra ele era prova dramática da necessidade de um movimento organizado, cujo objetivo deveria ser resguardar os indivíduos contra a ações arbitrárias do governo e combater as atitudes homofóbicas na sociedade brasileira de modo geral" (2000:431). Em São Paulo, também no ano de 1978, alguns ativistas, entre os quais Trevisan, fundam o grupo Somos, que teria a sua primeira aparição pública em fevereiro do mesmo ano, num debate público organizado na Universidade de São Paulo - USP. O evento era parte integrante de uma série de quatro dias de discussões visando organizar as "minorias" brasileiras - mulheres, negros, índios e homossexuais. Houve, porém, muita controvérsia a respeito do rumo a ser tomado pelo incipiente movimento gay que surgia provocando fissuras em sua organização. Novamente os registros são de Green: "Os estudantes gays se queixavam de que a esquerda brasileira era homofóbica. Estudantes de esquerda que apoiavam Fidel Castro e a Revolução Cubana argumentavam que combater temas específicos, como sexismo, racismo e homofobia, iria dividir o crescente movimento contra o regime militar. Eles sustentavam que as pessoas deveriam se unir em uma luta geral contra a ditadura. [...] Ao longo do ano seguinte, conforme novos grupos floresciam em São Paulo e outras cidades, os ativistas gays e lésbicas continuariam a se debater entre construir um movimento autônomo independentes das forças sociais mobilizadas contra o regime militar ou formar ligações com esses novos movimentos sócias" (2000: 433). O Somos é o primeiro grupo de direitos homossexuais no Brasil e a matriz de todos os que vieram depois; por exemplo, em 1979, uma de suas facções organiza o LF, Lésbico - Feminista, que passou a editar o boletim Chanacomchana. Logo após, em 1980, funda-se o GGB - Grupo Gay da Bahia - o mais antigo grupo ainda em atividade. E, quando se realiza o I Encontro Brasileiro de Homossexuais, com uma presença de mil participantes, entre lésbicas e gays, também em 1980, já existiam mais de vinte grupos gays e lésbicos de norte a sul do país.

deconstructive methods. Rather than understanding sexual identities as a set of discrete and independent social types, queer theorists emphasize their mutual implication: for example, the word "homosexuality" first appears in English in 1897, but the term "heterosexuality" is back-formed, first used some years later (Garber 1995, 39-42). Heterosexuality comes into existence as a way of understanding the nature of individuals after the homosexual has been diagnosed; homosexuality requires heterosexuality as its opposite, despite its self-professed essentialism. Queer theorists point out that the homo/hetero dichotomy, like many others in western intellectual history that it arguably draws on and reinforces, is not only mutually implicated, but also hierarchical (heterosexuality is superior, normal, and inevitable) and masquerades as natural or descriptive. The task of a more radical "identity politics," on this vision, is to constantly denaturalize and deconstruct the identities in question, with a political goal of their subversion rather than their accommodation" (2003).

50 , "is a cross-disciplinary and self-conscious exploration of way in which legal doctrines, customs, and practices impact on sexual minorities as sexual minorities" (1995). 51 "All the crosscurrent

(e???)s of present-day liberation struggles are subsumed in the gay struggle. The gay movement is in some ways similar to the moment

that other communities have experienced in the nation´s past, but it is also something more, because sexual identity is in crisis throughout the population, and gay people - at once the most conspicuous subjets and objets of the crisis - have been forced to invent a complete cosmology to grasp it. No one says the changes will come easily. But it´s just possible that a small and despised sexual minority will change America forever" (1995:31).

A criação do Lampião, consigna Mott (2003), contribuiu indiretamente para a formação do Movimento Homossexual Brasileiro - MHB que agrega diversos grupos gays espalhados ao largo do país. O primeiro ato político de fundação do MHB, em 1977, coincide com a presença do Editor do Gay Sunshine, de São Francisco, Winston Leiland, que fora convidado, pelo advogado gaúcho João Antônio Mascarenhas, para proferir conferências aqui. Nos anos 90, o MHB toma um grande impulso; e congrega, hoje, o seu maior número de entidades: seis grupos de lésbicas, dez grupos de travestis e transexuais, e aproximadamente, oitenta grupos de gays. Três são basicamente os objetivos do Movimento Homossexual Brasileiro: lutar contra todas as expressões de homofobia (intolerância à homossexualidade); divulgar informações corretas e positivas a respeito da homossexualidade; conscientizar gays, lésbicas, travestis e transexuais da importância de organização para a defesa de plenos direitos de cidadania e políticos . Nestes quase vinte anos de existência, o Movimento Homossexual Brasileiro, apesar de contar com reduzidos recursos humanos e materiais, obteve importantes vitórias no reconhecimento dos direitos humanos dos homossexuais (em especial de gays e lésbicas). O GGB (1993) contabiliza essas principais vitórias, abaixo apresentadas cronologicamente: 1. Em l985, o Conselho Federal de Medicina declarou que no Brasil a homossexualidade não mais poderia ser classificada como "desvio e transtorno sexual". 2. Em 1989, o Código de Ética dos Jornalistas estabeleceu a proibição de discriminação por orientação sexual. 3. Em l990, nas leis orgânicas de setenta e três municípios e nas constituições dos Estados de Sergipe, Mato Grosso e Distrito Federal, foi incluída a expressa proibição de discriminar por orientação sexual. 4. Em 1992, as denúncias de violação dos direitos humanos e assassinatos de homossexuais, feitas pelo MHB, foram publicados no Relatório Anual do Departamento de Estado dos Estados Unidos. 5. Em 1995 realizou-se no Brasil a 17ª Conferência da ILGA - Associação Internacional de Gays e Lésbicas. Numa leitura da evolução política e cultural do movimento gay, verifica-se um crescimento emergente, de caráter inclusivo, capaz de mobilizar diversos setores da sociedade, como a mídia, o empresariado, a classe artística e o mundo da academia. Se, nos anos 60, "apesar da ditadura hegemônica do heterossexismo, de a maioria absoluta dos homossexuais continuarem escondidos na gaveta" (Mott, 2003:46), ocorreu um elemento de maior visibilidade dos homossexuais, pois "os gays e travestis tornaram-se mais visíveis e abusados,brilhando nos bailes de carnaval, concursos de fantasia, na televisão, no cinema, nas artes e nos meios de comunicação" (Mott, 2003:46), foi, nos anos 90, que o movimento se densificou, alargando seus horizontes. Narra Trevisan: "Acuada entre o pânico (ainda que amainado) da Aids e as expectativas do novo milênio, a década de 1990 assistiu a uma definitiva inserção de homossexuais, em todos os sentidos. O consumo guei, que continuou crescendo vertiginosamente, revelou aos olhos da sociedade a capacidade de consumir a partir de necessidades homossexuais. [...] A efervescência mercadológica produziu, no Brasil, um novo empresariado homossexual com perfil mais definido e profissionalizado, que de um modo ou de outro acabou se aproximando das lutas pelos direitos civis dos seus consumidores. [...] Nesse contexto em que se misturam militância e mercado, é natural que a tônica da luta pelos direitos homossexuais tenha passado de uma contestação social mais abrangente para uma busca de maior integração social, ampliando os limites do gueto" (2002:375-376). No fim da década de 70, verifica-se uma fase de certa incerteza identitária. Questionava-se o perfil a ser imprimido e a submissão do movimento brasileiro ao paradigma norte-americano. Tal polêmica materializava-se nos debates travados pelos membros do Somos (então chamado de Núcleo de Ação pelos Direitos dos Homossexuais) a respeito do nome a ser designado ao grupo, vez que alguns entendiam que sua acentuada proposta política poderia desencorajar a adesão de novos membros. Ao final chegou -se ao consenso: Somos - Grupo de Afirmação Homossexual. Green recorda que: "Alguns membros especulavam que o teor ativista do nome do grupo era a razão pela qual apenas uma dúzia de pessoas havia ido a uma determinada reunião. Outros sugeriam que as pessoas tinham medo de se unir a uma associação semi-secreta. Alguns propuseram mudar o nome do grupo para Somos, em homenagem à publicação de vida curta editada pela Frente de Liberação Homossexual Argentina, que veio a público em Buenos Aires em 1971 e desapareceu em 1976, na longa noite da ditadura militar daquele país. Outros queriam um nome que expressasse claramente a proposta da organização, e sugeriram Grupo de Afirmação Homossexual. Os nomes incluindo a palavra "gay" eram vigorosamente rejeitados, pois, diziam os participantes, isso seria uma imitação do movimento norte-americano" (2002:432). Mas havia um consenso: um movimento brasileiro autêntico e único precisava ser forjado. E o "empréstimo de nomes estrangeiros, argumentava-se, poderia comprometer essa intenção"(Green, 2001:432). Os anos 80 seguiram uma outra direção. Nessa segunda fase do movimento brasileiro, a questão da identidade/autenticidade nacional passa a ter uma leitura diferente do radicalismo inicial da década de 70. Narra Green que "O enfadonho termo ‘homossexual’ foi substituído pela palavra ‘gay’. Não era apenas uma questão de economia literária. Para muitos, o termo ‘gay’ não carregava uma conotação pejorativa. Para outros, tinha um significado chique e internacional. Além disso, o movimento internacional tornara-se um ponto de referência no fim dos anos 80 para todas as organizações, conforme os sentimentos nacionalistas e antiimperailistas perdiam a força"( 2001:447, nota 122). Os anos 90 assistiram ao surgimento de uma nova geração de militantes gays, mais pragmáticos, dentro do movimento de defesa dos direitos dos homossexuais. E o balanço final é de Trevisan: "Assim, na última década do século XX, os grupos ativistas multiplicaram-se,significativamente, em todo o país, e passaram a atuar de forma mais direta, respondendo às tendências e necessidades diversificadas da comunidade homossexual" (2002:380). 2.2.2 As estratégias do movimento gay brasileiro: visibilidade e legitimação Como parte integrante das estratégias adotadas pelo movimento, tem-se a necessidade da visibilidade, popularmente conhecida como "sair do armário", versão tupiniquim do outing defendido pelos gays norte-americanos. Para Green: "Nos últimos anos, as coisas estão mudando, e o lema "sair do armário", insígnia do movimento internacional, já está em pleno vigor no Brasil. Mas a recente visibilidade do movimento GLS tem provocado uma reação feroz dos defensores "da moral e dos bons costumes", dos seguidores de crenças religiosas conservadoras e dos setores violentos. Recentemente, tem havido graves ameaças contra líderes do movimento homossexual brasileiro, criando um clima de insegurança dentro da comunidade em diversas regiões do país. O poder do movimento homossexual, não se deve ao surgimento de milhões de consumidores de roupas da última moda ou à influência que esse grupo pode ter em determinada eleição para prefeito. Deve-se, sim a luta em prol da plena democracia, que se realizou nas últimas três décadas. A democracia exige que a população respeite a diversidade e que o governo puna com vigor as pessoas que violam os direitos humanos. Numa reunião dirigida pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, em que se discutiram os atentados ocorridos na cidade, havia mais de 50 entidades presentes. Elas representam os mais diversos setores que também sofrem algum tipo de preconceito. Não se deve encarar a necessidade de liberar ou libertar o gay, a lésbica, o bissexual, o travesti para que ele ou ela possa consumir as últimas modas de Nova York ou Paris. Esse grupo precisa conquistar o direito a vida normal, saudável, comum. Dois homens ou duas mulheres devem poder andar de mãos dadas na rua fora da época de carnaval, sem medo de ser agredidos ou assassinados. Só assim haverá plena democracia"(2003).

As paradas gays desempenham um papel de impacto na afirmação positiva da homossexualidade: entre elas, merece destaque a Parada GLBT de São Paulo, já na sua sétima edição, onde participaram mais de oitocentos mil pessoas, tendo sido considerada o terceiro maior evento do gênero no mundo, depois de São Francisco (com um milhão de pessoas) e de Toronto (com oitocentos e cinqüenta mil participantes). A primeira Parada ocorreu em 1997, com a mobilização de duas mil pessoas; em 1999, desfilaram entre vinte e trinta mil pessoas . Em 2002, o número de participantes, na 6ª Parada do Orgulho Gay, foi para quinhentas mil pessoas e mais de quarenta e cinco mil nos eventos paralelos que ocorreram durante a semana que a antecedeu. Tamanha é a dimensão e a repercussão da Parada GLBT que ela já faz parte do calendário turístico da cidade de São Paulo. E, em 1999, fundou-se a Associação da Parada do Orgulho de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros de São Paulo - sociedade civil, voltada para organização e divulgação do evento que se propõe a ser uma via permanente de mobilização pela causa gay. Segundo a Associação, "a realização de seus eventos, promove o reconhecimento e a visibilidade das diferentes expressões da homossexualidade e celebra o orgulho de viver a diversidade. São ações de ordem política, educativa e cultural, além de lazer e entretenimento que contribuem para eliminar preconceitos, romper estereótipos e elevar a auto-estima dos que fazem parte da comunidade GLBT [...] Dessa forma, a Associação do Orgulho GLBT de São Paulo entrou no circuito internacional dos maiores realizadores de Paradas Gays do mundo, equivalendo-se às das cidades de Toronto, no Canadá; Berlim, na Alemanha; Sidney, na Austrália e Nova Iorque, nos Estados Unidos" (2003). Eventos desse gênero colaboram para o rompimento de tabus, fortificando a auto-estima dos homossexuais brasileiros, sendo uma parte importante na estratégia de visibilidade, individual e coletiva. Rompem, mesmo que temporariamente, o pacto de silêncio imposto por uma sociedade moralista como a nossa que confina seus homossexuais a transitar anônimos em submundos, embora traga à flor da pele uma sexualidade explosiva. Ainda assim essa estratégia não é unânime. Questiona-se, por exemplo, sua "importação" para a realidade brasileira que poderia construir recursos mais sutis, apartados da vitimização e do exibicionismo. As avaliações são de Lopes: "Talvez nenhum outro crítico literário, entre os mestres de nossa geração, tenha nos trazido tantas sugestões para a construção dos estudos gays no Brasil do que a obra de Silviano Santiago. [...], Silviano vai descortinar um horizonte de uma sociedade em que outras diferenças foram excluídas, como o índio e o negro, estabelecendo um diálogo fecundo entre Brasil e América hispânica, que cada vez fica mais relevante, face aos desafios do Mercosul e da hispanização dos EUA. [...] Silviano escreve [...] texto para a Latino Queer Conference, organizada pela CUNY e NYU, ‘O Homossexual Astucioso’, em que recusa a vitimização e o ‘exibicionismo público, protestante, exigido do homossexual pelos movimentos militantes norte-americanos", na busca de forma mais sutil de militância do que a política do outing. Silviano se pergunta no final: ‘Se a subversão através do anonimato corajoso das subjetividades em jogo, processo mais lento de conscientização, não adiciona melhor ao futuro diálogo entre heterossexuais e homossexuais, do que o afrontamento aberto por parte de um grupo que se auto-marginaliza, processo dado pela cultura norte-americana como mais rápido e eficiente?’ " (2003). De início marcado com dilemas de natureza política em função da luta de resistência contra a ditadura militar, paulatinamente, com a própria evolução da democracia no Brasil, o movimento foi adquirindo autonomia e identidade próprias , e, à medida que os debates eram travados em seu seio, outras concepções a respeito da homossexualidade, distintas da patologia e da criminologia se consolidavam. Como resultado dos debates e discussões em torno das questões relacionadas à homossexualidade, Green enuncia que: "[...]iniciadas em grande parte pelos ativistas dos direitos de gays e lésbicas, psiquiatras, sexólogos e acadêmicos começaram a publicar um material mais favorável sobre as relações homoeróticas na imprensa e nas revistas especializadas. Em vez de se apoiar nos escritos médico-legais das décadas de 1930 e 1940, esses autores em geral apresentavam a idéia de que a homossexualidade era apenas um entre muitos diferentes comportamentos sexuais possíveis, e não uma patologia" (2001:433). Firma-se, portanto, a representação da homossexualidade como "legal". Aqui, faz-se um trocadilho com a expressão. Legal, porque permitido em lei; e legal porque é uma forma de exercício da sexualidade tão válida quanto a heterossexualidade. Essa nova concepção, porém, é marcada por um elemento de transitoriedade, reforçado por uma situação de risco que evidencia que a assimilação, mediante a via dos direitos, sem uma efetiva compreensão de que não há "normalidade" na sexualidade humana, condena o ser humano a permanecer excluído. Para Trevisan: "Nesse contexto, já vimos como ocorreram grandes conquistas de direitos homossexuais, inclusive na esteira da Aids. Mas será que os homossexuais conquistaram o paraíso? Se a grande viagem pelo território do desejo não entrou num beco sem saída, como os fatalistas da Aids vaticinam, também não me parece que os homossexuais encontraram o paraíso. A menos que se considere como objetivo último da experiência humana ir à academia de ginástica, passar madrugadas nos clubes, triplicar suas trepadas e, por que não?, promover encontros nacionais com mais verbas do governo. Pensando em termos de balanço final, o que de fato se ganhou? Provavelmente os homossexuais estão mais próximos da integração à sociedade, podendo imitar seus padrões, inclusive de casamento. Mas como se trata de uma sociedade injusta por base, a liberdade conquistada é falsa: está sempre vigiada, em clima de permissividade controlada. Quando a polícia quiser, pode extorquir homossexuais nos cinemas de pegação ou invadir saunas gueis, por exemplo. O gueto homossexual geograficamente ampliado representa, a meu ver, um ganho de direitos bastante discutível. Ainda que seja um espaço conquistado para a livre manifestação de comportamentos socialmente desviantes do padrão, o gueto na verdade não deixa de ser ‘lugar de bicha e lésbica’, com tudo o que implica de compartimentalização e isolamento" (2002:470-471). Por outro lado, o desafio do movimento gay também é se legitimar perante outros movimentos de minorias. A radiografia é de Mott: "Durante décadas seguidas, intelectuais e políticos de esquerda relegaram ao status de "luta menor" os estudos e militância em favor dos direitos humanos das minorias sexuais. Sob o pretexto de que primeiro se devia derrubar o capitalismo e garantir o pão e trabalho às classes subalternas, transferia-se para um futuro remoto discutir e lutar pelos direitos sexuais e de gênero. Gays e lésbicas foram taxados de agentes da burguesia, e o homoerotismo como sintoma da decadência capitalista. Líderes negros e indígenas, dando as costas às evidências etno-históricas que comprovam a presença da homossexualidade na maior parte das sociedades tribais, acusaram o amor unissexual de ser vício colonialista . A duras penas os partidos de esquerda aceitaram conviver com militantes homossexuais assumidos e incluir em seus estatutos e agenda política, a defesa da cidadania plena dos gays, lésbicas e transgêneros, do mesmo modo com costumam defender os direitos humanos dos negros, índios e demais minorias sociais. O recente infeliz comentário de Lula ridicularizando Pelotas como "pólo exportador de viados" reflete a homofobia generalizada de nossos políticos, inclusive os de esquerda. Obviamente que a luta racial, pela igualdade de gênero e de orientação sexual é tão revolucionária e primordial quanto a luta do proletariado, posto que direitos humanos e cidadania não podem ser limitados apenas a certos grupos e a seus projetos particulares, mas a todos os segmentos que formam a sociedade, e que sofrem e são discriminados exatamente por ostentarem tais peculiaridades raciais, étnicas, sexuais, etc"(2003e). Por outro lado, o risco do reducionismo do movimento que se articula em torno do homossexual masculino branco não é ignorada, havendo questionamentos nesse sentido, inclusive, na esfera acadêmica. Diz Lima: "Do mesmo modo, constatamos que na academia brasileira não existe um humanismo devidamente legítimo. Isto porque o consenso humanista nesta academia, em torno do que é justo, correto e atraente, segue a orientação do pensamento de um masculino heterossexual branco. Este pensamento nega a presença negra para assimilar o indivíduo "mestiço" protegido pelo sistema e, uma vez cooptado, repositor de desigualdades e mediações que não estão nos genes, ao contrário, são inferências político-ideológicas. Enfim, no meio gay brasileiro, não há, a rigor, "come in" (onde entrar como tal aquele(a) que saiu do armário?) para o negro ou a negra gay que faz o "come out". E, ao meu ver, isto é uma questão que o meio gay precisa enfrentar. Numa sociedade, como é a brasileira, tão hierarquizada, resistente à multiplicação de vozes sociais, à distribuição de poder, o meio gay é uma

ponta importante para a crítica ao heterocentrismo do macho e desnaturalização de certezas sobre o que é puro e impuro, de certezas que orientam a opressão não apenas de gays, mas de outras categorias sociais como mulheres, indígenas e, é claro, negros" (2003). Exsurge a importância do movimento gay: sua potencialidade de questionar o estabelecido, o padrão, a "normalidade" que acaba por aprisionar e rechaçar as múltiplas possibilidades da existência humana, isolando o "desviante", marginalizando-o; e sua dimensão libertária que concorre para a construção de uma representação social da homossexualidade que privilegia a autonomia e a diversidade. Nesse sentido, Mott aponta o caráter "maldito" das relações homossexuais: "De fato, a cópula anal de um lado e o homoerotismo do outro, embora não sejam sinônimos nem mantenham dependência funcional, tais condutas heréticas abalam os próprios fundamentos constitutivos da sociedade baseada na chamada "família biológica", ao propor a utopia da liberdade sexual, ao questionar a naturalidade do antagonismo dos sexos, ao negar a superioridade do macho vis-à-vis a fêmea, ao defender como via alternativa o terceiro sexo, a androginia, à unissexualidade e quantas outras vivências do papel de gênero e orientações sexuais a polimorfa e perversa imaginação humana tiver condição de criar" (Mott, 2003 e) Assim, ainda Mott: "A homossexualidade carrega na sua própria essência aspectos explosivos, representando uma verdadeira revolução dos costumes, na medida em que questiona, ameaça e pode destruir os mesmos alicerces em que se escoram a moral e a sexualidade na cultura tradicional do Ocidente. Uma revolução positiva, convém não se esquecer, pois nos obriga a repensar diversos axiomas fundantes de nossa cultura hodierna, que de forma irrefletida e perversa persistem em nossa ideologia e modus vivendi, fazendo da terra, e de nosso Brasil, não um paraíso terreal, mas um vale de lágrimas, e da sexualidade e das relações de gênero, a fonte de tanta violência, tragédia e morte" (2003a) 2.2.3 Estudos Gays e Lésbicos? Indaga-se sobre a possibilidade da caracterização, no Brasil, de uma área do conhecimento humano, dedicada ao tema da homossexualidade, marcada por uma pluralidade de abordagens e que se organiza sob a denominação "Estudos Gays e Lésbicos". Segundo Maciel: "Os ‘‘estudos gays e lésbicos’’ chegaram ao Brasil via Estados Unidos como um dos focos de interesse dos Estudos Culturais, disciplina preocupada em levar para o meio acadêmico objetos que não se encaixavam nas disciplinas tradicionais, como questões de identidade, raça, sexo e etnia. Os ‘‘estudos gays e lésbicos’’ vão além. Querem discutir todas essas questões levando em conta a homocultura. A produção de trabalhos acadêmicos é intensa, mas falta crédito por parte da instituição" (2002). Inclusive, há um esforço teórico facilmente perceptível . Por exemplo, Green (2001) apresenta um elenco fecundo de obras (colecionando artigos acadêmicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado) que estudaram a homossexualidade sob uma luz positiva e que se poderiam inserir nessa temática dos Estudos Gays e Lésbicos. Por outro lado, vários autores já reconhecem e registram a produção de literatura voltada para esses estudos. Lugarinho indica: "O desenvolvimento dos estudos gays e lésbicos, no Brasil, é fato recente. Deu-se através da interação de pesquisadores de diversas regiões que aspiravam, sobretudo, ao fim do isolamento acadêmico. Sem dúvida, apesar de suas atividades colocarem em funcionamento, em muitos casos, o circuito da homofobia nos círculos universitários, uma crescente produção investigativa vem tomando vulto" (2003:11). Mott consigna: "Nestas quase duas décadas de afirmação homossexual, mais de uma dezena de intelectuais gays publicaram artigos e livros tendo a homossexualidade como tema - ensaios literários, pesquisas e estudos sobre diferentes aspectos da subcultura gay no Brasil. Mais da metade destes autores ostentam em comum, além da orientação homossexual, a particularidade de terem algum tempo de suas vidas militado no MHB - o Movimento Homossexual Brasileiro - ou participado de jornais e revistas de afirmação homossexual. Entre estes autores, destacam-se: Adão Costa, Agnaldo Silva, Antônio Chrisóstomo, Darci Penteado, Edward MacRae, Francisco Bittencourt, Gasparino da Matta, Glauco Mattoso, Hélio Silva, Herbert Daniel, Jean Claude Bernadet, João Antônio Mascarenhas, João Silvério Trevisan, Luiz Mott, Nestor Perlongher, Richard Parker" (2003c) E para Lopes, se ainda não se pode atribuir, à produção, a mesma estatura que ostentam os Estudos Gays e Lésbicos no exterior, não se pode negar a relevância do que já foi, em nossas terras, feito. "No caso brasileiro, se não podemos falar de um campo ainda, também não podemos proceder como se nada houvesse sido feito. Se a base para a emergência dos estudos gays e lésbicos, em última instância, remete a constituição do que Foucault chamou de sexo rei na segunda metade do século 19 e da necessidade de se demarcar entre uma heterossexualidade e de uma homossexualidade, como nos lembra Jonathan Katz no seu livro ‘A Invenção da Heterossexualidade’, é de vital importância os trabalhos que foram feitos pela história, antropologia e psicanálise brasileiras e brazilianistas, no sentido de conhecer melhor a sexualidade brasileira, como os trabalhos de Peter Fry, Edward MacRae, Néstor Perlongher, Luiz Mott, Maria Luiza Heilborn, Richard Parker, Jurandir Freire Costa, Carlos Alberto Messeder Pereira, James Green, Tânia Swain, entre outros". (Lopes, 2003). Assim, pari passu à militância política, constata-se um esforço de produção acadêmica, sob a rubrica de Estudos Gays e Lésbicos, problematizando a questão da homossexualidade que busca firmar-se como área de conhecimento humano, apesar das dificuldades encontradas. Tanto que Maciel denuncia: "A expressão ‘‘estudos gays e lésbicos’’ está longe de se tornar disciplina que dê nome a departamentos nas universidades brasileiras. É área de estudo recente e sofre, sim, de preconceito e descrédito, embora atraia pesquisadores de praticamente todas as áreas das ciências humanas" (2002). Por fim, centrando o foco de análise em uma minoria - que, in casu, apenas recentemente, passou a gerar suas próprias imagens e linguagem (como dito acima, sua própria cosmologia) que atingem o grande público - revela-se o modo pelo qual as escolhas de representação social condicionam as múltiplas possibilidades de identidade individual, de identidade de grupo e de visão emancipatória. Essas escolhas, ao mesmo tempo, ajudam a compreender o processo de articulação do em suas lutas, derrotas e triunfos/. Neste capítulo, registrou-se a trajetória do movimento gay com seus questionamentos e nuances. Foram apresentados os dois modelos centrais do movimento: o modelo emancipatório que contextua a heterossexualidade como referência normativa; e o modelo assimilacionista que centra seus esforços na luta por direitos. Tratou-se ainda da noção de homossexualidade como minoria sexual e a questão das políticas identitárias e do reconhecimento do outro, como elementos integrantes do projeto de mundo do multiculturalismo. Nem pecado, nem doença, para o movimento gay, a homossexualidade é concebida, em termos gerais, de dois modos: numa visão mais libertária, como uma construção social; numa concepção mais afeita ao discurso dos direitos, como um critério neutro de diferenciação - já que a orientação sexual é irrelevante para o estabelecimento de tratamentos diferenciados, e, portanto, ineficiente para a justificação das desigualdade existentes. Abordou-se, ainda, a noção de Gay and Lesbian Studies e da proposta queer. Também algumas considerações sobre o movimento gay brasileiro foram formuladas para evidenciar sua inserção e participação na realidade nacional e na construção de uma representação positiva da homossexualidade. Por fim, de forma breve, indagou-se sobre a possibilidade da caracterização dos Estudos Gays e Lésbicos no Brasil.

É a partir dessas leituras que as demandas dos homossexuais floresceram e traduzem-se num discurso de direitos, como a seguir se verá. Investiga-se esse discurso baseado em direitos e suas repercussões para a ordem jurídica, impondo-se a identificação das demandas que lhe dão conteúdo e que atestam uma pluralidade de pleitos, sinalizando para a necessidade imperiosa de uma ordem jurídica sensível à proteção e reconhecimento dessa diversidade de direitos. "A liberdade em divergir não está limitada às coisas que não têm muita importância. Isto seria uma mera sombra de liberdade. O teste de sua substância/importância se dá através do direito de divergir em coisas que atingem o coração da ordem existente." Harry Blackmun, Juiz da Suprema Corte, em seu voto divergente à decisão no caso Bowers v. Hardwick "[...] o poder da identidade se reveste de mágica quando tocado pelo poder do amor." Manuel Castel52

52 "Freedom to differ is not limited to things that do not matter much. That would be a mere shadow of freedom. The test of its substance is the right to differ as to things that touch the heart of the existing order." Supreme Court Justice Harry Blackmun, from his dissent to Bowers v. Hardwick

3 A homossexualidade no universo jurídico - um mosaico de direitos 3.1 Pressupostos teóricos e metodológicos para a construção do mosaico de direitos dos homossexuais. 3.2 Um mosaico de direitos: uma viagem ao redor do mundo. 3.2.1 A licitude formal da atividade sexual. i) países que adotam uma postura neutra em relação à licitude da prática de condutas homossexuais; ii) países em que a conduta homossexual masculina e feminina são atos ilícitos, punidos com pena de prisão e/ou pecuniária; iii) países em que apenas a conduta homossexual masculina é ilícita; iv) países em que condutas homossexuais se encontram sujeitas à pena de morte; v)problemática da maioridade sexual. 3.2.2 O cerceamento da liberdade de associação e de expressão (censura). i) restrições ao direito de associação; ii) restrições à liberdade de expressão; iii) a proteção à liberdade. 3.2.3 A legislação anti-discriminação e anti-difamatória. 3.2.4 O emprego.i) legislação protetiva ao emprego (vedação de discriminação por razão de orientação sexual); ii) a problemática do acesso às Forças Armadas; 3.2.5 O reconhecimento civil das relações homossexuais.3.2.6 A maternidade e paternidade. i) adoção; ii) pátrio poder; iii) inseminação; 3.2.7 O asilo. 3.2.8 Os direitos dos transexuais. 3.2.9 A violência urbana, "limpeza social" e violência policial. 3.2.10 As questões envolvendo os direitos humanos dos portadores de HIV/AIDS. i)tratamento pró-direitos humanos; ii) tratamento agressor aos direitos humanos. 3.3 Algumas conclusões sobre a proteção jurídica dos homossexuais a partir do mosaico de direitos proposto Estabelecidas as leituras da homossexualidade a partir do movimento gay, deve-se dar concretude ao discurso de proteção de direitos humanos, como resultado de um movimento social, identificando suas múltiplas demandas a partir da narrativa das diferentes experiências (legislativa, judicial ou mesmo fática) registradas, hoje, no mundo contemporâneo, referentes à temática da homossexualidade. Nesse diapasão, o movimento gay, ao pleitear o reconhecimento de direitos e até mesmo a emancipação sexual, em último estágio, questiona de forma contundente as próprias bases nas quais se travam as relações sociais, a forma de auto-compreensão do ser humano e a própria dinâmica das relações de poder que permeiam as diversas esferas da sociedade, levando em conta relações morais, religiosas, familiares, afetivas, sexuais, culturais, políticas, de classe e civis, em suas formas de concepção mais amplas, sempre marcadas por traços de dominação e de opressão. São desafios a serem enfrentados, entre os quais chamam a atenção os questionamentos sobre os estereótipos de gêneros; a visão estreita sobre os papéis que homem e mulher devem desempenhar na sociedade; o quanto de liberdade cada indivíduo pode usufruir em relação a seu próprio corpo; a (re)significação do afeto e do desejo; as distintas maneiras de buscar a realização pessoal. Esses questionamentos e desafios fatalmente se desdobram no universo jurídico, projetando-se na ordem jurídica, que - através de suas dinâmicas e discurso próprios - busca rechaçá-los ou lhes dar abrigo. É essa projeção que interessa no momento. É sobre ela que o Capítulo se debruça, buscando evidenciar seus diferentes matizes que são apresentados como um mosaico de direitos. Pretende-se, portanto, revelar a forma de tratamento da homossexualidade pelas ordens jurídicas nos tempos atuais. 3.1 Pressupostos teóricos e metodológicos para a construção do mosaico de direitos dos homossexuais O tratamento dado à homossexualidade e a leitura que se adota do universo jurídico - e a partir da qual se constrói a presente análise - é o discurso dos direitos humanos/; em outras palavras, é a ótica dos direitos humanos que vai nortear a descoberta dos desdobramentos da homossexualidade para o Direito. Neste ponto, dois elementos devem ser esclarecidos: primeiro o que se entende por direitos humanos e segundo o que se entende por discurso de direitos humanos. Considera-se, para fins desta tese, que os direitos humanos sejam faculdades ou prerrogativas que asseguram ao indivíduo ou a grupos de indivíduos a proteção, perante o Estado, a sociedade e seus membros, de certos valores, tidos como essenciais para a proteção do próprio indivíduo ou do grupo, que são distinguidos como seus titulares, tendo por referência axiológica a dignidade humana. Neste sentido, os direitos humanos surgem como resposta a necessidades concretas que são reclamadas por determinadas correntes do pensamento político, e, portanto, elementos de luta política. Mais especificamente, para Dijk, "na realidade, o aspecto de direitos humanos da homossexualidade é transportado para o tema do reconhecimento do direito à auto-determinação dos homossexuais: o direito à expressão e à prática de sua orientação sexual, bem como ter a homossexualidade legal e socialmente reconhecida como uma forma de viver de igual legitimidade e valor" (1993:183). 53 Considera-se que as demandas impostas pelo movimento homossexual, como abordado anteriormente, caracterizam-se quer como direitos humanos imediatos ou diretos (como, por exemplo, a problemática da liberdade de expressão), quer como direitos que instrumentalizam os direitos humanos (seria a hipótese de um direito decorrente, derivado de um direito humano, propriamente dito. Por exemplo, há o reconhecimento civil das relações homossexuais e a possibilidade de gozo de regime tributário inerente ao regime das relações heterossexuais, quer como casamento, quer como união de fato - o segundo direito decorre do primeiro. Ao se falar em discurso dos direitos humanos, adota-se a função diretiva ou normativa do uso da linguagem dos direitos, como forma de oposição ao uso semântico da mesma, isto é, ao se dar normatividade aos direitos humanos, impõe-se a concretização de uma dimensão de eficácia que se traduz, basicamente, na proteção e no gozo dos direitos, como elementos condicionadores e

53

"the human-rights aspect of homosexuality in reality comes down to the issue of the recognition of the right to self-determination of homosexuals: the right to express and practice their sexual orientation and have homosexuality legally and socially recognized as a way of life of equal legitimacy and value" (1993:183).

transformadores da realidade jurídica, política e moral. Desta forma, pretende-se afastar os perigos da instrumentalização ideológica dos direitos. E, a adoção do discurso dos direitos humanos se justifica. Em primeiro lugar, partindo-se da concepção de que a dogmática jurídica, desdobrada na própria ordem jurídica, pode ser um veículo de perpetração da dominação simbólica, imposta por uma sociedade heterossexista, o discurso dos direitos pode colocarse como um instrumento de denúncia e de resistência a essa dominação, possibilitando uma análise crítica das estruturas e das dinâmicas que animam o universo jurídico e suas relações de poder. Em segundo lugar, é a leitura da ordem jurídica, que a partir do reconhecimento de direitos, permite a caracterização de injustiças estruturais evidenciadas na redução da esfera de proteção individual e social das pessoas, com o encolhimento da cidadania, mediante a atribuição de um status depreciador, que desumaniza os sujeitos. Em terceiro lugar, os direitos humanos têm sido compreendidos como núcleo referenciador do Estado Democrático de Direito e, como tal, constituem o parâmetro de legitimidade da ordem jurídica e democrática , requisito de proteção do indivíduo e de garantia da própria ordem democrática. Além do fato de que uma abordagem centrada em direitos pode contribuir para a clarificação de pontos importantes, no que toca ao debate atual sobre a concepção de justiça que deve prevalecer, em sociedades plurais, nas quais se questiona a possibilidade de se chegar ao consenso moral sobre os valores que devem prevalecer no grupo. Como já consignado, busca-se visualizar, de forma panorâmica, a projeção das questões homossexuais que se plasmam na ordem jurídica e na esfera individual e coletiva das pessoas. Essa projeção panorâmica é um convite a uma viagem que trilha os caminhos abertos pela identificação dos direitos decorrentes da condição homossexual - que se apresentam multifacetados e repercutem nas diferentes dimensões da vida humana. Constrói-se, assim, um mosaico de direitos que aponta para a necessidade de proteção/reconhecimento de direitos pela ordem jurídica. Com a leitura dos direitos, privilegia-se, no que tange às concepções do movimento homossexual, o modelo reformista ou assimilacionista, sem contudo desprezar-se a questão da liberação sexual. Os direitos dos gays, numa perspectiva relacionada diretamente aos direitos humanos, apresentam um rol expressivo de pretensões que desembocam numa necessidade por reconhecimento enquanto sujeito; para qualquer pessoa, independentemente de sua orientação sexual, sua auto-compreensão e sua compreensão do mundo estão contingenciadas por esse processo de reconhecimento. E mesmo que o reconhecimento de direitos não seja garantia de liberação sexual, mas tão somente permissividade social controlada, é o discurso dos direitos que fixa as bases mínimas fundantes para a emancipação. Alerta Lopes: "Defender gays e lésbicas distingue-se da defesa dos direitos civis puros e simples, pois não se trata apenas de defender a autonomia e a privacidade: trata-se, claro está, também disto, mas vai além. Distingue-se também da defesa dos direitos sociais tradicionais, como direitos de redistribuição de renda, riqueza e acesso a bens coletivos. Como diz Nancy Fraser (1997), nem os direitos sociais (cuja origem é a luta de classes), nem os direitos políticos (cuja origem são as diferenças sociais estamentais) bastam para analisar o que se passa no âmbito dos direitos dos gays, pois aqui se está diante de direitos ao reconhecimento. Esse reconhecimento exige remédios jurídicos novos. Continuam a importar os fundamentos da democracia moderna, como a liberdade e a igualdade universais. Mas o modo pelo qual esses fundamentos ou ideais se apresentam é específico" ( apud Rios, 2001). Trata-se de assegurar a categoria da Justiça Sexual que se alicerça em três vertentes primárias de demandas: a) descriminalização de atividades homossexuais e consensuais entre adultos ; b) proibição de discriminação contra lésbicas e gays nas relações de trabalho, habitacionais (públicas ou privadas) e educacionais; c) reconhecimento legal e social do status ético dos relacionamentos lésbicos e gay e da legitimidade de suas instituições enquanto comunidade. Esses três elementos da Justiça Sexual desdobram-se em um discurso sobre os direitos dos homossexuais que se corporifica mediante a identificação de demandas diversas que, a partir da narrativa das diferentes experiências enfrentadas pelos gays, evidenciam a importância, para uma pluralidade de direitos, da existência de tutela estatal protecionista efetiva. Por outro lado, num contexto de políticas identitárias, a categoria de Justiça é renovada, exigindo um tratamento diferenciado para os grupos minoritários, como forma de assegurar suas especificidades e suas diferenças. Caracterizada a homossexualidade, como minoria sexual, conforme abordado previamente, é de se esperar que a ordem jurídica, atenta às reivindicações do movimento sexual e sensível às suas diferenças, esteja aberta a essa necessidade de tratamento diferenciado, como forma de concretização de Justiça. Para Dallmayr, "[...] uma política de diferença envolve o compromisso com a justiça e com a regra da lei, combinados com o firme reconhecimento e a promoção da diversidade de grupo e de formas de vida cultural. Como ela destaca, os princípios do Iluminismo liberal preservados na Constituição norte-americana objetivam o tratamento legal da igualdade bem como a emancipação política e humana, construídas como uma forma de êxodo às lealdades provincianas de grupo. Sob os auspícios liberais, a Justiça significa o foco nos direitos aplicáveis "igualmente a todos" ao mesmo tempo em que as diferenças entre os grupos são reduzidas a "uma questão puramente acidental e privada." O Liberalismo, da forma como foi erigido - ela admite/reconhece - tem sido "enormemente importante" na história da política moderna, não apenas por fornecer armas para a "batalha contra a exclusão e a diferenciação de status" mas, também, por tornar possível 'a afirmação do igual valor a todas as pessoas', ainda que as últimas décadas tenham trazido ao "front" o inconveniente deste programa liberal por mostrar os aspectos opressivos de um universalismo homogeneizador. No relato de Young, através da construção da liberação como a "transcendência" ou "eliminação da diferença de grupo", o liberalismo adere a uma concepção de justiça que implicitamente adota um "ideal de assimilação", ou seja, uma visão "melting-pot" de integração social. De uma estratégia como política de diferença, por contraste, o reconhecimento do igual valor "às vezes requer tratamentos diferentes para grupos oprimidos ou em desvantagem" (1996:283).54

54 "[…] a politics of difference involves a commitment to justice and the rule of law coupled with a firm recognition and promotion of cultural life forms and group diversity. As she points out, liberal Enlightenment principles-enshrined in the American constitution - aim at equal legal treatment and at human and political emancipation construed as an exodus from parochial group loyalties. Under liberal auspices, justice means a focus on rights applicable "equally to all" while group differences are reduced to "a purely accidental and private matter." Liberalism thus construed, she concedes, has been "enormously important" in the history of modem politics by providing weapons in the "struggle against exclusion and status differentiation" and by making possible "the assertion of equal worth of all persons." Yet recent decades have brought to the fore the downside of this liberal program by showing the oppressive aspects of a homogenizing universalism. In Young´s account, by construing liberation as the "transcendence" or "elimination of group difference," liberalism subscribes to a conception of justice that implicitly embraces an "ideal of assimilation," that is, a melting-pot vision of social integration. From the vantage of a politics of difference, by contrast, recognition of equal worth "sometimes requires different treatment for oppressed or disadvantaged groups" (1996:283).

A Justiça Sexual instrumentaliza-se num campo protetivo que se constrói na fusão entre normas em abstrato e normas em concreto: quer pela adoção de legislação (no sentido de norma jurídica em abstrato) que revela a estrutura normativo-legal que disciplina a questão, quer por decisões judiciais que enfrentam a problemática; sendo certo que, muitas vezes, a efetividade da proteção oferecida está diretamente relacionada à harmonia e à concorrência dessas duas instâncias que são pilares do universo jurídico. Quanto à tutela legal, ela pode se dar nos mais diferentes graus hierárquicos de normas (de norma constitucionais a atos normativos oriundos do Poder Executivo, em diversos níveis de governo, a partir da estrutura de Estado adotada pelo país), seja em diplomas legais extravagantes, como algumas leis editadas especificamente para reger a questão em comento, seja em dispositivos integrantes de um corpo legal sistematizado, como, por exemplo, um código. O escopo de proteção outorgado vai variar também em função da finalidade que se almeja alcançar com a edição da normatividade, definindo-se, num plano político, a qualidade da cidadania entregue aos homossexuais. Assim, dentre a variedade de dispositivos normativos vigentes em todo o globo terrestre, selecionaram-se os que melhor ilustram o mosaico de direitos que, neste capítulo, se pretende desenhar. Já na abordagem jurisprudencial, verifica-se que as pretensões deduzidas perante o Judiciário são as mais diversas possíveis. O rol de direitos apresentados é tão multifacetado, quanto os entendimentos adotados pelos órgãos judicantes, em diferentes graus; e evidencia, independentemente do sistema de direito adotado (Civil ou Common law), a importância da atividade jurisdicional como uma instância de reconhecimento e de legitimação desses direitos. Nesse sentido, ainda que de forma não unânime e cambiante em relação aos argumentos adotados, a via jurisdicional, em diversos países, especialmente a partir dos anos 90, tem sido a responsável pela consagração da proteção aos direitos dos homossexuais, colaborando para o reconhecimento dos mesmos enquanto sujeitos de direito, membros integrantes de um Estado Democrático de Direito. Aliás, o apanhado de decisões favoráveis à temática homossexual, que é incorporado no mosaico, ilustra a relevância da atividade jurisdicional, apontando para a necessidade de um estudo mais aprofundado sobre o papel do juiz, enquanto agente de um processo de alargamento dos direitos humanos. Das experiências verificadas no mundo contemporâneo, independentemente do país considerado e a partir de uma série de problemas constatados (jurídicos e fáticos - alguns até já mencionados acima), constrói-se, portanto, um mosaico de direitos que sinaliza a ausência de homogeneidade de situações fáticas e de tratamentos jurídicos. Constata-se a existência de ordens jurídicas mais simpáticas à questão dos homossexuais e até de ordenamentos cerrados que reproduzem a condenação moral da homossexualidade, através da tutela repressiva do Direito penal, falhando no plano da proteção aos direitos humanos e reforçando uma dominação moral heterossexista. A disposição adotada organiza-se mais em razão dos conteúdos temáticos dos direitos apontados, considerando-se, como ponto de referência sua proteção (ou sua ausência), do que por critérios geográficos ou culturais-religiosos. Alerte-se, ainda, quanto a cada um dos direitos, busca-se apresentar os registros meramente descritivos e não exaustivos das sociedades (corporificados na categoria de Estado nacional) que vivenciam a situação e/ou adotam o tratamento normativo/judicial examinado, dispostos, sempre que possível, em blocos referentes a regiões geográficas: região africana; região asiática; região do Oriente Médio; região americana; região européia e região do Pacífico, esta última engloba países da Oceania e países asiáticos banhados pelo referido oceano. Registre-se que a sistematização ora apresentada se baseia, em grande monta, em extensiva pesquisa elaborada pela ILGA, em seu ILGA World Survey Report (2003), que cataloga a experiência de países dos cinco continentes (agrupados em regiões geográficas assim consideradas: África, Ásia/Pacífico, Europa, Oriente Médio e América) quanto ao tratamento dado à problemática homossexual em suas diferentes matrizes. Esclarece-se que, nesse levantamento, os Estados Unidos da América do Norte ainda não foram incluídos, porém, na medida do possível, buscou-se suprir essa lacuna, especialmente com base nas informações catalogadas pelo SIECUS (2003). Por fim, a título de fidelidade de fontes de pesquisa, nos itens abordados em seguida, no tocante às informações compiladas, apenas serão individualizadas as fontes de referência que sejam diversas as do relatório da ILGA. Dentro do possível, mantém-se a denominação das leis citadas no original, quando disponível ou como consta das fontes consultadas. De fato, este capítulo contenta-se em apresentar, de forma meramente descritiva, os desdobramentos que a homossexualidade traz para a ordem jurídica, buscando construir esse mosaico de direitos. Para imprimir o contorno de mosaico (um todo não contínuo formado por pequenas partes que podem ser vistas separadamente ou como elementos integrantes do desenho final - que só é identificado pela percepção de todas as partes em conjunto) serão listados os direitos que integram, atualmente, o discurso da luta por direitos, ilustrado por exemplos não exaustivos de modo como ocorrem tais direitos na prática legislativa, judicial e mesmo fática dos países. O mosaico de direitos que materializa a projeção da homossexualidade no universo jurídico é proposto a partir de dez grandes grupos. São eles: 3.2.1 licitude formal da atividade sexual; 3.2.2 cerceamento da de liberdade de associação e de expressão (censura); 3.2.3 legislação anti-discriminação e anti-difamatória; 3.2.4 emprego; 3.2.5 reconhecimento civil das relações homossexuais; 3.2.6 maternidade e paternidade; 3.2.7 asilo; 3.2.8 direitos dos transexuais; 3.2.9 violência urbana, "limpeza social" e violência policial; 3.2.10 questões envolvendo os direitos humanos dos portadores de HIV/AIDS. Esses grupos são organizados, tematicamente, a partir da proteção a ser conferida aos seguintes direitos: à intimidade e à vida privada, ressaltando-se o direito à livre orientação sexual (grupo 3.2.1.); de liberdade de consciência e de liberdade de expressão (grupo 3.2.2); à honra ( grupo 3.2.3); à igualdade (grupo 3.2.3); ao trabalho (grupo 3.2.4); de constituição de família (grupo 3.2.5 e 3.2.6); à vida, à integridade física (grupo 3.2.7 e 3.2.9); de personalidade (grupo 3.2.8); à saúde (grupo 3.2.10). Observe-se aqui que se considerou como elemento preponderante para a sistematização o(s) direito(s) mais evidente(s). A construção do mosaico apresenta-se da seguinte forma: em primeiro lugar, descreve-se o direito considerado, desenhando-se seu escopo de proteção legal ou jurisdicional (ou sua falta de proteção); em seguida, colore-se a proteção do direito, apresentando-se vários exemplos concretos, de como esses direitos são protegidos (ou carecem de proteção), nos mais diversos locais do globo, arrolando-se os países e suas circunstâncias jurídicas. Ao final, evidenciando a pluralidade de tons, matizes, cores e sombras que corporificam esse mosaico, apresentam-se algumas conclusões elaboradas a partir da leitura do mosaico. Ressalte-se que as mesmas são provisórias em função do caráter de mutabilidade da ordem jurídica, no que diz respeito à possibilidade de inovações legislativas e de mudanças de orientações jurisprudenciais. A pertinência do que se apresenta encontra-se diretamente condicionada ao mosaico de direitos proposto. 3.2 Um mosaico de direitos: uma viagem ao redor do mundo 3.2.1 A licitude formal da atividade sexual Discute-se aqui o grau de permissibilidade que a ordem jurídica defere às condutas sexuais, isto é, verifica-se de que forma é disciplinado o exercício da sexualidade humana, evidenciando-se o grau de hostilidade da sociedade aos homossexuais. Na verdade, o rechaço legal a condutas homossexuais resulta no estabelecimento de uma série de leis discriminatórias que, ao punirem a homossexualidade, se articulam com outros temas relacionados à privacidade, aos bons costumes, e à prostituição, chegando-se, inclusive, ao aniquilamento do direito de livre orientação sexual. As possibilidades normativas são bastante variadas. Encontram-se desde uma neutralidade legal quanto à forma de exercício (hetero ou homossexual) até a previsão de criminalização da conduta homossexual, em especial da homossexualidade masculina, até mesmo com aplicação de pena capital. Em alguns países, por outro lado, a conduta lésbica não é expressamente proibida; mas tal fato não implica necessariamente a legalidade dessa opção. São identificadas as possibilidades, apresentadas num grau crescente de rigor da tutela penal, identificando-se os países que adotam o tratamento descrito, seguidos da reprodução do texto legal, sempre que possível.

A questão do tratamento dado à licitude da conduta homossexual passa por essa gradação: i) países que adotam uma postura neutra em relação à licitude da prática de condutas homossexuais; ii) países em que a conduta homossexual masculina e feminina são atos ilícitos, punidos com pena de prisão e/ou pecuniária; iii) países em que apenas a conduta homossexual masculina é ilícita; iv) países em que condutas homossexuais se encontram sujeitas à pena de morte; v) problemática da maioridade sexual. i) países que adotam uma postura neutra em relação à licitude da prática de condutas homossexuais; Neste caso, a maneira pela qual a sexualidade humana se manifesta não é uma questão, em princípio, prevista na lei - o que leva à adoção de uma postura neutra em relação à licitude da homossexualidade. Na região africana, tal postura é verificada na África do Sul. Neste país, em 08.05.1998, o juiz Jonathan Hiher, da Alta Corte de Joanesburgo, declarou a inconstitucionalidade dos crimes de sodomia, ofensas sexuais não naturais e seção 20-A da Lei de Ofensas Sexuais. A decisão foi confirmada pela Corte Constitucional da África do Sul em 09.10.1998, sob o fundamento de que as leis que criminalizam as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo afetam a dignidade, a personalidade e a identidade dos homossexuais, rompem com os direitos à privacidade e à igualdade e ensejam outros tipos de discriminação. A Corte Constitucional declarou ainda: qualquer pessoa que for acusada, condenada ou sofrer prejuízo porque praticou consensualmente relações sexuais com pessoas do mesmo sexo, com fundamento em qualquer uma das leis declaradas inconstitucionais, tem o direito de dirigir-se a qualquer Corte Alta para a assistência apropriada. Citam-se ainda dois países da região das Américas: Brasil e Equador. No que se refere ao Brasil, ressalva-se a tipificação da pederastia nas Forças Armadas. A legislação militar, em especial o Código Penal Militar (Decreto-Lei n° 1001, de 21.10.1969), em seus art.s 235 e art. 88, II, b tipifica penalmente a conduta de pederastia, vedando-lhe, inclusive, o benefício da suspensão condicional da pena,o que significa restrições de direitos processuais. Há inúmeros julgados proferidos pela Justiça Militar que evidenciam que os referidos dispositivos têm sido regularmente aplicados. Verifiquem-se as recentes decisões colacionadas a título ilustrativo. Em 1994, o Superior Tribunal Militar, em Conselho de Justificação, decidiu pela condenação de militar que "confessou ser sexualmente invertido e ter praticado atos libidinosos em área sujeita a administração militar". O julgamento, com base no Conselho de Justificação, cinge-se ao comportamento ético e moral do acusado, sendo o militar culpado das acusações e incapaz de permanecer na ativa e na inatividade, sendo declarado indigno para o oficialato, com perda de seu posto e sua patente . Em 1997, o mesmo órgão, em decisão unânime, condenou um Oficial pela prática de atos de pederastia e de libidinagem com subordinados, declarando sua indignidade para o oficialato e determinando a perda de seu posto e patente. Entendeu o Tribunal que o crime é infamante, atingindo diretamente a honra do oficial. A conduta do Oficial impõe uma reputação negativa no seio da Instituição, de repercussão nociva à hierarquia e à disciplina militar. O comportamento do justificante fere a ética, o dever militar e o decoro da classe. No Equador, em novembro de 1997, a Corte Constitucional afastou a lei que criminalizava a relação sexual com consentimento entre homens adultos do mesmo sexo. A Corte decidiu, por unanimidade, que a parte 1, do art. 516 do Código Penal é inconstitucional. Esta parte dispunha que as relações homossexuais, entre adultos com consentimento, podia ser punida com quatro a oito anos de prisão. No julgamento, ressaltou-se que a lei não era mais utilizada para criminalizar, porém fomentava o ódio, a discriminação e a perseguição a gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros no país. ii) países em que a conduta homossexual masculina e feminina são atos ilícitos, punidos com pena de prisão e/ou pecuniária As relações homossexuais - masculinas ou femininas - são diretamente objeto da tutela repressiva do Estado, punidas com a perda da liberdade e a aplicação de multas. Um dos exemplos mais emblemáticos se passa nos Estados Unidos da América do Norte, onde diversos estados da federação mantêm, em sua legislação, o crime de sodomia, ainda que pouco aplicado. Como registra The Associated Press, citada pela CNN (2003), até o início dos anos 60, todos os estados dispunham de legislação anti-sodomita. Em trinta e sete estados, as leis foram revogadas ou afastadas por decisão judicial. Todavia, em quatorze estados, a disciplina permanece em vigor. Desses, quatro - Texas, Kansas, Oklahoma e Missouri - proíbem sexo oral e anal apenas entre pessoas do mesmo sexo. Os dez restantes punem a sodomia consensual para todas as pessoas, a despeito de sua orientação sexual. Os estados são: Alabama, Florida, Idaho, Louisiana, Mississippi, North Carolina, South Carolina, Utah, Virginia e Michigan . Tal situação, entretanto, não prevalecerá, pois recentemente, 26 de junho de 2003, em decisão histórica, a Suprema Corte, no caso Lawrence v. Texas, case no. 02-0102 9, invalidou a lei antisodomita que vigia no Texas, sob o argumento de violação ao direito de privacidade. Para Justice o juiz Anthony Kennedy, relator do caso "Os peticionários são titulares do direito ao respeito por suas vidas privadas [...] O Estado não pode rebaixar as suas existências, ou controlar os seus destinos, ao tornar crime a conduta sexual privada de suas vidas" 55 Aguarda-se, por força do precedente vinculante, que tal decisão venha a invalidar a legislação similar que ainda persiste em tipificar a sodomia. Outros países também podem ser listados. A seguir, apresenta-se um apanhado das legislações aplicáveis ao crime de condutas homossexuais, bem como das penas aplicadas. Na região da África, verifica-se a tipificação das condutas homossexuais, nos seguintes países, seguidos da legislação punitiva: Na Argélia, Código Penal, art. 338: "Qualquer pessoa culpada de/por um ato homossexual será punido com a prisão por um prazo entre dois meses e dois anos, além de uma multa entre 500 e 2.000 dinares argelinos. Se um dos participantes for menor de 18 anos, a punição para o outro,(mais velho), poderá ser elevada a até 3 anos de prisão, além de uma multa de 10.000 dinares." 56 Em Benin , Código Penal , art. 88: "Será punido com pena de prisão entre 1 e três anos e uma multa de 100.000 a 500.000 francos qualquer pessoa que cometer um ato indecente, ou um ato contra a natureza, com um indivíduo de seu mesmo sexo." 57 Na Guinea Conakry, Código Penal , Article. 325"Todo ato impudico ou ato contra a natureza, cometido com outro indivíduo de seu mesmo sexo, será punido com a prisão por um período entre 6 meses e 3 anos e ao pagamento de uma multa entre 100.000 e 1.000.000 de francos guineenses. Caso este ato tenha sido cometido com um menor de 21 anos, a pena máxima será (sempre) pronunciada. Se este ato houver sido cometido, ou tentado, com o emprego de violência, o culpado sofrerá uma pena criminal de reclusão variável entre 5 e 10 anos. Artigo 326 Constitui ultraje público ao pudor todo ato intencional realizado em público e suscetível de ofender ao pudor e ao sentimento moral das pessoas que, involuntariamente, acabem por testemunhá-lo. Artigo 327 - Toda pessoa que tenha cometido um (ato de) ultraje público ao pudor será punido com a prisão por um período entre 3 meses e 2 anos, bem como receberá uma multa entre 50.000 e 450.000 francos guineenses, ou apenas uma destas penalidades. Caso o ultraje tenha sido cometido por um grupo de indivíduos, será pronunciado o dobro das penas previstas na primeira alínea do presente artigo". 58

55 "The petitioners are entitled to respect for their private lives […] The state cannot demean their existence or control their destiny by making their private sexual conduct a crime". 56 "Anyone guilty of a homosexual act is punishable with imprisonment of between 2 months and two years, and with a fine of 500 to 2000 Algerian Dinars. If one of the participants is below 18 years old, the punishment for the older person can be raised to 3 years' imprisonment and a fine of 10,000 dinars". 57 "Will be punished with 1 to 3 years prison and a fine of 100,000 to 500,000 francs anyone who commits an indecent act or an act against nature with an individual of the same sex". 58 : «Tout acte impudique ou contre nature commis avec un individu de son sexe sera puni d’un emprisonnement de 6 mois à 3 ans et d’une amende de 100.000 à 1.000.000 de Francs guinéens. Si l’acte a été commis avec un mineur de moins de 21 ans, le maximum de la peine sera toujours prononcée. Si cet acte a été consommé ou tenté avec

No Senegal, Código Penal, art. 319, parágrafo 3 (edição da Lei n° 66-16 de 12 fevereiro de 1966):. "Sem prejuízo das penas mais graves previstas nas alíneas precedentes ou nos artigos 320 e 321 do presente Código, será punido com prisão variável entre um e cinco anos e uma multa de 100.000 a 1.500.000 francos, aquele que houver cometido um ato impudico ou contra a natureza com um indivíduo de seu mesmo sexo. Caso o ato tenha sido cometido com um menor de 21 anos, a pena máxima deverá ser (sempre) pronunciada". 59 Também há punições em Burundi, Libéria, Líbia, Mauari, Mauritânia, Ilhas Maurício, Marrocos, Senegal, Sudão, Swazilandia, Togo, Tunísia, Camarões, Cabo Verde, Angola, Djibuti e Etiópia. Na região da Ásia, esta postura é observada em Bangladesh e na India, cuja legislação prescreve, em ambos os casos, o seguinte: Código Penal, art. 377. "Aquele que, voluntariamente, tiver cometido intercurso carnal contra a ordem da natureza com qualquer homem, mulher ou animal, será punido com prisão perpétua, ou com prisão sob qualquer descrição/classe por um termo que poderá se estender por até 10 anos, sendo-lhe, também, aplicável uma multa"60. Também são previstas punições em Brunei, Paquistão, lhas Salomão, Samoa Ocidental e Afeganistão. Na Europa, as condutas homossexuais (de ambos os sexos) são tipificadas apenas na República da Chechênia. Entretanto, o Reino Unido estabelece punições para outras formas de manifestação da homossexualidade, prescritas no 1967 Sexual Offences Act, como "indecência flagrante61" e "buggery" 62Entre elas pode-se citar, por exemplo, manter relações sexuais envolvendo mais de 2 pessoas ao mesmo tempo. No Oriente Médio, verificam-se punições, em Bahrain, Irã, Líbano, Oman, Qatar, Arábia Saudita, Síria, União dos Emirados Árabes e Iêmen. Nas Américas, além dos Estados Unidos, verifica-se a existência de punições em Barbados, Granada, Porto Rico, Santa Lucia, Trinidad e Tobago, destacando-se Nicarágua e Cuba. Na Nicarágua, Código Penal, art. 204: "Comete delito de sodomia todo aquele que induz, promove, dá publicidade ou pratica, de forma escandalosa, o concúbito entre pessoas do mesmo sexo. Sofrerá pena de 1 a 3 anos de prisão. Se um daqueles que praticar o ato, ainda que em regime privado, tiver poder disciplinador ou de mando sobre o outro, seja como ascendente, guardador/tutor, professor, chefe, guardião ou sob a forma de qualquer outro conceito que implique em influência da autoridade ou da direção moral, ser-lhe-á aplicável, como único responsável, a pena de sedução ilegítima." 63(nova redação do dispositivo publicado na Gaceta, Diario Oficial, no. 174 de 9 de setembro de 1992). Em Cuba, o art. 330 do Código Penal de 30 de abril de 1988 pune a manifestação pública da homossexualidade com penas de prisão entre três meses e um ano ou multa de cem a trezentas cotas por pessoa que persistir em incomodar os outros com demonstrações de afeto e carinhos homossexuais. iii) países em que apenas a conduta homossexual masculina é ilícita Listam-se aqui os Estados e suas respectivas legislações, em que apenas a homossexualidade masculina é alvo de punição. Dentre os países da região africana, destacam-se: Botswana, Código Penal, em diversos dispositivos: "164 (Delitos anti-naturais). Qualquer pessoa que: (a) tiver relação/contato carnal com outra contra a ordem da natureza; (b) tiver relação/contato carnal com um animal; ou (c) permitir a um homem ter relação/contato carnal com um homem ou uma mulher contra a ordem da natureza, será culpado de um delito e estará sujeito à pena de prisão por um termo não superior a sete anos. 165 (Atentado pelo cometimento de delitos anti-naturais) Qualquer pessoa que intentar cometer qualquer dos delitos especificados na Seção 164 será culpada de ofensa e estará sujeita à prisão por um período não superior a cinco anos". "166 (Ataque indecente a rapazes menores de 14 anos) Qualquer pessoa que, de maneira ilegal e indecente, atacar um rapaz menor de 14 anos será culpado de delito e estará sujeita à prisão por um período não superior a sete anos. 167 (Práticas indecentes entre homens) Qualquer homem que, no ambiente público ou privado, cometer qualquer ato de flagrante indecência com outro homem, ou engaje outro indivíduo masculino para com ele cometer qualquer ato de indecência flagrante ou, ainda, intentar obter de outro indivíduo masculino o encargo de tal ato para si próprio ou para qualquer outro indivíduo masculino, seja em público ou em privado, será culpado pelo cometimento de um delito". 64 Gambia, Código Criminal 1965-90, Capítulo XV, Delitos contra a Moralidade, art. 144 "Delitos anti-naturais. Qualquer pessoa que (a) tiver relação/contato carnal com qualquer pessoa de forma contrária à ordem da natureza; ou (b) tiver relação/contato carnal com um animal; ou (c) permitir a um homem ter relação/contato carnal com um homem ou uma mulher contra a ordem da natureza; será culpado de um crime e estará sujeito a prisão por um período de 14 anos."65

violence, le coupable subira la peine de la réclusion criminelle à temps de 5 à 10 ans; Article 326: - Constitue un outrage public à la pudeur tout acte intentionnel accompli publiquement et susceptible d’offenser la pudeur et le sentiment moral des personnes qui en sont les témoins involontaires Article 327: - Toute personne qui aura commis un outrage public à la pudeur sera punie d’un emprisonnement de 3 mois à 2 ans et d’une amende de 50.000 à 450.000 Francs guinéens ou de l’une de ces deux peines seulement. Lorsque l’outrage aura été commis par un groupe d’individus, il sera prononcé le double des peines prévues à l’alinéa premier du présent article ». 59 "Sans préjudice des peines plus graves prévues par les alinéas qui précèdent ou par les articles 320 et 321 de présent Code, sera puni d’un emprisonnement d’un à cinq ans et d’une amende de 100.000 à 1.500.000 frnacs, quiconque aura commis un acte impudique ou contre nature avec un individu de son sexe. Si l’acte a été commis avec un mineur de 21 ans, le maximum de la peine sera toujours prononcé" 60 : "Whoever voluntarily has carnal intercourse against the order of nature with any man, woman or animal, shall be punished with imprisonment for life, or with imprisonment of either description for a term which may be extend to ten years, and shall also be liable to fine" 61 "gross indencency" 62 ( não encontrei qualquer tradução, mas vale a info: este termo origina-se na Europa Medieval, e era empregado como um insulto para descrever rumores de práticas sexuais entre indivíduos "hereges" do mesmo sexo, residentes na região hoje conhecida como Bulgária) 63 «Comete delito de sodomia el que induzca, promueva, propagandice o practique en forma escandalosa el concúbito entre personas del mismo sexo. Sufrirá de 1 a 3 años de prisión. Cuando uno de los que lo practican, aún en privado, tuviese sobre otro el poder disciplinario o de mando, como ascendiente, quardador, maestro, jefe, guardián, o en cualquier otro concepto que implique influencia de autoridad o de dirección moral, se le aplicará la pena de seducción ilegítima, como único responsable" 64 "164 (Unnatural offences). Any person who: (a) has carnal knowledge of any person against the order of nature; (b) has carnal knowledge of an animal; or (c) permits a male person to have carnal knowledge of him or her against the order of nature, is guilty of an offence and is liable to imprisonment for a term not exceeding seven years.165 (Attempt to commit unnatural offences). Any person who attempts to commit any of the offences specified in section 164 is guilty of an offence and is liable to imprisonment for a term not exceeding five years". "166 (Indecent assault of boys under 14). Any person who unlawfully and indecently assaults a boy under the age of 14 years is guilty of an offence and is liable to imprisonment for a term not exceeding seven years. 167 (Indecent practices between males). Any male person who, whether in public or private, commits any act of gross indecency with another male person, or procures another male person to commit any act of gross indecency with him, or attempts to procure the commission of any such act by any male person with himself or with another male person, whether in public or private, is guilty of an offence". 65 Offences Against Morality, art. 144: "Unnatural offences Any person who- (a) has carnal knowledge of any person against the order of nature; or (b) has carnal knowledge of an animal; or (c) permits a male person to have carnal knowledge of him or her against the order of nature; is guilty of a felony, and is liable to imprisonment for a term of 14 years."

Nigéria, Código Penal, art. 214: ". "Qualquer pessoa que tiver relação/contato carnal com qualquer pessoa de forma contrária à ordem da natureza ou... permitir a um indivíduo masculino ter relação/contato carnal com um homem ou uma mulher contra a ordem da natureza, será culpado de crime e estará sujeita à prisão por um período de 14 anos".66 Há também punições previstas em Gana, Quênia, Moçambique, Namíbia, Seychelles, Serra Leoa, Somália, Tanzânia, Uganda, Zâmbia e Zimbabwe. Na região da Ásia/Pacífico este tipo de tratamento é observado em Butão, Birmânia/Myanmar, Ilhas Cook, Ilhas Fidji, Kiribati, Malásia, Maldives, Ilhas Marshall, Nauru, Nepal, Niue, Papua Nova Guiné, Sri Lanka, Tadjiquistão, Tokelau, Tonga, Tuvalu, Uzbequistão, Armênia, República Srpska, e ainda em Cingapura, conforme depreende-se do dispositivo abaixo transcrito: Cingapura, Código Penal, art. 377A: (Ultrajes por Indecência): Qualquer indivíduo masculino que, em local público ou privado, cometer ou favorecer um outro para a ocorrência de qualquer ato de indecência flagrante com outro indivíduo masculino, será punido com a prisão por um período que poderá se estender por até dois anos."67 No Oriente Médio, a tipificação da homossexualidade masculina é prevista apenas no Kuwait. E, nas Américas, a tipificação da homossexualidade é verificada em Ilhas Cayman, Guiana, Jamaica e Ilhas Turcas e Caicos. iv) países em que condutas homossexuais se encontram sujeitas à pena de morte Por fim, há os países que aplicam a pena de morte para as relações homossexuais - extremando-se, de forma irreversível, quando aplicada, a tutela punitiva do Estado e perpetuando-se um severo estado de opressão. Em geral, tratam-se de países islâmicos que adotam a Sharia, ou tem suas leis baseadas nela. Entre eles: na região da África: Mauritânia e Sudão; na região da Ásia: Afeganistão e Paquistão; na Região do Oriente Médio: Irã, Arábia Saudita, União dos Emirados Árabes e Iêmen; e, na região da Europa: a República da Chechênia . v) problemática da maioriadade sexual Nessa esfera da licitude, há ainda a problemática da maioridade sexual (age of consent), isto é, a idade, arbitrariamente, estabelecida pelo legislador que define o tempo legal em que uma pessoa pode consentir voluntariamente em manter relações sexuais com outra pessoa. Em geral a maioridade sexual articula-se com os tipos penais que protegem a liberdade sexual. No que tange à problemática da homossexualidade, discute-se o estabelecimento de idades distintas para a maioridade sexual, quando as relações sexuais são mantidas entre pessoas do mesmo sexo, identificando-se: a) países que estabelecem um tratamento igualitário para a maioridade sexual Entre eles, listam-se: Na África: República Central da África, Chade, Congo e Egito. Na Ásia: Camboja, Filipinas, Coréia do Sul, Taiwan, Tailândia e Vietnã. No Pacífico (Oceania): Austrália (Capital, South Australia, Tasmania, Victoria) e Nova Zelândia. Na Europa: Alemanha, Áustria, Azerbaijão, Bélgica, Croácia, Chipre, República Checa, Dinamarca, Finlândia, França, Geórgia, Grécia (entretanto, a idade é maior - 17 vs 15, se a relação sexual entre dois homens envolver sedução), Holanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Malta, Mônaco, Montenegro, Noruega, Polônia, Rússia, São Marino, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça, Turquia e Ucrânia. No Oriente Médio: Israel. E nas Américas: Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Antilhas Holandesas e Paraguai.. b) países que estabelecem limites etários diferentes - mais tardios - para a prática de condutas homossexuais Na região da África, verifica-se esta postura em Burkina Faso, Gabão e África do Sul; e na região da Ásia, em Hong Kong. Na região do Pacífico (Oceania), apenas os territórios autralianos de Northen Territory, Queensland e Western Austrália estabelecem tal distinção. Na Europa: Albânia, Belarius (limites de idade apenas para sexo vaginal/anal/oral), Bulgária, Estônia (limites de idade apenas para sexo vaginal e relações anais homossexuais), Ilhas Faroe, Gibraltar, Hungria, Irlanda, Liechtenstein, Lituânia (limites de idade apenas para sexo vaginal/anal/oral), Moldova, Portugal, Romênia, Iugoslávia (Servia, Kosovo, Vojvodina) e Reino Unido. Chama atenção o Código Penal Austríaco, art. 209, que prescreve uma idade maior - 18 anos - para o consentimento sexual para relações homossexuais masculinas, se o parceiro mais velho tiver 19 anos de idade ou mais; ao passo que a idade geral para o consentimento para todos os outros atos sexuais, inclusive para relações lésbicas, é de 14 anos. Em junho de 2002, no entanto, a Corte Constitucional da Áustria declarou a inconstitucionalidade do dispositivo, conforme noticiado pela ILGA-Europe (2003). Nas Américas, mencionam-se Bahamas, Bermudas, Canadá, Chile, Suriname e Estados Unidos. Neste último país, na maioria de seus estados, a maioridade sexual varia de 15 a 18 anos. Mas ainda há restrições, em muitos estados, ao tipo de atividade sexual permitida, tais como sexo oral e sodomia, assim como restrições referentes ao tipo de relação mantida, como, por exemplo, aluno/professor, que, em geral, permanecem até a idade de 18 anos. 3.2.2 O cerceamento da liberdade de associação e de expressão (censura) i) restrições ao direito de associação Em alguns países, registram-se dificuldades quanto à possibilidade (legal, judicial e/ou fática) de os homossexuais se organizarem em grupos ou associações. E as experiências catalogadas são as mais diversas: Na região da Ásia, esta limitação pode ser verificada em Cingapura. Conforme dispõe a Lei de Sociedades da Cingapura, todas as sociedades devem ser registradas, e, no mínimo, dez pessoas devem colocar o seu nome no formulário do pedido. O oficial do registro pode rejeitar o pedido, se a sociedade provavelmente for utilizada com propósitos contrários à lei ou com propósitos prejudiciais à paz pública, ao bem estar e à ordem de Cingapura. Nas Américas, a Suprema Corte da Argentina julgou um caso bastante emblemático. Em 22.11.1991, por maioria de sete de seus juízes, a Corte não deu provimento ao recurso extraordinário e à queixa deduzidos pela Comunidade Homossexual Argentina (CHA) para reformar sentença de instância inferior que manteve, em sede administrativa, a denegatória de outorga de personalidade jurídica à referida entidade. As discussões travadas na Corte giraram, exaustivamente, em torno da negativa ser ou não um ato arbitrário do Estado Argentino. A decisão da Suprema Corte procurou afastar a questão da arbitrariedade, utilizando-se de diversos argumentos. O primeiro consiste na existência do poder discricionário da administração pública, que dá aos seus agentes uma margem de arbítrio para ponderar a conveniência, a oportunidade e a relevância do objetivo societário para o bem comum. Também foi adotado, como fundamento, a utilização dos princípios gerais, notadamente o do bem comum, para justificar a denegatória. Por fim, adotou-se um argumento baseado na proteção à saúde pública, pois a associação poderia ser um meio de propagar a AIDS, pois muitas de suas vítimas são homossexuais. Passados dez anos a questão foi solucionada, com a interevenção do Poder Executivo. Através do então Presidente da República Carlos Menem, por decreto, foi outorgada personalidade jurídica à associação CHA. ii) restrições à liberdade de expressão

66 "Any person who has carnal knowledge of any person against the order of nature or ….permits a male person to have carnal knowledge of him or her against the order of nature is guilty of a felony and liable to imprisonment for 14 years 67 " (Outrages on Decency): Any male person who, in public or private, commits, or abets the commission by any male person, of any act of gross indecency with another male person, shall be punished with imprisonment for a term which may extend to two years."

Há ainda problemas relativos à liberdade de expressão, verificando-se a existência de legislação que nega a liberdade de expressão a pessoas homossexuais, censurando a divulgação de informação justa e adequada sobre a homossexualidade, a bissexualidade e temas sobre a transexualidade. Encontram-se, aqui também, leis que proíbem a "promoção" da homossexualidade, da bissexualidade e de temas sobre a transexualidade, impondo, inclusive, restrições discriminatórias ao ensino sobre a homossexualidade nas escolas. Na Europa, verificam-se restrições legislativas na Turquia, em Liechtenstein, na Romênia e no Reino Unido. O art. 10 da Lei de Associações da Turquia pode ser usado para considerar ilegal as organizações gays. Em Liechtenstein, o Código Criminal proíbe a promoção da homossexualidade e o estabelecimento de organizações de gays e lésbicas. Na Romênia, a propaganda é ilegal, conforme depreende-se do parágrafo 5 da alteração feita, em 1996, no art. 200 do Código Penal ". "A propaganda, a associação ou qualquet outra forma de proselitismo cometida neste mesmo âmbito, será punida com (pena de) prisão por um período entre um e cinco anos". 68 No Reino Unido, a Seção 28 do "Local Government Act" de 1988 proibia a promoção da homossexualidade pelas autoridades locais; o que restringia a utilização de recursos públicos com tal finalidade. Em 17 de novembro de 2003 tal vedação foi abolida.Ainda assim persistem restrições de outra natureza. Por exemplo é proibida a importação da literatura homossexual explícita. Na Hungria, no final de 1994, a Alta Corte rejeitou a denominação "Rainbow Union for the Rights of Gays" para fins de registro, sob os seguintes argumentos: a) o uso da palavra "gay" não se encontra entre os requisitos de que se reveste a denominação; b) a associação era aberta a menores de 18 anos. O segundo argumento foi objeto do segundo julgamento pela Corte Constitucional em conflitos gays. O Estado tem o dever constitucional de cuidar dos jovens, impedindo a sua associação a organizações que possam representar perigo para o seu desenvolvimento. Há dificuldades, ainda, na África: Egito e Zâmbia; na Ásia: China, Índia, Malásia e Tailândia; no Pacífico (Oceania): Austrália (Victoria e Austrália Ocidental); no Oriente Médio: Jordânia e Líbano; na Europa: Rússia, Chipre, Belarius, Bulgária e nas Américas: Cuba, Nicarágua e Honduras. iii) a proteção à liberdade Por outro lado, há decisões que prestigiam o valor de liberdade. Na região africana, destaca-se decisão da Corte Constitucional da África do Sul, em 1996, declarando a inconstitucionalidade da Lei sobre Fotografias Obscenas que proibia a posse de material que demonstre, exiba, manifeste, retrate ou represente relações sexuais, libertinagem, lascívia, homossexualidade, lesbianismo, masturbação, estupro, atentado ao pudor, sodomia, masoquismo, sadismo, atos sexuais com animais ou qualquer coisa da natureza. No Pacífico, verificou-se decisão neste sentido no Japão, em 1990, quando o Conselho de Educação de Tokyo decidiu impedir o funcionamento de grupos de gays e lésbicas em centros para jovens. Membros do OCCUR estavam no Fuchu Youth House em fevereiro de 1990, onde foram molestados por outros hóspedes. Quando o OCCUR solicitou novamente o uso da casa, as autoridades recusaram. Por este fato, o OCCUR entrou com uma ação contra o governo metropolitano de Tokyo, perante a Corte Distrital de Tokyo, a qual foi julgada procedente. As autoridades de Tokyo apelaram, mas a decisão foi mantida pela Alta Corte de Tokyo, em setembro de 1997. A Alta Corte rejeitou o argumento do governo de Tokyo de que o Conselho de Educação agiu no exercício de seu poder discricionário, declarando que, no exercício de suas funções, as agências do governo devem prestar atenção nas situações dos homossexuais a fim de garantir os seus direitos e interesses. A Corte afirmou ainda que a indiferença e a ignorância sobre os homossexuais são inescusáveis para pessoas condutoras da autoridade governamental. No Oriente Médio, menciona-se uma decisão proferida no Estado de Israel, em 1997, quando a Alta Corte autorizou a transmissão de um programa para jovens homossexuais apesar das objeções do Ministro da Educação. O julgamento foi conduzido pela discussão sobre a liberdade de expressão. Quanto à região das Américas, em dezembro de 1998, a Suprema Corte da província canadense de British Columbia decidiu que o Conselho Escolar do subúrbio de Surrey, em Vancouver, errou ao banir os livros sobre relacionamentos gays do jardim de infância e das turmas das primeiras séries. A Corte ordenou à escola que reavaliasse os livros "Aschas’s Mum", "One Dad, Two Dads, Brown Dads, Blue Dads" e "Belinda’s Bouquet", sem levar em conta a orientação sexual dos personagens ou a convicção religiosa da escola. 3.2.3 A legislação anti-discriminação e anti-difamatória Sob tal aspecto, verifica-se uma existência de tutela jurídica, com diversos perfis e alcances, voltada para a proteção dos homossexuais. Encontram-se, assim, os países que já adotaram medidas legislativas de cunho protetivo, inclusive mediante a utilização de veículo normativo de diferentes graus hierárquicos, visando combater a discriminação e a difamação dos homossexuais. Preservam-se tanto a honra como o valor de igualdade. Há também a existência de leis que asseguram emprego, educação, acesso a bens e serviços públicos e/ou privados aos homossexuais. Entre eles, citam-se as experiências que seguem abaixo. Em alguns países, a proibição contra a discriminação, em razão da orientação sexual, é prevista na própria Constituição, como se verifica na África do Sul: Lei n.º 108 de 1996, Seções 9(3), 9(4); no Equador :Constituição de 1998, art. 23(3); nas Ilhas Fidji: Emenda Constitucional 1997, seção (s.) 38(2)(a); na Suíça: Constituição Federal, adotada em 18 de abril de 1999, Art. 8(2); e na Holanda : Constituição Holandesa, art. 1º. Já em certos países, organizados sob a forma de federação, mesmo não existindo dispositivo na Constituição Federal, algumas constituições estaduais vedam a discriminação em razão da orientação sexual, como se observa no Brasil, nos estados do Mato Grosso (1989, Art. 10.III.) e Sergipe (1989, Art. 3.II) e na Alemanha, nos estados de Berlin (1995, Art. 10(2)), Brandenburg (1992, Art. 12(2)) e Thuringia (1993, Art. 2(3)). No que concerne às medidas legislativas de cunho protetivo, mediante adoção de legislação ordinária, verifica-se sua elaboração nos níveis nacional, estadual e municipal, em diversos países, como se demonstra abaixo: Na África, a Namíbia editou o Labour Act, 13 de março de 1992, n.º 6, s. 107. E a África do Sul, o Labour Relations Act (n.º 66 de 1995), s. 187(1)(f) (dismissal) e Promotion of Equality and Prevention of Unfair Discrimination Act (n.º 4 de 2000), ss. 1(1)(xxii)(a). No Pacífico, especialmente: Na Austrália, a proteção, em nível federal, se dá através do Workplace Relations Act 1996, s. 170CK. Muitos estados-membros também possuem legislação protetiva contra a discriminação quanto à orientação sexual, são estes: Australian Capital Territory: Discrimination Act 1991, s. 7(1)(b); New South Wales: Anti-Discrimination Act 1977, Part 4C; Northern Territory: AntiDiscrimination Act 1992, s. 19(1)(c); Queensland: Anti-Discrimination Act 1991, s. 7(1)(l); South Australia: Equal Opportunity Act, 1984, ss. 5(1), 29(3); Tasmânia: Anti-Discrimination Act 1998, ss. 3, 16; Victoria: Equal Opportunity Act 1995, ss. 4, 6, modificada pelo Equal Opportunity Act 2000; e Western Australia: Gay and Lesbian Amendment Act 2002. Na Nova Zelândia, o Human Rights Act 1993, s. 21(1)(m) e s. 145, Second Schedule, inclui proteção baseada na orientação sexual no emprego, na educação, no acesso a locais públicos, provisões de posse, habitação e acomodação. No Oriente Médio, em Israel, o Equal Opportunities in Employment Act 1988, modificado pelo Book of Laws, n.º 1377 de 2 de janeiro de 1992, proíbe a discriminação contra empregados e pretendentes a emprego em razão da orientação sexual. Na Europa: Na Áustria, não existe legislação nacional, mas os homossexuais são protegidos no estado de Vienna (Youth Protection Law, Jugendschutzgesetz, Landesgesetzblatt für Wien 17/2002, Art. 10 par. 1 lit. 2), e na cidade de Bludenz, que tem uma ampla e simbólica declaração de não-discriminação.

68 : "Propaganda or association or any other act of proselytism committed in the same scope, is punishable by imprisonment of one to five years

Na Finlândia, o texto acompanha a cláusula de anti-discriminação da Constituição em que a orientação sexual está inserida na categoria de "outras razões relacionadas às pessoas". O Código Penal (modificado pela Lei de 21.4.1995/578) protege os indivíduos contra a discriminação baseada na orientação sexual no que se refere a serviços públicos ou comerciais e acesso a reuniões públicas. O Código também proíbe a discriminação através de imposição de condições contratuais e de trabalho. E as preferências sexuais também são regulamentadas pela cláusula de antidiscriminação do Código Penal. Na Eslovênia, a proteção à liberdade de orientação sexual está no Código Penal (Lei de 29 de setembro de 1994, publicada no Uradni list, 13 de outubro de 1994) que censura qualquer pessoa que negue a alguém os seus direitos humanos ou liberdades fundamentais reconhecidos pela comunidade internacional, pela Constituição e pela Lei. O governo também entendeu que a cláusula geral de não-discriminação da Constituição, contida no art. 14, proibindo a discriminação baseada em "qualquer outra circunstância pessoal", incluí também a orientação sexual. Na Suécia, há proteção específica contra a discriminação, em diversos diplomas, estabelecendo uma vasta rede de proteção, nas relações empregatícias; moradia; transporte; serviço médico; ensino superior; entre outras. Na Espanha, o Código Penal, Lei Orgânica de 23 de novembro de 1995, n.º. 10/1995, arts. 314, 511e 512, declara o direito da pessoa de expressar a sua orientação sexual como liberdade fundamental e bane a discriminação baseada na orientação sexual na moradia, no emprego, nos serviços públicos e nas atividades profissionais. Também criminaliza a aversão e os atos praticados contra indivíduos em razão da sua orientação sexual. Na França, o Novo Código Penal, nos arts. 225-1, 225-2, 226-19, 432-7, proíbe a discriminação baseada na orientação sexual e o Código do Trabalho, nos arts. L. 122-35, L. 122-45, proíbe a discriminação em razão da orientação sexual no local de trabalho, incluindo-se o serviço civil e forças armadas. Na Islândia, o Código Penal Geral, Lei n.º 19/1940, s. 180, modificado pela Lei n.º 135/1996, s. 1, criminaliza as ações difamatórias e humilhantes que atinjam uma pessoa ou um grupo em razão da sua orientação sexual e torna ilegal a recusa em comercializar mercadorias e serviços, em razão da orientação sexual da pessoa. Na Holanda, o Código Penal, nos arts. 137f, 429 quater (inserido pela Lei de 14 de novembro de 1991, Staatsblad 1991, nr. 623), proíbe a discriminação com base na orientação hetero ou homossexual. Registra-se ainda a existência do General Equal Treatment Act, especificamente os arts. 1, 5 e 7 (Lei de 2 de março de 1994, Staatsblad 1994, nr. 230). Na Noruega, o Código Penal, no parágrafo 349-A, modificado pela Lei de 8 de maio de 1981, nr. 14, proíbe a discriminação baseada na orientação sexual, no fornecimento de mercadorias e serviços e acesso a reuniões públicas. O Código também veda discursos de ódio direcionado às minorias sociais. Na Dinamarca, há a Lei de 9 de junho de 1971, nr. 289, modificada pela Lei de 3 de junho de 1987, nr. 357. Em Saxony-Anhalt, na Alemanha, tem-se a lei sobre a redução da discriminação contra gays e lésbicas - Gesetz zum Abbau von Benachteiligungen von Lesben und Schwulen - de 22 de dezembro de 1997, que é aplicada apenas no setor público. Na Irlanda, aponta-se Unfair Dismissals Act, 1977, n.º 10, s. 6(2)(e), modificado pelo Unfair Dismissals (Amendment) Act, 1993, n.º 22, s. 5(a). Em Luxemburgo, o Código Penal, arts. 454-457, com a alteração feita Lei de 19 de Julho de 1997. Na Republica Srpska, na Bosnia-Herzegovina, há no Código Penal, o art. 141, em vigor desde outubro de 2000. Na República Tcheca, há uma série de diplomas: Lei 167/1999 de 13 de julho de 1999 que modifica a Lei n.º 1/1991 sobre Emprego; Lei n.º 155/2000 de 18 de maio de 2000 que modifica o Código de Trabalho, Lei n.º 65/1965; e Lei n.º 221/1999 sobre os Soldados. Na Hungria, tem-se Act on Public Health, Lei n.º 154 de 1997, art. 7. Na Lituânia, a referência está no Código Penal, art. 169, Lei de 26 de setembro de 2000, Nr. VIII-1968). Na Romênia, indica-se o Law for the adoption of Government Emergency Ordinance n.º. 89/2001, publicada na Gazeta Oficial da Romênia, parte I no. 65/30.01.2002. Nas Américas: No Canadá, a proteção ocorre em nível federal, através do Canadian Human Rights Act, Revised Statutes of Canada (R.S.C.) 1985, capítulo (c.) H-6, ss. 2, 3(1), que proíbe a discriminação baseada na orientação sexual. A lei é aplicada ao governo federal, bancos, empresas de radiodifusão, telefonia, telecomunicações e transporte.. Consigna-se também que onze de suas doze províncias possuem disposições no mesmo sentido: British Columbia: Human Rights Code, R.S.B.C. 1996, c. 210, ss. 7-11, 13-14; Manitoba: Human Rights Code, R.S.M. c. H175, s. 9(2)(h); New Brunswick: Human Rights Code, R.S.N.B. c. H-11, ss. 3-7; Newfoundland: Human Rights Code, R.S.N. 1990, c. H-14, ss. 6-9, 12, 14; Northwest Territories: Human Rights Act; Nova Scotia: Human Rights Act, R.S.N.S. 1989, c. 214, s. 5(1)(n); Ontário: Human Rights Code, R.S.O. 1990, c. H.19, ss. 1-3, 5-6; Prince Edward Island: Human Rights Act, R.S.P.E.I. 1988, c. H-12, s. 1(1)(d); Québec: Charte des droits et libertés de la personne, R.S.Q. c. C-12, s. 10 ; Saskatchewan Saskatchewan Human Rights Code, S.S. 1979, c. S-24.1, ss. 9-19, 25, 47; Yukon Territory: Human Rights Act, S.Y.T. 1987, c. 3, ss. 6, 34. Alguns estados dos Estados Unidos da América do Norte possuem legislação protetiva; são eles: California: e.g Government Code, ss. 12920, 12921, 12940, 12955; Connecticut: Conn. General Statutes , e.g., ss. 4a-60a, 45a-726a,46a-81b to 46a-81r; District of Columbia: D.C. Code, e.g., ss. 1-2501 to 1-2533; Hawaii: Haw. Revised Stat., e.g., ss. 378-1, 378-2; Maryland: 2001 Laws of Maryland chapter (ch.) 340; Massachusetts: Mass. Gen. Laws, e.g., ch. 151B, ss. 3, 4; Minnesota: Minn. Stat., e.g., ss. 363.01(subdivision 41a), 363.03; Nevada: Nev. Rev. Stat., e.g., s. 613.330; New Hampshire: N.H. Rev. Stat., e.g., ss. 21:49, 354-A:7, 354-A:10, 354-A:17); New Jersey: N.J. Stat., e.g., ss. 10:5-5.hh.-kk., 10:5-12; Rhode Island: R.I. Gen. Laws, e.g., ss. 11-24-2 to 11-242.2, 28-5-2 to 28-5-7.3, 8-5-41, 34-37-1 to 34-37-5.4; Vermont: Vt. Stat., e.g., title 1, s. 143; title 21, s. 495; e Wisconsin: Wis. Stat., e.g., ss. 111.31 to 111.36. Algumas cidades norte-americanas também possuem legislação que proíbe a discriminação pela orientação sexual, são elas: Arlington County (VA), Austin (TX), Chicago (IL), Cleveland (OH), Denver (CO), Detroit (MI), Kansas City (MO), Louisville (KY), Miami-Dade County (FL), New Orleans (LA), New York (NY), Philadelphia (PA), Phoenix (AZ), Pittsburgh (PA), Portland (OR), Raleigh (NC), Saint Louis (MO), Seattle (WA) and Tampa (FL). No México, a Lei Federal para Prevenção e Eliminação da Discriminação define, em seu art. 4, discriminação como "toda distinção, exclusão, restrição, baseada na origem étnica ou nacional, sexo, idade, deficiência, status social ou econômico, saúde, gravidez, língua, religião, opinião, preferências sexuais, status civil ou qualquer outro, que impeça o reconhecimento ou o gozo de direitos e a real igualdade de oportunidades entre as pessoas". No art. 16, a lei também criou o Conselho Nacional de Prevenção a Discriminação. No âmbito estadual, verifica-se a existência de legislação protetiva nos estados de Aguascalientes (Código Penal, art. 205 bis, com as modificações de 11 de março de 2001), Chiapas (Código Penal, art. 205) e Distrito Federal - Cidade do México (Código Penal, art. 281 bis - com as modificações de 2 de setembro de 1999) . Na Costa Rica, há o art. 48 da Lei n.º. 7.771, Ley General Sobre el VIH-SIDA, publicada em La Gaceta n.º 96 de 20 de maio de 1998. Na Argentina, não existe legislação nacional, apenas as legislações locais das cidades de Buenos Aires (Constituição, 1 de Outubro de 1996, Art. 11) e Rosário. No Brasil, não existe legislação federal, apenas certas leis, nos planos estaduais e municipais, acolheram a não-discriminação por orientação sexual. No plano estadual, destaca-se, de forma não taxativa, a Lei Orgânica do Distrito Federal, art. 2º, parágrafo único ; a Lei n.º 3.406, de 15 de maio de 2000 do Estado do Rio de Janeiro (que estabelece penalidades aos estabelecimentos que discriminem pessoas em virtude de sua orientação sexual, e dá outras providências) e a Lei n.º 10948 de 05 de novembro de 2001 do Estado de São Paulo (que dispõe sobre as penalidades a serem aplicadas à prática de discriminação em razão de orientação sexual). Conforme relata Rios (2001:288): "No âmbito municipal, por fim, verificam-se previsões de proibição explícita de diferenciação por orientação sexual na legislação dos seguintes municípios, agrupados por Estado: 1) Bahia: América Dourada, Caravelas, Cordeiros, Igaporã, Rodelas, Sátiro Dias, Wagner, Araci, Cruz das Almas, Rio do Antônio, Itapicuru, São José da Vitória e Salvador; 2) Espírito Santo: Guarapari, Santa Leopoldina e Matenópolis; 3) Goiás: Alvorada do Norte; 4) Maranhão: São Raimundo das Mangabeiras; 5) Minas Gerais: Cataguases, Elói Mendes, Indianápolis, Itabirinha de Mantena, Juiz de Fora, Maravilhas, Ourofino, São João Nepomuceno e Visconde do Rio Branco; 6) Paraíba: Aguair; 7) Paraná: Atalaia, Cruzeiro do Oeste, Ivaiporã,

Laranjeiras do Sul e Mirasselva; 8) Pernambuco: Bom Conselho; 9) Piauí: Pio IX e Teresina; 10) Rio de Janeiro: Itatiaia, São Sebastião do Alto Cachoeiras do Macacu, Cordeiro, Italva, Laje do Muriaé, Niterói, Paty do Alferes, São Gonçalo, Três Rios, Silva Jardim e Rio de Janeiro; 11) Rio Grande do Norte: Grosso e São Tomé; 12) Rio Grande do Sul: Porto Alegre e Sapucaia do Sul; 13) Santa Catarina: Abelardo Luz e Brusque; 14) São Paulo: São Paulo, Cabreúva e São Bernardo do Campo; 15) Sergipe: Itabaianinha, Canhoba, Amparo de São Francisco, Poço Redondo, Riachuelo e Monte Alegre de Sergipe; 16) Tocantins: Porto Alegre do Tocantis e Peixe". Dentre estas, destaca-se a Lei n.º 9.791 de 12, de maio de 2000, editada pela Câmara Municipal de Juiz de Fora - MG que dispõe sobre a ação do Município no combate às práticas discriminatórias, em seu território, por orientação sexual. Analisando-se os principais aspectos da referida lei, tem-se que o diploma legal pune toda e qualquer manifestação atentatória ou discriminatória contra qualquer cidadão homossexual, bissexual ou transgênero. Desta forma, em seu art. 2º, o legislador enumera alguns dos atos considerados atentatórios e discriminatórios aos direitos individuais e coletivos dos homossexuais, bissexuais e transgêneros. Esta enumeração não constitui numerus clausus, conclusão a que se chega pela expressão "dentre outros"; assim podem ser considerados atentatórios ou discriminatórios outros atos não previstos em lei. O art. 4 dispõe sobre a apuração do ato, o qual se dá através de processo administrativo iniciado mediante reclamação do ofendido ou ato de ofício da autoridade competente. Compete à Secretaria Municipal de Atividades Urbanas a lavratura do auto de infração. Nos art.s 5º ao 10º, a Lei regulamenta o processo administrativo, o qual será julgado pela Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos. As penalidades previstas (art. 11) para os indivíduos que praticam atos considerados atentatórios e discriminatórios contra homossexuais são: 1) advertência; 2) multa, de até 1.000 (mil) UFIRs; 3) multa, de até 3.000 (três mil) UFIRs, nos casos de reincidência; 4)suspensão de alvará de funcionamento por 30 dias;e 5) cassação do alvará de licença e funcionamento. Conforme dispõe o § 5o do art. 11, as ações praticadas por pessoas físicas serão remetidas ao Ministério Público. E o art. 14 prevê a criação de Centros de Referência para a Defesa e Valorização da auto-estima e Capacitação Profissional do Cidadão homossexual, bissexual e transgênero. Destacam-se também os países que destinam uma especial proteção legal para os transexuais, como é o caso de alguns territórios da Austrália. Na Capital, a lei sobre discriminação, de 1991, utiliza os termos "sexualidade" e "transexualidade". Sexualidade inclui "heterossexualidade, homossexualidade (inclusive o lesbianismo) e bissexualidade" 69Transexualidade é definida separadamente "como o que ocorre quando uma pessoa de um sexo assume as características corporais de outro sexo, seja através da intervenção médica ou de qualquer outra forma, ou se identifica como membro de outro sexo ou vive, ou busca viver, como membro do sexo oposto. A definição de transexual é muito ampla, equivalendo-se ao termo 'transgênero' em outra legislação. 70Em South Australia, "The South Australian Equal Opportunity Act" (1984) estabelece proteção contra discriminação em razão da sexualidade. A sexualidade é definida incluindo a heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade e o transexualidade. Há também proteção em New South Wales, Northern Australia e Tasmânia. Há os países que tipificam a difamação de homossexuais, como é o caso da Dinamarca, Islândia, Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Espanha e Suécia. O mesmo acontece nos territórios australianos, New South Wales e Tasmânia. Registre-se, também, ainda a existência de países em que tais medidas são ainda objeto de discussão legislativa ou resultaram em proposta infrutíferas. Foram rejeitadas as propostas em Hong Kong, na Ásia; na República Tcheca e na Polônia (uma proposta para incluir a proteção à orientação sexual, em nível constitucional, não obteve sucesso) na Europa; no Brasil (a proposta de inclusão no texto constitucional não obteve sucesso) e no Peru, nas Américas. Na Europa, encontram-se, em curso, processos legislativos na Irlanda, Itália, Lituânia; o mesmo ocorre na Austrália (Western Australia), na região do Pacífico (Oceania), na Guatemala (Código da Infância e Juventude) e na Venezuela (na Constituição), na região das Américas. Destacam-se as decisões de países das Américas consagrando a não discriminação: A Suprema Corte do Canadá declarou que a proteção contra a discriminação, com base na orientação sexual, deve ser incluída na Lei de Direitos Humanos de Alberta. A decisão foi dada em virtude da apelação de Delwin Vriend à Comissão de Direitos Humanos de Alberta, após este ter sido expulso da Edmonton Christian College por ser gay. Na Colômbia, em 20 de março de 1998, a Corte Constitucional decidiu que as escolas privadas religiosas não podem impedir o ingresso de estudantes gays. Dois adolescentes efeminados, Gustavo e Andres, foram proibidos de se rematricularem em uma escola de Ginibra depois de terem sido desligados por razões financeiras. A Corte declarou que a homossexualidade é uma condição da pessoa humana e implica em uma escolha de vida igualmente respeitável e válida como qualquer outra. Está claro para a Corte que o diretor da escola foi processado por sua atitude discriminatória e intolerante; isto é inaceitável em uma pessoa que tem a seu cargo a direção do processo educativo, que tem como principal objetivo a formação integral de crianças e jovens. 3.2.4 O emprego Nessa área a questão desenvolve-se em dois planos: legislação protetiva ao emprego e o acesso às Forças Armadas. i) legislação protetiva ao emprego (vedação de discriminação por razão de orientação sexual) Quanto ao emprego, há países que adotam leis que coíbem práticas discriminatórias baseadas em razões de orientação sexual. Destaca-se, na região da África, a Lei do Trabalho da Namíbia, de junho de 1992, cujo art. 107 proíbe expressamente a discriminação em razão da orientação sexual: "107. (1) Sujeito às provisões da seção 106 e subseção (2) desta seção, se, mediante uma aplicação feita à Corte Laboral, por qualquer pessoa, de acordo com as provisões da parte IV, a Corte Laboral concordar/ se satisfizer - (a) que qualquer pessoa discriminou ou está na iminência de discriminar, de maneira injusta, ou esteja discriminando a pessoa com base no seu sexo, raça, cor, origem étnica, religião, credo, status econômico ou social, opinião política ou estado civil, ou orientação sexual, responsabilidades familiares ou incapacidade (física) em relação a seu emprego ou ocupação; (b) que, em seu emprego, a pessoa esteve, está, ou estará (ou 'possa estar, em qualquer tempo'???) na iminência de ser assediada por qualquer pessoa devido ao seu sexo, raça, cor, origem étnica, religião, credo, status econômico ou social, opinião política ou estado civil, ou orientação sexual, responsabilidades familiares ou incapacidade (física); (c) que qualquer pessoa publicou ou exibiu ou causou a publicação ou a demonstração, ou esteja para publicar ou exibir qualquer publicidade ou aviso/notícia, que indique/demonstre a intenção de discriminação injusta no emprego ou na ocupação de pessoas com base no seu sexo, raça, cor, origem étnica, religião, credo, status econômico ou social, opinião política ou estado civil, ou orientação sexual, responsabilidades familiares ou incapacidade (física) [...]"71

69 "heterosexuality, homosexuality (including lesbianism) or bisexuality". 70 "as meaning a person of one sex who assumes the bodily characteristics of the other sex whether by medical intervention or otherwise or identifies himself or herself as a member of the other sex or lives, or seeks to live, as a member of the other sex. The definition of transsexual is very broad, and equivalent to 'transgender' in other legislation. 71 "107. (1) Subject to the provisions of section 106 and subsection (2) of this section, if, upon an application made to the Labour Court in accordance with the provisions of Part IV by any person, the Labour Court is satisfied - (a) that any person has discriminated or is about to discriminate in an unfair manner, or is so discriminating against him or her on the grounds of his or her sex, race, colour, ethnic origin, religion, creed, social or economic status, political opinion or marital status or his or her sexual orientation, family responsibilities or disability, in relation to his or her employment or occupation; (b) that in his or her employment he or she has been, is being or is or is about to be subjected by any other person to any harassment by virtue of his or her sex, race, colour, ethnic origin, religion, creed, social or economic status, political opinion

Na Europa, verifica-se que os países membros da União Européia deverão legislar sobre o tratamento não-discriminatório no emprego e no trabalho até dezembro de 2003, por força do disposto no Conselho Diretivo 2000/78/EC de 27 novembro de 2000 (adotado de acordo com o art. 13 do Tratado da União Européia) que estabelece uma estrutura geral para tratamento igual no emprego e no trabalho. Alguns países, inclusive, já possuem legislação neste sentido, como os mencionados abaixo. Na Finlândia, o Código Penal de 9.12.1889/39, modificado pela Lei n.º 21.4.1995/578 prevê: "Capítulo 47: Delitos Laborais (21 de abril de 1995/578) Seção 3: Discriminação no Trabalho (21 de abril de 1995/578): Qualquer empregador, ou seu representante que, sem motivação suficiente, ao anunciar a oferta de vaga, discrimine qualquer pessoa que procure emprego, ou durante a seleção de pessoal, ou mesmo contra um empregado 1. com base em origem étnica, nacional ou racial, côr, língua, gênero, idade, relações, preferência sexual ou estado de saúde; ou 2. com base em religião, opinião política, atividade política ou industrial, ou qualquer circunstância comparável/assemelhada, deverá ser sentenciada por discriminação no trabalho com uma multa ou prisão de até seis meses".72 Na Eslovênia, o art. 6, da Lei sobre Relações de Trabalho, em vigor desde 24 de outubro de 1999, prescreve: "O empregador não pode colocar aquele que procura emprego em posição desigual por motivo de sua raça, cor da pele, gênero, idade, condição médica, crenças religiosa, política ou qualquer outra, associação a um sindicato, origem social ou nacional, status familiar ou econômico, orientação sexual ou quaisquer outras circunstâncias pessoais". 73 Há previsão na França, Code du Travail, 1985, art.s L. 122-45, L. 121-6. Na Dinamarca, o Act 459 of 12 June 1996 trata da anti-discriminação no mercado privado de trabalho. Na Suécia, há legislação em vigor desde 1º de maio de 1999. Acrescenta-se ainda a Irlanda. No Oriente Médio, Israel possui legislação neste sentido. Na África do Sul, há proteção expressa na Lei de Relações Trabalhistas de 1995. Consigna-se, também, legislação que protege as pessoas contra o assédio sexual baseado no fator de orientação sexual, como é o caso, na Europa, da Eslovênia e, no Oriente Médio, de Israel. Há outros Estados que especificamente protegem os transexuais contra a discriminação. Quanto às experiências fáticas, mencionam-se as verificadas nas Américas (Canadá e Colômbia) e na Europa (Letônia). No Canadá, o Tribunal de Direitos Humanos determinou que o governo federal estenda benefícios trabalhistas a empregados gays e lésbicas. O Conselho de Fazenda estendeu os benefícios, mas determinou que os empregados gays e lésbicas declarassem que vivem em união homossexual, antes de obterem o acesso aos benefícios. Sobre esta conduta, o Tribunal, em 10.04.1997, decidiu que o governo não pode manter um sistema distinto para gays e lésbicas, devendo, simplesmente, estender a definição de cônjuge nos casos de relações homossexuias (Moore and Arerstrom v Canada). Na Colômbia, em setembro de 1998, a Corte Constitucional declarou que professores não podem ser demitidos por serem homossexuais. Por 5 votos a 4, a Corte derrubou uma lei de 1949 que previa a possibilidade de rejeição a professores em virtude de sua orientação sexual. Na Letônia, o Gabinete Nacional de Direitos Humanos entendeu que a demissão de um oficial de polícia gay constitui uma violação aos princípios e às leis do Estado.Um policial foi forçado a deixar o seu emprego na delegacia de polícia de Bauska depois de ter assumido a sua homossexualidade e o seu relacionamento com outro homem em uma entrevista a um jornal local. Em 16.04.1998, o Gabinete Nacional de Direitos Humanos reconheceu a violação do direito de Gatis Burgoveckis, por considerar que os indivíduos têm o direito à privacidade e à livre orientação sexual. Desse modo, qualquer violação ou discriminação contra indivíduos, em razão da orientação sexual, é uma violação aos princípios e à lei do Estado. Todos os indivíduos na Letônia são iguais em direitos e deveres e apenas o Estado, através das leis, pode restringir estes direitos. ii) a problemática do acesso às Forças Armadas Em relação às Forças Armadas, os posicionamentos adotados pelos países são díspares. Há países que expressamente admitem o ingresso de gays e lésbicas nas Forças Armadas; por outro lado, há países que não permitem aos homossexuais servir nas forças militares, resultando, muitas vezes, em dispensas e até mesmo em punições. Há distinções de tratamento, inclusive, entre os militares de carreira e os conscritos. ás São exemplos da aceitação da homossexualidade nas carreiras militares: na região do pacífico (Oceania): Austrália (1992) e Nova Zelândia (1993). Na Europa: Dinamarca (1979), Áustria, Bélgica, República Tcheca, Suécia, Suíça, Israel, Estônia, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Lituânia, Holanda, Noruega, Eslovênia. E nas Américas: Bahamas (não obstante ser a conduta homossexual ilegal). Destacam-se algumas iniciativas de países da Europa e das Américas: Na Espanha, em 28 de dezembro de 1984 o Parlamento espanhol aprovou a revogação do art. 352 do Código de Justiça Militar que punia atos homossexuais entre militares. No Reino Unido, a orientação do governo inglês modificou-se a partir de 1999, em virtude da decisão da Corte Européia de Direitos Humanos nos casos Lustig-Prean & Beckett v. United Kingdom e Smith & Grady v. United Kingdom, nos quais foi decidido que a exoneração de soldados em virtude da orientação sexual fere o art. 8 da Convenção Européia de Direitos Humanos ("104. Em resumo, a Corte considera que nem as investigações conduzidas em relação à orientação sexual do aplicante, nem as dispensas com base na sua homossexualidade, em atendimento à política do Ministério da Defesa, justificam-se ao abrigo do Artigo 8º, § 2º da Convenção. 105. Assim, (a Corte conclui que) houve violação do artigo 8º da Convenção)74 No Canadá, em 1992, o governo federal afastou a proibição do serviço militar para gays e lésbicas em virtude da decisão da Corte no caso Douglas v Canada.

or marital status or his or her sexual orientation, family responsibilities or disability; (c) that any person has published or displayed or caused to be published or displayed or is about to publish or display any advertisement or notice which indicates an intention to unfairly discriminate in the employment or occupation of persons on the grounds of sex, race, colour, ethnic origin, religion, creed, social or economic status, political opinion or marital status or his or her sexual orientation, family responsibilities or disability […]"

72 "Chapter 47: Labour Offences (21 April 1995/578) Section 3: Work discrimination (21 April 1995/578): Any employer or representative acting for an employer who, without good reason, discriminates against a jobseeker when advertising a vacancy or recruiting staff or against an employee 1.on grounds of race, national or ethnic origin, colour, language, gender, age, relations, sexual preference or state of health; or 2.on grounds of religion, political opinion, political or industrial activity or acomparable circumstance, shall be sentenced for work discrimination to a fine or up to six months’ imprisonment". 73 "Employer may not put employement-seeker in unequal position because of his/her race, skin colour, gender, age, medical condition, religious, political or other belief, membership in an union, national or social origin, family status, wealth status, sexual orientation or other personal circumstances". 74 ("104. In sum, the Court finds that neither the investigations conducted into the applicants’ sexual orientation, nor their discharge on the grounds of their homosexuality in pursuance of the Ministry of Defence policy, were justified under Article 8 § 2 of the Convention. 105. Accordingly, there has been a violation of Article 8 of the Convention).

Na Colômbia, em julho de 1999, a Corte Constitucional declarou que as Forças Armadas e a Polícia não podem banir de seus quadros os homossexuais. Para a Corte, o banimento viola os direitos constitucionais de intimidade, liberdade de desenvolvimento da própria personalidade e a defesa da família. A imposição de punições, e até mesmo dispensa, ocorre no Japão, Ásia, e na Turquia, Europa. Nos países europeus, destaca-se ainda: Na Alemanha não é possível que gays e lésbicas se tornem oficiais ou instrutores, embora possam servir nas categorias ordinárias. Na Hungria é "recomendado" que gays e lésbicas não entrem nas Forças Armadas. Em Portugal, no Decreto n.º 28/89 de 17 Janeiro de 1989 - Tabela de perfis psicofísicos e de inaptidões para efeitos de prestação de serviço militar - o art. 302 versa sobre desvios e transtornos sexuais: homossexualidade e outras perversões sexuais. Também verificam-se restrições em Belarius, Croácia, Luxemburgo, Grécia e Polônia. Nos Estados Unidos da América, a questão é regida pela questionável "Don´t Ask, Don´t Tell Policy" , implementada pelo então Presidente Bill Clinton. Essa política proíbe que a orientação sexual de uma pessoa seja objeto de investigação quando de seu ingresso nas Forças Armadas.Porém, uma vez assumida publicamente a condição de homossexual, ela não impede a expulsão da caserna . Nas Américas, o Código de Justiça Militar da Argentina de 1951, no art. 76, penaliza com prisão ou rebaixamento na carreira "atos desonestos" praticados por oficiais com outros membros do mesmo sexo, dentro ou fora dos estabelecimentos militares. O Código Penal Militar do Peru, no art. 269, pune militares e policiais com a prisão, de sessenta dias a vinte anos, e, em alguns casos, com o desligamento das Forças Armadas. O Brasil também apresenta legislação penal militar punitiva, como abordado anteriormente, ao se tratar da licitude da atividade sexual. 3.2.5 O reconhecimento civil das relações homossexuais A problemática do reconhecimento jurídico das relações homossexuais implica diretamente a quantidade/e ou qualidade (tipos) de direitos que são atribuídos aos casais. Em especial, merecem destaque a abrangência e a qualidade do reconhecimento das uniões, como, por exemplo, os direitos de imigração; os chamados benefícios domésticos advindos da união; direitos sucessórios; previdência social, entre outros. Quando há essa possibilidade, o reconhecimento das relações homossexuais efetua-se em razão da simples convivência ou de um ato formal de reconhecimento, como o registro da parceria, ou mesmo pelo casamento. Porém, o número e o tipo de direitos reconhecidos (advindos ou não do reconhecimento estatal) podem variar, como os listados a seguir: a) direito de fixação de residência ou permanência do parceiro estrangeiro, no país de origem de seu companheiro; b) reconhecimento do parceiro supérstite como integrante da linha sucessória, na ausência de testamento; c) reconhecimento de benefícios oriundos das relações de emprego, tais como: pensão; licença para tratamento de saúde do parceiro; licença de nojo; licença para acompanhamento do parceiro; seguro de vida e de saúde; entre outros; d) concessão de benefícios previdenciários iguais entre casais hetero e homossexuais; e) possibilidade de o parceiro supérstite assumir a titularidade da locação (ou mesmo posse) de imóvel onde residiam e que foi firmada por seu companheiro falecido (quer em acomodações públicas, quer privadas); f) no caso de extinção da relação, forma de partilha dos bens; g) direitos reconhecidos no caso de incapacidade de um dos parceiros, como, por exemplo, visita/acompanhamento em hospital; h) direitos envolvendo questões tributárias. Em diversas regiões, os órgãos jurisdicionais e administrativos vêm reconhecendo direitos advindos dos relacionamentos homossexuais. Na região do Pacífico, na Oceania, o Senado Australiano e o Comitê Constitucional publicaram, no final de 1997, um importante relatório, "Inquiry into Sexuality Discrimination". De acordo com o documento, ainda sem força normativa, casais homossexuais, bissexuais e transexuais devem receber a mesma proteção da Commonwealth Law, sem discriminação, assim que os heterossexuais, incluindo o mesmo status legal e acesso aos serviços governamentais. Entretanto, há territórios australianos que conferem proteção aos relacionamentos gays, estendendo-lhe vários benefícios. São eles: Austrailian Capital Territory ,New South Wales, Northern Territory , Queensland , South Australia ,Tasmania ,Victoria ,e Western Australia. South Sydney e New South Wales, inclusive, admitem o registro civil de parcerias entre casais de mesmo sexo ou de sexo diferente. Na África, decisões neste sentido foram proferidas na Namíbia e na África do Sul. Na Namíbia, em junho de 1999, a Alta Corte decidiu que os casais homossexuais têm os mesmos direitos que os casais heterossexuais. A decisão do juiz Harold Levy foi dada no caso de uma lésbica alemã, Liz Frank, que estava lutando para permanecer na Namíbia com sua namorada, cidadã deste país, Elizabeth Khaxas. Observe-se que a homossexualidade masculina é proibida neste país, o que reduz sensivelmente o escopo da decisão que se restringe às lésbicas. Na África do Sul, em 02.02.1998, a Alta Corte Pretoria declarou inconstitucional a recusa da "South America Police Services Medical Aid" em estender o seguro social à parceira de uma empregada lésbica. No caso Satchwell v The President, a Corte Constitucional da África de Sul confirmou que os casais homossexuais podem receber os mesmos benefícios dos casais heterossexuais nas relações de emprego. Também, na África do Sul, em 12.02.1999, a Alta Corte da Cidade do Cabo declarou a inconstitucionalidade da Lei de Controle de Estrangeiros (Aliens Control Act), dispondo que lésbicas e gays e seus parceiros imigrantes devem ser livres para viver juntos como uma família. A Corte determinou ainda que ao governo, no prazo de 12 meses, que reconhecesse as uniões homossexuais por emenda à lei mencionada. Esta decisão foi confirmada pela Corte Constitucional. Na Europa, há como exemplo, decisões proferidas no Reino Unido e na Hungria. No Reino Unido, em 28.10.1999, a Câmara dos Lordes declarou que os homossexuais possuem os mesmos direitos de moradia dos cônjuges heterossexuais (Fitzpatrick v. Stirling Housing Association). A Câmara decidiu que Martin Fitzpatrick poderia permanecer no apartamento locado por seu parceiro, John Thompson, que falecera. No julgamento - por 3 a 2 - entendeu-se que Fitzpatrick deveria ser protegido como um membro da família, conferindo a ele os mesmos direitos de moradia. Posteriormente, no caso Mendoza, com base no art. 14 do Human Rights Act, ficou decidido que os casais homossexuais devem ser considerados tal qual marido e mulher. Na Hungria, em 08.03.1995, a Corte Constitucional declarou ser inconstitucional a definição do "common-law marriage" como a união formada entre homem e mulher. No entendimento da corte, "é arbitrário à dignidade humana que a lei recuse reconhecimento aos casais que vivem em união econômica e emocional simplesmente porque são do mesmo sexo". A Corte também declarou que o casamento civil não está ao alcance dos casais homossexuais, pois "a constituição protege a instituição do casamento civil e o define como a união entre homem e mulher". A lei sobre o "common-law marriage", denominada PTR 578/G, foi enviada pela Corte de volta à legislatura, determinando a sua modificação, ou a elaboração de uma nova lei que estenda os direitos advindos do "common-law marriage" aos casais homossexuais, fixando o prazo em 01.03.1996. Em 21.05.1996, a lei foi promulgada, conferindo aos casais homossexuais que vivam juntos e mantenham relações homossexuais, os mesmos direitos reconhecidos aos casais heterossexuais, inclusive os concernentes à herança e à pensão. Entretanto, não é permitido que estes casais adotem uma criança. No Oriente Médio, novembro de 1994, a Suprema Corte de Israel proferiu uma decisão garantindo direitos iguais a casais do mesmo sexo. As Cortes Regional e Nacional haviam previamente decidido a favor do requerimento de Jonathan Danilowitz para que a El Al lhe garantisse passagens aéreas para o seu parceiro, como parte dos benefícios de seu emprego. Para o então presidente

da Suprema Corte, Aharon Barak, não há diferenças entre parceiros do mesmo sexo e de sexos diferentes, no que concerne ao companheirismo, à fraternidade e ao comportamento social; logo, estabelecê-la seria uma verdadeira discriminação. No entendimento da Corte, trata-se de uma questão de igualdade, não somente no local de trabalho, mas em amplo sentido. Em março de 1995, a Universidade de Tel Aviv, no âmbito administrativo, garantiu todos os benefícios, concedidos aos cônjuges, ao parceiro do professor de Química, homossexual, Uze Even. Em 03.06.1997, a Corte de Haifa reconheceu um casal de lésbicas que assinara um contrato de "divisão de vida" como uma unidade familiar. Esta decisão foi baseada no precedente de 1994 da Suprema Corte que entendeu que o termo "casal" se aplica a pessoas do mesmo sexo. Nas Américas, as experiências relatadas são concernentes ao Canadá, aos Estados Unidos, à Colômbia e ao Brasil. No Canadá, em 1995, a Suprema Corte decidiu, por unanimidade, que a cláusula de igualdade (section 15 (1) of the Charter of Rights and Freedoms, acrescida à Constituição em 1982) é aplicavél aos homossexuais. A discriminação, com base na orientação sexual, foi, por analogia, tida como uma razão de discriminação. Pela similaridade com as razões enumeradas na seção 15, I, o tratamento diferenciado, com base na orientação sexual, foi considerado discriminação. Cinco dos nove juízes também entenderam que a cláusula de igualdade enseja tratamento igual para casais heterossexuais e para casais homossexuais (Egan v Canadá - 1995, (Supreme Courts Reports 4118). Em 1999, a Suprema Corte declarou que a definição de cônjuge como pessoa do sexo oposto, prevista na Lei de Família de Ontário é inconstitucional. De acordo com a Carta de Direitos do Canadá, os casais do mesmo sexo devem gozar do mesmo reconhecimento dado aos casais heterossexuais não casados (MVH v Ontario - 1999). Em Ontário, 1996, a Corte de Apelação decidiu que uma lésbica tinha que pagar pensão alimentícia à sua parceira. O caso foi resolvido com base na definição de cônjuges que deve incluir os casais do mesmo sexo. O governo de Ontário apelou para a Suprema Corte do Canadá (96 Ontario Appeal Cases,173). Em 10.06.2003, Ontario se tornou o então terceiro governo do mundo a disciplinar o reconhecimento civil das relações homossexuais pela via do casamento. E, aproximadamente um mês após (na data de 08.07.2003), o mesmo foi feito em British Columbia. Quanto aos Estados Unidos, em maio de 1993, no caso Baehr v. Lewin, a Suprema Corte do Hawaii, decidiu que, nos termos da Hawaii’s Equal Rights Amendment, o Estado não pode negar os direitos e as obrigações do casamento civil aos casais do mesmo sexo, entendendo pela inconstitucionalidade de tal conduta. Para a Corte: "É a regulamentação do Estado para o acesso ao status de pessoas casadas, com base no sexo dos aplicantes, que levanta a questão (para saber) se aos casais de aplicantes têm sido negada a igual proteção das leis, com base na violação do artigo I, seção 5, da Constituição do Havaí. [...] Quando for alegada a negativa de igual proteção das leis, como regra, uma questão tem surgido durante a inquirição inicial: a legislação em questão deveria estar sujeita ao teste do 'escrutínio estrito' ou a um de 'base racional' [...] No caso em que classificações suspeitas ou direitos fundamentais não estiverem em questão, as cortes de apelação deste estado têm tradicionalmente empregado o teste de base racional. Com base neste, a inquirição se dá em saber se um estatuto promoveria o legítimo interesse do estado. [...] O sexo é uma 'categoria suspeita' para os propósitos de análise da igual proteção à luz do artigo I, seção 5, da Constituição do Havaí; HRS s 572-1 (???) está, doravante, sujeito ao teste do 'escrutínio estrito'. [...] presume-se inconstitucional, ao menos que possa ser provado que a classificação do estatuto, com base no sexo, está justificada pela obrigatoriedade dos interesses do estado e que o mesmo seja, por pouco/minimamente, invocado para evitar desnecessária 'compressão/redução/contração' dos direitos constitucionais". 75 Na Colômbia, em março de 1999, a Suprema Corte negou os direitos do casamento a casais gays, sob o fundamento de que a família é formada quando um homem e uma mulher decidem se casar. Todavia, em maio de 2000, foi publicada a primeira sentença de uma Corte de Família reconhecendo direitos de herança a casais homossexuais. Harold e Dagoberto viveram juntos como um casal por mais de cinco anos em Bogotá, Colômbia. Dagoberto era portador do vírus HIV. Ele foi hospitalizado várias vezes e a sua família o ignorava. Harold era a única pessoa que cuidava de Dagoberto. Dagoberto passou o último mês da sua vida no hospital, com Harold constantemente a seu lado. O corpo de Dagoberto foi cremado, e imediatamente após a cerimônia, a sua família tomou posse do apartamento onde vivia junto com seu parceiro, expulsando Harold que não era o proprietário legal. O processo judicial entre Harold e o pai e sobrinhos de Dagoberto levou dois anos e meio. Finalmente, a Corte de Família da Colômbia decidiu: levando em conta que Harold foi o companheiro do falecido, vivendo uma relação homossexual, mais de quatro anos, por direito, ele deve ser considerado o único herdeiro da propriedade de Dagoberto. No Brasil, diversos são os precedentes, destacando-se a atuação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, como se depreende das experiências abaixo mencionadas. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por sua 8a Câmara Cível , sendo Relator, o Des. Breno Moreira Mussi, em agravo interposto contra decisão do juiz da 5a Vara de Família de Porto Alegre que declinou a competência para uma das varas cíveis da comarca, em disputa sobre patrimônio de um casal de lésbicas, decidiu, por unanimidade, ser a matéria de competência da vara de família, pois "o aspecto afetivo da relação homossexual é igual ao da heterossexual". Nesses casos, a orientação dos desembargadores gaúchos é, nos litígios de tal natureza, no sentido da aplicação analógica da legislação referente à união estável, pelos juizes de direito das varas de família. A 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença proferida pela 7ª Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre, no processo nº 70005488812, reconhecendo como "estável" a união entre duas mulheres e determinando a partição igualitária dos bens adquiridos ao longo da relação, em conseqüência do fim do relacionamento. No processo, vem relatado que as duas se conheceram em bar freqüentado por lésbicas, passando a morar juntas a partir de janeiro de 1997, até agosto de 2001, quando ocorreu a ruptura da relação. A separação foi tumultuada e as duas ex-companheiras estavam em litígio desde setembro de 2001, quando uma ingressou - contra a outra - com medida cautelar de arrolamento de bens, com vistas a evitar que o patrimônio maior, que ficara com uma delas, fosse pulverizado. Ao apreciar o recurso da parte vencida, o desembargador José Carlos Teixeira Giorgis considerou que "ocorreram quase cinco anos de convivência contínua, notória, com interesses e objetivos comuns, como uma família". Por fim, a decisão transitou em julgado. A mesma Câmara manteve sentença, prolatado no processo nº 70001388982, que reconheceu direitos sucessórios a parceiro homossexual supérstite, concedendo a N.G., o direito de receber 75% do bom patrimônio deixados por H.O. Em ação ajuizada em 20 de dezembro de 1997, no foro regional da Restinga, a advogada de N. sustentou a existência de união estável entre este e H.O. A prova testemunhal, colhida pelo juiz Tasso Cauby Soares Delabary comprovou que, quando ainda jovem (22 anos), N. foi morar com H. e assim permaneceram durante mais de 30 anos. A sentença reconheceu que "mais do que uma sociedade de fato, tratou-se de uma sociedade de afeto". O espólio de H. recorreu, sem êxito, ponderando que "a sentença foi ilegal e desproporcional, eis que provado que os dois mantinham apenas a coabitação". Conforme o desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, "não se permite mais o farisaismo de desconhecer a existência de uniões de pessoas do mesmo sexo, daí derivando efeitos jurídicos". Propondo o relevo "aos princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade", o magistrado votou para retificar, de ofício, a disposição sentencial: "Trata-se de união estável e não de sociedade de fato". No ponto, ele foi acompanhado pela desembargadora (Maria) Berenice Dias. O terceiro voto - do desembargador Sérgio Chaves - manteve a partilha, "mas como decorrência de sociedade de fato". A decisão transitou em julgado.

75 "It is the state's regulation of access to the status of married persons, on the basis of the applicants' sex, that gives rise to the question whether the applicant couples have been denied the equal protection of the laws in violation of article I, section 5 of the Hawaii Constitution. […] Whenever a denial of equal protection of the laws is alleged, as a rule the initial inquiry has been whether the legislation in question should be subjected to ‘strict scrutiny’ or to a ‘rational basis’ test. […] Where suspect classifications or fundamental rights are not at issue, the appellate courts of this state have traditionally employed the rational basis test. Under the rational basis test, the inquiry is whether a statute furthers a legitimate state interest. […] Sex is a ‘suspect category’ for purposes of equal protection analysis under article I, section 5 of the Hawaii Constitution; HRS s 572-1 is therefore subject to the "strict scrutiny" test. […] is presumed to be unconstitutional unless it can be shown that the statute's sex-based classification is justified by compelling state interests and that it is narrowly drawn to avoid unnecessary abridgments of constitutional rights" .

Em maio de 2003, no julgamento de embargos infringentes, no processo nº 70003967676, os oito desembargadores componentes do 4º Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, mais o 3º Vice-Presidente, em voto de minerva, decidiram, por 5 votos a 4, manter a sentença proferida em primeira instância reconhecendo direitos sucessórios a parceiro homossexual supérstite. V.D, faleceu no estado civil de solteiro, sem filhos e sem ascendentes vivos, era sócio de uma conhecida empresa comercial de Porto Alegre, que deu emprego a I. L. M. No início da relação, os encontros furtivos eram nos finais de semana, na praia do Imbé e na serra gaúcha. Em seguida, os dois foram morar juntos, registrando a petição inicial que se tratava de "uma união estável, com as características da exclusividade, do respeito e da seriedade"; e, com o passar do tempo, a relação - embora mantida com discrição - foi ganhando contornos públicos. Com o falecimento do comerciante V. D., em 9 de julho de 1995, iniciou-se uma batalha judicial, tendo I. L. M. obtido liminar para ser mantido na posse do apartamento residencial. Na ação, depois de afirmar que "os dois formavam uma família", I.L.M pediu a totalidade da herança ou, pelo menos, a metade dos bens do espólio do falecido. A sentença da juíza Judith dos Santos Motttecy reconheceu que "houve fidelidade", mandando dar os bens ao requerente. Entretanto, essa decisão, foi modificada em outubro de 2001, por maioria, pela 8ª Câmara Cível. Com base no voto vencido que concedia a I. L. M. o "direito sucessório decorrente de união estável, sociedade de fato", foi interposto embargos infringentes, para que a questão fosse julgada novamente. No entanto, a decisão ainda não transitou em julgado, pois o Ministério Público interpôs Recurso Extraordinário, sustentando que a união estável só é possível entre um homem e uma mulher - mas jamais entre dois homens, ou duas mulheres. . Consigna-se, ainda, no processo nº 70006984348, a decisão da 8ª Câmara Cível que reconheceu, por dois votos a um, identidade de efeitos entre união homossexual e união estável, legitimando a união de dois homens como verdadeira família A decisão concedeu usufruto de 25% do patrimônio ao parceiro sobrevivente: considerou que esse não precisa provar que contribuiu para a constituição do patrimônio do casal e garantiu o direito à divisão da metade dos bens adquiridos. O processo revela que T. M. S. buscou reconhecimento de existência de sociedade de fato, direito à divisão dos bens adquiridos e direito ao usufruto sobre imóvel onde residia com E. H. K.. Os dois moravam em um apartamento em Porto Alegre, e mantiveram, de 1988 a 1997, uma união homossexual estável, de conhecimento dos familiares, até o falecimento de E.H.K., vitimado pela AIDS. Também portador de HIV, T.M.S. solicitou antecipação de tutela para permanecer residindo no imóvel, a qual foi concedida e posteriormente confirmada em sentença que julgou procedente a ação. Em apelação interposta perante o TJRS, os familiares de E.H.K. alegaram que T.M.S. não contribuiu para a aquisição dos bens arrolados, não havendo sociedade de fato e não cabendo, portanto, divisão dos bens ou direito de usufruto. No seu voto, o desembargador Rui Portanova invocou o princípio jurídico de que "aquilo que não é proibido, é permitido". Portanova lembrou que "as uniões não são proibidas por nenhuma lei e, assim, são permitidas pelo Direito". Em seu entendimento, a falta de lei não significa que o juiz não deva decidir. Essa analogia se estabelece, segundo Portanova, com a união estável, por serem as semelhanças evidentes: "Ambos são relações de afeto não-formalizadas, há a relação de amor comum entre os parceiros e as agruras e discriminações sofridas pelas famílias homossexuais, também são sentidas pelos amantes que hoje vivem em união estável". Acompanhando essa tese, o desembargador José Ataídes Siqueira Trindade acrescentou que deve ser reconhecida a união estável, mesmo entre pessoas do mesmo sexo, com todas as suas conseqüências. O relator, desembargador Alfredo Guilherme Englert, foi voto vencido, dizendo que "o pedido formulado pelo autor era de reconhecimento de sociedade de fato e não de união estável", inexistindo prova da alegada contribuição do requerente para a formação do patrimônio. Ademais, sustenta, a união estável, com direito aos bens e à herança, caracteriza-se pela convivência duradoura e pública entre homem e mulher, "e um relacionamento homossexual constitui-se apenas em sociedade de fato". A decisão ainda não transitou em julgado, vez que foi interposto embargos infringentes, ainda não julgado pelo Tribunal. No âmbito da competência da Justiça Federal, há decisões que reconhecem direitos previdenciários aos parceiros homossexuais, como a proferida em 1ª instância pelo Juiz Federal Substituto Cláudio Roberto da Silva, da Justiça Federal da Seção Judiciária de Santa Catarina, em 15.04.1999, deferindo a concessão de pensão por morte para companheiro homossexual na condição de dependente de servidor público (art. 211, Lei n.º 8.112/91). O juiz entendeu que, embora o conceito de união estável como entidade familiar não contemple a sociedade de fato entre homossexuais, tal sociedade, existindo, exige tratamento igualitário ao conferido aos companheiros. O julgador ressalta ainda que o ordenamento jurídico não veda as uniões homossexuais, por isso, não há motivos para que não gere efeitos. Assim, a concessão da pensão exige a prova da necessidade de existência de dependência econômica entre os companheiros, pois o objetivo dessa é assegurar ao beneficiário a continuidade do amparo econômico que recebia do servidor falecido, e não lhe melhorar a situação financeira. Nos autos, verificaram-se todos os requisitos caracterizados do concubinato: coabitação, fidelidade, estabilidade da relação, continuidade das relações sexuais e notoriedade. Também restou demonstrada a dependência econômica do autor em relação ao seu falecido companheiro. Por fim, é digna de registro a postura adotada pela Organização das Nações Unidas. Recentemente, em agosto de 2003, o Comitê de Direitos Humanos da ONU proferiu uma importante opinião no caso n.º 941/2000, Young v. Australia, reconhecendo direitos decorrentes das relações entre pessoas do mesmo sexo, especificamente, o reconhecimento da condição de dependente para recebimento de pensão de guerra. Edward Young manteve uma relação homossexual, durante 38 anos, com Mr. C, veterano de guerra falecido em 20 de dezembro de 1998. Em março do ano seguinte, o autor requereu, na condição de dependente de um veterano de guerra, uma pensão, com base no art.13 do Veteran's Entitlement Act ("VEA"). O pedido do autor foi negado por diversos órgãos, sob o fundamento de que o autor não pode ser considerado, nos termos da lei, um "membro de um casal". A Comissão de Direitos Humanos e Igualdade de Oportunidades da Austrália (Human Rights and Equal Opportunity Commission) negou a apreciação da reclamação do autor. Desse modo, o autor formulou uma reclamação perante o Comitê de Direitos Humanos da ONU, fundamentando-a na violação do art. 26 da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. A despeito das alegações formuladas pelo Estado Australiano, o Comitê entendeu que a única razão da negativa ao pedido formulado pelo autor é o fato de que este não satisfaz a condição de "viver com uma pessoa do sexo oposto", o que, segundo as autoridades australianas, caracterizaria o autor como "membro de um casal". Para o Comitê, esta é uma interpretação equivocada, que constitui uma discriminação por razão de sexo, violando assim o art. 26 da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Nas considerações de mérito, dispõe o Comitê: "O Comitê relembra a sua jurisprudência anterior no sentido de que a proibição de discriminação, determinada pelo artigo 26, inclui, também, a discriminação com base na orientação sexual. Relembra que em seus comunicados anteriores, o Comitê determinou/considerou que as diferenças no recebimento de benefícios entre casais casados e casais heterossexuais não-casados era razoável e objetiva, na medida em que aos casais em questão era dada a opção de casar e de arcar com todas as suas consequências. Transparece das seções contestadas do VEA que os indivíduos que fazem parte de uma relação legal de casamento, ou de um regime heterossexual de coabitação (que podem provar que vivem em uma situação assemelhada ao casamento), atendem à definição do que é ser "membro de um casal" e, consequentemente, do que seja um dependente, para efeito de recebimento de benefícios de pensão. No caso presente, é claro que o autor, como parceiro do mesmo sexo, não tinha a possibilidade de contrair casamento. Tampouco era-lhe reconhecida a condição de parceiro coabitante do Sr. C, com o objetivo de recebimento de benefício de pensão, devido a sua orientação sexual. O Comitê relembra, em sua constante jurisprudência, que nem toda distinção se eleva/equipara à discriminação proibida pela/sob o abrigo da Convenção, na medida em que ela esteja baseada em critérios objetivos e razoáveis.O Estado não fornece/provê nenhum argumento quanto à forma em que a distinção entre parceiros do mesmo sexo, os quais, sob esta lei, estão excluídos dos benefícios de pensão, e parceiros heterossexuais, não (legalmente) casados, e aos quais são garantidos estes mesmo benefícios, seja razoável e objetiva, nem tampouco evidencia a existência de quaisquer fatores que justifiquem que tal distinção se esteja produzindo. Neste contexto, o Comitê considera que o Estado violou o artigo 26 da Convenção ao denegar ao autor (o direito à) uma pensão com base em seu sexo ou orientação sexual". 76

76 "The Committee recalls its earlier jurisprudence that the prohibition against discrimination under article 26 comprises also discrimination based on sexual orientation. It recalls that in previous communications the Committee found that differences in the receipt of benefits between married couples and heterosexual unmarried couples were reasonable and objective, as the couples in question had the choice to marry with all the entailing consequences. It transpires from the contested sections of the VEA that individuals who are part of a married couple or of a heterosexual cohabiting couple (who can prove that they are in a

Na opinião do Comitê, o governo australiano deve reconsiderar o requerimento de pensão de Edward Young, sem discriminação baseada em sua orientação sexual, mesmo que seja necessário reformar sua legislação federal. O Comitê estabeleceu que, no prazo de noventa dias, o governo australiano responda a sua decisão, ao cabo do qual se espera sejam tomadas as medidas necessárias para a remoção da discriminação. 3.2.6 A paternidade e a maternidade Nesse campo, engloba-se o direito à formação de família. Encontra-se, especialmente, a problemática relativa à possibilidade da guarda de filho ser entregue ao genitor gay; admissibilidade de adoção de criança quer por casal homossexual, quer por indivíduo assumido homossexual; o reconhecimento do pátrio poder ao parceiro que não é genitor (possibilidade do parceiro não-genitor adotar filho natural de seu companheiro homossexual, ou ainda, reconhecimento legal da figura do parceiro não-genitor como integrante da unidade familiar); acesso a tecnologias reprodutivas que se manifesta na vedação legal às mulheres lésbicas terem acesso a técnicas reprodutivas, acesso esse que se viabiliza pela possibilidade de optarem por uma inseminação, por doação ou por fertilização in vitro ou pela possibilidade de concorrerem, em igualdade de condições, com mulheres heterossexuais, à utilização dessas técnicas reprodutivas, inclusive com financiamento público do tratamento. As experiências serão listadas em relação à adoção, pátrio poder e inseminação, quer sejam positivas, quer negativas. i) adoção Na região africana, a África do Sul, através da atuação de sua Corte Constitucional, tem assegurado a casais homossexuais o direito de adotar filhos e reconheceu que leis que proíbam essa adoção padecem do vício de inconstitucionalidade (Du Toit and another v Minister of Welfare and Population Development and others, julgado em setembro de 2002). No Pacífico (Oceania), no território australiano de New South Wales, há casos em que foi permitido a lésbicas adotassem individualmente; não há previsão, todavia, para adoção conjunta. Na Tasmânia, The Relationships Act permite que homossexuais adotem os filhos biológicos de seus parceiros. Também em Western Australia assegura-se, aos casais homossexuais, igualdade de acesso aos procedimentos de adoção. Na Europa, a Holanda, de forma pioneira, já permite, desde a edição da Lei de 21 de dezembro de 2000, que modificou o Livro 1 do Código Civil, a adoção conjunta de crianças holandesas por casais homossexuais. E, no Reino Unido tem sido concedido aos homossexuais, casais ou indivíduos solteiros, o direito de adotar. A orientação das cortes é que gays e lésbicas podem adotar como pessoas solteiras, mesmo que tenham parceiros. Desde o W Case o "Official Solicitor" (que é geralmente designado pela Corte, como guardião da criança, nos casos de adoção por gays e lésbicas) deixou de requerer a submissão dos pretendentes gays e lésbicas a exame psiquiátrico. E para além da proteção jurisdicional, o Adoption and Children Act , de novembro de 2002, assegura Na Oriente Médio, em 20.08.1999, a Justiça israelense negou o requerimento de um casal de lésbicas para co-adotar os seus filhos não biológicos. O juiz Shtufman, da Corte de Família de Israel, denegou o requerimento de um casal de lésbicas para que cada uma das mulheres pudesse adotar a criança que foi gerada por sua parceira.O casal vivia junto por 10 anos. As mulheres geraram três filhos, todos concebidos por inseminação artificial. Uma assistente social relatou à Corte que as duas mulheres eram co-mães dos três garotos que eram criados como irmãos. No início de 1999, foi garantido a cada uma das mulheres o direito de guarda dos seus filhos não-biológicos. Apesar de a Corte entender que mães e filhos são uma família, o requerimento de adoção era impossível, por não estar previsto na Lei de Adoção. Nas Américas, os tribunais do Canadá e do Brasil proferiram decisões concedendo o direito de adoção a homossexuais. No Canadá, em 1995, a Corte de Ontário (Provincial Division) confirmou o direito de adoção por casais homossexuais no caso Re.K ( 23 Ontario Reports (3d) 679). No caso, um dos companheiros era pai da criança e, portanto, os fundamentos da decisão não se encontram diretamente ligados à situação do casal. Não obstante, a decisão reconheceu o direito de casais homossexuais adotarem uma criança, mesmo quando esta não é biologicamente ligada a uma das partes. Na decisão, a Corte dispôs que não há nenhuma evidência de que famílias com pais heterossexuais sejam mais capazes de satisfazer as necessidades físicas, psicológicas, emocionais e intelectuais de uma criança do que as com pais homossexuais. Em Alberta, a Corte garantiu o direito de adoção por duas mulheres lésbicas. A decisão teve por base o melhor interesse da criança. Durante o processo, ficou claro que as mulheres eram qualificadas para se tornarem, legalmente, mães dos meninos que elas ajudaram a criar desde o nascimento. No Brasil, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em sede recursal, entendeu que a homossexualidade não é causa justificativa de recusa de adoção, nem de destituição do pátrio poder. Decidindo a corte que "conforme depreende-se do parecer psicológico e dos estudos sociais, a adoção atende os objetivos desejados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e da sociedade. Não foi demonstrado nos autos qualquer manifestação do adotante ofensiva ao decoro, capaz de deformar o caráter do adotado. A homossexualidade não pode por si só obstar a adoção" . ii)pátrio poder Na Europa, também são relatadas algumas experiências.Veja-se abaixo. Na Bélgica, a Corte reconheceu os direitos de visita ao pai não biológico. Na Dinamarca, a adoção de filho do parceiro é possível desde a modificação na Lei de Parceria Registrada, em julho de 1999. Na Finlândia, a lei sobre direitos de custódia e visita habilita pessoas que não sejam legalmente pais a obterem a custódia de uma criança, em conjunto com o seu pai ou mãe. Na Islândia, é possível a adoção de filho do parceiro Na Noruega e Holanda, o pátrio poder pode ser compartilhado. Na Suécia, em um caso sobre guarda de uma criança, a Suprema Corte decidiu que o fato de a mãe ser lésbica não significa que seja inapta como guardiã, dispondo, em sua decisão, que a sua orientação sexual não pode influenciar no processo da guarda de uma maneira negativa. Nas Américas, o Brasil apresenta um caso bastante interessante. Em fevereiro de 2002, a Justiça do Estado do Rio de Janeiro (1a Vara da Infância e da Juventude) assegurou, provisoriamente, a guarda de uma criança à parceira da mãe falecida. Trata-se do processo referente à guarda de Chicão (Francisco Ribeiro Eller), filho da falecida cantora Cássia Eller, requerida por sua parceira Maria Eugênia Vieira Martins, e que mobilizou a sociedade brasileira, com ampla cobertura da mídia nacional. A guarda de Chicão também foi requerida pelo pai da cantora, Altair Eller.

"marriage-like" relationship) fulfill the definition of "member of a couple" and therefore of a "dependant", for the purpose of receiving pension benefits. In the instant case, it is clear that the author, as a same sex partner, did not have the possibility of entering into marriage. Neither was he recognized as a cohabiting partner of Mr. C, for the purpose of receiving pension benefits, because of his sex or sexual orientation. The Committee recalls its constant jurisprudence that not every distinction amounts to prohibited discrimination under the Covenant, as long as it is based on reasonable and objective criteria. The State party provides no arguments on how this distinction between same-sex partners, who are excluded from pension benefits under law, and unmarried heterosexual partners, who are granted such benefits, is reasonable and objective, and no evidence which would point to the existence of factors justifying such a distinction has been advanced. In this context, the Committee finds that the State party has violated article 26 of the Covenant by denying the author a pension on the basis of his sex or sexual orientation".

Posteriormente, em razão da competência para processamento do feito, esse foi distribuído para a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões da Capital, que ratificou a guarda provisória concedida pelo juízo da 1a Vara da Infância e da Juventude. Finalmente, em outubro de 2002, foi assegurada a tutela em favor de Maria Eugênia. iii) inseminação Admitindo a possibilidade de inseminação, na Europa: Bélgica, Finlândia, Grécia, Irlanda, Holanda, Espanha e no Pacífico (Oceania):Austrália (Western Autralia). Porém, no Reino Unido é possível que as clínicas de fertilidade recusem realizar o procedimento por critérios discricionários. A inseminação artificial é regulamentada pelo "Human Fertilisation and Embryology Act" de 1990, no qual um dos dispositivos dispõe que não é permitido às clínicas prestar os serviços regulamentados na lei sem levar em conta "o bem estar da criança que pode nascer, incluindo a sua necessidade de ter um pai". Isto significa que as clínicas podem decidir em que casos vão prestar os serviços de inseminação a lésbicas. Negando a possibilidade de inseminação, tem-se: na Europa: Dinamarca, Alemanha, Itália, Noruega, Suécia, República Tcheca, Hungria, Polônia, Letônia, Lituânia; e no Pacífico (Oceania): Austrália (Capital, Northern Territory, Queensland, South Australia, e Victoria). Registram-se, ainda, mais algumas experiências verificadas nessas duas regiões geográficas. Na Áustria, o "Reproductive Medicine Act", de 1992, exclui explicitamente as mulheres solteiras, lésbicas ou não, dos benefícios dos métodos de inseminação artificial ou fertilização in vitro. Estes são restritos às mulheres casadas, ou às mulheres que vivem uma longa relação heterossexual. Na França, desde a Lei de Bioética - L.94-653, de 29 de julho de 1994 - a inseminação artificial é acessível apenas aos casais heterossexuais casados, ou que vivem em união estável (Code Civil, Art. 311-20). A mesma lei proíbe qualquer acordo privado permitido que uma mulher dê à luz um filho de outra (Code Civil, Art. 16-7). Há um caso bastante interessante tratando sobre o dever de alimentos. Na Nova Zelândia, em 1999, a Alta Corte manteve o dever de uma mulher de dar assistência a uma criança, filha de sua exparceira, confirmando o entendimento da Corte de Família que lhe ordenara contribuir financeiramente para a educação da criança, uma vez que ela ajudou a criá-la como se fosse sua. Na decisão, o juiz entendeu que a redação do "Child Support Act" é neutra e ampla o suficiente para incluir as relações entre pessoas do mesmo sexo. A decisão foi bastante significativa para outras relações homossexuais e para os adultos que exercem o papel de pais sem terem ligação biológica com a criança. Esta foi apoiada pelo "Inland Revenue Departament", responsável pela arrecadação do pagamento da pensão das crianças. O departamento afirmou que vai aplicar o precedente em outros casos de assistência infantil. As mulheres, partes da ação citada, viveram uma relação de fato durante quatorze anos e separaram-se há alguns anos. Durante a relação, a ré concebeu um filho através de inseminação artificial. As mulheres consideravam-se casadas e a apelante , na época, adotou o sobrenome da parceira. Em agosto de 1999, o juiz da "Hamilton Family Court" deferiu o pedido da ré, baseando-se nas normas do "Child Support Act" para que a sua ex-parceira fosse declarada legalmente madrasta, e por conseguinte, qualificada a arcar com os custos da manutenção da criança. Os juízes Penligton e Hammond concordaram que a definição de padrasto/madrasta (step-parenthood) no "Child Support Act" de 1991 pode ser aplicada a casais homossexuais porque inclui pessoas que vivam como casadas. 3.2.7 O asilo A questão do asilo ajusta-se no reconhecimento, por alguns Estados, de que a perseguição em razão de orientação sexual é causa legítima para sua concessão - o que ao final implica preservação da vida da pessoa homossexual e do direito de livre orientação sexual. Até mesmo, o Alto Comissariado da ONU para Refugiados afirma, em sua publicação Protecting Refugees: "homosexuais podem ser elegíveis ao status de refugiado com base na perseguição sofrida pelo pertencimento a um grupo social particular. É política (da Alta Comissão) que as pessoas que se deparam ante o ataque, o tratamento desumano ou a séria discriminação com base na sua orientação sexual, e cujos governos sejam incapazes ou relutantes em protegê-los, sejam reconhecidos como refugiados."77 Na região africana, a África do Sul possui legislação, em vigor desde maio de 2000, especificando que a orientação sexual é válida como razão para concessão de asilo político. No Pacífico, Austrália e Nova Zelândia vêm adotando este posicionamento. Na Austrália, em decisões de 8 de março de 1994 (N 93/00846) e de 25 de agosto de 1994 (BN93/01754), o Tribunal de Refugiados considerou os homossexuais como um grupo social particular, pois verificam-se nele determinadas características imutáveis e homogêneas, o que enseja a concessão de asilo para os pretendentes que sofrem perseguição em seu país, em virtude da sua condição de homossexual. Na Europa, apontam-se Áustria, Bélgica, França, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Grécia, Irlanda, Letônia, Holanda, Noruega, Suécia e Reino Unido. Por exemplo, no Reino Unido, em março de 1999, a Câmara dos Lordes admitiu a apelação de duas mulheres que requereram asilo. Para provimento do recurso, os Lordes consideraram o significado das palavras "membros de um grupo social específico". Na decisão, foi declarado que qualquer pessoa perseguida por sua identidade sexual, e que não é protegida pelas leis de seu estado, pode buscar asilo no Reino Unido. Quatro dos cinco Lordes mencionaram especificamente os homossexuais, acreditando que esses podem de fato formar um grupo social. Nas Américas, tal reconhecimento é verificado nos Estados Unidos e no Canadá. Chama-se a atenção para a situação canadense, pois a Suprema Corte entendeu que, a despeito de ausência de previsão normativa expressa, a orientação sexual pode servir de base para definição de grupo social, no que tange à concessão de asilo (Ward v Canada - Attorney General- 1993 25 CR 689, 731 - Can SC). 3.2.8 Os direitos dos transexuais A temática dos direitos dos transexuais abre-se para uma discussão muito particular e própria da condição da transexualidade, como consignado anteriormente. Na verdade, é a partir do tratamento legal que lhe é dispensado que se verifica o grau de proteção que lhe é outorgado, implicando especialmente a possibilidade legal de intervenção cirúrgica para a redesignação sexual. A problemática, em geral, é tratada como direitos pertinentes à personalidade. Alguns países já admitem a redesignação sexual. Na África: Egito. Na Ásia: Japão e Cingapura. No Pacífico (Oceania): Austrália (South Austrália, Sexual Reassignment Act, n.49 de 1988) e Nova Zelândia. Na Europa: Alemanha, Itália, Suíça, Ucrânia, Áustria, República Tcheca, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Itália, Letônia, Holanda, Romênia, Espanha e Turquia. E nas Américas: Canadá. Destaca-se a questão na Austrália (Capital; New South Wales; Northern Territory; e South Austrália). Em New South Wales, o art. 38A define transgênero "Uma pessoa (a) que se identifica como membro do sexo oposto, através do modo como vive, ou que busca viver , ou; (b) que se identificou como membro do sexo oposto através do modo como vive, ou; (c) que, sendo de um sexo indeterminado, se identifica como membro de um sexo particular por viver como membro daquele sexo".78 Os transexuais ou transgêneros redesignados são protegidos especificamente em respeito ao status de homem ou mulher em conseqüência da operação no art. 38B (1) (c). No Northern Territory, o "Births Deaths and Marriages Registration Amendment Act" 1996, em

77 "homosexuals may be eligible for refugee status on the basis of persecution because of their membership of a particular social group. It is the policy of [the High Commission] that persons facing attack, inhumane treatment, or serious discrimination because of their [sexual orientation], and whose governments are unable or unwilling to protect them, should be recognized as refugees". 78 como "a person (a) who identifies as a member of the opposite sex by living, or seeking to live, as a member of the opposite sex, or; (b) who has identified as a member of the opposite sex by living as a member of the opposite sex, or; (c) who, being of indeterminate sex, identifies as a member of a particular sex by living as a member of that sex".

vigor desde 1º de junho de 1997, admite que a pessoa que teve o seu sexo modificado por cirurgia mude o seu registro de nascimento. Em South Australia, a disciplina está no Sexual Reassignment Act, n.º.49 de 1988. Na República Tcheca (a Eslováquia adota a mesma normatização), os transexuais podem requerer serviços médicos necessários para a redesignação sexual. A modificação legal de gênero é permitida sob a égide de dois diplomas: a Lei 268/1949 e a Lei 55/1950. A Lei 268/1949 concerne aos registros de nascimento e morte, abrangendo erros e mudanças de gênero. A Lei 55/1950 abrange o uso e as modificações de nomes e sobrenomes, permitindo aos transexuais modificar ambos os nomes de acordo com o seu novo gênero. A ILGA (2003), por sua vez, registra a possibilidade de alterações nos registros de nascimento no que toca à indicação de gênero e de nome civil. Por conseqüência, é autorizada também a expedição de outros documentos, tais como habilitação para dirigir, passaporte, carteira de identidade etc que se ajustem corretamente à situação do transexual. No Brasil, embora as operações de mudança de sexo não tenham sido oficialmente sancionadas, após a aprovação, em 1997, pelo Conselho Federal de Medicina, da Resolução n.º. 1482, que permite a realização das operações em hospitais públicos, o procedimento está disponível. A resolução estabelece algumas condições para a realização da intervenção cirúrgica: pessoa com mais de vinte e um anos e que se submeteu a extensivas consultas com médicos, psicólogos e assistentes sociais por um período de dois anos. Entretanto, após a operação, os transexuais ainda não podem legalmente optar pela mudança de seus documentos pessoais e profissionais para a adequar-se à redesignação de gênero/. Há uma decisão proferida em sede de habeas corpus, pela Justiça Federal de Santos, que assegura o direito de ir e vir de transexual operado. É a ementa: "Intervenção cirúrgica nos órgãos genitais. Decisão judicial deferindo a alteração de nome e sexo. Requerimento de passaporte à Delegacia de Polícia Federal. Retenção do documento e instauração de inquérito para apuração de crime. Passaporte emitido com nome feminino, em data anterior à decisão judicial mencionada, obtido mediante apresentação de identidade e título eleitoral falsificado. Suspensão da emissão do passaporte. Ofensa ao direito de ir e vir. Segundo depreende-se do art. 25 do Regulamento de Viagem (Decreto n.º 1.983, de 14 de agosto de 1996), a não apresentação do passaporte emitido anteriormente deve ser justificada, requisito cumprido pela paciente. Além disso, o regulamento não condiciona a expedição de novo passaporte à cabal investigação de possíveis irregularidades na emissão de passaporte anterior, nem ao definitivo exercício da pretensão punitiva. Retenção do documento afeta o direito de locomoção de paciente, a qual só pode ocorrer mediante o devido processo legal. Ordem Concedida" (Habeas Corpus n.º 2000.61.04.004829-0, 3a Vara Federal de Santos). A Corte Européia de Direitos Humanos decidiu que o governo não pode violar os direitos de Kristina Sheffield e Rachel Horsham, negando-lhes novas certidões declarando que elas são do sexo feminino. A corte também decidiu por 18 votos a 2, que o governo tem o direito de impedir que elas se casem com um homem, pois este instituto, pela lei nacional, é restrito a homens e mulheres de origem biológica. A despeito de eventual reconhecimento legal da possibilidade da troca de sexo, a grande questão controvertida permanece sendo a possibilidade de casamento de transexuais. É o caso dos países da região da Ásia/Pacífico: Cingapura, Austrália (New South Wales) e Nova Zelândia e dos europeus, Áustria, Itália e Suécia. Na Áustria, a Corte Administrativa, em decisão de 30.09.1997, estendeu o direito de casamento aos transexuais. De acordo com a decisão, a operação de mudança de sexo tem como efeito a modificação legal do gênero. Embora não exista lei que expressamente regulamente as operações de mudança de sexo ou o status legal dos transexuais. Outros problemas também se colocam no tocante à possibilidade de o transexual participar de esportes de competição individual (por exemplo, atletismo e artes marciais), em que o requisito de gênero define os participantes e a titularidade de alguns benefícios concedidos. 3.2.9 A violência urbana: a "limpeza" social e a violência policial Sob este aspecto, verifica-se uma série de atos de violência praticados contra homossexuais, desde homicídios sistemáticos cometidos por grupos de extermínio para-militares a ações abusivas das forças policiais. A vida e a integridade física são os direitos maculados por tais violações. Sobre essa problemática, ver relatório da Anistia Internacional que documenta a discriminação e as conseqüentes violações de direitos humanos contra homossexuais, travestis e transexuais, incluindo informações sobre a presente situação legal da homossexualidade em mais de cinqüenta países. No caso brasileiro, são referência o levantamento elaborado por Mott e Cerqueira (2001 ) e a importante atuação do GGB. Registra Mott que: "[...]desde 1980, quando o Grupo Gay da Bahia iniciou a coleta sistemática de informação sobre tais crimes, até meados de 1999, temos documentados 1710 homicídios, dos quais os gays representam 63% destas vítimas, 31% travestis e 6% lésbicas. Anualmente divulgamos um boletim sobre Violação dos Direitos Humanos e Assassinato de Homossexuais no Brasil, constituindo este o principal publicação relativa à homofobia na América Latina" (2003 e). 3.2.10 As questões envolvendo os direitos humanos dos portadores do HIV/AIDS Essa problemática está diretamente relacionada ao público homossexual que, como é sabido, se qualifica como um dos grupos de risco de contágio. As posturas adotadas pelos países podem ser agrupadas em dois tipos de tratamento: um tratamento pró-direitos humanos e um tratamento agressor aos direitos humanos, em especial ao direito à saúde. i) tratamento pró-direitos humanos Como postura protetiva, visando promover a saúde e o bem-estar dos portadores do HIV/AIDS ou de indivíduos que, de alguma forma, estejam relacionados ao HIV, são arroladas medidas, em geral, que se manifestam em ações construtivas de governo e de políticas públicas que apóiem os portadores, desenvolvam programas de educação sexual para sexo seguro e de prevenção em geral contra o HIV/AIDS. Tome-se como exemplos as decisões proferidas em países da região das Américas: Na Costa Rica, em 1997, a Corte Suprema reconheceu que um dos maiores hospitais do país, o "Calderon Guardia", por mais de dez anos discriminava ilegalmente vítimas do HIV/AIDS, através da recusa em fornecer-lhes serviços laboratoriais. Em 23 de setembro de 1997, a Suprema Corte da Costa Rica decidiu favoravelmente à apelação interposta por William Garcia, um estudante de Psicologia, seriamente afetado pelo HIV/AIDS. A decisão é endereçada ao fundo do governo para cuidados com a saúde, a Caixa Costarricense de Seguro Social (CCSS), determinado que forneça a William os medicamentos retrovirais de que ele necessita. O CCSS anteriormente recusou a fornecer qualquer um destes medicamentos para pacientes portadores do HIV/AIDS na Costa Rica, com exceção do AZT, que era fornecido apenas a gestantes portadoras do HIV. Na Venezuela, em 1998, a Suprema Corte ordenou ao Ministro da Defesa que fornecesse remédios antivirais aos soldados portadores de HIV. O caso foi apresentado à Corte por quatro soldados infectados pelo HIV, os quais afirmaram que seus cuidados médicos estavam abaixo do padrão necessário. Em 19 de julho de 1999, a Suprema Corte ordenou ao Ministro da Saúde que fornecesse não só todos os remédios relacionados ao HIV a todos os cidadãos venezuelanos e estrangeiros residentes no país, contaminados com o vírus, como também os testes de carga viral e os demais testes necessários ao tratamento da AIDS e das doenças oportunistas. A decisão foi proferida em um processo onde figuravam como parte 168 pessoas portadoras do HIV/AIDS e a organização "Ação dos Cidadãos contra a AIDS". Pioneira também é a postura adotada pelo Brasil. Após uma intensa batalha judicial travada especialmente, ao longo da década de 90, consolidou-se um forte entendimento judicial pró-ativo, no sentido de que os portadores do HIV/AIDS têm o direito de receber do Estado Brasileiro os medicamentos necessários para seu tratamento. E, em 1996, a Lei 9313 veio a assegurar tal direito, que vem sendo atendido mediante os diversos programas públicos de distribuição de medicamentos. Inclusive, como iniciativa do Governo Federal, em especial, destaca-se o Programa Nacional de DST e AIDS que se presta a formular as políticas, diretrizes e estratégias que orientam as ações de promoção à saúde e de prevenção e assistências às DST e AIDS . ii) tratamento agressor aos direitos humanos Por outro lado, encontram-se medidas discriminatórias que implicam violação de direitos dos portadores do HIV, tais como:

a) testes compulsórios são exigidos na Ásia: Mongólia; no Oriente Médio: Kuwait, União dos Emirados Árabes, Iraque; e nas Américas: Argentina. Os testes são exigidos nas seguintes circunstâncias: na Europa, a Bulgária exige os testes para estrangeiros que pretendam permanecer no país por mais de uma mês; na Rússia, a exigência é feita aos estrangeiros que pretendam permanecer por mais de três meses e para prisioneiros; e na Ucrânia, os visitantes por mais de três meses devem provar que não são portadores de HIV. E, no Oriente Médio, em Israel, não se exigem de turistas, jornalistas ou diplomatas, mas geralmente visam imigrantes que desejam adquirir a cidadania israelense, entretanto, o fato de ser portador de HIV não é necessariamente causa para recusa da cidadania; b) restrições à imigração, como as verificadas na Ásia/Pacífico: Indonésia e Japão. No Japão, pela lei de imigração, é proibida a entrada de estrangeiros que possam transmitir o HIV/AIDS. Entretanto, não existem normas que submetam os imigrantes ao teste de HIV. E nos Estados Unidos, proíbe-se, por lei, a entrada de soropositivos no país; c) quarentenas obrigatórias são impostas na Ásia: Birmânia e Indonésia e nas Américas: Cuba. Há ainda algumas posturas ou regulamentos adotados por certos Estados que proíbem ou dificultam a luta contra o HIV/AIDS. Entre elas: d) a proibição de divulgação de informações sobre sexo seguro: na Europa, especificamente na Hungria, em janeiro de 1988, o Conselho de auto-regulamentação de propaganda ("SelfRegulatory Advertising Board") proibiu uma campanha publicitária de preservativos dirigida especificamente aos homossexuais; e) restrições na distribuição de preservativos ou de injeções esterilizadas (em presídios, por exemplo): também na Europa, no Reino Unido, em 1999, as autoridades penitenciárias recusaram-se a disponibilizar preservativos para os homossexuais. A decisão foi confirmada pelo Judiciário que entendeu que a recusa não era ilegal. 3.3 Algumas conclusões sobre a proteção jurídica dos homossexuais a partir do mosaico de direitos proposto A situação jurídica dos homossexuais na atualidade não se apresenta homogênea e uniforme. Há inúmeros desdobramentos díspares que dificultam a propositura de afirmações fechadas. Constatam-se diversas projeções da homossexualidade na ordem jurídica que, em última análise, implicam proteção jurídica, ou sua ausência, ou mesmo sua insuficiência para os direitos dos homossexuais. Essa dificuldade, oriunda da multiplicidade de situações consideradas, é ainda alargada quando se leva em conta a permeabilidade das mudanças às quais se sujeitam as ordens jurídicas. Numa dimensão global, prevalecem as situações em que os homossexuais se vêem profundamente fragilizados perante a ordem jurídica, quer por ausência de reconhecimento expresso, via legislativo ou via construção jurisprudencial, quer por serem alvo da tutela repressiva do Estado. Nesses casos, o reconhecimento dos direitos homossexuais é obstaculizado e explicitamente vedado pela ordem jurídica, quando estabelece sanção penal para as relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo biológico.Prevalece uma leitura negativa a respeito da homossexualidade que permanece sendo tratada, pela ordem jurídica, como um "desvio"- o que reforça um discurso de dominação simbólica. Tais circunstâncias repressivas e/ou opressoras - com forte coloração autoritária e heterossexista - nas sociedades contemporâneas em geral, em maior ou menor porção, reforçam o estigma que marca os homossexuais e sua situação de inferioridade e denunciam a situação de precariedade enfrentada em suas relações políticas, sociais e afetivas - o que inviabiliza o processo de construção de uma identidade saudável, reduzindo-lhes, a cabo, o grau de cidadania assegurado. Por outro lado, constatam-se avanços no reconhecimento, por via jurídica, da homossexualidade como questão de direitos humanos, sujeitos à proteção, à preservação e à viabilidade de fruição a serem assegurados pelo Estado, caso haja a pretensão da construção de Justiça Sexual - que se revela neutra no que toca à dimensão dos gêneros, mas atenta à necessidade de preservação das diferentes formas de exercício da sexualidade humana. Esses avanços parecem ser mais bem assimilados nas sociedades chamadas ocidentais, especialmente as européias, e também, em certa medida nas sociedades que tenham suas matrizes de formação cultural, democrática e política fundadas no continente europeu. Chama a atenção o grau de proteção que é estendido aos homossexuais pelas culturas nórdicas, com especial destaque para a Holanda. Considerando-se o mosaico apresentado, algumas breves constatações podem ser apresentadas a título de conclusões, ainda que não definitivas e não peremptórias. Os países dos continentes africano e asiático, onde predomina a religião islâmica, apresentam ordenamentos refratários à questão homossexual. Observa-se que a maioria dos países que tipificam a homossexualidade está inserida nestes continentes, o que afasta qualquer espécie de proteção da ordem jurídica. No entanto, deve-se excluir desse contexto africano a África do Sul, onde se verifica uma tendência à proteção dos direitos dos homossexuais, seja através da atividade legislativa, seja pela atividade judicial. Ressalte-se, que este é um dos poucos países que proíbem a discriminação em razão da orientação sexual na sua Constituição. E é interessante observar que a África do Sul, talvez acompanhando um contexto de inclusão, pós apartheid, não se alinha ao tipo de tratamento negativo dispensado por seus países vizinhos aos homossexuais. No continente americano também se verifica uma postura bastante conservadora com relação ao reconhecimento de direitos aos homossexuais. A homossexualidade ainda é tipificada em países da América Central, e até há pouco tempo nos Estados Unidos da América do Norte. Não obstante a licitude da atividade homossexual e algumas iniciativas legislativas de países (nas esferas nacionais ou locais) contra a discriminação por orientação sexual, poucos são os países que reconhecem efetivamente direitos aos homossexuais, ainda que por decisões judiciais, como é o caso das experiências mencionadas no Canadá, Colômbia, Brasil e Venezuela. Apesar das diferenças existentes entre os países dos continentes africano, asiático e americano, há um ponto comum entre estas culturas, que "explica" o tratamento dado à questão homossexual: a influência das instituições religiosas, sejam islâmicas (países africanos e asiáticos), católicas (América Latina) ou protestantes (Estados Unidos da América do Norte). No que concerne aos países da Europa, pode-se dividi-los em dois grupos: os do leste europeu, que faziam parte do antigo bloco socialista e os da chamada Europa ocidental. Nos países do primeiro grupo, a ordem jurídica ainda impõe muitos obstáculos e restrições aos direitos dos homossexuais, não obstante reconheça determinados direitos. É o que se verifica, por exemplo, na Romênia, que tipifica determinadas formas de manifestação da homossexualidade, proíbe a propaganda homossexual, mas possui uma legislação anti-discriminatória, e na Hungria, que reconhece as relações homossexuais, mas restringe a liberdade de associação. Já nos países da Europa ocidental, o reconhecimento de direitos homossexuais é bastante considerável, principalmente no que tange ao reconhecimento das relações homossexuais e à existência de legislação anti-discriminatória. Esta postura é observada até mesmo por países de forte tradição católica como Portugal e Espanha. Destaca-se aqui, novamente, o pioneirismo da Holanda, onde a não-discriminação em razão da orientação sexual é preceito constitucional, reconhecendo aos homossexuais o direito ao casamento e à adoção conjunta. Estas posturas são impulsionadas também pela legislação da União Européia, com destaque para a recente Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, de 18.12.2000, que, calcada nos valores da dignidade humana, liberdade, igualdade e solidariedade, proíbe expressamente a discriminação quanto à orientação sexual (art. 21, 1). A ordem jurídica de alguns países da Oceania, em especial a Austrália e a Nova Zelândia, também apresenta-se bastante aberta ao reconhecimento dos direitos dos homossexuais, seja no âmbito legislativo, seja no âmbito judicial. Desta forma, verifica-se que ainda há um vasto território a ser conquistado pelo discurso dos direitos humanos, como pressuposto para a construção da chamada Justiça Sexual que se coloca como elemento de cidadania renovada e renovadora. Neste capítulo, em suma, foi apresentado um panorama da projeção da homossexualidade no universo jurídico, identificando seus debates, a partir de uma ótica focada em direitos humanos, considerados como o substrato da dignidade humana. Essa identificação de múltiplas demandas se firmou na narrativa das diferentes experiências (legislativa, judicial ou mesmo fática) registradas, hoje, no mundo contemporâneo, referentes à temática da homossexualidade. Buscou-se também oferecer uma sistematização dos direitos que se encontram em jogo, atualmente, na arena político-jurídica e que foram organizados em dez grandes grupos que tratam de: licitude formal da atividade sexual; proibição de liberdade de associação e de expressão/censura; legislação anti-discriminação e anti-difamatória; emprego; reconhecimento civil das relações

homossexuais; maternidade e paternidade; asilo; direitos dos transexuais; violência urbana, "limpeza social" e violência policial; e questões envolvendo os direitos humanos dos portadores de HIV/AIDS. Desse rol multicromático de direitos narrados e da experiência vivenciada por essa minoria sexual, deve-se, agora, densificar o foco de análise, centrando-o em dois planos - jurisprudencial e legislativo - onde se verifica, institucionalmente, a dinâmica de reconhecimento e de proteção desses direitos. Na esfera legislativa, destacam-se a extensão e os limites normativos da proteção pretendida. Na esfera jurisdicional, ganha especial relevo a fundamentação das decisões selecionadas. A fim de viabilizar a análise pretendida, faz-se necessário recortar os direitos a serem examinados. É o que se desenvolve em seguida. "É nesses modos de comportamento, bem como nos atos criativos de resistência que as imagens fugazes de liberdade se encontram." Giroux "Quando aquele a quem amo comigo viaja ou permanece sentado por um longo período, segurando-me pela mão, Quando o sutil ar, o impalpável, aquele que nem as palavras nem a razão conseguem deter, envolvem-nos, deixando-nos impregnados, Então me faço carregado de sabedoria incontável e indizível, permaneço em silêncio, não exigo nada além. Não posso responder à questão das aparências ou aquela da identidade além da sepultura (do além-túmulo?), Mas eu caminho ou me sento indiferente, Eu fico satisfeito, O seu segurar a minha mão me satisfaz completamente."

4 O tratamento legislativo da homossexualidade nos parlamentos: uma análise sobre o reconhecimento civil das relações homossexuais. O plano da fundamentação: um estudo comparativo entre os fundamentos legislativos prevalecentes na Bélgica, em Portugal, na Espanha e no Brasil 4.1 A problemática teórica do "casamento gay". 4.1.1 O debate animado por categorias civilistas. 4.1.2 O debate animado por direitos humanos. 4.2 Os caminhos da fundamentação legislativa prevalecente na Bélgica, em Portugal, na Espanha e no Brasil. 4.2.1 Um perfil dos fundamentos examinados: a) Bélgica: Lei de 29 de outubro de 1998. b) Portugal: Projetos de Leis nos. 338/VII; 384/VII; 414/VII e 527/VII. c) Espanha : Projetos de Lei nos. 122/000068; 122/000069; 122/000071 e 122/000098. d) Brasil: Projeto de Lei Martha Suplicy - PL n.º 1.151-A de 1995. 4.2.2 Uma visão comparativa dos fundamentos examinados. 4.2.3 Apresentação do tema em quadro comparativo sobre os fundamentos legislativos examinados No capítulo anterior, como parte da construção de um painel centrado em direitos, inspirados pelo movimento gay, elaborou-se um mosaico de direitos que pretendeu revelar, de modo abrangente, a projeção da homossexualidade no plano jurídico. Organizou-se a sistematização em dez grupos descritivos - licitude formal da atividade sexual; proibição de liberdade de associação e de expressão/censura; legislação anti-discriminação e anti-difamatória; emprego; reconhecimento civil das relações homossexuais; maternidade e paternidade; asilo; direitos dos transexuais; violência urbana, "limpeza social" e violência policial; questões envolvendo os direitos humanos dos portadores de HIV/AIDS - informados por registros de natureza legal, judicial ou mesmo fáticos, em quanto à problemática, em toda a sua diversidade, enfrentada pelos homossexuais, no mundo atual, independentemente da região geograficamente considerada e dos contornos culturais ou religiosos. Buscou-se apresentar tão só um rol descritivo, multicromático e ilustrativo de direitos narrados a partir das experiências vivenciadas por essa minoria sexual, sem maiores preocupações metodológicas em analisar criticamente esses registros. Deve-se, porém, densificar o foco de análise para expor, institucionalmente, a dinâmica de reconhecimento e de proteção desses direitos. Para tanto, uma visão panorâmica, meramente descritiva, não mais se coaduna aos propósitos da investigação científica, sendo necessário eleger-se o direito a ser examinado, destacando-o dentre aqueles previamente nomeados e aplicar- lhe um tratamento adequado. Na verdade, esse exercício de densificação, como expresso na Introdução, realiza-se em duas dimensões ou etapas que se agrupam em séries de dois capítulos. A primeira etapa é dedicada à produção normativa, enquanto parâmetro geral e abstrato de normatização de conduta. Fruto do Poder Legislativo, apresenta-se em dois níveis de análise: a fundamentação legal e o tratamento positivado/proposto (Capítulos 4 e 5, respectivamente). Já a segunda etapa dirige-se ao processo de aplicação da lei, efetuado pelo Poder Judiciário (Capítulos 6 e 7). Cada uma das etapas, em função de seu objeto de estudo, adota uma abordagem metodológica condizente e adequada aos objetivos pretendidos e ao objeto de investigação. Feitas as considerações, frisa-se que o presente capítulo diz respeito apenas à primeira etapa -a esfera legislativa -no que tange à problemática da fundamentação legal. O direito escolhido é o reconhecimento civil das relações entre pessoas do mesmo sexo, ao qual se aplica, primordialmente, um tratamento de direito comparado. Como se verá, o reconhecimento civil pode dar-se em diferentes formas (união estável, parceria civil, casamento, ou, eventualmente, outra forma qualquer). Todavia, para a investigação de sua fundamentação, isso não se mostra relevante, já que os argumentos tendem a se aplicar a todas as hipóteses. Assim, trabalha-se com o reconhecimento civil na qualidade de gênero, sem levar em conta suas eventuais espécies. Ademais, num outro giro, seria possível desconsiderar essa relação de generalidade, com o intuito de prestigiar o nome adotado pelo legislador. Nesta tese, porém, optou-se por utilizar a expressão reconhecimento civil das relações homossexuais - no lugar de união ou parceria homossexual (a despeito das nomenclaturas inscritas nas fontes legislativas pesquisadas ). Num primeiro plano, pode parecer que não há qualquer diferença ontológica substancial entre elas, tratando-se apenas de uma variedade de denominações. A distinção entre as expressões teria valor mais argumentativo, de foco a ser projetado, já que a expressão "parceria" invoca uma dimensão negocial, contratual, obrigacional e, portanto, menos suscetível às críticas que consideram o instituto do casamento como monopólio heterossexual. E a palavra "união", por sua vez, estaria mais vulnerável a tais objeções, porque é mais próxima à idéia de casamento. Embora, no plano da moldura legal, os termos possam ser até cambiantes, a questão não tem tal simplicidade, pois a adoção de um termo ou de outro remete a uma visão própria do que seja a relação homossexual, isto é, se mera relação contratual ou nova dimensão de família. Desta forma, prefere-se reconhecimento civil que, por ser termo genérico, melhor se presta à sistematização da problemática, sem tomar partidos desta ou daquela concepção, evitando-se, portanto, o risco de exclusões indevidas. Tendo como pano de fundo para a análise legislativa, as considerações acima traçadas, indaga-se: por que a necessidade do reconhecimento civil das relações homossexuais? Em outras palavras, por que a tutela normativa tem utilidade para os homossexuais? Para além dos fundamentos teóricos e legislativos especificamente abraçados (que serão objeto de estudo mais adiante), há uma dimensão que se relaciona diretamente à própria existência do ordenamento jurídico e justifica a adoção de legislação. Num plano mais pragmático, voltado para uma reflexão instrumental do ordenamento jurídico, a resposta para o questionamento não apresenta, em princípio, grandes dificuldades. A disciplina normativa, em sua eficácia, desempenha duplo papel no que diz respeito à conduta humana: a institucionalização e a internalização. O processo de institucionalização relaciona-se diretamente com a conduta prescrita na lei e seus mecanismos de coação e de coerção. Já a internalização se opera num plano interno, de incorporação dos valores veiculados através da norma. Operando em conjunto, resulta em poder transformador da norma jurídica.

A propósito, diz William Evan: ."Como um instrumento de mudança social, a lei necessita de dois processos que se inter-relacionam: a institucionalização e a internalização dos padrões de comportamento. Neste contexto, a institucionalização de um padrão de comportamento significa o estabelecimento de uma norma juntamente com a previsão de seu cumprimento, enquanto que a internalização de um padrão de comportamento significa a incorporação do valor, ou de valores, implícitos na lei. A lei/O Direito... pode afetar o comportamento apenas através do processo de institucionalização; entretanto, se, o processo de institucionalização for bem sucedido, este, por sua vez, facilita a internalização de atitudes ou crenças" (apud Bamforth , 1997:279). (tradução livre)79 O reconhecimento normativo, por conseguinte, pode funcionar como mecanismo de transformação de condutas e até mesmo, em última instância, de visões de mundo. Trata-se da função constitutiva do Direito, descrita por Hespanha: "Apesar de resistente aos projectos de reforma do direito oficial, o quotidiano não deixa de incorporar no seu imaginário elementos que provêm daí. Na verdade, o direito, se não é capaz de regular intencionalmente a vida de todos os dias (i. e., de desempenhar uma função instrumental), regula-a indirectamente, ao constituir uma fonte das imagens do senso comum que orientam os nossos comportamentos (ou, para citar A. Sarat, que «fazem a vida parecer normal»). E a esta capacidade de modelar, subliminarmente, os nossos imaginários- ou seja, de contribuir para a nossa imagem da «mulher», da «sociedade civil», do «meu» e do «teu», do «sujeito», etc. -, de «inculcar», a níveis por vezes muito profundos, esquemas de construção da realidade, que é descrita como a função constitutiva do direito" (1998:253). A importância desse tema também se articula com a legitimidade moral da lei (legitimidade política), e, por conseqüência, a seu grau de eficácia social, como destacado por Bamforth. ."Em uma sociedade que reivindica o respeito às liberdades individuais, a legitimidade moral de qualquer lei dependerá de que a sua justificação esteja baseada em princípios sólidos e sensatos. Uma lei despojada de tal justificativa provavelmente estará sujeita muito facilmente a ataques políticos, doravante enfraquecendo a sua efetividade. Como consequência, aqueles que advogam a introdução de novas leis - as quais, pelo menos em um primeiro momento, parecem moralmente controversas -, necessitam assegurar-se que estão avançando rumo a uma justificação coerente para atingir a reforma desejada" (1997:vii). (tradução livre)80 No plano metodológico, a opção efetuada tem suas razões. Em primeiro lugar, deve-se reconhecer a importância do Poder Legislativo como instância de realização dos direitos humanos. Ressalta Pascual que."[...] trabalho do poder legislativo na positivação dos direitos humanos, direitos que requerem, quase que imprescindivelmente, a ação do legislador para serem efetivos. Ao legislador não está reservada uma função meramente aplicativa ou garantidora da Constituição, mas uma tarefa criadora capaz de atualizar o seu conteúdo de direitos fundamentais" (1992:216). (tradução livre)81 Por outro lado, funcionando o sistema jurídico como um "sistema de exclusão" que coloca, fora de seus limites, as relações homossexuais, o exame do direito ao reconhecimento civil dessas relações, especificamente, também deve se justificar, já que inclusivo e definitório de titularidade perante direitos e deveres. Nesse caso, o reconhecimento civil é um dos pontos culminantes da leitura assimilacionista do movimento gay. É evidente a repercussão da disciplina legal para a vida das pessoas, visto que seus efeitos são sentidos nos mais diversos planos, como, por exemplo: direitos de propriedade, direitos sucessórios, benefícios previdenciários, direitos de curatela em caso de incapacidade civil de um dos parceiros, impenhorabilidade do imóvel comum dos parceiros destinado à residência, possibilidade de aquisição de nacionalidade no caso de estrangeiro, possibilidade de declaração conjunta de imposto de renda, possibilidade de composição de renda em conjunto para a aquisição ou compra de imóvel, reconhecimento da união como entidade familiar, possibilidade de troca de nome civil, no caso da dissolução da união, possibilidade de partilha de patrimônio e alimentos, entre outros mais. Deve-se declinar o fato de a instituição casamento, em geral, ser inacessível, no plano jurídico, aos homossexuais - o que, por si só, reforça o discurso da luta por direitos , pois os casais homossexuais são excluídos dessa tutela protetiva. 79

" As an instrument of social change, law entails two interrelated process: the institutionalization and the internalization of patterns of behavior. In this context, institutionalization of a pattern of behaviour means the establishment of a norm with provision for its enforcement, and internalization of a pattern of behavior means the incorporation of the value or values implicit in a law. Law … can affect behavior directly only thorough the process of institucionalization; if, however, the institutionalization process is successful, it, in turn, facilitates the internalization of attitudes or beliefs" (apud Bamforth , 1997:279) 80 "In a society which claims to respect individuals liberties, the moral legitimacy of any law will depend upon whether a sound principled justification can be found for it. A law which lacks such a justification is likely to be open to easy political attack, thereby undermining its effectiveness. As a consequence, those who advocate the introduction of new laws which seems likely (at least initially) to be morally controversial, need to make sure that they are advancing a coherent justification for the reform they desire" (1997:vii) 81 "[...] labor del poder legislativo en la positivatión de los derechos humanos, derechos que requieren casi imprescindiblemente la acción del legislador para ser efectivos. Al legislador no le está reservada una función meramente aplicativa o garantista de la Constitución, sino una labor creadora capaz de actualizar el contenido de los derechos fundamentales" (1992:216)

Nesse mesmo sentido, registra Alas, ao comentar Brasas (2001), "que a instituição do matrimônio se converteu no último bastião da heterossexualidade obrigatória" (2002:61). (tradução livre)82 Ademais, o estudo do reconhecimento civil das relações homossexuais revela os dispositivos científico-discursivos, empregados pela sociedade moderna, para reduzir (como já o fez e ainda o faz) " a sexualidade à dimensão do relacionamento conjugal, casamento heterossexual e de preferência legítimo, formal"(Matos, 2000:65). No plano metodológico, entende-se que o percurso a seguir deve revelar, institucionalmente, a dinâmica de reconhecimento e de proteção de direitos. Em particular, as técnicas de direito comparado, aplicadas à análise legislativa, têm a potencialidade de fazêlo de forma abrangente e satisfatória. Registre-se que o percurso escolhido, como não poderia deixar de ser em função da metodologia adotada de Direito Comparado, deve ser visto como provisório e precário, contingenciado pelas variáveis selecionadas para a análise, pelo corte temporal considerado e pelo próprio universo escolhido. Portanto, suas conclusões devem ser necessariamente compreendidas nesse contexto, sob pena de se estabelecerem generalizações não autorizadas. Antes de avançar no tema, restam outras considerações de cunho metodológico a serem feitas. Entre tantas possibilidades, elegeu-se um grupo de países integrantes da Comunidade Européia que se contrasta com o Brasil. Esse grupo integra um estudo desenvolvido pela Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar - DILP - da Assembléia da República Portuguesa, elaborado em 2000, por ocasião dos trabalhos legislativos realizados pela comissão especializada que analisou os projetos 414/VII e 527/VII, apresentados ao referido órgão legislativo lusitano, que visam regular o "Regime Jurídico das Uniões de Fato", resultando na Lei 7/2001 de 11 de maio. Para tanto, a DILP elaborou um rico dossiê - doravante, para fins de referência, chamado de Dossiê DILP - declinando o Estado da questão, em onze países europeus (Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda, Espanha -inclusive a Catalunha, Bélgica, França, Finlândia, Portugal, Itália e Grã-Bretanha)/. Neste capítulo dedicado à análise comparativa dos fundamentos legislativos, em razão da disponibilidade de material consignado no documento (basicamente composto por exposições de motivos e registros de debates parlamentares), serão objeto de reflexão a Bélgica, Portugal, a Espanha e o Brasil, por óbvio. Com relação à Bélgica, trabalha-se com os fundamentos que resultaram na Lei de 29 de outubro de 1998; em Portugal, trata-se da Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio; na Espanha, dos Projetos de Lei n. 122/000068, 122/000069, 122/000071e 122/000098; e, no Brasil, considera-se o Projeto de Lei Martha Suplicy - PL n.º 1.151-A de 1995. A adoção do dossiê DILP se justifica. A uma porque a influência do Direito europeu continental é um fato cotidiano na vida jurídica brasileira - que é fértil em exemplos de recepção de institutos lá forjados, como, por exemplo, as medidas provisórias e o sistema de controle concentrado de constitucionalidade. A duas, pelo papel desempenhado pela Comunidade Européia no mundo contemporâneo globalizado, em matéria de defesa de direitos humanos - o que materializa na adoção da Convenção Européia de Direitos. O Dossiê DILP apresenta-se também representativo, pois consigna a relevância dos ordenamentos nórdicos como pioneiros no tema, contempla a realidade de países alinhados à Commom Law e faz um contraponto com os países de origem latina. Quanto à estrutura lógico-formal, esclarece-se que se optou por apresentar, inicialmente, algumas considerações sobre o debate do chamado "casamento gay", abordando questões relativas às instituições casamento e família e os argumentos teóricos pró e contra o reconhecimento legal das relações homossexuais. Em continuidade, investigam-se a importância da tutela legislativa e os fundamentos legislativos que animaram ou animam os debates, nos parlamentos belga, espanhol, português e brasileiro, sobre o reconhecimento civil. Tais debates reverberam as tensões enfrentadas por uma determinada sociedade, em um dado momento histórico, revelando os dilemas e os impasses democráticos, por ela vividos. Esses que podem não só espelhar as diversas construções sociais sobre a homossexualidade, como também sinalizar para a possibilidade de uma concepção, momentaneamente, hegemônica prevalecer. E pode-se verificar, ainda, a operatividade dessas leituras ao se constatar como as mesmas podem influenciar na tomada de decisões políticas pelos Parlamentos. Por fim, para encerrar o capítulo, considerando a permeabilidade do tema à possibilidade de sistematização esquemática, é apresentado um quadro que se presta a consolidar o conjunto de informação manejado. 4.1 A problemática teórica do "casamento gay" O "casamento gay", na atualidade, é um dos pontos mais sensíveis da chamada luta pelos direitos dos homossexuais, pois desnuda o processo de mudanças pelas quais vem passando o mundo. As recentes manifestações da Igreja Católica e do atual Presidente norte-americano George W. Bush, noticiadas pela grande imprensa/, contrárias ao reconhecimento, dão ao tema conotação de "cruzada" moral, com forte coloração religiosa, visto que o tema está diretamente imbricado com a categoria de "família". Na verdade, a possibilidade de reconhecimento sequer é uma visão unânime dentro do próprio movimento gay. Faz-se necessário ressaltar que, além das dificuldades teóricas enfrentadas, há muitas resistências internas para a consagração do reconhecimento civil. Embora não estejam calcadas em argumentos heterossexistas, inspirando-se no ideal de emancipação sexual, de forma similar, na dimensão pragmática, podem implicar uma maior dificuldade de êxito para o pleito. Paula Ettelbrick, criticando a demanda, adverte que "[...] levaria à assimilação de gays e lésbicas pela sociedade heterosexista". [...] o matrimônio atenta contra os principais objetivos do movimento gay: afirmar sua identidade e cultura, e dar validade a muitos tipos de relacionamentos" (apud Alas, 2002:61). (tradução livre)83

82

"la institución matrimonial se há convertido em el último bastión de la heterosexualidad obligatoria" (2002:61).

83 "[...] llevaría a la asimilación de gay y lesbianas en la sociedad heterosexista". [...]el matrimonio atenta contra los principales objectivos del movimiento gay: afirmar su identidad y su cultura y dar validez a muchos tipos de relaciones" (apud Alas, 2002:61).

A autora é contrária à adoção de uma instituição que define e regula o Estado (não seria "seja definida e regulada pelo Estado"???), temendo que a luta pela legalização do matrimônio gay se converta no "único molde de respeitabilidade para a relação gay ou lésbica, e que possa servir para marginalizar aqueles casais de gays ou lésbicas que optem por não se casar" (apud Alas, 2002:61). (tradução livre)84 Por outro lado, como se verá no capítulo subseqüente, na comunidade internacional européia, há expressiva tendência ao reconhecimento civil das relações travadas entre pessoas do mesmo sexo - o que tensiona a disputa moral, política e jurídica e cria uma esfera argumentativa que pretende legitimar a proteção de que se vêm abordando. Para Roy : "O reconhecimento social e jurídico de casais do mesmo sexo representa, para muitos países ocidentais, uma aposta/um objetivo político bastante espinhoso. As discussões legislativas sobre a questão suscitam paixões e, com frequência, acarretam profundas divisões. Para uns, o direito à igualdade justifica a abertura das portas do casamento aos casais homossexuais, sem comprometimentos. Para outros, o casamento é, por definição, a união de um homem e de uma mulher, dedicada à reprodução da espécie" (2001:667). (tradução livre) 85 Na verdade, a problemática da possibilidade do reconhecimento jurídico do dito "casamento" gay tem gerado um certo desconforto na doutrina, que busca - entre as estruturas construídas (digase de passagem estruturas oriundas de um universo heterossexual dominante e autoritário) - compatibilizar a coerência dogmática, fiel a seus princípios fundantes, com as formas de relacionamento que se "desviam" do padrão de "normalidade de conduta". Nesse mesmo sentido, preleciona Fernandéz: "Neste sentido, não há dúvida de que as uniões homossexuais, como patentes realidades de convivência afetiva que reclamam o seu pleno reconhecimento jurídico, constituem um problema complexo para o Direito, já que não se trata tanto de outorgar-lhes uma normativa legal, mas de determinar, com clareza, se é possível, ou não, estabelecer-se juridicamente entre pessoas do mesmo sexo uma verdadeira convivência more uxorio, e se a heterossexualidade define, ou não, de modo absoluto, a instituição do matrimônio. Deste modo, o tratamento das uniões homossexuais não apenas requer um enfoque dogmático mas, também, a conjunção de distintas perspectivas: tanto as estritamente jurídicas (nos âmbitos privado, público, constitucional e jurisprudencial), quanto as sociológicas e psicológicas, para que, assim, se evite a tentação do reducionismo ou do estereótipo. Somente a partir destes pressupostos se poderá enfocar, adequadamente, uma proposta de regulamentação e, o que é mais importante, se poderá determinar o âmbito adequado para tal regulação: o público institucional ou o privado contratual" (2001:02). (tradução livre)86 Desse modo, as categorias clássicas construídas pela doutrina (como casamento e família e posteriormente a de união de fato/ estável), de certo monte, têm revelado algumas insuficiências dogmáticas para dar conta da problemática. Quando confrontadas com o plano dos direitos humanos, apontam para a necessidade de uma releitura das mesmas, liberta de suas origens sexistas, ou mesmo, para a necessidade da proposição de novos parâmetros permeáveis e ajustáveis às diferentes formas de vivência da sexualidade humana como elemento indissociável da dignidade humana. Os debates travados revelam perplexidade e impasse teóricos, dificuldades e resistências que, muitas vezes, acabam por reforçar o status de segunda classe atribuído aos homossexuais, como titulares de uma cidadania de menor grandeza. A título didático, em razão da prevalência dos argumentos deduzidos, a discussão pode ser sistematizada a partir de dois grandes perfis: um civilista e um constitucional, no plano dos direitos humanos. 4.1.1 O debate animado por categorias civilistas O debate animado por categorias civilistas é bastante freqüente na doutrina nacional e pressupõe a investigação de dois núcleos centrais para a constituição da sociedade ocidental, enquanto base organizada dos grupos sociais. São eles: o casamento e a família. Em seqüência, como correlata às citadas categorias, deve-se considerar a figura da união de fato/estável. Para, em decorrência verificar-se a possibilidade do reconhecimento legal das relações homossexuais, segundo esses padrões. A conceituação de "casamento" tem recebido um contorno clássico e monolítico, marcado por dois elementos que são reproduzidos pela doutrina pátria civilista tradicional, herdeira de uma visão de mundo centrada nos valores oitocentistas. São eles a diversidade de sexo - o que implica relação heterossexual - e a finalidade de formar família - o que remete a uma dimensão reprodutiva do instituto. Veja-se abaixo alguns de seus expoentes: Silvio Rodrigues leciona que o "casamento é o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência"(2002:19). Maria Helena Diniz define o casamento como o "[...]vínculo jurídico entre homem mulher que visa o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família legítima" (1999:33). E para Caio Mário: "No direito brasileiro Lafayette o definiu: O casamento é um ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre, sob a promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida". [...]"Igualmente clássica a de Clóvis Beviláqua, posto que extensa, dizendo: O casamento é um contrato bilateral solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legitimando por ele suas relações sexuais; estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer". [...] "Outros não mencionam a natureza do ato, contentando-se com aludir à união em si mesma, como se lê na definição de Van Wetter, mais elegante do que científica. O casamento é a união do homem e da mulher com fins de criar uma comunidade de existência. [...]O casamento é a união de duas pessoas de sexo diferente, realizando uma integração fisiopsíquica permanente" (2002:32-33) .

84 "único molde de respetabilidad para la relación gay o lésbica, y que pueda servir para marginar a aquellas parejas de gay o lesbianas que opten por no casarse" (apud Alas, 2002:61). 85 «La reconnaissance soctile et juridique des couples de même sexe représente, pour nombre de pays occidentaux, un enjeu politique trés épineux. Les discussions législatives sur la question soulèvent les passions et bien souvent, entraînent de profonds clivages. Pour les uns, le droit á l'égalité justifie l'ouverture des portes du mariage aux couples homosexuels, sans compromis. Pour les autres, le mariage est, par définition, l´union d'un homme et d'une femme vouée à la reproduction de l´espèce» (2001:667) 86 "En ese sentido, no cabe duda de que las uniones homosexuales, como patentes realidades de convivência afectiva que reclaman un pleno reconocimiento jurídico, constituyen um problema complejo para el Derecho, puesto que no se trata tanto de otorgarle uma normativa legal, cuanto de determinar con claridad si entre personas del mismo sexo puede o no establecerse juridicamente hablando una verdadera convivência more uxorio, y si la heterosexualidad define o no de modo absoluto la institución del matrimonio. Así pues, el tratamiento de las uniones homosexuales, no solo precisa de un enfoque dogmático, sino de la conjunción de distintas perspectivas: tanto las estrictamente jurídicas (en el âmbito privado, público, constitucional y jurisprudencial), como las sociológicas y las psicológicas, con el fín de evitar la tentación del reduccionismo o la del estereotipo. Solo desde estos presupuestos se puede enfocar adecuadamente una propuesta de regulación y, lo que es más importante, podrá determinarse el âmbito adecuado para tal regulación: el público istitucional o el privado contractual" (2001:02).

Quanto à categoria de família, verifica-se uma leitura também tradicional, coerente com a de casamento, calcada no modelo tradicional heterossexual, que privilegia a figura do pai, da mãe e do filho, e que, portanto, é centrada na atividade reprodutora. Neste modelo institucional, entre os traços característicos da configuração jurídica da família, Rios enuncia: "[...] deve ser salientada a percepção da família como uma entidade fechada que pode ser considerada em si mesma, permanente no tempo, mesmo com a mutação de seus componentes individuais, voltada para a consecução de objetivos econômicos e afetivos internos e para a realização de finalidades externas e superiores, relacionadas com a manutenção e o progresso de toda a sociedade. Trata-se, como visto, de um modelo hierárquico, em cuja origem os indivíduos são concebidos dentro de uma «regulação piramidal complexa» e assimétrica, na qual, sem a previsão da paridade de direitos entre os cônjuges, delineou-se uma estrutura familiar de tipo forte e autoritário, prevalecendo as relações de hierarquia sobre as de autonomia" (2002b:491-492). Nossos autores clássicos também têm se esforçado em distinguir um sentido genérico e restrito do termo, embora se mantenham fiéis a uma estrutura hieraquizada. Verifique-se: Caio Mário aponta que "Em sentido genérico e biológico, considera-se família o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum. Ainda neste plano geral, acrescenta-se o cônjuge, aditam-se os filhos do cônjuge (enteados), os cônjuges dos filhos (genros e noras), os cônjuges dos irmãos e os irmãos dos cônjuges (cunhados)" (2002:13) . Para Maria Helena Diniz, família é "[...] o grupo fechado de pessoas, composto dos pais e filhos, e para efeitos limitados, de outros parentes, unidos pela convivência e afeto numa mesma economia e sob a mesma direção" (1999:13). Silvio Rodrigues diz que: "O vocábulo ‘família’é usado em vários sentidos. Num conceito mais amplo poder-se-ia definir família como formada por todos aquelas pessoas ligadas por vínculo de sangue, ou seja, todas aquelas pessoas provindas de um tronco ancestral comum, o que corresponde a incluir dentro da órbita da família todos os parentes consangüíneos. [...] Numa acepção um pouco mais limitada, poder-se-ia compreender a família como abrangendo os consangüíneos em linha reta e os colaterais sucessíveis, isto é, os colaterais até 4º grau. [...] Num sentido ainda mais restrito, constitui família o conjunto de pessoas compreendidas pelos pais e sua prole." [...] "A família se apresenta, portanto, como instituição que surge e se desenvolve no conúbio entre homem e mulher e que vai merecer a mais deliberada proteção do Estado, que nela vê a célula básica da sociedade" (2002:4- 6). Para Venosa: "Desse modo, importa considerar a família em conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar. Nesse sentido, compreendem-se os ascendentes, descendentes e colaterais de uma linhagem, incluindo-se os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam parentes, por afinidade ou afins. Nessa compreensão, inclui-se o cônjuge, que não é considerado parente. Em sentido estrito, família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder. Nesse particular, a Constituição Federal estendeu sua tutela inclusive para a entidade familiar formada por apenas um dos pais e seus descendentes, a denominada família monoparental, conforme disposto no §4º art.226: [...] Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes." "Pode-se ainda considerar a família sob o conceito sociológico, integrado pelas pessoas que vivem sob um mesmo teto, sob a mesma autoridade de um titular. Essa noção, sempre atual e freqüentemente reconhecida pelo legislador, coincide com a clássica posição do pater famílias de Direito Romano, descrita no Digesto por Ulpiano" (2002:16). Entretanto, verifica-se um inconformismo com essas formas clássicas. A crítica contundente é de Fachin: "Assentado no sentido clássico de família monolítica e autoritária, hierarquizada e transpessoal, a norma jurídica resta servindo, nessa dimensão, de instrumento para dedicar capítulos inferiores a sujeitos naturais que não passam ao estatuto de efetivos sujeitos de direito. Esse regime de exclusão se funda num assento Tripartite que une sexo, sangue e família, a [sic.] propicia que as formulações jurídicas privadas modelem as relações de direitos e de parentesco à luz dos efeitos dessas regras de desqualificação" (1996:49). Percebe-se, assim, um esforço de ressignificação do instituto, atribuindo-lhe uma maior flexibilidade e abertura na sua compreensão, quando à mesma se atribuem contornos constitucionais. Desloca-se seu eixo para o valor do desenvolvimento pessoal, atribuindo-lhe uma dimensão instrumental, já que a mera estrutura formal pouco diz sobre seu conceito. Dessa forma, outros valores lhe informam o significado. Para Perlingieri, família "é a formação social, lugar-comunidade tendente à formação e ao desenvolvimento da personalidade de seus participantes; de maneira que exprime uma função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes" (1997: 178). Ensina Tepedino: "Assim sendo, a família, embora tenha ampliado, com a Carta de 1988, o seu prestígio constitucional, deixa de ter valor intrínseco, como instituição capaz de merecer tutela jurídica pelo simples fato de existir, passando a ser valorada de maneira instrumental, tutelada na medida em que - e somente na exata medida em que - se constitua em um núcleo intermediário de desenvolvimento de personalidade dos filhos e de promoção da dignidade dos seus integrantes. [...] "Dito diversamente, altera-se o conceito de unidade familiar, antes delineado como aglutinação formal de pais e filhos legítimos baseada no casamento, para um conceito flexível e instrumental, que tem em mira o liame substancial de pelo menos um dos genitores com seus filhos - tendo por origem não apenas o casamento - e inteiramente voltado para a realização espiritual e o desenvolvimento da personalidade de seus membros." ( 2002). Carbonera indica dois elementos caracterizadores da família - o afeto e a ajuda: "[...] a família contemporânea é tomada como a ‘comunidade de afecto e entre-ajuda’, espaço onde as aptidões naturais podem ser potencializadas e sua continuidade só encontra respaldo na existência do afeto"(1998: 291-292). Definidos esses conceitos, avança-se na reflexão, para a compreensão do que seja a união estável. Em geral, os autores têm entendido que a união estável é uma projeção do casamento, despida de sua solenidade, mas imbuída de suas finalidades. A união estável, para Silvio Rodrigues, caracteriza-se "[...] como a união do homem e da mulher fora da matrimônio, de caráter estável, mais ou menos prolongada, para o fim de satisfação sexual, assistência mútua e dos filhos comuns e que implica uma presumida fidelidade da mulher ao homem" (2002: 287). E para Caio Mário: "Embora não nos pareça exigível a convivência sob o mesmo teto, a união estável guarda aproximação com a posse do estado de casados, o que levou Simão Benjó a dizer que ‘a companheira deve ter o trato, o nome e a fama de esposa’. Vale dizer que: os que vivem em união estável devem ter tidos como tais perante os amigos e a sociedade, embora a utilização do nome do companheiro, pela mulher, não seja requisito fundamental. Igualmente não nos preocupamos com o ‘tempo de duração’, que pode ser mais ou menos longo. O que importa é ser a união duradoura, inspirada no elemento anímico, a gerar a convicção de que pode marchar para a relação matrimonial" (2002:45). No que toca à problemática do reconhecimento civil das uniões homossexuais, essas categorias têm sido manejadas, em estruturas argumentativas distintas, a fim de se admitir (ou não) a possibilidade jurídica do reconhecimento. Como já declinado pela doutrina tradicional, o casamento é uma instituição ontologicamente heterossexual, de modo que o "casamento gay" seria uma impossibilidade jurídica, eis que subverte a categoria em si /. Esse reconhecimento - aqui traduzido por proteção legal - pode se dar por duas formas: a) como parte integrante de relações negociais - reduzindo-se a relação homossexual como se fosse uma sociedade de fato - na qual a tutela protetiva se restringe exclusivamente aos aspectos patrimoniais da questão; ou b) como parte integrante da tutela do direito de família - quer qualificada como família/entidade familiar; quer na identificação com a figura da união de fato/estável) - o que evidencia uma visão mais renovada dos institutos acima declinados.

A tese obrigacional - que não admite a possibilidade de reconhecimento, como tutela do direito de família - concentra-se, basicamente, em um único argumento bastante apegado às formas civilistas. Nesse mesmo sentido, Giorgis afirma que não é possível enquadrar "a união homoerótica como forma de casamento, o que não acha respaldo na doutrina e nos repertórios dos tribunais" (2002:49). Também a relação homossexual não pode ser considerada como família, já que não há a possibilidade de procriação entre pessoas do mesmo sexo. Nesse sentido, Czajkowski (1995) é bastante contundente, evidenciando uma visão encarcerada na normatividade heterossexual. Alinhando-se a esse posicionamento, a despeito de reconhecer que a orientação sexual, à luz da Carta de 1988, integra a personalidade, Gama sustenta: "É inquestionável que, à luz do texto constitucional de 1988, a orientação sexual da pessoa é atributo inerente de sua personalidade, merecendo respeito e acatamento por toda a sociedade, que deve ser livre, justa e solidária, preservando a dignidade da pessoa humana, independentemente de suas preferências ou opções sexuais. O afeto, existente na maior parte das uniões homossexuais, é idêntico ao elemento psíquico e volitivo das uniões conjugais e companheiros, não há dúvida. Mas, juridicamente, não há uma família constituída entre as pessoas do mesmo sexo que vivam em situação similar àquela das uniões heterossexuais, tal como a união sexual entre concubinos, bem como entre parentes. Inexiste dúvida que o Estado e a sociedade não podem adotar qualquer postura discriminatória ou restritiva à liberdade que os homossexuais têm de se unirem, formando uma entidade quase-familiar, mas há elemento de discriminação razoável para não conceber tal união no contexto do Direito de Família" (2000b: 36). Desta forma, não sendo casamento e não se caracterizando como família, não há o substrato necessário para o reconhecimento da relação homossexual como união estável, já que esta é uma "sombra" do casamento. Para Gama: "[...] um dos requisitos objetivos exigidos para a configuração do companheirismo (união estável, na linguagem do legislador constituinte) é a diversidade de sexos, ou seja, "a união extramatrimonial entre um homem e mulher, como componente natural, atrelado à noção de que tais uniões existem, normalmente, para atender aos desejos instintivos das pessoas, ou seja, a, manutenção de relações sexuais e, eventualmente, para servir à procriação" (2000b:33). Inclusive, no dizer de Miguel Reale, ao tratar do Projeto do Código Civil, em aula inaugural da Faculdade de Direito de Guarulhos, a matéria não é de Direito Civil, e sim de Direito Constitucional, razão pela qual não caberia ao novo Código disciplinar a questão. "[...] a união estável de homossexuais só com a mudança na Constituição. [...] Há quem diga que o Código é atrasado por não tratar dos homossexuais. A culpa não é nossa. Não podemos mudar a Constituição. A união estável é entre um homem e uma mulher. Se querem estender esse direito aos homossexuais, que mudem primeiro a Constituição, com 3/5 dos votos do Congresso Nacional. Depois, o Código Civil poderá cuidar da matéria" (apud Fugie, 2002:140) . Quando muito, admite-se que a questão seja resolvida, sob o aspecto de simples sociedade de fato, remetendo-se a problemática para o campo obrigacional. Nesses casos, em posições extremas, não haveria sequer a necessidade de uma explicitação legal, uma vez que a própria ordem jurídica disponibiliza os mecanismos para a solução do problema. Nesse particular, Giorgis registra que: "Uma das questões diz com a partilha do patrimônio havido por homossexuais de vida comum, que tem sido costumeiramente solvida nas regras do direito obrigacional, como se fora uma sociedade de fato. Assim, o parceiro tem direito de receber a metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum, reconhecida a existência de sociedade de fato com os requisitos do artigo l .363 do Código Civil, aceitando-se uma mútua obrigação de combinar ânimos para lograr fim, eis que a negativa da incidência de dita regra tão ampla e clara, significa prevalecer princípio moral (respeitável) que recrimina o desvio de preferência sexual, desconhecendo a realidade que esta união, embora criticada, existe e produz efeito de natureza obrigacional e patrimonial que o direito civil comum abarca e regula" (2002:35) . Tal entendimento - denegatório da dimensão familiar da relação homossexual - sob a ótica dos direitos humanos, na verdade tem sofrido severas críticas, vez que, apesar de representar um relativo avanço, mantém as relações homossexuais, como se fossem relações de segunda classe - implicando em última instância em discriminação. Dias consigna que "De forma cômoda, o Judiciário busca subterfúgios no campo do Direito das Obrigações, identificando como uma sociedade de fato o que nada mais é do que uma sociedade de afeto. A exclusão de tais relacionamentos da órbita do Direito de Família acabava impedindo a concessão dos direitos que defluem das relações familiares, tais como direitos à meação, à herança, ao usufruto, à habitação, a alimentos, a benefícios previdenciários, entre tantos outros" (2002:394). Para Carvalho, tais posicionamentos jurisprudenciais não deixam de representar "um progresso se se considerar que possibilita a partilha de bens adquiridos na constância da união civil entre pessoas do mesmo sexo, ao término desta, ainda que a proporção desta partilha esteja condicionada à prova da contribuição de cada um dos conviventes" (2000:224). Mas, continua a autora, "[...] é preciso avançar mais, pondo fim às discriminações odiosas em face da orientação sexual, tal como quer a Constituição brasileira, entendendo a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar com a conseqüência de assegurar-se aos parceiros o direito à metade dos bens adquiridos na constância da união, à herança, à sucessão, aos benefícios previdenciários, ao seguro-saúde, previsão da declaração conjunta do imposto de renda, o direito à nacionalidade no caso de estrangeiro que tenha parceiro brasileiro e a aceitação de declaração renda conjunta para a obtenção de financiamento de imóveis. Tal concepção representaria um avanço maior na medida em que se estaria estendendo, de fato, determinados direitos humanos a pessoas que são ainda tão marginalizadas em nossa sociedade - aquelas que estabelecem com pessoas do mesmo sexo uma união ou parceria para se realizarem plenamente como pessoas. E representaria um progresso maior, na medida cm que teria por fim preservar e promover a dignidade humana" (Carvalho, 2000:224). Fernandéz considera que o encerramento das relações homossexuais ao universo obrigacional pode até trazer soluções práticas, mas não atende o reconhecimento, no sentido identitário, das demandas homossexuais: "A remissão do fenômeno ao âmbito privado mediante a criação de um tipo peculiar de contrato de convivência, ainda que solucione muitos problemas e outorgue certos efeitos, não responde às legítimas expectativas daqueles que defendem outros modelos de relação afetiva de parceria cuja pretensão é serem reconhecidos - não tanto no plano dos efeitos pessoais e patrimoniais quanto no do âmbito do direito de família - como unidades familiares não-matrimoniais. Enquadrar o fenômeno das uniões de fato fora do Direito de Família constitui, em minha opinião, uma desvirtuação da autêntica dimensão marital (more uxorio) que estas uniões representam" (2001:29). (tradução livre)87 Para os autores partidários do reconhecimento civil das relações homossexuais sob a ótica familiar, ele se viabiliza mediante a leitura renovada do conceito de família, calcada no afeto, na mútua ajuda e no desenvolvimento pessoal.

87 "La remisión del fenómeno al âmbito privado mediante la creación de un tipo peculiar de contrato de convivência, aunque solucione muchos problemas y otorgue ciertos efectos, no responde a las legítimas expectativas de quienes defienden otros modelos de relación afectiva de pareja, cuya pretensión es la de ser reconocidos, no tanto en el plano de los efectos personales y patrimoniales (que también), cuanto en el âmbito del Derecho de família, como unidades familiares no matrimoniales. Encuadrar el fenómeno de las uniones de hecho füera del Derecho de familia, constituye, en mi opinión, una desvirtuación de la autêntica dimensión marital (more uxorio) que manifiestan estas uniones" (2001:29).

Trata-se, para alguns, de "famílias não fundadas no casamento, de convivência espontânea" (Fugie, 2002:138). Nessa via, embora ainda não se admita a instituição do casamento em si, viabilizase o reconhecimento civil das relações homossexuais pela figura da união de fato (ou união estável) e pela forma de entidade familiar, ressignificando a categoria em si. Veja-se Moraes : "Se a família, através de adequada interpretação dos dispositivos constitucionais, passa a ser entendida principalmente como "instrumento", não há como se recusar tutela a outras formas de vínculos afetivos que, embora não previstos expressamente pelo legislador constituinte, se encontram identificados com a mesma ratio, com os mesmos fundamentos e com a mesma função. Mais do que isto: a admissibilidade de outras formas de entidades "familiares" torna-se obrigatória quando se considera seja a proibição de qualquer forma de discriminação entre as pessoas, especialmente aquela decorrente de sua orientação sexual - a qual se configura como um direito personalíssimo -, seja a razão maior de que o legislador constituinte se mostrou profundamente compromissado com a dignidade da pessoa humana (art. 1°, 11, CF), tutelando-a onde quer que sua personalidade melhor se desenvolva. De fato, a Constituição brasileira, assim como a italiana, inspirou-se no princípio solidarista. sobre o qual funda a estrutura da República, significando dizer que a dignidade da pessoa é preexistente e antecedente a qualquer forma de organização social" (2000:108). Tal entendimento mostra-se mais aberto aos valores constitucionais, já que busca adequar essas categorias civilistas ao universo de proteção constitucional da dignidade humana, tratando-se, assim, de um perfil civilista renovado. Novamente Moraes: "A partir do reconhecimento da existência de pessoas definitivamente homossexuais, ou homossexuais inatas, e do fato de que tal orientação ou tendência não configura doença de qualquer espécie - a ser, portanto, curada e destinada a desaparecer -, mas uma manifestação particular do ser humano, e considerando, ainda, o valor jurídico do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, ao qual está definitivamente vinculado todo o ordenamento jurídico, e da conseqüente vedação à discriminação em virtude da orientação sexual, parece que as relações entre pessoas do mesmo sexo devem merecer status semelhante às demais comunidades de afeto, podendo gerar vínculo de natureza familiar" (2000:109). Para Fachin, "Humanismo e solidariedade constituem, quando menos, duas ferramentas para compreender esse desafio que bate às portas do terceiro milênio com mais intensidade. Reaprender o significado de projeto de vida em comum é uma tarefa que incumbe a todos, num processo sacudido pelos fatos e pela velocidade das transformações. Em momento algum pode o Direito fechar-se feito fortaleza para repudiar ou discriminar. O medievo jurídico deve sucumbir à visão mais abrangente da realidade, examinando e debatendo os diversos aspectos jurídicos que emergem das parcerias de convívio e de afeto. Esse é um ponto de partida para desatar alguns "nós" que ignoram os fatos e desconhecem o sentido de refúgio qualificado prioritariamente pelo compromisso sócio-afetivo" (1996:52-53). 4.1.2 O debate animado por direitos humanos No plano da fundamentação teórica calcada nos direitos humanos, é bastante fértil a produção estrangeira. Em geral, os autores apresentam justificativas para o reconhecimento, menos calcadas em categorias formais, e mais abertas aos valores consagrados nos direitos humanos. Essas justificativas podem ser agrupadas em quatro possibilidades: o direito à intimidade; a liberdade de orientação sexual; o direito à igualdade; e o direito à dignidade humana. Muitas vezes esses argumentos são tecidos em conjunto, como forma de se autocompletarem, chegando até mesmo a se confundirem. O direito à intimidade é um dos argumentos mais antigos e com longa história, especialmente na esfera jurisdicional. Seus fundamentos repousam na concepção liberal clássica de que ao indivíduo deve ser assegurada uma esfera de autonomia que se encontra fora do alcance do Estado, inserindo-a como pressuposto da liberdade do indivíduo. Em outras palavras, não cabe ao Estado ditar a seus súditos quais são os valores moralmente bons, mas, ao contrário, ele deve respeitar a autonomia das pessoas, permitindo-lhes a escolha de seus próprios valores e formas de vidas (Richards ,1982). Assim, por direito à intimidade, entende-se, em uma expressão bastante singela, o direito de estar só . No que toca à sexualidade humana, o direito à intimidade preserva o seu exercício, em suas mais diversas manifestações, como elemento necessário para um desenvolvimento saudável do ser humano, alijando a interferência indevida de terceiros e do estado nessa esfera particular. Sustenta-se, pois, que há uma certa área na vida do ser humano que é demarcada como privada e que é moralmente legítimo exigir do Estado uma abstenção de intervenção regulativa, já que, em princípio, as escolhas feitas por todas as pessoas têm o mesmo valor moral. Exige-se, por conseqüência, neutralidade do Estado em matéria de sexualidade humana. No que tange ao tema sob exame, a intimidade evidencia um duplo escopo, impondo-se como limite para à intervenção estatal na vida sexual das pessoas: por um lado, fica patente a relevância que a sexualidade tem na vida privada do indivíduo; por outro, ressalta-se a relativa irrelevância do tema para a esfera de regulação estatal. Relacionado diretamente como suporte para a luta por direitos dos gays, o argumento não é isento de falhas. Para além da polêmica discussão sobre a legitimidade da intervenção estatal em matéria de sexualidade, o direito à intimidade não viabiliza a proteção fora da esfera da intimidade, isto é, "fora do quarto" - o que deixa a descoberto a possibilidade de que o Estado venha a legislar, na esfera pública, contra direitos dos homossexuais. O segundo argumento elencado é a liberdade de orientação sexual, também denominada de direito de autodeterminação sexual - o que implica a proibição de discriminação por razão de orientação sexual, remetendo à problemática da igualdade. Por orientação sexual entende-se, segundo definição da APA,. "[...] um componente da sexualidade que é caracterizado por proporcionar atrações afetivas e/ou sexuais, românticas e emocionais por indivíduos de um gênero em particular. Desta forma, a orientação sexual se refere mais do que àpenas certos comportamentos" 88 A esfera protetiva do direito assegura, a seu titular, a possibilidade de vivenciar sua sexualidade - que se manifesta pela orientação sexual - da forma que melhor lhe aprouver, como elemento inarredável da formação sadia da personalidade humana (esta, a seu turno, é um dos desdobramentos da dignidade humana). Nesse sentido, Oliveira reconhece que "o direito de autodeterminação sexual do indivíduo está baseado no princípio da tutela geral de personalidade, entendido este como a proteção do homem concretizado em sua específica realidade física e na sua particular realidade moral, que inclui sua humanidade e individualidade, como também seu direito à diferença de concepção e atuação moral própria pelo menos, até onde não colidam com quaisquer outros tipo de ilicitude ou outros indivíduos" (2003:66). Por outro lado, há uma vertente, nessa linha argumentativa, que sustenta a imutabilidade da orientação sexual. Seria, portanto, um ato ilegítimo do Estado impor um ônus excessivo (mediante a adoção de normatividade excludente) aos cidadãos que não podem voluntariamente "escolher" a forma de manifestação de sua sexualidade. Há, pois, uma concepção de natureza humana "nata" que deve ser respeitada.

88 "[…] a component of sexuality that is characterized by enduring emotional, romantic, sexual and/or affectional attractions to individuals of a particular gender. Thus, sexual orientation refers to more than just certain behaviors"

A fragilidade dessa argumentação reside, especialmente, na tese da imutabilidade da orientação sexual. A uma porque a questão é profundamente controvertida, não havendo conclusões científicas definitivas sobre a origem da homossexualidade. A duas porque pode funcionar como um elemento conservador e desqualificador da autonomia individual em razão de sua inevitabilidade, o que não acrescenta nenhum aspecto positivo à leitura moral da homossexualidade. Para Bamforth"[...] poderá, plausivelmente, ser reivindicado que os argumentos da imutabilidade têm o efeito de apresentar uma orientação sexual lésbica ou gay como uma incapacidade desafortunada/infeliz - a qual deveria atrair para si a simpatia e a compreensão, ao contrário de ser alguma coisa que a maior parte das pessoas vê como um aspecto saudável e valorável de suas vidas" (205:1997). (tradução livre) 89 O direito à igualdade será objeto de maiores reflexões nos próximos capítulos. Ainda assim, de forma breve, ele tem sido articulado com a tese de que não há justificativa razoável para um tratamento discriminatório, excludente e preconceituoso dos homossexuais; impõe-se vedar a discriminação por fator de orientação sexual. Melhor dizendo, essa vedação seria uma manifestação específica da igualdade no campo da sexualidade humana, tratando-se de discriminação odiosa. Na verdade, o que se discute aqui é "[...] se a existência de distintos regimes jurídicos justifica-se pela identidade atribuída a alguém em virtude da direção de seu desejo e/ou condutas sexuais, seja para outra pessoa do mesmo sexo (homossexualidade), do sexo oposto (heterossexualidade) ou de ambos os sexos (bissexualidade)" (Rios, 2002:95). Nesse sentido, responde Louis Favoreu que "[...] toda diferenciação, seja em matéria penal, civil, social ou administrativa, será inconstitucional a partir do momento em que ela tenha por fundamento a orientação sexual desse ou daquele indivíduo" (apud Garneri, 2000:101). (tradução livre) 90 As dificuldades enfrentadas pela via igualitária são objeto de reflexão quando se analisa, em particular, o caso Romer v. Evans, razão pela qual serão, por ora, omitidas. A dignidade humana é o argumento mais abrangente, funcionando como o desaguadouro de todos os demais já elencados (inclusive as teses civilistas se respaldam nessa dimensão valorativa da ordem jurídica). Ela tem sido compreendida como o eixo central de toda a ordem jurídica, atuando como elemento referenciador dos direitos humanos que "tendem a explicitar e satisfazer as necessidades da pessoa na esfera moral"(Peréz-Luño, 1999:318)91 colocando-se como "núcleo catalizador do Direito Público" (Serna, 1995: 295). (tradução livre) 92 Assim, a dignidade da pessoa humana, na pena de Alcalá, é."[...] o valor básico que fundamenta os direitos humanos, já que a sua afirmação não apenas constitui uma garantia de tipo negativo que protege as pessoas contra os vexames e as ofensas de todo tipo, senão que, também, deve afirmar positivamente, através dos direitos, o pleno desenvolvimento de cada ser humano e de todos os seres humanos" (1999:241). (tradução livre) 93 Ainda na concepção de garantia, Maihofer atribui posição e significados jurídicos tripartites para a dignidade humana: "Em primeiro lugar, trata-se de um direito fundamental, a partir do qual se podem deduzir e interpretar todos os demais que compõem o sistema constitucional dos direitos fundamentais. Por outra parte, constitui algo assim como uma norma fundamental dentro da estrutura normativa da ordem jurídica, em relação à qual cabe dirimir a validade das outras normas que o compõem. Finalmente, constitui uma das bases materiais sobre a qual se assenta a construção organizacional do Estado e, mais concretamente, dela se desprendem, como exigências, o modelo do Estado de Direito liberal, não-autoritário; o Estado social, e a democracia liberal, não-popular. Estes princípios organizacionais são, no julgamento de Maihofer, expressão direta de uma concepção das relações entre as pessoas e a comunidade política, segundo a qual esta última se encontra a serviço daquelas, e não o contrário. A pessoa, em virtude de sua dignidade, se constitui, portanto, no fim do Estado" (apud Serna, 1995: 295-296). (tradução livre) 94 Quanto ao seu conteúdo, a dignidade apresenta uma dimensão fluida: ao mesmo tempo em que transcende a dimensão humana e a ordem jurídica, é marcado por uma historicidade enquanto fonte de sua determinação. As reflexões a esse respeito são de Alves. "Tal é exatamente o que ocorre com o princípio da dignidade humana, que comporta o núcleo inarredável do nosso constitucionalismo enquanto decorrente da natureza intrínseca da pessoa humana. O conteúdo desse princípio será delimitado a partir de reflexões de ordem filosófica - e não apenas estritamente jurídicas - que não descartem a dimensão transcendente do ser humano; deve ser ainda complementado pela contextualização do momento histórico específico, que é construído e transformado a cada geração" (2001:177178). Desta forma, adverte Alcalá que "a dignidade da pessoa, não é possível defini-la; apenas podemos apreciar, em cada realidade concreta, a sua vulnerabilidade, a qual se concretiza cada vez que perturbamos, ameaçamos ou privamos cada pessoa de seus direitos essenciais (fundamentais ???), cada vez que a denegrimos ou humilhamos, cada vez que a discriminamos, cada vez que colocamos obstáculos a sua plena realização, cada vez que o Estado a utiliza como meio ou instrumento de seu próprio fim" (1999:242). (tradução livre) 95 Estabelecido como fundamento para o reconhecimento civil das relações homossexuais, o princípio da dignidade humana torna-se a via de exercício legítimo da sexualidade humana - que se coloca como um dos elementos centrais para a vida humana.

89 , "[...] it might plausibly be claimed that immutability arguments have the effect of presenting a lesbian or gay sexual orientation as an unfortunate disability - which should attract sympathy and understanding, rather than as something which large numbers of people see as a healthy and valuable aspect of their lives" (205:1997). 90 "[...] toute différenciation, que ce soit en matière pénale, civile, sociale ou administrative, serait inconstitutionnelle dès lors qu´elle autait pour fondement l´orientation sexuelle de tel ou tel individu" (apud Garneri, 2000:101). 91 "tiendem a explicitar y satisfacer las necesidades de la persona en la esfera moral" (Peréz-Luño, 1999:318), 92 "núcleo catalizador del Derecho público" (Serna, 1995: 295). 93 "[...] el valor básico que fundamenta los derechos humanos, ya que su afirmación no solo constituye una garantia, de tipo negativo que protege a las personas contra vejámenes y ofensas de todo o tipo, sino que debe también afirmar positivamente a través de los derechos el pleno desarrollo de cada ser humano y de todos los seres humanos" (1999:241) 94 "En primer lugar, se trata de un derecho fundamental, a partir del cual se pueden deducir e interpretar todos los restantes que componen el sistema constitucional de los derechos fundamentales. Por otra parte, constituye algo así como una norma fundamental dentro de la estructura normativa del orden jurídico, por relación a la cual cabe dirimir la validez de otras normas que lo componen. Finalmente, constituye una de las bases materiales sobre las que se asienta la construcción organizativa del Estado; más concretamente, de ella se desprenden, como exigencias, el modelo del Estado de derecho liberal, no autoritario; el Estado social, y la democracia liberal, no popular. Estos principios organizativos son, a juicio de Maihofer, expresión directa de una concepción de las relaciones entre las personas y la comunidad política según la cual esta última se encuentra al servicio de aquellas, y no al revés. La persona, en virtud de su dignidad, se constituye así en fin del Estado" (apud Serna, 1995: 295-296). 95 "la dignidad de la persona no es posible defirnirla, sólo podemos apreciar en cada realidad concreta su vulneracíon, la que se concreta cada vez que perturbamos, amenazamos o privamos de sus derechos esenciales a la persona, cada vez que la denegrimos o humillamos, cada vez que la discriminamos, cada vez que ponemos obstáculos para su plena realización, cada vez que el Estado la utiliza como un medio o instrumento de su proprio fin" (1999:242).

Bamforth indaga sobre essa importância, chamando atenção para o fato de a sexualidade de cada pessoa ser única. "Porque, todavia, deveria a sexualidade - assim concebida - ser um valor tão central para cada um de nós? A resposta mais provável é que nossos gostos individuais sexuais, os nossos encontros e apegos/acessórios/ganchos??? emocionais e sexuais, são as características e experiências pessoais mais centrais/essenciais/fundamentais que temos/de nossas vidas. Algumas pessoas, por questões pessoais, valorizam mais outras atividades - seja através do mercado de ações ou construindo mesas, por exemplo. Dois fatores, entretanto, destacam o desejo e a atividade sexual como as mais pessoais e valoráveis para a maioria de nós. Primeiramente, o grau único de interdependência humana que envolve mesmo o mais casual dos encontros sexuais. Inicialmente, esta interdependência pode ser puramente física; entretanto, se um encontro sexual acaba se transformando em um relacionamento mais duradouro (ou seja, com maior envolvimento), então, a interdependência se torna de um caráter ainda mais profundo e emocional. O segundo fator é que os gostos sexuais variam quase que infinitamente - em termos do quê pensamos que torna alguém um parceiro sexualmente desejável, ou o que faz de um ato sexual algo prazeroso - e os gostos e as fantasias de cada pessoa vão de encontro exatamente ao seu desejo mais central, fazendo-os tão particulares como seres humanos que são. A moderna noção de orientação sexual, no sentido do sexo da(s) pessoa(s) a quem estamos atraído, é apenas um desses aspectos. Dentro dos parâmetros básicos de sua orientação sexual, as pessoas são frequentemente capazes de conceitualizar os seus gostos e fantasias sexuais ideais mais claramente do que em relação a outros tipos de gostos ou aspirações. Nem todos podem satisfazer/preencher suas ambições sexuais, é claro - mas qualquer um pode ter aspirações. Assim, a concepção pessoal de sexualidade é, a seu modo, única e central a cada um dos seres humanos" (1997:259-260). (tradução livre) 96 Nesse sentido, o que cada pessoa entende como sexualmente ou afetivamente desejável deve ser respeitado. Retoma-se assim a idéia de que há uma titularidade moral à autonomia, inarredável e derivada da dignidade humana. Há, entretanto, uma exceção: exige-se o consentimento como elemento validador e autorizador da proteção a essa autonomia moral. E a autonomia e a dignidade, a seu turno, remetem à idéia de identidade. Para Alcalá , "[e]sta dignidade da pessoa implica em reconhecer o outro como 'um outro eu' nas relações interpessoais (um caso de empatia), da mesma forma como corresponde especialmente ao Estado reconhecer, garantir e promover a dignidade e os direitos humanos, removendo os obstáculos que se opõem a eles" (1999:241). (tradução livre) 97 Com o primado da dignidade, os direitos humanos já não são limite, mas sim medida do Estado, constituindo-se, portanto, como a "ética e a antropologia do Estado de direito, a categoria básica do Estado constitucional moderno, que deixou de ser Estado legal para se converter em Estado pluralista, aquele no qual a dignidade humana se converteu em Staatsfundamentalnorm (traduzo? Norma fundamental do Estado)" (Bertolino, 1999:139). (tradução livre) 98 Esse pluralismo é um pluralismo de modelos e de linhas de orientação. É um pluralismo de "possibilidades", no qual "[...] os direitos fundamentais são concebidos como 'direitos à possibilidade' e, através deles se afirma - ainda que às vezes correndo o risco da contradição - uma verdadeira 'cultura das alternativas'. Apenas no Estado dos direitos a Constituição se encontra aberta ao futuro: preocupa-se não apenas com o conteúdo textual de suas fórmulas mas, especialmente, pelas 'idéias e significados que evoca no desenvolvimento da vida social e jurídica' que está destinada a formar e organizar" (Bertolino, 1999:139). (tradução livre)99 Em seguida, são apresentados argumentos que, embora não se utilizem expressamente da expressão "direitos humanos", podem ser acrescidos aos mesmos, vez que trabalham com os valores que lhes são afetos, tais como igualdade/diferença e dignidade humana (relacionada, por exemplo, à noção de auto-estima, respeito social, felicidade). Ora, no que toca aos homossexuais e à situação histórica de preconceito e de exclusão a que estão sujeitos, agravada por percepções homofóbicas, o desconhecimento e o "estranhamento" que, em geral, as pessoas sentem em relação à homossexualidade, são fatores que funcionam como combustível para essa visão negativa das relações entre pessoas do mesmo sexo. Esses fatores poderiam ser minimizados, diluídos e até mesmo superados através da intervenção normativa, acompanhada de um processo de construção social do valor da diferença. Para Mott é uma via de fomento da respeitabilidade dos homossexuais. "AUMENTO DA RESPEITABILIDADE DOS HOMOSSEXUAIS - legalizando-se a união entre homossexuais, estaremos contribuindo decisivamente para destruir a imagem preconceituosa de que todo gay é promíscuo e incapaz de um amor verdadeiro. A inclusão de um parágrafo sobre o casamento homossexual dentro das leis brasileiras e a simples participação de homossexuais assumidos em celebrações civis auxiliariam a quebra desse tabu e da ideologia homofóbica que ainda consideram os gays ridículos, caricatos ou desprezíveis. Legalizar o casamento homossexual é portanto um passo importante para maior visibilidade e respeito aos direitos de cidadania dos gays e lésbicas. Negar essa evidência equivale a continuarmos na gaveta e na condição de subumanos" ( 2003:250-251). A publicidade oficial das relações homossexuais, através da chancela estatal, poderia contribuir, pelo menos, para um processo de "naturalização" das relações entre pessoas do mesmo sexo. Esse processo possibilitaria a redução de desconforto e de tensão social vividos, dia a dia, pelos gays e, por conseqüência, por toda a sociedade, a despeito de, eventualmente, não se atingir efetiva concepção axiologicamente favorável ou neutra da homossexualidade (isto é, se o valor da diferença não se fizesse prevalecer). Nesse sentido, reforça Graff, esmiuçando os benefícios para toda a sociedade:

96 "Why should sexuality - so conceived - be of such central value to each of us, however? The likeliest answer is that our individual sexual tastes, sexual and emotional encounters and attachments are probably the most centrally personal characteristics and experiences we have. Some people may, as a personal matter, value other activities more highly - playing the stock market or building tables, for example. Two factors mark sexual desire and activity out as generally more personal and valuable for most of us, however. The first is the unique degree of human interdependence which even the most casual sexual encounter involves. Initially, this interdependence may be purely physical; if a sexual encounter develops into a relationship, however, then the interdependence can become deeper and more emotional in character. The second factor is that sexual tastes vary almost infinitely - in terms of what we think makes someone a desirable sexual partner, or what makes something a pleasurable sexual act - and each person's tastes and fantasies go to the very heart of what it is, for them, to be the particular human being that they are. The modern notion of sexual orientation, in the sense of the sex of the person(s) to whom one is attracted, is just one aspect of this. Within the basic parameters of their sexual orientation, people are often able to conceptualize their ideal sexual tastes and fantasies more clearly than other types of taste or aspiration. Not everyone can fulfil their sexual ambitions, of course - but anyone can have aspirations. Each person's conception of sexuality is thus, in its way, unique and central to them" (1997:259-260). 97 "[e]sta dignidad de la persona implica reconocer al otro como otro yo en las relaciones interpersonales, como asimismo, corresponde especialmente al Estado, reconocer, garantizar y promover la dignidad y los derechos humanos removiendo los obstáculos que se oponen a ello" (1999:241). 98 "ética y la antropología del Estado de derecho, la categoria básica del Estado constitucional moderno, que ha dejado de ser Estado legal para convertirse en Estado pluralista, aquel en que la dignidad humana se ha convertido en Staatsfundamentalnorm"(Bertolino, 1999:139). 99 "[...] los derechos fundamentales son concebidos como "derechos a la posibilidad" y a través de ellos se afirma, corriendo en ocasiones el riesgo de la contradicción, una verdadera "cultura de las alternativas". Solo en el Estado de los derechos la constitución se encuentra abierta al futuro: importa no solo por el contenido textual de sus fórmulas, sino especialmente por «las ideas y los significados que evoca en el desarrollo de la vida social y jurídica» que está destinada a formar y a organizar" (Bertolino, 1999:139).

."Legalizar o casamento gay significa oferecer aos homossexuais o mesmo acordo que a sociedade atualmente oferece aos heterossexuais: aprovação social geral e vantagens legais específicas em troca de uma maneira 'mais-profunda-e-rígida-de-se-desvincular-de-um-compromisso' com um outro ser humano. Assim como em relação ao casamento entre pessoas de sexo diferente, fomentar-se-ia uma maior coesão social, segurança emocional e prudência econômica. A partir do presuposto de que não há qualquer razão que impeça gays de adotarem ou de assumirem a responsabilidade de uma criança (como diferenciar a figura da adoção de um foster parent = pai adotivo?) se poderia, também, ajudar a nutrir (???)/criar (???) crianças. E a sua introdução não significaria a uma espécie de ruptura radical com os costumes sociais. Da mesma forma como tem se tornado mais aceitável para as pessoas gays o reconhecimento em público de seus afetos, cada vez mais essas mesmas pessoas têm se comprometido junto com seus parceiros diante de suas famílias e amigos. Uma lei que institucionalizasse o casamento gay iria meramente reforçar uma saudável tendência social. Ao mesmo tempo, depois do aparecimento da AIDS, esta medida serviria como uma genuína medida de saúde pública. Aqueles conservadores que dizem lamentar a promiscuidade entre alguns homossexuais deveriam ser os primeiros a apoiá-la" (2003 b). (tradução livre) 100 Por outro lado, compreendendo-se a própria estrutura da instituição casamento, com sua rede de direitos e deveres, recíproca e voluntariamente contraídos, podem-se identificar algumas razões que advogam pelo reconhecimento civil das relações homossexuais, nos mesmos moldes do tradicional casamento civil. Segundo Hohengarten (1994), o casamento é a instituição civil que oferece um arcabouço legal único que se presta a construir um relacionamento entre pessoas adultas baseado em alto grau de compromisso. No plano das idéias, os benefícios e os encargos correspondentes ao casamento refletem as diferenças entre os casais legalmente casados e os que não apresentam tal status. Como nenhuma outra instituição, sob esse aspecto, desempenha o papel atribuído ao casamento, apenas a equiparação legal das uniões civis entre pessoas do mesmo sexo ao casamento pode franquear esse arcabouço aos casais gays que a ele querem se submeter, viabilizando a criação de uma unidade que supera a atomização contemporânea do indivíduo. Esse comprometimento funciona como base relativamente estável sobre a qual as pessoas envolvidas podem estabelecer aspectos de suas vidas em conjunto e perante terceiros. Para o autor : ."O casamento fornece o único meio legal pelo qual adultos que se relacionam de maneira mais íntima podem, se assim o quiserem, fazer um contrato/pacto vinculante/se unir para, com diversos objetivos, funcionar unitariamente. Os parceiros podem confiar neste contrato em vista de negociações entre as próprias partes, e terceiros podem, também, confiar neste instrumento nas relações com ambos. O casamento oferece, assim, uma estrutura crucial para a superação do individualismo atomista que domina a nossa ordem legal e social. Esta função do casamento não tem nada a ver com gênero, sendo, portanto, igualmente relevante para casais de mesmo sexo ou de sexo oposto" (1994:1495-1531). (tradução livre) 101 Graff ainda apresenta um argumento menos elaborado, talvez com tintas conservadoras, mas que concorre para o bom estado de saúde mental dos homossexuais pela possibilidade, especialmente, da adoção de metas pessoais e da construção de um bom relacionamento familiar. Verifique-se: "É bom para os gays. Fornece modelos de papéis para gays jovens, os quais, após o regozijo de se assumir, facilmente adentram um relacionamento de curta duração e insegurança, sem qualquer objetivo tangível à vista. [...] O casamento legal gay pode, igualmente, contribuir para reduzir o abismo frequentemente existente entre eles e seus pais. Poderia trazer a essência da vida gay - um casal gay - ao coração da tradicional família heterossexual, de uma maneira que a família possa compreendê-los e mais facilmente reconhecer a prole gay (???). Poderia servir tanto para acabar com a tensão hetero-homo quanto uma específica legilação gay" (2003 b). (tradução livre) 102 Em breves linhas, este é o debate teórico que anima a questão e reveste as teses que sustentam ou rechaçam o reconhecimento civil das relações homossexuais, ora reforçando o discurso de direitos, ora enfraquecendo-o, com a defesa de argumentos que insistem na permanência da heterossexualidade como modelo padrão de relacionamentos humanos. Superadas essas considerações, dispõe-se de um instrumental teórico mínimo necessário para uma análise adequada da problemática em foco. 4.2 Os caminhos da fundamentação legislativa prevalecente na Bélgica, em Portugal, na Espanha e no Brasil Quando se fala em fundamentos legislativos que justificam a adoção de determinada lei, na verdade, desloca-se a atenção para a fase de sua elaboração e, portanto, tem-se como referência o processo legislativo. Em breve coletânea de autores nacionais sobre o tema, o processo legislativo pode ser entendido da seguinte forma: "A palavra ‘processo’ no direito ganha a conotação de uma série de atos voltados ao atingimento de um objetivo final. Há portanto, uma coordenação entre esses atos de tal sorte que aflora uma lógica própria de sua colocação num determinado momento da tramitação. No caso do processo legislativo, consiste ele nesse conjunto coordenado de disposições que disciplinam o procedimento a ser obedecido pelos órgãos competentes na produção dos atos normativos que derivam diretamente da própria constituição" (Bastos, 1994: 164-165). "Por processo legislativo entende-se o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção, veto) realizados pelos órgãos legislativos visando a formação das leis constitucionais complementares e ordinárias, resoluções e decretos legislativos. Tem, pois, por objeto, nos termos do art. 59, a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções" (Silva, 1998:522-523). "O processo legislativo pode ser compreendido num duplo sentido, jurídico e sociológico. Juridicamente, consiste no conjunto coordenado de disposições que disciplinam o procedimento a ser obedecido pelos órgãos competentes na produção das leis e atos normativos que derivam diretamente da própria constituição, enquanto sociologicamente podemos defini-lo como o conjunto de fatores reais que impulsionam e direcionam os legisladores a exercitarem suas tarefas" (Moraes, 2002: 524).

100 "Legalizing gay marriage would offer homosexuals the same deal society now offers heterosexuals: general social approval and specific legal advantages in exchange for a deeper and harder-to-extract-yourself-from commitment to another human being. Like straight marriage, it would foster social cohesion, emotional security, and economic prudence. Since there's no reason gays should not be allowed to adopt or be foster parents, it could also help nurture children. And its introduction would not be some sort of radical break with social custom. As it has become more acceptable for gay people to acknowledge their loves publicly, more and more have committed themselves to one another for life in full view of their families and their friends. A law institutionalizing gay marriage would merely reinforce a healthy social trend. It would also, in the wake of AIDS, qualify as a genuine public health measure. Those conservatives who deplore promiscuity among some homosexuals should be among the first to support it" (2003 b) 101 "Marriage provides a unique legal medium through which intimately related adults can, if they choose, make a binding commitment to each other to act as a unit for many purposes. The partners can rely on this commitment in their dealings with each other, and third parties can rely on it in their dealings with both. Marriage is thus a crucial framework for overcoming the atomistic individualism that pervades our social and legal order. This function of marriage has nothing to do with gender. It is equally relevant to couples of the same and of the opposite sex" (1994:1495-1531) 102 "[…] it's good for gays. It provides role models for young gay people who, after the exhilaration of coming out, can easily lapse into short-term relationships and insecurity with no tangible goal in sight. [...] Legal gay marriage could also help bridge the gulf often found between gays and their parents. It could bring the essence of gay life--a gay couple--into the heart of the traditional straight family in a way the family can most understand and the gay offspring can most easily acknowledge. It could do as much to heal the gay-straight rift as any amount of gay rights legislation" (2003 b).

Entre as diversas etapas ou fases do processo legislativo, interessam os debates travados no seio do órgão parlamentar, visto que os mesmos revelam as diferentes percepções que transitam pela sociedade, revelada em seu órgão de representação política. Como esclarece Camargo, "consistindo a lei num texto escrito, pelo menos para os países que adotam o direito codificado, cabe indagar sobre seu elemento racional em função do momento de sua elaboração e do momento de sua aplicação" (1999:124). Trata-se, especialmente, de perquirir sobre a mens legislatoris como elemento de compreensão da norma jurídica, verificando-se os temas e os contornos dos debates travados no órgão legislativo, assim como a permeabilidade e a recepção dos mesmos para os debates travados em sede doutrinária. Bobbio anota: "Desta atitude diante da lei nasce um terceiro aspecto do positivismo jurídico francês: a interpretação da lei fundada na intenção do legislador. Trata-se de uma concepção da interpretação que tem uma grande importância na história e na prática da jurisprudência sendo acatada até os nossos dias. É perfeitamente coerente com os postulados fundamentais da escola da exegese: se o único direito é aquele contido na lei compreendida como manifestação da vontade escrita do Estado, torna-se então natural conceber a interpretação do direito como a busca da vontade do legislador naqueles casos (obscuridade ou lacuna da lei) nos quais ela não deflui imediatamente do próprio texto legislativo, e todas as técnicas hermenêuticas - estudo dos trabalhos preparatórios, da finalidade para qual a lei foi emitida, da linguagem legislativa, das relações lógico-sistemáticas entre uma dada disposição legislativa e as outras disposições etc. - são empregados para atingir tal propósito. Distingue-se a vontade do legislador em vontade real e vontade presumida: busca-se a vontade real do legislador no caso em que a lei disciplina efetivamente uma dada relação, mas tal disciplinamento não fica claro a partir do texto da lei (então se busca, mediante investigações de caráter essencialmente histórico, o que o autor da lei pretendia efetivamente dizer): busca-se, em contrapartida, a vontade presumida do legislador (o que se resolve, em última análise, numa ficção jurídica), quando o legislador se omitiu em regular uma dada relação (lacuna da lei). Então, recorrendo à analogia e aos princípios gerais do direito, procura-se estabelecer qual teria sido a vontade do legislador, se ele tivesse previsto o caso em questão" (1995:87). Embora esses fundamentos, por si só, não se encontrem revestidos da imperatividade reservada à norma jurídica, são expedientes importantes para o seu processo de interpretação, e, por conseqüência, de sua aplicação. Considerando-se a fonte de pesquisa documental deste capítulo, verifica-se que, na maioria das leis constantes do dossiê, não foi declinada a fundamentação teórico/ideológica para o reconhecimento das uniões de civis (quer heterossexuais, quer homossexuais), restringindo-se a questão apenas a uma realidade fática, isto é, à necessidade de regulamentação jurídica em virtude do aumento dessas uniões nas sociedades e de sua aceitação pelos indivíduos que as compõem. Como é o caso da Dinamarca onde, de acordo com estatísticas apresentadas no dossiê, o número de pessoas vivendo sob o regime da parceria registrada aumentou de 640, em 1º de janeiro de 1990, para 3.541, em 1º de janeiro de 1998. Desse modo, a análise de fundamentação legislativa recaiu apenas sobre quatro ordenamentos. Em razão de contingências temporais e de acesso a material específico, o exame dos fundamentos se faz por amostragem, em relação ao conjunto de Estados considerado, sendo selecionados, para análise, dois países cujas leis já estão vigentes e dois outros em fase de tramitação legislativa, respectivamente, Bélgica, Portugal, Espanha e Brasil. 4.2.1 Um perfil dos fundamentos examinados 4.2.1.1 Bélgica: Lei de 29 de outubro de 1998 Na Bélgica, considera-se apenas a legislação que reconhece a união civil de hetero ou de homossexuais, isto é, a Lei de 29 de outubro de 1998 . A medida legal se alicerça em duas concepções distintas. Por um lado, há um caráter eminentemente pragmático, revelando a vitória do fato social sobre o direito. Por outro, remete ao debate sobre a extensão da esfera de legitimidade moral do legislador em disciplinar aspectos, eminentemente, privados da vida de cada um, que se assenta na concepção de que, numa sociedade plural, há inúmeras visões de bem viver, não cabendo ao legislador optar por uma forma em especial, negando a possibilidade de realização de outras formas de vida, o que se traduz no primado da neutralidade do direito. Esta proposta de normatização, conforme consignado no dossiê examinado, surgiu da necessidade de atualizar a legislação belga no que concerne às formas de coabitação e de elaborar formas adaptáveis à sociedade atual. Embora a legislação anterior até à vigência da lei sobre a união civil só reconhecesse, como forma de vida comum, o casamento, enquanto união heterossexual e monogâmica, outras formas de organização familiar já vinham sendo admitidas pela jurisprudência. A lei consagrou uma realidade corrente na Bélgica. Pesquisas realizadas no período em que a lei foi elaborada demonstraram o aumento da união livre no país, acarretando mudanças no conceito tradicional de família, o qual não se restringe a instituição do casamento, abrangendo formas diversas. Os componentes tradicionais da vida familiar (sexualidade, intimidade, coabitação, casamento e filhos) se dissociaram para se reassociarem em novas combinações. Ressalta-se que a característica essencial de todas as formas de vida comum extra-matrimonial, em particular, da coabitação, é a flexibilidade. Nessa forma de organização da vida familiar verifica-se uma simbiose entre liberdade e flexibilidade que não é possível no casamento. Por outro lado, a lei traduz também a concepção de que a realidade pós-moderna tem, como centro de seu debate político-ético, a discussão sobre os modos disponíveis ao legislador para satisfazer melhor todas as aspirações dos indivíduos, observando-se as garantias de liberdade e de respeito ao outro. Entre essas aspirações, encontra-se a necessidade de estabelecer um modelo familiar, o modo de vida de cada um, que, independente de sua organização, deverá ser respeitado e protegido pelo Direito. Quanto à questão dos homossexuais especificamente falando, ela se inspira nos princípios da igualdade e da não-discriminação. Até a elaboração e a vigência da lei que institui a união civil na Bélgica, os homossexuais não possuíam proteção jurídica e a jurisprudência concernente às demandas formuladas por homossexuais, que coabitavam ou coabitaram juntos, era insipiente. Assim, à época de sua edição, a disciplina em comento desempenhou um papel excepcional, pois, aos casais formados por pessoas do mesmo sexo, era vedado inclusive contrair bodas, nos moldes do casamento tradicional, acreditando-se que o reconhecimento legal sirva de instrumento para uma maior aceitação social das relações homossexuais. Por fim, a lei examinada mostra-se consentânea com a normatividade internacional que protege os direito humanos. Verifique-se: "O artigo 12 da Convenção Européia dos Direitos do Homem garante o direito fundamental ao casamento. Não obstante, este direito não é reconhecido aos homossexuais, seja quando resulta da jurisprudência da Corte Européia de Direitos do Homem ou das leis nacionais dos países signatários da Convenção. [...] Os artigos 6º e a sua letra (a) de nossa Constituição consagram os princípios da igualdade e da não-discriminação. Este princípio de não-discriminação é igualmente consagrado pelo artigo 14 da Convenção Européia de Salvaguarda de Direitos do Homem que, sendo diretamente aplicável (auto-aplicável ???), tem força de lei na Bélgica" (Dossiê DILP, 2000:123). (tradução livre) 103 4.2.1.2 Portugal: Projetos de Leis n. 338/VII; 384/VII; 414/VII e 527/VII. Em Portugal, embora tenham sido apresentados sete projetos de lei com objetivo de regulamentar as uniões de fato, apenas quatro serão considerados, a saber: PJL 338/VII; 384/VII; 414/VII e 527/VII. Os projetos de lei 338/VII e 384/VII foram discutidos e votados na Reunião Plenária de 25 de junho de 1997. Os projetos de lei n.º 414/VII e 527/VII foram discutidos e votados na

103 "L’article 12 de la Convention européene des droits de l’homme garantit le droit fondamental au marriage. Ce droit n’est toutefois pas reconnu aux homosexuels, ainsi qu’il ressort de la jurisprudence constante de la Cour européene de droits de l’homme ainsi que des lois nationales de pays signataires de la Convention. [...] Les articles 6 et 6bis de notre Constitution consacrent les principles d’égalité et de non-discrimination. Ce principe de non-discrimination est également consacré par l’article 14 de la Convention européene de sauvegarde de droits de l’homme, qui, étant directement applicable, a force de lei en Belgique" (Dossiê DILP, 2000:123).

Reunião Plenária de 03 de março de 1999. Em geral, nos debates travados nos projetos os mesmos se justificam basicamente nas mudanças observadas na sociedade portuguesa, na qual a união de fato é uma realidade constante. Os projetos - à exceção do PJL n.º 527/VII que expressamente dispõe que suas normas se aplicam às "pessoas de sexo diferentes que vivam em união de facto"- referem-se às pessoas que vivam em situação análoga à dos cônjuges, sem especificar se a relação deve ser entre sexos diferentes, ou se a lei aplica-se também a uniões constituídas por pessoas do mesmo sexo. Percebe-se uma preocupação em atualizar a legislação portuguesa, tendo em vista as novas manifestações sociais que se colocam em matéria de relacionamento familiar, inclusive com dados estatísticos, invocados como respaldo fático para a urgência da regulamentação. Veja-se: "Os dados que hoje se conhecem (um recente inquérito feito à juventude revela que 37,3% dos inquiridos considera que a união de facto é praticamente o mesmo que o casamento e há uma progressão verificada no número de filhos nascidos fora do casamento - de 7,25 dos natos-vivos em 1975 para 17,8% em 1994) revelam-nos que a união de facto continua a ser uma realidade que não pode ser desconhecida do direito" (Dossiê DILP, 2000:35). Na discussão do PJL n.º 338/VII, elaborado pelos "Verdes", ao introduzir o debate, a deputada do partido, Isabel Castro, defende a diversidade das formas de organização familiar, distinguindo as famílias homossexuais das famílias constituídas com base na união de fato. Ao longo de sua introdução, esclarece que o projeto se dirige às famílias constituídas com base na união de fato e tem por objetivo a sua proteção, não se estendendo as uniões de fato de casais homossexuais. Nesta introdução, a deputada relembra ainda que "Os Verdes" apresentaram outros projetos que reconhecem a proteção jurídica aos casais homossexuais, citando outras iniciativas do partido relacionadas à questão dos homossexuais, como as apresentadas no projeto de revisão constitucional, que visavam protegê-los da discriminação e dar-lhes o direito de constituir família (modificações propostas para o art. 13, que visava incluir "a não-discriminação segundo a orientação sexual", e para o art. 36, sobre o direito de constituir família e contrair casamento, "de acordo com a sua livre opção". Essas propostas tinham por fundamento a garantia da "igualdade dos cidadãos, a liberdade de opção e a não discriminação, ultrapassando tabus e interditos culturais". Entretanto, não foram acolhidas pelo conservador parlamento português. Quanto ao PJL n.º 384/VII, na exposição feita pelo deputado representante do PCP, não é esclarecido se o projeto estende-se às uniões de fato de casais homossexuais, o que foi levantado no debate, visto que a discussão sobre as uniões de fato não pode ser reduzida às relações heterossexuais. O PJL n.º 414/VII também foi proposto pelos "Verdes", apresentando poucas diferenças com relação ao PJL n.º 338/VII, inclusive no que tange às justificativas, não se estendendo, porém, às uniões de fato de casais homossexuais. O PJL n.º 527/VII, apresentado pelo PS, somente se aplica a pessoas de sexo diferentes. Essa esfera de destinatários foi o ponto crucial dos debates parlamentares travados em plenário, pois o partido que o apresentara questionava outros projetos exatamente por não se estenderem às uniões homossexuais. Na introdução ao debate, o deputado Sérgio Sousa Pinto, ao justificar o posicionamento perante a realidade das uniões de fato, limita-se a nomear um direito à diferença, sem, entretanto, desenvolvê-lo, nem mesmo especificar seu conteúdo. Analisando os projetos de lei portugueses e as suas conseqüentes discussões, verifica-se que, em geral, a grande preocupação se reduz à questão da regulamentação da união de fato, discutindo-se primordialmente a extensão da mesma às relações homossexuais. Deve-se consignar ainda que os debates, mesmo quando ressaltavam a necessidade de extensão do regime da união de fato aos casais homossexuais, não avançavam para aspectos mais valorativos ou principiológicos. Estes, numa leitura de proteção à liberdade e à igualdade, estes são mais sensíveis nos debates efetuados para eventuais alterações da Constituição. 4.2.1.3 Espanha: Projetos de Lei nos. 122/000068, 122/000069, 122/000071 e 122/000098 Na Espanha, os fundamentos legislativos serão considerados em relação direta com os quatro projetos de lei apresentados perante o Parlamento Espanhol, prevalecendo a dimensão de valores constitucionais, como liberdade e igualdade, relacionados à dinâmica dos direitos fundamentais. No Projeto de Lei n.º 122/000069, a justificação deduzida se concentra na ampliação do conceito de família, tendo em vista a realidade social, assegurando proteção jurídica aos agrupamentos de seres determinado pela convivência e afetividade, a fim de que sejam respeitadas a liberdade e a igualdade real e efetiva. A liberdade, de acordo com o projeto de lei, deve ser tida como a faculdade à pessoa de escolher o modelo familiar que lhe pareça mais adequado ao desenvolvimento de sua personalidade, garantindo o respeito à dignidade que lhe é inerente. A igualdade consiste em não discriminar os membros de determinado núcleo familiar em razão do modelo de organização escolhido pelas partes; a proteção dos diversos modelos de organização familiar é de extrema importância uma vez que a família é um dos instrumentos para realização dos direitos fundamentais. O projeto pretende efetivar a proteção às diversas modalidades de família, eliminando discriminações, conforme preceitua a Constituição Espanhola, e garantir o pleno desenvolvimento da personalidade humana. No Projeto de Lei n.º 122/000068 consigna a necessidade de regulamentação jurídica e de proteção de uma realidade social cotidiana na Espanha: a convivência duradoura e estável entre duas pessoas independente de sua orientação sexual. Essa extensão aos casais homossexuais tem por fundamento a Resolução do Parlamento Europeu, de 08 de fevereiro de 1994, que garante a igualdade dos direitos dos homossexuais na Comunidade Européia. Assim, não poderá haver nenhuma distinção de tratamento legal em razão da orientação sexual dos indivíduos. Entretanto, os autores do projeto ressaltam que não pode haver identidade de efeitos entre o matrimônio e as uniões de fato, por se tratarem de instituições diferentes que obedecem a opções e a planejamentos pessoais distintos. O Projeto de Lei n.º 122/000071 pretende eliminar as discriminações existentes com relação às uniões de fato, que são uma realidade cotidiana na sociedade espanhola e, por isso, demandam uma regulamentação do direito positivo. Assim como no projeto 122/000068, o legislador ressalta que não podem ser atribuídos os mesmos efeitos do casamento à união de fato, por se tratarem de institutos distintos. O Projeto de Lei n.º 122/000098 tem por fundamentos a garantia do direito à liberdade, à segurança jurídica e do direito fundamental à intimidade e, por objetivo, amparar a situação dos que desejam formalizar a sua união por meio de um contrato, registrado, para garantir a certeza jurídica, sem prejuízo do direito fundamental à intimidade. 4.2.1.4 Brasil: Projeto de Lei Martha Suplicy - PL n.º 1.151-A de 1995 No Brasil, a fundamentação apresentada para o PL 1.151-A, de 1995 apóia-se no discurso de caráter inclusivo que chancela a dignidade humana, em sociedade plural, mostrando-se em sintonia de linguagem com as previsões constitucionais a respeito dos direitos fundamentais. Esses pressupostos podem ser apurados nos seguintes fundamentos apresentados pela Deputada Martha Suplicy: 1. Atualmente, verifica-se o aumento das relações homossexuais na sociedade brasileira, fazendo-se necessário elaboração de lei que as regulamente. 2. O reconhecimento dessas uniões pela legislação pode possibilitar maior aceitação da homossexualidade pela sociedade, pela família e, até mesmo, pelos próprios homossexuais, diminuindo o isolamento em que vivem. 3. O direito à orientação sexual como expressão dos direitos inerentes à pessoa humana, à opção sexual de cada indivíduo e às uniões homossexuais devem ser respeitadas pelo Estado e pela sociedade. 4. O direito deve contemplar a diversidade. O reconhecimento jurídico das uniões homossexuais visa proteger a dignidade humana, reparando injustiças decorrentes dos fatos reais. 5. O projeto não se propõe a dar aos parceiros homossexuais um status igual ao do casamento; embora todas as provisões aplicáveis ao casamento também devam ser direitos assegurados aos parceiros homossexuais permanentes. Em seu parecer, a Comissão Especial não inova a fundamentação originária do projeto de lei, corroborando os argumentos da deputada, autora do projeto, e reconhecendo, em especial, a relevância jurídica das relações homossexuais, até no campo patrimonial. Na sociedade brasileira, verifica-se cada vez mais a ocorrência de problemas relacionados à sucessão e aos benefícios previdenciários entre casais homossexuais, visto que representam 10% da população brasileira.

A Comissão ressalta que leis semelhantes já foram aprovadas em países europeus e a aprovação dessa lei no Brasil é necessária à garantia dos direitos humanos, especialmente a dignidade, a liberdade e a autonomia. Nesse particular, o direito de orientação sexual tem natureza de direito personalíssimo, por ser derivado dos direitos de liberdade, igualdade e inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Por sua vez, o relator da Comissão reconhece a oportunidade e a conveniência do projeto apresentado: as relações homossexuais são uma realidade fática que necessita de regulamentação jurídica, reforçando o argumento já apresentado. A seu ver, o projeto, corretamente, não cria uma entidade familiar para efeitos de proteção do Estado: busca, tão-somente, resguardar e regulamentar os efeitos dos atos jurídicos praticados em parceria por homossexuais, a qual não se equipara ao casamento, aspecto nítido no projeto apresentado. A despeito da posição do relator e do parecer adotado na Comissão Especial, houve votos divergentes, apresentados em separado pelos Deputados Salvador Zimbaldi (à época filiado ao PTB-SP) e Severino Cavalcanti (à época filiado ao PPB-PE). A leitura desses votos é essencial para a compreensão do quadro dialético vivenciado pelo Parlamento brasileiro, revelando as tensões oriundas do enfrentamento resultante de um discurso mais conservador, cujo transfundo reproduz a representação social da homosexualidade como um ato moralmente condenável/pecado. Para o Deputado Zimbaldi, o projeto cria uma verdadeira "balbúrdia jurídica" e é de uma "imoralidade atentatória aos nobres princípios da comunidade", apenas para beneficiar minorias. O segundo voto divergente fundamenta sua tese em princípios religiosos, calcados na interpretação da Igreja Católica quanto à questão homossexual, considerada uma anomalia, um pecado. Para o deputado, o projeto atenta contra a lei moral, estimulando o pecador a manter-se no pecado, induzindo a sociedade a encarar, com simpatia e naturalidade, o pecado sendo esse uma afronta a Deus pelo Estado brasileiro, o que atrairá a cólera divina. A Igreja Católica condena as relações homossexuais pois se trata de atos contrários à natureza, sendo incompatíveis com a moral tradicional católica e os mandamentos da lei de Deus. Por isso, o "homossexualismo" não merece qualquer aprovação. Segundo a interpretação dada pelo parlamentar à doutrina católica, "os atos homossexuais são intrinsecamente maus e contrários a lei natural", sendo proibidos para todos, inclusive os não católicos, razão pela qual o projeto deve ser rejeitado. A despeito das críticas formuladas pelos opositores do projeto, a proposta fundamenta-se em argumentos que sinalizam uma proximidade do discurso sustentado pelo movimento gay, abrindo-se tanto para questões da inevitabilidade fática das relações homossexuais, quanto para problemas de natureza axiológica, que qualificam a noção de liberdade e de igualdade, prestigiando a dignidade humana. Interessante ressaltar a importância do reconhecimento da diversidade como um elemento justificador da medida legislativa proposta que anuncia a afinidade com o princípio do pluralismo previsto em texto constitucional, no art. 1º. da Carta Constitucional. A preocupação com a esfera de direitos a serem assegurados também é evidente. Entretanto, como uma posição tímida, em relação ao quantum de proteção a ser assegurado, fica nítido o esforço em traçar uma linha divisória entre o reconhecimento civil da parceria entre homossexuais e o casamento heterossexual. 4.2.2 Uma visão comparativa dos fundamentos examinados Tomando em conta o material considerado, a partir da fonte documental pesquisada, foram apurados, ao todo, oito fundamentos, sem que a ordenação dada obedeça a uma escala de importância, ou mesmo esgote os debates legislativos levados a cabo nas quatro ordens jurídicas consideradas. São eles: inevitabilidade fática das relações homossexuais; normatividade supranacional; valorização da dignidade humana; reconhecimento da diversidade; valores de liberdade (autonomia) e de igualdade; direito à intimidade; critério da neutralidade da orientação sexual e outorga/proteção de direitos. Na verdade, tais fundamentos encontram-se mais próximos ao debate teórico travado na seara dos direitos humanos, o que evidencia o potencial argumentativo desse discurso. Ainda que os fundamentos utilizados não se revelem na extensão e na profundidade com que são tratados no campo da teoria, sendo algumas vezes mencionados sem maiores esclarecimentos (como é o caso do reconhecimento da diversidade), os mesmos acusam sua recepção na via legislativa, podendo-se apurar o grau de permeabilidade às demandas populares (no caso específico, as demandas colocadas pelo movimento gay) e a teorização sobre as mesmas. Dessa forma, entre todos os fundamentos legislativos selecionados, percebe-se apenas a presença recorrente de quatro argumentos. Um de natureza pragmática e os demais de cunho mais teórico. Os outros argumentos são adotados sem unanimidade. No plano pragmático, em todos os ordenamentos examinados, a inevitabilidade fática da existência de relações entre pessoas do mesmo sexo é um elemento de forte presença - o que pode revelar uma preocupação do legislador em manter a ordem jurídica consentânea com a realidade vivida pelas pessoas e sensível ao avanço das relações sociais. No plano mais teórico, verifica-se o prestígio atribuído às fundamentações de caráter humanista, abertas à dimensão valorativa da ordem jurídica. Por este prisma, os valores constitucionais, como liberdade e igualdade, são referência constante - inclusive a liberdade é associada à noção de autonomia - embora a questão da valorização da dignidade humana, explicitamente nomeada, apareça apenas no caso do Brasil e na Espanha. De igual modo, a proteção da intimidade é assinalada expressamente nestes países. Também o reconhecimento da diversidade (que se manifesta em formas de vida diferentes, em distintas relações familiares etc...) ocupa lugar destacado nos países examinados. Nos quatro ordenamentos considerados, evidencia-se, igualmente, o exame da orientação sexual como critério neutro de diferenciação; isso para caracterizar a homossexualidade segundo o discurso do movimento gay, admitindo-se, inclusive, a superar, nessas sociedades a visão desviante e pejorativa da mesma como conduta moralmente inaceitável ou como patologia. Por outro lado, a preocupação com a necessidade da outorga de direitos é mencionada apenas no legislativo espanhol, embora, na prática, a adoção de medidas legislativas tenha por conseqüência imediata a proteção de direitos. Por ora o argumento da existência de normatividade supranacional aparece apenas nos debates espanhóis e belgas. Isso evidencia a importância do surgimento de uma esfera supranacional de proteção aos direitos humanos que gera, como conseqüência, a preocupação em atender as disposições da Convenção Européia de Direitos Humanos. No caso brasileiro, todavia, o legislador acusa ter conhecimento de que a questão já é disciplinada em outros países, especialmente na Europa. Numa avaliação geral, os debates mais abrangentes parecem ser os travados na Espanha e no Brasil. Deve-se consignar, porém, que em ambos os países, não há ainda legislação em vigor disciplinando a questão - o que de certo modo os coloca em posição mais confortável, por assim dizer, já que não lhes é exigido pioneirismo na matéria; por conseguinte, há um número maior de experiências para servirem de fonte de inspiração. Esse dado, embora significativo, deve ser relativizado. Considerando-se nossa realidade, verifica-se que os debates travados no parlamento brasileiro sinalizam uma absorção bastante significativa das discussões mais atualizadas - até das que circulam nos parlamentos europeus -sobre essa problemática. Infelizmente, tal absorção ainda não se traduziu em força política capaz de levar a termo o processo legislativo, com a produção das normas jurídicas necessárias à disciplina da matéria. Se há, no entanto, um atraso quanto à efetiva disciplina legal, o mesmo não se pode dizer da qualidade argumentativa do projeto em trâmite que se sensibiliza com problemática dos direitos humanos que subjaz ao debate do reconhecimento das uniões homossexuais. Por fim, a adoção de medidas legislativas que impliquem o reconhecimento civil das relações homossexuais reforça a prevalência de três elementos centrais para o Estado Democrático de Direito. Em primeiro lugar, constata-se a dessacralização do casamento, o que pode contribuir para a redução do grau de dominação simbólica imposta por uma visão heterossexista de mundo. Em segundo, afirma-se a separação entre o Estado e a Igreja, como decorrência da concepção democrática. Em terceiro, fomentam-se os valores da tolerância, da diferença e da justiça sexual, indispensáveis à efetiva concretização da dignidade humana. Num plano político, adotam-se as conclusões de Hohengarten: "As implicações políticas do casamento entre pessoas do mesmo sexo não dizem respeito às percepções das demais pessoas. O casamento entre pessoas do mesmo sexo implica na própria cidadania de gays e lésbicas. Através de uma incapacidade legal, criada a partir da negativa do Estado em oferecer uma estrutura legal para os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, o Estado acaba produzindo algo muito peculiar: cidadãos de segunda classe. A implicação política do direito a casar, como o direito à

privacidade em geral, é a remoção desta incapacidade, para compensar a padronização patrocinada pelo Estado, doravante impedindo-o de se tornar soberano de seu povo" (1994: 1495-1531). (tradução livre) 104 4.2.3 Apresentação do tema em quadro comparativo sobre os fundamentos legislativos examinados O quadro proposto sistematiza os fundamentos invocados pelo legislador belga, português, espanhol e brasileiro a fim de justificar a adoção de normas legais que disciplinem o reconhecimento civil das relações entre pessoas do mesmo sexo. Quadro comparativo sobre os fundamentos legislativos examinados FUNDAMENTOS

Bélgica

Espanha

Brasil

Portugal

inevitabilidade fática das relações homossexuais normatividade supranacional valorização da dignidade humana reconhecimento da diversidade valores de liberdade (autonomia) e igualdade direito à intimidade critério da neutralidade da orientação sexual outorga/proteção de direitos Concluindo o capítulo, há que se atentar para o fato de que a ausência de reconhecimento legal das uniões homossexuais condena um sem número de pessoas a viver uma cidadania de segunda classe, por lhes serem reconhecidos menos direitos - o que questiona a própria concepção da categoria de estado democrático de direito. Neste capítulo, tratou-se da problemática do "casamento gay", sob o aspecto de seus fundamentos legislativos (considerados Bélgica, Espanha , Portugal e Brasil). De igual forma, registrou-se o debate teórico sobre a questão - marcado com argumentos civilistas e de direitos humanos -como matéria-prima para compreensão da dimensão legislativa. E, traçado o perfil dos fundamentos examinados, efetuou-se um estudo comparativo do mesmo, que ao final, se sintetiza em um quadro comparativo. Buscou-se chamar atenção para os argumentos que inspiram a mens legislatoris já positivada na lei ou que animam os debates travados nos Parlamentos, a fim de aprofundar a análise da questão, revelando os impasses do jogo democrático e as leituras que transpassam a sociedade a respeito da homossexualidade e como essas leituras podem influenciar nas decisões políticas a serem tomadas pelos Parlamentos. No próximo capítulo o objeto de estudo considerado é a problemática do reconhecimento legal das relações homossexuais em países integrantes da Comunidade Européia (Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda, Espanha - inclusive a Catalunha, Bélgica, França, Finlândia, Portugal, Itália e Grã-Bretanha), assim como no Brasil. O estudo leva em conta tanto diplomas legais vigentes, bem como projetos em tramitação, como é o caso espanhol, italiano e brasileiro. Pretende-se evidenciar a extensão do manto protetor da ordem jurídica - o que se traduz nas condições de reconhecimento civil das relações homossexuais, efeitos e limites normativos da proteção pretendida (isto é, direitos que são ou não reconhecidos) e na disciplina de sua dissolução. "Em um diálogo sobre o significado do amor, Platão escreve uma obra-prima para o seu frugal parceiro - o dramaturgo Aristófanes - para explicar o mistério de nosso desejo por uma outra pessoa. Esta passagem acompanha o mito de Aristófanes sobre as origens do ser humano. No começo, Aristófanes conjectura, os humanos eram essencialmente a combinação de duas pessoas, cada qual com duas cabeças, quatro pés e quatro braços. Havia três sexos: aqueles com duas metades masculinas, aqueles com duas metades femininas, e aqueles com (UMA???) de cada (a espécie andrógina). Em um determinado ponto, no entanto, Zeus, para punir os humanos pelo mau comportamento, cortou cada um deles em duas partes. A partir de então, cada metade perambula pela Terra em busca de sua outra metade perdida, criando homens homossexuais, mulheres lésbicas e heterossexuais. Observe a forma como o amor pelo mesmo sexo é colocado no mesmo plano oposto ao amor pelo sexo oposto, mas veja, também, como o casamento não é a ele identificado." O Discurso de Aristófanes Em "O Simpósio", de Platão Traduzido por Alexander Nehamas e Paul Woodruff, 1989 105

"Qualquer maneira de amor vale a pena qualquer maneira de amar vale amar" Milton Nascimento

104 "The political implications of same-sex marriage do not concern the perceptions of others. Same-sex marriage directly implicates the citizenship of lesbians and gays themselves. Through a legal disability created by the state's denial of a legal framework for committed same-sex relationships, the state produces gay men and women as a peculiar class of second-class citizens. The political implication of the right to marry, like the right of privacy generally, is to remove this disability, to counteract state-sponsored standardization, and thereby to prevent the state from becoming the sovereign of its people" (1994: 1495-1531). 105 "In a dialogue on the meaning of love, Plato writes a masterpiece for his sometime sparring partner, the playwright Aristophanes, to explain the mystery of our desire for one other person. This passage follows Aristophanes’s myth about the origins of human beings. In the beginning, Aristophanes conjectures, humans were essentially two peoples combined, each with two heads, four feet and four arms. There were three sexes: those with two male halves, those with two female halves, and those with (ONE?) of each (the "androgynous" sort). At one point, however, Zeus, to punish humans for misbehaving, cut each human in two. Since then, each half wanders the earth in search of its lost other half, creating homosexual men, lesbians, and heterosexuals. Notice how same-sex love is put on the same plane as opposite-sex love, but also see how marriage is not identified with it." The Speech of Aristophanes From the Symposium, Plato Translated by Alexander Nehamas and Paul Woodruff, 1989

5 O tratamento legislativo da homossexualidade nos parlamentos: uma análise sobre o reconhecimento civil das relações homossexuais. A moldura legal do reconhecimento em países da União Européia - Dinamarca; Noruega; Suécia; Holanda; Catalunha, na Espanha; Bélgica; França; Finlândia; Portugal e Grã-Bretanha e no Brasil

5.1 A moldura legal do reconhecimento das relações homossexuais em países da União Européia: Dinamarca; Noruega; Suécia; Holanda; Catalunha, na Espanha; Bélgica; França; Finlândia; Portugal e Grã-Bretanha. 5.1.1 Um perfil do quadro legal vigente: Dinamarca; Noruega; Suécia; Holanda; Catalunha, na Espanha; Bélgica; França; Finlândia; Portugal e Grã-Bretanha. 5.1.1.1 Dinamarca: Lei n.º 372 de 1º de junho de 1989 (The Registered Partnership Act). 5.1.1.2 Noruega: Lei 40 de 30 de abril de 1993. 5.1.1.3 Suécia: Lei de 23 de junho de 1994 (The Registered Partnership Act). 5.1.1.4 Holanda: Lei de 5 de julho de 1997 e Lei de 21 de dezembro de 2001. 5.1.1.5 Catalunha, na Espanha: Lei 10/1998, de 15 de julho (Ley de Uniones Estables de Pareja). 5.1.1.6 Bélgica: Lei de 29 de outubro de 1998. 5.1.1.7 França: Lei 207 de 9 de dezembro de 1998 (Du Pacte Civil de Solidarité). 5.1.1.8 Finlândia: Lei n. ° 950/2001, com as modificações da Lei n. ° 1229/2001. 5.1.1.9 Portugal: Lei n.º 7/2001 de 11 de maio. 5.1.1.10 Grã-Bretanha. 5.1.2 Um perfil de lege ferenda. 5.1.2.1 Espanha: Projetos de Lei nos. 122/000068, 122/000069, 122/000071 e 122/000098. 5.1.2.2 Itália: Projeto de Lei n.º 2725 e Projeto de Lei no. 2870. 5.2. A moldura legal brasileira: 5.2.1 Projeto de Lei Martha Suplicy - PL n.º 1.151-A de 1995. 5.2.2 Substitutivo adotado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados. 5.3 Uma visão comparativa dos tratamentos legais abordados em países da União Européia (Dinamarca, Suécia, Holanda, Catalunha na Espanha, Bélgica, França, Finlândia, Portugal, Espanha, Itália) e Brasil. 5.4 Apresentação do tema em quadros: 5.4.1 Quadros sistemáticos sobre os tratamentos legais abordados: a) Quadro sistemático sobre as leis que disciplinam a união/parceria homossexual. b)Quadro sistemático sobre os projetos de lei que disciplinam a união/parceria homossexual. c) Quadro sistemático sobre o reconhecimento civil das relações entre pessoas do mesmo sexo: uma ótica de direitos vigentes. d) Quadro sistemático sobre o reconhecimento civil das relações entre pessoas do mesmo sexo: uma ótica de direitos em tese. 5.4.2 Quadros comparativos sobre o tratamento legal abordado. a) Quadro comparativo sobre as condições de reconhecimento. b) Quadro comparativo sobre os efeitos. c) Quadro comparativo sobre a extinção

O presente capítulo integra a dinâmica de densificação do discurso de direitos, mediante análise mais focada em pretensões específicas, e completa a concentração de foco na esfera legislativa. Nessa via, os pressupostos teóricos e metodológicos adotados, assim como as fontes de pesquisa1, são os mesmos do capítulo anterior, razão pela qual se evita repeti-los. Analisados os fundamentos legislativos que justificam a adoção de medidas normativas voltadas para o reconhecimento civil das relações homossexuais, deve-se, agora, considerar o regime jurídico, isto é, o tratamento legal, dado a matéria. Alerta-se, entretanto, que mais do que uma discussão de status legal, trata-se de se averiguar a paridade de direitos (Waaldijk, 2003) assegurados entre as relações homo e heterossexuais. As possibilidades normativas são muitas, variam os tipos de regimes adotados. De forma sistemática, podem ser apontados três grandes posturas. Essas posturas, a seu turno, apresentam seus respectivos modelos2. Há uma postura de impossibilidade de reconhecimento; há uma postura indiferente ao tema e há uma postura de reconhecimento legal. A primeira postura nega a possibilidade de reconhecimento legal das relações homossexuais e, portanto, inviabiliza, num plano jurídico, qualquer esforço normativo nesse sentido. Em geral, essa postura ajusta-se com a criminalização das condutas homossexuais - o que por si só impede que duas pessoas do mesmo sexo possam, licitamente, viver juntas, tal qual um casal heterossexual e que dessa união sejam assegurados direitos e deveres respectivos3. A segunda postura, chamada indiferente, evidencia ausência de previsão normativa expressa a respeito do tema, configurando-se aí uma lacuna. Logo, não há proteção, nem mesmo vedação explícitas, e, em geral, as controvérsias que surgem são remetidas ao Poder Judiciário - que acaba por ser o único canal disponível para a composição dos interesses das partes envolvidas4. A terceira postura admite o reconhecimento legal das relações homossexuais que se pode dar mediante a adoção de diversos modelos legais. Esses modelos, a seu turno, apresentam uma gama de direitos distintos e, portanto, variam o grau de proteção deferida pela ordem jurídica a partir do regime matrimonial. Em geral, as experiências normativas, nesse campo, podem ser agrupadas em dois modelos básicos: um modelo de equivalência e um modelo parcial. O modelo de proteção equivalente institucionaliza o casamento homossexual. Nesse caso, há equivalência entre o casamento heterossexual e o casamento gay, havendo uma esfera muito similar de direitos a serem assegurados. O modelo parcial estabelece o reconhecimento parcial das relações entre pessoas do mesmo sexo, pois não admite a possibilidade jurídica do casamento entre homossexuais; entretanto, são oferecidas, por via legislativa, algumas figuras alternativas ao vínculo conjugal. As alternativas ao casamento tanto podem ser sexualmente neutras como exclusivamente destinadas aos homossexuais. As medidas neutras atendem aos casais homo ou heterossexuais que mantenham uma vida em comum, mas sem que lhes sejam exigida a formalidade e a solenidade do casamento. Tratam-se, em geral, de relações de coabitação, chamadas de "uniões de fato" ou "uniões estáveis", ou mesmo "parcerias" - já abordadas no capítulo prévio. As medidas exclusivas instrumentalizam-se mediante a criação de um instituto específico que assegura direitos e deveres apenas aos casais homossexuais, sem lhes atribuir o status de matrimônio. Esse rol de direitos vai depender do grau de tolerância da sociedade às relações homossexuais. Também esse reconhecimento pode manifestar-se em duas esferas: a partir de um viés mais contratualista, com forte ênfase nos aspectos obrigacionais e patrimoniais da relação (negando-se, assim, a dimensão familiar da relação que se encerra na esfera privada); e, a partir de um viés de direito público, no qual a relação homossexual é interpretada como uma dimensão familiar, recebendo a proteção do Estado enquanto tal. Os modelos contratualistas - que reconhecem as "parcerias" - tendem, atualmente, a cercear o direito à adoção, como um reflexo da não-admissão da relação homossexual como uma espécie de família. Neste capítulo, partindo das posturas acima descritas, são apresentados somente os regimes adotados, ou a serem adotados, num conjunto determinado de certos países integrantes da Comunidade Européia (Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda, Catalunha na Espanha, Bélgica, França, Finlândia, Portugal, Itália e Grã-Bretanha) - que implicam reconhecimento ou possibilidade de reconhecimento legal. Apresenta-se, também, o estado da questão, na esfera legislativa brasileira, na qual o tema, até o momento, integra o campo pré-normativo, por se tratar de projeto de lei, em fase de processo legislativo. Por sua vez, o regime legal é analisado a partir de três aspectos básicos: as condições de reconhecimento; os efeitos do reconhecimento e a sua dissolução. Descrita a dimensão normativa, faz-se uma análise comparativa do material selecionado, buscando-se evidenciar os pontos de semelhança e de divergência entre as ordens jurídicas abordadas, a fim de estabelecer um contraponto de reflexão para a situação brasileira. 5.1 A moldura legal do reconhecimento das relações homossexuais em países da União Européia: Dinamarca; Noruega; Suécia; Holanda; Catalunha, na Espanha; Bélgica; França; Finlândia; Portugal e Grã-Bretanha

Em seqüência, busca-se estabelecer o quadro legal que rege, ou regerá, a questão, a fim de revelar a textura, extensão e limites da normatividade que dá amparo aos relacionamentos homossexuais. Para tanto, efetua-se uma análise legislativa de alguns países integrantes da Comunidade Européia (Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda, Catalunha na Espanha, Bélgica, França, Finlândia, Portugal, Itália e Grã-Bretanha) que já disponham de legislação vigente dedicada ao problema acima apontado, ou que tenham, em seus respectivos órgãos legislativos, projetos de leis em tramitação. A apresentação a seguir ordena-se em função da existência ou não de normatividade integrante da ordem jurídica. Observando-se a ordem cronológica, de antiguidade na adoção de tratamento legal para as uniões homossexuais, são apreciados nove ordenamentos nacionais e, apenas, um regional, o caso da Catalunha. São eles: Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda, Catalunha na Espanha, Bélgica, França, Finlândia, Portugal e Grã-Bretanha. Em seqüência, apresentam-se os Estados que ainda não contemplam o reconhecimento civil, embora existam projetos de lei com essa pretensão tramitando em seus Poderes Legislativos, particularmente, a Espanha e a Itália. 5.1.1 Um perfil do quadro legal vigente 5.1.1.1 Dinamarca: Lei n.º 372 de 1º de junho de 1989 (The Registered Partnership Act) A Dinamarca é pioneira nessa questão, pois foi o primeiro país a adotar uma legislação com o intuito de conceder reconhecimento estatal às relações homossexuais, no final da década de 1980, mediante parceria registrada. Trata-se da Lei n.º 372, de 1º de junho de 1989, conhecida como "The Registered Partnership Act" (D/341-H-ML), que entrou em vigor no dia 1º de outubro de 1989, permitindo a duas pessoas do mesmo sexo que registrassem sua relação, reconhecendo juridicamente as relações travadas entre casais homossexuais. Deve-se registrar que a lei dinamarquesa tem por destinatário, exclusivamente, os casais homossexuais. As condições para o reconhecimento das relações não trazem muitas dificuldades, podendo ser resumidas em três requisitos: a relação deve ser registrada pelo oficial do registro civil; exige-se que pelo menos uma das partes tenha: nacionalidade dinamarquesa e domicílio no país5; ou residência por dois anos no país, se ambas as partes forem cidadãs estrangeiras6; o registro da relação pressupõe as mesmas condições do casamento. Quanto aos efeitos, a parceria registrada produz os mesmos efeitos atribuídos ao casamento, refletindo-se no direito tributário, nas relações patrimoniais, nos direitos sociais e das sucessões. Entretanto, não se aplicam às parcerias registradas as disposições sobre a adoção e as disposições de lei que contenham regras pertinentes a uma das partes do casamento determinada pelo sexo. Em maio de 1999, foi aprovada uma alteração na Lei de Parceria Registrada, em vigor desde 1º de janeiro de 2000, que possibilita ao parceiro a adoção do filho biológico do outro parceiro. Entretanto, a adoção não será possível quando a criança for proveniente de outro país7. Para sua dissolução, aplicam-se as regras previstas na Parte 3, 4 e 5 do "Danish Marriage (Formation and Dissolution) Act" (referentes à anulação do casamento, separação legal e divórcio) e Parte 42 do "Danish Administration of Justice Act" Observe-se, ainda, que as disposições da Lei n.º 372/89 refletiram-se diretamente nas leis que regulamentam o casamento, a herança, nas normas do Código Penal e nas regras sobre o imposto sobre a herança. Tais reflexos foram consubstanciados na Lei n.º 373, de 1º de junho de 1989, denominada "Act to Amend the Danish Marriage (formation and dissolution) Act, The Inheritance Act, The Penal Code and The Inheritance Tax Act" (D/339-H-ML). Dentre as modificações ocorridas, ressalta-se a que incide diretamente sobre a disciplina do casamento entre pessoas de sexo distinto, dado que a parceria registrada constituiu um impedimento legal para a celebração de casamento. 5.1.1.2 Noruega: Lei 40 de 30 de abril de 1993 Trata-se da Lei 40 de 30 de abril de 1993, em vigor desde o 1º de agosto de 1993, que permite que duas pessoas do mesmo sexo registrem a sua relação. Esta lei é semelhante à lei dinamarquesa, tanto no que concerne às condições para reconhecimento, quanto aos efeitos da relação registrada. Diversamente da legislação dinamarquesa, a lei vigente na Noruega não exclui a possibilidade de compartilhamento de pátrio poder. As condições de reconhecimento são: maioridade (as pessoas devem ser maiores de 18 anos); nenhuma das partes poderá ser casada ou ter constituída outra união civil; uma das partes deverá ter nacionalidade norueguesa e uma delas deve ser residente na Noruega. São equiparados aos nacionais, os cidadãos provenientes da Dinamarca, Islândia e Suécia. O Rei poderá decidir equiparar cidadãos de outros países os quais possuam legislação sobre parceria registrada correspondente à lei da Noruega8; uma das partes deverá residir na Noruega há pelo menos 2 anos imediatamente anteriores ao registro9; a relação deverá ser registrada no local do domicílio de uma das partes; o registro deverá observar as disposições relativas ao casamento, com exceção daquelas sobre a prestação de consentimento e forma solene do casamento. Nessa via, é interessante a forma adotada pela lei norueguesa. Na realização do registro, o oficial responsável lerá um texto enfatizando a relevância do ato. Quando as duas partes declararem a sua vontade de registrar sua relação serão declarados legalmente contratados. Logo após, será extraído um documento e notificado a municipalidade onde a parte mais nova é domiciliada. Se as partes desejarem, e o oficial concordar, as partes poderão trocar alianças, e até mesmo ler poemas, o que evidencia uma preocupação de humanização da cerimônia. Quanto aos efeitos: a) a relação registrada produz os mesmos efeitos do casamento; assim, os companheiros gozam dos mesmos direitos e deveres dos cônjuges, perante os outros e perante a sociedade. Portanto, aplicam-se as disposições sobre seguridade social, as referentes à propriedade comum, à propriedade individual e à obrigação de pagar pensão alimentícia; assim como as regras que resguardam a residência familiar (como, por exemplo, a necessidade de outorga do outro cônjuge para dispor de um bem ou hipotecá-lo) e as disposições sobre herança. b) a relação registrada afeta a celebração de qualquer contrato de seguro, seja individual ou coletivo; c) o casamento posterior, sem dissolução da relação registrada, caracteriza o crime de bigamia. A legislação exclui a possibilidade de as partes poderem adotar conjuntamente uma criança10. Entretanto, com a alteração feita no art. 4 da Lei de Parceria Registrada, em vigor desde janeiro de 2002, é reconhecido a uma das partes o direito de adotar o filho biológico da outra (stepchild adoption)11. A extinção da parceria registrada se dá pelas mesmas formas do casamento, isto é pela separação ou divórcio. As ações referentes à dissolução das parcerias registradas, inscritas no Noruega, sempre

deverão

ser

pleiteadas

perante

um

Tribunal

norueguês.

5.1.1.3 Suécia: Lei de 23 de junho de 1994 (The Registered Partnership Act) Na Suécia, antes da promulgação da lei The Registered Partnership Act, em 1994, os homossexuais já possuíam proteção jurídica. Essa proteção se manifestava na Lei de Coabitantes Homossexuais (1987:814), que determina a aplicação nas relações homossexuais das disposições das seguintes leis: Lei dos Coabitantes; Código de Herança; Código de Propriedade Real;

Capítulo 10, seção 9 do Código de Procedimentos Judiciais; Cap. 4, seção 19, § 1º do Código de Execução; disposições das Leis Municipais de Impostos; Lei de Imposto sobre heranças e doações; Seção 6 da Lei de Procedimentos do Tribunal; Lei de Ajuda Legal; Lei do Inquilinato e Lei de aviso aos credores desconhecidos. Dentre estas, destaca-se a Lei dos Coabitantes (1987:232), que dá proteção jurídica aos casais que vivam em condições análogas às dos cônjuges, no que se refere à questão patrimonial, contendo disposições sobre a divisão da propriedade, posse e direito de habitação comum, nas hipóteses de dissolução da relação. Nos termos da lei, o coabitante não tem direito à herança, mas o casal poderá decidir como a propriedade adquirida para uso comum será dividida; o coabitante paga o mesmo imposto sobre a herança em virtude de propriedade legada pelo coabitante que faleceu; os coabitantes não possuem obrigações de manutenção um em relação ao outro, seja durante ou após a coabitação. Em 1994, a disciplina sobre o reconhecimento civil passou a ser regulamentada pelo The Registered Partnership Act, de 23 de junho de 1994, em vigor desde 1.01.1995, que permitiu que duas pessoas do mesmo sexo registrem sua relação. Assim como a lei norueguesa, a sueca é muito similar à normatividade dinamarquesa. Entretanto, verificam-se duas diferenças relevantes. A primeira consiste no reconhecimento das relações registradas por leis de outros países12. A segunda concerne à intervenção judicial, de forma facultativa no registro, mas obrigatória nos casos de dissolução da parceria, a qual só produzirá efeitos mediante

decisão

judicial.

As condições para o reconhecimento são: os destinatários devem ser pessoas do mesmo sexo; uma das partes, pelo menos, deverá ser cidadã sueca e ser domiciliada na Suécia; necessidade de registro. Observe-se que não poderão registrar a relação: os menores de 18 anos, as pessoas com descendência ou ascendência na linha reta, os irmãos bilaterais e as pessoas casadas ou que já registraram outra parceria. Na realização do registro devem estar presentes ambas as partes, bem como duas testemunhas, aplicando-se as normas relativas ao matrimônio. No que toca aos efeitos, a parceria civil é equiparada ao casamento, o que significa dizer que produz os mesmos efeitos e que a lei lhe atribui o mesmo status legal do casamento. As condições do estatuto e outras legislações relacionadas ao casamento e aos cônjuges serão aplicadas de igual forma às parcerias civis registradas e a cada um de seus membros. Esta regra, porém, comporta duas exceções: as partes da parceria civil não poderão adotar conjuntamente uma criança, serem tutores de um menor nem realizar inseminação artificial; e, as disposições referentes aos cônjuges, cuja aplicação suponha tratamento especial de um deles em virtude do sexo, não se aplicam à parceria civil. Entretanto, em junho de 2002, a aprovação de uma emenda à Lei de Parceria Registrada suprimiu a primeira exceção, possibilitando aos parceiros, assim como aos casados, a guarda ou adoção conjunta, incluindo as formas de adoção internacional. Note-se que, diferentemente da legislação da Dinamarca e da Noruega, a adoção conjunta é irrestrita13. Quanto à extinção, a parceria civil extingue-se por morte ou vontade das partes aplicando-se as normas do capítulo 5 da lei matrimonial, as quais regulamentam o procedimento do divórcio, que será precedido de um período de reconsideração (reconsideration period), quando as duas partes o requererem; quando houver filhos menores de 16 anos sob a custódia das partes e quando o divórcio for requerido por apenas uma das partes14. 5.1.1.4 Holanda: Lei de 5 de julho de 1997 e Lei de 21 de dezembro de 2001 (Act of the Opening Up of Marriage)15 Na Holanda, a sistemática de proteção das relações homossexuais pode se dar em duas formas: quer como parceria civil, quer como casamento16. Quanto à parceria civil, trata-se da Lei 5 de julho de 1997, em vigor desde janeiro de 1998, e que emendou o Livro I do Código Civil e o Código de Processo Civil, concernente à introdução de normas sobre a parceria registrada, permitindo aos casais homossexuais e aos heterossexuais o registro de sua relação. As condições para o reconhecimento são as mesmas exigidas para o casamento (idade mínima, capacidade, ausência de impedimentos). Ressalte-se que a lei holandesa não condiciona a proteção à condição de nacionalidade. Quanto aos efeitos, a parceria registrada tem a mesma eficácia do casamento. A lei sobre a parceria altera os regimes jurídicos fiscal, social e de sucessões. Assim, as partes devem assistência mútua e estão sujeitas ao regime de bens legal vigente. A extinção da parceria registrada se dá pela vontade de uma ou de ambas as partes. No primeiro caso, será necessário procedimento judicial, ao qual será aplicado o mesmo procedimento do divórcio. No segundo, bastará que as partes façam declaração, que deverá ser registrada no registro civil. A seguir, os ex-conviventes deverão regulamentar quatro questões: a eventual fixação de pensão alimentícia, a sorte do lar comum, os direitos à pensão e a partilha dos bens comuns. Quanto ao casamento, trata-se do pioneiro e inédito Act of the Opening Up of Marriage, de 21 de dezembro de 2001, que reformou o art. 30, Livro I do Código Civil, em vigor desde 1o de abril de 2001, estendendo o casamento às pessoas do mesmo sexo e rompendo com as barreiras heterossexistas do instituto17. De acordo com essa lei, as condições para contrair o casamento são as mesmas para os casais heterossexuais ou homossexuais. As principais diferenças entre os dois institutos (casamento entre pessoas de sexos diferentes e pessoas do mesmo sexo) dizem respeito às conseqüências do casamento, concentrando-se em dois aspectos: com relação aos filhos e no plano do direito internacional18. Quanto aos filhos, o art. 199 do Código Civil holandês presume a paternidade do marido do filho nascido de sua esposa na constância do casamento. Esta disposição, por óbvio, não pode ser aplicada aos casais homossexuais, pois é biologicamente impossível uma criança ser descendente de duas mulheres. Apesar disto, a lei não modificou o capítulo 11 do Livro 1 do Código Civil, onde está disposta esta norma. Não obstante, a relação entre uma criança e duas mulheres ou dois homens que assumem a sua criação e educação deve ser protegida por lei. Esta proteção foi conferida parcialmente pela possibilidade do exercício conjunto do pátrio poder (art. 253t ff) e complementado pela lei que estende o direito de adoção aos casais homossexuais, em parceria registrada ou casamento. No que concerne ao aspecto do direito internacional, a questão refere-se aos tratados internacionais sobre o casamento, os quais estão de acordo com as leis de direito internacional privado. A interpretação dos referidos tratados com base na neutralidade do gênero parece improvável. A abertura do casamento às pessoas do mesmo sexo faz necessária a elaboração de novas normas de direito internacional privado que contemplem a novel situação inaugurada pelo ordenamento holandês. Também em 21 de dezembro de 2001, reformou-se o Livro I do Código Civil, em vigor desde 1o de abril de 2001, suprimindo da redação do parágrafo 1o art. 227 do Código Civil a expressão "de sexos diferentes" após "duas pessoas". Desse modo, o ordenamento jurídico holandês passou a admitir a adoção por casais homossexuais em parceria registrada ou casados. Registre-se que a adoção por casais homossexuais é restrita a crianças de origem holandesa19. 5.1.1.5 Catalunha, na Espanha: Lei 10/1998, de 15 de julho (Ley de Uniones Estables de Pareja)20 Considera-se aqui a disciplina que prevalece na Catalunha, enquanto região autônoma dentro do Estado Espanhol: portanto, são positivados, basicamente, aspectos de direito civil que correspondem à competência legislativa da Catalunha21. Esta lei agrupa e regula, separadamente do casamento, todas as formas de convivência estável, com uma disciplina diversa do casamento, por se tratarem de instituições distintas. O diploma divide-se em dois capítulos, que tratam, respectivamente, da União Heterossexual e da União Homossexual, atendendo às diferenças existentes e às peculiaridades de cada uma.

A presente análise ficará restrita ao Capítulo II, da Lei, que trata da união homossexual, fazendo-se algumas comparações com a regulamentação das uniões heterossexuais, apenas quando pertinentes. As condições de reconhecimento da união homossexual são: existência de convivência marital; manifestação de vontade; maioridade; não poderão constituir união estável homossexual pessoas já unidas por um vínculo matrimonial, que formem uma união com outra pessoa, parentes em linha reta por consangüinidade ou adoção e parentes colaterais por consangüinidade ou adoção até o 2º grau; um dos membros da união deve ter domicílio na Catalunha; é necessário que as partes outorguem conjuntamente uma escritura pública. Comparando tais condições com as exigências estabelecidas para a união heterossexual, verifica-se a adoção de um sistema diferenciado, em especial, quanto à prova da união. Nas uniões heterossexuais, o simples decurso do tempo (exigência legal mínima de dois anos de convivência) é o que basta para caracterizar o vínculo (esse prazo é dispensado se houver descendência comum), sem que haja exigência de escritura pública - o que permite ser a mesma provada por todos os meios de prova admitidos em direito. Já nas uniões homossexuais, há maior solenidade, pois o seu reconhecimento está necessariamente vinculado à existência de uma escritura pública, sendo legalmente irrelevante o tempo de convivência comum - logo sua prova está condicionado ao registro formal. Quanto aos efeitos, a lei catalã os regula minuciosamente, contendo disposições sobre a regulamentação da convivência, os gastos comuns, a responsabilidade, a tutela, os alimentos, os benefícios a respeito da função pública e a disposição sobre a casa em que vive o casal. Desta forma, os conviventes podem regular validamente, de forma verbal ou mediante documento público ou particular, as relações pessoais e patrimoniais derivadas da convivência. Se não for firmado um pacto entre os conviventes, os membros do casal serão responsáveis conjuntamente pela manutenção do lar e pelos gastos domésticos. Estas disposições não possuem diferenças substanciais com relação às inseridas na regulamentação da união heterossexual. Entretanto, destaca-se que a regulamentação da união homossexual não possui disposição sobre adoção, o que pode dar margem à conclusão de esta é vedada aos casais homossexuais. Ressalte-se que as uniões homossexuais produzirão efeitos jurídicos somente a partir da data de autorização da escritura pública outorgada pelas partes. Quanto à dissolução, as uniões homossexuais chegam ao fim por comum acordo, por vontade unilateral, morte, separação de fato por mais de um ano e pelo matrimônio de um dos membros. Um dos efeitos da ruptura da união consiste na impossibilidade de as partes formalizarem uma nova união antes de decorrido o prazo de seis meses após a anulação da escritura anterior. As partes também poderão pleitear uma compensação econômica no caso em que a ruptura gere situação de desigualdade entre os seus patrimônios, implicando enriquecimento injusto e pensão alimentícia. No caso de extinção por morte, o sobrevivente terá direito à propriedade dos bens móveis de pouco valor, do mobiliário e utensílios do lar dos conviventes, a residir na casa em que vivia o casal durante um ano e a sub-rogar-se no contrato de locação deste imóvel. Distintamente da regulamentação da união heterossexual, o legislador catalão incluiu, na regulamentação da união homossexual, disposições sobre direito sucessório. Na sucessão legal, o convivente participa concorrentemente com os descendentes e os ascendentes e terá direito à quarta parte da herança. Na falta de descendentes, participará concorrentemente com os colaterais até segundo grau ou com os filhos desses, se pré-morto, e terá direito à metade da herança. Na falta das pessoas supramencionadas terá direito a totalidade da herança. Na sucessão testamentária, são garantidos ao convivente os mesmos direitos da sucessão legal.

5.1.1.6 Bélgica: Lei de 29 de outubro de 1998 (De la cohabitation légale)22 Na Bélgica, em 17 de janeiro de 1996, em sessão ordinária no parlamento, foi proposto um projeto de lei concernente ao contrato de vida comum e convertido na Lei de 29 de outubro de 1998. Conforme dispõe o art. 1º, a lei regulamenta matéria prevista no art. 78 da Constituição, alterando o livro III do Código Civil, sob o Título V bis, intitulado "De la cohabitation légale", inserindo os artigos 1475 a 1479. A lei reconhece a coabitação entre duas pessoas, qualquer que seja a natureza de suas relações ou sexo, mediante declaração oficial de coabitação, a se beneficiarem de uma proteção jurídica mínima. A declaração deve ser feita através de convenção notarial, na qual se poderá estipular disposições complementares à regulamentação legal da coabitação. Neste sentido, a Lei de 29 de outubro de 1998, ao atribuir efeitos jurídicos à coabitação convencional, não exclui, de sua proteção, a situação de coabitantes do mesmo sexo. O regime é extensivo também aos casais homossexuais, conferindo-lhes um status legal equiparado ao casamento. Esta orientação, inclusive, tem abrigo no art. 12 da Convenção Européia de Direitos do Homem que garante o direito fundamental ao casamento. Esse status é conferido através da chamada "convenção de habitação" - que é o instrumento que possibilita o reconhecimento legal inequívoco às uniões civis, especialmente à dos casais homossexuais. Esta convenção é regida pelo direito contratual e regula os efeitos jurídicos da coabitação. Por sua vez, o regime previsto na lei é a separação de bens pura e simples, embora, na convenção, as partes tenham a opção de adotar o regime de comunhão de aqüestos. As condições para o reconhecimento das uniões civis são: existência de duas pessoas físicas que desejam estabelecer entre elas uma comunidade de vida; vida em comum; capacidade civil; declaração de coabitação deve ser feita por escrito e levada a registro perante o oficial do estado civil do domicílio comum dos conviventes; para que seja feito o registro da coabitação é necessário que as pessoas que pretendem registrar a união não sejam casadas ou unidas por outra declaração de coabitação legal. Os efeitos da coabitação legal surgem das disposições legais e daquelas dispostas na convenção firmada entre as partes. As disposições legais estabelecem a obrigação de assistência mútua e o regime de separação de bens da união (desta sorte, o regime de comunhão de bens não é presumido com o registro), assim como aplicação das mesmas regras de sucessão previstas para o casamento. Nas disposições convencionais, aplica-se o princípio da liberdade contratual, podendo os conviventes estabelecer outras obrigações que não estão previstas na lei. Esta liberdade comporta certos limites, não se admitindo que a convenção celebrada entre os conviventes venha impedir que a coabitação produza seus efeitos legais, derrogue as regras determinantes da sucessão legal e comporte disposições contrárias às regras relativas ao pátrio poder. A dissolução da coabitação legal se dá pelo casamento, pela morte, por comum acordo ou por iniciativa de uma das partes, sendo necessário que a declaração de cessação seja remetida ao oficial do registro do estado civil. Poderá ser fixada, pelo juiz, provisoriamente, por um prazo máximo de um ano, pensão alimentícia em favor da parte que, com a ruptura, evidencia seu estado de necessidade.

5.1.1.7 França: Lei 207 de 9 de dezembro de 1998 (Du Pacte Civil de Solidarité)23

Na França, a lei n.º 207, publicada em 9 de dezembro de 1998, criou o Pacto Civil de Solidariedade, atribuindo efeitos jurídicos às relações mantidas por pessoas de sexo diferente e também entre pessoas do mesmo sexo, distintas do casamento. Aliás, conforme estabelece o art. 10, as disposições dos artigos 2 e 4 a 9, relativos aos signatários de um pacto civil de solidariedade, são aplicadas a duas mulheres, dois homens ou uma mulher e um homem que residam em conjunto. Na verdade, nos termos do art. 1º da lei, trata-se de inserir um novo título- titre XII -no Código Civil Francês que se denomina "Du Pacte Civil de Solidarité- PaCS". Entretanto, deve-se consignar que, anteriormente à publicação dessa lei, o ordenamento jurídico francês não ignorava de todo a realidade da existência de uniões de fato entre pessoas de sexo distinto, ou do mesmo sexo. Havia uma postura não homogênea, tendente à proteção dos conviventes heterossexuais ou homossexuais. Ressalta-se que alguns aspectos da proteção conferida pelo ordenamento jurídico francês almejava resguardar as uniões de fato, e especialmente as relações homossexuais, dispondo sobre matéria de direito civil, fiscal, trabalhista, securitário e imobiliário. Inclusive, algumas leis esparsas reconheciam direitos às pessoas que viviam em união de fato, ou eram interpretadas a seu favor. Embora a extensão de benefícios para casais homo e/ou heterossexuais fosse distinta24. A adoção do sistema proposto introduziu, expressamente, na ordem francesa, um véu protetivo que se opera através da formalização do vínculo entre as partes envolvidas pelo Pacto Civil de Solidariedade. As condições para o reconhecimento das relações são: a) a celebração de um "pacto de solidariedade" entre duas pessoas físicas e maiores; b) o pacto poderá ser celebrado entre casais homossexuais e heterossexuais; c) o pacto não poderá ser celebrado entre ascendentes e descendentes em linha reta e entre colaterais até terceiro grau e quando uma das partes for casada, ou já estiver unida a outra pessoa por meio de outro pacto civil. A inobservância destas restrições acarreta a nulidade do pacto; d) a necessidade de declaração escrita que estabeleça as normas que regerão a vida do casal que ficará unido pelo pacto de solidariedade; e) a declaração deverá ser remetida ao Tribunal de Instância do lugar onde as partes fixarem domicílio sob pena de nulidade. A seguir, o Tribunal remeterá ao oficial do registro, para que seja assegurada a sua conservação. No que tange ao Pacto de Solidariedade, duas observações são importantes: uma, quanto à obrigação de mútuo auxílio, e outra, quanto ao regime de bens. O pacto gera, automaticamente, para as partes, a obrigação de auxílio mútuo; a modalidade a ser adotada para prestação desse auxílio deverá ser fixada no pacto. Em relação aos bens, se não houver disposição contrária, os bens adquiridos, a título oneroso posteriormente à conclusão do pacto, estarão submetidos ao regime da indivisão. Também estarão submetidos a esse regime os bens sobre os quais não se pode determinar a data de aquisição. Sobre os efeitos, conforme dispõe o art. 6 da Lei 207, a conclusão de um pacto civil de solidariedade constitui um dos elementos de vínculo pessoal na França relativo as condições de entrada e permanência dos estrangeiros no país, para obtenção de um visto de estada. A lei afeta outras disposições normativas, a fim de beneficiar as partes unidas pelo Pacto de Solidariedade, trazendo modificações expressas em alguns dispositivos do Código Geral de Impostos (v. art. 2, 3 e 4), do Código da Seguridade Social (v. art. 4bis, 5 bis, 5 Ter), do Código de Trabalho (v. art.5) e nas Disposições sobre os funcionários públicos (v. art. 8 e 9). Os efeitos podem ser considerados 25: 1.Deveres entre as partes As partes devem auxílio mútuo segundo as modalidades previstas para o contrato. As partes são solidariamente responsáveis pelas despesas decorrentes da vida comum e da residência comum. 2. Moradia Em caso de abandono da residência pelo titular do contrato de arrendamento, ou se esse morre, o contrato de locação continua ou será transferido em benefício da outra parte, pela duração prevista no contrato. 3. Patrimônio26 Os bens adquiridos posteriormente à conclusão do PaCS são considerados indivisíveis. Os bens móveis que guarnecem a moradia comum, se as partes desejarem, podem derrogar o princípio da indivisão, indicando, na convenção as regras de atribuição dos móveis que lhe são próprios; Os outros bens móveis (valores mobiliários, veículos, fundo de comércio) e os imóveis também se presumem indivisíveis, salvo se, de outra maneira, convencionarem as partes no ato de aquisição do bem. 4. Status fiscal Imposto sobre rendimentos: os rendimentos das partes são tributados em conjunto a contar do terceiro ano de aniversário do registro do PaCS. Outros impostos: os parceiros são tributados em conjunto no que concerne ao imposto de solidariedade sobre a fortuna desde o primeiro ano de conclusão do PaCS sobre o conjunto de seus bens. 5. Direitos Sociais e Trabalhistas 5.1 Seguridade Social O parceiro é beneficiário do assegurado, não obstante seja coberto a título pessoal pelos seguros-doença, maternidade e morte. 5.2 Prestações Sociais As partes do PaCS, assim como os concubinos, são considerados como um casal, e estão sujeitos às regras limitadoras (estabelecimento de "teto") de certas prestações sociais (mínimo social, subsídios para moradia). O direito ao subsídio para sustento familiar e ao subsídio de viuvez cessa com a conclusão do PaCS. 5.3 Férias As partes podem requerer férias em conjunto e se beneficiam das férias excepcionais no caso de morte de uma das partes do PaCS. 6. Função Pública Nas funções públicas, as partes podem prevalecer-se da conclusão do PaCS para obter os benefícios das regras de aproximação geográfica. 7. Visto de permanência O PaCS é um elemento de apreciação do vínculo pessoal na França para obtenção de visto pelo parceiro estrangeiro. A dissolução do pacto de solidariedade se dá por comum acordo, por iniciativa de uma das partes, pelo casamento e pela morte, sendo aplicadas às disposições previstas nos artigos 832 e 832-4 do Código Civil Francês. As partes deverão também determinar no pacto os efeitos da dissolução. Há certos procedimentos a serem observados: a) quando as duas partes resolverem dissolver o pacto, estas deverão remeter uma declaração ao Tribunal de Instância do local onde residirem, a qual posteriormente deverá ser averbada em cartório; b) se apenas uma das partes quiser pôr fim ao pacto, essa deverá remeter a sua decisão ao Tribunal de Instância do local onde residirem, para que esse receba o seu ato inicial. 5.1.1.8 Finlândia: Lei n. ° 950/2001, com as modificações da Lei n.° 1229/200127 Na Finlândia, a disciplina da relação homossexual está em vigor desde 1° de março de 2001, com a Lei n.° 950/2001, e modificações insertas pela Lei n.° 1229/2001, aplicando-se exclusivamente aos casais homossexuais.

As condições para reconhecimento da relação são: a) as partes deverão ser maiores de 18 anos; b) as partes não poderão ser casadas ou unidas por outra parceria registrada; c) não pode haver entre as partes relação familiar caracterizadora de impedimento para o casamento previsto na lei que dispõe sobre o casamento; d) a parceria deverá ser registrada perante a mesma autoridade responsável pelo casamento civil; e) a parceria não poderá ser registrada, se a autoridade perceber que uma das partes está mentalmente perturbada e não pode entender a relevância do ato; f) pelo menos uma das partes deverá ser cidadã finlandesa e domiciliada na Finlândia; ou as duas partes deverão ser domiciliadas na Finlândia por, pelo menos, dois anos imediatamente posteriores ao registro da união (o cidadão estrangeiro proveniente de país onde a legislação permita o registro da parceria com os mesmos efeitos legais da legislação finlandesa é considerado cidadão finlandês); g) a parceria entre duas pessoas do mesmo sexo registrada em outro país será válida na Finlândia, se for válida no país em que foi registrada. Os efeitos da parceria são os mesmos atribuídos ao casamento, pois as disposições previstas em lei ou decreto aplicáveis ao casamento e aos esposos, também o à parceria registrada e aos parceiros. Por exemplo, as partes que pretendem registrar sua parceria estão sujeitas às disposições aplicáveis aos noivos. Porém, o regime do casamento não se aplica como um todo, havendo exceções, dado que não se aplicam, às uniões homossexuais: as disposições das leis sobre paternidade, no que concerne ao estabelecimento da paternidade com base no casamento; as disposições referentes aos cônjuges, na qual a aplicação suponha tratamento especial de um deles em virtude do sexo; as disposições da lei de adoção, sobre o direito do esposo de adotar; e as disposições relativas ao nome familiar do esposo. A dissolução da parceria registrada se dá em virtude de morte ou por ordem judicial (neste caso utiliza-se o procedimento previsto para o divórcio na legislação sobre o casamento). Também surte os mesmo efeitos da dissolução do casamento. 5.1.1.9 Portugal: Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio28 Em Portugal, a Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio prescreve as medidas de proteção das uniões de fato, aplicando-se tanto às uniões hetero como homossexuais. As condições para reconhecimento da união são: a) as partes deverão viver em união de fato por pelo menos dois anos; b) ausência dos impedimentos: idade inferior a dezesseis anos; demência notória, mesmo nos intervalos lúcidos, e interdição ou inabilitação por anomalia psíquica; casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens; parentesco na linha reta ou no segundo grau da linha colateral ou afinidade na linha reta; condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso, ainda que não consumado contra o cônjuge do outro. Os efeitos são: a) proteção da casa de morada de família. Em caso de morte do membro da união de fato, proprietário da casa de morada comum, o membro sobrevivo tem direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, sobre a mesma, e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda, se o falecido não deixar descendentes com menos de um ano de idade, ou que com ele convivessem há mais de um ano, e pretendam habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário; b) os companheiros se beneficiam do regime jurídico de férias, faltas, licenças e preferência na colocação dos funcionários da Administração Pública equiparado ao dos cônjuges; c) os companheiros se beneficiam do regime jurídico das férias, feriados e faltas, aplicado por efeito de contrato individual de trabalho, equiparado ao dos cônjuges, nos termos da lei; d) aplica-se o regime do imposto de rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens; c) proteção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei; d) prestação por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, nos termos da lei; e) pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, nos termos da lei; f) aos companheiros homossexuais é vedada a adoção. A dissolução da união se dá por morte, pelo casamento de um dos parceiros ou por vontade de um deles. Nesse caso, somente será necessário declaração judicial quando se pretendam fazer valer direitos dos dependentes. 5.1.1.10 Grã-Bretanha29 Na Grã-Bretanha, a Inglaterra e o País de Gales30 não possuem legislação específica sobre a questão da união civil. O Home Affairs Section da House of Commons Library, porém, em documentos datados em 13.05.1997 e 06.07.1997, discorre sobre o status legal dos coabitantes e sobre o common law marriage.31 As pessoas que coabitam sem serem casadas não gozam de um status legal especial. Entretanto, em algumas situações, os conviventes desfrutam de alguns benefícios similares aos dos casados, mas não são tratados exatamente do mesmo modo que os cônjuges. Um exemplo de tratamento equivalente diz respeito à lei de sucessões e proteção à família que garante pensão por morte a qualquer pessoa mantida de maneira total ou parcial pelo falecido, cabendo ao demandante provar essa situação. Por outro lado, no que toca ao regime de bens não há a equiparação entre as uniões e os casamentos. Os conviventes não têm garantidos direitos relativos à propriedade quando a relação se encerra. Assim sendo, entende-se que, no julgamento do caso em concreto, o juiz não pode aplicar o regime de bens do casamento e dividir entre as partes como ocorre no divórcio. Para regulamentar tal situação, admite-se que os conviventes possam celebrar um contrato no qual disponham sobre sua relação pessoal e patrimonial. No que concerne, especificamente, aos casais homossexuais, para resguardar a propriedade, eles são tratados como indivíduos não conectados. Os casais heterossexuais que coabitam também são tratados dessa forma para efeitos tributários. Waaldijk (2003a)32 registra o reconhecimento de outras conseqüências legais decorrentes da coabitação informal entre pessoas do mesmo sexo. No âmbito familiar, são reconhecidos aos casais do mesmo sexo alguns direitos relativos ao pátrio poder e à adoção, como, por exemplo, a possibilidade de que ambos os parceiros exerçam a autoridade parental, quando uma das partes for pai/mãe da criança; a adoção de uma criança, quando um dos parceiros tiver com ela vínculo biológico; e a adoção individual ou conjunta de crianças (respectivamente, art. 50 e 51, do Adoption and Children Act 2002). Já no âmbito das relações patrimoniais, admite-se que, no caso de morte de umas das partes, a supérstite poderá obter uma indenização; entretanto, o reconhecimento é limitado quando comparado com o direito dos cônjuges e também o dos coabitantes de sexos diferentes. Outra conseqüência é o reconhecimento da qualidade de herdeiro do parceiro sobrevivente, quando o outro morrer sem testamento. Registra-se que este direito é reconhecido muito limitadamente, havendo dificuldades até mesmo para os coabitantes de sexo diferente. Quanto aos direitos de imigração, desde 2000, os coabitantes do mesmo sexo são abrangidos pelos parágrafo 295A - 295O do Imigration Rules. Dessa forma o parceiro estrangeiro poderá adquirir residência no país, após dois anos de coabitação. Por fim, no que se refere ao direito de habitação, quando uma das partes morre, o sobrevivente poderá assumir o contrato de locação. O reconhecimento deste direito ainda é limitado. O Rent Act de 1977, na regulamentação desta situação, abrange os cônjuges, os coabitantes de sexos diferentes e outros membros da família do locatário. A Câmara dos Lordes inclui os coabitantes do mesmo sexo nesta última categoria. 5.1.2 Um perfil de lege ferenda

Apenas serão objeto de interesse, nesta abordagem, os projetos de lei que viabilizam a regulamentação do reconhecimento civil das relações homossexuais, em especial o projeto espanhol e o italiano, não sendo possível afirmar se os mesmos serão adotados exatamente em seus termos e nem mesmo a data de sua conversão em lei. 5.1.2.1 Espanha: Projetos de Lei nos. 122/000068, 122/000069, 122/000071 e 122/00009833 Na Espanha ainda não há regulamentação geral para as uniões de fato, sejam elas entre casais heterossexuais ou homossexuais. A questão já está em discussão no Congresso, onde foram apresentados quatro projetos de lei regulamentado a matéria: o Projeto de Lei 122/000068, publicado no BO em 10.04.1997, apresentado pelo Grupo Socialista do Congresso; o Projeto de Lei n.º 122/000069, publicado no BO de 10.04.1997, apresentado pelo Grupo Parlamentar Federal da Esquerda Unida; o Projeto de Lei n.º 122/, 000071, publicado no BO de 14.04.1997, apresentado pela Coligação Canária; e o Projeto de Lei n.º 000098, publicado no BO em 19.09.1997, apresentado pelo Grupo Parlamentar Popular do Congresso. Além dessas propostas, a Generalidade da Catalunha aprovou, em 30.06.1998, lei que disciplina as formas de vida em comum, distintas do matrimônio, e que se aplica aos casais que vivam em união estável, heterossexuais ou homossexuais, no que concerne às matérias de competência da Comunidade Autônoma. A seguir, apresenta-se uma análise dos projetos apresentados no Congresso dos Deputados Espanhol. Projeto de Lei n.º 122/000068 O Projeto de Lei n.º 122/000068 - de autoria do Grupo Socialista do Congresso - prevê o reconhecimento de determinados efeitos jurídicos aos casais que vivem em união de fato. O projeto de lei sob análise também afeta outros âmbitos normativos, de modo a eliminar disposições discriminatórias em relação às uniões de fato. Assim, propõem-se modificações no Código Civil, no Estatuto dos Trabalhadores, na Lei Geral de Seguridade Social, na Lei de Medidas para a Reforma da Função Pública, na Lei de Classes Passivas do Estado e na Lei do Imposto sobre sucessões e doações. Dentre as modificações propostas, destacam-se as referentes ao Código Civil, notadamente a extensão aos conviventes da obrigação alimentar e a inclusão do convivente supérstite na sucessão legal. São condições para o reconhecimento da relação; a) pessoas que convivam em uniões de fato de forma livre, pública e notória, numa relação de afetividade similar à conjugal, independente de sua orientação sexual, há pelo menos dois anos, salvo se tiverem descendência comum, caso em que bastará a mera convivência; b) maiores de idade ou menores emancipados, sem vínculo de parentesco em primeiro ou segundo grau por consangüinidade; c) nenhum dos conviventes pode estar unido por vínculo matrimonial em vigor; d) é necessária a inscrição da união no registro específico, mediante documento público. Quanto à dissolução, quando a relação se exaurir, qualquer um dos conviventes deverá promover o cancelamento da inscrição ou a anulação dos documentos públicos. Enquanto esta providência não for tomada, não será possível o registro de nova união. Projeto de Lei n.º 122/000069 O Projeto de Lei n.º 122/000069 - de autoria do Grupo Parlamentar Federal da Esquerda Unida - propõe igualdade jurídica para com a união de fato, objetivando eliminar as discriminações, admitindo e protegendo a família em suas diversas formas. Esta preocupação está expressa no art. 1º da lei que assim dispõe: "Ninguém pode ser discriminado em razão do grupo familiar a que pertence, tenha este a sua origem na filiação, no casamento ou na união de duas pessoas que convivam através de uma relação análoga de afetividade, independentemente de sua orientação sexual. Entende-se nula, sem qualquer efeito, qualquer norma legal ou convencional que vulnere ou se oponha a este princípio." (tradução livre)106 Assim como o Projeto de Lei n.º 122/000068, o projeto de lei sob análise também traz modificações no Código Civil, no Estatuto dos Trabalhadores, na Lei Geral de Seguridade Social, na Lei de Medidas para a Reforma da Função Pública, na Lei de Classes Passivas do Estado e na Lei do Imposto sobre sucessões e doações, as quais possuem o mesmo teor. São condições para o reconhecimento da relação: a) pessoas que convivam em uniões de fato de forma livre, pública e notória, numa relação de afetividade similar à conjugal, independente de sua orientação sexual, ligados de forma estável, há pelo menos um ano, salvo se tiverem descendência comum, caso em que bastará a mera convivência; b) maiores de idade ou menores emancipados, sem vínculo de parentesco em primeiro ou segundo grau por consangüinidade; c) nenhum dos conviventes pode estar unido por vínculo matrimonial em vigor; d) é necessária a inscrição da união no registro específico, mediante documento público. Quanto à dissolução, quando a relação se exaurir, qualquer um dos conviventes deverá promover o cancelamento da inscrição ou a anulação dos documentos públicos. Enquanto esta providência não for tomada, não será possível o registro de nova união. Projeto de Lei n.º 122/000071 O Projeto de Lei n.º 122/000071 - de autoria do Grupo Parlamentar da Coligação Canária - prevê o reconhecimento de efeitos jurídicos às uniões de fato e estáveis e modificações de determinados aspectos do Código Civil, Estatuto dos Trabalhadores, Lei Geral de Seguridade Social, Lei de Medidas para a Reforma da Função Pública, Lei de Classes Passivas do Estado e Lei do Imposto sobre sucessões e doações. São condições para o reconhecimento da relação: a) pessoas que convivam em uniões de fato de forma livre, pública e notória, numa relação de afetividade similar à conjugal, independente de sua sexualidade, ligados de forma estável, há pelo menos um ano, salvo se tiverem descendência comum, caso em que bastará a mera convivência; b) maiores de idade ou menores emancipados, sem vínculo de parentesco em primeiro ou segundo grau por consangüinidade; c) nenhum dos conviventes pode estar unido por vínculo matrimonial em vigor; d) é necessária a inscrição da união no registro específico, mediante documento público. Quanto à dissolução, quando a relação se exaurir, qualquer um dos conviventes deverá promover o cancelamento da inscrição ou a anulação dos documentos públicos. Enquanto esta providência não for tomada, não será possível o registro de nova união. Projeto de Lei n.º 122/000098 O Projeto de Lei n.º 122/000098 - de autoria do Grupo Parlamentar Popular do Congresso - cria a lei orgânica do contrato de união civil. Assim como os outros projetos, a lei afeta outras disposições normativas, a fim de adequá-las aos efeitos que serão produzidos pela lei, trazendo modificações expressas no Código Civil, na Lei de Arrendamentos Urbanos, no Código Penal, na Lei Orgânica do Poder Judiciário, na Lei de Habeas Corpus, na Lei do Imposto sobre sucessões e doações, na Lei sobre o Imposto de Renda das Pessoas Físicas, no Estatuto dos Trabalhadores, na Lei Geral de Seguridade Social, na Lei de Medidas para a Reforma da Função Pública e na Lei de Classes Passivas do Estado.

106 "Nadie puede ser discriminado por razón del grupo familiar del que forme parte, tenga este su origen en la filiación, en el matrimonio o en la unión de dos personas que convivan por análoga relación de afectividad, con independencia de su orientación sexual. Se entiende nula, y sin efecto, cualquier norma legal o convencional que vulnere o contradiga este principio."

São condições para o reconhecimento das uniões (disposições regulamentadoras do contrato): a) duas pessoas físicas maiores de idade que acordam conviver e prestar assistência mútua; b) o contrato deverá ser outorgado ante um notário e deverá ser inscrito no Registro Civil correspondente; c) o regime econômico será disposto expressamente no contrato, entre as modalidades estabelecidas no Código Civil; d) poderão ser estabelecidos no contrato disposições sucessórias. A dissolução se dá pelo casamento de uma das partes ou pela vontade de qualquer uma delas. A resolução do contrato deverá ser comunicada ao oficial do Registro Civil. Verifica-se que os projetos de lei apresentados no Congresso dos Deputados Espanhol, notadamente os Projetos de Lei 122/000068, 122/000069 e 122/000071 regulamentam a matéria de maneira muito similar, existindo pequenas diferenças com relação ao tempo necessário para reconhecimento da união. Especificamente quanto ao Projeto de Lei n.º 122/000098, o mesmo tem caráter nitidamente contratual, assemelhando-se às leis dos países escandinavos. No que concerne aos reflexos das leis em outras disposições normativas, os projetos não apresentam distinções substanciais. 5.1.2.2 Itália: Projeto de Lei n.º 2725 e Projeto de Lei n.º 2870 No ordenamento jurídico italiano, não existe lei específica que discipline a convivência more uxorio, embora esta mereça proteção constitucional. Por isso, a jurisprudência vem equiparando, em determinadas situações, o convivente ao cônjuge, sobretudo nas questões patrimoniais. Há, no entanto, alguns dispositivos de lei que equiparam o convivente ao cônjuge, com destaque para a lei de locação residencial a que inclui o convivente como componente do núcleo familiar. Nesta matéria, até mesmo nas leis regionais, verifica-se a relevância jurídica da convivência more uxorio, destacando-se: o art. 3º da lei Regione Emilia Romagna 14 marzo 1984, n. 1234 e o art. 33 da lei Regione Liguria 28 marzo de 1982, n.6, que incluem os conviventes entre os componentes do núcleo familiar. Na legislação previdenciária, a mulher que convive more uxorio é equiparada ao cônjuge virago, para efeitos de pensão de guerra. Esta equiparação também é percebida em alguns dispositivos do Código de Processo Penal, na lei contra a máfia, no ordenamento previdenciário, na legislação sobre o financiamento da edificação da residência familiar, na lei de locações imobiliária urbana, entre outras. Porém, não se verifica nestes dispositivos nenhuma referência expressa aos conviventes homossexuais. Há

dois

projetos

de

lei

regulamentando

a

matéria:

Projeto

de

Lei

n.º

2725

e

Projeto

de

Lei

n.º

2870.

Projeto de Lei 2725 O Projeto de Lei 2725 dispõe sobre a União Civil, estabelecendo que nenhuma pessoa poderá ser discriminada por ser parte em uma união civil. São condições para o reconhecimento das uniões: a) duas pessoas, incluindo as do mesmo sexo, que convivam maritalmente (comunhão de vida material e espiritual), há pelo menos 2 (dois) anos; b) necessidade de constituição de um documento que deverá conter o regime patrimonial, indicar se existem filhos menores, e ser registrado pelo oficial do registro civil; c) nenhuma das partes poderá ser casada ou ter constituída outra união civil. Os efeitos pretendidos são: a) os direitos relativos ao núcleo familiar estendem-se à união civil; b) o estrangeiro não domiciliado na Itália adquire, com a união civil, domicílio italiano; c) a união civil não obsta por si só a adoção; d) os conviventes possuem os mesmos direitos de assistência à saúde e penitenciária dos cônjuges; A dissolução se dará pela morte ou consensualmente. Em caso de separação consensual, a declaração deverá ser levada ao oficial do registro civil; e o pedido de separação encaminhado ao registro civil. Projeto de Lei n.º 2870 O Projeto de Lei 2870 dispõe sobre a União Civil de duas pessoas, independentemente do sexo das partes envolvidas. São condições para o reconhecimento das uniões: a) duas pessoas, incluindo as do mesmo sexo, que convivam maritalmente (comunhão de vida material e espiritual), há pelo menos um ano; b) as partes deverão ser cidadãs italianas; se for estrangeira, deverá ser domiciliada a pelo menos há dois anos na Itália ou possuir visto de permanência; c) a união deve ser levada a registro em ato público (a certificação da união deverá conter o nome das partes e a indicação do regime patrimonial, o qual poderá ser modificado a qualquer momento); d) nenhuma das partes poderá ser casada ou ter constituída outra união civil. Os efeitos pretendidos são: a) a união civil não obsta por si só a adoção; b) os conviventes possuem os mesmos direitos de assistência à saúde e penitenciária dos cônjuges; c) o estrangeiro não domiciliado na Itália adquire, com a união civil domicílio italiano; d) a condição de parte da união civil é equiparada ao cônjuge, inclusive quanto aos benefícios previdenciários e assistenciais, resguardado o direito derivado da sucessão legítima. A dissolução se dará pela morte, consensualmente ou a pedido unilateral encaminhado ao oficial do registro civil. Nessas hipóteses, a parte que necessitar, poderá requerer judicialmente a pensão alimentícia. Com relação aos dois projetos, percebe-se que os não fogem ao padrão adotado pelos países já examinados. Adota-se um procedimento com um mínimo de solenidade. Há pequenas diferenças quanto ao prazo mínimo de convivência exigido, assim como à problemática da nacionalidade, que se coloca mais evidente no projeto 2870. Os efeitos pretendidos são os mesmos. E quanto à extinção, o projeto 2870 possibilita a pensão alimentícia.

5.2 A moldura legal brasileira: o Projeto de Lei Martha Suplicy - PL n.º 1.151-A de 1995 e o Substitutivo adotado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados35/ 36/ 37 No Brasil, o debate parlamentar foi inaugurado apenas em 26 de outubro de 1995, com a apresentação, pela então Deputada Federal Martha Suplicy (PT-SP), do projeto de lei PL n.º 1.151-A de 1995, que disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências, tendo por principal objetivo a proteção dos direitos patrimoniais oriundo desta relação.

Posteriormente, o relator do Projeto, Deputado Roberto Jefferson (PTB - RJ) sustentou que alguns pontos do projeto de lei mereceriam ser aperfeiçoados38. A Comissão Especial39, presidida pela Deputada Maria Elvira Sales Ferreira (PMDB-MG), em 10 de dezembro de 1996, votou pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação com outro substitutivo, e complementação de voto, nos termos do parecer do relator. O Substitutivo adotado pela Comissão40 não traz nenhuma modificação substancial em relação ao projeto de lei original, objetivando disciplinar a parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo e dar outras providências. Note-se que já não se fala em "união civil", adotando-se a expressão "parceria civil registrada"41/ 42. Registre-se, porém, que a votação, na Comissão, não foi unânime, devendo-se destacar a existência de alguns votos contrários, em separado, dos deputados Salvador Zimbaldi e Severino Cavalcanti, consignados previamente. Até o presente momento, a questão está indefinida pelo Congresso Nacional. O projeto não foi discutido no plenário da Câmara dos Deputados, sendo retirado de pauta, por acordo de liderança, em 31.05.200143. E, desde então, encontra-se paralisado. Resta a apenas via judicial, como instância de discussão e de proteção alternativa (na ausência expressa de lei) para os direitos oriundos das relações homossexuais. Segue a análise dos projetos comentados. 5.2.2.1 O Projeto de Lei Martha Suplicy - PL 1.151-A de1995 São condições para o reconhecimento das uniões: a) registro no cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais; b) os contratantes devem ser solteiros, viúvos ou divorciados e plenamente capazes; Os efeitos pretendidos são: a) os contratantes poderão estipular os efeitos da sua união no contrato que deverá ser lavrado no Ofício de Notas e conter disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas entre as partes. b) é vedado às partes contratantes dispor sobre adoção; c) a lei também prevê modificações na Lei de Registros Públicos, no Regimento Geral da Previdência Social, no Estatuto dos Estrangeiros (condições para naturalização) e no Estatuto dos Servidores Públicos de modo assegurar aos conviventes homossexuais os devidos registros que asseguram a fruição de direitos, a saber: no Registro de Imóveis dos contratos de união civil que versarem sobre comunicação patrimonial, a impenhorabilidade do bem próprio e comum dos contratantes; a condição de dependente do segurado no Regime Geral da Previdência Social (alteração nos art. 16 e 17 da Lei n.º 8.213/91); pensão por morte do servidor público civil da União (alteração no art.217, da Lei n.º 8.112/90); direitos à sucessão regulados pela Lei n.º 8.971/94. A dissolução da união se dá por morte ou por decretação judicial. A intervenção judicial se dá com base em três hipóteses: infração contratual, desinteresse de uma das partes na continuidade da união e requerimento consensual. Nas duas últimas situações é necessário que a união seja constituída há pelo menos dois anos. As objeções apresentadas pelo relator Deputado Roberto Jefferson - e que acabaram por resultar na apresentação do substitutivo - são as seguintes: a vedação à adoção deve ser ampliada também à tutela e à guarda em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos parceiros; parceria registrada com mais de uma pessoa é causa de nulidade e pode caracterizar o crime de falsidade ideológica; como já consignado a expressão "união civil livre" deve ser substituída por "parceria registrada"; supressão do prazo de dois anos para requerimento de decretação judicial da extinção da união, uma vez que este é incompatível com a proposição, sendo semelhante às normas relativas ao divórcio; os direitos previdenciários devem ser regulamentados de forma específica, evitando qualquer comparação com os cônjuges e companheiros; acrescentar dispositivos prevendo direitos de composição de rendas para aquisição de casa própria e relativos a planos de saúde e seguro em grupo. 5.2.2.2 O Substitutivo adotado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados O substitutivo adotado, de igual forma, disciplina a parceria registrada entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. São condições para o reconhecimento das uniões: a) registro, em livro próprio, nos Cartórios do Registro Civil das Pessoas Naturais; b) os parceiros devem ser solteiros, viúvos ou divorciados e plenamente capazes. Os efeitos pretendidos são: a) os efeitos da parceria deverão ser estipulados em contrato que deverá conter disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas; b) são vedadas as disposições sobre adoção, tutela e guarda de menores; c) as disposições contratuais aplicam-se retroativamente, se, na época da realização do contrato, já houver patrimônio comum; d) é nula a parceria registrada feita com mais de uma pessoa ou com violação de um de seus requisitos; A dissolução da união se dá por morte ou por decretação judicial, com base em três hipóteses: infração contratual, desinteresse de uma das partes na continuidade da união e mediante requerimento consensual. O substitutivo apresentado pelo relator também prevê alterações na Lei de Registro Civil. No que concerne à questão previdenciária, o art. 10 disciplina a questão, considerando o parceiro beneficiário do Regime Geral da Previdência Social na condição de dependente do segurado. Uma novidade com relação ao projeto da então Deputada Marta Suplicy é a regulamentação da sucessão do parceiro (art.13), o qual faz jus ao usufruto da quarta parte dos bens do de cujus; ao usufruto de metade da herança, na ausência de descendentes e de ascendentes e, na falta desses, terá direito à totalidade da herança. Dispõe ainda que, se os bens deixados pelo autor da herança resultarem de atividade em que haja a colaboração do parceiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens. Este projeto reconhece aos parceiros o direito de composição de rendas para aquisição de casa própria e todos os direitos relativos a planos de saúde e à seguro de grupo. Também admite aos parceiros a inscrição como dependentes para efeitos de legislação tributária. 5.3 Uma visão comparativa dos tratamentos legais abordados em países da União Européia (Dinamarca, Suécia, Holanda, Catalunha na Espanha, Bélgica, França, Finlândia, Portugal, Espanha, Itália) e no Brasil Considerando-se os elementos propostos para a análise legislativa, numa perspectiva comparativa, é possível a organização de três grupos de reflexão voltados para os aspectos abordados anteriormente, de forma descritiva. Esses grupos, por sua vez, são examinados a partir de variáveis escolhidas a fim de permitir uma compreensão mais profunda da questão. Pode-se, desta forma, aproximar-se do reconhecimento legal das relações homossexuais a partir dos seguintes grupos e suas variáveis: condições de reconhecimento: capacidade civil, idade legal, lapso temporal, registro, nacionalidade e não ocorrência de impedimentos; efeitos: transmissão de arrendamento de bens e habitação, percepção de alimentos, direitos sucessórios, previdência social; regime fiscal, legislação do trabalho, direito de adoção, responsabilidades por dívidas;

dissolução: por morte, vontade das partes, separação de fato e casamento. Registre-se que, a fim de proporcionar uma visão mais geral possível, para efeitos de comparação, não se mantém a distinção entre lei vigente e projeto de lei. Ambas as espécies são consideradas como integrantes do mesmo conjunto de doze ordens jurídicas: Dinamarca, Suécia, Holanda, Catalunha na Espanha, Bélgica, França, Finlândia, Portugal, Espanha, Itália e Brasil. A Grã-Bretanha não integra o rol, vez que, por se tratar de um país da Common Law, o reconhecimento das uniões homossexuais não se dá primordialmente pela via legislativa. Frise-se também que, dos doze países selecionados, apenas cinco países (Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia e Brasil) regulam ou pretendem regular a união homossexual em diplomas específicos. Todos os demais tratam da união homossexual como uma união civil registrada ou parceria registrada (havendo aí uma diversidade de nomenclatura44), em que ambos os parceiros podem ser pessoas do mesmo sexo - o que admite a aplicação da normatividade para casais heterossexuais. Apenas em Portugal, a união é reconhecida como uma união de fato (isto é, sem a previsão legal de qualquer formalidade, bastando apenas o cumprimento do prazo estipulado na lei para a caracterização da união). Observe-se que, no caso lusitano, a união de fato também é estendida a relações entre pessoas de sexos diferentes. a) Nas condições de reconhecimento, englobam-se as exigências legais (positivas e negativas) que devem ser atendidas para que a chancela legal se estenda às relações homossexuais. Seis são as condições verificadas: capacidade civil, idade legal, lapso temporal, registro, nacionalidade e não ocorrência de impedimentos. A capacidade civil, enquanto aptidão que a pessoa tem de adquirir direitos e contrair obrigações, como requisito ou pressuposto de validade do ato jurídico45, é apenas expressamente exigida na Bélgica e no Brasil. Entretanto, a mesma se encontra implícita nas demais ordens jurídicas, integrando uma teoria geral do ato jurídico. A idade legal articula-se com um limite expresso na lei como exigência etária mínima para o exercício válido da autonomia da vontade, no sentido de constituir uma união com uma pessoa do mesmo sexo. Ressalta-se que, das doze ordens consideradas, apenas quatro especificamente indicam uma idade. Na Noruega, Suécia e Finlândia, a idade estipulada é dezoito anos. Portugal apresenta um limite inferior, dezesseis anos. Observe-se que os limites estabelecidos não destoam, em geral, da limitação etária imposta para a prática dos atos civis. Na Catalunha, na França e na Espanha, faz-se menção à maioridade legal. Nos demais países, inclusive no Brasil, não há qualquer referência expressa à questão - o que remete à disciplina geral a ser observada para a prática dos atos jurídicos. Percebe-se, pois que, nesse particular, não se verifica, no universo recortado, um tratamento legal mais severo para o estabelecimento de relações homossexuais.46 O lapso temporal é o prazo mínimo de convivência em comum que a lei coloca como condição objetiva para o reconhecimento da união. Na maior parte dos casos, não é adotada essa exigência. Em Portugal, exige-se o prazo de dois anos. Na Espanha e Itália, a questão ainda está sendo debatida, nos respectivos órgãos legislativos, sendo que o período proposto nos projetos de lei varia de um a dois anos. Alerta-se que, no caso espanhol, há projetos que propõem dois, um ou nenhum lapso temporal. Na Itália, os projetos de lei consagram a necessidade do prazo, divergindo apenas em relação ao quantum a ser observado: um ou dois anos. A questão no Brasil é irrelevante eis porquanto há previsão dessa exigência. A exigência de registro coloca-se como o elemento que reveste de formalidade a união - o que sinaliza para o fato de que a mera convivência não é suficiente para a outorga de proteção do manto legal. Como o casamento de homossexuais é vedado na maioria expressiva dos países considerados (excetuando-se a Holanda e a Bélgica), o registro perante autoridade competente é o maior grau de solenidade prescrito em lei. Ele é previsto em onze das doze ordens consideradas, inclusive no Brasil. Apenas em Portugal ele não é necessário. A nacionalidade e o domicílio, de pelo menos uma das partes da relação, não é um requisito unanimemente adotado. Apenas a Dinamarca, a Noruega, a Suécia e a Catalunha condicionam o reconhecimento da união a tal elemento. Os impedimentos podem ser vistos como as condições negativas para o reconhecimento da união homossexual, já que apenas será admitido, se nenhum dos impedimentos for apurado no caso em concreto. Os impedimentos, em geral, são os mesmos adotados para o casamento e se manifestam em duas ordens: grau de proximidade familiar e existência de outro vínculo - o que reproduz, apesar do caráter subversivo das relações homossexuais, a lógica associativa que impregna os casamentos. Na Noruega, na Bélgica, na Itália e no Brasil, não há referência expressa às relações de parentesco. E apenas a Dinamarca e a Holanda não apresentam regras expressas sobre esses impedimentos. Por fim, quanto às condições de reconhecimento das uniões homossexuais, podem-se apontar algumas conclusões: * não há previsão de regras ontologicamente distintas das necessárias para a realização dos atos jurídicos em geral; * a questão do lapso temporal parece ser irrelevante; * verifica-se o valor da solenidade que se identifica com o registro da união em órgão competente; * há certa similitude no que toca à noção de monogamia e de interdição das relações de parentesco - o que é sublinhado pelos impedimentos estabelecidos; * a nacionalidade tem sido utilizada como fator de distinção normativa que estabelece status diferenciados para pessoas que, apesar de apresentarem a mesma orientação sexual, ostentam esferas de direitos diferenciados - o que pode levar a questionamentos sobre a sua legitimidade em face do princípio da igualdade. b) Como efeitos do reconhecimento legal se alinham as conseqüências advindas da tutela normativa. No exame efetuado, esses efeitos são aferidos através de uma ótica de reconhecimento/outorga de direitos que se manifestam em larga diversidade. São assim considerados os direitos à transmissão de arrendamento de bens e à habitação; obrigação de alimentos; direitos sucessórios; direitos referentes à Previdência Social; ao Regime Fiscal; à legislação do Trabalho; direito à adoção; e responsabilidades por dívidas. Em geral, a pauta dos direitos reconhecidos tem como parâmetro os direitos advindos do casamento. Tanto que a legislação, na maior parte das vezes, preceitua que os efeitos do reconhecimento civil da relação entre pessoas do mesmo sexo são os mesmos atribuídos aos cônjuges, no casamento. Verifica-se que a equiparação se tem colocado como a regra a ser observada. A seguir, são considerados os direitos acima declinados, formulando-se comentários apenas quando não se aplica a regra da equiparação; ou quando se aplica de forma diferenciada; ou ainda quando não houver expressa disposição legal a respeito. * Na transmissão de arrendamento de bens e habitação - inclusive na Suécia, mesmo que a união não seja registrada, esses direitos são assegurados aos parceiros. Apenas no Brasil e na Bélgica nada se diz a respeito. * Quanto ao direito/obrigação de alimentos - no Brasil, a questão deverá ser regulada no contrato. Em Portugal a lei é silente. * No Direito Sucessório - Bélgica, Brasil e Portugal admitem a equiparação, discriminando, porém, o que é assegurado aos membros da união homossexual. Na Catalunha, a sucessão é assegurada apenas aos casais homossexuais. * Na Previdência Social - apenas a Bélgica e a Catalunha não dispõem sobre a questão. * No Regime Fiscal - como na questão previdenciária, apenas a Bélgica e a Catalunha não dispõem sobre a questão. Entretanto, a legislação catalã prevê a regulamentação em outro dispositivo que disponha sobre o trato fiscal especifico para as formas de união previstas na lei. Em Portugal, a equiparação se opera com relação ao imposto de renda. * Na legislação do Trabalho - Bélgica, Finlândia e Brasil não apresentam previsão legal. Na Catalunha, são reconhecidos apenas alguns direitos, tais como: redução do horário de trabalho e gozo de licenças. * Na definição da responsabilidade por dívidas - é a questão menos aberta à equiparação expressa. Na Bélgica, na Catalunha, na Finlândia, na França, em Portugal, no Brasil e na Itália não há previsão legal específica. * O direito à adoção foge à regra da equiparação, pois é apenas assegurado na Holanda, na Dinamarca, na Noruega e na Suécia. Na Bélgica e na Catalunha a questão é ignorada pela lei, pois não há previsão, nem há vedação expressa. E, nos demais países, prevalece a vedação legal. Em conclusão, verifica-se que os direitos assegurados, na legislação examinada, podem ser agrupados em duas esferas: uma composta por direitos com repercussões patrimoniais; e outra, com direitos referentes ao núcleo familiar, especialmente percepção de alimentos e adoção. Quanto aos direitos patrimoniais, não se percebem grandes obstáculos para o deferimento da tutela legal, havendo pequenas variantes entre um Estado e outro.

No tocante aos direitos relativos ao núcleo familiar, não se verifica a mesma sensibilidade legislativa. Embora o direito a alimentos não seja um grande problema, o mesmo não se pode dizer do direito de adoção. Em diversos países, é nítida a resistência que a questão enfrenta, quer por ausência de previsão, quer por vedar aos participantes da união a possibilidade de adoção - o que muitas vezes remete a questão ao Judiciário. Tal situação também é enfrentada pelos gays no Brasil. c) A dissolução da relação não traz maiores problemas e suas razões podem ser agrupadas em causas naturais (morte) e causas volitivas (que derivam da vontade humana). Dessa forma, a dissolução é examinada pelo prisma da ocorrência de morte, pela vontade das partes, pela separação de fato e pelo casamento de uma das partes. Interessante observar que a lógica adotada pelos parlamentos oscila entre a ausência de disposição expressa e a descrição na lei da causa extintiva. A morte, como causa de extinção, é mencionada em nove dos doze países, incluindo o Brasil. Apenas a Dinamarca, a Holanda e a Espanha são silentes a esse respeito. Porém, considerando-se que morte põe termo à personalidade jurídica da pessoa, não parece razoável não entendê-la como fator extintivo. As causas volitivas podem manifestar-se consensualmente, ou por vontade de apenas uma das partes. Não há, nesse particular, um padrão de disciplina. Por exemplo, a Holanda estabelece a via judicial, quando a dissolução se der por vontade unilateral de uma das partes, entretanto, exige o registro para a dissolução consensual. Por outro lado, a Bélgica exige o registro civil da declaração de dissolução, quer seja unilateral, quer seja consensual. No Brasil, não há previsão de procedimentos formais, admitindo-se como causas: a infração contratual, o desinteresse de uma das partes na continuidade da relação e o requerimento consensual das partes. A separação de fato por mais de um ano é vista, apenas na Catalunha, como uma causa de extinção. Em cinco países, o casamento (contraído posteriormente à união/parceria) é expressamente declarado como causa dissolutiva. Nos demais casos (Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda, Finlândia, Itália e Brasil), não há disposição expressa - o que recomenda uma interpretação da lei consentânea com o rol dos impedimentos elencados. Em conclusão da análise efetuada, percebe-se maior preocupação com a dissolução das relações, por vontade de uma das partes. Daí o esforço dos ordenamentos em disciplinar o procedimento a ser observado nesses casos, atribuindo-lhe um mínimo de formalidade (procedimento judicial e/ou declaração registrada). Essa preocupação se verifica mais sensivelmente nos países nórdicos (em especial na Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia) e ainda na Holanda e na Bélgica. Considerando-se a análise comparativa acima empreendida, em relação ao Brasil, verifica-se que a proposta legislativa, que tem seu curso no Congresso Nacional, não destoa dos regramentos já adotados na Europa. Tal situação reforça a predisposição de nossa ordem jurídica, como ordem periférica, em recepcionar institutos alienígenas. Por outro lado, verifica-se uma tendência do legislador brasileiro em tratar da matéria mais como uma manifestação contratual, como se dá, por exemplo, na França, com o PaCS, assegurando direitos e obrigações recíprocos. E menos como nova forma de família, já que, por exemplo, é vedada a adoção. Entretanto, a despeito de restrições, numa avaliação geral, a proposta legislativa revela-se atualizada e atende, minimamente, às demandas principais que surgem dos relacionamentos travados entre pessoas do mesmo sexo. 5.4 Apresentação do tema em quadros 5.4.1 Quadros sistemáticos sobre os tratamentos legais abordados Da leitura do material analisado, a fim de consolidar as informações apresentadas, podem-se elaborar quadros sistemáticos da disciplina legal do reconhecimento das relações entre pessoas do mesmo sexo. Essa sistematização considera dois universos de análise: os países que já dispõem de legislação vigente sobre a questão; e os países que apenas apresentam propostas legislativas nesse sentido. Em ambos os casos, os quadros são apresentados a partir de dois modelos. O primeiro modelo se organiza a partir dos seguintes critérios: Estado considerado; normatividade (indicação do diploma legal, breve descrição de seu escopo, sua vigência e destinatários); condições para o reconhecimento da relação; seus efeitos; e dissolução. O

segundo

modelo

toma

em

conta

o

país;

os

direitos

e

benefícios

assegurados;

a) Quadro 1: quadros sistemáticos sobre as leis que disciplinam a união/parceria homossexual Estado Normatividade

Condições para reconhecimento

Dinamarca Lei n.º 372 de 1º de junho de 1989, "The Registered Partnership Act" (D/341-H-ML), em vigor desde 1º de outubro de 1989. Aplica-se exclusivamente às relações homossexuais. - registro pelo oficial do registro civil; - pelo menos uma das partes deve ter nacionalidade dinamarquesa e domicílio no país ou estrangeiros residentes há 2 (dois) anos no país; - o registro da união pressupõe as mesmas condições do casamento. - os mesmos atribuídos ao casamento, tendo reflexos no direito fiscal, patrimonial, social e das sucessões; - não se

Efeitos

aplicam às parcerias registradas as disposições de lei que contenham regras pertinentes a uma das partes do casamento determinadas pelo sexo; - a adoção é restrita às crianças com vínculo sangüíneo com uma das partes. aplicam-se as regras previstas nas Parte 3, 4 e 5 do "Danish Marriage (Formation and Dissolution) Act"

Extinção

(referentes à anulação do casamento, separação legal e divórcio) e Parte 42 do "Danish Administration of Justice Act"

e

os

direitos

e

benefícios

excluídos.

Estado Normatividade

Noruega Lei 40, de 30 de abril de 1993 relativa a "Registered Partnership" Aplica-se exclusivamente às relações homossexuais - as partes devem ser maiores de 18 anos; as partes não poderão ser casadas ou unidas por outra união civil; uma das partes deverá ter nacionalidade norueguesa e uma delas deve ser residente na Noruega. São equiparados aos

Condições para reconhecimento

nacionais, os cidadãos provenientes da Dinamarca, Islândia e Suécia. O Rei poderá decidir equiparar cidadãos de outros países os quais possuam legislação sobre parceria registrada correspondente a lei da Noruega; uma das partes deverá residir na Noruega há pelo menos 2 anos imediatamente anteriores ao registro; a parceria deverá ser registrada no local do domicílio de uma das partes; o registro deverá observar as disposições relativas ao casamento, com exceção daquelas sobre a prestação de consentimento e forma solene do casamento. a parceria registrada produz os mesmos efeitos do casamento; aplicam-se as disposições relativas ao casamento no que concerne à seguridade social, às referentes a propriedade comum, a propriedade

Efeitos

separada e a obrigação de pagar pensão alimentícia, assim como as regras que resguardam a residência familiar e as disposições sobre herança; as partes não poderão adotar conjuntamente uma criança. Entretanto, é permitido que uma das partes adote o filho da outra; a parceria registrada afeta a celebração de qualquer contrato de seguro, seja individual ou coletivo;

Extinção

morte; - vontade das partes (necessário a utilização de procedimento judicial);

Estado

Suécia

Normatividade

"The Registered Partnership Act" promulgado em 23 de junho de 1994.Em vigor desde 01.01.1995. Aplica-se exclusivamente às relações homossexuais ao menos uma das partes deverá ser cidadã sueca e ser domiciliada na Suécia; registro; não poderão

Condições para reconhecimento

registrar a união: os menores de 18 anos, as pessoas com descendência ou ascendência na linha reta, os irmãos bilaterais e as pessoas casadas ou que já registraram outra união; os irmãos unilaterais poderão registrar a união mediante autorização especial. Mesmos efeitos do casamento; Atribui-se também o mesmo status legal do casamento; as condições do estatuto e outras legislações relacionadas ao casamento e aos cônjuges, serão aplicadas de igual maneira às

Efeitos

uniões civis registradas e a cada um de seus membros; as partes em parceria civil não poderão realizar inseminação artificial; os parceiros podem adotar e ter a guarda de crianças; não se aplicam as disposições referentes aos cônjuges, na qual a aplicação suponha tratamento especial de um deles em virtude do sexo.

Extinção

morte; vontade das partes47

Estado

Holanda48 Lei de 5 de julho de 1997que emendou o Livro I do Código Civil e o Código de Processo Civil,

Normatividade

concernente a introdução de normas sobre a parceria registrada.Em vigor desde 1º de janeiro de 1998. Aplica-se às relações hetero e homossexuais.

Condições para

- mesmos requisitos (idade, capacidade) exigidos para o casamento; - a lei holandesa não comporta

reconhecimento

condição de nacionalidade. Mesmos efeitos do casamento: as partes devem assistência mútua e estão sujeitas ao regime de bens legal

Efeitos

vigente; a lei altera os regimes jurídicos fiscal, social e de sucessões.; é vedada a adoção conjunta de uma criança por um casal homossexual.49

Extinção

Estado Normatividade

o mesmo procedimento do divórcio; consensualmente, neste caso bastará que as partes façam uma declaração que deverá ser registrada no registro civil.

Catalunha na Espanha Lei n.º 10 de 15 de julho de 1998 Dispõe sobre as Uniões de Fato.Aplica-se às relações hetero e homossexuais.

Condições para

existência de convivência marital; manifestação de vontade; não poderão constituir união estável

reconhecimento

homossexual as pessoas menores de idade, as unidas por um vínculo matrimonial, as que formem uma

união com outra pessoa, os parentes em linha reta por consangüinidade ou adoção e os parentes colaterais por consangüinidade ou adoção até o 2º grau; um dos membros da união deve ter domicílio na Catalunha; é necessário que as partes outorguem conjuntamente uma escritura pública. as uniões homossexuais produziram efeitos jurídicos somente a partir da data de autorização da Escritura Pública outorgada pelas partes.; a lei regula minuciosamente os efeitos da união estável, contendo disposições sobre a regulamentação da convivência, os gastos comuns, responsabilidade, tutela, alimentos, benefícios a respeito da função pública e disposição sobre a casa em que vive o casal.; é vedada a adoção conjunta por casais homossexuais; os conviventes podem regular validamente, de forma verbal ou mediante documento público ou Efeitos

particular, as relações pessoais e patrimoniais derivadas da convivência; na ausência de pacto entre os conviventes, estes serão responsáveis conjuntamente pela manutenção do lar e pelos gastos domésticos; Direito Sucessório: Sucessão legal o convivente participa concorrentemente com os descendentes e ascendentes e terá direito à quarta parte da herança; na falta de descendentes concorrerá com os colaterais até segundo grau ou com os filhos destes se pré-morto e terá direito a metade da herança; na falta destas o convivente terá direito a totalidade da herança; Sucessão testamentária são garantidos ao convivente os mesmos direitos da sucessão legal. comum acordo; por vontade unilateral; morte; separação de fato por mais de um ano; matrimônio de uma das partes; os membros da união estão obrigados a tornar sem efeito a escritura pública que a constituiu. Efeitos:

Extinção

impossibilidade das partes formalizarem uma nova união antes de decorrido o prazo de 6 (seis) meses após a anulação da escritura anterior; as partes poderão pleitear uma compensação econômica no caso em que a ruptura gere uma situação de desigualdade entre os patrimônios das partes, implicando um enriquecimento injusto e pensão alimentícia.

Estado

Bélgica50

Normatividade

Lei de 23.10.1998 que Institui a coabitação legal Aplica-se às relações hetero e homossexuais.

Condições para

por escrito e levada a registro perante o oficial do estado civil do domicílio das partes; as partes não

reconhecimento

podem ser casadas ou unidas por outra declaração de coabitação legal; as partes deverão ser capazes de

existência de uma relação sentimental entre duas pessoas; vida comum; a coabitação deverá ser declarada

contratar. obrigação de assistência mútua; a comunhão de bens não se presume com o registro da união: os bens de quem a propriedade exclusiva não resta demonstrada são reputados indivisíveis; a Convenção de Efeitos

Coabitação é regida pelo princípio da Liberdade Contratual, assim, os conviventes podem estabelecer neste instrumento outras obrigações. A convenção não poderá conter cláusulas contrárias à ordem pública, aos bons costumes, às regras relativas ao pátrio poder e às regras determinantes da sucessão legal; Direito Sucessório: aplica-se integralmente o regime previsto para o cônjuge sobrevivente. - casamento; morte; comum acordo; iniciativa de uma das partes; Nos dois últimos casos é necessário que

Extinção

a declaração de cessação seja remetida ao oficial do registro do estado civil; Também poderá ser fixada uma pensão alimentar para a parte prejudicada com ruptura.

Estado Normatividade

França Texto adotado n.º 207 Dispõe sobre o Pacto Civil de Solidariedade Publicado em 09.12.1998 Aplica-se às relações hetero e homossexuais. celebração de um "pacto de solidariedade" entre duas pessoas físicas e maiores; o pacto não poderá ser

Condições para reconhecimento

celebrado entre ascendentes e descendentes em linha reta e colaterais até 3º grau e quando uma das partes for casada ou já estiver unida a outra pessoa por meio de outro pacto civil. A inobservância destas restrições acarreta a nulidade do pacto; declaração escrita que estabeleça as normas que regerão a vida do casal que ficará unido pelo pacto de solidariedade. obrigação de auxílio mútuo entre as partes. A modalidade a ser adotada para prestação desse auxílio deverá ser fixada no pacto; se não houver disposição contrária, os bens adquiridos a título oneroso,

Efeitos

posteriormente à conclusão do pacto, estarão submetidos ao regime da indivisão. Também estarão submetidos a esse regime os bens sobre os quais não se pode determinar a data de aquisição; a conclusão do pacto civil de solidariedade constitui um dos elementos de vínculo pessoal na França relativo às condições de entrada e de permanência dos estrangeiros na França, para obtenção de um título de estada. comum acordo: neste caso as partes deverão remeter uma declaração ao Tribunal de Instância do local onde residirem as partes, a qual posteriormente deverá ser averbada em cartório; iniciativa de uma das

Extinção

partes, neste caso a parte que desejar por fim ao pacto deverá remeter a sua decisão ao Tribunal de Instância do local onde residirem as partes, para que este receba o seu ato inicial; casamento; morte. As partes deverão determinar no pacto os efeitos da dissolução. - aplicam-se as disposições previstas nos artigos 832 e 832-4 do Código Civil . . . Francês.

Estado Normatividade

Finlândia Lei sobre a Parceria Registrada (lei n. ° 950/2001, com as modificações da lei n. ° 1229/2001) Em vigor desde 1° de março de 2002. Aplica-se exclusivamente às relações homossexuais. as partes deverão ser maiores de 18 anos; as partes não poderão ser casadas ou unidas por outra parceria registrada; não pode haver entre as partes relação familiar caracterizadora de impedimento para o casamento previsto na lei que dispõe sobre o casamento; a parceria deverá ser registrada perante a

Condições para reconhecimento

autoridade responsável pelo casamento civil; a parceria não poderá ser registrada, se a autoridade perceber que uma das partes está mentalmente perturbada e não pode entender a relevância do ato; pelo menos uma das partes deverá ser cidadã finlandesa e domiciliada na Finlândia ou as duas partes deverão ser domiciliadas na Finlândia por pelo menos dois anos imediatamente posteriores ao registro da união. O cidadão estrangeiro proveniente de país onde a legislação permita o registro da parceria com os mesmos efeitos legais da legislação finlandesa é considerado cidadão finlandês. os mesmos atribuídos ao casamento. A dissolução da parceria registrada também surte os mesmo efeitos da dissolução do casamento; as disposições previstas em lei ou decreto aplicáveis ao casamento e aos esposos são aplicadas do mesmo modo à parceria registrada e aos parceiros. As partes que pretendem registrar sua parceria estão sujeitas às disposições aplicáveis aos noivos; não se aplicam as disposições das

Efeitos

leis sobre paternidade, no que concerne ao estabelecimento da paternidade com base no casamento, as disposições referentes aos cônjuges, na qual a aplicação suponha tratamento especial de um deles em virtude do sexo, as disposições da lei de adoção, sobre o direito do esposo de adotar e as disposições relativas ao nome familiar do esposo; a parceria registrada entre duas pessoas do mesmo sexo, registrada em outro país, será válida na Finlândia, se for válida no país de origem.

Extinção

morte; ordem judicial. Neste caso utiliza-se o procedimento previsto para o divórcio na lei sobre o casamento.

Estado Normatividade

Portugal Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio Adota medidas de proteção às uniões de fato. Aplica-se às uniões hetero e homossexuais. as partes deverão viver em união de fato por pelo menos 2 anos; impedem os efeitos jurídicos decorrentes da lei; idade inferior a 16 anos; demência notória, mesmo nos intervalos lúcidos, e interdição ou

Condições para reconhecimento

inabilitação por anomalia psíquica; casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens; parentesco na linha reta ou no 2º grau da linha colateral ou afinidade na linha reta; condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro. proteção da casa de morada de família. Em caso de morte do membro da união de fato, proprietário da casa de morada comum, o membro sobrevivo tem direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, sobre a mesma, e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda, se o falecido não deixar descendentes com menos de um ano de idade ou que com ele convivessem há mais de um ano e pretendam habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário; os companheiros se beneficiam do regime jurídico de férias, faltas, licenças e preferência na colocação dos funcionários da Administração

Efeitos

Pública equiparado ao dos cônjuges; os companheiros se beneficiam do regime jurídico das férias, feriados e faltas, aplicado por efeito de contrato individual de trabalho, equiparado ao dos cônjuges, nos termos da lei; aplica-se o regime do imposto de rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens; proteção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei; prestação por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, nos termos da lei; pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, nos termos da lei.; aos companheiros homossexuais é vedada a adoção.

Extinção

morte; por vontade de um dos membros. Neste caso somente será necessário declaração judicial quando se pretendam fazer valer direitos dos dependentes; casamento de um dos membros.

b) Quadro 2: quadros sistemáticos sobre os projetos de lei que disciplinam a união/parceria homossexual Estado Normatividade

Condições para reconhecimento

Espanha Projeto de Lei n.º 122/000068 Reconhece determinados efeitos jurídicos aos casais que vivem em união de fato, publicado no BO em 10.04.1997. Aplica-se às relações hetero e homossexuais. união de fato livre, pública e notória; relação de afetividade similar a conjugal; ausência de vínculo de parentesco em primeiro ou segundo grau por consangüinidade; estabilidade; duração de pelo menos dois anos, salvo se existir descendência comum; ausência de vínculo matrimonial em vigor; inscrição da união no registro específico.

Efeitos - quando a relação se dissolver, qualquer um dos conviventes deverá promover o cancelamento da Extinção

inscrição ou a anulação dos documentos públicos. Enquanto esta providência não for tomada, não será possível o registro de uma nova união.

Estado Normatividade

Espanha Projeto de Lei n.º 122/000069 Reconhece igualdade jurídica para as uniões de fato, publicado no BO em 10.04.1997 Aplica-se às uniões hetero e homossexuais. união de fato livre, pública e notória; relação de afetividade similar à conjugal; ausência de vínculo de

Condições para

parentesco em primeiro ou segundo grau por consangüinidade; estabilidade; duração de pelo menos um

reconhecimento

ano, salvo se existir descendência comum; ausência de vínculo matrimonial em vigor; inscrição da união no registro específico.

Efeitos - quando a relação se dissolver, qualquer um dos conviventes deverá promover o cancelamento da Extinção

inscrição ou a anulação dos documentos públicos. Enquanto esta providência não for tomada, não será possível o registro de uma nova união.

Estado

Espanha Projeto de Lei n.º 122/000071 Reconhecimento de efeitos jurídicos às uniões de fato e estáveis e modificações de determinados aspectos do Código Civil, Estatuto dos Trabalhadores, Lei Geral de

Normatividade

Seguridade Social, Lei de Medidas para a Reforma da Função Pública, Lei de Classes Passivas do Estado e Lei do Imposto sobre sucessões e doações. Publicado no BO em 14.04.1997. Aplica-se às uniões hétero e homossexuais. união de fato livre, pública e notória; relação de afetividade similar à conjugal; ausência de vínculo de

Condições para

parentesco em primeiro ou segundo grau por consangüinidade; estabilidade; duração de pelo menos um

reconhecimento

ano, salvo se existir descendência comum; ausência de vínculo matrimonial em vigor; inscrição da união no registro específico;

Efeitos Extinção

- quando a relação se dissolver, qualquer um dos conviventes deverá promover o cancelamento da inscrição ou a anulação dos documentos públicos. Enquanto esta providência não for tomada, não será

possível o registro de uma nova união.

Estado Normatividade

Espanha Projeto de Lei n.º 122/000098 Lei Orgânica do Contrato de União Civil Publicado no BO em 19.09.1997 Aplica-se às relações hétero e homossexuais.

Condições para

duas pessoas físicas maiores de idade que acordam conviver e prestar assistência mútua; o contrato deverá

reconhecimento

ser outorgado ante um notário e deverá ser inscrito no Registro Civil correspondente.

Efeitos

Extinção

o regime econômico será disposto expressamente no contrato, entre as modalidades estabelecidas no Código Civil; poderão ser estabelecidos no contrato disposições sucessórias. casamento de uma das partes; vontade de qualquer uma delas; A resolução do contrato deverá ser comunicada ao oficial do Registro Civil.

Estado

Itália

Normatividade

Projeto de Lei n.º 2725 - sobre a União Civil Aplica-se às relações hetero e homossexuais.

Condições para reconhecimento

convivência marital há pelo menos dois anos; constituição de um documento que deverá conter o regime patrimonial, indicar se existem filhos menores, o qual deverá ser registrado pelo oficial do registro civil; nenhuma das partes poderá ser casada ou ter constituída outra união civil. os direitos relativos ao núcleo familiar estendem-se à união civil; o estrangeiro não domiciliado na Itália

Efeitos

adquire, com a união civil, domicílio italiano; a união civil não obsta por si só a adoção; os conviventes possuem os mesmos direitos à assistência sanitária e penitenciária dos cônjuges.

Extinção

consensual; pedido unilateral encaminhado ao oficial do registro civil; morte.

Estado

Itália

Normatividade

Projeto de Lei n.º 2870 Sobre a União Civil Aplica-se às relações hetero e homossexuais. convivência marital há pelo menos um ano; as partes deverão ser: cidadãs italianas e se estrangeiro,

Condições para reconhecimento

domiciliado há pelo menos dois anos na Itália ou em processo de permissão; a união deve ser levada a registro em ato público. A certificação da união deverá conter o nome das partes e a indicação do regime patrimonial, o qual poderá ser modificado a qualquer momento; a união civil não obsta por si só a adoção; os conviventes possuem os mesmos direitos à assistência

Efeitos

sanitária e penitenciária dos cônjuges; o estrangeiro não domiciliado na Itália adquire com a união civil domicílio italiano; a condição de parte da União Civil é equiparada ao cônjuge, inclusive quanto aos benefícios previdenciários e assistenciais, resguardado o direito derivado da sucessão legítima.

Extinção

consensual; pedido unilateral encaminhado ao oficial do registro civil; Nestas hipóteses, a parte que necessitar,

poderá requerer judicialmente a pensão alimentícia. morte.

Estado

Brasil

Normatividade Condições para

Projeto de Lei n.º 1.151-A, de 1995 Disciplina a União Civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. Aplica-se exclusivamente às relações homossexuais. registro no cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais ; os contratantes devem ser solteiros, viúvos ou

reconhecimento da União divorciados e plenamente capazes. os contratantes poderão estipular os efeitos da sua união no contrato que deverá ser lavrado no Ofício de Efeitos

Notas; o contrato deverá conter disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas entre as partes. é vedado às partes contratantes dispor sobre adoção. infração contratual; desinteresse de uma das partes na continuidade da união; requerimento consensual;

Extinção

Nestas hipóteses faz-se necessário a realização de um procedimento judicial. Nas duas últimas, requer-se ainda que a união seja constituída há pelo menos dois anos. - morte.

Estado

Brasil

Normatividade

Substitutivo adotado pela Comissão Especial Aplica-se exclusivamente às relações homossexuais

Condições para

registro, em livro próprio, nos Cartórios do Registro Civil das Pessoas Naturais; os parceiros devem ser

reconhecimento da União solteiros, viúvos ou divorciados e plenamente capazes. os efeitos da parceria serão estipulados em contrato que deverá conter disposições patrimoniais, deveres, Efeitos

impedimentos e obrigações mútuas; são vedadas as disposições sobre adoção, tutela e guarda de menores; as disposições contratuais aplicam-se retroativamente, se na época da realização do contrato já houver patrimônio comum. morte; decretação judicial: infração contratual, desinteresse de uma das partes na continuidade da relação,

Extinção

requerimento consensual das partes. É nula a parceria registrada feita com mais de uma pessoa ou com violação de um de seus requisitos.

c) Quadro 3: quadros sistemáticos sobre o reconhecimento civil das relações entre pessoas do mesmo sexo: uma ótica de direitos vigentes51 País Forma de Reconhecimento

Dinamarca Parceria registrada Acessível: exclusivamente aos casais do mesmo sexo. Não requer expressamente que as partes vivam juntas ou tenha uma relação conjugal mas estas não podem ser casadas ou estarem em outra parceria registrada. As partes registradas são obrigadas a contribuir para um adequado padrão de vida e a prestar ajuda mútua. As

Direitos e

partes registradas possuem os direitos de herança a benefícios relativos a impostos dos cônjuges. O regime legal

benefícios

de bens é aplicado quando a parceria se desfaz. Desde 1º de janeiro de 2000, a parte registrada pode adotar o filho

assegurados

do seu ou da sua parceira, ao menos que a criança provenha de um país estrangeiro. Cidadãos de outros países podem registrar sua parceria na Dinamarca após dois anos de residência no país.

O direito de adotar não é estendido às crianças com as quais as partes não tenham vínculo sanguíneo. As partes Direitos e

registradas são excluídas das provisões legais sobre cuidados conjuntos e custódia. O acesso à fertilização in vitro

benefícios

ou inseminação artificial não é permitido. As normas atribuídas ao sexo oposto, como as relativas à gravidez e à

excluídos

presunção de paternidade, não são aplicadas. Não existe casamento oficial perante a igreja. Uma das partes deve ser cidadã dinamarquesa ou residente no país.

País Forma de Reconhecimento

Direitos e benefícios assegurados

Noruega Parceria Registrada Acessível: exclusivamente aos casais do mesmo sexo. As partes não precisam viver juntas ou manter relação conjugal. As provisões concernentes às condições para o casamento são aplicadas. Não podem ser casadas ou terem outra parceria registrada Obrigação de assistência mútua. O regime da propriedade comum é aplicado. A responsabilidade conjunta por débitos oriundos das despesas domésticas. Uma das partes pode adotar o filho do seu ou da sua parceira.

Direitos e benefícios

As provisões da lei de casamento relativas à celebração e à solenidade do casamento não são aplicadas.

excluídos

Pelo menos uma parte deve ser nacional da Noruega e ser domiciliada no país.

País

Suécia

Forma de

Parceria Registrada Acessível: exclusivamente aos casais do mesmo sexo. As provisões sobre as condições

Reconhecimento

do casamento são aplicadas.

Direitos e benefícios assegurados

Em geral, os efeitos relacionados ao casamento são aplicados à parceria registrada com algumas importantes exceções. É possível a adoção conjunta, sem restrições relativas a nacionalidade da criança ou relação sanguínea com o adotante.

Direitos e benefícios

Uma das partes deve ser domiciliada na Suécia por dois anos ou uma das partes deve ser cidadã sueca e

excluídos

domiciliada no país.

País

Holanda

Forma de Reconhecimento Direitos e benefícios assegurados Direitos e benefícios excluídos

Casamento e Parceria Registrada Acessível: casais do mesmo sexo, residentes ou cidadãos holandeses.

Todos os benefícios do casamento. Adoção de crianças holandesas.

Adoção de crianças estrangeiras

País

Catalunha na Espanha

Forma de

União estável Acessível: a lei possui dois capítulos: um para os casais heterossexuais e outro para os

Reconhecimento

casais.homossexuais. Os benefícios para os casais heterossexuais e homossexuais com relação à propriedade são os mesmos,

Direitos e benefícios assegurados

exceto no que diz respeito a certos direitos sucessórios. Os conviventes podem regular validamente as relações pessoais e patrimoniais derivadas da convivência. Se não for firmado um pacto entre os conviventes,os membros do casal serão responsáveis conjuntamente pela manutenção do lar e pelos gastos domésticos.

Direitos e benefícios excluídos

Apenas as uniões estáveis constituídas por pessoas do sexo oposto podem adotar conjuntamente uma criança. Na dissolução, pode ser requerida, no prazo de um ano, uma compensação, sob certas condições, se houver enriquecimento injusto. Não cria relações de afinidade.

País

Bélgica

Forma de

Casamento e parceria registrada Acessível: aos casais do mesmo sexo (se residentes ou cidadãos da Bélgica

Reconhecimento

ou Holanda)

Direitos e benefícios assegurados

Todos os benefícios do casamento

Direitos e benefícios

As partes do casamento homossexual não podem adotar conjuntamente uma criança, embora a adoção

excluídos

individual seja possível.

País

França

Forma de Reconhecimento

Pacto Civil de Solidariedade Acessível: aos casais heterossexuais e homossexuais. Mesmas proibições relativas ao grau de consangüinidade do casamento. As pessoas não podem ser casadas ou unidas por outro pacto. Mesmos direitos e deveres dos coabitantes heterossexuais. A primeira conseqüência da parceria diz

Direitos e benefícios

respeito aos impostos e a seguridade social. As partes tem o dever de assistência mútua . As partes são

assegurados

solidariamente responsáveis pelas despesas decorrentes da vida comum e da residência comum. As partes tem liberdade para dispor sobre o destino dos bens adquiridos após a realização do PaCS

Direitos e benefícios excluídos

País

O regime de propriedade das partes unidas pelo PaCS é distinto daquele aplicado aos cônjuges. A lei não prevê os mesmos limites de responsabilidade, como para os cônjuges, com respeito da responsabilidade por débitos perante terceiros.

Finlândia

Forma de

Parceria Registrada Acessível: exclusivamente aos casais homossexuais. Não pode haver entre as partes

Reconhecimento

relação familiar caracterizadora de impedimento para o casamento.

Direitos e benefícios assegurados

A parceria registrada em outro país será válida na Finlândia se for válida no país em que foi registrada. O cidadão estrangeiro proveniente de país onde a legislação permita o registro da parceria com os mesmos efeitos legais da legislação finlandesa é considerado cidadão finlandês. Não se aplicam as disposições das leis sobre paternidade, no que concerne ao estabelecimento da paternidade com base no casamento, as disposições referentes aos cônjuges, na qual a aplicação suponha

Direitos e benefícios

tratamento especial de um deles em virtude do sexo, as disposições da lei de adoção, sobre o direito do

excluídos

esposo de adotar e as disposições relativas ao nome familiar do esposo; Pelo menos uma das partes deverá ser cidadã finlandesa e domiciliada na Finlândia ou as duas partes deverão ser domiciliadas na Finlândia por pelo menos dois anos imediatamente posteriores ao registro da união.

País

Portugal

Forma de

União de Fato Acessível: casais heterossexuais e homossexuais que vivam juntos há pelo menos 2 anos.

Reconhecimento

Proteção da casa de morada de família; Os companheiros se beneficiam do regime jurídico de férias, faltas, Direitos e benefícios assegurados

licenças equiparado ao dos cônjuges; Aplica-se o regime do imposto de rendimento nas mesmas condições cônjuges; Proteção na eventualidade de morte do beneficiário; Prestação por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional; Pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País.

Direitos e benefícios excluídos d)

Quadro

4:

País Forma de Reconhecimento

Não é permitida a adoção de crianças por companheiros homossexuais.

quadros

sistemáticos

sobre

o

reconhecimento

civil

das

relações

entre

pessoas

do

mesmo

Espanha União de Fato (Projetos de Lei 122/000068, 122/000069, 122/000071) e União Civil (Projeto de Lei n.º 122/000098) Acessível: casais heterossexuais e homossexuais, que convivam maritalmente durante um período mínimo estabelecido pelo legislador. Para a união civil não se estabelece período de tempo.

Direitos e benefícios Mesmos direitos dos cônjuges no que concerne a transmissão de arrendamento de bens e habitação, a obrigação assegurados

de alimentos, direito sucessório, previdência social, regime fiscal e legislação do trabalho

Direitos e benefícios Os projetos de lei não vedam expressamente o acesso a determinados direitos e benefícios pelos casais excluídos

homossexuais.

País

Itália

Forma de Reconhecimento

União Civil Acessível: casais heterossexuais e homossexuais, que convivam maritalmente durante um período mínimo estabelecido pelo legislador (projeto 2870 - período de 1 ano e projeto 2725 - período de 2 anos). As partes não poderão ser casadas ou terem constituído outra união civil. Direitos relativos ao núcleo familiar. O estrangeiro não domiciliado na Itália adquire, com a união civil,

Direitos e benefícios domicílio italiano. Os conviventes possuem os mesmos direitos à saúde e à assistência penitenciária dos assegurados

cônjuges. A condição de parte da União Civil é equiparada ao cônjuge, inclusive quanto aos benefícios previdenciários e assistenciais, resguardado o direito derivado da sucessão legítima.

Direitos e benefícios Os projetos de lei não vedam expressamente o acesso a determinados direitos e benefícios pelos casais excluídos

homossexuais.

sexo:

uma

ótica

de

direitos

em

tese

52

País

Brasil

Forma de

Parceria Registrada Acessível: exclusivamente aos casais homossexuais.

Reconhecimento

O companheiro é dependente do segurado no Regime Geral da Previdência Social. Benefício de pensão por Direitos e benefícios morte do servidor público civil da União. Direitos sucessórios. Direito de composição de rendas para aquisição assegurados

de casa própria. Direitos relativos a planos de saúde e a seguro de grupo. Admite-se aos parceiros a inscrição como dependentes para efeitos de legislação tributária.

Direitos e benefícios

São vedadas a adoção, a tutela e a guarda de menores.

excluídos

5.4.2 Quadros comparativos sobre o tratamento legal abordado Da análise comparativa acima efetuada, é possível a ordenação do material estudado em quadros comparativos que se prestam a sintetizar os aspectos mais relevantes para a comparação. Os quadros se organizam a partir dos núcleos de reflexão anteriormente adotados no primeiro modelo - condições de reconhecimento; efeitos e dissolução - que, por sua vez, se organizam em outras variáveis que foram selecionadas para a condução da análise proposta. A

proposta

é

realizar

um

estudo

comparado,

logo,

não

se

fará

a

distinção

entre

lei

Quadro 1: quadro comparativo sobre as condições de reconhecimento 53 Parte I: Dinamarca; Noruega; Suécia; Holanda; Catalunha na Espanha e Bélgica. Condições de

Dinamarca

Noruega

Suécia

Holanda

Catalunha na Espanha

Capacidade civil

*

*

*

*

*

Idade legal

*

18 anos

18 anos

*

Lapso temporal

Não é exigido

Não é exigido

Não é exigido

Não é exigido

É exigido de pelo

É exigido de pelo

Reconhecimento

A lei refere-se à maioridade Não é exigido

Bélgica referência expressa * Não é exigido

menos uma das partes menos uma das partes. Nacionalidade e domicílio

Entretanto os

São equiparados aos

É exigido de pelo

estrangeiros poderão

noruegueses,os

menos uma das

registrar a parceria se cidadãos provenientes

*

partes

Exige apenas o domicílio de uma das partes

*

residentes por 2 anos da Dinamarca, Islândia

Registro

no país.

e Suécia.

Necessário

Necessário

Necessário

Necessário

Necessário

Descendentes ou

Casamento ou

ascendentes na linha

Impedimentos

*

Casamento ou

reta; Irmãos

existência de outra

bilaterais;

união civil

Casamento ou existência de outra união civil

Necessário

Casamento ou existência existência de *

de outra união civil;

outra

Parentes em linha reta ou declaração de colaterais até o 2º grau

coabitação legal.

vigente

e

projeto

de

lei.

Parte II: França; Finlândia; Portugal; Espanha; Itália e Brasil Condições de Reconhecimento Capacidade civil

Idade legal

Lapso temporal

França

Finlândia

Portugal

Espanha

Itália

*

*

*

*

*

referência à maioridade

Não é exigido

Brasil referência expressa

PL122/000098 18 anos

16 anos

refere-se à

*

*

2 anos (PL n.º 2725)

Não é exigido

maioridade Não é exigido

2 anos

2 anos (P L122/000068); 1 ano (PL122/000069, 122/000071)

1 ano (PL n.º 2870) Não é exigido (PL122/000098) Exige que as partes sejam

É exigido de pelo

cidadãs italianas. É

menos uma das partes. Nacionalidade e domicílio

permitido o registro da

É permitido o registro *

da união de

*

*

estrangeiros quando

descendentes ou ascendentes em linha reta e Impedimentos

colaterais até 3º grau; casamento ou existência de outro "Pacto de Solidariedade"

Necessário casamento ou existência de outra união civil; relação familiar caracterizadora de impedimento previsto para o casamento.

*

estejam em processo de

menos dois anos. Necessário

quando domiciliados por pelo menos dois anos ou

domiciliados por pelo

Registro

união de estrangeiros

permissão Não é necessário

Necessário

descendentes ou

PL 122/000068,

Necessário

Necessário

ascendentes na linha 122/000069, reta e colaterais até

122/000071:

o 2º grau;

ausência de

casamento;

vínculo de

demência notória ou parentesco em interdição ou

primeiro ou

inabilitação por

segundo grau por

Casamento ou existência de outra união civil (PL n. Casamento 2725)

anomalia psíquica

consangüinidade;

condenação anterior ausência de de uma das partes

vínculo

por homicídio

matrimonial em

doloso.

vigor.

Quadro 2: quadro comparativo sobre os efeitos 54/55 Parte

I:

Dinamarca;

Efeitos

Dinamarca

Noruega;

Suécia;

Noruega

Transmissão de arrendamento de bens e

Igual a casados

Igual a casados.

habitação

Holanda:

Suécia

Holanda

Igual a casados,

Igual a casados. A

mesmo se não

ruptura da união

registrada.

eqüivale ao divórcio.

Catalunha

na

Espanha

e

Bélgica

Catalunha na Espanha Bélgica

Igual ao casamento

*

Igual a casados, Obrigação de alimentos

Igual a casados

Igual a casados.

Igual a casados.

Igual ao casamento.

Igual ao casamento

mas não há comunhão de bens A convenção não

Direito Sucessório

Igual a casados

Igual a casados.

Igual a casados.

Igual ao casamento.

Só casais

pode contrariar a

homossexuais.

ordem legal de sucessão.

Previdência Social

Igual a casados

Regime fiscal

Igual a casados

Igual a casados.

Igual a casados.

Igual a casados,

Igual ao casamento. A

mesmo se não

ruptura da união

registrada.

eqüivale ao divórcio.

Igual a casado.

Igual ao casamento.

*

*

*

*

Reconhecimento de alguns direitos, tais Legislação do trabalho

Igual a casados

Igual a casados.

Igual a casados.

Igual ao casamento.

como redução do

*

horário de trabalho e licenças.

Direito de adoção

Permitido apenas

Permitido apenas

com relação às

com relação às

crianças com

crianças com

Permitida as uniões hetero e

vínculo sangüíneo vínculo sangüíneo

Permitida sem

homossexuais.Nas

restrições

uniões homossexuais, homossexuais

dívidas Parte

Igual a casados

II:

Efeitos

Transmissão de arrendamento de bens e habitação

Iguais a casados.

França;

França

Finlândia

de crianças holandesas Igual a casados.

Finlândia;

Portugal

Igual a casados.

o pacto (ver art. 9º

*

*

Portugal;

Espanha

Espanha;

Itália

Itália

Brasil

O convivente

Igual a casados desde que celebrado

*

restringe-se a adoção

com um das partes com um das partes. Responsabilidades por

Proibida às uniões

sobrevivente sucede Igual ao casamento Igual a casados.

Igual a casados.

o falecido no

*

contrato de locação

do PaCS)

(art. 26, PL 2725)

Igual a casados. No código de Seg. Social, mesmo Obrigação de alimentos

anteriormente à aprovação do PaCS já havia regulamentação específica

Igual ao casamento *

Igual a casados

*

Serão estabelecidas no contrato.

e

Brasil.

O parceiro terá direito ao usufruto dos bens do de

O membro sobrevivo

cujus, nos termos

tem direito real de

Direito Sucessório

Tem conexão com o

habitação sobre a

Regime Fiscal e de

Igual ao casamento morada comum direito Igual a casados

Segurança Social

de preferência na sua venda, pelo prazo de

Equipara a parte na

do art. 13. Terá

união civil ao

direito a metade

cônjuge (art. 23 do

dos bens se estes

PL n.º 2870)

resultarem de atividade em que

cinco anos.

haja a colaboração do parceiro, sobrevivente.

Reunião das

Extensível ao Previdência Social

convivente ligado

*

por um PaCS

condições constantes

Igual a casados

do art. 2.020 do

Igual a casados.

(art.29 PL n.º 2870)

Código Civil (art. 6º) Os parceiros

Se for feita a

Regime fiscal

Igual a casados

declaração em

Imposto de

conjunta o regime é *

rendimento, mesmas

idêntico ao do

condições dos casados

Igual a casados

casamento.

Mesmas

podem ser inscritos

conseqüências

como dependentes

derivadas de outro

para efeitos de

núcleo familiar

legislação tributária.

Idêntico ao Legislação do trabalho

casamento se celebrado o PaCS

*

Igual a casados

Igual a casados

Igual a casados

*

(art.29 PL n.º 2870)

(ver art. 5º do PaCS) Os projetos em

Direito de adoção

Proibida às uniões

Proibida às uniões Proibida às uniões

homossexuais

homossexuais

debate não impõem *

homossexuais

Proibida às uniões

nenhuma vedação a

homossexuais

adoção por casais homossexuais

Responsabilidades por dívidas

*

*

*

Igual a casados

*

*

c) Quadro 3 : quadro comparativo sobre a extinção 56 Parte I: Dinamarca; Noruega; Suécia; Holanda; Catalunha na Espanha e Bélgica Dissolução

Dinamarca

Noruega

Suécia

Holanda

Catalunha (Espanha) Bélgica

Morte

*

X

X

*

X

X

comum acordo ou X aplicam-se as

Vontade das Partes

X separação legal ou separação legal ou

normas do capítulo

divórcio nos

divórcio nos

5 da lei

mesmos moldes do

mesmos moldes do

matrimonial,

casamento

casamento

referentes ao divórcio.

vontade unilateral: procedimento judicial Consensual: declaração registrada no registro civil

vontade unilateral. Os membros da união estão obrigados a tornar sem efeito a escritura pública que

Comum acordo ou iniciativa de uma das partes - declaração remetida ao oficial do registro civil

a constituiu Separação de Fato

*

*

*

*

mais de um ano

*

Casamento

*

*

*

*

X

X

Parte II: França; Finlândia; Portugal; Espanha; Itália e Brasil Dissolução

França

Finlândia

Portugal

Espanha57

Itália

Brasil

Morte

X

X

X

*

X

X

Comum acordo (as partes deverão remeter uma declaração ao Tribunal de Instância

X uma das partes

do local onde

deverá promover o

residirem, a qual

somente será

posteriormente deverá

necessário

ser averbada em Vontade das Partes

cartório) ou iniciativa necessidade de de uma das partes (a

decisão judicial

parte que desejar por

declaração judicial quando se pretendam fazer valer direitos dos

fim ao pacto deverá

dependentes

remeter a sua decisão

cancelamento da

infração contratual,

inscrição ou a

desinteresse de uma

anulação dos

das partes na

documentos públicos. vontade unilateral continuidade da (PL 122/000068,

ou consensual

relação,

122/000069,

requerimento

122/000071)

consensual das

Comunicação ao

partes

ao Tribunal de

Registro Civil (PL

Instância do local

122/00098)

onde residirem, para que este receba o seu ato inicial) Separação de Fato

*

*

*

*

*

*

Casamento

X

*

X

X

*

*

No presente capítulo, completou-se a primeira etapa de densificação do discurso de direitos dos homossexuais que se materializa em análise da esfera legislativa (os fundamentos foram considerados no capítulo anterior e os tratamentos normativos no presente capítulo). O objeto de estudo considerado foi a problemática do reconhecimento civil das relações homossexuais, em certos países integrantes da Comunidade Européia (Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda Espanha - inclusive a Catalunha, Bélgica, França, Finlândia, Portugal, Itália e Grã-Bretanha), assim como no Brasil. O estudo levou em conta tanto os diplomas legais vigentes, bem como os projetos em tramitação, como é o caso espanhol, italiano e brasileiro (projeto de lei da Deputada Martha Suplicy e substitutivo adotado pela Câmara dos Deputados). Destacou-se, assim, a extensão da proteção jurídica que se traduz nas condições do reconhecimento civil, efeitos e limites normativos da proteção pretendida, e na disciplina de sua dissolução. Trata-se, pois, da verificação dos direitos e benefícios que são assegurados aos casais homossexuais e daqueles que lhes são negados. Apresentou-se também uma análise comparativa dos sistemas legais considerados, enfatizando-se, especialmente, os direitos decorrentes dessa união, ao se contrastar os pontos de semelhança e divergência entre as ordens jurídicas selecionadas, para fornecer um contraponto de reflexão para a situação brasileira. Em seguida, dando continuidade a proposta de densificação do discurso de direitos, ingressa-se na esfera jurisdicional, para se investigar, mais de perto, a partir do valor constitucional da igualdade, alguns dos direitos dos homossexuais, especificamente considerados. Parte-se, portanto, para uma análise voltada para pretensões específicas, plasmadas em concreto na via judicial, que são apresentadas como estudo de caso concreto, a fim de dar conta da dinâmica jurisdicional e de que forma incide sua esfera protetiva. No que toca ao próximo capítulo especificamente, inaugura-se a análise jurisprudencial, com uma investigação qualitativa, centrada na análise de fundamentos/argumentos de uma decisão da Suprema

Corte

Norte-Americana,

no

célebre

caso

Romer

v.

Evans.

[

"Acho que gosto de S. Paulo.

Gosto de S. João. Gosto de S. Francisco. E S. Sebastião. E eu gosto de meninos e meninas." Meninos e Meninas Renato Russo

"[…] homens e mulheres amam de tantas maneiras quanto o número de homens e mulheres [...]" Chodorow

1 A fonte documental considerada encontra-se no Dossiê DILP (2000).

2 Waaldijk apresenta uma outra sistematização. O autor trabalha com três figuras baseadas no modelo do casamento: o quase-casamento; o semi-casamento e o pseudo-casamento. A propósito: "[...] quase-casamento/'equiparado ao casamento' (com, praticamente, as mesmas consequências legais que o casamento como, por exemplo, nos países nórdicos, nos Países Baixos, e na Nova Scotia e no Québec); semi-casamento (com apenas um limitado número de consequências do casamento como, por exemplo, na França e na Alemanha, no Havaí e na Califórnia); pseudo-casamento (um mero registro, não importando em qualquer ou, se muito, alguma, consequência legal como, por exemplo, nas várias cidades holandesas e da Alemanha em momento anterior à promulgação da legislação nacional de parceria, em algumas cidades espanholas e britânicas, na Bélgica, onde o esquema nacional de parceria registrada significa apenas algumas consequências legais, notavelmente em relação à residência comum e aos custos e débitos/despesas decorrentes do orçamento doméstico ou com os filhos)"(2003)107 3 No Capítulo 3, observou-se essa dificuldade especialmente nos países islâmicos.

4 Essa é exatamente a situação atual no Brasil. A matéria ainda se encontra no plano de lege ferenda (como já visto no capítulo passado e como se verá neste capítulo) e o Judiciário tem sido a única instância de proteção dos direitos que decorrem das relações entre pessoas do mesmo sexo. Aliás, a atuação jurisdicional brasileira será melhor analisada no Capítulo 7 da tese.

5 Existe um projeto de lei, apresentado em 29.10.1998, que pretende suprir essa obrigatoriedade do requisito da nacionalidade.

6 Alteração aprovada pelo parlamento dinamarquês em maio de 1999. Apesar dos esforços ora efetuados, a referida alteração na legislação dinamarquesa não foi encontrada nos meios eletrônicos. Foram localizados apenas registros de informações nesse sentido, nos seguintes sites:"Recognition of Same-Sex Relationships in Europe" (Disponível em: .Acesso em: 07.08.2003) e "Dutch May Codify Gay Marriages" (Disponível em: Acesso em: 07.08.2003).

7 Apesar dos esforços, a referida alteração na legislação dinamarquesa não foi encontrada nos meios eletrônicos. Foram localizados apenas registros de informações nesse sentido, em : "Recognition of Same-Sex Relationships in Europe"(2003); "Dutch May Codify Gay Marriages" (Disponível em: Acesso em: 07.08.2003); "Two steps forward, one step back - Lesbian and Gay Rights Waltzing into the 21st Century" (Disponível em: Acesso em: 07.08.2003); "Sweden legalises gay adoption" (Disponível em . Acesso em: 03.08.2003) e "Partnership and Parental Rights: an International Perspective"(Disponível

em:



Acesso

em:

07.08.2003).

107 "[…] quasi-marriage (with virtually the same legal consequences as in the case of marriage, e.g. in the Nordic countries, in the Netherlands, and in Nova Scotia and Quebec); semi-marriage (with only a limited selection of the consequences of marriage; e.g. in France and Germany, in Hawaii and California);pseudo-marriage (a mere registration carrying no, or hardly any, legal consequences; e.g. in various towns in the Netherlands and Germany before the national partnership legislation was enacted, in some Spanish and British cities, and in Belgium, where the national registered partnership scheme has only a few legal consequences, notably with respect to the common residence and to costs and debts incurred for the household or for the children)"(2003).

8 Registered partnership Act No. 40 of 30 April 1993 relating to Registered Partnership.

9 Registered partnership Act No. 40 of 30 April 1993 relating to Registered Partnership.

10 Nesse particular não incidem as disposições sobre adoção relativas ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, disciplinadas pela lei de adoção, Act of 28 February 1986 No. 8 relating to adoption.

11 "Seção 4 - As provisões da Lei de Adoção, no tocante aos cônjuges, não se aplicam às parcerias registradas. Um dos parceiros registrados poderá, entretanto, adotar o filho de seu parceiro, cf. o disposto à Seção 5 a, § 2º, da Lei de Adoção" Registered Partnership Act No. 40 of 30 April 1993 relating to Registered Partnership. 108 12 Esta distinção foi suprida pela alteração aprovada em maio de 1999 pelo Parlamento dinamarquês, pois esta reconhece a parceria registrada de casais estrangeiros residentes na Dinamarca quando provenientes de países com leis similares (Dutch May Codify Gay Marriage, 2003).

13 Apesar dos esforços de pesquisa, a referida alteração na legislação dinamarquesa não foi encontrada nos meios eletrônicos. Foram localizadas apenas registros sobre essas informações em: Recognition of Same-Sex Relationships in Europe (2003); Two steps forward, one step back - Lesbian and Gay Rights Waltzing into the 21st Century, (2003); Sweden legalizes gay adoption (2003); e Partnership and Parental Rights: an International Perspective (2003).

14 Grounds for Divorce and Maintenance Between Former Spouses. SWEDISH LEGISLATION. The Marriage Code (Äktenskapsbalken) SFS 1987:230, with subsequent amendments up to and including SFS 2000:1731. acrescido das emendas seguintes até, inclusive, SFS 2000:1731

15 A atualização da legislação pesquisada é de Waaldijk (2003). Para um estudo mais aprofundado sobre o ordenamento holandês, ver esse mesmo autor (2003b)

16 Para uma retrospectiva histórica que levou à possibilidade legal do casamento gay na Holanda, ver a entrevista concedida por Kees Waaldijk (2002). Inclusive, a repercussão do instituto é facilmente apreendida ao se verificar os números estatísticos:."Casamentos entre pessoas do mesmo sexo somente foram possíveis a partir de 1º de Abril de 2001. Durante os priimeiros nove meses, 1062 casais formados por mulheres e outros 1325 formados por homens, casaram. Os números relativos aos novos casamentos em 2001 e 2002 incluem casais (espcialmente formados por pessoas do mesmo sexo) que converteram as suas parcerias registradas em casamento. Isto, igualmente, se tornou poossível a partir daquela mesma data" (Waaldijk, 2003) 109 17 Essa é, em inglês, a redação do mencionado dispositivo: "Article 30: 1. A marriage can be contracted by two persons of different sex or of the same sex. 2. The law only considers marriage in its civil relations". A tradução é de Waaldijk (2003).

18 Ver Waaldijk, 2003.

19 Recognation of Same-Sex Relationships in Europe (2003).

20 Para um estudo aprofundado sobre o reconhecimento civil das relações homossexuais na Catalunha, ver Fernadéz (2001).

108 "Section 4 The provisions of the Adoption Act concerning spouses shall not apply to registered partnerships.One of the registered partners may however adopt the other partner’s child, cf. section 5 a, second paragraph, of the Adoption Act". Registered Partnership Act No. 40 of 30 April 1993 relating to Registered Partnership. 109 "Same-sex marriages became possible on 1 April 2001. During the first nine months 1062 female couples and 1325 male couples got married.The numbers of new marriages in 2001 and 2002 include couples (especially same-sex couples) who converted their registered partnership into a marriage. This has become possible on 1 April 2001, too"(Waaldijk, 2003)

21 A realidade atual da sociedade catalã demonstra a existência de diversas formas de convivência, em caráter estável, distintas do casamento, formadas por casais heterossexuais, que não se casam por opção, e também por casais homossexuais, aos quais o casamento é constitucionalmente vedado. Verifica-se também que o número de casais vivendo nesta situação aumentou consideravelmente e a sociedade se apresenta mais aberta a tais relacionamentos, inclusive entre homossexuais, o que tornou necessário a elaboração de uma lei mais completa e sistematizada sobre a matéria.

22 A partir de 1º de junho de 2003 entrou em vigor a Lei de 13 de fevereiro de 2003, publicada em 28 de fevereiro de 2003, no Moniteur Belge, Edition 3, que modificou o Código Civil belga, possibilitando o casamento entre pessoas do mesmo sexo, perdendo, pois, o instituto matrimonial seu caráter eminentemente heterossexual. (informações sobre a atualização da legislação disponível em: . Acesso em: 20 maio 2003.) Assim, hoje na Bélgica,como na Holanda, há duas estruturas legais de reconhecimento das relações homossexuais: quer como uniões civis; quer como casamento, sendo certo que a regulamentação da primeira possibilidade, precedeu e muito, a autorização legal para o casamento. Tendo em vista a recente vigência da lei, a mesma foi excluída de apreciação.

23 Para um estudo sobre o Pacto Civil de Solidariedade, ver Garneri (2000). Numa dimensão estatística, ver Festy (2001).

24 Neste particular, do material reproduzido no Dossiê DILP (2000), de forma sintética, essa era a situação de proteção de direitos, anterior ao PaCS. No que concerne aos direitos reais, reconheciam-se aos casais homossexuais os mesmos direitos conferidos aos casais heterossexuais. No direito de família, as uniões homossexuais eram reconhecidas; entretanto, alguns direitos lhes eram vedados, sendo o principal exemplo a adoção (o que se dava menos por vedação legal e mais por construção jurisprudencial). No direito fiscal, as uniões de fato, fossem hetero ou homossexual não eram reconhecidas, salvo no que diz respeito ao imposto de solidariedade sobre fortunas. No direito securitário, o Código da Seguridade Social comportava um certo número de disposições visando expressamente à proteção dos conviventes como pessoas que vivessem maritalmente. (com a expressão "vida marital", o legislador quis se referir à situação de duas pessoas que decidem viver como esposos sem que sejam casados, entre homem e mulher. Aos conviventes reconheciam-se o direito ao seguro-maternidade, ao seguro-falecimento, ao seguro-velhice, e os subsídios familiares - subsídios para os filhos jovens, para os gastos escolares, complemento familiar e subsídios imobiliários, nos quais tem-se em conta o total dos rendimentos dos conviventes. Quanto a estes subsídios, deve-se ressaltar que o subsídio de apoio familiar ao pai ou à mãe de órfão cessaria quando o titular deste casasse ou passasse a viver maritalmente: o mesmo ocorria com o subsídio para pais e mães solteiras e o seguro viuvez). No que tange às disposições sobre os funcionários públicos, alguns direitos já eram reconhecidos aos conviventes. Estes, porém, benefícios não eram estendidos aos conviventes homossexuais. No direito imobiliário, devem-se destacar três aspectos: a) em matéria de ajuda para manutenção do lar, as uniões de fato eram reconhecidas, desde que os conviventes apresentassem uma declaração de sua honra; uma vez obtida o benefício atingiria os conviventes conjuntamente. A terminologia utilizada pela lei que regulamenta a questão não permitia que a sua aplicação excluísse os casais homossexuais, visto que se definia o lar como o conjunto de pessoas que vivem na mesma casa. Deve-se ressaltar que os benefícios conferidos aos conviventes não eram os mesmos conferidos aos casados; b) a pessoa que vive maritalmente poderia ser beneficiária da ajuda personalizada habitacional, conforme dispunha o Código de Construção e Habitação - todavia, a redação do dispositivo não permitia que o benefício fosse estendido às uniões homossexuais; c) a legislação referente ao arrendamento e ao aluguel de habitação principal reconhecia, ao locatário "concubino notório", o direito de continuar o contrato de locação em caso de abandono pelo outro ocupante e o direito de transferir o contrato em caso de morte. Por julgado da Corte de Apelação de Paris, as disposições desta lei são aplicadas aos conviventes homossexuais.

25 Levantamento realizado junto do Ministério da Justiça francês. (Ministére de la Justice. Les fiches de la justice. Pacte Civil de Solidarité (PaCS). Mode d´emploi - octobre 2000.) Disponível em:. Acesso em: 21 jun. 2003).

26 O Pacto Civil de Solidariedade repousa no princípio da liberdade contratual das partes (autonomia da vontade). Assim, a convenção inicial concluída entre as partes pode ser alterada por uma convenção modificativa.

27 Informações sobre a atualização da legislação, disponível em: Acesso em: 12 jun. 2003.

28 Informações sobre a atualização da legislação, disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2003.

29 Para maiores informações sobre a questão, ver Waaldijk (2003).

30 No Dossiê DILP (2000), com relação à Escócia e à Irlanda, não são abordadas questões diretamente pertinentes ao tema da relação homossexual. Os registros tratam apenas da situação de uniões heterossexuais, razão pela qual os dois países encontram-se omitidos na análise acima.

31 Bromely (1992), dispondo sobre o casamento e a coabitação extramarital na Inglaterra e no País de Gales, ressalta que este tipo de organização familiar vem aumentando nos últimos tempos e que as cortes vêm reconhecendo alguns direitos advindos dessas uniões. Algumas leis esparsas também abrangem os conviventes, assimilando-os aos cônjuges, tidos como "homem e mulher que vivam como marido e mulher" observando-se sempre o caráter estável da relação. A estabilidade da relação pode ser demonstrada pelo seu tempo de duração; entretanto, a fixação de um período, para reconhecimento da união, será feito de modo arbitrário e poderá causar grandes injustiças. A alternativa proposta pelo jurista é a demonstração da dependência econômica como fez o regulamento de herança (Provision for family and dependents, fls. 239/245). As relações baseadas na dependência econômica podem incluir os casais homossexuais e outras relações familiares.

O jurista também dispõe que os coabitantes podem firmar um pacto definindo seus direitos e obrigações, o que no entanto, é bastante discutido, pois, segundo alguns, tais contratos ferem a ordem pública.

32 Parte expressiva das informações colacionadas por Waaldijk é baseada em duas obras: Bailey-Harris (2001:606-619) e no relatório da The Law Society Cohabitation. The case for clear law. Proposals for reform, London, July 2002.

33 No site NationGay.com é possível um acompanhamento informativo e jornalístico sobre a problemática do reconhecimento legislativo das uniões gays (2003).

34 Com relação a esta legislação, dispõe o dossiê DILP: "sulla base dell’amplia formulazione del citato art. 3, nel comune di Bologna, lo I.A.C.P., overro l’ente Che provvede allá assegnazione degli alloggi di edilizia econômica e popolare di proprietá pubblica, nel bando di concorsoha, tra l’atro, disposto Che tra i beneficiari possano figurar, oltre coppie eterosessuali, anche quelle omosessuali" (2000:.257).(???)

35 O projeto examinado não é o único que tramita no Congresso e acolhe as demandas dos homossexuais, no tocante ao reconhecimento civil de suas relações. Há, por exemplo, o Projeto de Lei 5252/2001, apresentado pelo Deputado Roberto Jefferson que pretende instituir o pacto civil de solidariedade entre pessoas. A disciplina proposta no PL 5252, na esteira da normatividade francesa (tanto que se fala em pacto civil de solidariedade), reconhece a possibilidade da constituição de parcerias civis entre pessoas do mesmo sexo, estendendo-as também para pessoas de sexos diferentes. No momento, o projeto encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação para relatório do relator Deputado Federal José Carlos Sigmaringa Seixas (PT-DF). O texto do referido PL e as informações sobre seu andamento encontram-se no site da Câmara dos Deputados (Disponível em:. Acesso em 20 set. 2003).

36 Para um estudo doutrinário do projeto, ver Berenice (2002) e Gontijo (1996).

37 A despeito do projeto de lei considerado, deve-se fazer registro de outros órgãos legislativos, em distintas esferas do governo, têm promulgado leis que evidenciam uma intenção de reconhecimento da comunidade gay, ainda que de todo não satisfatório.

38 Mais adiante, ainda neste capítulo, esses pontos serão objeto de análise.

39 As Comissões Especiais são comissões temporárias da Câmara dos Deputados, de acordo com o inciso II, art. 22, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (aprovado pela Resolução n. 17, de 1989 e alterado pelas Resoluções n. 1, 3 e 10, de 1991; 22 e 24, de 1992; 25, 37 e 38, de 1993; 57 e 58, de 1994; 1, 77,78 e 80, de 1995; 5, 8 e 15, de 1996; 53; de 1999 e 11, de 2000): "criadas para apreciar determinado assunto, que se extingue ao termino da legislatura, ou antes dele, quando alcançado o fim a que se destinam ou expirado o prazo de duração". Conforme dispõe o art. 34, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados: "As Comissões Especiais serão constituídas para dar parecer sobre:"I - proposta de emenda à Constituição e projeto de código, casos em que sua organização e funcionamento obedecerão às normas fixadas nos Capítulos I e II, respectivamente do título VI; II - proposições que versem matéria de mais de três Comissões que devam pronunciar-se quanto ao mérito, por iniciativa do Presidente da Câmara, ou a requerimento de Líder ou de Presidente de Comissão interessada. § 1º Pelo menos metade dos membros da Comissão Especial constituída para os fins do inciso II será composta por membros titulares das Comissões Permanentes que deveriam ser chamados a opinar sobre a proposição em causa; § 2º Caberá à Comissão o exame de admissibilidade e mérito da proposição principal e das emendas que lhe forem apresentados observado o disposto no art. 49 e no § 1º do art. 24".

40 O texto do referido substitutivo encontra-se publicado em Brandão (2002:143-146, anexo 2).

41 Sobre essa questão da nomenclatura, registra Brandão que a adoção do termo parceria atende à orientação do Prof. Luiz Edson Fachin: "Ao longo dos trabalhos da Comissão, em audiências públicas, foram ouvidas personalidades que pudessem colaborar com o aprimoramento do projeto, entre elas, Luiz Edson Fachin, que sugeriu a alteração do termo "união". No substitutivo apresentado pelo relator, deputado Roberto Jefferson, o termo "união" havia sido substituído por "parceria", seguindo forte tendência internacional. Assim, consoante a alteração, o substitutivo adotado pela Comissão Especial disciplina ‘a parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências’ "(2002:111).

42 Para Anna Paula Uziel: "Mais do que simples modificações ou aperfeiçoamentos, a nova redação transformou a filosofia do documento: o foco passou a ser a concessão de um direito jurídico, e não do direito ao casamento entre homossexuais" (apud Brandão, 2002:111).

43 Andamento do projeto pode ser acompanhado eletronicamente no site da Câmara dos Deputados (Disponível em . Acesso em: 24 set. 2003).

44 A parceria civil parece ser a nomenclatura preferida, com assimilação nas culturas nórdicas.

45 Conforme dispõe o novo Código Civil Brasileiro, em seu art. 104, "A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei". Nesse mesmo sentido, ensina Pereira: "Para que receba do ordenamento jurídico conhecimento pleno, e produza todos os efeitos, é mister que o negócio jurídico revista certos requisitos que dizem respeito à pessoa do agente, ao objeto da relação e à forma da emissão de vontade. É o que deflui do art.82 do Código Civil, e o Anteprojeto do Código de Obrigações conserva no art. 3, segundo o qual a validade do ato requer agente capaz, objeto lícito e forma adequada"(1999:309). Para Gomes, "Os pressupostos de validade do negócio jurídico, isto é, as circunstâncias necessárias a que produza os efeitos próprios de sua função típica, são concernentes ao sujeito (capacidade), ao objeto (idoneidade) e à posição do sujeito em relação ao objeto (legitimação)" (1977:431).

46 A disciplina considera a questão de forma diversa da problemática abordada no Capítulo 2, com relação à discussão sobre a maioridade sexual (age of consent).

47 Neste caso aplicam-se as normas do capítulo 5 da lei matrimonial sueca, referente ao divórcio.

48 Act on the opening up of Marriage, de 21 de dezembro de 2001 (Atenção: é 2000 !!!), que reformou o Livro I do Código Civil, em vigor desde 1o de abril de 2001, estendeu o casamento às pessoas do mesmo sexo. As condições para contrair o casamento são as mesmas para os casais compostos por pessoas de sexo diferente ou do mesmo sexo. As principais diferenças entre o casamento entre pessoas de sexo diferente e pessoas do mesmo sexo estão nas conseqüências do casamento, concentrando-se em dois aspectos: com relação aos filhos e às relações internacionais. Fernanda, que tal se você fornecer o nome da lei, em original - Holandês - ao invés da tradução do Kees? Não é mais lógico? (Wet openstelling huwelijk)

49 Lei de 21 de dezembro de 2001, que reformou o Livro I do Código Civil, em vigor desde 1o de abril de 2001, revogou esta disposição, ao suprimir da redação do parágrafo 1o art. 227, do Código Civil, a expressão "de sexos diferentes" após "duas pessoas". Desse modo, o ordenamento jurídico holandês passou a admitir a adoção por casais homossexuais em parceria registrada ou casados. Registre-se que adoção é restrita a crianças holandesas.

50 A Lei de 13 de fevereiro de 2003, em vigor a partir de 01 de junho de 2003, possibilitou o casamento entre pessoas do mesmo sexo através de modificações no Código Civil (publicada em 28 de fevereiro de 2003 no Moniteur Belge, Edition 3).

51O presente quadro tem como modelo o quadro "Recognition of the same-sex Relationship in Europe" (traduzo??? "O Reconhecimento das Relações entre Pessoas do Mesmo Sexo na Europa") (2003), atualizado em 3.3.2003, e acrescido das informações obtidas a partir do levantamento bibliográfico realizado com base no Dossiê DILP (2000).

52O presente quadro tem como modelo o quadro "Recognition of the same-sex Relationship in Europe". (2003) "O Reconhecimento das Relações entre Pessoas do Mesmo Sexo na Europa" (2003) atualizado em 3.3.2003. Foram também acrescidas informações a partir do levantamento bibliográfico realizado com base no Dossiê DILP (2000) e do projeto de lei brasileiro PL 1151/95 e substitutivo adotado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados.

53 Legenda: * sem disposição expressa

54 Quadro baseado no dossiê entregue ao Parlamento Português.

55 Legenda: * sem disposição expressa

56 Legenda: * = sem disposição expressa X = causa de dissolução descrita na lei

57 Referente ao projeto de lei n.º 122/000098. Os outros não fazem menção expressa as causas de extinção da união, mas apenas a necessidade de que um dos conviventes cancele a inscrição no registro ou anule os documentos públicos.

6. O tratamento jurisdicional da homossexualidade: um estudo do caso Romer v. Evans 6.1 O caso Romer v. Evans. 6.2 Interpretação e aplicação da Constituição Norte-Americana: considerações elementares. 6.3 A Suprema Corte e a cláusula da equal protection of the laws (princípio da igualdade). 6.3.1 Quadro sobre a interpretação do princípio da igualdade adotada pela Suprema Corte Norte-americana 6.4 A Suprema Corte e a proteção de fundamental rights. 6.4.1 A decisão em Romer v. Evans. 6.4.2 Os prognósticos da Suprema Corte para a questão dos direitos dos homossexuais a partir de Romer v. Evans. Com a finalidade de recuperar a trajetória até o momento seguida pela tese apresentada, faz-se um breve retrospecto do trabalho já desenvolvido, que se organiza em dois núcleos de reflexão. O primeiro núcleo, fixado nos dois capítulos iniciais, registrou as diversas leituras que a homossexualidade tem recebido ao longo do tempo, ressaltando-se a importância do movimento gay, como elemento questionador e desestabilizador da ordem social.

O segundo núcleo cuida da projeção da homossexualidade na ordem jurídica que é compreendida a partir do discurso de direitos. Essa projeção se desdobra em dois estágios. Em um primeiro momento - consignado no Capítulo 3, de forma panorâmica - apresentou-se a projeção das questões homossexuais na ordem jurídica e na esfera individual e na coletiva das pessoas. Em um segundo momento, centra-se o foco na esfera legislativa e na jurisdicional, para se investigar, mais de perto, alguns dos direitos dos homossexuais, especificamente considerados. O plano legislativo - quer no âmbito de seus fundamentos, quer no âmbito de sua disciplina legal - apresentado nos capítulos 4 e 5 - considerou o reconhecimento legal das uniões/parcerias homossexuais. O plano jurisdicional é composto pela análise de duas decisões judiciais emblemáticas que são apresentadas como estudo de caso. Neste capítulo, examina-se o caso Romer v. Evans e, no próximo capítulo, trata-se da Ação Civil Pública n.º 2000.71.00.009347-0. Com efeito, a partir da construção de um panorama centrado em direitos inspirados pelo Movimento Gay, buscou-se apresentar uma sistematização das demandas que integram esse panorama, organizada em dez grupos de direitos, e que deve ser compreendida como o pano de fundo que anima um exame mais profundo da luta por direitos. Fez-se, na oportunidade, também um apanhado geral, em diferentes cortes do mundo, de julgamentos emblemáticos, que evidenciam a riqueza e a variedade dos direitos postos judicialmente e os argumentos que os legitimam, a fim de se formar uma constelação vista de longe. Para tanto, decisões judiciais favoráveis aos direitos dos homossexuais foram apenas apresentadas, sem maiores preocupações metodológicas em analisá-las, bastando apenas consignar as razões da decisão. Logo em seguida, objetivando densificar o discurso de direitos dos homossexuais, apresentou-se, nos Capítulos 4 e 5, uma análise da esfera legislativa, no que toca à problemática do reconhecimento legal das relações homossexuais, consignando-se os direitos decorrentes da união, bem como as condições e limites impostos pela lei para o seu reconhecimento e as causas de sua extinção. Cabe, agora, voltar o foco de atenção para uma outra forma de proteção que a ordem jurídica pode estender à questão dos direitos dos homossexuais. Fala-se do Poder Judiciário e de sua função de julgar, cuja relevância, por si só, justifica sua inserção como objeto de análise. Na verdade, é pacífico que " "a última instância jurídica de eficácia de um direito se concretiza sempre ante a instituição judiciária"110 (Pascual, 1992:213). Tal constatação revela a importância dessa instância na problemática dos direitos. Para Wolkmer, a força inovadora da função jurisdicional pode oferecer uma contribuição para um movimento de resistência e libertação da opressão que subjaz na norma jurídica. "Na esteira dessas asserções, pode-se categorizar que ao Juiz compete a função politicamente inovadora de transformar os parâmetros tradicionais da instância dogmática e formalista do Direito. Esta contribuição é por demais incisiva, tanto na prática judicial alternativa em benefício dos setores sociais menos favorecidos, quanto na apreciação real das necessidades fundamentais da vida social e na realização dos fins libertários do Direito; pois, este, enquanto fenômeno universal, deve ser a ‘afirmação possível da libertação conscientizada’ e não instrumento de controle e repressão de um bloco de poder hegemônico. Seja como for, não se pode mais afirmar nenhuma espécie de Direito que não seja engendrado pelo processo social, bem como captado, proclamado e interpretado pelo Juiz; eis por que, no dizer de Sadok Belaid, ‘... o estudo da jurisprudência moderna mostra que o Direito criado e introduzido pelo Juiz no âmbito do ordenamento jurídico é inegável e revela-se de uma importância considerável’ " (Wolkmer, 1995:171). Num outro giro, em termos estritamente técnico-processuais, ao se tratar da função do juiz, fala-se na prestação jurisdicional, isto é, na tutela que é entregue à parte, mediante o exercício do direito de ação, consubstanciado em um processo judicial e que viabiliza a proteção de um bem da vida que lhe é negado ou cerceado. Essa tutela jurisdicional dos direitos, ou direito à jurisdição, constitui-se em um instrumento de defesa que o "[...] Estado põe nas mãos das pessoas em substituição à auto-tutela, sendo esta última inaceitável dentro do Estado Constitucional e do Estado de Direito, o que obriga a configurá-lo de forma a que se estabeleça, em seu favor, o maior grau de garantias possíveis" (Alcalá, 1999:247). (tradução livre)111 Esses instrumentos devem ser aptos a assegurar, com eficácia, o bem da vida que se vê atingido ou ameaçado, garantindo que a norma jurídica possa se implemantar. Essa á a matéria-prima de reflexão. Assim segue-se para um recorte mais preciso de direitos discutidos na via judicial. Estreita-se o foco de análise, ganhando-se em profundidade, em detrimento da extensão, de modo que a dinâmica de reconhecimento e a proteção do direito apontado possam ser também densificadas. Como as possibilidades de tratamento das decisões judiciais são bastante férteis, como visto anteriormente, impõe-se uma definição do tipo de abordagem a ser empregado. Opta-se por uma investigação qualitativa, centrada na análise de fundamentos/argumentos de determinadas decisões que são apresentadas como estudo de caso concreto. A reflexão proposta é informada por uma visão tópica da atividade jurisdicional, com atenção especial para os fundamentos deduzidos pelo órgão judicante. Conforme orienta Hespanha: "A tópica é, como já se disse, é nome dado pela antiga teoria do discurso [...] à técnica de encontrar soluções no domínio dos saberes problemáticos, ou seja, dos saberes em que não existem certezas evidentes, como o direito, a moral, etc. Nestes casos, a legitimação da solução encontrada não decorre tanto da validade das premissas em que esta se baseia como no consenso que suscitou no auditório. Aplicada ao direito, esta ideia vem a colocar na primeira linha da actividade de adiamento ou de declaração do direito o juiz (ou o jurista} que, para decidir um caso concreto, lança mão de argumentos (tópicos) disponíveis (princípios doutrinais, precedentes, disposições legislativas) no sentido de ganhar o assentimento (das partes, mas também do público cm geral) para a solução. Neste contexto, a lei é apenas um dos argumentos, cuja eficácia argumentativa dependerá tanto da sua consonância com o sentido concreto de justiça vigente no auditório como do prestígio de que a forma «lei» (e, em geral, a entidade «Estado») aí goze. Para além dê constituir uma crítica ao legalismo, a tópica constitui também uma crítica ao normativismo, ou seja, à ideia de que a norma está no princípio de um processo de subsunção [...] que conduziria ao adiamento do direito. Ela parece representar, além disso, uma perspectiva bastante adequada para analisar a função de julgar nos dias de hoje. Em que o juiz está, por dever de ofício - e, até, pela sua situação profissional -, dependente dos critérios valorativos do Estado expressos na lei. Mas não está menos sujeito à influência e controlo da opinião pública, potenciados pelos media. Por um lado, ele é objecto das múltiplas influências valorativas disparadas pela sociedade (por uma sociedade pluralista e comunicativa). Por outro, a sua visibilidade mediática sujeita-o às reacções da opinião pública em relação as suas decisões"(1999:240-241). Para além da compreensão formal da lógica judicial que levou a prevalência de determinada orientação em detrimento de outra, busca-se, no particular, investigar as razões de decisão, com seus fundamentos e seus argumentos, sua pertinência e sua compatibilidade teórica e normativa, assim como suas repercussões sociais e jurídicas, a fim de se indagar sobre sua legitimidade e sua possibilidade de controle. No particular, diz Atienza: "[...] há também uma razão política que se conecta com um profundo sentido de democracia. No contexto das sociedades contemporâneas, cada vez mais existe a idéia de que as decisões dos órgãos públicos não se justificam apenas por terem sido adotadas por órgãos que, direta ou indiretamente, reflitam as opiniões das maiorias. Faz-se também

110 "la última instancia jurídica de eficácia de un derecho se concreta siempre ante la institución judicial 111 "[...] Estado pone en manos de las personas en reemplazo de la autotutela, esta última inaceptable dentro del Estado Constitucional y del Estado de Derecho, lo que obliga configurarlo de manera que se establezca en su favor el mayor grado de garantías posibiles" (Alcalá, 1999:247).

necessário que as decisões estejam racionalmente justificadas, ou seja, que em seu favor argumentos sejam oferecidos de modo a permitir que a decisão possa ser discutida e controlada" (1996:231). (tradução livre)112 Por outro lado, em função dos mesmos motivos declinados anteriormente, quando da análise legislativa, é igualmente imperioso que se opere uma restrição geográfica. Como a visão européia já foi considerada nos capítulos 4 e 5, optou-se por revelar outra cultura jurídica paradigmática neste capítulo, a norte-americana. Se a análise legislativa previamente operada privilegiou a tradição romano-germânica prevalecente na Europa, a análise jurisprudencial desloca-se para a América, em especial para os Estados Unidos da América do Norte, sistema jurídico de Common Law, que revela, com muita naturalidade, a importância da atividade jurisdicional como fonte de direito. Como apontado na Introdução, os critérios que informaram a escolha da decisão foram a importância e a repercussão da mesma para o debate judicial dos direitos dos homossexuais, assim como a qualidade, a extensão e a profundidade com que a problemática foi considerada. Neste capítulo 6, trata-se de discutir a extensão da proteção a ser dada pela ordem jurídica contra a discriminação baseada em fatores de orientação sexual, optando-se pela análise da polêmica decisão da Suprema Corte Norte-Americana proferida no caso Romer v. Evans. Ressalte-se que, a despeito da metodologia de pesquisa adotada ser a análise jurisprudencial, em certos momentos, se fará uso de considerações de natureza teórica - ainda que ancoradas em determinados autores - que se prestam como instrumento para melhor compreensão das questões postas perante o Judiciário norte-americano. 6.1 O caso Romer v. Evans Em 1992, o Estado do Colorado, após realização de uma ampla consulta popular, aprovou uma emenda à Constituição Estadual - Amendment 2 - chamada "Vedação de Edição de Leis de Proteção Baseadas na Orientação Homossexual, Lésbica ou Bissexual" (No Protected Status Based on Homosexual, Lesbian, or Bisexual Orientation). Dispunha a emenda: "Não poderá o estado do Colorado, através de qualquer um de seus órgãos ou departamentos, nem tampouco de qualquer de suas agências, subdivisões políticas, municipalidades ou distritos escolares, promulgar, adotar ou impor qualquer estatuto, ordenança ou política através da qual a orientação, conduta, prática ou relacionamento homossexual, lésbico ou bissexual possa vir a constituir, ou de alguma outra forma servir de base, ou conceder direitos, a qualquer pessoa, ou grupo de pessoas, para que venham a ter ou requerer qualquer status minoritário, cota, preferências, proteção de seu status, ou alegar discriminação" (tradução livre)113 A aprovação da Emenda 2 revela uma forte reação das forças anti-gays contra o crescente movimento de apoio aos homossexuais. Esse apoio vinha sendo construído, especialmente no plano legislativo, já que algumas cidades daquele estado adotaram legislação de proteção aos homossexuais. Tem-se materializada a luta política travada no seio da sociedade americana sobre esse tema, chamada por alguns autores de "cultural war", considerada como um ataque aos direitos civis e ao status social dos homossexuais. A constatação é de Dubnoff: . "Nos últimos anos, um crescente número de estados e comunidades locais têm adotado políticas proibindo a discriminação baseada na orientação sexual em assuntos relacionados à hospedagem, emprego, seguros e educação. Os movimentos pró-referendum, como aquele que resultou na Emenda nº 2, constituem tentativas estratégicas de forças anti-gay para buscar reverter essa tendência. No Colorado, o referendum foi planejado para retirar dos governos locais o poder de assegurar a gays, lésbicas e bissexuais a proteção através de suas leis anti-discriminação. Igualmente, a Emenda nº2 teria cimentado a política anti-gay com a sua determinação de que mudanças futuras somente seriam possíveis através de emenda constitucional, e não mais da legislação convencional (ordinária?)" (1997:281). (tradução livre)114 Resta por evidente o grande impacto que a emenda produziu na comunidade gay, pois, se mantida a norma, toda uma esfera de proteção legal cairia por terra. Se válida, a norma traria efeitos catastróficos para a situação política dos homossexuais no Colorado, pois, para Dworkin, "aniquilaria a proteção que algumas cidades ja haviam assegurado, e proibiria qualquer subdivisão política do estado, inclusive o próprio estado, de promulgar qualquer legislção protetora no futuro" (2000:456). (tradução livre)115 Os debates surgiram, além das fronteiras do Colorado, não só no campo das discussões teórico-acadêmicas, mas também na própria sociedade, na vida das pessoas diretamente envolvidas. A questão chegou ao Judiciário que teria de mediar essa guerra cultural, decidindo o conflito entre o princípio constitucional da prevalência da maioria e a proteção aos direitos das minorias. Keen e Golberg bem recortaram a problemática a ser enfrentada judicialmente: "O processo em si não terminaria a 'guerra', mas a sua solução final exerceria, potencialmente, uma enorme influência neste tema central, presente em todas as disputas dos grandes grupos sociais de uma democracia. O quanto a Constituição norte-americana permite que a maioria exerça o seu poder democrático sobre uma minoria, e o quanto há de proteção daquela minoria contra o que James Madison, um de seus autores, chamou de 'a tirania da maioria'? A resposta dependeria, em grande parte, de a minoria encontrar na Constituição um 'direito' capaz de proteger os seus interesses e de a maioria provar que estava praticando a democracia, e não 'a tirania do preconceito'" (2000:3). (tradução livre)116

112 "[...] hay también una razón de tipo político que se conecta con un sentido profundo de la democracia. En el contexto de las sociedades contemporáneas, existe cada vez más la idea de que las decisiones de los órganos públicos no se justifican simplemente por haber sido adoptadas por órganos que directa o indirectamente reflejan las opiniones de las mayorías. Es también necesario que las decisión estén racionalmente justificadas, es decir, que en favor das mismas se aporten argumentos que hagan que la decisión pueda ser discutida y controlada" (1996:231). 113 "Neither the State of Colorado, through any of its branches or departments, nor any of its agencies, political subdivisions, municipalities or school districts, shall enact, adopt or enforce any statute, regulation, ordinance or policy whereby homosexual, lesbian or bisexual orientation, conduct, practices or relationship shall constitute or otherwise be the basis of or entitle any person or class of persons to have or claim any minority status, quota, preferences, protected status or claim of discrimination". 114 "In recent years, a growing number of states and local communities have adopted policies prohibiting discrimination based on sexual orientation in public accommodations, employment, insurance and education. The referendum movements, such as the one that produced Amendment 2, are strategic attempts by anti-gay forces to reverse this trend. In Colorado, the referendum was designed to remove the power of local governments to include gay men, lesbians and bisexuals within the protection of their anti-discrimination laws. Amendment 2 also would have cemented the anti-gay policy by requiring that future changes be made only by constitutional amendment rather than conventional legislation" (1997:281) 115 "It would annihilate the protection that some cities had already given, and forbid any political subdivision of the state, and indeed the state itself, from enacting any protective legislation in the future" (2000:456). 116 "The lawsuit would not end the "war," but its ultimate resolution would have potentially enormous influence on a core issue underlying all societal disputes in a democracy: How far does the U.S. Constitution allow the majority to go in exercising its democratic power over a minority, and how far does it go in protecting that minority against what

Um grupo de homossexuais do Colorado (liderado por Richard G. EVANS), sob o argumento de que a Emenda 2 violaria a Constituição dos Estados Unidos, por ser flagrantemente discriminatória, ajuizou uma ação perante uma corte de Denver, buscando proteção judicial contra a medida legislativa. O caso, em sede recursal, acabou por ser apreciado também pela Corte Suprema do Colorado. Muitos advogados constitucionalistas duvidavam do êxito da demanda. Os precedentes judiciais, ao longo dos anos, acenavam, provavelmente, que a última instância do Judiciário Estadual do Colorado não reconheceria qualquer violação à claúsula do devido processo ou da Equal Protection. (Igual Proteção) A Corte de Colorado, porém, derrubou a emenda, entendendo que a mesma não se sustentava em razão legítima que a justificasse, já que não se verificou que a mesma atendia a um interesse público cogente. Insatisfeito, o Governador do Estado, Roy ROMER, leva o caso a Suprema Corte Norte-Americana que decidiu conhecer da questão, por se tratar de uma "questão federal relevante" e haver a proliferação de demandas similares. Essas razões justificariam a apreciação do caso pelo maior tribunal do país. Na verdade, o caso mobilizou toda a sociedade norte-americana, que, em seus segmentos mais diferentes, se fez ouvir na Corte, na qualidade de amicus curiae. Os registros são de Keen e Goldberg. "Durante os meses anteriores à sustentação oral, não só diversos dossiês foram confeccionados como, também, a Corte concebeu argumentos legais e políticos relacionados à questão. Além das duas partes originárias - o estado do Colorado e o grupo de demandantes/peticionários que questionava/desafiava a iniciativa - um grande número de pessoas físicas e instituições procuraram influir na decisão final da Corte. A Corte aceitou mais de duas dezenas de dossiês de amici curiae representando as visões oficiais de quase cem organizações, cidades e indivíduos. A extraordinária seleção de entidades que submeteram seus dossiês à Corte sublinhava a intensidade e o escopo do debate incitado por aquele caso - organizações de direitos civis, grupos de professores, denominações religiosas, sindicatos, governos estaduais e municipais. Os próprios dossiês abordavam a totalidade de temas examinados no julgamento - a origem e a imutabilidade da orientação sexual, a história da discriminação, visões morais e religiosas, o relativo poder político das pessoas homossexuais, o objetivo da legislação de direitos civis" (2000:196). (tradução livre)117 A questão a ser enfrentada pela Corte seria a seguinte, conforme consta de seus registros: "Violaria a 'Cláusula de Igual Proteção' uma emenda constitucional estadual, promulgada pelo povo, que proibisse aos governos estaduais e locais de conferir às pessoas de orientação homossexual, lésbica ou bissexual o status de proteção?" (tradução livre)118 Enfim, em 20 de maio de 1996, por maioria de votos, acordou a Suprema Corte que o diploma era inconstitucional: "."Um século atrás, o Primeiro Juiz Harlan advertia esta Corte que a Constituição 'não conhece nem tolera (divisão de) classes entre os cidadãos' Plessy v. Ferguson, 163 U.S> 537, 559, 16 S.Ct.1138, 1146, 41 L.Ed. 256 (1896) (opinião/voto divergente). Inobservadas à época, aquelas palavras são hoje compreendidas de modo a declarar o comprometimento da lei à neutralidade quando os direitos pessoais estiverem em jogo. A Cláusula de Igual Proteção atende a este princípio e hoje requer-se a sustentação da invalidade de uma provisão na Constituição do Colorado" (Romer v. Evans. N. 94-1039). (tradução livre)119 A Corte derrubou a Emenda 2 sob o fundamento de que a classificação em questão era preconceituosa e sem base racional que a justificasse. Decidiu que o discrímen adotado era "tão intermitente em relação às razões oferecidas que acaba por tornar a emenda inexplicável por qualquer motivo que não o animus de atingir a classe afetada; falta uma relação racional ao legítimo interesse do estado. [...] A Emenda nº2 classifica os homossexuais, não para avançar em algum eventual propósito legislativo, mas para desigualá-los em relação às demais pessoas. Isto, o Colorado não pode fazer. Um estado não pode considerar uma classe de pessoas como estranha a sua própria lei. (Romer v. Evans. N. 94-1039). (tradução livre)120 Essa é a breve retrospectiva do polêmico caso que acabou por marcar a história da cruzada pelos direitos gays. 6.2 Interpretação e aplicação da Constituição Norte-Americana: considerações elementares Uma compreensão adequada da discussão travada pela Suprema Corte e da repercussão de suas decisões, não só para a ordem constitucional, mas para toda a sociedade norte-americana, pressupõe a construção de uma pano de fundo para o debate norte-americano sobre a questão dos direitos gays. Nessa linha, é necessário estabelecer algumas considerações elementares sobre a atividade interpretativa da Corte que facilitem a compreensão sobre entendimento adotado a respeito das liberdades civis (direitos fundamentais) e do princípio da igualdade (Equal Protection Clause). (Cláusula de Igual Proteção) A questão de como a Constituição, criada pelos Pais Fundadores (Founding Fathers), em 1789, deve ser interpretada é um problema que tem ocupado um expressivo espaço na comunidade jurídica e acadêmica norte-americanas. Tal se explica, sobretudo, em razão da tensão criada entre um sistema político democrático e uma ordem jurídica filiada ao chamado Common Law - onde os tribunais são chamados a "criar" o direito mediante seus precedentes vinculantes (binding precedents). Ao que se acrescente, ainda, um sistema de controle da constitucionalidade (judicial review) que dá a todos os juízes a

James Madison, one of its authors, called the tyranny of the majority? The answer would depend a great deal on whether the minority could find a "right" in the Constitution to protect its interests and whether the majority could prove that it was exercising democracy and not a tyranny of prejudice" (2000:3). 117 "During the months before the oral argument, numerous briefs were filed with the Court laying out legal and policy arguments implicated in this question. In addition to the two primary parties in the case-the state of Colorado and the group of plaintiffs challenging the initiative-a large number of other people and organizations sought to shape the Court's ultimate decision. The Court accepted more than two dozen friend-of-the-court briefs representing the official views of almost 100 organizations, cities, and individuals. The extraordinary array of organizations filing briefs in this case underscored the intensity and scope of the debate prompted by the case-civil rights organizations, teachers' groups, religious denominations, unions, state and city governments, And the briefs themselves tackled the full range of issues examined at trial-the origin and immutability of sexual orientation, the history of discrimination, moral and religious views, the relative power of gay people politically, the purpose of civil rights legislation" (2000:196). 118 "Does popularly enacted state constitutional amendment that prohibits state and local governments from conferring protected status on persons of ‘homosexual, lesbian or bisexual orientation’ violate Equal Protection Clause?" 119 One century ago, the first Justice Harlan admonished this Court that the Constitution ‘neither knows nor tolerates classes among citizens.’ Plessy v. Ferguson, 163 U.S> 537, 559, 16 S.Ct.1138, 1146, 41 L.Ed. 256 (1896) (dissenting opinion). Unheeded then, those words now are understood to state a commitment to the law´s neutrality where the rights of person are at stake. The Equal Protection Clause enforces this principle and today requires us to hold invalid a provision of Colorado´s Constitution" (Romer v. Evans. N. 941039) 120 "so discontinuous with the reasons offered for it that the amendment seems inexplicable by anything but animus toward the class it affects; it lacks a rational relationship to legitimate state interest. […] Amendment 2 classifies homosexuals not to further proper legislative end but to make them unequal to everyone else. This Colorado cannot do. A State cannot so deem a class of persons a stranger to its law" (Romer v. Evans. N. 94-1039).

competência jurisdicional para invalidar qualquer ato normativo que se revele contrário à Constituição. Em decisão de 1803, no célebre caso Marbury v. Madison, primeira decisão da Suprema Corte Norte-americana, o seu então Presidente, John Marshall, revolucionou as atribuições do Poder Judiciário, ao declarar que a Corte, desde a "sua esfera de ação e de seu dever [...] são dizer o que é a Lei" e colocando-a como a intérprete final da Constituição. O debate norte-americano sobre a melhor forma de interpretar e, por conseqüência, aplicar a Constituição tem sido polarizado por duas grandes controvérsias, de certa forma imbricadas, e suas respectivas correntes que, ao longo do tempo, se têm revezado, temporariamente, em primazia. Uma diz respeito à forma de interpretar a Constituição, propriamente dita, sintetizada no binômio interpretativismo x não-interpretativismo. E a outra, discute os limites da atividade jurisdicional, representada na disputa auto-restrição x ativismo . Em geral, os defensores do interpretativismo são também entusiastas da auto-restrição judicial. Ao passo que o não-interpretativismo bem se ajusta com o ativismo. Os adeptos do interpretativismo sustentam que "a Constituição tem um significado para o qual não é necessário recorrer a fontes extra-constitucionais" (Bayon, 1985:140). Para Felipe, "[o} juiz carece, portanto, da discricionaridade (discretion) para escolher entre diversas interpretações possíveis: a Constituição permite mais que uma. Sustentam uma interpretação 'estrita', de acordo com a tradição constitucional norte-americana (leia-se a tradição anterior à revolução/reforma judiciária de 1937), e sua corrente mais extremista é o originalismo - 'strict construtionism' nas palavras de Nixon" (1989:45). (tradução livre)121 Já os defensores do não-interpretativismo (também conhecidos pela expressão broad constructivism) partem de premissas diversas. Novamente cita-se Felipe. Para o autor os não-interpretativistas, "[...] sustentam a existência de cláusulas abertas ('conceitos', segundo a terminologia utilizada por Dworkin) que facultam ao juiz optar entre várias interpretações, recorrendo a fontes ou valores não meramente explícitos no texto constitucional. Normalmente, são partidários da jurisprudência dos valores [...]" (1989:45). (tradução livre)122 Quanto ao debate dos limites da atividade judicante, para os defensores da restrição ou auto-restrição judicial (judicial restraint ou judicial deference), o cerne da questão é que cabe apenas aos juízes, enquanto sua função própria, interpretar a lei ou a Constituição, mas não corrigi-la, "O intérprete não pode construir a Constituição que mais se adapte a seus pontos de vista; em o fazendo, estará usurpando um poder que não lhe corresponde, mas ao Legislativo enquanto representante do povo" (Felipe, 1989:46). (tradução livre)123 Desta forma, seu dever "[...] é, portanto, ajustar-se ao Direito tal como este lhe é dado, renunciando a 'melhoramentos' no ordenamento: onde não houver uma solução clara (normalmente, seguindo-se a teoria do interpretativismo), o juiz não pode impor a sua própria interpretação, sua própria escolha" (Felipe, 1989:46). (tradução livre)124 Os ativistas, a seu turno, esperam do juiz mais do que uma postura tímida. Recomendam ao juiz que abandone a literalidade do texto da Constituição em busca da solução justa, certa ou razoável, descobrindo os novos significados das velhas disposições da Constituição. O juiz constitucional não pode desempenhar um papel simplesmente passivo, "[...] como se a Constituição 'pudesse ser interpretada com o estrito caráter de um contrato privado', mas deve fazer dela uma 'living constitution', defendendo, através da sua interpretação, os valores que seu próprio texto encerra" (Felipe, 1989:46-7). (tradução livre)125 6.3 A Suprema Corte e a cláusula da Equal Protection of the Laws (princípio da igualdade) Ao referir-se ao grande papel contemporâneo do princípio da igualdade, Castro aponta que: "[...] é justamente o de impedir o abuso do poder normativo governamental, isto em todas as suas exteriorizações, de modo a repelir os males da irracionalidade e irrazoabilidade, em suma, do destempero legislativo, de que não está livre a atividade normativa levada a efeito nas gigantescas burocracias modernas. Pode-se dizer, nesse sentido, que o princípio da igualdade desempenha, a nível de controle meritório da legislação, papel semelhante ao desempenhado pela teoria francesa do desvio de poder (détournement de pouvoir), no que concerne ao controle da legalidade dos atos ditos discricionários praticados pela Administração Pública" ( 1983: 71-2). Na ordem constitucional norte-americana, o princípio da Equal Protection of the Laws encontra-se alicerçado nas emendas 5ª e 14ª da Constituição dos Estados Unidos, servindo como limite à atuação do governo perante o cidadão, impedindo o abuso do poder normativo. Entretanto, o que dele se pode compreender é o resultado da sedimentação da atividade da Suprema Corte, ao longo do tempo, ora mais arrojada, ora mais temerária, valendo-se de estruturas argumentativas sofisticadas e muitas vezes obscuras. Desta forma, a problemática da igualdade se projetou como um dos grandes núcleos de reflexão do constitucionalismo norte-americano. Ao lidar com a questão da igualdade, a Suprema Corte, em geral, tem por objetivo identificar se o tratamento adotado pela legislação, que implica tratar de forma diferente um grupo ou grupos de pessoas, almeja a satisfação de determinado interesse público (social goal). Assim busca a Corte coibir o uso arbitrário e abusivo do poder normativo estatal, quer em sua dimensão legislativa quer administrativa. Para Hall: "Formalmente, o problema do tratamento igualitário surge quando o governo trata um grupo diferentemente de outro na persecução de algum objetivo social. Comumente, nem todos os membros do grupo em desvantagem contribuirão para o dano que o governo tenta afastar, enquanto que alguns outros do grupo favorecido contribuirão para aquele dano. Doravante, as classificações são tipicamente 'super-inclusivas' ou 'sub-inclusivas'. O problema da lei de igual proteção é especificar qual o grau de ausência de correspondência entre o fim social e a classificação empregada é permitido sob tais circunstâncias"(1992:258). (tradução livre)126

121 "[e]l Juez carece portanto de "discrecionalidad" (discretion) para escoger entre diversas interpretaciones posibles: la Constituición permite más que una. Propugnan una interpretación "estricta", según la tradición constitucional norteamericana (entiéndase la tradición anterior a la revolución judicial de 1937), y su corriente más extremista es el originalismo - strict constructionism en las palavras de Nixon" (1989:45). 122 "[...] sostienen la existencia de cláusulas abiertas ("conceptos", según la terminologia de Dworkin) que facultan al Juez para optar entre varias interpretaciones, recurriendo a fuentes o valores no explícitos en el mero texto constitucional. Normalmente son partidarios de la jurisprudencia de los valores [...]" (1989:45). 123 pois "El intérprete no puede construir la Constituición que más se adapte a sus puntos de vista, y si lo hace está usurpando un poder que no le corresponde a él sino al legislativo en tanto que representante del pueblo" (Felipe, 1989:46). 124 "[...] es pues el ceñirse al Derecho que le viene dado, renunciando a "mejores" el ordenamiento: donde no hay una solución clara (normalmente siguiendo la teoría del interpretativismo) el Juez no puede imponer su propia interpretación, su propria elección" (Felipe, 1989:46). 125 "[...] como si la Constituición ‘pudiera ser interpretada com el carácter estricto de un contrato privado’, debe hacer de ella una living constitution, defendiendo mediante su interpretación los valores que el proprio texto encarna" (Felipe, 1989:46-7). 126 "Formally, the problem of equal treatment arises when the government treats one group differently from another in the pursuit of some social goal. Ordinarily not all members of the disadvantaged group will contribute to evil that the government is trying to avert, and some members of favored group will contribute to that evil. Classifications are therefore typically "overinclusive" and "underinclusive". The problem for equal protection law (is to ???) specify what degree of lack of correspondence between the social goal and the classification used is permissible under what circumstances"(1992:258).

Portanto, como já registrado em outra ocasião, o princípio da igualdade não obriga ao tratamento idêntico, em quaisquer circunstâncias, para todas as pessoas, havendo, assim, a possibilidade de alguma desigualdade ser estabelecida por força de lei. Tanto que, para Torres, "o aspecto mais intrincado da desigualdade se relaciona com sua polaridade" [...]. "Enquanto nos outros valores (justiça, segurança, liberdade) a polaridade significa o momento da sua negação (injustiça, insegurança, falta de liberdade), na igualdade o seu oposto não a nega, senão que muitas vezes a afirma. Aí está o paradoxo da igualdade. A desigualdade nem sempre é contrária à igualdade [...]" (1995: 261-2). Sob o aspecto funcional, já que as leis nada mais fazem do que classificar situações, discriminando-as, para submetê-las à disciplina destas ou daquelas regras, é preciso indagar quais as discriminações juridicamente intoleráveis e quais as que têm abrigo no ordenamento jurídico-constitucional, a fim de apurar a inconstitucionalidade (ou não) da medida perante o princípio. Castro bem discorre sobre a possibilidade do tratamento diferenciado: "Aliás, se tudo e todos fossem iguais perante a lei, de modo absoluto chegar-se-ia à conclusão absurda de que a lei não poderia classificar, portanto estabelecer valorações fáticojurídicas, tendo de tratar a tudo e a todos da mesma maneira, importaria num tremendo cerceamento do exercício do poder normativo do Estado. É que a lei, ao dispor regras de conduta mediante a atribuição de efeitos jurídicos os mais diversos às variadas situações do mundo natural, destaca de forma hipotética as circunstâncias que servirão de suporte fático (tatbestand) à incidência e atuação do ato normativo. Ao fazê-lo, recorta a parcela da realidade que passa a ficar subsumida no comando legislativo e, assim, sujeita ao seu regramento. Doravante, uma vez ocorrido o fato ou conjunto de fatos descritos na lei como capazes de ensejar a sua incidência e atuação, o ato normativo opera-se e concretiza-se, produzindo seus naturais e esperados efeitos, ocasião essa em que o mundo da vida casa-se com o mundo jurídico" (1983: 47-8). Para tanto, ao longo do tempo, construiu-se toda uma sistematização do tratamento a ser dado ao princípio da igualdade, que pode ser entendido como um esforço de racionalização das decisões da Corte nesta temática tão delicada. Trata-se do chamado class-based system (sistema de classes), cuja origem remonta ao caso United States v. Carolene Products, de 1938. As explicações são de Gerstmann: "O sistema baseado em classes de igual proteção origina-se na célebre nota de pé de página nº 4, do juiz Harlan Fiske Stone, em decisão de 1938 no caso United States v. Carolene Products. Ainda que Stone, ao escrever para a Corte, tenha denunciado a intenção do Legislativo de manter uma lei referente a transações comerciais, ele sugeriu que a Corte deveria engajar-se 'mais em uma investigação judicial' da legislação que tem como alvo 'minorias discretas e isoladas', pouco populares. Na sua visão, o preconceito da maioria contra minorias impopulares, desprovidas de poder, contamina o processo político, devendo a Corte intervir para proteger estes grupos. A idéia de que a Corte deveria intervir para proteger minorias as quais não podem proteger a si próprias através do processo político regular é amplamente popular entre juristas e acadêmicos. De acordo com Lawrence Tribe, esta teoria de 'processo político' fora 'antecipada por John Marshall; tivera um papel central para Harlan Fisk Stone; notadamente motivou Earl Warren; tendo sido elaborada por inúmeros acadêmicos, e de maneira ainda mais impactante no trabalho de John Ely.' Embora os afroamericanos sejam o exemplo prototípico como uma minoria discreta e isolada a ser protegida sob o abrigo desta teoria, a mesma lógica pode ser utilizada para a proteção de mulheres, crianças ilegítimas, estrangeiros e minorias étnicas. Na verdade, a Suprema Corte declarou cada um desses grupos como uma classe suspeita ou 'equiparada' à suspeita" (1999:4). (tradução livre)127 Assim, a Corte desenvolveu duas abordagens complementares que se implicam e determinam mutuamente: a) uma relacionada ao grau de rigor do escrutínio, da análise, do exame, do controle da constitucionalidade (scrutiny), ao qual deverá ser submetido o critério classificatório, isto é, o discrímen; b) outra diz respeito ao tipo de classe, categoria, discrímen; (classification) utilizado pela norma. O scrutiny (exame) pode desenvolver-se em três graus: strict scrutiny escrutínio/exame estrito; intermediate (heightened or semisuspect) scrutiny escrutínio/exame intermediário (semi-suspeito ou ressaltado/destacado); e minimum (ordinary) scrutiny escrutínio/exame mínimo (comum) E sempre considera a relação entre a pertinência do critério e o peso do interesse público em jogo. É a finalidade do ato normativo, e não seus efeitos, que deve ser examinada/. Desse modo, o sistema do escrutínio funciona como um teste que tem de ser vencido pela legislação a título de se aferir sua adequabilidade à Constituição. O strict scrutiny escrutínio/exame estrito é a mais severa das três formas. Exige uma relação de pertinência incisiva, rigorosa, estreita (closely) com o interesse público a ser considerado, que, a seu turno, autorizaria a adoção do discrímen suspeito, se for considerado como cogente (compelling), isto é, inafastável. O strict scrutiny escrutínio/exame estrito comanda (rules) os casos de raça e os esforços estatais para regular estrangeiros, assim como os casos que vão de encontro aos direitos fundamentais constitucionais. Em geral, a experiência tem indicado que a prova da strict scrutiny dificilmente é vencida pela legislação, configurando-se, portanto, a violação ao princípio da isonomia/. O intermediate scrutiny escrutínio/exame intermediário demanda uma relação de pertinência substancial (substantially), com um interesse público importante (important) a ser realizado. Tanto as formulações doutrinárias sobre o intermediate scrutiny como os casos aos quais se aplica têm variado. Mas o caso protótipo são as classificações que envolvem gênero. A Corte algumas vezes já o aplicou em casos envolvendo imigrantes e crianças ilegítimas. Para Hall, "O exame intermediário significa tipicamente que a Corte apreciará o pleito de uma forma algo cética, já que uma classificação de gênero ou de semelhança é necessária para atender aos importantes objetivos sociais, mas não demandará os extraordinariamente elevados níveis de justificação que ela busca em casos que envolvam o exame estrito" (1992:258). (tradução livre)128 O minimum scrutiny escrutínio/exame mínimo aplica-se, na maior parte das vezes, quando o Estado classifica as pessoas e as suas atividades, por exemplo, com base em considerações de natureza econômica ou social, tais como a riqueza (ou sua ausência). Este teste simplesmente estabelece que o Estado mostre que o esquema classificatório escolhido razoavelmente (reasonably) se relaciona com um interesse público legítimo (legitimate). Registra Dworkin (2000) que da mesma forma que raramente o discrímen é reprovado nesse teste mais relaxado (relaxed), no teste mais rígido (strict) ele é reprovado.

127 "The class-based system of equal protection has its origins in Justice Harlan Fiske Stone's famous footnote 4 in the 1938 decision United States v. Carolene Products. Although Stone, writing for the Court, deferred to legislative intent in upholding a law that related to commercial transactions, he suggested that the Court should engage in a "more searching judicial inquiry" of legislation that targets unpopular "discrete and insular minorities." In Stone's view, majority prejudice against unpopular and poweliess (powerless???) minorities poisons the political process, and the Court must intervene to protect these groups. The idea that the Court should protect minorities who cannot protect themselves through the normal political process is widely popular among jurists and scholars. According to Laurence Tribe, this "political process" theory "was anticipated by John Marshall; it assumed a central role for Harlan Fiske Stone; it signally motivated Earl Warren and it has been elaborated by numerous scholars, most powerfully in the work of John Ely." Although African Americans are the prototypical example of a discrete and insular minority to be protected under this theory, the same logic can be used to protect the rights of women, illegitimate children, aliens, and ethnic minorities. Indeed, the Supreme Court has declared each of these groups to be a suspect or quasi-suspect class" (1999:4). 128 "Intermediate scrutiny typically means that the Court will look somewhat skeptically on the claim that using a gender or similar classification is necessary to serve important social goals, but it will not demand the extraordinarily high levels of justification that it seeks in cases involving strict scrutiny" (1992:258).

Ao contrário do minimum scrutiny escrutínio/exame mínimo, no qual as Cortes presumem que a legislação ou a atividade estatal desafiada são constitucionais, e o requerente tem o ônus de demonstrar a violação constitucional, nos casos do strict e intermediate scrutiny, o ônus da prova é invertido: cabe ao Poder Público evidenciar que o discrímen adotado guarda a pertinência exigida no caso, estreita ou substancialmente, com o interesse público envolvido cogente ou importante, respectivamente . A diferenciação entre os tipos de interesses ou de finalidades normativos, apontados pela Corte não é muito precisa. Novamente recorre-se a Hall. "A diferença entre um relacionamento/relação 'próximo' e outro 'substancial'/importante, e a diferença entre o interesse governamental 'obrigatório' e outro 'substancial'/importante não estão suficientemente delineados. Entretanto, a Corte tem indicado que um relacionamento/relação 'próximo' é o que se apega ao modo 'menos restritivo' e 'menos intrusivo' de regulamentação, e cuja probabilidade de que um interesse seja obrigatório é maior no caso de referir-se à saúde ou segurança do que na mera conveniência administrativa ou de considerações fiscais" (1992:845). (tradução livre)129 Assim, em um caso envolvendo a Equal Protection Clause e uma questão racial, explica Hall que: "Em primeiro lugar, a Corte distingue entre estatutos que se utilizam de classificações raciais ou 'suspeitas, e estatutos que, apesar de apresentados em termos não-raciais, não obstante, têm um 'impacto distinto' para as minorias raciais. Se os estatutos se utilizam de termos raciais, estes devem sobreviver ao 'exame estrito', o que significa que a legislatura deve estar atenta para a promoção de objetivos sociais extremamente importantes, e o uso da categoria racial deve ser quase que essencial se o que se busca são estes fins. O ajuste entre o fim social e a classificação deve ser extremamente íntimo/próximo. Em contraste, se os estatutos forem 'facialmente neutros' por não se utilizar de termos raciais, o fato de que eles têm um impacto distinto, na prática, não propicia a automática condução ao exame estrito. Somente se o impacto injusto sobre as minorias for deliberadamente almejado/intencionado/objetivado/destinado pela legislatura, a Corte requererá o exame estrito; do contrário, a legislação deve, simplesmente, empregar um método racional de classificação para a obtenção de fins sociais que a legislatura acredite (ser) importante" (1992:258). (tradução livre)130 Conclui-se, portanto, que a Suprema Corte condiciona o tipo de scrutiny a ser exigido em função da classe considerada e do interesse público considerado. Isso significa que, se um determinado grupo de pessoas (como, por exemplo, gays, aposentados, crianças, minorias étnicas, mulheres, idosos, economicamente hiposuficientes, consumidores, trabalhadores, religiosos etc...) for reconhecido pela Corte como uma classe suspeita (suspect class), o grau de proteção que a Constituição outorgará a seus direitos em face da Equal Protection será bem mais extenso e contundente. Embora a questão já pareça, num primeiro momento, estar sistematizada pela Suprema Corte, o fato é que a utilização desse sistema de diferentes níveis de rigor no controle da constitucionalidade das normas recebe diversas críticas. Várias são as perplexidades, colacionadas pela doutrina, que se apresentam em forma de indagações. A enumeração é de Barron"Como deve ser determinada a razoabilidade da classificação? Qual a justificativa - se é que há alguma - para os diferentes padrões de controle da igual proteção? Quando uma classificação será considerada suspeita? Quando é que uma classificação significante onera um 'direito fundamental' e como esta forma de exame de igual proteção se relaciona com a substantiva análise do devido processo?' (Barron et al., 1996:560). (tradução livre)131 Com base nessas indagações, denuncia-se que os parâmetros de controle utilizados (standards of review) são dificilmente autodefiníveis (hardly self-defining) e os analistas têm tido dificuldades em conciliar os resultados da Corte com as formulações doutrinárias que ela usa (Barron et al. ,1996 e Hall ,1992, respectivamente). Há também sérias dificuldades em se definir objetivamente os critérios que qualificam um grupo com suspeito e um discrímen como odioso, bem como o tipo de interesse a ser demonstrado no caso questionado. Quanto à definição das classificações suspeitas (ou discriminação odiosa) , não há uma tipologia previamente definida que informe a classificação eleita pela Corte. Para Castro: "[...] uma classificação é considerada suspeita ou inerentemente irrazoável (inherently unreasonble) e, por conseguinte sujeita a um extremamente rigoroso exame de seu mérito por parte das Cortes de Justiça, quando adota como critério diferenciativo um dado da natureza independente e indeterminável pela vontade humana, a exemplo de raça, sexo, filiação, nacionalidade, etc., determinado pelo simples fato do nascimento, ou, então, quando a discriminação legislativa interfere com direitos considerados fundamentais, e por isso mesmo assegurados de modo explícito ou implícito na Constituição" (1983:75). Por exemplo, em alguns casos, passa pelo reconhecimento de que a desvalia do indivíduo ou de seu grupo se dá por conta de característica externa, irrelevante para a sua identidade. Nesse sentido, Miller registra: "De maneira mais ampla, 'classificações suspeitas' são definidas em lei como 'atos de classificação que são suspeitos sob a doutrina de igual proteção' (Halley 1991, 354). O estabelecimento de um grupo como pertencente à classificação 'suspeita' representa o primeiro passo para a promoção de seus membros, à luz desta doutrina. Leis de igual proteção examinam leis/ações de governo que aparentam proporcionar desvantagem a um grupo com base em uma característica irrelevante de sua identidade. Por exemplo, é legal que o governo faça distinção entre classes de indivíduos de acordo com o seu rendimento anual para taxá-los com base nesta distinção, sem que isto constitua uma violação à cláusula de igual proteção. Entretanto, é ilegal se o governo impuser diferentes faixas de taxação para os indivíduos de diferentes raças com o mesmo rendimento, já que raça constitui uma classificação suspeita, não sendo, doravante, uma base adequada para tais distinções. (Wolisky and Sherrill, 1993). A designação de classificação suspeita tem como objetivo a proteção de todos os cidadãos contra a tomada de decisões com base em certas características protegidas" (1998:16). (tradução livre)132

129 "The difference between a "close" and a "substantial" relationship and the difference between a "compelling" and a "substantial" governmental interest are not delineated by a bright line. The Court has indicated, however, that close relationship is one that adheres to the "least restrictive" or "least intrusive" means of regulation, and the likelihood that an interest is compelling is greater if it pertains to public health or safety than if it concerns mere administrative convenience or fiscal considerations" (1992:845). 130 "First, the Court distinguishes between statutes that themselves utilize racial or other ‘suspect’ classifications, and statutes that, though stated in nonracial terms, nonetheless have a ‘disparate impacT’" on racial minorities. If the statutes use racial terms, they must survive ‘strict scrutiny’, which means that legislature must be attempting to promote extremely important social goals, and the use of the racial category must be almost essential if those goals are to be served. The fit between the social goal and the classification must be extremely close. In contrast, if the statutes are ‘facially neutral’ in not using racial terms, the fact that they have a disparate impact in practice does not automatically lead to strict scrutiny. Only if the unfair impact on minorities is deliberately intended by the legislature will the Court demand strict scrutiny; otherwise the legislation must simply be using a classification rational method of accomplishing social goals that the legislature believes important" (1992:258). 131 : "How is the reasonableness of a classification to be determined? What is the rationale, if any, for different standards of equal protection review ? When a classification is suspect? When does a classification ‘significantly burden’ (verb???) a ‘fundamental right’ and how does this form of equal protection review relate to substantive due process analysis?" (Barron et al., 1996:560). 132 "More broadly, ‘suspect classifications’ are defined by law as ‘acts of classification that are suspicious under the equal protection doctrine’ (Halley 1991, 354). The establishment of a group as belonging to a suspect classification is the first step in protecting its members under this doctrine. Equal protection laws scrutinize government acts that appear to disadvantage a group based on an irrelevant characteristic of their identity. For example, it is legal for the government to distinguish between classes of individuals

Registra Hall (1992) que a Suprema Corte já admite algumas classificações como suspeitas (por exemplo, raça e religião). Portanto legislação discriminatória contra minorias raciais e grupos religiosos dificilmente é sustentável. Da mesma forma, em determinadas ocasiões, especialmente quando o exercício de direitos fundamentais se vê obstacularizado, a Corte já atribuiu o status de classificação suspeita a outras circunstâncias, como pobreza e ilegitimidade. O problema da classificação suspeita (suspect classification) também se relaciona diretamente com a idéia de minoria e de grupos que sofreram ao longo da história processos de discriminação. Nessa via, foi relevante o entendimento da Suprema Corte Americana que, sob a liderança do Chief Justice Stone (Juiz-Presidente Stone), lançou as bases para a concepção da chamada classificação suspeita, quando decidiu que a legislação direcionada a minorias deveria sujeitar-se a exame judicial mais criterioso (judicial inquiry) e que todas as restrições legais que cerceassem os direitos civis de um determinado grupo racial seriam imediatamente suspeitas e, portanto, sujeitas a rígido exame judicial. (Schwartz,1993). Assim, a Corte tem entendido que os grupos - aos quais é atribuído o strict scrutiny - são minorias separadas e isoladas (discrete and insular) que, historicamente, têm enfrentado discriminações injustificadas e extensivas; que, por si próprias, não têm condições de se removerem dessa categoria; que têm sido submetidas a tal preconceito por serem inábeis para proteger seus interesses no processo legislativo (Hall, 1992). A concepção de minoria articula-se, portanto, inevitavelmente, com uma dimensão democrática, já que pressupõe ser o grupo suspeito (suspect group) composto por pessoas que carecem da força política necessária para fazer com que o processo político lhes trate de forma justa e democrática. Como esclarece Dworkin, os grupos suspeitos, até hoje já reconhecidos pela Suprema Corte, podem ser assim caracterizados por conta de duas dimensões: marginalização e preconceito. "Primeiro, poderá ser tão marginalizado financeira, social e politicamente, que lhe faltam os meios de atrair a atenção de políticos e outros eleitores para os seus interesses, não podendo, portanto, exercer o seu poder nas pesquisas/urnas, ou em alianças ou comprometimentos/compromissos derivados de astutas barganhas com os grupos que, pelo seu número, de outra forma seriam esperados de produzir. Em segundo lugar, poderá ser vítima de pré-julgamentos, preconceito, ódio ou estereótipo de maneira tão séria que a maioria o quer ver obrigado or punido por este motivo, ainda que isso não sirva, de maneira mais respeitável ou legítima, a qualquer interesse de outros grupos" (Dworkin 2000:460). (tradução livre)133 Entretanto, o problema, como alerta o referido autor, pode surgir quando apenas um desses fatores puder ser identificado no grupo que pretende ser considerado como classe suspeita pela Suprema Corte. Até agora, os grupos reconhecidos como suspeitos (ou semi-suspeitos) têm apresentado os dois fatores sistemáticos de incapacidade política, de modo que ainda não foi necessário à Corte pronunciar-se sobre a imperiosidade da exigência de que ambos os fatores sejam concomitantes, ou se a presença de um só é suficiente para justificar a classificação como suspeita. É o caso dos homossexuais que sofrem apenas do segundo estigma. Para o referido autor: "É, portanto, crucial decidir se a segunda desvantagem - o preconceito e o desacato de uma maioria em potencial - constitui uma imperfeição independente no adequado funcionamento de uma democracia, que é suficientemente séria para justificar o exame atento e minucioso da legislação que prejudica aqueles que sofrem com tal preconceito" (2000:460-1). (tradução livre)134 Rios, a seu turno, elenca, de forma exaustiva, várias hipóteses já apreciadas pela Corte. "Deste modo, as decisões consideram, conforme o caso e a caracterização dos envolvidos, se o grupo com que se identificam: l) sujeita-se, histórica e intencionalmente, a tratamento desigual oriundo da maioria; 2) recebe classificação impositiva de estigma de inferioridade; 3) é objeto de amplo e difundido preconceito e hostilidade; 4) suporta tratamento desigual resultante de estereótipos acerca de suas capacidades; 5) constitui parcela minoritária e pouco expressiva, com participação política seriamente prejudicada em virtude dos preconceitos reinantes; 6) tem nas suas características próprias, imutáveis (ou muito dificilmente modificáveis) e constituintes de sua identidade específica, o fundamento da diferenciação e 7) tem possibilidade de participar positivamente na vida em sociedade" (2002:80-81). Entretanto, a despeito do expressivo número de critérios, ainda não ficou estabelecido se os mesmos são concorrentes ou necessariamente cumulativos para a "elevação" do grupo/indivíduo à condição de classe suspeita - o que gera um grau de aleatoriedade e casuísmo nas decisões, aumentando sua subjetividade e, por conseqüência, a insegurança do cidadão. Também o binômio grupo suspeito e classificação suspeita (ou discriminação odiosa) não fica incólume. No particular, Gerstmann apresenta uma análise bastante acurada sobre o problema da "suspect class" e da "suspect classification" que desnuda algumas das insuficiências do esforço de racionalização da Corte neste tema e denuncia uma utilização dissimulada e ambígua das duas categorias. "A Corte tem oscilado entre dois termos que são enganosamente similares: 'classe suspeita' e 'classificação suspeita'. Toda classe suspeita implica em uma correspondente classificação suspeita. Se as minorias raciais constituirem uma classe suspeita, então raça é uma classificação suspeita. As mulheres constituem uma classe 'equiparada'/'quase' suspeita, porém gênero é uma classificação 'quase'/equiparada' suspeita. Quando os homossexuais buscam avançar na hierarquia de igual proteção, a Corte lhes diz que não constituem uma classe suspeita porque não estão politicamente despojados/desconstituídos de poder. Porém, quando os brancos buscam proteção contra programas de ação afirmativa, as cortes não lhes perguntam se eles são/estão desprovidos de poder político (é óbvio que eles não são/estão). Contrariamente, as cortes, de maneira bastante sutil, invertem a terminologia; afirmam que raça é uma classificação suspeita e, desse modo, protegem os brancos das preferências raciais. De maneira semelhante, as cortes protegem os homens da discriminação ao afirmar que gênero é uma classificação equiparada/quase suspeita. Ao inverter os termos 'classe suspeita' e 'classificação suspeita', a Suprema Corte pode requerer a alguns grupos que provem ser/estar destituídos de poder político, mas permitir a outros, politicamente mais fortes, que se beneficiem de ampla/forte proteção constitucional. A Corte jamais reconheceu, nem tampouco tentou justificar, que explicitamente procede desta forma. Efetivamente, todos os critérios usados pela Corte para decidir em qual hieraquia de igual proteção os diferentes grupos se incluem estão tão cheios de contradição, padrões duplos, e ambigüidades insolúveis, que a tomada de decisão baseada em princípios, nesta área, é virtualmente impossível "(1999: 9-10). (tradução livre)135

according to their annual income, and to tax them at different rates based on this distinction, without violating the equal protection clause. It is illegal, however, for the government to impose different rates of taxation on individuals of different races who earn the same annual income, because race constitutes a suspect classification and therefore is not an appropriate basis for such distinctions (Wolisky and Sherrill, 1993). The suspect classification designation is intended to protect all citizens against decision making based on certain protected characteristics" (1998:16). 133 "First, it might (be ?) de so marginalized financially, socially, and politically that it lacks the means to attract the attention of politicians and other voters to its interests, and so cannot wield the power at the polls, or in alliances or horse-trading compromises with the groups, that is (its ?) numbers could otherwise be expected to produce. Second, it might be the victim of bias, prejudice, hatred, or stereotype so serious that majority wants it constrained or punished for that reason, even when this does not serve any other, more respectable or legitimate, interests of other groups" (Dworkin 2000:460). 134 "It is therefore crucial to decide whether the second disadvantage - the prejudice and contempt of a potential majority - is an independent defect in the proper functioning of a democracy that is sufficiently serious to justify heightened scrutiny of legislation that harms those who suffer from such prejudice" (2000:460-1). 135 "The Court has been oscillating between two terms that are deceptively similar: "suspect class" and "suspect classification." Every suspect class implies a corresponding suspect classification. If racial minorities are a suspect class, then race is a suspect classification. Women are a quasi-suspect class, but gender is a quasi-suspect classification. When gays seek to move up in the equal protection hierarchy, the courts tell them they are not a suspect class because they are not politically powerless. But when whites seek

De forma similar, a definição do que seja interesse público cogente é bastante fluída e delicada, vez que não basta relacioná-lo a um interesse (objetivo) político válido - o que torna difícil sua compreensão. Na verdade, já em sua gênese, a doutrina do interesse cogente ou coercitivo foi formulada pela Suprema Corte em termos bem abertos, como registra Schwartz: "Quando determinados ‘direitos fundamentais’ estão envolvidos [...] as regulamentações limitando tais direitos só podem ser justificadas por um ‘interesse estadual coercitivo’ " (1979:211). Para Moro, a categoria deve ser vista em oposição ao usual interesse público, pois não se trata de qualquer interesse público. Não basta tratar-se de medida que visa o bem-estar geral da comunidade. Segundo o autor: "Deve o jurista exigir "algo mais" para caracterizá-lo como imperioso ou sobrepujante. Esse "algo mais" dependerá da análise do caso concreto ou, pelo menos, de ato legislativo determinado. A guisa de exemplificação, digo apenas que se pode vislumbrar interesse público sobrepujante quando o custo social da implementação de um direito atinja certa magnitude ou quando estiverem presentes situações de acentuada anormalidade . E inevitável o recurso a juízo de ponderação entre os bens jurídicos envolvidos"(1998:58-59). O fato é que a construção utilizada pela Suprema Corte faz com que o conceito de interesse cogente seja marcado pelo casuísmo, o que pode levar a mais uma dificuldade de controle da própria decisão em si, por ausência de parâmetros objetivos. Percebe-se a partir das críticas formuladas, uma insatisfação com toda a sistemática e categorização adotada pela Corte ao apreciar as violações ao princípio da igualdade. Se por um lado, tem-se um esforço de racionalização das decisões da Suprema Corte, mediante o uso de categorias; tem-se, por outro, um déficit de objetividade na definição dessas categorias. Surgem, portanto, outras propostas que pretendem enfrentar os problemas apontados. Gerstmann, por exemplo, sugere um sistema alternativo ao de classes, baseado em direitos e que buscaria superar as incongruências: ."[ele propõe] a substituição de um sistema baseado em classes por um outro, baseado em direitos. Direitos que se relacionem com a igualdade política receberiam o mais elevado grau de proteção, algo análogo ao exame estrito. Direitos relacionados à igualdade de oportunidade de competição/concorrência estariam protegidos em um grau intermediário - o interesse do Estado estaria equilibrado contra a natureza e o grau da privação do direito. Direitos relativos à igualdade econômica receberiam a menor proteção" (1999:176) (tradução livre)136 E há, inclusive, posicionamentos contrários ao sistema que se firmam no papel a ser desenvolvido pela Suprema Corte e pelo Poder Legislativo. Nesse sentido, Griffin, de forma bastante contundente, defende a abolição do sistema de hightened scrutiny em matéria de igualdade, vez que o mesmo acaba por destruir os direitos civis que são criados pelo processo de deliberação democrática. Afirma o autor que: "[...] a proteção contra a discriminação injusta que todos os americanos recebem dos estatutos de direitos civis é claramente superior à proteção oferecida pela Cláusula de Igual Proteção. Mas o desenvolvimento que concluiu o caso contra o exame elevado é o relativamente novo interesse da Corte em destruir/arruinar os direitos civis criados através de deliberação democrática" (Griffin, 2000:282). (tradução livre)137 Complementando seu posicionamento, acrescenta que o sistema deveria ser substituído por um sistema uniforme de avaliação da razoabilidade do critério adotado. )."O elevado exame das classificações legislativas, baseado em raça e outras formas injustas de discriminação, tem sido justificado pela importância de preservar os direitos de grupos minoritários contra as incursões da maioria. Este raciocínio (rationale) não é indiferente a uma situação em que a Suprema Corte se utiliza do exame elevado para aniquilar valiosos direitos civis criados por ramos políticos através de deliberação democrática. Nessa circunstância, deve-se temer pela utilização, por parte da Corte, de padrões judiciais inapropriados para a avaliação de direitos concebidos para a promoção de valores constitucionais. Para que se impeça a Corte de aniquilar direitos civis fundamentais, a doutrina do exame elevado deveria ser abolida e um teste uniforme de 'base racional' deveria ser utilizado para avaliar os estatutos promulgados para impedir a discriminação injusta" (Griffin, 2000:312). (tradução livre)138 6.3.1 Quadro sobre a interpretação do princípio da igualdade adotada pela Suprema Corte norte-americana De forma didática, a Suprema Corte tem decidido, em matéria de igualdade, como mostra o quadro abaixo, associando o tipo de scrutiny exame; ao interesse público envolvido, à classificação atribuída ao grupo (ou indivíduo) que se vê prejudicado e ao discrímen utilizado pelo legislador. tipo de scrutiny Strict

Relação com o interesse público ação governamental estreitamente (closely) relacionada com um interesse público cogente (compelling)

Intermediate (Heightened/

ação governamental substancialmente (substancially)

Semisuspect)

relacionada com um interesse público importante (important)

classificação suspeita

semi-suspeita

discrímen raça, estrangeiros e religião (violação a liberdades civis) gênero e ilegitimidade

protection against affirmative action programs, courts do not ask them to prove that they are politically powerless (obviously they are not). Instead, courts subtly switch terminology; they hold that race is a suspect classification and thereby protect whites from racial preferences. Similarly, the courts protect men from discrimination by holding that gender is a quasi-suspect classification. By switching between the terms suspect class and suspect classification, the Supreme Court can require some groups to show that they are politically powerless but allow other, far more politically powerful groups to benefit from strong constitutional protection. The Court has never explicitly recognized that it does this, and it has never attempted to justify it. Indeed, all the criteria the courts use to decide where different groups belong in the equal protection hierarchy are so loaded with contradictions, double standards, and unresolvable ambiguities that principled decision making in this area is virtually impossible"(1999: 9-10). 136 "[he proposes] replacing the class based system with a rights-based system. Rights that relate to political equality would receive the highest level of protection, something akin to strict scrutiny. Rights relating to equality of competitive opportunity would be protected at an intermediate level - the state interest would be balanced against the nature and the degree of the right deprivation. Economic equality rights would receive the least protection" (1999:176) 137 "[...] the protection against unjust discrimination all Americans receive from civil rights statutes is plainly superior to the protection provided by the Equal Protection Clause. But the development that has sealed the case against heightened scrutiny is the Court's relatively new interest in destroying civil rights created through democratic deliberation" (Griffin, 2000:282). 138 "Heightened scrutiny of legislative classifications based on race and other forms of invidious discrimination has been justified on the ground that it is important to preserve the rights of minority groups against incursions by the majority. This rationale is not responsive to a situation in which the Supreme Court uses heightened scrutiny to destroy valuable civil rights created by the political branches through democratic deliberation. In this circumstance, what is to be feared is a Court employing judicial standards that are inappropriate to evaluating rights designed to promote constitutional values. To prevent the Court from destroying essential civil rights, the doctrine of heightened scrutiny should be abolished and a uniform "rational basis" test should be employed to evaluate statutes enacted to prevent unjust discrimination" (Griffin, 2000:312

Minimum rdinary)

ação governamental razoavelmente (reasonably) relacionada com um interesse público legítimo (legitimate)

classificações sociais e econômicas, facialmente neutra

idade, orientação sexual e deficiência física e mental

6.4 A Suprema Corte e a proteção dos fundamental rights Sendo certo que a liberdade individual é o núcleo do sistema constitucional dos Estados Unidos, para o pensamento constitucional norte-americano, os direitos fundamentais, hodiernamente nomeados de fundamental ou civil rights, são as liberdades mais importantes, configurando-se em valores hierarquicamente superiores. Hall atesta que os juízes da Suprema Corte "[...] definiram direitos fundamentais como aqueles que, sem os quais, não existiria a liberdade ou justiça. Estas são liberdades essenciais para o conceito de liberdade ordenada, inerente à natureza humana e, consequentemente, inalienáveis (Palko v. Connecticut, 1937). Desta forma, estes direitos deveriam prevalecer quando em conflito com a autoridade governamental, ou outras liberdades menos valoradas" (1992:323). (tradução livre)139 Entretanto, a questão que se coloca é como identificar esses direitos na ordem constitucional, visto que, muitas das vezes, a linguagem utilizada na Constituição é bastante vaga, indeterminada e abstrata. Há uma polêmica envolvendo a taxatividade, ou não, do rol desses direitos enumerados na Constituição. Segundo Rios, na enumeração desses direitos, "[...] a jurisprudência da Suprema Corte identifica-os com o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade, tidos como imanentes aos indivíduos e como expressão da evolução da humanidade. Trata-se, na clássica expressão do Justice (Juiz)Cardozo, de limitações ao poder do Estado porquanto "representavam o próprio esquema de liberdade ordenada.,... princípios de justiça tão enraizados nas tradições e consciência de nosso povo de forma a serem considerados fundamentais" (2001:82). (tradução livre)140 Como visto acima, a proteção a ser reconhecida está necessariamente condicionada à forma de tratamento a ser adotada com relação à norma constitucional, isto é, ao debate entre interpretativismo x não-interpretativismo/auto-restrição x ativismo. Em sua obra mais recente - Sovereign Virtue - Ronald Dworkin (2000), um dos vigorosos participantes desse debate, reafirmando sua defesa sobre a leitura moral da constituição (moral reading) desenvolvida em Freedom’s Law (1996), o traduz em outros termos, forjados na dicotomia: história (history) x integridade (integrity). Ao tratar da 14ª Emenda - que dá abrigo às duas mais emblemáticas garantias constitucionais forjadas pela genialidade do constitucionalismo norte-americano: due process of law (devido processo legal) e the equal protection of the laws (princípio da igualdade) - Dworkin formula a inquietante interrogação)? "Como deveriam os juízes decidir quais são as liberdades consideradas pela cláusula do devido processo como básicas, e quais espécies de discriminações a cláusula de igual proteção trata como injusta" (2000:454)? (tradução livre)141 A resposta encontra-se precisamente na adoção de um desses quadros teóricos, informados pela prevalência do valor da história ou do valor da integridade, que, respectivamente, sustentam posições restritivistas e ativistas. O entendimento pela história sustenta argumentos que privilegiam apenas aqueles direitos que estão "profundamente enraizados na história e tradição desta Nação". Dworkin registra que "[...] ansioso/impaciente em restringir o poder dos juízes de se pronunciar em temas morais, insiste que as cláusulas do devido processo (due process) e de igual proteção dão proteção legal à apenas uma limitada lista de direitos que têm sido reconhecidos e aplicados sobre um amplo terreno da história da América pós-Guerra Civil" ( 2000:454). (tradução livre)142 A proteção de um direito pressupõe apenas que o mesmo já tenha sido reconhecido como tal ao longo da história. Não há qualquer preocupação com a justificação racional do mesmo (consistência) dentro do sistema valorativo constitucional; o que se busca é tão-só uma evidência histórica, nada mais. Apenas dessa forma é que se pode reduzir o poder dos juízes, controlar o ativismo judicial, para alargar e expandir direitos constitucionais. Nessa perspectiva, é melhor admitir-se uma certa inconsistência metodológica no reconhecimento de direitos, do que se elaborar uma lista desses direitos (Dworkin, 2000). Justice (O juiz) White (em Bowers v. Hardwick), em manifestação emblemática, resume esta percepção: "Tampouco estamos nós inclinados [...] a adotar uma visão mais expansiva de nossa autoridade para descobrir novos direitos fundamentais ocultos na Cláusula do Devido Processo (Due Process). De outra forma, o Judiciário necessariamente tomaria para si a autoridade superior de governar o país sem expressa autoridade constitucional" (apud Dworkin, 1996:455). (tradução livre)143 Do outro lado, encontra-se a preferência pela integridade. Novamente Dworkin: . [...] a interpretação constitucional é disciplinada, sob a leitura moral, pelo requerimento da integridade constitucional [...] Os juízes podem não interpretar suas convicções a partir da Constituição. Eles podem não interpretar as cláusulas morais (resumidas?) como expressão de qualquer julgamento moral, não importando o quanto este possa significar para eles, ao menos que o considerem, a princípio, consistente com a concepção estrutural da Constituição como um todo e, também, com as linhas predominantes da interpretação constitucional pretérita de outros juízes. Eles devem se considerar parceiros dos demais servidores, do passado e do futuro, os quais, conjuntamente, elaboram uma moralidade constitucional coerente, e devem cuidar para que a sua contribuição se ajuste às demais/ao resto. (Em alguma outra parte, eu já havia dito que os juízes eram como autores que, em conjunto, criam uma espécie de novela em cadeia, na qual cada um escreve um capítulo que, juntamente com os demais, contribui para o sentido da história como um todo.)" (1996:10). (tradução livre)144

139 "[…] have defined fundamental rights to be those without which neither liberty nor justice would exist. They are freedoms essential to the concept of ordered liberty, inherent in human nature, and consequently inalienable (Palko v. Connecticut, 1937). As such, these are rights that should prevail if in conflict with governmental authority or other, less valued, liberties" (1992:323). 140 ‘they represented the very of a scheme of ordered liberty,... principles of justice so rooted in the traditions and consciense of our people as to be ranked fundamental’" (2001:82). 141 :"How should judges decide which liberties the due process clause treats as basic, and what kinds of discriminations the equal protection clause treats as unfair" (2000:454 142 "[...] anxious to restrict the power of judges to adjudicated moral issues, insists that the due process and equal protection clauses give legal protection only to a limited list of rights that have been recognized and enforced over the broad course of America’s post-Civil War history" ( 2000:454). 143 "Nor are we inclined [...] to take a more expansive view of our authority to discover new fundamental rights (e)imbedded in the Due Process Clause. Otherwise, the Judiciary necessarily takes it self further authority to govern the country without express constitutional authority" (apud Dworkin, 1996:455). 144 "[...] constitutional interpretation is disciplined, under the moral reading, by the requirement of constitutional integrity [...] Judges may not read their own convictions into the Constitution. They may not read the abstract moral clauses as expressing any particular moral judgment, no matter how much that judgment appeals to then, unless they find it consistent in principle if (if ?) the structure design of Constitution as a whole, and also with the dominant lines of past constitutional interpretation by other judges. They must

Esse posicionamento, que privilegia a consistência e a coerência metodológicas, consideradas dentro do sistema de valores adotados pela Constituição, não se encontra intimidado pelo ativismo judicial e não reconhece essa ordem de prioridade expressa pela visão do Juiz White. Segundo Dworkin, "O princípio 'julgador' da integridade instrui os juízes a identificar direitos e deveres legais, na medida do possível, presumindo que foram todos criados por um único autor - a comunidade personificada - expressando uma concepção corente de justiça (e eqüidade?)" (1986:225). (tradução livre)145 Portanto, mesmo que um direito constitucional reconhecido a um grupo tiver como pressuposto mais princípios gerais que outro direito constitucional atribuído a outro grupo, este último também deverá ser reconhecido e aplicado (Dworkin, 2000). Em 1961, um juiz de orientação conservadora, chamado John Harlan, formulou uma das defesas mais fortes da posição da integridade. Em Poe v. Ullman, o Juiz Harlan declarou que liberdade protegida pela cláusula do devido processo."não representa/é uma série de pontos isolados... é um continuum racional o qual, falando de maneira ampla, inclui uma liberação de toda imposição arbitrária substancial e de restrições sem propósito" (apud Dworkin, 2000:455). (tradução livre) 146Embora manifesto em voto vencido, Harlan tem sido bastante citado pela Corte em decisões posteriores. 6.4.1 A decisão em Romer v. Evans Na verdade, em Romer v. Evans, o que se discute vai além das diferenças entre a maioria e a minoria, como um simples problema do sistema democrático. Trata-se de discutir uma moralidade sexual e qual a legitimidade da maioria em traduzir sua visão, em termos legais. No transfundo desse debate, há o problema de se atribuir o status normativo à heterossexualidade - impondo um tipo de comportamento sexual como padrão natural. Para Keen e Goldberg: "Alegando representar a maioria, líderes da direita religiosa argumentaram que a homossexualidade seria moralmente errada, violando suas crenças religiosas e que deveria ser proibida e desencorajada. Como minoria, os homossexuais argumentaram que ser homo ou bissexual era tão moral quanto ser heterossexual; que aqueles pertencentes à maioria não tinham o direito a ditar/se intrometer em questões privadas - como a quem se deve amar -, nem privar as pessoas de seus direitos civis com base na sua orientação sexual. Cada um dos lados chamou o outro de 'radical', acusando-o de 'mentiroso(s)'. Um lado descreveu que as questões envolvidas nessa batalha assemelhavam-se a deixar Satã dominar o mundo. O outro lado disse que a base da democracia na América estava sob risco" (2000:2). (tradução livre)147 Em retrospectiva histórica, situando-se a questão, a Corte, em relação a questões de liberdade sexual, reconhece proteção a determinados aspectos da autonomia sexual, sob o manto do direito à privacidade. Os respectivos precedentes são elencados por Hall: "Reconhecido como um direito individual o uso de contraceptivos, nos casos Griswold v. Connecticut (1965) e Eisenstad v. Baird (1972) e mantida a decisão ao direito de uma mulher de escolher entre interromper ou não a sua gravidez, no caso Roe v. Wade (1973)" (1992:411). (tradução livre)148 Entretanto, em matéria de orientação sexual, a jurisprudência não vinha sendo muito generosa. Apesar da litigiosidade crescente das décadas de 70 e 80, esforços para assegurar proteção constitucional mais abrangente não têm sido muito vitoriosos. Inclusive, a postura da Corte, até Romer (1996), poderia se dizer bastante retraída e pouco aberta às questões envolvendo homossexuais. Nessa linha de entendimento, bastante significativa é a decisão de Bowers v. Hardwick, de 1986. A Corte se recusou a interpretar, como inserido na esfera de proteção do direito à privacidade, atividade homossexual consensual entre adultos (maiores), em suas próprias residências. Naquele tempo, vinte e quatro estados, mais o Distrito de Columbia, criminalizavam a sodomia. Por maioria bastante dividida (de cinco a quatro), a Corte entendeu que tais leis se estruturavam em bases razoáveis. Resume Hall que."Em sua opinião majoritária, o juiz Byron White sustenta que o direito à privacidade não conferiu um direito geral à autonomia sexual, limitando-se às questões matrimoniais, familiares e de procriação, concluindo que a atividade homossexual não guardava qualquer conexão com qualquer uma dessas" (1992:411). (tradução livre)149 White declarou também que os homossexuais não têm, nem mesmo em princípio, um direito constitucional violado pelo Estado, quando tipifica como crime qualquer atividade homossexual . Assim, para Dworkin (2000), de Bowers se extrai o princípio de que é permitido ao Poder Público proibir a liberdade de escolha do comportamento sexual privado, mesmo se tal comportamento não trouxer qualquer prejuízo para quem quer que seja, desde que essa condenação expresse moralidade popular. O posicionamento acima descrito, no entanto, era a orientação que prevalecia até recentemente. Em 26 de junho de 2003, no caso Lawrence and Garner v. Texas, a Suprema Corte, por maioria de seis a três, derrubou o entendimento, fixado há dezessete anos em Bowers, de que os estados poderiam punir os homossexuais por sua conduta historicamente conhecida como "desvio sexual". A decisão da Corte respalda-se numa visão reformulada da extensão do direito à privacidade e o seu impacto se propaga para além do Texas, alcançando todos os estados (no total de doze) que ainda mantém vigente legislação que pune a sodomia. Retomando Romer, em função do quadro jurisprudencial que a Corte Suprema vinha adotando sobre a questão da homossexualidade, tudo indicava que a Emenda 2 seria mantida. Por quê? Dworkin responde. Quanto à questão do devido processo legal:

regard themselves as partners with others officials, past and future, who together elaborate a coherent constitutional morality, and they must take care to see that what they contribute fits with the rest. (I have elsewhere said the judges are like authors jointly creating a chain novel in which each writes a chapter that makes sense as part of the story as a whole.)" (1996:10) 145 "The adjudicative principle of integrity instructs judges to identify legal rights and duties, so far as possible, on the assumption that they were created by a single author - the community personified - expressing a coherent conception of justice and fairness" (1986:225). 146 "is not a series of isolated points... it is a rational continuum which, broadly speaking, includes a freedom from all substantial arbitrary imposition and purposeless restraints" (apud Dworkin, 2000:455) 147 "Claiming to represent the majority, leaders of the religious right argued that homosexuality was morally wrong, violated their religious beliefs, and should be prohibited and discouraged. As the minority, gay people argued that being homosexual or bisexual was as moral as being heterosexual; that those in the majority did not have the right to dictate such private matters as whom to love, nor to deprive people of civil rights based on their sexual orientation. Each side called the other "radical," and each accused the other of being "liars." One side described the stakes in this struggle as akin to letting Satan take over the world. The other side said the foundation of American democracy was in jeopardy"(2000:2). 148 "It has recognized an individual’s right to use contraceptives in Griswold v. Connecticut (1965) and Eisenstad v. Baird (1972) and upheld and (a ?) woman’s right to decide whether or not to terminate her pregnancy in Roe v. Wade (1973)" (1992:411). 149 "In his majority opinion, Justice Byron White maintained that the right to privacy did not confer a general right to sexual autonomy but was limited to questions of marriage, family, and procreation, concluding that homosexual activity bore no connection to any of those" (1992:411)

"Precisamos de algum estudo histórico doutrinário/alguma história/algum caso doutrinário para compreender porque os advogados duvidavam que a Suprema Corte manteria/sustentaria que a Emenda nº 2 violava a Cláusula do Devido Processo/Due Process. Quando litigantes desafiam alguma lei com base nesta cláusula, os juízes, caracteristicamente, decidem (aquele desafio) fazendo dois questionamentos. Primeiro, se a lei compromete um interesse de liberdade, ou seja, se é um direito que a Consitutição, em princípio, protege contra a ação do E/estado. Segundo - caso esta resposta seja afirmativa -, são os propósitos e os efeitos do estatuto tão importantes que eles, não obstante, justificam a intromissão do Estado no interesse daquela liberdade? A primeira pergunta divide as porções/partes da história e da integridade da forma como descrevi: a primeira insiste em afirmar que os direitos constitucionais estão limitados, mesmo em princípio, aos direitos concretos estabelecidos na história (no caso?), ao passo que a outra/seguinte insiste em afirmar que esses direitos também incluem direitos até agora não-reconhecidos, que se seguiriam a princípios que justificam aqueles historicamente reconhecidos. A segunda questão, a qual somente se planteia/coloca caso se decida que a lei compromete um direito constitucional, requer equilíbrio. Uma corte deve avaliar a força/o poder daquele direito e considerar se os alegados interesses do Estado/estado são fortes o suficiente para justificar o comprometimento de um direito com aquela dimensão/aquela força/aquele poder/" (Dworkin, 2000:457). (tradução livre)150 Se considerado o precedente fixado em Bowers, conforme posição prevalente do Juiz White, seria insustentável argumentar que os homossexuais teriam um direito constitucional que lhes protegeria da séria desvantagem criada pela Emenda 2 que, a seu turno, simplesmente lhes negava a possibilidade de obterem legislação que lhes fosse favorável. A tese da Equal Protection Clause, porém, pareceria mais promissora porque a norma constitucional derivada negava aos homossexuais uma oportunidade política aberta para todos os outros grupos de pessoas, isto é, a possibilidade de assegurar a produção de legislação local que lhes protegesse seus interesses básicos. Entretanto, mais uma vez os precedentes não eram animadores. Conforme visto anteriormente, para configurar a violação seria necessário à Corte reconhecer os homossexuais como categoria suspeita ou semi-suspeita (suspect ou quasi-suspect) a fim de exigir um escrutínio mais rígido (strict ou intermediate scrutiny). E a tendência da Corte, em atribuir a outros grupos (além dos já admitidos) a qualidade de inteira (suspect) ou parcialmente (quasi-suspect) suspeita, é bastante restritiva. Diante desse quadro, como então se posicionaria a Suprema Corte? Em maio de 1996, o tão esperado veredicto da Corte foi apresentado, sendo o relator do processo Justice (juiz)Anthony Kennedy, que, por maioria (de seis votos), declarou a inconstitucionalidade da Emenda 2, com base em parecer fornecido por uma comissão de notáveis, na qualidade de amici curiae, que contornava os impasses teóricos acima formulados. O parecer, engenhosamente centrado no problema de extensão da Emenda 2, sustenta que uma determinação constitucional estadual violaria a cláusula da Equal Protection sempre e quando proibisse a edição de legislação que pudesse proteger qualquer grupo de cidadãos contra qualquer tipo de discriminação. Por outro lado, deixa a desejar no que diz respeito, especificamente, ao tema dos preconceitos e das discriminações, pois, no parecer, nada se diz sobre os homossexuais serem considerados uma classe suspeita. O parecer não reconhece, expressamente, a inconstitucionalidade de uma lei que estabeleça certa restrição (discriminação), a uma minoria em particular, por conta de determinado interesse a ser protegido. Assim, seria, em tese, sustentável a constitucionalidade de uma norma constitucional que viesse a proibir certa forma de proteção aos locatários, como, por exemplo, uma legislação que vedasse a edição de regras de controle das relações locatícias. Nessa linha, Dworkin (2000) acrescenta que, por paridade de raciocínio, não seria, de per se, uma violação se uma constituição estadual proibisse a edição de uma única forma de legislação antidiscriminação, como, por exemplo, leis locais que impeçam a discriminação de homossexuais quando da contratação profissional, ou ainda, na admissão em hospitais. Nesse sentido, "Podemos estar tentados a dizer que estas são questões muito diferentes: uma provisão que proíba o controle dos aluguéis pode expressar uma teoria econômica, ao tempo em que uma que proíba uma específica e limitada forma de ajuda aos homossexuais estaria simplesmente expressando preconceito" (2000:463). (tradução livre)151 O parecer, todavia, foi muito cuidadoso na construção de sua tese, pois o reconhecimento de que as situações acima seriam diferentes seria o mesmo que reconhecer que os homossexuais são uma classe suspeita - o que rejeitaria toda a construção pretoriana da Suprema Corte a esse respeito. Ou ainda, como adverte Dworkin (2000), seria afirmar o direito de as pessoas se verem livres de qualquer legislação baseada em preconceitos. Embora tenha decidido, em linhas gerais, no sentido do parecer, a Corte vai mais além do que nele foi exposto, para analisar a razoabilidade do discrímen adotado - ainda que pelo prisma dos direitos homossexuais, tenha se manifestado de forma insatisfatória e insuficiente. Recorre-se, outra vez, a Dworkin: "Kennedy enfatizou [...] que a Emenda nº 2 era, na íntegra, uma novidade pela clara abrangência de seu potencial dano aos homossexuais, privando-os de qualquer oportunidade possível para assegurar-lhes proteção, exceto pela emenda constitucional contra qualquer forma de discriminação, não importando o quão prejudicial ou equivocada. Mas, talvez compreendendo as limitações do argumento, ele alegou - de forma ainda mais ampla e, potencialmente, mais reformadora - que a Emenda nº 2 viola mesmo a mais frouxa forma de exame sob a doutrina da igual proteção, porque nem mesmo justificável/racional/razoável. 'No caso ordinário' disse Kennedy, 'uma lei se sustentará quando se puder dizer que avança um legítimo interesse do governo, ainda que possa parecer imprudente ou que atue em função de desfavorecimento de um grupo em particular, ou se a justificativa para isso parecer tênue.' Mas, ele disse, 'a ampla transparência da Emenda nº 2 é tão descontínua pelas razões oferecidas que ela parece inexplicável por qualquer motivo senão o animus de atingir a classe que a concerne; falta-lhe uma relação justificável/racional/razoável para legitimar interesses do E/estado". (2000:463-4). (tradução livre)152

150 "We need some doctrinal history to understand why lawyers doubted that the Supreme Court would hold that Amendment 2 violated the due process clause. When litigants challenge some law on due process grounds, judges characteristically rule on that challenge by asking two questions. First, does the law compromise a ‘liberty interest’-that is, a right that the Constitution in principle protects from state action? Second, if so, are the purposes and effects of the statute so important that they nevertheless justify a state’s invading that liberty interest? The first question divides the parties of history and integrity in the way I described: the former insists that constitutional rights are limited, even in principle, to the concrete rights established in history, while the latter insists that such rights also include as-yet-unrecognized rights that would follow from principles that justify the historically recognized ones. The second question, which arises only if it is decided that the law does compromise a constitutional right, requires a balance. A court must assess the strength of that right and consider whether the state’s alleged interests are sufficiently strong to justify compromising a right of that strength" (Dworkin, 2000:457). 151 "We might be tempted to say that these are very different matters: a provision forbidding rent control might express an economic theory, while one forbidding even a specific and limited form of help to homosexuals would express only bias" ( 2000:463). 152 "[Kennedy] emphasized [...], that Amendment 2 was wholly novel in the sheer breadth of the potential damage it worked on homosexuals, by depriving them any possible opportunity to secure protection, except by constitutional amendment, against any form of discrimination no matter how harmful or wrongful. But perhaps understanding the limitations of the argument, he also made a much broader and potentially more reforming claim. He said that Amendment 2 violates even the most relaxed form of scrutiny under equal protection doctrine, because it is not even rational. ‘In the ordinary case’, Kennedy said, ‘a law will be sustained if it can be said to advance a legitimate government interest, even if the law seems unwise or works to the disadvantaged of a particular group, or if the rationale for it seems tenuous.’ But, he said, ‘[Amendment 2’s] sheer breadth is

Para o professor em comento, essa afirmação é essencial porque contradiz a espinha dorsal da linha argumentativa desenvolvida em Bowers e acena com uma possibilidade de fixação de novos paradigmas para a Corte. "White [...] declarou que era legítimo para um (E)estado impor uma desvantagem sobre um grupo particular apenas para expressar o desprezo/desdém moral da maioria pelas práticas daquele grupo, mesmo quando nenhum outro propósito adequado, como a proteção dos interesses de segurança econômica de alguém, esteja contemplado. Kennedy, na passagem recém citada, .?.?. não legítimo. É verdade que White falou em termos de desaprovação moral e Kennedy em termos de 'animus' mas, neste contexto, não pode haver diferenças no significado destas palavras" (Dworkin, 2000:464). (tradução livre)153 Ao descrever a ratio legis como calcada na animosidade, e declarando por conseguinte, ilegítima, para Dworkin (2000), Kennedy recupera o julgamento original proferido por Bayless e retira o aguilhão de Bowers sem sequer mencioná-lo. 6.4.2 Os prognósticos da Suprema Corte para a questão dos direitos dos homossexuais a partir de Romer v. Evans O caso sob comento, para Dubnoff (1997), envolve aspectos que ultrapassam os direitos civis dos homossexuais, integrando um debate maior sobre o papel da religião e dos valores familiares no processo político. Tal qual o aborto, o debate envolvendo os direitos gays deságua no que o autor denomina de feudos políticos parciais ("partisan political feuds") que circunscrevem o debate político norte-americano, polarizado entre republicanos e democratas e que dimensiona os limites e a extensão da tutela da ordem jurídica sobre a vida das pessoas. Para Dworkin, ela também é bastante significativa sob o aspecto da percepção e da compreensão do Direito, visto que lança bases metodológicas sobre a forma de a Corte interpretar e aplicar a Constituição. "A maioria, no caso Romer v. Evans, pode ter feito mais do que, simplesmente, ignorar Bowers: eles começaram o processo de isolamento para, finalmente, invalidar/denegar tudo de uma só vez, um evento que teria um enorme impacto não apenas nas liberdades civis dos homossexuais mas na teoria constitucional de uma forma geral. [...] Durante os dez anos a sua decisão, o caso Bowers - 'vedete' da (parte da/partido???) história - tem sido frequentemente condenado por acadêmicos e comentaristas por sua visão estreita do que é e o que faz uma sociedade livre. A decisão se deu por cinco a quatro/'cinco votos a favor e quatro contra' e o Juiz Powell, que reverteu o equilíbrio, disse, após se aposentar, que aquele voto foi o pior equívoco de sua carreira. A juíza O'Conner, outro membro daquela apertada/estreita/escassa/magra maioria, filiou-se à opinião de Kennedy, o que pode sugerir que ela, também, mudou a sua percepção/compreensão/idéia. Talvez o caso Bowers conquistasse apenas três votos se fosse apreciado/desafiado agora/hoje: os Juízes Scalia e Rehnquist, os quais eram membros originários da maioria naquele caso, e Thomas, que se juntou ao voto discordante de Scalia no caso Romer v. Evans. De qualquer forma, aquela decisão foi uma vitória para o/a partido/parte (?) da integridade e pela convicção de que a igualdade é um princípio não apenas de justiça, mas do direito constitucional também" (Dworkin, 2000:464-5). (tradução livre)154 Para o objeto de estudo proposto, porém, interessa mais de perto, suas derivações para a discussão em torno dos direitos dos homossexuais. Com efeito, a decisão da Suprema Corte em Romer não pacificou a polêmica sobre a proteção dos direitos homossexuais. Aliás, de certa forma, alimentou os debates em torno do tema, já que, de fato, não assumiu nenhuma posição radical que pudesse ser vista como significativa para a luta contra a homofobia. Inclusive, as avaliações formuladas sobre a decisão, pelos juristas norteamericanos, são variadas. Dubnoff, por exemplo, embora reconheça algumas deficiências argumentativas no entendimento da Corte, afirma o acerto da decisão, em função de seu resultado final. "A decisão da Suprema Corte no caso Romer v. Evans foi correta em seu resultado final. A Corte agiu claramente dentro da tradição de manter justo o sistema político. A Emenda nº 2, deliberadamente, distinguiu gays, lésbicas e bissexuais desconsiderando a sua conduta/comportamento (verdadeira), colocando-os em desvantagem na obtenção de benefícios na/da sociedade que outros cidadãos têm como garantidos. Ela foi corretamente anulada porque negava aos homossexuais a igual/mesma proteção de leis garantidas pela Constituição. O caso Romer poderia ter sido mais convincentemente argumentado, entretanto, seja através da provisão de mais apoio explícito para o emprego do ressaltado/salientado teste de base racional, ou através do uso de um padrão de exame/revisão baseado nos direitos fundamentais. Não apenas estaria a Corte melhor capacitada a defender sua posição contra ataques legais, tais como aqueles levantados pelo Juiz Scalia em seu voto divergente mas, ao mesmo tempo, estaria melhor imunizada contra o criticismo público. Neste caso, politicamente importante e 'high-profile', era particularmente importante que o público não saísse com a noção/impressão de que uma emenda - a qual pretendia apenas barrar/proibir 'direitos especiais' e 'preferências', e que havia sido votada diretamente pelo povo do Colorado, através de um referendum - estivesse sendo bloqueada por uma corte elitista que promovia as suas próprias visões de políticas. No mínimo, o Juiz Kennedy deveria ter confrontado mais diretamente o argumento de 'diretos especiais', em termos mais facilmente compreensíveis pelo público e pela mídia" (Dubnoff, 1997:321-322). (tradução livre)155

so discontinuous with reasons offered for it that amendment seems inexplicable by anything except animus toward the class that it affects; it lacks a rational relationship to legitimate state interests" (2000:463-4). 153 "White [...] declared that is was legitimate for a state to impose a disadvantage on a particular group just to express the majority’s moral contempt for that group’s practices, even when no other proper purpose, such as protecting anyone’s economic security interests, is served. Kennedy, in the passage just quoted, said that this (verb ???) not legitimate. It is true that White spoke in terms of moral disapproval and Kennedy in terms of ‘animus’. But there can be no difference in what these words mean in this context" (Dworkin, 2000:464). 154 "The majority in Romer v. Evans may have done more than simply ignore Bowers: they have begun the process of isolating and finally overruling it altogether, an event that would have an enormous impact nor only on the civil liberties of homosexuals but on constitutional theory generally.[…] In its ten-year life, Bowers, the flagship decision of the party of history, has frequently been damned by scholars and commentators for its cramped view of what a free society is and does. It was a five-to-four decision, and Justice Powell, who tipped the balance, said after his retirement that (h) is vote was the worst mistake of his career. Justice O’Conne (o ?) r, another member of that slim majority, joined Kennedy’s opinion in Romer, which may suggest that she, too, has changed her mind. Perhaps Bowers would win only three votes if it were directly challenged now: Justice Scalia and Rehnquist, who were also members of the original Bowers majority; and Thomas, who joined in Scalia’s dissent in Romer v. Evans. In any case, that decision was a victory for the party of integrity, and for the conviction that equality is a principle nor only of justice but constitutional law as well" (Dworkin, 2000:464-5). 155 "The Supreme Court's decision in Romer v. Evans was correct in its outcome. The Court acted clearly within the tradition of keeping the political system fair. Amendment 2 deliberately singled out gays, lesbians and bisexuals regardless of their actual conduct, and placed them at a disadvantage in obtaining the benefits of society that other citizens take for granted. It was correctly overturned because it denied homosexuals the equal protection of the laws guaranteed by the Constitution. Romer could have been argued more convincingly, however, either by providing more explicit support for the use of the enhanced rational basis test or by using a standard of review based upon fundamental rights. Not only would the Court have been better able to defend its holding against legal attacks, such as those raised by Justice Scalia in the dissent, but it also would have been better immunized from public criticism. In this high-profile and politically important case, it was particularly important that the public (did ?) not come away with the notion that an amendment which purported only to bar "special rights" and "preferences," and which had been voted on directly by the people of Colorado in a referendum, was then blocked by

Dworkin parece assumir uma posição intermediária em relação à decisão. Para o autor, a Corte não deixou os homossexuais em posição de proteção confortável, perante a claúsula da igualdade, pois ainda lhes cabe provar, nos casos de legislação que lhes cause prejuízo, a ausência de interesse público legítimo. O sucesso desse ônus, porém, fica condicionado ao tipo de prejuízo discutido. Segundo Dworkin, ."Kennedy não colocou os homossexuais em uma posição tão segura como a que eles desfrutariam se lhes fosse atribuída uma classe suspeita ou 'assemelhada' à suspeita. A eles cabe o ônus da prova em demonstrar que um julgado em particular, ou uma lei que os prejudica, não serve a um propósito legítimo, senão à ilegítima expressão de animus, e eles podem considerar aquele ônus difícil de sustentar em muitos casos - desafiando a oposição militar em manter (em suas dependências) soldados homossexuais, por exemplo. Mas, provavelmente, eles não considerariam difícil demonstrar que a criminalização categórica de toda a forma de sexo homossexual não serve a qualquer propósito além daquele ilegítimo" (2000:464). (tradução livre)156 Ora, se é bem verdade que objetivamente, no caso em concreto, Romer impediu um retrocesso nos avanços normativos que já asseguram proteção aos homossexuais contra a discriminação, a decisão sequer atendeu por inteiro às reivindicações homossexuais, ou mesmo, estabeleceu para o futuro uma rede maior de proteção. Entre as reivindicações, encontra-se o reconhecimento jurisprudencial de que a orientação sexual é um dos discrímens que integra a categoria de discriminação odiosa, reconhecendo-se os homossexuais como "suspect class" (classe suspeita). Currah (1995) admite que o conjunto de precedentes, no que tange à identificação de uma minoria como classe suspeita, tem evoluído da exigência de características naturais imutáveis, para características que foram escolhidas pela parte. Existe aí um forte elemento volitivo que funcionaria como uma barreira para a identificação de um grupo como classe suspeita. No que toca aos homossexuais, a problemática se agrava. Para além do caráter reducionista do critério não-volitivo, tem prevalecido, entre as cortes, a idéia de que, se a homossexualidade não é nem socialmente, nem naturalmente determinada, ela é, ao menos, em certo grau, resultado de uma escolha /. Para Ruthann Robson: "As marcas de uma classe suspeita são... derivadas das noções legais de raça. Tradicionalmente, uma classe suspeita deve ser uma minoria que, historicamente, tem sido discriminada e continua a ser relativamente desprovida de poder político, possuindo os seus membros identificáveis características imutáveis. Embora alguns desses critérios, certamente, não sejam absolutos, os argumentos de que lésbicas se enquadrariam em uma classe suspeita baseada na orientação sexual devem ser trabalhados dentro de marcas tradicionais. O fator mais incômodo é a característica identificável imutável. Discussões acerca da aplicabilidade deste fator levam a debates quanto a saber se o lesbianismo seria uma identidade ou uma atividade. Para efeitos de proteção legal, deve ser uma identidade, e relativamente imutável" (apud Miller, 1998:16). (tradução livre)157 Na verdade, para Dubnoff, a opção da Corte em não enfrentar abertamente o problema da classificação suspeita foi proposital. "Ao mesmo tempo, é importante lembrar que qualquer dano político causado a Corte pelo caso Romer é, provavelmente, limitado. A ação da Corte, ao invalidar o referendum dos cidadãos, ainda demonstra apoio a uma forma de regra da maioria. Tampouco avançou além da forma como a maioria dos americanos acredita que gays, lésbicas e bissexuais devam ser tratados. ... Romer também foi uma decisão apertada, a despeito do amplo alcance da emenda que foi derrubada. Especificamente, a Corte foi aconselhada por apoiadores/defensores dos direitos homossexuais a declarar a orientação sexual como uma classificação suspeita, embora não o tenha feito. Caso este curso/rumo houvesse sido tomado, a sua decisão teria sido 'mais clara - e mais controversa', acabando por se inocular diretamente com temas 'sociais' tão emocional e politicamente carregados, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A Corte pode bem ter desejado evitar tal controvérsia, pelo menos no presente" (Dubnoff, 1997:321-322) (tradução livre)158 De certa forma, a recusa implícita em reconhecê-los como uma classe suspeita, perpetua uma situação de fragilidade e debilidade que os grupos gays enfrentam, visto que, muitas vezes, se vêem tratados como cidadãos de segunda classe. E revela os percalços da Equal Protection Clause (Cláusula de Igual Proteção) que se vê encurralada nos limites das classificações suspeitas e dos três níveis de escrutínios - o que não significa dizer que os homossexuais nunca poderão receber proteção judicial com base na violação do princípio da igualdade (tal é possível como regula Romer). A propósito, Gerstmann: "Isso não quer dizer que gays e lésbicas não podem jamais conquistar um caso de igual proteção. O caso Romer diz que sim. O argumento é que eles apenas podem obter êxito se apelarem à compaixão e intuição judicial quanto à imparcialidade e não por invocar qualquer princípio legal coerente. A doutrina da igual proteção se tornou tão amorfa e cheia de contradições e ambigüidades que resulta impossível para gays e lésbicas apelar a qualquer padrão legal para protegê-los da discriminação. Se uma lei discrimina contra minorias raciais, o padrão é claro: a lei será derrubada, ao menos que seja estreitamente talhada para promover um interesse governamental obrigatório. Se uma lei discrimina contra mulheres, ela será derrubada, ao menos que sirva a importantes objetivos governamentais e esteja substancialmente relacionada à obtenção destes objetivos.

an elitist Court promoting its own policy views. At the least, Justice Kennedy should have confronted the "special rights" argument more directly, in terms more easily understood by the public and by the news media" (Dubnoff, 1997:321-322). 156 "Kennedy did not put homosexuals in as secure a position as they would enjoy if they were designated a suspect or quasi-suspect class. They have the burden of proof in showing that particular rule or law that harms them serves no legitimate purpose, but only the illegitimate one of expressing ‘animus’, and they might find that burden difficult to sustain in many cases - in challenging the military’s opposition to retaining openly homosexual soldiers, for example. But they would presumably not find it difficult to show that the outright criminalization of all homosexual sex serves no purpose beyond that illegitimate one" (2000:464) 157 "The hallmarks of a suspect class are… derived from legal notions of race. Traditionally, a suspect class must be a minority that has been historically discriminated against and continues to be relatively politically powerless, and its members must possess immutable characteristics that are identifiable. Although these criteria are certainly not absolute, arguments that lesbians are within a suspect class based on sexual orientation must work within the traditional hallmarks. The most troublesome factor is the immutable identifiable characteristic. Discussions of the applicability of this factor lead to debates whether lesbianism is an identity or an activity. For legal protection, it must be an identity, and a relatively unchanging one" (apud Miller, 1998:16). 158 "At the same time, it is important to remember that any political damage to the Court caused by Romer is likely to be limited. The Court's action, while invalidating a citizen referendum, still showed support for a form of majority rule. It also did not step beyond how most Americans believe that gays, lesbians and bisexuals should be treated. n297 ( ???) Romer was also a narrow decision, despite the broad reach of the amendment which was struck down. Specifically, the Court was urged by gay-rights supporters to declare sexual orientation to be a suspect classification, and it did not do so. If it had taken this course, its decision would have been "clearer - and more controversial," and would have resulted in its injecting itself directly into such emotional and politically charged "social" issues as single-sex marriage. The Court may well have wished to avoid such controversy, at least for the present" (Dubnoff, 1997:321-322)

Mas gays e lésbicas não podem confiar nestes claros padrões legais. Para eles, bem como outros grupos na base da hierarquia de igual proteção, a lei se tornou tão malformada que não constitui qualquer exagero se afirmar que, ali, não há, literalmente, qualquer lei" (1999: 8-9). (tradução livre)159 Evidenciando as fragilidades de uma argumentação que se apóia na cláusula igualdade, abre-se espaço para se indagar sobre a conveniência da adoção desse fundamento e ainda para a investigação de um outro suporte argumentativo que pudesse melhor se ajustar à proteção dos homossexuais e seus direitos. Por exemplo, Miller sustenta que ."Argumentos para os direitos de gays e lésbicas estariam bem servidos se dispendessem menos energia em estabelecer reivindicações quanto à imutabilidade da orientação sexual [o que facilitaria uma caracterização dos homossexuais como classe suspeita] e dirigissem maior esforço quanto à desafiar preconceitos/prejulgados heterosexistas e temores homofóbicos. Agindo assim, tornamo-nos familiares com/liberamos as categorias através das quais somos vistos e expandimos os horizontes dentro dos quais estamos capacitados a nos enxergar" (1998:138). (tradução livre)160 Para Keen e Goldberg, inclusive, a opinião majoritária em Romer não se presta a educar as pessoas para superar os preconceitos ou as informações incorretas sobre os homossexuais; nem mesmo oferece explicação definitiva sobre quem são os homossexuais (aliás, a decisão sequer adentra essa delicada questão). Inclusive, para as autoras, talvez seja mais prudente que tal questão reste em aberto, como a seguir se manifestam: ."O princípio central da decisão deveria, em teoria, representar o fim a toda discriminação anti-homossexual da parte do governo pois, argumentam os defensores/advogados de gays e lésbicas, não há outra razão que não o desagrado ou a desaprovação em relação aos homossexuais, diferentemente daqueles (em relação aos) nãohomossexuais/heterossexuais. Entretanto, o caso Romer, provavelmente, não será uma panacéia para todos; muitos juízes continuam a expressar/manter visões profundamente induzidas/preconcebidas/preconceituosas a respeito de gays e lésbicas, e outros juízes, a quem faltam informações sobre homossexuais, baseiam seus julgamentos/decisões em medos/receios e mitos não questionados. Também, particularmente, nos contextos militar e do casamento, knee jerk ("puxão de joelho"???), e não (o simples) razoamento, frequentemente controlam os resultados, seja nas cortes ou nas legislaturas" (Keen e Goldberg, 2000:240). (tradução livre)161 E Miller, numa avaliação também cautelosa, reconhece os limites da luta por direitos, afirmando que o reconhecimento deles não é a certeza de que todos os problemas vivenciados pelos homossexuais serão resolvidos, mas é apenas um precedente para se invocar. Paradoxalmente, sua negação alimenta a homofobia. "Perdas, ao contrário/por contraste, podem ter um amplo impacto naqueles não envolvidos na ação legal. A denegação de direitos dá licença/como que autoriza a cultura da homofobia. Legitimiza formas de discriminbação que variam de uma forma relativamente passiva (e.g. a recusa à hospedagem) à uma outra, violentamente agressiva. Em contraste, a concessão de direitos, ao mesmo tempo que motivo de comemoração, não necessariamente sustenta a promessa de ampla disseminação pois, quando direitos são concedidos a um querelante específico, estes não serão extensíveis a todos os homossexuais. Apenas significa que outros homossexuais os quais tiverem seus direitos negados e desejarem (bem como tiverem os meios - econômicos??? - para isso) perseguir uma ação legal poderão ter um precedente no qual se basear" (Miller, 1995:146). (tradução livre)162 Por fim, embora reconheça as limitações do princípio da igualdade, Bamforth sustenta que o mesmo ainda pode ser de alguma utilidade para a luta por direitos dos homossexuais. Invocando Raz, diz que há dois papéis a serem desempenhados: um de natureza política e outro de natureza analítica. "Primeiro, como Joseph Raz implicitamente reconhece, a invocação da igualdade não é um problema na medida em que for utilizada e vista, puramente, como uma próspera retórica que sustenta uma justificação independente coerente, ao invés de uma justificação em seu próprio direito. Em relação a apelos à igualdade: estes têm, claramente, forte apelo político nas modernas sociedades ocidentais, não havendo dano em recorrer à igualdade - como apelos aos direitos de gays e lésbicas - como um slogan de campanha, na medida em que fique claro que não é nada mais que isso. Segundo, se uma justificação independente de reforma de lei for exitosa, é provável que produza alguma espécie de igualdade, dado que a igualdade é compreendida como um frouxo rótulo estatístico que rudemente descreve um resulto final desejável (no mesmo sentido

159 "This is not to say that gays and lesbians can never win an equal protection case. Romer shows that they can. The argument is that they can win only by appealing to judicial sympathy and intuitions about fairness rather than by invoking any coherent legal principle. Equal protection doctrine has become so amorphous and so full of contradictions and ambiguities that it is impossible for gays and lesbians to appeal to any legal standard to protect them from discrimination. If a law discriminates against racial minorities, the standard is clear: the law will be struck down unless it is narrowly tailored to further a compelling governmental interest. If a law discriminates against women, it will be struck down unless it serves important governmental objectives and is substantially related to the achievement of those objectives. But gays and lesbians cannot rely on such clear legal standards. For gays and lesbians and for other groups at the bottom of the equal protection hierarchy, the law has become so malformed that it is no exaggeration to say that there is literally no actual law there" (1999: 8-9).

160 "Arguments for gay and lesbian rights would be well served by expending less energy on establishing claims about the immutability of sexual orientation [o que facilitaria uma caracterização dos homossexuais como classe suspeita] and directing greater effort toward challenging heterosexist biases and homophobic fears. In doing so, we open up the categories through which others see us and broaden the horizons within which we are able to view ourselves" (1998:138) 161 "The decision´s core principle should, in theory, mean the end to all antigay discrimination by government because, lesbian and gay rights advocates argue, there is no reason other than dislike or disapproval of gay people differently from nongay people. However, Romer will not likely be such an across-the-board panacea; many judges continue to hold deeply biased views about lesbian and gay men, and other judges, who lack information about gay people, base their ruling on unquestioned fears and myths. Also, particularly, in the contexts of the military and marriage, knee-jerk rather than rational reasoning frequently control outcomes both in courts and in legislatures"(Keen e Goldberg, 2000:240) 162 "Losses, in contrast, may have widespread impact even on those not involved in legal action. The denial of rights gives license to homophobia culture-wide. It legitimizes forms of discrimination that range from the relatively passive (e.g., the refusal of housing) to the violently aggressive. In contrast, the granting of rights, while certainly a cause for celebration, does not necessarily hold the promise of widespread dissemination. This is the case because when rights are granted to a specific plaintiff, it does not mean they will be available to all gays and lesbians. It means only that other gays and lesbians who are denied rights and wish to (and have the means to) pursue legal action may have a precedent on which to draw" (Miller, 1995:146).

em que membros, ou uma sociedade, podem ser frouxamente descritos como 'felizes' ou 'amigáveis'), ao invés de uma justificação que nos conduza àquela posição" (Bamforth, 1997:257). (tradução livre)163 Neste capítulo, buscou-se densificar o discurso de direitos, mergulhando-se no plano jurisdicional. Para tanto, analisou-se a decisão da Suprema Corte Norte-Americana, proferida no caso Romer v. Evans, no qual foi discutida a extensão da proteção a ser dada, pela ordem jurídica, contra a discriminação baseada em fatores de orientação sexual. Ressaltou-se, na análise, o caráter dúbio da decisão, para a luta por direitos dos homossexuais, visto que, ao mesmo tempo em se afasta, em tese, a produção e a aplicação de normatividade discriminatória contra os homossexuais, a Corte não os reconheceu como uma classe suspeita - o que dificulta impugnações futuras de normas violadoras dos direitos dos gays, com base na Equal Protection Clause. Evidenciaram-se, desta forma, algumas fragilidades do princípio da igualdade, como fundamento de proteção da minoria gay e sua insuficiência em dar-lhe ampla proteção. No próximo capítulo completa-se o percurso de densificação do discurso de direitos, na esfera do Poder Judiciário, ao analisar-se uma decisão brasileira. Trata-se da Ação Civil Pública no. 2000.71.00.009347-0, na qual se discute a possibilidade de casais homossexuais serem titulares de benefícios previdenciários reconhecidos a casais heterossexuais cuja relação seja oficialmente formalizada (casamento) ou que vivam em união de fato/estável.

"Benjamin sentiu um nariz se aconchegando em seu ombro. Ele olhou em volta. Era Clover. Seus velhos olhos pareceram mais apagados que nunca. Sem nada dizer, ela deu um suave puxão em sua crina e o conduziu ao final do grande celeiro, onde os Sete Mandamentos estavam escritos. Por um minuto ou dois, eles se detiveram olhando a parede pichada com letra branca. 'MInha vista está falhando' ela disse. 'Mesmo quando era jovem eu não conseguia ler o que aqui estava escrito. Mas me parece que as paredes estão diferentes. Benjamin, os Sete Mandamentos continuam os mesmos de sempre?' Pela primeira vez, Benjamin concordou em quebrar a sua regra e leu para ela, em voz alta, o que ali estava escrito. Nada havia ali agora, exceto um único mandamento que dizia: 'TODOS OS ANIMAIS SÃO IGUAIS, MAS ALGUNS SÃO MAIS IGUAIS QUE OUTROS" A Fazenda dos Bichos, George Orwell

163 "First, as Joseph Raz implicitly acknowledges, the invocation of equality is not a problem so long as it is used and seen as a purely rhetorical flourish which backs up a coherent independent justification, rather than as a justification in its own right. For appeals to ‘equality’: clearly have strong political appeal in modern western societies, and there is no harm in using equality - like appeals to 'lesbian and gay rights' - as a campaigning slogan, so long as it is made clear that it is no more than that. Second, if an independent law reform justification works successfully, it is likely to produce some sort of equality, provided that equality' is understood as a loose, statistical label which roughly describes a desirable end-result (in the same sense that members or a society can be loosely described as 'happy' or 'friendly'), rather than as the justification getting us to that position" (Bamforth, 1997:257).

O tratamento jurisdicional da homossexualidade: um estudo da Ação Civil Pública no. 2000.71.00.009347-0 7.1 A Ação Civil Pública 2000.71.00.009347-0. 7.1.1 Quadros sistemáticos sobre as decisões proferidas no processo 7.2 A dimensão processual do caso 7.2.1 A ação civil pública como garantia de direitos: o veículo processual manejado 7.2.2 O papel do Ministério Público e sua legitimidade: a caracterização dos interesses metaindividuais. 7.2.2.1 Os interesses metaindividuais. 7.2.2.2 A legitimidade do Ministério Público. 7.2.3 A problemática da extensão dos efeitos da decisão judicial. 7.2.4 A articulação em juízo das teses sustentadas 7.3 A dimensão material do caso. 7.3.1 A pretensão autoral e sua fundamentação 7.3.2 A decisão judicial e sua fundamentação. 7.4 O exercício jurisdicional e as implicações teóricas da decisão. 7.5. A Justiça e os homossexuais: um mar de rosas? 7.5.1 Quadro sobre os pontos de convergência entre o caso Romer v. Evans e a Ação Civil Pública no. 2000.71.00.009347-0 Com o presente capítulo encerra-se a investigação da projeção da homossexualidade, na ordem jurídica, completando-se o ciclo de reflexão sobre o papel do Judiciário na problemática de reconhecimento e proteção dos direitos humanos, relativos a homossexualidade. Registre-se aqui que os pressupostos teóricos e metodológicos necessários ao estudo de caso proposto são os mesmos do capítulo anterior - o que desqualifica repetições. Partindo da realidade plural da luta por direitos e a fim de revelar esta pluralidade, dois são os planos escolhidos para oferecer leituras diferentes do Poder Judiciário sobre a questão dos direitos dos homossexuais. No Capítulo anterior, abordou-se a problemática na ordem externa, discutindo-se a extensão da proteção a ser dada, pela ordem jurídica, contra a discriminação baseada em fatores de orientação sexual, optando-se pela análise da polêmica decisão da Suprema Corte Norte-Americana proferida no caso Romer v. Evans . Na ordem interna, trabalha-se com o reconhecimento de pretensões de natureza previdenciária. A relevância da temática é expressa por Miller, embora suas reflexões tenham por alvo a sociedade norte-americana, que admite como palatável o rechaço à discriminação por fator de orientação sexual, mas se mostra reticente em distribuir benefícios decorrentes dessa condição. Segundo Miller: "Enquanto um crescente número de instituições têm acrescentado (o tema da) a orientação sexual as suas declarações anti-discriminatórias, estas mesmas instituições têm sido muito menos favoráveis a apoiar esta igualdade declarada em relação aos benefícios materiais. Poucas destas organizações formalmente reconhecem a parceria doméstica/registrada, e muitas continuam a negar aos parceiros de funcionários gays e lésbicas (o acesso à) a seguridade de saúde, bem como outros benefícios corriqueiramente/comumente concedidos aos cônjuges de seus funcionários heterossexuais. Esta injustiça é mais ainda ampliada no caso dos benefícios do governo federal de acordo com o General Accounting Office (Escritório Geral de Contabilidade), existem 1049 estatutos federais que conferem direitos, benefícios e privilégios a indivíduos que têm o direito legal ao casamento - os quais são negados a todos os gays e lésbicas (Advocate Report 1997, 17)"(1995: 145). 164 Essas reflexões se prestam para destacar o arrojado papel desempenhado pelo Judiciário Federal Brasileiro, como se verá no caso sob análise. 7.1 A Ação Civil Pública 2000.71.00.009347-0 O caso estudado é a Ação Civil Pública n.٥ 2000.71.00.009347-0 proposta perante a 3a. Vara Previdenciária da Seção Judiciária de Porto Alegre, e suas diversas peças processuais. Trata-se de uma ação civil pública, com pedido julgado procedente, em 19.12.2001, pela juíza Simone Barbisan Fontes. A ação foi impetrada pelo Ministério Público Federal, perante a 3ª Vara Federal Previdenciária da Circunscrição Judiciária de Porto Alegre, contra o Instituto Nacional do Seguro Social, a fim de assegurar a inclusão de companheiros homossexuais na qualidade de dependentes previdenciários, junto ao INSS, para garantir-lhes a percepção dos benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão. Embora não seja uma decisão inédita, havendo manifestações anteriores, como consignado no Capítulo 3, o caso apresenta-se interessante. Para além da qualidade dos debates travados, três são os aspectos que ressaltam sua magnitude e justificam a escolha do processo n.º 2000.71.00.009347-0: 1) a eficácia da tutela concedida que abrange todo o território nacional, implicando, inclusive, a adoção de medidas administrativas, pelo INSS, para o seu regular cumprimento; 2) o fato de que vários graus de jurisdição foram provocados a se manifestar a respeito da pretensão deduzida - o que permite uma visão de distintos órgãos judicantes (juízos monocrático e colegiado) sobre a causa em juízo; 3) a compreensão dada à Constituição, como substrato normativo que autoriza o reconhecimento de direitos não explicitados e que são inferidos do texto constitucional, a partir da adoção de uma interpretação constitucional concretizadora dos valores lá fixados. O quadro fático que animou o acesso ao Judiciário decorre de uma provocação ao Ministério Público, formulada pela Organização Não-Governamental Nuances, que tem por objetivo a defesa dos direitos humanos de gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais. Conforme apurado pelo Ministério Público Federal, através de procedimento administrativo interno, os requerimentos de benefícios previdenciários para companheiros do mesmo sexo vinham sendo indeferidos administrativamente pelo INSS, com fundamento no § 3º, do art. 16 da Lei n.º 8.213/91 e §3º, art.226 da Constituição da República, isto é, para caracterização do companheiro

164

"While a growing number of institutions have added sexual orientation to their anti-discrimination statements, these same institutions have been much less willing to support this stated equality with material benefits. Few of these organizations formally recognize domestic partnerships, and many continue to deny to partners of gay or lesbian employees the health insurance and other benefits routinely granted to the spouses of heterosexual employees. This inequity is further magnified in the case of the federal government- According to the government's General Accounting Office, there are 1.049 federal statutes that confer rights, benefits, and privileges on individuals who have the legal right: to marry-benefits that are denied across the board to gays and lesbians (Advocate Report 1997, 17)"(1995: 145).

como dependente do segurado do Regime Geral da Previdência Social, equipara-se a relação de companheirismo à união estável que, para efeitos da proteção do Estado, como entidade familiar, é apenas reconhecida entre homem e mulher. Nesse contexto, o Ministério Público Federal propôs a ação civil pública, ora analisada, com fundamento na violação do princípio da igualdade, a fim de garantir aos companheiros homossexuais o direito à Seguridade Social, notadamente a possibilidade de receber os benefícios previdenciários de pensão por morte e de auxílio-reclusão. A pretensão autoral foi julgada procedente, condenado o Instituto Nacional do Seguro Social a: * considerar o companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial dos segurados do Regime Geral de Previdência Social (art. 16, I, da Lei n.º 8.213/91); * possibilitar a inscrição de companheiro ou companheira homossexual, como dependente, no próprio INSS, a ser feita pelo segurado empregado ou trabalhador avulso; possibilitar a inscrição de companheiro ou companheira homossexual seja feita post mortem do segurado diretamente pelo dependente, em conformidade com o art. 23, I, do Decreto n.º 3.048/99; * processar e deferir os pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão realizados por companheiros do mesmo sexo, desde que cumpridos pelos requerentes, no que couber, os requisitos exigidos dos companheiros heterossexuais (art. 74 a 80 da Lei n.º 8.213/91), sem exigir qualquer prova de dependência econômica; * possibilitar a comprovação da união entre companheiros homossexuais pela apresentação dos documentos elencados no art. 22, §3o, incisos III a XV e XVII do Decreto n.º 3.048/99, bem como por meio de justificação administrativa (art. 142 a 151 do Decreto n.º 3.048/99), sem exigir qualquer prova de dependência econômica. Desta sentença, o INSS interpôs recurso de Apelação, perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que foi autuado em 05.06.2002, sob o n.º 2000.71.00.009347-0, e distribuído para a 6a Turma daquele Tribunal. A apelação ainda aguarda julgamento. Ressalte-se, ainda, que a decisão judicial final de primeira instância foi precedida de medida liminar. A liminar, deferida em 17.04.2000, assegurou o reconhecimento do companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial (art. 16, I, da Lei n.º 8.213/91); a realização da inscrição do companheiro ou companheira homossexual, como dependente, diretamente nas dependências do INSS, inclusive nos casos dos segurado empregado ou trabalhador avulso; e o processamento e deferimento dos pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão realizados por companheiros do mesmo sexo, desde que cumpridos pelos requerentes, no que couber, os requisitos exigidos dos companheiros heterossexuais (art. 74 a 80 da Lei n.º 8.213/91 e art. 22 do Decreto n.º 3.048). Esta decisão repercutiu em duas esferas. Na esfera judicial, ensejou a interposição de diversos recursos e uma reclamação para o Supremo Tribunal Federal. Na esfera administrativa, impôs a tomada de medidas pelo próprio Instituto Nacional do Seguro Social. No âmbito judicial, o Instituto Nacional do Seguro Social interpôs perante o Supremo Tribunal Federal, Reclamação n.º 1.499-1 alegando a usurpação de competência daquela Corte, pois a ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal apresenta-se como verdadeira ação direta de inconstitucionalidade, que é da competência exclusiva da Corte Constitucional. Em 08.05.2000, foi proferida pelo relator, o então ministro Moreira Alves, decisão que negou seguimento à reclamação, pois o Tribunal já firmara o entendimento de que a ação civil pública, que tem por objeto direitos individuais homogêneos, não é substitutiva da ação direta de inconstitucionalidade. Perante o Tribunal Regional Federal da 4a Região, foi interposto outro Agravo de Instrumento, autuado em 24.04.2000, sob o n.º 2000.04.01.044144-0, distribuído também para a 6ª Turma do Egrégio Tribunal, que reconheceu a legitimidade do Ministério Público para a defesa de direitos individuais homogêneos de segurados da previdência social e manteve a decisão recorrida que estendeu o direito ao reconhecimento de dependência, para fins previdenciários, ao companheiro ou companheira homossexual na forma do art. 16, I da LBPS. Ante esse acórdão, o INSS opôs embargos declaratórios, sustentando ter havido omissão acerca dos seguintes tópicos: a) extensão do conceito legal da expressão "companheiro", contida no art. 16, § 3º, da Lei 8.213/91; b) legitimidade ativa ad causam do Ministério Público Federal, bem como a impropriedade do uso da ação civil pública na espécie; c) impossibilidade de concessão de liminar que esgote o objeto da ação; d) princípio da precedência do custeio. Em julgamento realizado em julgado em 12.06.2001, a Turma conheceu em parte dos embargos de declaração, acolhendo-os apenas para acrescentar os fundamentos expostos no voto do relator, Desembargador Luiz Carlos de Castro Lugon, relativos aos tópicos contestados pela Autarquia e mantendo a decisão proferida nos autos do Agravo de Instrumento n.° 2000.04.01.044144-0. A decisão proferida, nesse Agravo de Instrumento n.° 2000.04.01.044144-0, ainda vai ser apreciada em última instância, uma vez que foram interpostos Recurso Especial, fundado nas alíneas "a" e "c" do artigo 105, III, da Constituição da República, e Recurso Extraordinário, fundado na alínea "a" do artigo 102, III, da Constituição da República. Os autos do processo foram remetidos ao Superior Tribunal de Justiça em 24.01.2002, onde foi autuado em 28.02.2002, registrado sob o n.º 2002/0013749-5 (RESP 413198 UF: RS), distribuído para a 6ª Turma, e, atualmente, encontrase, em conclusão ao ministro relator Hamilton Carvalhido. Tanto em sede de recurso especial, como em sede de recurso extraordinário, a autarquia pretende reverter o entendimento prevalecente, no sentido do reconhecimento da inadequação da Ação Civil Pública e da ilegitimidade do Ministério Público para defesa dos interesses aos quais referem-se o processo. Em sede de recurso especial, discute-se ainda a extensão dos efeitos da coisa julgada a todo o território nacional, pois o art. 16 da Lei n.º 7.347/85, com redação dada pela Lei 9.494/97, explicita que a coisa julgada erga omnes opera "nos limites da competência territorial do órgão prolator" e a impossibilidade de concessão de liminar que esgote o objeto da ação civil pública. Esses dois recursos ainda se encontram pendentes de decisão. Após o deferimento da liminar, o Ministério Público noticiou, ao juízo de 1ª instância, o descumprimento da mesma. Em decisão proferida em 20.04.2001, evidenciado o descumprimento, o juízo declarou a nulidade da decisão da 10a Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social que confirmou a denegatória do pedido de pensão por morte de companheiro homossexual. E ainda determinou que o INSS deferisse a concessão do benefício da pensão por morte ao requerente, Antônio Luiz Marques. A decisão ordenou também a elaboração pelo INSS de nova Instrução Normativa, em substituição a IN n.º 25/2000, onde constasse que os benefícios seriam concedidos independentemente da data do óbito ou do encarceramento e a possibilidade da inscrição do companheiro homossexual diretamente nas dependências do INSS, conforme disposto na liminar deferida. Advertiu-se, inclusive, que julgamentos administrativos em desconformidade com a liminar deferida implicariam ilícito administrativo e penal, além da aplicação de multa diária. O INSS interpôs embargos de declaração, para o juízo de primeiro grau, requerendo que fosse esclarecido o item "g" da decisão, pois em regra, as inscrições de dependentes de segurados empregados é feita através de ficha de inscrição da própria empresa e, em especial, no que se refere a quem poderá efetivar a inscrição. O INSS alegou ainda que na decisão nada foi mencionado sobre a necessidade de prova de dependência econômica juntamente com a declaração do segurado. Por fim requereu a manifestação sobre a não oitiva do Poder Público no prazo legal. A decisão foi proferida em 15.05.2001, sendo o recurso provido parcialmente, dando-se nova redação ao item questionado, nos seguintes termos: "f) Determino, ainda, ao INSS que faça constar na Nova Instrução Normativa também: f.1) a possibilidade de que a inscrição do companheiro ou companheira homossexual, como dependente, seja feita pelos segurados (inclusive empregados e trabalhadores avulsos) diretamente nas dependências da Autarquia (item "b" da decisão de fls. 193 a 209); f.2) a possibilidade de que a inscrição de companheiro ou companheira homossexual seja feita post mortem, diretamente pelo dependente em conformidade com o art. 23,I, do Decreto 3.048/99; f.3) que a comprovação do vínculo (relacionamento estável entre homossexuais - relação de dependência para fins previdenciários), tanto no caso de inscrição feita pelo segurado (item f.1), como pelo dependente (item f.2), deve ser feita com base nos documentos elencados nos incisos III a XV e XVII do §3o do art. 22 do Decreto 3.048/99, bem como mediante justificação administrativa, processada na forma dos arts. 142 a 151 do mesmo diploma normativo; f.4) que o deferimento dos benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão aos dependentes homossexuais não deve ser exigida prova de dependência econômica;" Em virtude do que restou decido nos embargos de declaração, o INSS interpôs junto ao Tribunal Regional Federal da 4a Região, Agravo de Instrumento, autuado em 14.05.2001, sob o n.º 2001.04.01.031245-0/RS. Este agravo foi julgado em 25.07.2001, pela Turma Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que, por unanimidade, lhe negou provimento, mantendo o que

foi decidido pela juíza da causa. No relatório, o Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz registrou a ocorrência de preclusão, nos termos do art. 471 do CPC, uma vez que a medida liminar foi objeto de Agravo de Instrumento já julgado pelo Tribunal, examinando apenas as questões que surgiram como conseqüência direta da decisão combatida. Mais adiante, o Ministério Público Federal apresentou nova petição ao juízo de 1 ª instância noticiando o descumprimento da liminar, desta vez por parte da 5ª Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social que, em decisão posterior à concessão da liminar, manteve decisão administrativa denegatória de pedido de pensão por morte a companheiro homossexual de segurado falecido, sob o argumento de que haveria vedação legal. Em 28.08.2001, foi proferida nova decisão ordenando ao INSS que revisasse o pedido de pensão por morte formulado à luz da decisão liminar concedida na ação, bem como da IN n.º 25 e alterações posteriores. Por fim, consigna-se a interposição de outro Agravo de Instrumento pelo INSS, ainda em trâmite no Tribunal Regional Federal da 4a Região, autuado em 21.05.2002, sob o n.º 2002.04.01.021039-5, em virtude de decisão posterior a sentença que determinou ao INSS a apresentação de minuta de nova Instrução Normativa, abordando, exclusivamente, a concessão de pensão por morte e auxílio-reclusão a dependente(s) de segurado(a) homossexual, fazendo constar expressamente todos os itens julgados procedentes na sentença, no prazo de 20 (vinte) dias, a contar da intimação, sob pena de multa diária no valor de R$30.000,00 (trinta mil reais), fixada com fundamento no art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil e a apresentação, no mesmo prazo e sujeito à mesma pena, pelo Chefe da Agência do INSS de Jacarepaguá/RJ, de documento que comprove a data de concessão do benefício de pensão por morte ao segurado Antônio Luiz Marques. O Tribunal acolheu o pedido de efeito suspensivo, apenas no que se refere à determinação relativa à elaboração de minuta de nova Instrução Normativa, restando comprometida a aplicação da multa em caso de eventual descumprimento, até o julgamento definitivo do recurso. Esta decisão ensejou a interposição de Agravo Regimental pelo Ministério Público Federal, ao qual foi negado provimento, por unanimidade, no julgamento realizado em 13.08.2002. No âmbito administrativo, várias foram as repercussões do processo que merecem registro. Considerando-se a determinação judicial proferida, em sede de liminar, e a necessidade de estabelecer rotinas para uniformizar procedimentos a serem adotados pela linha de benefícios, a Diretoria Colegiada do INSS discriminou os procedimentos a serem adotados para a concessão de benefícios previdenciários ao companheiro ou companheira homossexual, mediante a expedição e a publicação da Instrução Normativa n.º 25, de 7 de junho de 2000. Esta instrução, acabou por ser posteriormente revogada pela Instrução Normativa INSS/DC n.º 50, de 8 de maio de 2001, publicada no DOU de 14/05/2001, também em razão de ordem judicial, como acima relatado. Por fim, para regular o cumprimento da decisão, atualmente está em vigor a Instrução Normativa INSS/DC n.º 57, de 10 de outubro de 2001, publicada no DOU de 11.10.2001, que estabelece os critérios a serem adotados pelas linhas de arrecadação e de benefícios. O art. 20 desta instrução estabelece que "o companheiro ou a companheira homossexual de segurado inscrito no RGPS passa a integrar o rol dos dependentes e, desde que comprovada a união estável, concorrem, para fins de pensão por morte e de auxílio-reclusão, com os dependentes preferenciais de que trata o inciso I do art. 16 da Lei n.º 8.213, de 1991, independentemente da data do óbito, ou seja, mesmo tendo ocorrido anteriormente à data da decisão judicial proferida na Ação Civil Pública n.º 2000.71.00.009347-0." 7.1.1 Quadros sistemáticos sobre as decisões proferidas no processo Assim, em síntese, os quadros abaixo trazem maior visibilidade para o caso sob comento. Quadro 1: Concessão do pedido de Liminar Decisão

Concessão do pedido de Liminar Determinou ao Instituto Nacional do Seguro Social que: a) passasse a considerar o companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial (art. 16, I, da Lei n.º 8.213/91); b) possibilitasse que a inscrição do companheiro ou companheira homossexual, como dependente, seja

Conteúdo

feita diretamente nas dependências da Autarquia, inclusive nos casos dos segurado empregado ou trabalhador avulso; c)passasse a processar e a deferir os pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão realizados por companheiros do mesmo sexo, desde que cumpridos pelos requerentes, no que couber, requisitos exigidos dos companheiros heterossexuais (art. 74 a 80 da Lei n.º 8.213/91 e art. 22 do Decreto n. 3.048).

Impugnação

Reclamação nº 1499-1 - Agravo de Instrumento n.º 2000.04.01.044144-0.

Resultado

Reclamação: negado seguimento - Agravo: manteve a decisão recorrida.

Órgão Revisor

Supremo Tribunal Federal e Tribunal Regional Federal da 4a Região.

Quadro 2: Decisão sobre a notícia de descumprimento da liminar Decisão

Sobre notícia de descumprimento da liminar - nulidade da decisão da 10a Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social que confirmou a denegatória do pedido de pensão por morte de companheiro homossexual; - determinou que o INSS deferisse a concessão do benefício da pensão por morte ao requerente, Antônio

Conteúdo

Luiz Marques; - ordenou a elaboração pelo INSS de nova Instrução Normativa, em substituição a IN n.º 25/2000, onde constasse que os benefícios seriam concedidos independentemente da data do óbito ou do encarceramento e a possibilidade da inscrição do companheiro homossexual diretamente nas dependências do INSS, conforme disposto na liminar deferida. - advertiu que julgamentos administrativos em desconformidade com a liminar deferida implicaria ilícito administrativo e penal, além da aplicação de multa diária.

Impugnação Resultado Órgão Revisor

Embargos de Declaração Agravo de Instrumento n.º 2001.04.01.031245-0/RS. Embargos de Declaração: recurso provido parcialmente, dando-se nova redação ao item questionado. Agravo por unanimidade, foi negado provimento, mantendo o que fora decidido pela juíza da causa. Tribunal Regional Federal da 4a Região.

Quadro 3: Decisão sobre notícia de descumprimento da liminar II Decisão Conteúdo

Sobre notícia de descumprimento da liminar II Ordenou ao INSS que revisasse o pedido de pensão por morte formulado à luz da decisão liminar concedida na ação, bem como da IN n.º 25 e alterações posteriores.

Impugnação

*

Resultado

*

Órgão Revisor

*

Quadro 4: Sentença na Ação Civil Pública Decisão

Sentença na Ação Civil Pública

- considerar o companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial dos segurados do Regime Geral de Previdência Social (art. 16, I, da Lei n.º 8.213/91); - possibilitar a inscrição de companheiro ou companheira homossexual, como dependente, no próprio INSS, a ser feita pelo segurado empregado ou trabalhador avulso; possibilitar a inscrição de companheiro ou companheira homossexual seja feita post mortem do segurado diretamente pelo dependente, em conformidade com o art. 23, I, do Decreto n.º 3.048/99; - processar e deferir os pedidos de pensão por Conteúdo

morte e auxílio-reclusão realizados por companheiros do mesmo sexo, desde que cumpridos pelos requerentes, no que couber, os requisitos exigidos dos companheiros heterossexuais (art. 74 a 80 da Lei n.º 8.213/91), sem exigir qualquer prova de dependência econômica; - possibilitar a comprovação da união entre companheiros homossexuais pela apresentação dos documentos elencados no art. 22, §3o, incisos III a XV e XVII do Decreto n.º 3.048/99, bem como por meio de justificação administrativa (art. 142 a 151 do Decreto n.º 3.048/99), sem exigir qualquer prova de dependência econômica.

Impugnação

Apelação 2000.71.00.009347-0.

Resultado

Aguardando decisão.

Órgão Revisor

Tribunal Regional Federal da 4a Região.

Quadro 5: Decisão interlocutória sobre a Instrução Normativa Decisão interlocutória sobre a Instrução Normativa para determinar ao INSS que:

Decisão

1. esclareça se houve publicação da Instrução Normativa n. 50/2001, na versão apresentada nas fls. 431 a 432, em qual data, bem como se a versão definitiva de tal ato normativo deixou de exigir comprovação de dependência econômica, no prazo de 20 (vinte) dias, a contar da intimação; 2. apresente minuta de nova Instrução Normativa, em cumprimento à ordem liminarmente proferida nas fls. 394 a 403, trazendo expressamente a Conteúdo

possibilidade de que a comprovação das relações homossexuais estáveis possa dar-se também mediante processamento de justificação administrativa, no prazo de 20 (vinte) dias, a contar da intimação; 3. arrole e apresente cópia de todos os atos normativos emitidos até hoje em razão desta ação civil pública, aí incluídos não somente as Instruções Normativas, mas também quaisquer outros, como portarias, ordens de serviço, circulares e orientações internas, no prazo de 20 (vinte) dias, a contar da intimação.

Impugnação

*

Resultado

*

Órgão Revisor

*

7.2 A dimensão processual do caso No caso estudado, logo de imediato percebe-se a importância da matéria processual para o deslinde da questão posta em juízo. O debate de cunho processual, que se ventila no processo, pode ser organizado em três questões: o veículo processual manejado; a legitimidade do Ministério Público para propor a ação (o que remete à problemática da natureza do direito para o qual se busca proteção judicial); e a extensão dos efeitos da decisão judicial. As duas primeiras implicam diretamente na possibilidade de que a questão material de fundo (asseguramento de direitos de matriz previdenciária para casais homossexuais) possa ser apreciada pelo juiz. A terceira diz respeito ao número de pessoas que poderão se beneficiar da tutela jurisdicional que assegura a fruição dos direitos pleiteados. Desta forma, o exame do caso será conduzido por dois aspectos: a dimensão processual, como acima descrito e a dimensão material que trata dos pressupostos teóricos da decisão judicial e mais diretamente da problemática dos direitos a serem reconhecidos aos homossexuais. Ambas concorrem para uma melhor compreensão da dinâmica judicial, ora investigada. 7.2.1 A ação civil pública como garantia de direitos: o veículo processual manejado Optou o Ministério Público por valer-se da chamada ação civil pública. Originariamente, a ação civil pública foi criada por norma legal - a Lei 7347/1995 - com a finalidade de efetivar a responsabilização por danos ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Com o advento da Constituição de 1988, sua previsão foi elevada para o texto constitucional, redimensionando-se sua esfera de proteção. Assevera Ferreira Filho que "[...] o texto constitucional alargou o alcance desses instrumentos [ação civil pública e inquérito civil]. Por um lado, estendeu-os à proteção do patrimônio público em geral, dando, pois, à ação civil pública, âmbito análogo ao da ação popular (v. art. 5º., LXXIII). Por outro lado, tornou meramente exemplificativa uma numeração que era taxativa. Note-se que a regra constitucional se refere a outros interesses difusos e coletivos."(Ferreira Filho, 1997:48) Hoje, ostenta uma dupla previsão normativa: na ordem constitucional e na legislação infraconstitucional. Na Constituição, o art. 129, III, alargou seu escopo de atuação consagrando-a como uma ação constitucional. Em nível infra-constitucional, sua disciplina resulta da combinação de uma série de diplomas legais, a saber: Lei 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública); Lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e Lei 8429/92 (Lei de Improbidade Administrativa). Enquanto ação constitucional, a ação civil pública desempenha papel ativo para a consolidação do Estado Democrático de Direito, visto que funciona como instrumento de proteção de direitos ou interesses, em escala que transcende a tradicional proteção individual. Desta forma, a reflexão sobre o veículo processual se fará sob a ótica de garantia de direitos, revelando-se a importância da via eleita para se provocar a manifestação do Judiciário. Tem, pois, como objetivo postular a tutela jurisdicional dos interesses metaindividuais, como adiante se verá, buscando soluções para os conflitos de interesse de um número indeterminado de pessoas com multiplicidade de interesses, desempenhando um papel de instrumento de proteção e de efetividade desses direitos - até então irrelevantes para a ordem jurídica clássica - visto que, por seu intermédio, questões do maior interesse social são levadas à apreciação do Judiciário. Alarga-se desta forma a concepção de acesso à justiça, como a "possibilidade do cidadão dispor de meios adequados à instauração e à participação num processo judicial, visando à solução justa para os conflitos onde haja violação de seus direitos" (Rios, 2001:146). Neste sentido a ação civil pública incorpora também a concepção de garantia. A noção de garantia aqui remete à uma dimensão instrumental, direcionada para a proteção de direitos. Assim, "as garantias traduzem-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade". Logo, como fixado acima, vê-se que a disciplina constitucional do processo, com a inserção da ação civil pública, no processo constitucional, permitiu o alargamento das fronteiras da mera técnica processualística para um universo aberto aos valores constitucionais que se devem materializar na sistemática processual, compatível com os princípios do Estado Democrático de Direito. Para além de mero expediente de solução de conflito de interesses, o processo se vocaciona para a realização da Constituição. As reflexões são de Dinamarco: "A tutela constitucional do processo tem o significado e escopo de assegurar a conformação dos institutos de direito processual e o seu funcionamento aos princípios que descendem da própria ordem constitucional. (...). O processualista moderno adquiriu a consciência de que, como instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo precisa

refletir as bases do regime democrático, nela proclamados; ele é, por assim dizer, o microcosmo democrático do Estado-de-direito, com as conotações da liberdade, igualdade e participação (contraditório), em clima de legalidade e responsabilidade" (2000:25-5). 7.2.2. O papel do Ministério Público e sua legitimidade: a caracterização dos interesses metaindividuais O Ministério Público está desenhado no texto constitucional vigente, na Seção I do Capítulo IV, destinado às funções essenciais à Justiça, precisamente nos arts. 127 a 130. Prescreve-se, especialmente, sua estrutura orgânica, atribuições e prerrogativas, sendo o mesmo entendido como uma instituição permanente, essencial à prestação da Justiça, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Guimarães Junior afirma que: "[...] o momento reclama profunda reflexão, da qual deve emergir uma opção político-institucional, eleita pelo critério da efetividade. A efetividade que se pretende na atuação do Ministério Público relaciona-se, de modo geral, à aptidão para cumprir integralmente toda a sua função sócio-político-jurídica, atingindo em toda plenitude todos os seus escopos institucionais. No caso do Parquet, podemos afirmar mais especificamente que esta efetividade vincula-se ao fortalecimento do Estado de Direito, ao resgate da cidadania e à pacificação social, atingíveis pela aplicação da lei. Nessa perspectiva, não pode o Ministério Público estabelecer uma estratégia de atuação sem considerar o alcance social e a repercussão concreta de cada uma de sua atribuições. Em outras palavras, é preciso que, dentro da realidade em que vivemos, exerça o Ministério Público o papel de verdadeira alavanca, usando a lei para atingir os escopos estatais relacionados ao bem estar social. Cumpre-lhe privilegiar, portanto, aquela atuação que de modo mais eficaz e abrangente atinja às aspirações e necessidades da população relacionadas a interesses difusos e coletivos" (1997:149). Tanto que há alguns autores que falam no Ministério Público como um "verdadeiro defensor da sociedade", de modo que, quando necessário, o mesmo disponha de mecanismos de intervenção capazes de assegurar a integridade dos direitos que são de sua incumbência. Neste sentido, para Guasque, o Constituinte: "Elege o Ministério Público como a função necessária ao aperfeiçoamento da doutrina dos freios e contrapesos, objeto da famosa concepção de Montesquieu, e lhe reconhece o poder de ‘Droit d’action civile geral’ ou Direito de Intervenção, toda vez que reconheça um importante elemento de ordem pública ou de interesse público, digno de tutela, como já experimentado na Bélgica (1881), França (1913) e Itália (1942), através da expressão: ‘incumbindo-lhe a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis’ " (2003). É a mesma concepção externada no Judiciário. O Superior Tribunal de Justiça declina que "na sociedade contemporânea de massa, sob os influxos de uma nova atmosfera cultural, o processo civil, vinculado estreitamente aos princípios constitucionais e dando-lhes efetividade, encontra no Ministério Público uma instituição de extraordinário valor na defesa da cidadania". Desta forma, como defensor da cidadania, indaga-se quais são os direitos velados pelo Ministério Público? Em linguagem processual, quais são os interesses que caracterizam sua legitimidade? As duas indagações se encontram intrinsecamente imbricadas. Assim, em primeiro plano, se tratará da natureza do interesse tutelado, para em seguida examinar-se a questão da legitimidade do Ministério Público - sendo esta última uma investigação de cunho estritamente processual. 7.2.2.1 Os interesses metaindividuais A leitura do art. 129, III da Constituição, indica que compete ao Ministério Público a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Considerando-se, porém, o objeto de estudo proposto, interessa apenas a indagação sobre os interesses difusos e coletivos, denominados, de forma geral, como interesses metaindividuais. O surgimento dos chamados interesses metaindividuais, enquanto categoria, coincide com a cristalização das sociedades industriais e pós-industriais caracterizadas como sociedades de massa e de risco, evidenciando sua importância com a massificação dos conflitos e a ocorrência dos danos de massa que superam a tradicional noção de conflito individual, por atingirem um número expressivo de pessoas. Com o advento da novel Constituição, o tema ganhou relevo no cenário nacional, consagrando-se, em definitivo, com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) e demais legislações que vieram a alargar sua compreensão. A doutrina pátria tem sido farta no estudo da questão, embora, ainda, não se tenha chegado a uma precisão terminológica, o que acaba por gerar certas indefinições e ambigüidades. Em muitos momentos, faz uso das expressões lato sensu e stricto sensu como forma de melhor ordenar ambas as concepções, como se verá. A fim de sistematizar a questão, admite-se que interesses difusos e coletivos integram o conceito de interesses metaindividuais (também chamados de transindividuais ou plurindividuais ou de interesses coletivos lato sensu) que são assim denominados por não terem assento em um determinado titular. Podem ser considerados como um terceiro gênero de interesse, entre o interesse privado e o interesse público . Porém, a despeito da problemática conceitual, é necessário remarcar minimamente a distinção entre interesses coletivos e interesses difusos. A expressão interesse coletivo, em sentido amplo, apresenta três aspectos: um interesse de grupo; uma soma de interesses individuais; e uma síntese de interesses individuais. Conforme esclarece didaticamente a Procuradoria da República em Mato Grosso (2003), o interesse de um grupo é o interesse direto de uma entidade (por exemplo, uma ação na Justiça de um sindicato contra a invasão de sua sede) - não se trata, propriamente, de um interesse coletivo, no sentido estrito da palavra.A soma de interesses individuais se manifesta em interesses individuais exercidos coletivamente - o modo é coletivo, mas a essência do interesse continua sendo individual (um mandado de segurança coletivo, ajuizado por duas pessoas com interesse individual idêntico). Como síntese de interesses individuais, o interesse coletivo ultrapassa a mera soma de interesses individuais. Trata-se do sindicato enquanto representante da "profissão" (categoria) e não apenas de seus associados - é o interesse que diz respeito ao homem enquanto parte de um grupo (associado, condômino, por exemplo.). Neste caso, o interesse coletivo é o que diz respeito a uma realidade coletiva, indo além do exercício coletivo de interesses individuais - há algo de altruístico em seus fins e pertence a um grupo determinável de pessoas. É neste último sentido - síntese de interesses individuais - que se abre o manto protetor da ação civil pública. Assim, os interesses coletivos são aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base. Já os interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato, sem que haja um vínculo jurídico entre as mesmas. O interesse difuso, por sua vez, abrange um universo ainda maior de pessoas, pois alcança um contingente indefinido de indivíduos sendo, no entanto, insusceptíveis de apropriação individual por qualquer desses sujeitos - por exemplo, aquelas pessoas que estariam sujeitas à poluição de determinada fábrica, já que é indeterminável a identificação dos titulares do direito de respirar ar puro. Desta forma, diz Souza: "Os interesses difusos pertencem, na feliz expressão de M. Cappelletti, "a todos e a ninguém", porque os bens jurídicos a que se referem - como, por exemplo, o meio ambiente, o patrimônio cultural, o consumo ou a qualidade de vida - são de todos e não podem ser atribuídos em exclusividade a nenhum sujeito. Desta caracterização decorre que os interesses difusos possuem, simultaneamente, uma dimensão supra-individual e individual, não sendo nem apenas supra-individuais, nem apenas individuais: o interesse difuso é um interesse supra-individual que pode ser gozado por qualquer sujeito, sem que este se possa apropriar do bem a que ele se refere" (2003). Nesse mesmo sentido, diz Grinover que, por "[...] interesses propriamente difusos entendem-se aqueles que, não se fundando em um vínculo jurídico, baseiam-se sobre dados de fato, genéricos, contigentes, acidentais, mutáveis: como habitar na mesma região, consumir iguais produtos, viver em determinadas circunstâncias socioeconômicas, submeter-se a particulares empreendimentos" (1990:149).

Há, ainda, uma terceira manifestação, chamada de interesses individuais homogêneos. São assim chamados aqueles que têm origem comum, compreendendo os integrantes determinados ou determináveis do grupo, categoria ou classe de pessoas que compartilhem prejuízos divisíveis, oriundos das mesmas circunstâncias de fato, podendo, inclusive, serem considerados como uma subespécie de direitos coletivos. Para Freitas: "Os individuais homogêneos, conquanto sejam direitos individuais que decorrem de uma origem comum, ‘recebem tratamento processual coletivo pelo modo uniformizado como se exteriorizam’. Embora expressem, num primeiro momento, tratar-se de direitos subjetivos disponíveis, constituem valores jurídicos comunitários privilegiados, de transcendente importância social. Seu significado é maior do que a simples soma das posições individuais, exprimindo casos em que ‘a soma é algo mais do que simplesmente o conjunto das parcelas, exatamente porque o fenômeno assume, no contexto social, um impacto de massa’" (2003). A distinção elaborada por Carneiro, entre interesses coletivos e interesses individuais homogêneo, focando a uniformidade ou não do dano causado, é bastante elucidativa. "Sem entrar na distinção deste ou daquele exemplo nós podemos pelo menos ter uma meta. Quando o resultado do processo é igual para todos, para todo aquele grupo, sem distinção, sem um plus qualquer de um em relação ao outro, estamos no campo do direito coletivo. Por exemplo, na medida em que um determinado percentual de uma mensalidade escolar é estabelecida, este percentual se aplica a todos os alunos, sem qualquer diferença de um para o outro. Mas, se a discussão versa sobre devolução de dinheiro pago, passamos para o campo do direito individual, cada um irá pleitear o seu e nos limites de seus próprios valores. Assim, na defesa de direitos individuais homogêneos, há um plus, que é justamente a identificação, em cada caso, do valor ou da lesão, enquanto no direito coletivo a situação jurídica é genérica e, portanto, indivisível" (Carneiro, 1995). Assim, buscando estabelecer uma distinção clara entre os tipos ou espécies de interesses metaindividuais, verifica-se que a indeterminabilidade de seus titulares é a característica fundamental dos interesses difusos (interesses que "são compartilhados por grupo indeterminável de indivíduos de difícil ou praticamente impossível determinação" ) e a determinabilidade daqueles interesses que envolvem os interesses coletivos (bem como os individuais homogêneos). Procurando melhor sistematizar a defesa desses interesses, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 81 , arriscou estabelecer uma distinção, passando a identificá-los, norteado por um critério fixado na origem. E ainda que se possa criticar o manejo do veículo legislativo para fins definitórios, minimamente se estabeleceram os parâmetros para a compreensão do problema. Desta forma: a) se o que une interessados determináveis é a mesma situação de fato, trata-se de interesses individuais homogêneos; b) se o que une interessados determináveis é a circunstância de compartilharem a mesma relação jurídica, trata-se de interesses coletivos em sentido estrito; e c) se o que une interessados indetermináveis é a mesma situação de fato, trata-se de interesses difusos. 7.2.2.2 A legitimidade do Ministério Público Na verdade, a determinação da natureza do direito a ser protegido pelo Ministério Público interfere diretamente na problemática da legitimidade processual. Logo, um dos problemas fundamentais colocados pela defesa judicial dos interesses metaindividuais refere-se à definição de quem pode pleiteá-los em juízo. A legitimidade é classificada pela doutrina como uma das condições da ação que se devem fazer presentes para que a relação processual se possa constituir. A ausência dessa condição impede que a questão de mérito, isto é, o direito que se discute e que se pretende assegurar, venha a ser apreciada pelo juiz, impondo, até mesmo, de plano, o indeferimento da inicial, com a extinção do processo, sem julgamento de mérito. No tocante ao Ministério Público e à ação civil pública, a discussão toma grande relevo, visto que se não configurada a legitimidade do Parquet, inviabiliza-se de plano a utilização da via processual inaugurada pela ação civil pública. Carneiro, fazendo um balanço em 1995, sobre a ação civil pública e o problema da caracterização de sua legitimidade com relação aos interesses metaindividuais, bem reflete sobre a perplexidade do tema ora abordado. "Os tribunais têm confundido até a identificação dos próprios direitos em jogo, notadamente a distinção entre direito coletivo e direito individual homogêneo. Exemplo que está na moda, é o das mensalidades escolares; alguns sustentam ser direito individual homogêneo, outros um direito coletivo. [...] A jurisprudência também tem entendido que não cabe ao Ministério Público a defesa de direitos individuais homogêneos, admitindo-a somente nos casos em que eles forem indisponíveis. Ora, normalmente, a regra é de que os direitos individuais homogêneos são disponíveis. Mas, o que dita a intervenção do Ministério Público é justamente a dimensão social do problema, que deverá ser analisada caso a caso. A importância destes direitos no campo trabalhista é fundamental. No nosso País, em que pouquíssimas categorias são organizadas através de sindicatos, nós temos um meio importantíssimo, por esse Brasil a fora, de o Ministério Público velar e exigir o cumprimento desses direitos sociais, desses direitos trabalhistas, que compõem e que retratam exatamente um grande problema social do Brasil. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já decidiu que é possível o cabimento do controle se o interesse, ou melhor, se o direito individual homogêneo é ou não socialmente relevante. O número de interessados pode constituir-se em importante ponto de indagação, mas não como condição necessária à caracterização de tal direito. Pode acontecer que em determinada comunidade pequena, o interesse de vinte trabalhadores ou lesados seja o bastante para caracterizar, no caso concreto, a dimensão social do problema e, assim, um direito individual homogêneo a ser defendido através da ação civil pública. Caberia ao Judiciário verificar a dimensão social do problema? Ou caberia ao Ministério Público, como cabe ao Ministério Público intervir ou não, a seu juízo, verificando a existência ou não de um interesse público, em casos em que ele atua como fiscal da lei? E mais, eu colacionei outras perplexidades sobre esses dez anos de ação civil pública, exemplos de jurisprudência, TRT-691/170 - ilegitimidade do Ministério Público para defesa de contribuinte individual homogêneo só em caso de direito do consumidor; TRT-694/78 e RTJ/ES 136/43 que fala da ilegitimidade do Ministério Público para a proteção de poluição sonora porque não é meio ambiente; TRT-697/64 que diz que o Ministério Público é ilegítimo para discutir sobre mensalidades escolares porque é interesse privado e disponível; já a RSTJ-54306 nega a legitimidade ao Ministério Público para defender interesses de alunos de escola particular, seja porque o Ministro Garcia Vieira entendia que não era direito individual homogêneo, seja porque já o Ministro Gomes de Barros entendia que o grupo era muito restrito. A RTJ/ES-136/38 diz que o Ministério Público é ilegítimo para a defesa de direito individual homogêneo porque eliminaria a classe dos advogados; a RTJ/ES-138/28 fala do não cabimento da ação civil pública sobre plano de saúde, e assim por diante" (1995) Percebe-se, pois, que a natureza do interesse a ser protegido, repercute diretamente na caracterização da legitimação processual do Parquet. A propósito, para Barreto: "Especificamente no que tange aos interesses transindividuais, vale-se o Ministério Público da Ação Civil Pública (prevista na Lei 7.347/85, dentre outras) e de todas as prerrogativas e garantias que lhe foram asseguradas pela Constituição da República de 1988, para tutelar mais eficazmente aqueles interesses, que o indivíduo, em particular, não está em condições de fazer. Nesta hipótese de atuação, o Ministério Público exerce um papel efetivamente interventivo, um poder ingerindo-se autoritariamente nas relações jurídicas privadas, em nome da ordem pública, do interesse público e do primado da lei. O fundamental é que sua função interventiva se exerça efetivamente na defesa de valores sociais fundamentais e inalienáveis, no interesse de toda a coletividade. Como guardião da ordem jurídica e defensor dos interesses públicos indisponíveis que afetam em comum a toda a sociedade, sua legitimidade é indiscutível" (2003). Com relação aos interesses difusos e coletivos, não se vislumbram dificuldades em se atribuir legitimidade ao Ministério Público, vez que o próprio ordenamento jurídico determina, em comando constitucional (inciso III do art. 129), que é atribuição do Parquet o ajuizamento da ação civil pública para resguardar esses interesses. Nesses casos, a problemática reside, não em relação à legitimidade atribuída em abstrato, por norma constitucional, mas sim em se caracterizar o direito invocado, no caso em concreto, como um interesse difuso ou coletivo. Reconhecida esta natureza, não prevalecem obstáculos de natureza processual.

Há, inclusive, uma concepção extremamente generosa do que sejam interesses difusos, associando-os à noção de direitos fundamentais, direito subjetivo público e princípio do Estado Democrático de Direito, como sustenta Guasque. "Assim, todos os direitos subjetivos públicos como expressão direta dos direitos fundamentais têm a natureza jurídica de interesses difusos, pois, quando não observados, atingem o próprio Estado Democrático de Direito, legitimando o Ministério Público à prática de atos para restabelecer a lesão que atinge a toda a coletividade"(Guasque,2003). A polêmica, porém, se aquece quando se trata de interesses individuais homogêneos. Como, em princípio, a norma do art. 129 expressamente não lhes faz referência, inaugura-se o debate, doutrinário e jurisprudencial, com posicionamentos mais ou menos restritivos à abrangência de atuação do Ministério Público. Para Pinho: "[...] se impõe, em sede de direito coletivo, e notadamente no que pertine ao direito individual homogêneo, visto que essa vem sendo a área onde grassam as maiores divergências, o reconhecimento por parte de toda a comunidade jurídica de um Ministério Público forte, autônomo, independente e, principalmente, comprometido com o interesse social, cuja atuação não pode ser obstada pela argüição de questões processuais que devem ser analisadas em conformidade com a extensão do direito em jogo, claramente indisponível" (2003) Nesse particular, há dois pontos que são suscitados como elementos autorizativos da intervenção do Parquet: a indisponibilidade do interesse e a relevância social. Em posição restritiva, Almeida sustenta-se que "o Ministério Público não pode aviar ação civil pública para a defesa de interesses individuais homogêneos, identificáveis e divisíveis, pois suas atribuições institucionais lhe deferem o poder de litigar tão-somente sobre a defesa de interesses difusos ou coletivos stricto sensu" (2003). A questão da indisponibilidade é contornada por Gustavo Tepedino, ao afirmar que a eventual dimensão de cunho patrimonial do direito envolvido, que poderia ser compreendida como sua disponibilidade, em se tratando de direito fundamental, não tem essa aptidão, pois o que deve prevalecer como teleologia a ser considerada é o interesse comum violado que serve de base para a demanda: "[...] a indisponibilidade dos direitos individuais homogêneos, por outro lado, não é obscurecida pela patrimonialidade das pretensões individuais, o que releva é a indisponibilidade do interesse atingido pela relação jurídica original, que serve de base para a demanda comum. Uma vez atingidos direitos fundamentais do homem, como a saúde, a educação, o meio ambiente, tem-se por violados interesses indisponíveis, ainda que desses mesmos interesses decorram danos conversíveis em parcela patrimonial individualizada em relação a cada um dos titulares da ação. Se assim não fosse, far-se-ia tabula rasa das demandas coletivas já que, em regra, as pretensões ressarcitórias resultam na expressão patrimonial das violações dos interesses extrapatrimoniais e indisponíveis atingidos" (Tepedino, 1999: 312-313). Por outro lado, a indisponibilidade se ratifica com a relevância social do interesse tutelado. Ainda diz Tepedino que a "[...] dimensão coletiva da demanda, com efeito, posta a lume no excerto da Professora Ada Grinover, desde que socialmente relevantes os interesses em jogo, parece cada vez mais capaz de tornar indisponíveis os pleitos individuais" (1999: 312-313). Figueiredo afirma, portanto, a legitimidade ativa do Ministério Público para a defesa de interesses individuais homogêneos, "quando se tratar de direitos, de tal ordem, de tal relevância, que integrem o patrimônio social. Assim, esses direitos serão, na verdade, também indisponíveis" (1996:24). Mesmo que admitida a sua disponibilidade, essa relevância, em razão da repercussão social de seus efeitos, compondo a noção de patrimônio social, autoriza sua defesa judicial em sede coletiva. A manifestação é de Freitas: "Ainda que disponível, o interesse individual homogêneo comporta defesa nas ações coletivas, mas desde que tenha suficiente abrangência ou repercussão social. [...] Além de exigir expressão social para a proteção desses direitos, a doutrina contribui para lhes imprimir uma coloração de patrimônio social, cuja definição se extrai da Carta Magna, como o conjunto de bens jurídicos, concebidos em face dos valores adotados pelo texto constitucional"(2003). Nas palavras de Mancuso: "Interesse social, no sentido amplo que ora nos concerne, é o interesse que consulta à maioria da sociedade civil: o interesse que reflete o que esta sociedade entende por ‘bem comum’; o anseio de proteção à res publica; a tutela daqueles valores e bens mais elevados, os quais essa sociedade, espontaneamente, escolheu como sendo os mais relevantes. Tomando-se o adjetivo ‘coletivo’ num sentido amplo, poder-se-ia dizer que o interesse social equivale ao exercício coletivo de interesses coletivos"(1994:25). Nessa esteira, aliás, trilhou o Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo, ao editar a Súmula de Entendimento nº 7, cujo verbete diz: "O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, como: a) os que digam respeito à saúde ou à segurança das pessoas ou ao acesso das crianças e adolescentes à educação; b) aqueles em que haja extraordinária dispersão dos lesados; c) quando convenha à coletividade o zelo pelo funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico." 7.2.3 A problemática da extensão dos efeitos da decisão judicial A extensão subjetiva da decisão judicial, no caso em tela, discute a abrangência nacional (ou não) da tutela jurisdicional, em sede de ação civil pública, isto é, discute-se a possibilidade de a mesma ter abrangência em todo o território nacional, abrigando, em seu comando, todas aquelas pessoas que vivenciam as circunstâncias que deflagraram a proteção judicial. Nessa via, deve-se indagar sobre a incidência da norma prescrita no art. 16 da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), com redação dada pelo art. 2o da Lei 9494/97, que estabelece: "Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova." Assim, surge a pergunta: tal disciplina apresenta compatibilidade vertical com a Carta de 1988? E esta indagação pressupõe uma outra: é possível a declaração de inconstitucionalidade em sede de ação civil pública? Examina-se, primeiramente, a possibilidade de deflagração da jurisdição constitucional que é pressuposto para a análise da compatibilidade do referido art. 16. O tema é bastante controvertido, relacionando-se diretamente com o sistema de controle judicial da constitucionalidade adotado pela Constituição da República. Na verdade, o modelo reproduzido pelo constituinte instaura duas vias judiciais de controle com características próprias, que, embora preservem a higidez constitucional, ostentam mecanismos e efeitos distintos. Tratase do modelo difuso e do modelo concentrado de controle. De forma sucinta, o modelo difuso estabelece que a competência para conhecer da inconstitucionalidade de uma norma se encontra dispersa, distribuída por todos os órgãos judicantes, independentemente de seu grau ou instância. Isto significa dizer que qualquer juiz, no exercício de suas funções, poderá reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei ou de outro ato normativo qualquer. Por sua vez, esta competência é exercida objetivando a solução de um caso concreto que é submetido ao juiz. Daí falar-se também em controle concreto, pois o objetivo da prestação jurisdicional não é o controle da constitucionalidade, mas sim a entrega do bem da vida que se vê questionado, resolvendo-se o conflito de interesses (lide) que ameaça a paz social. Para atender ao pedido formulado, o juiz, se necessário, deve enfrentar a problemática da inconstitucionalidade, afastando a aplicação da norma viciada, e assim proteger o direito discutido. O juízo de inconstitucionalidade é um caminho a ser percorrido, sem que seja a finalidade principal da decisão judicial em si. Desta forma, provoca-se o Judiciário através dos instrumentos regulares que a ordem jurídica disponibiliza para a satisfação dos interesses das partes. Não há previsão de um instrumento específico para deflagrar o juízo de inconstitucionalidade. Como este pode ocorrer em qualquer tipo de ação prevista no ordenamento (ações ordinárias e especiais, nominadas ou não, como, por exemplo, um mandado de segurança, um habeas corpus, uma ação cautelar, uma ação de despejo, uma ação trabalhista, entre outras mais), diz-se que o controle se dá pela via indireta ou de exceção ou de defesa. Ao se falar em controle difuso, fala-se, também, de controle concreto e indireto. Como se trata de solucionar um conflito entre as partes, há um processo subjetivo; e a eficácia da decisão opera-se inter partes, apenas para as pessoas que tomaram parte na lide, nos termos do art. 472 do Código de Processo Civil. Logo, seu escopo de eficácia é circunstanciado em razão das regras processuais clássicas que regem a sistemática processual brasileira.

O modelo concentrado apresenta-se de forma diferenciada do difuso. Utiliza-se a expressão concentrado a fim de indicar que a competência para reconhecer a inconstitucionalidade é centralizada, com exclusividade, em um único órgão jurisdicional - no caso brasileiro, no Supremo Tribunal Federal, por força do art. 102 da Constituição. Essa via de controle tem por finalidade precípua manter a integridade da ordem constitucional, independentemente da existência ou não de conflitos de interesses entre pessoas. Tanto que alguns autores empregam a expressão fiscalização da constitucionalidade. Daí se falar em controle abstrato, pois a decisão judicial não se presta a satisfazer interesses subjetivos postos em juízo. Esse modelo de controle é deflagrado através de instrumentos processuais próprios, concebidos com tal finalidade. Essa modalidade é conhecida, também, como controle por via de ação. Entre nós, seus principais instrumentos são: ação direta de inconstitucionalidade (também denominada de ação direta genérica de inconstitucionalidade e de ação declaratória de inconstitucionalidade) e ação declaratória de constitucionalidade. Como se trata de um processo objetivo, em que a normatividade infra-constitucional é examinada por si mesma, em abstrato, destacada de seus efeitos nos casos concretos, a eficácia de sua decisão tem validade geral, é do tipo erga omnes. Ora, tais reflexões são a base teórica para a discussão que se examina em sede de ação civil pública. Para aqueles que defendem a impossibilidade do controle difuso em sede de ação civil pública, a tese justifica-se na medida em que seus efeitos, aplicados erga omnes, equiparam a ação civil a uma ação direta de inconstitucionalidade - o que ao fim resulta na usurpação de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, burlando-se o art. 102 da Carta. É o posicionamento sustentado por Mendes. "É que, como já enunciado, a ação civil pública aproxima-se muito de um típico processo sem partes ou de um processo objetivo, no qual a parte autora atua não na defesa de situações subjetivas, agindo, fundamentalmente, com escopo de garantir a tutela do interesse público. Não foi por outra razão que o legislador, ao disciplinar a eficácia da decisão proferida na ação civil, viu-se compelido a estabelecer que "a sentença civil fará coisa julgada erga omnes". Isso significa que, se utilizada com o propósito de proceder ao controle de constitucionalidade, a decisão que, em ação civil pública, afastar a incidência de dada norma por eventual incompatibilidade com a ordem constitucional, acabará por ter eficácia semelhante à das ações diretas de inconstitucionalidade, isto é, eficácia geral e irrestrita. [...] Em outros termos, admitida a utilização da ação civil pública como instrumento adequado de controle de constitucionalidade, tem-se ipso jure a outorga à jurisdição ordinária de primeiro grau de poderes que a Constituição não assegura sequer ao Supremo Tribunal Federal. É que, como visto, a decisão sobre a constitucionalidade da lei proferida pela Excelsa Corte no caso concreto tem, necessária e inevitavelmente, eficácia inter partes, dependendo a sua extensão de atuação do Senado Federal" (2003c) . Por outro lado, há o entendimento que qualifica a ação civil pública como instrumento de controle incidental. Basicamente as formulações apresentadas repousam em construções de alto requinte técnico processual, distinguindo-se institutos processuais basilares que, se bem compreendidos, permitem o controle difuso em sede de ação civil pública. São eles: a problemática dos efeitos da sentença e a coisa julgada; e a distinção entre pedido e causa de pedir. Quanto à primeira, diz Guasque: "[...] mas ao que parece, se confunde efeitos de fato produzidos pelo ato jurídico sentença, com efeitos jurídicos decorrentes da decisão que declara, por ação direta, a inconstitucionalidade ou não da lei. Já no século passado, Adolf Wach se referia aos efeitos da sentença como fato ao tratar da intervenção de terceiros (Thatbestandswirkung des Urtheils), no seu Handbuch des deuschen Zivilprozessrechts, parágrafo 55,p.626.) (Hélio Tornaghi-Instituições de Processo Penal,Vol.IV,p.353). Toda a doutrina alemã posterior estudou os efeitos reflexos ou colaterais da sentença. No caso da ação civil pública ou mesmo no mandado de segurança, a questão prejudicial da inconstitucionalidade, no que respeita às partes do processo, tem apenas efeitos erga omnes de fato" (2003). Quanto à problemática da causa de pedir e do pedido, leciona Almeida: "[...] incorre em profundo desvio de perspectiva o pensamento segundo o qual acoimar de inconstitucional uma lei seja a mesma coisa que pedir o reconhecimento ou declaração de sua inconstitucionalidade Destarte, faz-se mister, primeiramente, distinguir pedido e causa de pedir, para a determinação de uma linha de raciocínio estreme de obscuridade. [...] a argumentação da inconstitucionalidade é mera motivação para pedir, e, não, o pedido em si. Sendo causa de pedir, todos os argumentos aí insculpidos farão parte da motivação da sentença - princípio da congruência ou correlação - não, porém, do seu dispositivo. [...] A inconstitucionalidade de uma lei quando argüida como mera motivação, causa de pedir, não faz coisa julgada, ou seja, não pertencerá ao comando da sentença posto que é quaestiones praeiudiciales" (2003). Conclui, assim, Guasque: "Por todas essas razões, vê-se que o controle incidental de inconstitucionalidade nas ações de interesse difuso, é importante instrumento de segurança da estabilidade das relações jurídicas no Estado Democrático de Direito, e de forma alguma compromete o sistema de controle de inconstitucionalidade das leis no Brasil. Em verdade, é o mais eficaz meio de defesa contra os abusos do Poder Público à liberdade jurídica estabelecida com a Constituição da República" (2003). Admitida a possibilidade do controle de constitucionalidade, avança-se para o exame do art. 16 da Lei 7.347/85, modificado pela Lei n.º 9.494/97, que restringe os efeitos das decisões proferidas em ação civil pública, ao limite da competência do órgão julgador. O dispositivo vem sendo reprovado quase unanimemente pela doutrina, vez que o mesmo contraria os próprios objetivos das ações coletivas. Segundo a doutrina, este dispositivo deve ser interpretado em conjunto com os artigos 93 e 103 do Código de Defesa do Consumidor, de acordo com o que dispõe os art. 21 da Lei da Ação Civil Pública e art. 90 do Código de Defesa do Consumidor. Mancuso, comentando a nova redação do art. 16 da Lei n.º 7.347/85, dispõe: "Com efeito, a questão de saber quais as pessoas atingidas pela imutabilidade do comando judicial deve ser tratada, naturalmente, sob a rubrica dos limites subjetivos desse instituto processual dito "coisa julgada" e não sob a ótica de categorias outras, como jurisdição, a competência, o organização judiciária. Aqueles limites, quando se trata das lides intersubjetivas, no plano da jurisdição singular, atuam perante as partes, "não beneficiando, nem prejudicando terceiros" (CPC, art. 472), mas no âmbito das ações de tipo coletivo - justamente por que aí se lobrigam sujeitos indeterminados, concernentes a um objeto indivisível - o critério deve ser outro, porque impende atentar para a projeção social do interesse metaindividual de que se trata. Tudo assim reflui para que a resposta judiciária, no âmbito da jurisdição coletiva, desde que promanada de juiz competente, deve ter eficácia até onde se revele a incidência do interesse objetivado, e, por modo a se estender a todos os sujeitos concernentes, e isso, mesmo em face do caráter unitário desse tipo de interesse, a exigir uniformidade do pronunciamento judicial" (1999:296). 7.2.4 A articulação em juízo das teses sustentadas No que tange, especificamente, ao processo analisado e tomando em conta o direito em tela - de cunho previdenciário -, afirma o autor da ação que há possibilidade de se reconhecer a legitimidade do Ministério Público, quer para resguardar direitos difusos quer individuais homogêneos.

A tese, habilmente sustentada, cobre a possibilidade de caracterização do direito discutido, seja como interesse difuso, seja como individual homogêneo. A argumentação apresentada fixa-se numa interpretação que autoriza o reconhecimento da legitimidade do Ministério Público, em razão da combinação sistemática de diversos comandos constitucionais e legais cotejados entre si. Tal compreensão respalda-se em entendimentos jurisprudenciais favoráveis à caracterização da legitimidade do Ministério Público. Quanto aos dispositivos normativos, o Parquet argúi também que, mesmo que se considere os direitos em questão como direitos individuais homogêneos, o argumento de ilegitimidade do Ministério Público Federal restará superado, tendo em vista o disposto no art. 129, IX da Constituição da República e art. 6o, VII, "d" da Lei Complementar 75/93 (que dispõe sobre a legitimidade do MP para promover inquérito civil e ação civil pública com objetivo de proteger outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.) Desse modo, deve o art. 129, IX da Constituição, ser interpretado em conjunto com o art. 6o, VII, "a" e "b" e XII, da LC n.º 75/93. Também são invocados o art. 127, por se tratarem de "interesses sociais", e os incisos II e III do art. 129 da Constituição. Como consta da petição inicial, peça inaugural da ação civil pública em comento, "O interesse tutelado, portanto, tem natureza difusa, qualificando-se como transindividual, indivisível com titulares indeterminados ligados por circunstâncias de fato, na medida em que a sentença de procedência beneficiará não só os atuais, como também os futuros segurados da previdência social." Também para o Ministério Público, sua legitimidade, para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos, vai além da defesa do interesse individual, tendo por objetivo maior a busca, através do provimento jurisdicional, da igualdade material, pois a proteção aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos fundamenta-se constitucionalmente na busca pela justiça social e no princípio da igualdade. Recorrendo à força do argumento de autoridade, é sustentado que o entendimento jurisprudencial segue no sentido de que os interesses individuais homogêneos possam ser defendidos pelo Parquet, no momento em que se configure o interesse social, o que resta claro no caso sub judice, por se tratar de questão relativa a seguridade social. Invoca, especialmente, o Supremo Tribunal Federal, que já se manifestou pela legitimidade ativa do Ministério Público, na defesa dos direitos individuais homogêneos, no Recurso Extraordinário 163.231-3/SP, julgado em 26.02.1997: "(...) segundo a Corte Suprema, está o Ministério Público legitimado à defesa dos direitos individuais homogêneos (a) tanto por comissão do artigo 129, III, da Constituição Federal, na medida em que tal categoria pertence ao gênero dos direitos coletivos, (b) quanto por possuir a Instituição o dever de exercer todas as outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, conforme extensão do rol de suas funções institucionais feita pelo inciso IX, do artigo 129, da Lei Suprema:" Assim, a legitimidade do Ministério Público para interpor a ação civil pública decorre da natureza do interesse em que se fundamenta a ação, que, por tratar-se de interesse transindividual, tem sua defesa via ação coletiva perfeitamente cabível. O órgão julgador de primeira instância sufragou a tese da legitimidade do Ministério Público, reconhecendo que o direito argüido na ação caracteriza-se como difuso, conforme dispõe o inciso I, do art. 81 do CDC, o que autoriza a sua defesa via ação coletiva. Além disso, o direito em questão tem natureza constitucional, fundamentando-se nos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Assim, mesmo que se entendesse que o direito pleiteado se caracteriza como direito individual homogêneo, o Ministério Público também seria parte legítima para propor a ação. De acordo com a jurisprudência dominante, no entender da juíza, os interesses individuais homogêneos, quando configuram o interesse social, podem ser defendidos pelo Parquet. O Tribunal Regional Federal da 4ª. Região corroborou o entendimento adotado pela juíza da causa, superando, desta forma, a barreira erigida pela técnica processualista. Quanto à problemática da extensão da decisão judicial, a posição apresentada pelo Ministério Público incorpora os dois aspectos dos debates acima narrados: viabilidade de controle difuso em sede de ação civil pública e extensão nacional da decisão judicial. Sustenta ao autor da ação - em suas várias manifestações ao longo de todo o processo - a possibilidade de ser declarada a inconstitucionalidade da lei em sede de ação civil pública, pois esta e a ação direta de inconstitucionalidade não se confundem. Na primeira, o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei é meio para alcançar a obrigação de fazer pretendida pelo autor e, na segunda, a inconstitucionalidade é o fim objetivado pelo autor. E, por conseguinte, a extensão dos efeitos da coisa julgada, na ação manejada, para todo o território nacional. Defende, pois, que o art. 16 da Lei n.º 7.347/85 contraria a política constitucional de defesa de interesses e direitos difusos, ofendendo o princípio da universalidade da jurisdição e do acesso à justiça. A própria natureza do direito em apreço não admite sua cisão, pois o tratamento dos direitos transindividuais demanda uniformidade. Destarte, a restrição legislativa, se prevalente, acarretará a multiplicação de demandas e a diversidade de soluções, vez que o réu, o INSS, é uma autarquia de âmbito nacional que lesa, da mesma forma, os direitos dos segurados de todo o país. Tal fato, por si só, determina que os efeitos da coisa julgada ultrapassem os limites territoriais do órgão prolator. Ademais, no entendimento do Ministério Público, não se pode confundir a competência para o conhecimento da ação com os limites subjetivos da res iudicata. O art. 103, da Lei n.º 8.078/90, que disciplina os efeitos da coisa julgada, é aplicável às ações civis públicas conforme se depreende do art. 21, da Lei n.º 7.347/85. O seu efeito é, portanto, erga omnes. Assim, quanto ao limites subjetivos da coisa julgada, sustenta o Parquet: "Os limites subjetivos da coisa julgada, por seu turno, consubstanciam-se nas partes sujeitas aos efeitos da sentença. Nas ações destinadas à tutela de interesses difusos e direitos individuais homogêneos, entretanto, a eficácia da sentença ultrapassa as partes meramente formais, beneficiando a todos aqueles que tenham direito idêntico ao defendido na ação, nos moldes do art. 103 e seus incisos do CDC ". Desse modo, verifica-se que a nova redação do art. 16 da LACP confunde competência com limites subjetivos da coisa julgada, indo de encontro às finalidades das ações coletivas, não sendo, portanto eficaz. Por fim, quanto à competência, que observa a regra do art. 93 do CDC, é inquestionável a competência do foro de Porto Alegre. O Poder Judiciário, em distintos graus de jurisdição, acolheu a tese do Ministério Público. Em primeira instância, decidiu-se que o ordenamento jurídico brasileiro contempla o controle difuso da constitucionalidade, o que permite que juízes de 1o grau reconheçam, como fundamento de decidir, a violação de normas constitucionais. No caso sub judice, verifica-se que o objeto da ação consiste na garantia de manutenção de um direito de ordem constitucional, tendo por um de seus fundamentos a violação de direitos constitucionalmente assegurados. Portanto, o art. 16, da Lei n.º 7.347/85, que limita os efeitos da coisa julgada, não deve ser aplicado. Deve-se observar ainda que o art. 103, do Código de Defesa do Consumidor, combinado com a legislação da ação civil pública (conforme dispõe o art. 21 da Lei n.º 7.347/85), determina que a coisa julgada operará erga omnes. A juíza ressalta, além disso, que a natureza do direito exige tal tratamento, afim de que sejam preservados os princípios da universalidade da justiça e do acesso à justiça. E mais, o Ministério Público Federal é uma instituição una e indivisível, cuja área de atuação abrange todo o território brasileiro - e a negativa do INSS, na concessão dos benefícios pleiteados, possui uma amplitude nacional. Entendimento diverso - como o pretendido pela autarquia ré - seria contrário às finalidades das ações coletivas. Na verdade, a questão da possibilidade de controle difuso de constitucionalidade, por via de ação civil pública, parece superada pelo Supremo Tribunal Federal que, em sede de medida liminar, em 08.05.2000, na Reclamação n. 1499-1, apresentada pelo INSS, no processo examinado, decidiu, tendo como relator o Min. Moreira Alves: "1. Trata-se de reclamação ajuizada perante esta Corte pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra a Juíza Federal da 3º. Vara Previdenciária de Porto Alegre - Seção Judiciária do Rio Grande do Sul que concedeu liminar em ação civil pública, proposta pelo Ministério Público Federal, para obrigar o reclamante, em todo o território nacional, a processar e a deferir os pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão realizados por companheiros do mesmo sexo por entender inconstitucional a limitação imposta pelo § 3º do artigo 16 da Lei 8.213/91. Alega-se, na reclamação, unicamente que essa ação civil pública se apresenta como verdadeira ação direta de inconstitucionalidade, que é da competência exclusiva desta Corte que está, portanto, sendo usurpada.

2. Sucede, porém, que o Plenário deste Tribunal, a partir do julgamento das reclamações 597 e 600, já firmou o entendimento de que a ação civil pública, em casos como o presente que têm por objeto direitos individuais homogêneos, não é substitutiva da ação direta de inconstitucionalidade, e isso porque se trata, nessas hipóteses, de ação ajuizada entre partes, na persecução de bem jurídico concreto, individual e definido, de ordem patrimonial, objeto que não poderia ser alcançado em controle em abstrato de ato normativo. 3.Em face do exposto, e com base nessa orientação, nego seguimento à presente reclamação". O sufrágio das teses sustentadas pelo Ministério Público evidencia uma interpretação teleológica da ordem jurídica, voltada para a otimização da ação civil pública, como instrumento de proteção da cidadania coletiva. O entendimento adotado pelo Judiciário privilegia a extensão da proteção concedida pela tutela jurisdicional, em detrimento de uma concepção mais formalista da técnica processual. Prevalece, uma leitura, neste particular, permeável às concepções mais inovadoras da efetividade material dos processos coletivos, consentânea aos reclames de uma sociedade de massa. 7.3 A dimensão material do caso A dimensão material do caso consubstancia-se numa indagação principal: é possível a inclusão de homossexuais como beneficiários do regime previdenciário, tendo em vista a legislação vigente? E, em caso positivo, em que circunstâncias? Para se chegar à resposta adequada, três são os pressupostos teóricos que informam a questão: a interpretação constitucional adotada, a concepção dada ao princípio constitucional da igualdade e aos direitos fundamentais. Os três pressupostos contornam o desenho dos direitos envolvidos no processo, caracterizando-os como direitos fundamentais, revelando a leitura que se faz das relações homossexuais, e se tal opção sexual influencia diretamente na qualidade da cidadania reconhecida a essa minoria sexual. Apesar de o núcleo da fundamentação girar em torno da interpretação constitucional, do princípio da igualdade e da caracterização dos direitos pleiteados como espécie dos direitos fundamentais, outras questões decorrentes ou periféricas também foram trazidas a lume. Assim, como há uma imbricação direta com os pressupostos teóricos apontados, decidiu-se apresentar todas as questões debatidas, na ação civil pública, observando-se a forma de abordagem das mesmas pelo autor da ação e pela decisão tomada pelo julgador do caso a esse respeito. Sempre que possível, preservase a estrutura argumentativa construída pelos atores processuais, fazendo-se, em notas de rodapé, referências bibliográficas sobre o debate travado. Entende-se que tal sistematização revela, com maior clareza, a dimensão argumentativa da atividade jurisdicional, enquanto instrumento de proteção de direitos. 7.3.1 A pretensão autoral e sua fundamentação O Ministério Público Federal argumenta que a vedação da concessão de benefícios previdenciários a dependentes homossexuais, com base no art. 16, §3o, da Lei n.º 8.213/91, está em desconformidade com a preservação dos direitos fundamentais, os quais, no Estado Constitucional Brasileiro, possuem o status de direitos subjetivos. A fundamentação do Ministério Público Federal é desenvolvida a partir dos principais núcleos de reflexão apresentados a seguir: (a) a problemática do princípio da igualdade e a vedação do tratamento discriminatório contra homossexuais; (b) o status dos direitos fundamentais no Estado Constitucional Brasileiro; (c) o direito do companheiro homossexual ao benefício da pensão por morte e auxílio-reclusão; (d) os métodos de interpretação constitucionais: a concretização da norma constitucional; a dogmática sobre a restrição dos direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade; (e) a extensão dos benefícios (interpretação adequada das normas infraconstitucionais regulamentadoras dos benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão) e os direitos sociais derivados; (f) a comprovação da relação de companheirismo. Com relação à questão da igualdade, ela é exposta em duas reflexões: a dogmática prevalecente e a vedação do tratamento discriminatório contra homossexuais. Quanto à dogmática do princípio da igualdade, tem-se por expressamente consagrado o caput do art. 5o da Constituição da República de 1988. É necessário que tal princípio seja observado em seu sentido material, isto é, "casos iguais devem encontrar regras iguais". A identificação de fatos iguais deve ser feita, conforme ensina Konrad Hesse (1998), distinguindo as características essenciais e não essenciais para o reconhecimento de determinado direito. A diferença no tratamento de casos iguais será arbitrária e inconstitucional quando tomar por base uma característica não-essencial do direito. Com base nesses ensinamentos, o autor argúi: "O direito geral de igualdade do art. 5º permite aduzir o seguinte enunciado normativo: Todas as características não previstas na Constituição como essenciais são consideradas não essenciais, portanto, viola o princípio da igualdade qualquer discriminação fundada nestas características não contempladas pela Constituição". No art. 3o da Constituição da República, que trata dos objetivos fundamentais da República, o constituinte deixou claro que a promoção do bem de todos será feita sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Estas são, portanto, características não-essenciais para reconhecimento dos direitos fundamentais. Por sua vez, o princípio da igualdade veda o tratamento discriminatório contra homossexuais. Nessa via, o autor sustenta que a orientação sexual não está prevista em nenhum dispositivo da Constituição como elemento essencial para a caracterização de direitos e, por isso, não pode ser fator determinante para o reconhecimento de direitos aos indivíduos. Argumenta ainda que a proibição de discriminação por sexo expressa no art. 3o da Constituição da República, inclui a orientação sexual, conclusão à que chega, pela adequada compreensão do dispositivo que deve ser norteada pelos princípios que informam a interpretação dos direitos fundamentais, ou seja, princípio da força normativa da constituição e da efetividade dos direitos fundamentais. Ressalta, também, que os direitos fundamentais devem ser interpretados extensivamente. O direito do companheiro homossexual de perceber o benefício da pensão por morte e auxílio-reclusão é uma das manifestações dos direitos previdenciários, de matriz social que deriva da combinação de diversos dispositivos. O direito à previdência social é inserido na Constituição da República no rol dos direitos fundamentais, conforme comando do art. 6o. Mais adiante, no art. 194, a Constituição enuncia o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, o qual também está expresso no art. 2º da lei n.º 8.213/91. Este princípio é, segundo o autor, uma decorrência do princípio da igualdade; e, no art. 201, a Constituição enumera os benefícios previdenciários, entre os quais estão o de pensão por morte (inciso V) e o de auxílio-reclusão (inciso IV). Para o Ministério Público, sendo este o contorno constitucional a ser adotado, não existe dispositivo constitucional sobre os direitos fundamentais ou direitos previdenciários que autorize a discriminação em razão da orientação sexual, o mesmo ocorrendo com as normas infraconstitucionais regulamentadoras dos benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão. O INSS indefere os benefícios da pensão por morte e do auxílio-reclusão, fundamentando-se no § 3o do art. 16, da Lei n.º 8.213/90, que define a relação de companheirismo como equiparada à união estável, fazendo remissão ao §3º do art. 226, da CF, que reconhece a "união estável entre homem e mulher". Para o autor, a interpretação restritiva abraçada pelo INSS está em desconformidade com o atual estágio da dogmática dos direitos fundamentais. Quanto à dogmática sobre a restrição dos direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade, argúi o autor que os direitos fundamentais só podem ser limitados quando estiverem em confronto com outro direito fundamental, hipóteses que serão resolvidas através do princípio da proporcionalidade. No caso da restrição dos benefícios previdenciários aos homossexuais, não se verifica conflito com outro direito fundamental e, por isso, a sua restrição viola o princípio da proporcionalidade. O autor também aborda a questão dos direitos sociais derivados, que são uma construção da doutrina e da jurisprudência alemã, conceituados como "aqueles direitos sociais previstos e regulamentados em lei que são subtraídos à determinada pessoa ou grupo de pessoas em ofensa ao princípio da igualdade". O representante do Parquet sustenta que, dos fatos narrados, se depreende um direito derivado à prestação, pois a discriminação em razão da orientação sexual subtrai dos companheiros homossexuais a possibilidade de requerer os benefícios previdenciários, afrontando o princípio da igualdade. E, portanto, caracterizada a derivação desses direitos. No que diz respeito à comprovação da relação de companheirismo, os critérios regulamentares previstos no Decreto n.º 3.048/99 (art. 22 e seguintes) guardam perfeita sintonia com a relação homossexual, devendo, pois, serem regularmente observados.

Por fim, a construção da tese exposta pressupõe uma aproximação com os métodos de interpretação constitucionais e, em especial, com a concretização da norma constitucional. Assim, para demonstrar a procedência de sua pretensão, o autor utiliza-se do método de interpretação das normas constitucionais proposto por Konrad Hesse denominado de método de concretização das normas constitucionais, o qual desenvolve os conceitos de programa da norma e de âmbito da norma. Além desse método, deve ser utilizado o método sistemático, que advém do princípio da unidade da constituição. Assim, o §3º do art. 226, da Constituição, deve ser interpretado em conjunto com o caput do art. 5º, o inciso IV do art. 3º e com os dispositivos sobre os benefícios previdenciários. A partir dos métodos de interpretação apresentados, conclui o autor que §3o do art. 226, da Constituição, não exclui os casais homossexuais para fins de união estável. Assim, o Parquet entende ser inconstitucional o §3º do art. 16, da Lei n.º 8.213/91, por afrontar o princípio da igualdade. Na hipótese de não se entender que o §3º do art. 226, da Constituição, não abriga as uniões homossexuais, resta o argumento de que este dispositivo se aplica somente às questões de direito de família, não sendo aplicável nas questões de direito previdenciário, uma vez que o art. 201, V, não exclui, expressamente, dos homossexuais o direito ao recebimento dos benefícios previdenciários. 7.3.2 A decisão judicial e sua fundamentação A decisão judicial estabelece que a limitação imposta pelo §3º do art. 16, da Lei n.º 8.213/91, que considera companheiros apenas aqueles que vivem em união estável, nos termos do art. 226, da Constituição, não encontra suporte constitucional, reconhecendo o direito pleiteado pelo Ministério Público. A fundamentação do decisum, de forte conotação constitucional, desenvolve-se a partir dos tópicos apresentados a seguir: a filtragem hermenêutico-constitucional; os direitos fundamentais e o Estado Democrático de Direito; o princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade vedando a discriminação por orientação sexual; os direitos fundamentais de seguridade social; e a questão homossexual (caracterização constitucional das uniões homossexuais, as relações homossexuais em face da Previdência Social, a relação de dependência para fins previdenciários e a sistemática de inscrição dos companheiros homossexuais). No que tange à interpretação constitucional, a questão foi examinada sob a perspectiva da filtragem hermenêutico-constitucional. Para que as normas garantidoras do Estado Democrático de Direito não se tornem letra morta, é necessário superar os limites do positivismo jurídico, elaborando uma nova hermenêutica comprometida com o fato social. Deve-se ressaltar, também, que a legislação disciplinadora dos direitos sociais deverá ser lida em consonância com os preceitos enunciados pela Constituição, a fim de obter a sua efetividade. Para fundamentar tal posicionamento, a juíza utiliza-se, entre outras, das lições de Hans-Georg Gadamer para quem a hermenêutica constitucional deverá sempre considerar o processo de compreensão histórico. Além disso, Gadamer entende que a tarefa do Poder Judiciário é criar direito novo, o qual será aplicado, a cada caso concreto, e realizado, a cada nova interpretação de forma única e diferenciada. Nesse contexto, desempenha papel fundamental a categoria da pré-compreensão que reconhece a participação da história de vida do intérprete como elemento condicionador da atividade de interpretar. Assim, a julgadora conclui que: "o intérprete não pode se afastar da vida real [...], pois interpretar não é somente considerar o texto legal, mas criar a norma - ou efetivar sua leitura - para a situação concreta". E, com relação aos direitos discutidos na ação civil pública, dispõe: "[...], a leitura da legislação infraconstitucional de Previdência Social - Lei n.º 8.213/91 deve-se submeter à filtragem hermenêutica constitucional nos termos supra-propostos, o que implica, antes de mais nada, uma visão do próprio texto constitucional intricado com os fatos sociais e com realidade, das quais não pode afastar-se". Quanto aos direitos fundamentais e o Estado Democrático de Direito, a vinculação se dá no plano normativo, já que a Constituição de 1988 consagra o Estado Democrático de Direito e registra, como princípios fundamentais da República Brasileira, a garantia da dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. E uma das expressões desse Estado Democrático é justamente o modo como é estruturada a seguridade social. Dessa forma, o Estado deve ser ativo, operando através de políticas públicas, orientadas pela idéia de função social, em proveito da asseguração da qualidade de vida dos cidadãos, incluindo garantias de efetivação dos direitos humanos fundamentais. A vedação de discriminação por orientação sexual é extraída a partir dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Desde o preâmbulo, a Constituição de 1988 deixa claro o propósito de instituir um "Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...]". A Constituição também define, como fundamento e objetivo da República, respectivamente, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III) e a promoção do bem de todos, "sem preconceitos de origem de raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3º, inciso IV); e adiante, consagra o princípio da isonomia (art. 5º caput). Assim, verifica-se que os direitos humanos adquiriram importância fundamental na constituição do Estado Democrático de Direito, configurando-se como efetivos direitos públicos subjetivos. Para a julgadora, a vedação do acesso aos benefícios previdenciários, pelos companheiros homossexuais, afasta deste grupo a proteção estatal, e, via de conseqüência, viola o princípio da dignidade humana. Em sua concepção, "a intimidade e a vida privada dos cidadãos não podem ser objeto de controle ou avaliação pelo Estado, tampouco constituírem fator determinante para o reconhecimento ou não de direitos". O indeferimento dos pedidos de benefícios para companheiros homossexuais também viola o princípio da igualdade, pois se verifica que foi dado tratamento diferenciado em situações equiparáveis, quais sejam: a união entre pessoas de sexo diverso e a união entre pessoas do mesmo sexo, ambas desprovidas de vínculo jurídico de casamento civil, mas esteadas fundamentalmente na relação de afeto, companheirismo e dependência mútua. A observação do princípio da isonomia demanda o reconhecimento de todos os indivíduos como sujeitos de direitos, independente de sua orientação sexual. Uma das conseqüências da igualdade é a vedação da eleição de critérios discriminatórios, desprovidos de qualquer razoabilidade, para afastar certo grupo de pessoas do gozo de direitos, conforme disposto no inciso IV, do art. 3o, da Constituição. No entendimento da juíza, assim como exposto pelo Ministério Público, a discriminação em virtude de orientação sexual é espécie de discriminação em razão de sexo. Ainda que não se concorde com esta interpretação, a discriminação por orientação sexual está afastada pela cláusula geral que veda quaisquer outras formas de discriminação. Além disso, a julgadora também toma por fundamento a força normativa dos direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais (art. 5º, § 2o CF) e cita dispositivos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 1o, 2o e 7o ) e da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 5o [1], art. 7o [1], art. 11 [1], art.11 [2], art. 11[3] e art. 24), que expressam o repúdio por qualquer ato discriminatório. E, ao final deste tópico, conclui: "Ao Estado que se diz democrático não assiste o poder de exigir de seus cidadãos que, para que lhes sejam assegurados direitos sociais, devam adotar orientação sexual pré-determinada". Por outro lado, há os direitos fundamentais de Seguridade Social que demandam cumprimento. Segundo a julgadora, a "Seguridade Social é um sistema gerido pelo Estado que objetiva dar cobertura a eventos em regra imprevistos (riscos sociais) que venham a acometer as pessoas que neles vivem, fornecendo-lhes prestações e serviços que garantam sua sobrevivência".

Dessa forma, os direitos sociais são uma dimensão dos direitos fundamentais, os quais expressam princípio da igualdade material, em sua dimensão econômica e social. A seguridade social é prevista como um direito humano fundamental no art. 25, da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Outro aspecto que deve ser ressaltado, com relação à seguridade social, é o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, consagrado no inciso I, do art. 194, da Constituição. Este princípio deve ser visto sob dois aspectos: o subjetivo, que significa que a seguridade social deve ser acessível a todas as pessoas no território nacional (sistema baseado na solidariedade) e o objetivo, que significa que a seguridade social busca atender todos os riscos sociais que estão sujeitos as pessoas. Este princípio explicita a característica do modelo de Seguridade Social baseado na repartição no sentido horizontal, sistema baseado fundamentalmente na solidariedade. Ao final dessa exposição, dispôs a julgadora: "Sendo assim, é evidente que a Seguridade Social é garantia e direito fundamental de todos os cidadãos, não podendo ser afastada sob o pálio de discriminações injustificadas por orientação sexual. Uma vez que dentre os objetivos da Seguridade Social está o amparo dos cidadãos em situações de risco, com finalidade de garantir os meios para o exercício da cidadania plena e preservação da dignidade humana, o só-fato da adoção de uma determinada orientação sexual - que, frise-se, também configura direito fundamental de personalidade, incluindo intimidade - não pode colocar cidadãos fora de sua abrangência, sob pena de quebra da própria noção de Estado Democrático de Direito, fundado nos Direitos Humanos". Quanto à questão homossexual, propriamente dita, a juíza a abordou a partir dos seguintes elementos: a caracterização constitucional das uniões homossexuais; as relações homossexuais em face da Previdência Social; a relação de dependência para fins previdenciários; a sistemática de inscrição dos companheiros homossexuais. A caracterização constitucional das uniões homossexuais pressupõe a compreensão aberta e flexível da noção de entidade familiar, calcada no reconhecimento de uma esfera íntima que deve ser neutra perante o Direito. O reconhecimento do direito à indiferença implica a aceitação de que a constituição de relacionamentos se encontra na esfera íntima dos indivíduos, que deve ser preservada, e de que as uniões afetivas e estáveis se dão entre pessoas, independente dos sexos destas. A imposição de um padrão de "normalidade" nas relações afetivas e sexuais é inconstitucional, em razão das garantias e dos princípios consagrados na Constituição. Desse modo, verifica-se que o art. 226 da Constituição não é taxativo, mas apenas enumera algumas das formas de entidades familiares. A noção moderna de família está vinculada às noções de afeto e de solidariedade, valorizando-se as uniões entre pessoas em que se estabelece uma comunhão de vida voltada para o desenvolvimento da personalidade, mediante vínculos sexuais e afetivos duradouros. De fato, as uniões homossexuais constituem unidades afetivas familiares e estão abrangidas pela noção de entidade familiar à qual se refere o art. 226. "Em suma, as pessoas que integram uniões homossexuais caracterizadas pela estabilidade, comunhão de vida, afetividade, externação social constituem efetivas comunidades familiares, que merecem tanto a proteção do Estado quanto aquelas integradas por casais heterossexuais." No tocante às relações homossexuais e à Previdência, o art. 201, V, da Constituição, utiliza o termo "companheiro", não especificando a exigência de que se constitua uma união estável. Desse modo, não se verifica nenhum obstáculo para o reconhecimento de relação de dependência nos relacionamentos homossexuais estáveis. Nesses casos, assim como no casamento e nas uniões estáveis, a dependência é presumida em razão da ligação de amor, afeto e companheirismo que foi estabelecida entre as partes e justifica-se pelo princípio da obrigatoriedade da contribuição previdenciária, decorrente do sistema de repartição. A juíza sintetiza o seu raciocínio na seguinte passagem: "[...] se a Previdência Social, consoante abordado supra, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, provendo os encargos familiares em caso de morte ou reclusão do segurado garantia que advém diretamente do texto constitucional como direito fundamental, obviamente que deve atender a todos, incluindo as famílias constituídas por homossexuais, que não se distinguem das famílias heterossexuais". Desse modo, conclui que a condição de dependente pode decorrer das relações de afeto e de solidariedade heterossexuais ou homossexuais. Reconhecido que as relações homossexuais se encontram amparadas para fins previdenciários, a julgadora precisou definir qual seria a relação de dependência necessária para o deferimento de benefícios previdenciários. A comprovação do vínculo, nas relações homossexuais, deve observar as disposições do art. 22, do Decreto n.º 3.048/99, assim como ocorre nas relações heterossexuais. O dependente que requerer a sua inscrição deverá comprovar a existência de relacionamento homossexual estável, o que caracteriza a relação de dependência para fins previdenciários. Não é necessário comprovar a dependência econômica, pois a dependência entre os companheiros dos segurados é presumida, conforme dispõe o §4º, do inciso I, art. 16, da Lei n.º 8.213/91. Esta presunção, na concepção da julgadora, é absoluta, pois "se presume em razão da comunidade de vida estabelecida entre pessoas, cujo padrão de vida decorre dos rendimentos auferidos." Entendimento diverso acarretaria a inversão do ônus da prova, cabendo ao INSS comprovar a ausência de dependência econômica. Por fim, ao analisar um dos pedidos do Ministério Público, consistente na faculdade dos companheiros homossexuais procederem a inscrição junto ao INSS, em qualquer hipótese, distintamente do que dispõe a regra geral, coube à juíza definir a sistemática de inscrição dos companheiros homossexuais. Neste caso ficou reconhecido a sua procedência, no sentido de assegurar condições especiais aos homossexuais, em razão dos preconceitos que os companheiros homossexuais podem vir a sofrer de empregadores e de sindicatos. No entendimento da julgadora, o tratamento diferenciado é, ao menos, em primeiro momento, a única maneira de garantir a igualdade. 7.4 O exercício jurisdicional e as implicações teóricas da decisão O caso examinado admite uma série de reflexões que apontam para sua importância não só na luta por direitos dos homossexuais, mas também para a construção de uma cidadania renovada e efetiva. Dele também extraem-se algumas conclusões interessantes sobre a atividade jurisdicional, mormente a desenvolvida pelos juízes de primeira instância. A consagração da ação civil pública, como via de proteção dos homossexuais, no que tange à questão de benefícios previdenciários, evidencia preocupação com amplo acesso dos cidadãos ao Judiciário, de forma abreviada e simplificada (respaldada na celeridade e na economia processual), sintonizando-se com uma "nova consciência e sensibilidade que se desenvolvem no terreno jurídico". Privilegia também o valor do tratamento uniforme, pois a decisão prolatada é única e abrangente para todo o universo gay. Como alerta Mendes: "Não se pode negar, ademais, que a falta de um mecanismo de controle de constitucionalidade pode ser fatal para os direitos e garantias fundamentais, que ficariam, de fato, à mercê da vontade do legislador. É, exatamente, a proteção judicial e o controle de constitucionalidade que outorgam efetividade a essas garantias. E este parece ser o ponto central de nossas reflexões, resumido na feliz síntese de Erhard Denninger: "A forma pela qual a jurisdição constitucional utiliza a competência que lhe foi conferida é essencial para o desenvolvimento da "Constituição vivida" (gelebte Verfassung), da "Constituição real" (reale Verfassung), sobretudo para a efetiva concretização dos direitos da cidadania. A efetividade da proteção dos direitos fundamentais para as minorias socialmente discriminadas e grupos não-privilegiados depende em última instância da atuação do Poder Judiciário." Esse relevante papel dos órgãos da jurisdição constitucional no mundo hodierno está a desafiar a criatividade do jurista com o propósito de desenvolver técnicas de decisão adequadas a promover a concretização da vontade constitucional" (2003a) Os debates travados revelam também uma sensibilidade para a discussão pós-positivista que se tem reforçado em nosso meio doutrinário, marcada pelo resgate do papel dos princípios e da argumentação na decisão judicial, pela aproximação entre a Ética e o Direito, pela valorização dos direitos fundamentais. A permeabilidade a esses temas acaba por desembocar em uma nova forma de interpretar a Constituição, vocacionada para a realização de seus desideratos materiais que se sintetizam na expressão "dignidade humana". Para Barroso:

"A nova interpretação constitucional assenta-se no exato oposto de tal proposição: as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, não se prestam ao sentido unívoco e objetivo que uma certa tradição exegética lhes pretende dar. O relato da norma, muitas vezes, demarca apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas. À vista dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos fins a serem realizados é que será determinado o sentido da norma, com vistas à produção da solução constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido" (Barroso,2003:5). A adoção dessa interpretação constitucional renovada pode levar a um movimento de maior ativismo judicial, vez que sinaliza para o reconhecimento da relação de companheirismo homossexual, antes mesmo da previsão expressa em lei - o que qualifica essa opção de exercício da sexualidade humana, diversa dos parâmetros da "normalidade", como moralmente válida para o reconhecimento de direitos. Esse reconhecimento, ainda que não definitivo ou hegemônico (a própria resistência do INSS em cumprir as ordens judiciais denuncia isso), colabora para a revisão do conceito que a homossexualidade goza na sociedade brasileira, aproximando-o das leituras de construção social e de neutralidade exigidas pelo movimento gay. Verifica-se também um movimento de aproximação entre a reflexão dogmático-teórica, produto clássico do esforço acadêmico, concentrado mormente nos programas de Pós-Graduação Stricto Sensu, e sua assimilação, incorporação e aplicação efetiva do direito pelos chamados "operadores jurídicos", especialmente pelos atores técnicos que participam da relação processual (juiz, advogado e ministério público). Revela-se, aqui, a potencialidade da instituição "Justiça" , como um permanente e contínuo laboratório para aprimoramento de um sistema jurídico aberto e democrático, compromissado com os valores fixados na Constituição, cuja eficácia real não se encontra entregue ao legislador ou ao juiz, enquanto fontes clássicas de produção e de aplicação normativa, respectivamente. Porém pressupõe uma participação mais ampla de toda a sociedade, quer com atores institucionais-formais, como os já mencionados, quer com atores informais - o que projeta fronteiras mais alargadas, rumo à construção de uma legitimidade democrática da atividade jurisdicional que desemboca na própria legitimidade do Estado Democrático de Direito. Por outro lado, comparando-se as decisões de primeiro grau com as manifestações já proferidas pelos órgãos judicantes revisores, percebe-se uma tensão, entre a dimensão material e a formal da relação processual, que se corporifica através do exercício jurisdicional. Até o momento, em grau revisor, as questões pertinentes à estrita técnica processualista (que se ventilaram nos muitos recursos das decisões interlocutórias) prevaleceram e, em certa medida, desviaram o foco de reflexão da questão gay, em si, enquanto minoria sexual a ser amparada pelo Poder Judiciário, podendo inclusive relegá-la a um segundo plano. Entretanto, tal avaliação é precária e transitória, dado que o Tribunal de Segunda Instância - competente para confirmar ou reformar a sentença procedente prolatada, em sede de apelação - ainda não julgou a pretensão formulada pelo Ministério Público Federal. Não havendo, por conseguinte, trânsito em julgado, há de se esperar a manifestação final da Corte, para que se possa apresentar uma avaliação definitiva. Mesmo que, em última instância, se entenda que as questões processuais ou mesmo de hermenêutica constitucional obliteraram o debate para a construção de uma cidadania gay, o saldo final, se mantida a decisão da Juíza Federal, será positivo. Ter reconhecido o direito de exigir do Estado prestação positiva de cunho social, não nulificada pela forma de exercício da sexualidade expressa chancela pública - através da figura do Estadojuiz - de que a opção sexual não é fator legítimo para a exclusão de direitos, recepcionando a concepção de critério neutro de diferenciação. Colabora, de forma institucionalizada, para a ruptura do estranhamento e dos preconceitos quanto às relações gays, atende, também, a uma dimensão de igualdade material real e anuncia a responsabilidade social da atividade jurisdicional, como mecanismo de efetivação da cidadania. Reforça-se a compreensão de que as pessoas são iguais, embora diferentes. 7.5 A Justiça e os homossexuais: um mar de rosas? Ao se falar de Justiça, deve-se levar em conta a polissemia do termo, como adverte Wilson. "A linguagem da Justiça - provavelmente porque seja tão proeminente no discurso político ocidental - frequentemente importa na presunção sobre quais formas de justiça são apropridas, e para quem. Se o que se busca é tirar proveito do nosso novo posicionamento na corrente principal/majoritária, devemos cuidar para que a linguagem empregada esteja articulada com as mudanças fundamentais que gostaríamos de promover na construção da sexualidade na sociedade ocidental. E em cada sistema de justiça/judiciário, podemos ser forçados a estabelecer/fazer compromissos iniciais, a rearticular, a construir coalizões, se um diferente tipo de justiça for percebido. A questão da justiça para gays e lésbicas não é, como este livro testemunhará, e como nós vimos experimentando, uma questão simples" (1995: 9). 165 Assim, cotejando-se os dois casos discutidos - o deste capítulo e o do imediatamente antecedente - as peculiaridades atribuídas ao sistema jurídico considerado (sistema de Common law e de Civil law; estruturas processuais distintas; órgãos judiciais de hierarquia distinta; pretensões diversas, entre outras) poderiam levar à conclusão de que não há paralelos a serem traçados. Entretanto, relacionando-se os casos estudados, certos aspectos chamam a atenção. Em especial, trata-se da importância da jurisdição constitucional e da interpretação que a orienta, acabando por condicionar a visão que irá prevalecer quanto ao princípio da igualdade. Abstraindo os efeitos concretos das decisões, é interessante observar que as mesmas percorrem caminhos diferentes, embora ambas sejam calcadas num discurso sobre igualdade constitucional. Na ordem externa, selecionou-se a decisão da Suprema Corte Norte-Americana, no caso Romer v. Evans, onde se discutiu a extensão da proteção a ser dada pela ordem jurídica contra a discriminação baseada em fatores de opção sexual, apontando-se as fragilidades do princípio da igualdade como fundamento de proteção da minoria gay. Na ordem interna, selecionou-se a Ação Civil Pública n.º. 2000.71.00.009347-0, proposta perante a 3a. Vara Previdenciária da Seção Judiciária de Porto Alegre, na qual se trabalha com o reconhecimento de pretensões de natureza previdenciária, para companheiros gays que se apóiam na leitura inclusiva do princípio da igualdade. Para a Suprema Corte, o princípio da equal protection of the laws (igual proteção das leis) admite a proteção de minorias específicas contra a legislação discriminatória, porém não reconhece a condição de classe suspeita aos homossexuais. Já para o Juízo da 3ª Vara Previdenciária de Porto Alegre, a exclusão dos companheiros homossexuais do rol dos beneficiários previdenciários não se justifica, o que impõe o gozo do benefício. Conclui-se que o significado do princípio da igualdade pode mostrar-se relativo e contingencial - há quem o denuncie como normativamente vazio. E está diretamente condicionado pela forma com que suas estruturas cognitivas se organizam e se articulam para justificar juízos decisórios: ora produzindo resultados concretos de cunho excludente, ora resultados voltados para a inclusão. Logo, um mesmo fundamento - equal protection ou princípio da igualdade -, concretamente aplicado e sofisticadamente deduzido, não traz a certeza de que o resultado será em prol de maior proteção de direitos. Os frutos da igualdade tanto podem ser amargos como doces, conservadores como libertários. E Rios afirma: "O reconhecimento formal, por parte da legislação, da jurisprudência ou da doutrina de certos direitos a homossexuais pode, paradoxalmente, nutrir-se de uma lógica discriminatória e excludente. O que se pensar diante do reconhecimento de direitos a homossexuais por intermédio de raciocínios preconceituosos? Protege-se a dignidade humana e a igualdade jurídica sustentando que homossexuais "não têm culpa de seu estado psíquico fruto de um desenvolvimento sexual interrompido ou invertido?" (2001:22-23)

165 "The language of justice, probably because it is so prominent in western political discourse, often imports assumptions about what kinds of justice are appropriate, and for whom. If we are to take advantage of our new positioning in the mainstream, we must be careful that the language we employ articulates the fundamental changes we would wish to make to the construction of sexuality in western society. And in each system of justice we may be forced to make initial compromises, to re-articulate, to build coalitions if a different kind of justice is to be realized. The question of justice for lesbians and gay men is not, as this book will testify, and as we have experienced, a simple matter" (1995: 9).

7.5.1 Quadro sobre os pontos de convergência entre o caso Romer v. Evans e a Ação Civil Pública no. 2000.71.00.009347-0 O quadro, a seguir, materializa os pontos de convergência entre as decisões, no tocante, especialmente, aos fundamentos da decisão e ao alcance das decisões. Caso

Romer v. Evans

Ação Civil Pública n.º 2000.71.00.009347-0

Corte

Suprema Corte dos Estados Unidos da América

Direito Invocado

proteção contra discriminação baseada em fatores de opção sexual

3ª Vara Federal Previdenciária - Circunscrição Judiciária de Porto Alegre reconhecimento de pretensões de natureza previdenciária para companheiros homossexuais - filtragem hermenêutico-constitucional; - direitos fundamentais e Estado Democrático de Direito; - princípio da dignidade da pessoa

Fundamentos da Decisão

- violação da cláusula da equal protection; - ausência de

humana e da igualdade vedando a discriminação por orientação

razoabilidade da proibição de edição de legislação protetiva aos

sexual; - direitos fundamentais de seguridade social e a questão

homossexuais

homossexual (caracterização constitucional das uniões homossexuais; as relações homossexuais em face da Previdência Social; a relação de dependência para fins previdenciários)

Alcance

Sistema de precedente vinculante

Eficácia erga omnes

Por fim, buscou-se, em dois momentos distintos, marcados pela análise dos casos escolhidos, revelar a dinâmica que anima a atividade jurisprudencial, enfatizando-se os argumentos debatidos para o reconhecimento (ou não) de que a minoria gay intitula-se à proteção judicial. Tal dinâmica encontra-se profundamente marcada pela interpretação constitucional utilizada pelo juiz que irá, ao aplicar a norma jurídica, traduzindo-a em direitos, recepcionar ou não as construções propostas pelo Movimento Gay sobre a homossexualidade, a sexualidade humana e o seu papel na formação da identidade individual e social. Têm-se, assim, por evidenciados a dimensão jurisdicional e a pontencialidade que esta dinâmica pode oferecer como esfera de proteção dos direitos dos homossexuais. "Sem justiça, o que são os reinos senão grandes assaltos; o que são os roubos senão pequenos reinos?" Santo Agostinho "Mas eles e elas, os raros, os desprezados, estão gerando, agora, algumas das melhores notícias que o nosso tempo transmite à História. Armados com a bandeira do arco-íris, símbolo da diversidade humana, elas e eles estão arremessando uma das mais sinistras heranças do passado. Os muros da intolerãncia começam a ruir. Esta afirmação de dignidade, que nos dignifica a todos, nasce da coragem de ser diferente e do orgulho de sê-lo." Eduardo Galeano166

SÍNTESE DAS IDÉIAS DESENVOLVIDAS

Trata-se aqui de apresentar a finalização da tese de doutoramento – o que se faz mediante a elaboração de proposições objetivas que se prestam a sintetizar os principais pontos abordados ao longo dos capítulos a respeito do tema escolhido. A hipótese de trabalho apresentada versa sobre a projeção da homossexualidade no universo jurídico, com suas implicações para as esferas legislativa e judicial, repercutindo em uma especificidade de tratamento como condição de proteção a esse grupo minoritário. Neste sentido, variáveis como a dignidade humana, o direito à diferença e a Justiça Sexual, testemunham a favor da especificidade de tratamento jurídico para a homossexualidade, transformando a questão em luta pela construção de uma cidadania que repercute diretamente na esfera dos direitos humanos. Tal necessidade é ressaltada, se o tema é considerado sob a ótica do direito comparado. A dimensão de direitos, a seu turno, caso negada aos homossexuais, como se constatou em diversas situações, evidencia as fragilidades dos sistemas jurídicos, que se prestam a perpetuar um discurso de dominação simbólica, com fortes traços heterossexistas, e condenam os homossexuais a uma vida de opressão, humilhação e desprestígio. Como ponto extremado dessa visão, cita-se aqui o exemplo dos países islâmicos que ainda criminalizam condutas homossexuais com a pena de morte. Por outro lado, se reforçada a esfera de proteção dos direitos, verifica-se que a cidadania pode vir a florescer em igualdade de condições com as pessoas heterossexuais, chancelando a neutralidade da orientação sexual como fator de distribuição de justiça e preservando a possibilidade de formas de vida diferentes, mas igualmente válidas. Nessa via a proteção 166 "Pero ellos y ellas, los raros, los despreciados, están generando, ahora, algunas de las mejores noticias que nuestro tiempo trasmite a la historia. Armados con la bandera del arco iris, símbolo de la diversidad humana, ellas y ellos están volteando una de las más siniestras herencias del pasado. Los muros de la intolerancia empiezan a caer. Esta afirmación de dignidad, que nos dignifica a todos, nace del coraje de ser diferentes y del orgullo de serlo." Eduardo Galeano

que a ordem jurídica estende aos homossexuais pode se dar em dois planos: o legislativo e o jurisdicional. Como exemplo da proteção via estado-legislador – que pode ser de diferentes graus – há o caso das sociedades européias que reconhecem legalmente as relações homossexuais e, em especial, a situação dos países que alteraram suas leis para possibilitar o matrimônio gay. A proteção deferida pelo estado-juiz pode também se dar das mais diferentes formas e é condicionada ao tipo de lide que é posta perante o Judiciário. Destaca-se a atuação arrojada da primeira instância do Judiciário Federal gaúcho que, até mesmo em ações coletivas, tem assegurado, aos homossexuais, igualdade material de direitos, no tocante a benefícios previdenciários. Feitas essas breves considerações, apresentam-se as considerações finais da tese.

1 Algumas leituras sobre a homossexualidade

1. Não há consenso acerca dos significados e significações da homossexualidade, mas há uma multiplicidade de representações e de concepções, as quais variam de contexto para contexto e de cultura para cultura, sendo assim uma categoria fortemente marcada pela historicidade. A despeito das controvérsias, nesta tese, considera-se a homossexualidade como a preferência e/ou inclinação por relacionamentos afetivos e/ou eróticos e/ou sexuais entre pessoas do mesmo sexo, abrangendo suas diferentes manifestações que integram uma minoria sexual não homogênea em suas práticas, suas intenções e seus propósitos. 2. Num plano sociológico, as leituras sobre a homossexualidade facilmente podem ser associadas à noção de dissidência e aos recursos e mecanismos desenvolvidos pela sociedade para neutralizá-la, já que a dissidência ameaça o universo simbólico prevalecente. Os mecanismos conceituais que conservam os universos simbólicos redundam, necessariamente, na sistematização de legitimações cognoscitivas e normativas que reciprocamente se implicam. As legitimações normativas, por sua vez, abrem as portas para a estruturação de uma ordem jurídica que cumpra com essa função de manutenção e de alimentação do universo simbólico. Mais amiúde, entre os diversos mecanismos conceituais que aparecem historicamente, em um série aberta de combinações e de modificações, há duas aplicações que merecem destaque: a terapêutica e a aniquilação. 3. A terapêutica pretende reformular a representação desviante, propondo corrigi-la, mediante a aplicação de mecanismos retificadores. A aniquilação traduz-se na destruição conceitual da representação divergente, vez que incompatível com o universo simbólico dominante. Estes mecanismos se operacionalizam, especialmente, nas representações da homossexualidade como doença/pecado/crime. Nas sociedades em que a representação social da homossexualidade é associada ao desvio (quer moral ou físico), a aniquilação e a terapêutica podem ser vistas como mecanismos recorrentes de neutralização da dissidência, animando experiências históricas, ao longo do tempo, e ensejando representações da homossexualidade compatíveis com o projeto de conservação do universo simbólico. 4. Os universos simbólicos são produtos sociais e, portanto, frutos da história. O entendimento de seu significado pressupõe um mergulho na história de sua produção e da forma com a qual a sociedade lida com o dissidente. A investigação no plano histórico da homossexualidade possibilita a verificação das concepções criadas a seu respeito, em função do universo simbólico dominante, de seus mecanismos de conservação e das estruturas de poder prevalecentes. Tais concepções se graduam da valorização à tolerância, da permissividade até aos extremos da condenação pública. Nesta tese, foram apresentadas, inicialmente, três concepções de homossexualidade, em períodos históricos distintos: a visão grega clássica era favorável à homossexualidade; a tipificação da homossexualidade como crime e pecado gravíssimo na Idade Média e a visão científica do século XIX, quando a homossexualidade passa a ser vista como doença; hoje já se encontra superada.

5. No Brasil, até o advento do movimento gay, prevaleceu a concepção da homossexualidade como algo pecaminoso, vergonhoso e passível de punição. Em linhas gerais, em nossa história da homossexualidade, incorporam-se, com os elementos que nos são peculiares, os rumos traçados no continente europeu. Assim sendo a estrutura normativa, recepciona a leitura da homossexualidade como pecado/crime de sodomia. Nas sucessivas leis penais vigentes desde as Ordenações do Reino até o Código Penal de 1940, observa-se que a sodomia de crime/pecado explícito, na era colonial, vai sendo substituída por um tratamento legal velado, que não afasta a repressão da tutela penal, pois as relações homossexuais passaram a ser enquadradas em tipos fluidos, fortemente marcados pela moralidade social vigente. A homossexualidade também recebeu um tratamento científico, sendo igualmente representada como doença. A patologização da homossexualidade se fez valer no cotidiano de nossa sociedade, sendo utilizada como mais um dos instrumentos de controle social, pelo aparto judiciário-psiquiátrico. Essa concepção foi consolidada, em 1927, com o caso de Febrônio Índio do Brasil, que acusado de estupro e morte de um menor, foi condenado como um louco moral, sendo internado em um manicômio por 29 anos.

2 A homossexualidade como movimento social

6. O movimento gay vem contribuindo para uma nova leitura da homossexualidade que, renovada, pretende libertar-se da carga negativa herdada através dos tempos, resgatando o exercício da cidadania e da sexualidade humana. Com a organização do movimento gay surge uma nova representação social para os homossexuais que passam a se ver como sujeito de direito, ainda que compreendidos como uma minoria. 7. Por minoria entende-se um grupo de pessoas que se encontram, em razão dos mais diversos fatores – alguns imodificáveis (como raça), outros voluntários (como crença), mas calcados, via de regra, em posições preconceituosas – em situação de flagrante desvantagem, no que toca à força política e, por conseqüência, ao exercício de direitos, implicando, para o grupo desvalido, a tomada de consciência da posição de inferioridade nas relações travadas na sociedade e da necessidade do estabelecimento de estratégias contra tal situação. É o reconhecimento de um grupo como minoria que o legitima a exigir um alto grau de proteção das instituições formais do Estado – quer para a subsistência e a preservação do grupo enquanto tal, quer como elemento de sua integração. 8. No que concerne à homossexualidade, a construção da concepção de minoria sexual, ao longo do tempo, não se deu de forma uniforme, resultando de um processo de evolução do próprio movimento homossexual. É a criação da categoria “homossexual” que abre espaço para o surgimento posterior de uma consciência gay, própria de um grupo social específico, calcada em um pluralismo sexual, baseado em outras formas de sexualidade. 9. A questão das políticas identitárias e da luta pelo reconhecimento é um dos grandes desafios do novo milênio, que tem um diagnóstico marcado pela fragmentação, pelo risco, pela incerteza, pelo avanço tecnológico, pela globalização. O tema pode ser compreendido especialmente como uma das grandes forças motrizes do chamado Multiculturalismo. Os pressupostos que informam tais reivindicações residem no primado da dignidade humana que reconhece a todos o direito à auto-realização e ao desenvolvimento pessoal, pois a todos os seres humanos é legítima a busca de felicidade. Para tanto, é necessário assegurar-se o valor do autoconhecimento, da autoconsciência, da autenticidade e da autonomia, como elementos de conformação do ser e de suas relações políticas no mundo. Demanda-se, por conseguinte, proteção à diferença como instrumento de combate e de resistência à opressão compartilhada por determinadas pessoas, cuja autenticidade não tem aprovação (moral, social, cultural ou política) da sociedade, devendo-se manter a especificidade como forma de inclusão, sem a exigência de renúncia aos caracteres identitários básicos.

10. O respeito à diferença tem repercussões diretas e imediatas no projeto de realização pessoal, que se encontra intrinsecamente ligado à questão da identidade e, assim, ao desafio do reconhecimento do outro. As questões envolvendo a construção da identidade e o reconhecimento são complexas, abrindo-se a uma série de possibilidades diferentes, especialmente quanto à identidade gay – que é multifacetada e tenciona a idéia de uma identidade sexual simples e “natural”, portanto, fixa e determinada – o que, a seu turno, condicionará os rumos e as demandas a serem defendidas pelo movimento homossexual e seus matizes. 11. Há dois pontos a serem ressaltados: a) o caráter desestabilizador da identidade gay, que se apresenta como um recurso libertário; b) a própria categoria em si. Reforça-se assim que no tocante à homossexualidade, a problemática da identidade é um ponto nevrálgico. Os indivíduos homossexuais precisam superar circunstâncias extremamente nefastas para a construção de uma visão positiva. Nessa dinâmica, o estigma, a escravidão moral e a dominação simbólica são fatores que interferem com contundência nesse processo identitário. A estigmatização é uma forma de marcar negativamente, relacionandose com aqueles indivíduos incapazes de se confinarem aos padrões normalizados da sociedade. No que diz respeito aos homossexuais, a dominação ou violência simbólica atua sobre a prática sexual – e não sobre os signos sexuais visíveis – e, portanto, sobre a definição da sexualidade dominante legítima, que se constitui em um “inconsciente” universalmente compartilhado e compreendido pelos dominados. 12. O problema do estigma e da dominação simbólica pode resultar na chamada moral slavery (escravidão moral) que sujeita grupos de pessoas a relações desumanizadoras, por redução de direitos, que, por sua vez, resultam em opressão, pois, a despeito de a escravidão moral buscar legitimação racional que autorize a dominação de um grupo sobre o outro, para impor-lhe valores e condutas, na verdade, trata-se de escamotear preconceitos irracionais. 13. Como forma de combate a tais obstáculos, o movimento gay – para além da denúncia teórica – tem teorizado e desenvolvido estratégias que eliminem, ou que pelo menos minimizem os efeitos opressivos. Nesse contexto e no processo de construção da identidade, desempenha papel fundamental a forma de comunicação entre as pessoas, em especial as estratégias de voz e de visibilidade (voice and visibility). 14. A estratégia da visibilidade não é imune a críticas e a questionamentos, já que reforça o processo de categorização social. Também se problematiza a eficiência do movimento, pois ele pressupõe confronto e exibicionismos, marcados pela percepção de vitimização do homossexual, que nem sempre resultam nos objetivos almejados, quer no sentido de aceitação, quer no sentido da ruptura com a concepção de uma “sexualidade” normal. Por outro lado, pode-se dizer, que essa estratégia não tem a força transformadora necessária para combater a exclusão social, como um todo, prestando-se, apenas, para dar conta da realidade da comunidade gay ou do grupo que busca a visibilidade. 15. De forma sistemática, os objetivos a serem alcançados pelo movimento homossexual podem ser reduzidos a duas visões ou modelos, com suas agendas próprias. Cada um desses modelos tem recebido alguns sinônimos. Trata-se de uma vertente liberacionista/emancipatória que pretende a emancipação sexual e de outra que pretende ver reconhecida a cidadania homossexual, defensora de uma percepção assimilacionista/reformista/étnica. 16. O modelo liberacionista/emancipatório sustenta que a homossexualidade é uma construção social e, como tal contingenciada pelos limites temporais e espaciais da história. Nessa vertente do movimento gay, entende-se que não é suficiente uma luta por direitos, que apenas pretende legitimação pela aceitação. Deve-se buscar a radicalização do discurso, com tons emancipatórios, rumo à liberação da sexualidade humana, visto que a orientação homo e heterossexuais tem exatamente a mesma dimensão moral-axiológica. 17. O modelo assimilacionista/reformista/étnico, mais conformista, volta-se para o reconhecimento de direitos inerentes à minoria sexual. Nesse modelo etnicista, o discurso de minoria sexual vem acompanhado de intensa reivindicação social, jurídica e política pelo reconhecimento de direitos aos que se dizem homossexuais. Essa via de direitos estende-se por todas as áreas de inserção do ser humano, em suas relações sociais, refutando a diferenciação entre as diversas possibilidades de

orientação sexual, como um fundamento adequado para justificar os tratamentos normativos diferenciados que produzem as desigualdades existentes. 18. A visão emancipatória e a via dos direitos podem também ser associadas a duas outras concepções do movimento gay – o revisionismo (perspectiva reformista) e o construcionismo (perspectiva revolucionária) – que se relacionam diretamente com a visão que adotam a respeito da orientação sexual. O revisionismo aproxima-se mais à noção de legitimação, por intermédio do reconhecimento de direitos, ao passo que o construcionismo se pretende mais emancipatório. Entende-se, porém, que essas visões se encontram intimamente ligadas, pois reciprocamente se influenciam. Por outro lado, a proteção de direitos que, apenas implique tolerância imposta institucionalmente, não significa reconhecimento da legitimidade moral da orientação sexual do indivíduo – o que reflete em certo grau de menos-valia para a automonia do homossexual.

Hoje, em razão da

qualidade de atuação e de intervenção dos principais grupos de defesa dos direitos dos homossexuais, pode-se concluir que predomina largamente a concepção reformista. 19. A problemática suscitada pela temática gay pode ser compreendida em uma esfera mais ampla, chamada de Gay and Lesbians Studies. Há quem fale também de Queer Studies e ainda de Queer Legal Theory. Por Queer Studies entende-se uma série de questões que são discutidas na Teoria Literária, na Teoria Política, na História, na Sociologia, na Ética e em outros campos de reflexão, tendo por objeto de análise a identidade, as vidas, história e percepção de pessoas consideradas queer (que significa ‘transverso’). 20. No Brasil, o movimento gay inicia-se na década de 70 e se caracteriza, no geral, por um perfil de militância, concretizado na formação de grupos de defesa de homossexuais, com estratégias de ação voltadas principalmente para a construção da cidadania de uma minoria sexual, mediante o reconhecimento e a proteção de direitos, e menos preocupada com a adoção de posturas radicais mais libertárias. 21. O Movimento Homossexual Brasileiro tem três objetivos básicos: lutar contra todas as expressões de homofobia (intolerância à homossexualidade); divulgar informações corretas e positivas a respeito da homossexualidade; conscientizar gays, lésbicas, travestis e transexuais da importância de organização para a defesa de plenos direitos de cidadania e políticos. Como parte integrante das estratégias adotadas pelo movimento, tem-se a necessidade da visibilidade, popularmente conhecida como “sair do armário”, a versão tupiniquim do outing defendido pelos gays norte-americanos. Nesse particular, as paradas gays desempenham papel de impacto na afirmação positiva da homossexualidade Eventos desse gênero colaboram para o rompimento de tabus, fortificando a auto-estima dos homossexuais brasileiros, sendo parte importante na estratégia de visibilidade, individual e coletiva. Rompe-se, mesmo que temporariamente, com o pacto de silêncio imposto por uma sociedade moralista como a nossa que confina seus homossexuais a transitar anônimos em submundos. Ainda assim essa estratégia não é unânime. Questiona-se, por exemplo, sua “importação” para a realidade brasileira que poderia construir recursos mais sutis, apartados da vitimização e do exibicionismo. 22. Há também uma recente produção acadêmica brasileira problematizando a questão da homossexualidade que busca firmar-se como área de conhecimento humano, denominada de Estudos Gays e Lésbicos. 23. A importância do movimento gay está em sua potencialidade de questionar o estabelecido, o padrão, a “normalidade” que acabam por aprisionar e rechaçar as múltiplas possibilidades da existência humana, isolando o “desviante”, marginalizando-o. Esse questionamento concorre para a construção de uma representação social da homossexualidade que privilegia a autonomia e a diversidade. 24. O movimento gay, ao pleitear o reconhecimento de direitos e até mesmo a emancipação sexual, em último estágio, questiona de forma contundente as próprias bases nas quais se travam as relações sociais, a forma de auto-compreensão do ser humano e a própria dinâmica das relações de poder que permeiam as diversas esferas da sociedade. Tais questionamentos fatalmente se desdobram no universo jurídico, mediante um discurso de direitos humanos.

3 A homossexualidade no universo jurídico: um mosaico de direitos 25. Considera-se que os direitos humanos sejam faculdades ou prerrogativas que asseguram ao indivíduo ou a grupos de indivíduos a proteção, perante o Estado, a sociedade e seus membros, de certos valores, tidos como essenciais à proteção do próprio indivíduo ou do grupo, que são distinguidos como seus titulares, tendo por referência axiológica a dignidade humana. Neste sentido, os direitos humanos surgem como resposta a necessidades concretas que são reclamadas por determinadas correntes do pensamento político, e, portanto, elementos de luta política. 26. Ao se dar normatividade aos direitos humanos, impõe-se a concretização de uma dimensão de eficácia que se traduz, basicamente, na proteção e no gozo dos direitos, como elementos condicionadores e transformadores da realidade jurídica, política e moral. Diante disso, pretende-se afastar os perigos da instrumentalização ideológica dos direitos. O discurso dos direitos, na temática da sexualidade, pode colocar-se como instrumento de denúncia e resistência à dominação heterossexista, permitindo a caracterização de injustiças estruturais que se evidenciam na redução da esfera de proteção individual e social das pessoas, ocasionando o encolhimento da cidadania. 27. Os direitos dos gays, na perspectiva relacionada diretamente aos direitos humanos, apresentam um rol expressivo de pretensões que desembocam na necessidade de reconhecimento enquanto sujeito, visto que, para qualquer pessoa, independentemente de sua orientação sexual, sua auto-compreensão e sua compreensão do mundo estão contingenciadas por esse processo de reconhecimento. E mesmo que o reconhecimento de direitos não seja garantia de liberação sexual, mas tão apenas permissividade social controlada, é o discurso dos direitos que fixa as bases mínimas fundantes para a emancipação. 28. Sob esse aspecto, a ordem jurídica pode transformar-se em veículo de implementação das políticas de identidade, de diferença e de reconhecimento do outro, propiciando os meios, os mecanismos e as condições para proteção e possibilidade de realização da dignidade humana em sua plenitude, inclusive dos homossexuais. 29. Trata-se de assegurar a categoria da Justiça Sexual que se alicerça em três vertentes primárias de demandas a) descriminalização de atividades homossexuais e consensuais entre adultos; b) proibição de discriminação contra lésbicas e gays nas relações de trabalho, habitacionais (públicas ou privadas) e educacionais; c) reconhecimento legal e social do status ético dos relacionamentos lésbicos e gay e da legitimidade de suas instituições enquanto comunidade. 30. A Justiça Sexual instrumentaliza-se no campo protetivo construído pela combinação de normas em abstrato e de normas em concreto: quer pela adoção de legislação, quer por decisões judiciais que enfrentam a problemática. Certo é que, muitas vezes, a efetividade da proteção oferecida está diretamente relacionada à harmonia e à concorrência dessas duas instâncias pilares do universo jurídico. 31. A homossexualidade repercute na ordem jurídica de formas múltiplas. Essas repercussões podem ser conhecidas pelo grau de proteção deferido aos homossexuais. Essa proteção (ou sua ausência) pode ser constatada nas diversas experiências verificadas no mundo contemporâneo, no plano normativo e jurisprudencial, relativamente aos seguintes direitos: A) licitude formal da atividade sexual; B) cerceamento da liberdade de associação e de expressão (censura); C) legislação anti-discriminação e anti-difamatória; D) emprego; E) reconhecimento civil das relações homossexuais; F) maternidade e paternidade; G) asilo; H) direitos dos transexuais; I) violência urbana, “limpeza social” e violência policial; J) questões envolvendo os direitos humanos dos portadores de HIV/AIDS. 32. As experiências mencionadas demonstram a ausência de homogeneidade no reconhecimento de direitos aos homossexuais. Existem situações em que os homossexuais se vêem profundamente fragilizados pela ordem jurídica, quer por ausência de reconhecimento expresso, via legislativo ou via construção jurisprudencial, quer por serem alvo da tutela repressiva do Estado. Tais circunstâncias repressivas e/ou opressoras nas sociedades contemporâneas em geral, em maior ou menor porção, reforçam o estigma que marca os homossexuais e sua situação de inferioridade, bem como denunciam a situação de precariedade

enfrentada em suas relações políticas, sociais e afetivas, reduzindo-lhes o grau de cidadania assegurado. Por outro lado, verificase a existência de ordens jurídicas abertas à questão homossexual, assegurando diversos direitos aos homossexuais, seja através da existência de legislação específica, seja através de decisões judiciais, contribuindo para a realização da Justiça Sexual e o pleno exercício da cidadania gay.

4 O tratamento legislativo da homossexualidade nos parlamentos: uma análise sobre o reconhecimento civil das relações homossexuais. O plano da fundamentação: um estudo comparativo entre os fundamentos legislativos prevalecentes na Bélgica, em Portugal, na Espanha e no Brasil.

33. Para uma análise mais detalhada da dinâmica do reconhecimento normativo dos direitos assegurados aos homossexuais, escolheu-se o reconhecimento civil das relações entre pessoas do mesmo sexo, ao qual se aplica, primordialmente, o tratamento de direito comparado. A disciplina normativa, no plano de sua eficácia, desempenha duplo papel do que diz respeito à conduta humana: a institucionalização e a internalização. O processo de institucionalização relaciona-se diretamente com a realização da conduta prescrita na lei e com seus mecanismos de coação e coerção. Já a internalização se opera num plano interno, de incorporação dos valores veiculados através da norma. Assim, o reconhecimento normativo, acompanhado de um processo de construção social do valor da diferença, pode funcionar como mecanismo de transformação da sociedade, contribuindo para diminuir, e até mesmo superar, os preconceitos e a exclusão a que estão sujeitos os homossexuais. 34.

O “casamento gay”, na atualidade, é um dos pontos mais sensíveis da chamada luta pelos direitos dos

homossexuais. As categorias clássicas construídas pela doutrina (como casamento e família, e, posteriormente, união de fato/ estável), de certo monte, têm revelado algumas insuficiências dogmáticas para dar conta da problemática. Quando estas são confrontadas com o plano dos direitos humanos, verifica-se: 1. a premente releitura das mesmas, liberta de suas origens sexistas; 2. a necessária proposição de novos parâmetros permeáveis e ajustáveis às diferentes formas de vivência da sexualidade humana, como elemento indissociável da dignidade humana. 35. O debate em torno do casamento homossexual é animado, por um lado, pelas categorias civilistas, e de outro, pelo debate sobre os direitos humanos. Quanto à primeira vertente, o reconhecimento das relações homossexuais exige a mudança nas concepções de família, casamento e união estável, substituindo-se os elementos tradicionais – heterossexualidade e reprodução – pelos elementos que compõem a família contemporânea: afeto, mútua ajuda e desenvolvimento pessoal dos seus membros. Embora ainda não se admita, de forma majoritária, a instituição do casamento em si, viabiliza-se o reconhecimento civil das relações homossexuais mediante a figura da união de fato (ou união estável) e entidade familiar. Tal entendimento se mostra mais aberto aos valores constitucionais, já que busca adequar essas categorias civilistas ao universo de proteção constitucional da dignidade humana. 36. A segunda vertente se alicerça na proteção dos direitos humanos, especialmente nos valores da intimidade, liberdade, igualdade e dignidade humana. Dentre estes argumentos, cabe destacar a dignidade humana que tem sido compreendida como o eixo central de toda a ordem jurídica, atuando como elemento referenciador dos direitos humanos. Direcionado como fundamento para o reconhecimento civil das relações homossexuais, o princípio da dignidade humana torna-se a via de exercício legítimo da sexualidade humana, exigindo-se o respeito ao que cada pessoa entende como sexual ou afetivamente desejável. Retoma-se assim a idéia de que há uma titularidade moral à autonomia, inarredável e derivada da

dignidade humana. Há, entretanto, uma exceção: exige-se o consentimento como elemento validador e autorizador da proteção a essa autonomia moral. E autonomia e dignidade, a seu turno, integram a idéia de identidade. 37. O direito de reconhecimento civil das relações entre pessoas do mesmo sexo pode ser compreendido num duplo viés: pela análise dos fundamentos legislativos que justificam a adoção de medidas normativas, bem como do regime jurídico que se aplica à questão. 38. Os debates travados no órgão parlamentar revelam as diferentes percepções sobre a homossexualidade que transitam pela sociedade. Através desses, verificam-se os temas e os contornos que integram a agenda do órgão legislativo, assim como a permeabilidade e a recepção dos mesmos aos debates travados em sede doutrinária. Além disso, a compreensão dos fundamentos legislativos contribui para melhor interpretação e aplicação da lei. 39. Em particular, foram considerados quatro estados: Bélgica, Portugal, Espanha e Brasil. Da análise da normatividade (lei vigente ou projeto de lei) dos quatro países mencionados, extraem-se oito argumentos que justificam o reconhecimento das relações homossexuais. São eles: a inevitabilidade fática das relações homossexuais; a proteção jurídica supranacional; a valorização da dignidade humana; o reconhecimento da diversidade; os valores de liberdade (autonomia) e igualdade; o direito à intimidade; o critério da neutralidade da orientação sexual e a outorga/proteção de direitos. 40. Tais justificativas se aproximam ao debate teórico travado na seara dos direitos humanos. Dentre estes, numa dimensão mais pragmática, destacam-se a inevitabilidade fática da existência de relações entre pessoas do mesmo sexo e, no plano teórico, a consagração dos valores constitucionais, como a liberdade e a igualdade. 41. No que concerne ao debate legislativo no parlamento brasileiro, verifica-se que este sinaliza uma absorção bastante significativa das discussões mais atualizadas sobre a problemática do reconhecimento das relações entre pessoas do mesmo sexo, presentes nos parlamentos europeus. Se há um prestígio no plano das idéias e das intenções, entretanto, o mesmo ainda não se traduziu em eficácia política, jurídica e social, já que o trâmite do projeto de lei analisado nesta tese (PL n.º 1.151-A e Substitutivo adotado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados) se arrasta pelo Congresso Nacional, desde 1995, sem que, até o momento, tenha sido convertido em lei. 42. A adoção de medidas legislativas que impliquem o reconhecimento civil das relações homossexuais reforça a prevalência de três elementos centrais para o Estado Democrático de Direito. Em primeiro lugar, constata-se a dessacralização do matrimônio, o que pode contribuir para a redução do grau de dominação simbólica imposta por uma visão heterossexista de mundo. Em segundo, afirma-se a separação entre o Estado e a Igreja, como decorrência da concepção democrática. Em terceiro, fomentam-se os valores da tolerância, da diferença e da Justiça Sexual, indispensáveis para uma efetiva concretização da dignidade humana. Deve-se ressaltar, ainda, que a ausência de reconhecimento legal das relações homossexuais condena um sem número de pessoas a viver uma cidadania de segunda classe, por lhe serem assegurados menos direitos. 5 O tratamento legislativo da homossexualidade nos parlamentos: uma análise sobre o reconhecimento civil das relações homossexuais. A moldura

legal

do reconhecimento em países da União Européia -

Dinamarca; Noruega; Suécia; Holanda; Catalunha, na Espanha; Bélgica; França; Finlândia; Portugal e GrãBretanha - e no Brasil 43. O regime jurídico de reconhecimento civil das relações homossexuais é observado mediante a análise comparativa da legislação de alguns países integrantes da Comunidade Européia (Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda, Catalunha na Espanha, Bélgica, França, Finlândia, Portugal, Itália e Grã-Bretanha) e do Brasil. 44. Em geral, verifica-se que o direito europeu vem reconhecendo as relações entre pessoas do mesmo sexo, como união de fato, união ou parceria registrada e até mesmo como casamento, conforme previsto nos ordenamentos holandês e belga. Do grupo analisado, apenas dois países, Espanha e Itália, ainda não possuem legislação vigente, tendo sido apresentado diversos

projetos nos respectivos parlamentos. Também deve-se destacar o posicionamento da Grã-Bretanha onde o reconhecimento das relações homossexuais não se dá primordialmente pela via legislativa. Entre o grupo seleto, apenas as legislações dos países nórdicos (Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia), regulamentam especificamente as relações homossexuais. 45. No Brasil, com objetivo de regulamentar as relações entre pessoas do mesmo sexo, foi apresentado, na Câmara dos Deputados, pela então deputada Martha Suplicy (PT-SP), o Projeto de Lei n.º 1.151-A de 1995. Após a análise do mesmo pela Comissão Especial da Câmara, o relator desta, deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) apresentou um substitutivo para o projeto. O projeto que ainda tramita na Câmara reconhece as relações homossexuais como parceria registrada, seguindo a tendência das legislações européias, o que demonstra um tratamento das relações homossexuais mais como uma manifestação contratual, e menos como uma nova forma de família. 46. Foram selecionados três aspectos para análise: as condições de reconhecimento, os efeitos do reconhecimento e sua dissolução. Nas condições de reconhecimento, englobam-se as exigências legais (positivas e negativas) que devem ser atendidas para que a chancela legal se estenda às relações homossexuais. Os efeitos do reconhecimento legal alinham as conseqüências advindas da tutela normativa, repercutindo nos direitos assegurados pela ordem jurídica positiva. A dissolução, que implica extinção da relação, poderá ocorrer por causas naturais (morte) e causas volitivas (que derivam da vontade humana). 47. As condições de reconhecimento variam em cada ordenamento jurídico, verificando-se seis condições básicas: capacidade civil (requisito ou pressuposto de validade do ato jurídico), idade legal (exigência etária mínima para prática do ato), lapso temporal (prazo mínimo de convivência em comum), registro (requisito formal), nacionalidade e domicílio e não ocorrência de impedimentos (condições negativas que, de modo geral, são similares ao previsto nas regulamentações sobre o casamento). Dentre estas, destaca-se a exigência da nacionalidade, que acaba por estabelecer uma distinção entre pessoas que apresentam a mesma orientação sexual, o que pode levar a questionamentos sobre a sua legitimidade em face do princípio da igualdade. 48 .Quanto aos efeitos, em geral, os direitos decorrentes das relações entre pessoas do mesmo sexo são equiparados aos do casamento. Os direitos assegurados podem ser agrupados em duas esferas: uma composta por direitos com repercussões patrimoniais; e outra, com direitos referentes ao núcleo familiar. Quanto aos direitos patrimoniais, não se percebem grandes obstáculos para o deferimento da tutela legal, havendo pequenas variantes entre um Estado e outro. Entretanto, no que tange aos direitos relativos ao núcleo familiar, não se verifica a mesma sensibilidade legislativa. 49. Relativo à dissolução, percebe-se uma maior preocupação legal com o término das relações homossexuais, por vontade de uma das partes. Neste caso, verifica-se a adoção de diferentes procedimentos a serem observados – o que significa a atribuição de um mínimo de formalidade ao ato.

6 O tratamento jurisdicional da homossexualidade: um estudo do caso Romer v. Evans 50. No que se refere ao reconhecimento de direitos através da tutela jurisdicional destacou-se, no plano externo, a decisão da Suprema Corte Norte Americana proferida no caso Romer v. Evans possibilitando a discussão sobre a extensão da proteção a ser dada, pela ordem jurídica, contra a discriminação baseada em fatores de opção sexual. 51. O caso originou-se a partir da aprovação, em 1992, de uma emenda popular à Constituição do Estado do Colorado, vedando a edição de leis de proteção baseadas na orientação sexual, sendo levado ao judiciário sob o argumento de que a emenda violaria a Constituição dos Estados Unidos, por ser flagrantemente discriminatória. Alcançando a Suprema Corte, enfrentou-se a questão do conflito entre a expressão da vontade da maioria e o direito das minorias pelo prisma da Equal Protection Clause. Em 20 de maio de 1996, por maioria de votos, acordou a Corte Suprema que o diploma era inconstitucional, sob o fundamento de que a classificação em questão era preconceituosa e sem base racional que a justificasse, violando a Equal Protection Clause. 52. Na ordem constitucional norte-americana, o princípio da Equal Protection of the Laws encontra-se alicerçado nas emendas 5ª e 14ª da Constituição dos Estados Unidos, servindo de limite à atuação do governo perante o cidadão, impedindo o abuso do poder normativo. Ao lidar com a questão da igualdade, a Suprema Corte, em geral, tem por objetivo identificar se o tratamento adotado pela legislação, que implica tratar de forma diferente um grupo ou grupos de pessoas, almeja a satisfação de determinado interesse público (social goal). Já que as leis, sob o aspecto funcional, nada mais fazem do que classificar situações, discriminado-as, para submetê-las à disciplina destas ou daquelas regras, é preciso indagar quais as discriminações juridicamente intoleráveis e quais as que têm abrigo no ordenamento jurídico-constitucional, a fim de apurar a inconstitucionalidade (ou não) da medida perante o princípio. 55. A Suprema Corte aprecia a questão da igualdade a partir de duas abordagens complementares que se implicam e determinam mutuamente: a) uma relacionada ao grau de rigor do escrutínio (análise, exame , controle da constitucionalidade – scrutiny), ao qual deverá ser submetido o critério classificatório, isto é, o discrímen; e b) outra diz respeito ao tipo de classe, categoria, discrímen (classification) utilizado pela norma. Diante disso, a Suprema Corte condiciona o tipo de scrutiny a ser exigido em função da classe considerada e do interesse público considerado. Isto significa que, se um determinado grupo de pessoas for reconhecido pela Corte como uma classe suspeita [suspect class], o grau de proteção que a Constituição outorgará a seus direitos em face da Equal Protection será bem mais extenso e contundente. 56. O scrutiny se desenvolve em três graus: strict scrutiny; intermediate (heightend ou semisuspect) scrutiny; e minimum (ordinary) scrutiny, que consideram a relação entre a pertinência do critério e o peso do interesse público em jogo. O strict scrutiny exige uma relação de pertinência incisiva, rigorosa, estreita (closely) com o interesse público a ser considerado, que, a seu turno, autorizaria a adoção do discrímen suspeito, se for considerado como cogente (compelling), isto é, inafastável. O intermediate scrutiny demanda uma relação de pertinência substancial (substantially), com um interesse público importante (important) a ser realizado. E, o minimum (ordinary) scrutiny simplesmente exige que o Estado demonstre que o esquema classificatório escolhido se relaciona razoavelmente (reasonably) com um interesse público legítimo (legitimate). 55. As classificações, a seu turno, podem ser: suspeita (nos casos violação às liberdades civis em razão da raça, da nacionalidade – estrangeiros – e da religião), semi-suspeita (envolvendo gênero e ilegitimidade) e facialmente neutra (tratando de classificações sociais e econômicas). 58. A utilização deste sistema de controle da constitucionalidade não está imune às críticas. Um dos questionamentos que, por ora, merecem maior destaque concerne à definição das classificações suspeitas, pois não há uma tipologia previamente definida que informe a classificação eleita pela Corte. Os grupos suspeitos, até hoje já reconhecidos pela Suprema Corte, caracterizam-se, em geral, por conta de duas dimensões: marginalização e preconceito. Também ainda não ficou estabelecido se os mesmos são concorrentes ou necessariamente cumulativos para a “elevação” do grupo/indivíduo à condição de classe suspeita

– o que gera um grau de aleatoriedade e de casuísmo nas decisões, aumentando sua subjetividade e, por conseqüência, a insegurança do cidadão. 57. Em Romer v. Evans discute-se a moralidade sexual e a legitimidade da maioria em traduzir sua visão, nesse tema, em termos legais. As decisões anteriores da Suprema Corte em relação a questões de liberdade sexual reconhecem proteção a determinados aspectos da autonomia sexual, sob o manto do direito à privacidade. Entretanto, em matéria de opção sexual, a jurisprudência não vinha sendo muito generosa, como bem demonstrava o caso Bowers v. Hardwick, de 1986. O precedente fixado em Bowers apontava para o princípio de que é permitido ao Poder Público proibir a liberdade de escolha do comportamento sexual privado, mesmo se esse comportamento não trouxer qualquer prejuízo para quem quer que seja, desde que tal condenação expresse uma moralidade popular. Este entendimento foi derrubado somente em 2003, no caso Lawrence and Garner v. Texas. 58. Este quadro jurisprudencial indicava que a Emenda Constitucional do Estado do Colorado seria mantida, pois, se considerado o precedente fixado em Bowers, seria insustentável argumentar que os homossexuais teriam um direito constitucional que lhes protegeria da severa desvantagem criada por esta que, a seu turno, simplesmente lhes negava a possibilidade de obterem legislação que lhes fosse favorável. Já a tese da Equal Protection Clause parecia mais promissora porque a norma constitucional derivada negava aos homossexuais a oportunidade política aberta para todos os outros grupos de pessoas, isto é, a possibilidade de assegurar a produção de legislação local que lhes protegesse seus interesses básicos. Para a configuração da violação, porém, seria necessário que a Corte reconhecesse os homossexuais como uma categoria supeita ou semisuspeita, as quais são bastante restritas. 59. Contornando esses impasses, a Corte acolheu o brief de uma série de ilustres constitucionalistas, onde se sustentava que uma determinação constitucional estadual violaria a cláusula da Equal Protection sempre e quando proibisse a edição de legislação que pudesse proteger qualquer grupo de cidadãos contra qualquer tipo de discriminação. E, para além do exposto no parecer, a Corte analisou ainda a razoabilidade do discrímen adotado, entendendo que o mesmo não se apoiava em uma base racional. Nada, entretanto, foi dito sobre o reconhecimento dos homossexuais como uma classe suspeita ou semi-suspeita. 60. A decisão da Suprema Corte em Romer não pacificou a polêmica sobre a proteção dos direitos homossexuais, revelando um caráter dúbio. Se é bem verdade que objetivamente, no caso em concreto, Romer impediu um retrocesso nos avanços normativos que já asseguram proteção aos homossexuais contra a discriminação, ela sequer atendeu por inteiro às reivindicações homossexuais, ou mesmo, estabeleceu para o futuro uma rede maior de proteção. 61. Entre essas reivindicações, encontra-se o reconhecimento jurisprudencial de que a orientação sexual é um dos discrímens que integram a categoria de “suspect class”. De certa forma, a recusa implícita em reconhecê-los como uma classe suspeita, perpetua uma situação de fragilidade e debilidade que os grupos gays enfrentam, posto que muitas vezes se vêem tratados como cidadãos de segunda classe. E, revela, os percalços da Equal Protection Clause que se vê encurralada nos limites das classificações suspeitas e dos três níveis de escrutínios – o que não significa dizer que os homossexuais nunca poderão receber proteção judicial com base na violação do princípio da igualdade (tal é possível como regula Romer), o que abre espaço para se indagar sobre a conveniência da adoção deste fundamento e ainda para a investigação de um outro suporte argumentativo que pudesse melhor se ajustar à proteção dos homossexuais e seus direitos.

7 O tratamento jurisdicional da homossexualidade: um estudo da Ação Civil Pública no. 2000.71.00.009347-0 62. Na ordem interna, ainda no plano jurisdicional, trabalha-se com o reconhecimento de pretensões de natureza previdenciária, assegurado pela Ação Civil Pública n.º 2000.71.00.009347-0 proposta perante a 3a. Vara Previdenciária da

Seção Judiciária de Porto Alegre. O caso estudado permite uma abordagem em dois planos: um plano processual e um plano referente ao direito material discutido 63. Trata-se de ação civil pública (e de suas diversas peças processuais) com pedido julgado procedente, em 19.12.2001, pela juíza Simone Barbisan Fontes. A ação foi impetrada pelo Ministério Público Federal contra o Instituto Nacional do Seguro Social, a fim de assegurar a inclusão de companheiros homossexuais na qualidade de dependentes previdenciários, junto ao INSS, para garantir-lhes a percepção dos benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão. Embora esta não seja uma decisão inédita, três são os aspectos que ressaltam sua magnitude e justificam a escolha deste processo: 1) a eficácia da tutela concedida que abrange todo o território nacional, implicando, inclusive, a adoção de medidas administrativas, pelo INSS, para o seu regular cumprimento; 2) o fato de que vários graus de jurisdição foram provocados a se manifestar a respeito da pretensão deduzida; 3) a compreensão dada à Constituição, como substrato normativo, que autoriza o reconhecimento de direitos não explicitados e que são inferidos do texto constitucional, a partir da adoção de uma interpretação constitucional concretizadora dos valores lá fixados. 64. Na análise das peças, verificou-se um constante debate processual, centrado em três aspectos: a admissibilidade do veículo processual manejado; a legitimidade do Ministério Público para propor a ação e a extensão dos efeitos da decisão judicial. Em síntese, os questionamentos eram os seguintes: a) a impossibilidade de realização do controle difuso da constitucionalidade na ação civil pública, devido aos efeitos erga omnes, gerados pela sentença proferida nesta ação constitucional; b) a ilegitimidade do Ministério Público para a defesa dos direitos individuais homogêneos; c) a extensão dos efeitos da decisão judicial que, de acordo com a nova redação do art. 16 da Lei n. 7.347/95, estão limitados à competência territorial do juiz que proferir a sentença. 65. A dimensão material do caso, que se consubstancia na possibilidade de inclusão de companheiros homossexuais como beneficiários do regime previdenciário em face da legislação vigente é informada por três pressupostos teóricos: a interpretação constitucional adotada; a concepção dada ao princípio constitucional da igualdade e aos direitos fundamentais. 66. A tese articulada pelo Ministério Público propõe que os direitos pleiteados e as questões jurídicas que desses derivam sejam interpretadas a partir da Constituição, adotando-se, especificamente, dois métodos: o método de concretização da norma constitucional e o método sistemático. Com relação à questão da igualdade, ela é exposta em duas reflexões: a dogmática prevalecente e a vedação do tratamento discriminatório contra homossexuais. Na exposição, o autor ressalta que os direitos previdenciários são direitos fundamentais, os quais só admitem limitação diante de um outro direito fundamental. Assim, a negação de concessão de benefícios previdenciários aos companheiros homossexuais estabelece uma distinção, em razão da orientação sexual, entre pessoas que se encontram em uma mesma situação. Desse tratamento diferenciado decorre uma limitação desproporcionada dos direitos fundamentais, no caso, os direitos previdenciários. 67. Quanto ao julgamento proferido, todas as questões de cunho processual foram afastadas na sentença e também nos recursos já julgados, assegurando-se a proteção de direitos e de interesses metaindividuais, que, no caso, tem ampla repercussão social, privilegia o acesso à justiça, contribuindo conseqüentemente para a plena realização do Estado Democrático de Direito. 68. O desenvolvimento da fundamentação da sentença que reconheceu o pedido do Ministério Público tem forte base principiológica constitucional. Tomando por base o princípio do Estado Democrático de Direito, entendeu a juíza que o modo de estruturação da Seguridade Social é uma de suas expressões. Também do Estado Democrático de Direito derivam outros princípios fundamentais, especificamente a garantia da dignidade humana e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, dos quais emanam outros princípios e garantias, como o direito à igualdade, a vedação de discriminação por orientação sexual, a configuração dos direitos humanos como direitos públicos subjetivos e os direitos sociais como direitos fundamentais. Assim, a impossibilidade de acesso dos companheiros homossexuais aos benefícios previdenciários exclui este grupo de pessoas, negandolhe acesso às garantias constitucionalmente previstas, viola a dignidade humana, e opõe-se ao próprio Estado Democrático de Direito.

69. Deve-se destacar, ainda, que, nos fundamentos da sentença, as relações homossexuais são vistas como relações de afeto e de solidariedade, e, portanto, devem ser reconhecidas como famílias, pois o art. 226 da Constituição Federal não é taxativo. Esta caracterização pressupõe uma compreensão aberta e flexível da noção de entidade familiar, calcada no reconhecimento de uma esfera íntima que deve ser neutra perante o Direito. 70. A decisão proferida na Ação Civil Pública, proposta perante a 3ª Vara Previdenciária de Porto Alegre, representa uma conquista significativa para os homossexuais brasileiros. Sinaliza novas tendências para os operadores jurídicos, que vêm assimilando as discussões acadêmicas, em torno da interpretação da Constituição e dos direitos fundamentais.E inspira novas posturas do Estado e da sociedade brasileira com relação aos homossexuais, de modo a assegurar, a este grupo de indivíduos, a igualdade material real e a cidadania plena.

“Todo Romeu é azul -

Não é não

Todo o reino é azul -

Não é não

Toda beleza é azul -

Não é não

Todo sorriso é azul -

Não é não

Agora tudo mudou -

Já era

Quando a Julieta passou -

Na dela

E a sua luz era amarela” Paulo Tatit e Zé Tatit

“Instead, in such a vision, legal equality will represent only one component of a new kind of openness that today most lesbians and gays can only imagine. This vision, our vision will forsee and incorporate many ways of loving, many ways of being a man or a woman - ways that do not depend on the constraints of ‘appropriately’ gendered roles of sexual conquest and submission. Finally, such a vision will not suppress but will celebrate same-sex desire and emotion. Il will embrace and rejoice in that which is central to our existence as humans beings and crucial to the fulfillment of our human potential: the ability to love.” Diane Helene Miller

Bibliografia

A) Livros ABELOVE, Henry; BARALE, Michèle Aina; HALPERIN, David M. (eds.). The lesbian and gay studies reader. New York and London: Routledge, 1993. ADAM, Barry D., DUYVENDAK, Jan Willen e KROUWEL André (eds.)The global emergence of gay and lesbian politics: national imprints of a worldwide movement. Philadelphia: Temple University, 1999. ADEODATO, João Maurício. O problema da legitimidade – no rastro do pensamento de Hannah Arendt. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. ALEXY, Robert. Teoria de la argumentación. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1989. ALMEIDA, João Batista de. Aspectos controvertidos da ação civil publica: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. ALTMAN, Dennis. Homosexual oppression and liberation. Sydney: Angus and Robertson, 1972. ANAZALONE, Christopher A. (ed.) Supreme Court cases on gender and sexual equality 1781-2001. New York: M. E. Shape, 2002. ANCEL, Marc. Utilidade e métodos do direito comparado. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1980. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição de 1976. Coimbra: Almedina, 1987. ___________ Os direitos fundamentais na Constituição de 1976. 2 ed. Coimbra: Almedina, 2001. ANDRADE, José Maria Tavares de. Interdisciplinariedade em direitos humanos. In. BARBOSA, M. A. R. et alli. Direitos Humanos – um debate necessário. São Paulo: Brasiliense /Instituto Interamericano de Direitos Humanos, vol. I. 1988/vol. II, 1989.p. 7-38. ANMESTY INTERNATIONAL. Breaking the Silence: Human Rights Violations Based on Sexual Orientation (Quebra de silêncio: violações de direitos humanos baseadas em preferências sexuais), 1997. ARA PINILLA, Iginacio. Las transformaciones de los derechos humanos. Madrid: Tecnos, 1994. ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2000. ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo.São Paulo: Companhia das Letras, 1989. ________ The origins of totalitarianism. New York: Haverster Book, 1973. ASÍS, Rafel de. Sobre el concepto y el fundamento de los derechos: uma aproximación dualista. Madrid: Dykinson, 2001. ATIENZA, Manuel. Argumentación Jurídica. In: VALDÉS, Ernesto Garzón e LAPORTA, Francisco J.(ed). El derecho y la justicia. Madrid: Editorial Trotta/Consejo Superior de Investigaciones Científicas/Boletín Oficial del Estado, 1996. p.231-238. _________ As razões do direito. Teorias da argumentação jurídica. São Paulo: Landy, 2000. AVILÉS, Ma. Del Carmen Barranco. El discurso de los derechos. Madrid: Dykinson, 1996.

BAILEY-HARRIS, Rebecca. Same-Sex Partnerships in English Family Law. In: WINTEMUTE, R. e ANDENAES, M. Legal Recognition of Same-Sex Partnerships – A Study of National, European and International Law, Oxford: Hart, 2001. p. 606619. BAIRD, Robert M. e BAIRD, M. Katherine (ed.). Homosexuality: debating the issues. New York: Prometheus Books, 1995. BAIRD, Robert e ROSENBAUM, Stuart (ed). Same-sex marriage –the moral and legal debate. New York: Prometheus Books, 1997 BALLESTEROS, Jesús (ed.). Derechos humanos. Madrid: Tecnos, 1992. BAMFORTH, Nicholas. Sexuality, morals and justice: a theory of lesbian and gay rights law. London: Cassell, 1997. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. BARRON, Jerome A. et al. Constitutional Law: principles and policy . Cases and materials. 5.ed. Charlottesville, Virginia: Michie Law Publishers, 1998. BARRY, Brian. Culture and equality. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2001. ________Teorías de la justicia. Barcelona: Gedisa, 1989. BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994. BAWER, Bruce. Notes on Stonewall. In: BAIRD, Robert M. e BAIRD, M. Katherine (Ed.). Homosexuality: debating the issues. New York: Prometheus Books, 1995. p.23-30. BECK, Gad; HEIBERT, Frank; BROWN, Allison. An underground life memoirs of a gay in Nazi Berlin (Living out: gay and lesbian autobiographies). Madison: The University of Wisconsin Press, 2000. BELKIN, Aaron; BATEMAN, Geoffrey (ed.). Don't Ask, Don't Tell: debating the gay ban in the Military. Boulder, CO: Lynne Riennes Publishers, 2003. BELLINI, Ligia. A coisa obscura: mulher, sodomia e inquisição no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense, 1989. BENHABIB, Seyla (ed.). Democracy and difference – contesting the boudaries of the political. Princeton: Princeton University Press, 1996. __________The claims of culture: equality and diversity in the global era. Princeton: Princeton University Press, 2003. BERGER, Peter L. E LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 1993. BERMUDÉZ, Pedro Serna. Positivismo conceptual y fundamentacíon de los derechos humanos. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra, 1990. BERSANI, Leo. Homos. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1995. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. ________O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995. ________Direita e esquerda. São Paulo: Unesp, 1995. BOCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Escritos sobre Derechos Fundamentale.Baden-Baden: Nomos Verlagsgesellschaft, 1993. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

BOSWELL, John. Christianity. Social Tolerance, and Homosexuality: Gay People in Western Europe from the Beginning of the Christian Era to the Fourteenth Century. Chicago: University of Chicago Press, 1981. _________ Revolutions, Universals, and Sexual Categories. In: DUBERMAN, Martin Bauml, VICINUS, Martha e CHAUNCEY JR, George. (org.) Hidden From History: Reclaiming the Gay and Lesbian Past. Nova York: New American Library, 1989. p.17-36. BOURDIER, Pierre. Quelques question sur la question gay et lesbian. In: ERIBON, Didier. (org,) Les études gay et lesbiennes. Paris: Centre Georges Pompidou, 1998. p. 45-50. BOURDIEU, Pierre e PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. BRANDT, Eric (ed.). Dangerous liaisons. Blacks, gays and the struggle for equality. New York: The New Press, 1999. BROMLEY, P.M. Family law. 8.ed. London, Dublin, Edinburgh: Butterworths,1992. BROWN, Stephen. Democracy and Sexual Difference: The Lesbian and Gay Movement in Argentina. In: ADAM, Barry, DUYVENDAK, Jan Willem e KROUWEL, André (org.) The Global Emergence of Gay and Lesbian Politics: National Imprints of a Worldwide Movement. Philadelphia: Temple University Press, 1998. p.110-132. BULLOUGH, Vern. Science in the bedroom: a history of sex research. New York: Basic Books, 1994. CALERA, Nicolás Maria López. Introducíon al estudo del derecho. Granada: Dom Quixote, 1981. CALIFIA, Pat. Sex changes: the politics of trangenderism. San Francisco: Cleis, 1997. CÂMARA, Alexandre de Freitas. Lições de Direito Processual Civil.3 ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 1999. v. I. CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação. Uma contribuição ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. CAMPOS, German J. Bidart. El fallo de la Corte Suprema en el caso de la comunidad homosexual argentina. In: CAMPOS, German J. Bidart. La interpretacion del sistema de Derechos humanos. Buenos Aires: Ediar, 1994. p. 261-269. CAMPS, Victoria. Paradojas del individualismo. Barcelona: Crítica, 1993. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição 3ed. Coimbra: Almedina, 1999. CAPPELETTI, Mauro. Juizes Legisladores? Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993. CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988. CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de família. In: FACHIN, Luiz Edson (coord.). Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.273-313. CARVALHO, Amilton Bueno de. Magistratura e direito alternativo. 6.ed. Rio de Janeiro: ID/Lumen Juris, 2003. ___________Direito alternativo em movimento. 5.ed. Rido de Janeiro: ID/Lumen Juris, 2003. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil publica: comentários por artigo: Lei n. 7.347, de 24.7.85. 3. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

CASTELLS, Manuel. O poder da identidade (A era da informação: economia, sociedade e cultura v. II). São Paulo: Paz e Terra, 2000. CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O princípio da isonomia e a igualdade da mulher no direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1983. CHAUÍ, Maria Helena. Repressão sexual. Essa nossa (des)conhecida. 12.ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. CIOTOLA, Marcelo. Teoria da justiça: a crítica de Ronald Dworkin a Michael Walzer. In: VIEIRA, José Ribas. Temas de direito constitucional norte-americano. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.122-161. CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999. CLÉVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro.2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. COMPARATO, Fábio Konder. O papel do juiz na efetivação dos direitos humanos. In: Direitos Humanos: visões contemporâneas. São Paulo: AJD, 2001. p. 15-29. GONÇALVES, Wilson José. Monografia jurídica. Técnicas e procedimentos de pesquisa. Campo Grande: UCDB, 2001. COSTA, Cláudio. Uma introdução contemporânea à filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2002. COSTA, Jurandir Freire. A inocência e o vício: estudos sobre homoerotismo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1992. _______O referente da identidade homossexual. In: PARKER, Richard e BARBOSA, Regina Maria (Orgs).Sexualidades brasileiras. Rio de Janeiro: Relume Dumará, ABIA:IMS/UERJ, 1996. p 63-89. CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença: ações afirmativas como mecanismo de inclusão social das mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência física. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. CURRAH, Paisley. Searching for immutability: homosexuality, race and right discourse. In: WILSON, Angelia R. (ed.). A simple matter of justice? Cassell: Londom, 1995. p. 51-90. D´EMILIO, John. Sexual politics, sexual communities. Chicago: Chicago University Press, 1984. DAGNESE, Napoleão. Cidadania no armário: uma abordagem sócio-jurídca acerca da homossexualidade. São Paulo: LTr, 2000. DAHL, Tove Stang. O direito das mulheres – uma introdução à teoria do direito feminista. Lisboa: Fundação Calouste Gilbekian, 1993. DALLMAYR, Fred. Democracy and multiculturalism. In: BENHABIB, Seyla (Ed.). Democracy and difference – contesting the boudaries of the political. Princeton: Princeton University Press, 1996. p.278-294. DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Comparado. Introdução. Teoria e Método. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. DELEUZE, Gilles. Différence et répétition. 4.ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1981. DENNINGER, Erhard. La reforma constitucional en Alemania. In: PERÉZ-LUÑO, Antonio-Enrique. (Coordinador). Derechos humanos y constitucionalismo ante el tercer milenio. Madrid: Marcial Pons, 1996. p. 305-316. DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. 2.ed. São Paulo : Perspectiva, 1995.

DEVINS, Neal. Shaping constitutional values. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1996. DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade – o que diz a Justiça! Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. DIJK, P. V. The treatment of homosexuals under the European Convention on Human Rights. In: WAALDIJK, K. e CLAPHAM, A. Homosexuality: a European community issue. London: Matinus Nijhoff, 1993. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil publica. São Paulo: Saraiva, 2001. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. 5 v. DOMINGO, Tomás de. Conflictos entre derechos fundamentales? Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001. DOVER, K.J. Greek homosexuality. Reprint edition. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1989. DUBERMAN, Martin. Stonewall. Nova York: Plume, 1994. DULCE, María José Fariñas. Los derechos humanos desde la perspectiva sociológico-jurídica a la “actitud postmoderna”. Madrid: Dykinson,1997. DUMONT, Louis. Homo aequalis. Genése et epanouisseiment de l’idéologie économique. Paris: Gallimard, 1985. DUMONT, Louis. Homo hierarchicus: the caste system and its implications. Chicago: University of Chicago Press, 1990. _________ L’idéologie allemande. Homo aequalis II. France –Allemande et retour. Paris: Gallimard, 1991. DWORKIN, Ronald. A matter of principle. Cambridge, Massachusetts: Harvard University, 1985. __________Freedom’s law. Cambridge, Massachusetts: Harvard University, 1996. __________Law’s empire. Cambridge, Massachusetts: Harvard University, 1986. _________ Soverign virtue. Cambridge, Massachusetts: Harvard University, 2000. _________Taking rights seriously. Cambridge, Massachusetts: Harvard University, 1978. _________ Unenumerated Rights: Whether or How Roe Should be Overruled. In: STONE, EPSTEIN e SUNSTEIN (eds.). The Bill of Rights in the Modern State. Chicago: Chicago University Press, 1992. p.381 ss. ELIAS, Nelson. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. ELY, John Hart. Democracy and distrust. A theory of judicial review. Cambridge, Massachusetts: Harvard University, 1980. ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1988. EPSTEIN, Steven. Gay and Lesbian Movements in the United States: Dilemmas of Identity, Diversity, and Political Strategy. In: ADAM, Barry, DUYVENDAK, Jan Willem e KROUWEL, André (org.) The Global Emergence of Gay and Lesbian Politics: National Imprints of a Worldwide Movement. Philadelphia: Temple University Press, 1998. p.30-90. ERIBON, Didier. (org,) Les études gay et lesbiennes. Paris: Centre Georges Pompidou, 1998. ________ Réflexions sur la question gay. Paris: Fayard, 1999.

EVANS, David T. (Homo)sexual citizenship: a queer kind of justice. In: WILSON, Angelia R. (ed.). A simple matter of justice? Cassell: Londom, 1995. p. 110-145. FACHIN, Luiz Edson. Elementos Críticos do Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos. A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sérgio Fabris,1996. FELIPE, Miguel Beltrán. Originalismo e interpretación. Dworkin vs. Bork: una polémica constitucional. Madrid: Editorial Civitas, 1989. FELIPE, Sônia (org.) Justiça como equidade: fundamentação e interlocuções polêmicas (Kant, Rawls,e Habermas). Florianópolis: Insular, 1998. FERNANDES, Bianca Stamato. Ação direta de inconstitucionlidade e seu efeito vinculante: uma análise dos limites objetivo e subjetivo da vinculação. In: VIEIRA, José Ribas. Temas de constitucionalismo e democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.165-206. FERRAJOLI, Luigi et. al. Los fundamentos de los derechos fundamentales. Madrid: Trotta, 2001. FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias. Madrid: Trotta, 2001. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução à ciência do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 1991. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1997. ________ Do processo legislativo. 3.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1995. FILLIEULE, Olivier e DUYVENDAK, Jan Willem. Gay and Lesbian Activism in France: Between Integration and CommunityOriented Movements. In: ADAM, Barry, DUYVENDAK, Jan Willem e KROUWEL, André (org.) The Global Emergence of Gay and Lesbian Politics: National Imprints of a Worldwide Movement. Philadelphia: Temple University Press, 1998. p.184-213. FIRESTEIN, Beth A (ed.). Bisexuality: the psycology and politics of an invisible minority. Thousand Oaks, Calif., London and New Delhi: Sage Publications, 1996. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 21. ed. Petropolis : Vozes, 1999. ____________A verdade e as formas jurídicas. Trad. Roberto Cabral de Melo Machado e Eduartdo Jardim Morais, supervisão final do texto Léa Porto de Abreu Novaes...et. al. Rio de Janeiro: Nau, 1999. FREEMAN, Samuel. The Cambridge Companion to Rawls. New York: Cambridge University Press, 2003. FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. Brasília:UnB, 1963. ________Sobrados e mucambos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. FROSINI, Vittorio. Los derechos humanos en la era tecnológica. In: PÉREZ-LUÑO, Antonio-Enrique (Coord.) Derechos humanos y constitucionalismo ante el tercer milenio. Madrid: Marcial Pons, 1996. p.88-95. FRY, Peter Henry. Direito Positivo versus Direito Clássico: Psicologização do Crime no Brasil no Pensamento de Heitor Carrilho.In: FIGUEIRA, S. (org.), Cultura da Psicanálise. Brasiliense: São Paulo, 1985. p. 116-141.

____. Febrônio Índio do Brasil: onde cruzam a psiquiatria, a profecia, a homossexualidade e a lei. In: EULÁLIO, Alexandre, WALDMAN, Berta, VOGT, Carlos; et. al. (org.).Caminhos Cruzados. Brasiliense: São Paulo, 1983. p.65-80. FRY, Peter; MAcRAE, Edward. O que é a homossexualidade.7.ed. São Paulo:Brasiliense, 1991. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1997. GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e diferença – estado democrático de direito a partir do pensamento de Habermas.Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Filiação e reprodução assistida: Introdução ao tema sob a perspectiva civil-constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo José Mendes (coord.) Problemas de Direito Civil - Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p.515-577. GARBER, Marjorie. Spare parts: the surgical construction of gender. In.: ABELOVE, Henry, BARALE, Michèle Aina e HALPERIN, David M. (eds.). The lesbian and gay studies reader. New York and London: Routledge, 1993. p.321-336. GARCIA, Wilton. A forma estranha. São Paulo: Edições Pulsar, 2000. GARGARELLA, Roberto. La justicia frente al gobierno. Barcelona: Editorial Ariel, 1996. GEERTZ, Clifford. Los usos de la diversidad. Barcelona/Buenos Aires/Mexico: Paidós/ICE de la Universidad Autónoma de Barcelona, 1996. GERSTMANN, Evan. The constitucional underclass: gays, lesbian, and the failure of class-based equal protection. Chicago: The University of Chicago Press, 1999. GIDDENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernização reflexiva. São Paulo: UNESP, 1995. GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade. São Paulo: UNESP, 1993. _________Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós. São Paulo: Record, 2000. GIDE, Andre. Oscar Wilde. Barcelona: Editorial Lumem, 1999. GINNER, Salvador e SCARTEZZINI, Riccardo (eds.) Universalidad y diferencia. Madrid: Alianza, 1996. GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988. GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. ________Direito de Família. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. GRANDA, De Trazegnies. Postmodernidad y derecho. Bogotá: Themis, 1993. GRAU, Günter e SHOPPMANN, Claudia. The Hidden Holocaust? Gay and Lesbian Persecution in Germany 1933-45. Chicago: Fitzroy Dearborn Publishers, 1995. GREEN, James N. Além do carnaval. A homossexualidade masculina no Brasil do século XX. São Paulo: UNESP, 2000. GREENBERG, David F. The construction of homosexuality. Chicago: University of Chicago Press, 1990.

GRIFFIN, Stephen M. American constitutionalism – from theory to politics. Princeton: Princeton University Press, 1996. GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. GUERRA FILHO, Willis Santiago. A filosofia do direito. Aplicada ao direito processual e à teoria da constituição. São Paulo: Atlas, 2001. _________Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Celso Bastos, 1999. GUIMARÃES JUNIOR, João Lopes. Ministério Público: Proposta para uma nova postura no processo civil. In: FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo (coord.). Ministério Público - Instituição e Processo. São Paulo: Atlas, 1997. GUTMAN, Amy (edited and introduced). Multiculturalism. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1994. GUTMAN, Amy. Identity in democracy. Princeton: Princeton University Press, 2003. HÄBERLE, Peter. Elementos teóricos de un modelo general de recepcíon. In: PERÉZ-LUÑO, Antonio-Enrique. (coord.). Derechos humanos y constitucionalismo ante el tercer milenio. Madrid: Marcial Pons, 1996. p. 151-186. _________Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1998. HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro – estudos sobre teoria política. Rio de Janeiro: Loyola, 2002. ___________ Direito e democracia. Entre faticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. I HALL, Kermit L. (ed.). The Oxford Companion to the Supreme Court of the United States. New York: Oxford University Press, 1992. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. HALPERIN, David M. L´indentité gay après Foucault. In: ERIBON, Didier. (org.) Les études gay et lesbiennes. Paris: Centre Georges Pompidou, 1998. p. 117-123. ___________One hundred years of homosexuality: and others essays on Greek love (The New Ancient World Series). Nova York: Routledge, 1990. HARRIS, Frank e VILLENA, Luis Antonio de. Vida y confesiones de Oscar Wilde: biografia. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva Sl, 1999. HAWKES, Gail. A sociology of sex and sexuality. Philadelphia: Open University Press, 1996. HAWTON K. Sex therapy: a pratical guide. 5. ed. New York: Oxford University Press, 1990. HEGER, Heinz. Men with pink triangle: the true, life-and-death story of homosexuals in the Nazi Death Camps. Los Angeles: Alyson, 1994. HEIDEGGER. Identidad y diferencia. San Cugat del Válles: Anthropos, 1988. HEILBORN, Maria Luiza (org.) Sexualidade: o olhar das ciências sociais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. HEINZE, Eric. Sexual Orientation. Dordrecht, Holanda: Martinus-Nijhoff Publishers, 1995. HELD, David. Models of democracy. 2.ed. California: Stanford, 1996.

HENRY III, William A. The Hamer study. In: BAIRD, Robert M.e BAIRD, M. Katherine (Ed.). Homosexuality: debating the issues. New York: Prometheus Books, 1995. p.91-94. HENRY, Bárbara. Mito e identità. Contesti di tolleranza. Pisa: Edizioni ETS: 2000. HESPANHA, António M. Panorama histórico da cultura jurídica européia. 2 ed. Portugal: Publicações Europa-américa, 1998. HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. ______Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. ______Escritos de derecho constitucional. 2. ed. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1992. HOCQUENGHEM, Guy, WEER, Jeffrey (designer) e MOON, Michael (designer). Homosexual desire (Series Q). Durham: Duke University Press, 1993. ITXASO, María Elósegui. La transexualidad – jurisprudencia y argumentación jurídica. Granada: Comares, 1999. JAGOSE, Annamarie. Queer theory. New York: New York University Press, 1996. JODELET, D.. Représentation sociale : phénomènes, concept et théorie. In: MOSCOVICI, S. (ed.). Psychologie sociale, Paris: PUF, 1996. p. 357-78. JORDAN, Mark D. The invention of Sodomy in Christian Theology (The Chicago Series on Sexuality, History and Society). Chicago: University of Chicago Press, 1998. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Faculdades de direito ou fábricas de ilusões? Rio de Janeiro: IDES – Letra Capital, 1999. KAPLAN, Morris B. Sexual justice: democratic citizenship and the politics of desire. New York: Routledge, 1997. KEEN, Lisa e GOLDBERG, Suzanne B. Strangers to the law. Gay people on trial. Michigan: The University of Michigan Press, 2000. KOLM, Serge-Christophe. Teorias modernas da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000. KUKATHAS, Chandram e PETIT, Philip. Rawls – “uma teoria da justiça” e os seus críticos. Lisboa: Gradiva, 1995. KYMLICKA, Will. Politics in the vernacular: nationalism, multiculturalism and citizenship. New York: Oxford Univesity Press, 2001. LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. LAQUEUR, Thomas. Making sex: body and gender from the Greeks to Freud. Cambridge: First Harvard University Press,1990. __________Inventando o sexo – corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001. __________The making of modern body – sexuality and society in the nineteenth century. Berkeley: University of California Press, 1991. LAURITSEN, John e THORSTAD, David. The early homosexual rights movement. Nova York: Times Change Press, 1974. LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

LEHRING, Gary; Officially Gay: the political construction of sexuality by the U.S. Military (queer politics, queer theories). Philadelphia: Temple University Press, 2003. LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. LEVAY, Simon. Queer Science: the use and abuse of research into homosexuality. Cambridge , Massachussets: MIT Press, 1997. ______ Sexual orientation and its development. In: BAIRD, Robert M.e BAIRD, M. Katherine (Ed.). Homosexuality: debating the issues. New York: Prometheus Books, 1995. p. 62-70. ______ The sexual brain. Cambridge, Massachussets: MIT Press, 1993. LLAMAS, Ricardo e VILA, Fefa. Passion for Life: A History of the Lesbian and Gay Movement in Spain. Tradução Stephen Brown. In: ADAM, Barry, DUYVENDAK, Jan Willem e KROUWEL, André (org.) The Global Emergence of Gay and Lesbian Politics: National Imprints of a Worldwide Movement. Philadelphia: Temple University Press, 1998. p.214-241. LLEDÓ, Juan A. Pérez. El movimiento critical legal studies. Madrid: Tecnos, 1996. LONG, Scott. Gay and Lesbian Movements in Eastern Europe: Romania, Hungary, and the Czech Republic. In: ADAM, Barry, DUYVENDAK, Jan Willem e KROUWEL, André (org.) The Global Emergence of Gay and Lesbian Politics: National Imprints of a Worldwide Movement. Philadelphia: Temple University Press, 1998. p.242-265. LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1999. LUCEY, Michael. Un projet critique: les Gay and Lesbian Studies. In: ERIBON, Didier. (org,) Les études gay et lesbiennes. Paris: Centre Georges Pompidou, 1998. p. 27-34. LUNSING, Wim. Japan: Finding Its Way. In: ADAM, Barry, DUYVENDAK, Jan Willem e KROUWEL, André (org.) The Global Emergence of Gay and Lesbian Politics: National Imprints of a Worldwide Movement. Philadelphia: Temple University Press, 1998. p.293-325. LYOTARD, Jean-François. Le différend. Paris: Les Editions de Minuit, 1983. MACRAE, Edward. A construção da igualdade – identidade sexual e política no Brasil da Abertura. Campinas: Unicamp, 1990. MAGDA, Rosa Maria Rodriguez. Las filosofias de la diferencia. In: VALCÁRCEL, Amelia (comp.). El concepto de igualdad. Madrid: Pablo Iglesias, 1994. p. 95-112. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Publica: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. Lei 7.347/85 e legislação complementar. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. __________Interesses Difusos, conceito e legitimação para agir. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. MATE, Manuel-Reyes (ed.). Pensar la igualdad y la diferencia – una reflexión filosófica. Madrid: Fundación Argentaria/ Visor Distribuiciones, 1995. MASSEY, Calvin R. Silent rights: the ninth amendment and the Constitution´s unemumerated rights. Chicago: Temple University Press, 1995. MATOS, Marlize. Reivenções do vínculo amoroso – cultura e identidade de gênero na modernidade tardia. Belo Horizonte, Rio de Janeiro: UFMG/IUPERJ, 2000.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. MÉCARY, Caroline e LA PRADELLE, Geráud. Que sais-je? Les droit des homosexuelles.2.ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1997. MEDINA, Carlos Alberto de. Família e Mudança: o familismo numa sociedade arcaica em transformação. Petrópolis: Vozes, [s.d.]. MEDINA, Paulo Roberto de Gouvea. Direito processual constitucional. Rio de Janeiro, Forense, 2003. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle da constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos, 1998. ________Controle de constitucionalidade. Aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990. MENDUS, Susan. La pérdida de la fe: feminismo y democracia. In: DUNN, John (Ed.). De liberalismo temprano, democracia tardia: el caso de España. Barcelona: Oxford University Press, 1995. p. 222-235. MICHEL, Andrée. Sociologia da Família e do Casamento. Trad. Daniela de Carvalho. Porto, Portugal : Res, 1983. cap. II, p. 33-49. MILLER, Diane Helene. Freedom to differ: the shaping of the gay and lesbian struggle for civil rights. New York: The New York University Press, 1998. MINDA, Gary. Postmodern legal movements. Law and jurisprudenc at the century´s end. New York and London: New York University Press, 1995. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2.ed. Coimbra: Coimbra, 1998. MISSE, Michel. O Estigma do Passivo Sexual. Rio de Janeiro: Achiamé-Socii, 1979. MONTEIRO, Cláudia Servilha. Teoria da argumentação jurídica e nova retórica. 2.ed. rev. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 35 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 2. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2002a. _________Constituição do Brasil interpretada. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. _________ Direito constitucional. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2002b _________ Direito constitucional. 14.ed. São Paulo: Atlas, 2003 _________Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais: garantia suprema da Constituição. São Paulo: Atlas, 2000. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos. In: MOREIRA, José Carlos Barbosa.Temas de Direito Processual: 3ª série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 193-220. MORENO, Antônio. A personagem homossexual no cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Funarte/EdUff, 2001. MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

MORO, Sérgio Fernando. Legislação suspeita? Afastamento da presunção de constitucionalidade da lei. Curitiba: Juruá, 1998. MOSCOVICI, S. La psychanalyse: son image et son public. Paris: PUF, 1976. MOTT, Luiz. A Homossexualidade no Brasil: Bibliografia. In: HAZEN, Dan (ed.) Latin American Masses and Minorities, Madison: Princeton University, 1987. p. 529-609. ______Crônicas de um gay assumido. Rio de Janeiro: Record, 2003. ______Lesbianismo no Brasil. Porto Alegre: Mercado Livre, 1987. ______O sexo proibido: virgens, gays e escravos nas garras da Inquisição. Campinas: Papirus, 1988. MOTT, Luiz e CERQUEIRA, Marcelo. Causa mortis: homofobia; violação dos direitos humanos e assassinato de homossexuais no Brasil. Bahia: Grupo Gay da Bahia, 2001. MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999. NAVA, Michael e DAWIDOFF, Robert. Created Equal: Why Gay Rights Matter to America. Nova York: St. Martin's Press, 1995. NICHOLSON, Linda. Interpreting gender. In: NICHOLSON, Linda e SEIDMAN, Steven (ed.) Social postmodernism: beyond identity politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. p. 39-68. NINO, Carlos Santiago. El construtivismo ético. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1984. NOLASCO, Sócrates (org.). A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: Rocco, 1985. NUSSBAUM, Martha. Sex and social justice. Oxford, New York: Oxford University Press, 1999. OAB – Conselho Federal. OAB ensino jurídico – balanço de uma experiência. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2000. _____________________OAB Recomenda – um retrato dos cursos jurídicos. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2001. OLIVEIRA, Alexandre Maciel Miceli Alcântara de. Direito de auto-determinação sexual. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Devido processo legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. OLIVEIRA, Nythamar de. Rawls. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. PALMBERG, Mai. Emerging Visibility of Gays and Lesbians in Southern Africa: Contrasting Contexts. In: ADAM, Barry, DUYVENDAK, Jan Willem e KROUWEL, André (org.) The Global Emergence of Gay and Lesbian Politics: National Imprints of a Worldwide Movement. Philadelphia: Temple University Press, 1998. p.266-292. PASCUAL, Cristina García. La función del juez en la creacíon y protección de los derechos humanos. In: BALLLESTEROS, Jesús (editor). Derechos humanos. Madrid: Tecnos, 1992. p. 213-223. PASSOS, Joaquim José Calmon de. Comentários ao Código de processo civil: lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. III : arts. 270 a 331. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. PAVÃO, Ana Maria Braz. O princípio da autodeterminação no serviço social: visão fenomenológica. 4.ed. São Paulo: Cortez, 1988. PECES-BARBA, Gregorio. Escritos sobre derechos fundamentales. Madrid: Eudema, 1988.

_____________ Sobre el fundamento de los derechos humanos. In: PECES-BARBA, Gregorio (ed.). El fundamento de los derechos humanos. Madrid: Debate, 1989. p.265-278. PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação da constituição e os princípios fundamentais – elementos para uma hermenêutica constitucional renovada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil.19 ed. Rio de Janeiro: Forense: 1999. v. 1. _________. Instituições de Direito Civil. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v.5. PERELMAN, Chaim e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1996. PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 1996. PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. PERÉZ LUÑO, Antonio E. (Coord.). Derechos humanos y constitucionalismo ante el tercer milenio. Madrid: Marcial Pons, 1996. _____________ Derechos humanos y constitucionalismo en la actualidad: continuidad o cambio de paradigma? In: PERÉZLUÑO, Antonio-Enrique. (Coord.). Derechos humanos y constitucionalismo ante el tercer milenio. Madrid: Marcial Pons, 1996. p. 11-52. ____________Los derechos fundamentales. 7.ed. Madrid: Tecnos, 1998. ____________Derechos humanos, estado de derecho y constitución. 6.ed. Madrid: Tecnos,1999. PERRY, Michael J. The idea of human rights - four inquiries. New York/Oxford: Oxford University Press, 1998; PHELAN, Shane. The space of justice: lesbians and democratic politics. In: NICHOLSON, Linda e SEIDMAN, Steven (ed.) Social postmodernism: beyond identity politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. p. 332-356. PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença. São Paulo: Editora 34, 1999. PIETRO, Luis. Estudios sobre derechos fundamentales. Madrid: Debate, 1990. PINELLO, Daniel R. Gay rights and american law. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. PLUMMER, Ken. The Lesbian and Gay Movement in Britain: Schisms, Solidarities and Social Worlds. In: ADAM, Barry, DUYVENDAK, Jan Willem e KROUWEL, André (org.) The Global Emergence of Gay and Lesbian Politics: National Imprints of a Worldwide Movement. Philadelphia: Temple University Press, 1998. p.133-157. POPPER, Karl Raimund,The open society and its enemies. 5th ed. (rev.). London: Routledge & Kegan Paul, 1966. RAKOVE, J. N. (ed). Interpreting the Constitution The debate over orginal intent. Boston: Northeastern University Press, 1990. _________Interpreting the constitution – the debate over original intent. Boston: Northeaster Unoversity Press, 1994. RAMÍREZ, Salvador Vergés. Derechos humanos: fundamentación. Madrid: Tecnos, 1997. RAWLS, John. A theory of justice. Oxford: Oxford University Press, 1980. _______Uma teoria da justiça. Lisboa: Presença, 1993.

_______Political Liberalism. New York: Columbia University Press, 1993. REALE, Miguel. Filosofia do direito. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 1996. _______Introdução à filosofia. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1989. RENAUT, Alain. O indivíduo: reflexão acerca da filosofia do sujeito. Rio de Janeiro: Difel, 1998. REVORIO, Francisco Javier Díaz. Valores superiores e interpretación constitucional. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 1997. RICHARDS, David A. J. Womens, gays and the constituciom: the ground for feminism and gay rights in culture and law. Chicago: The University of Chicago Press, 1998. _________Identity and the case for gays rights: race, gender, religion as analogies. Chicago: The University of Chicago Press, 1999. RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. ________O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. RIST, Darrell Yates. Are homosexuals born that way? In: BAIRD, Robert M. E BAIRD, M. Katherine (Ed.). Homosexuality: debating the issues. New York: Prometheus Books, 1995, p. 71-79. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino jurídico para que(m)? Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de Família. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. ROIG, Francisco Javier Ansuátegui. Poder, ordenamento jurídico, derechos. Madrid: Dykinson,1997. ROSENBLUM, Nancy L. (Dir.) El liberalismo y la vida moral. Buenos Aires: Nueva Vision, 1980. ROSENFELD, Michel (ed.). Constitutionalism, identity, difference and legitimacy. London: Duke University Press, 1994. ROSENFELD, Michel . Modern constitutionalism as interplay between identity and diversity. In: ROSENFELD, Michel (ed.). Constitutionalism, identity, difference and legitimacy. London: Duke University Press, 1994. p.3-38. ROSENKRANTZ, Carlos F. et alli. La autonomia personal. Cuadernos y Debates n. 37. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1992. RUBIN, Gayle S. Thinking sex: notes for a radical theory of the politics of sexuality. In: ABELOVE, Henry, BARALE, Michèle Aina e HALPERIN, David M. (eds.). The lesbian and gay studies reader. New York and London: Routledge, 1993, p. 3-44. SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 13. ed. Porto: Afrontamento, 2002. SANTOS, Rick e GARCIA, Wilton (org.) A escrita de adé: perspectivas teóricas dos estudos gays e lésbicos no Brasil. São Paulo: Xamã, 2002. SAUCA, José Ma. Problemas actuales de los derechos fundamentales. Madrid: Universidad Carlos III e Boletín Oficial del Estado, 1994. SCHPUN, Mônica Raisa. Gênero sem fronteiras. Florianópolis: Mulheres, 1997.

SCHUYF, Judith e KROUWELL, André. The Dutch Lesbian and Gay Movement: The Politics of Accommodation. In: ADAM, Barry, DUYVENDAK, Jan Willem e KROUWEL, André (org.) The Global Emergence of Gay and Lesbian Politics: National Imprints of a Worldwide Movement. Philadelphia: Temple University Press, 1998. p. 158-183. SCHWARTZ, Bernard. Os grandes direitos da humanidade - the Bill of Rights. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1979. ___________A history of the Supreme Court. New York: Oxford University Press, 1993. SEDGWICK, Eve Kosofsky. Construire des significations queer. In: ERIBON, Didier. (org,) Les études gay et lesbiennes. Paris: Centre Georges Pompidou, 1998. p.109-116. ___________Epistemology of the closet. Berkley: University of California Press, 1990. SEEL, Pierre . I, Pierre Seel, Deported Homosexual: A Memoir of Nazi Terror. New York: Basic Books, 1995. SEM, Amartya. A desigualdade reexaminada. São Paulo: Record, 2001. SEMPRINI, Andréa. Multiculturalismo. Bauru, São Paulo: Edusc, 1999. SHIER, Paulo Ricardo. Filtragem Constitucional: Construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. SHUTE, Stephen e HURLEY, Susan (ed.). On human rights – the Oxford Amnesty Lectures 1993. New York: Basic Books, 1993. SILVA, Américo Luís Martins da. A evolução do direito e a realidade das uniões sexuais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1996. SILVA, Fernanda Duarte L. L. da.O princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. ______Romer v. Evans: “o amor que não ousa dizer o seu nome.” In: VIEIRA, José Ribas. Temas de direito constitucional norte-americano. Rio de Janeiro: Forense, 2002.p. 163-202. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 1998. ______Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. SILVA, Thomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença. Petrópolis: Vozes, 2000. SMITH, Miriam. Lesbian and gay rights in Canada: social movements and equality-seeking, 1971-1995. Toronto: University of Toronto, 1999. SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Jurisdição constitucional, democracia e racionalidade prática. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. STEIN, Edward. The mismeasure of desire: the science, theory and ethics of sexual orientation. New York: Oxford University Press, 1999. ______ Law, sexual orientation, and gender. In: COLEMAN, Jules e SHAPIRO, Scott (ed.). The Oxford handbook of jurisprudence and philosophy of law. Oxford/New York: Oxford University Press, 2002. p. 990-1039. STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de Direitos Fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. 3.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

________Jurisdição constitucional e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. STUMM, Raquel Denize. O princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. STYCHIN, Carl F. Law´s desire – sexuality and the limits of justice. London, New York: Routledge, 1995. SULLIVAN, Andrew. Praticamente normal: uma discussão sobre o homossexualismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1996. SULLIVAN, Andrew (ed.). Same-Sex Marriage: Pro and Con: A Reader. New York: Vintage/Random House, 1997. SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. TAYLOR, Charles. The ethics of authenticity. Cambridge, Massachusetts/London: Harvard University Press, 1991. ________El multiculturalismo y “la política del reconocimiento”.México: Fondo de Cultura Económica, 1993. _______The politics of recognition. In: GUTMAN, Amy (edited and introduced). Multiculturalism. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1994. p. 25-73. TEPEDINO, Gustavo. A Questão Ambiental, o Ministério Público e as Ações Civis Públicas. In: Temas de Direito Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 293-324. TERRY, Jennifer. An American obsession – science, medicine and the palce of homosexuality in modern society. Chicago: Chicago Press, 1999. THE LAW SOCIETY COHABITATION. The case for clear law. Proposals for reform. London, July 2002. THE RAMSEY COLLOQUIUM. The homosexual movement. In: BAIRD, Robert M.; BAIRD, M. Katherine (Ed.). Homosexuality: debating the issues. New York: Prometheus Books, 1995. p. 31-40. THOMAS, Laurence M.e LEVIN, Michael E. Sexual orientation and human rights. Maryland: Rowman & Littlefield, 1999. TORRES, Ricardo Lobo (org.). Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. _______Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. TOURAINE, Alain. Igualdade e diversidade: o sujeito democrático. Bauru, São Paulo: Edusc, 1998. __________Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. Petrópolis: Vozes, 1999. TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso. 5.ed. Rio de Janeiro, Record, 2002. TRIBE, Laurence. American Constitucional Law. New York: The Foundation Press, 1978. TRINDADE, Azoilda L. da e SANTOS, Rafael dos (org.). Multiculturalismo – mil e uma faces da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. TUCKER, Naomi (ed.) Bisexual Politics: theories, queries and visions. New York and London: Haworth Press, 1995. USERA, Raúl Canosa. Interpretación Constitucional y Fórmula Política. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,1988. VAID, Urvashi. Virtual equality: the mainstream of gay and lesbian liberation. New York: Doubleday Anchor Books, 1995. VAINFAS, Ronaldo. Trópicos dos pecados. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

VAN GELDER, Lindsy. The “born that way” trap. In: BAIRD, Robert M. e BAIRD, M. Katherine (Ed.). Homosexuality: debating the issues. New York: Prometheus Books, 1995. p.80-82. VATTIMO, Gianni. As aventuras da diferença. Lisboa: Edições 70, 1980. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2002. VERGOTTINI, Giuseppe de. Derecho Constitucional Comparado. Madrid: Espasa-Calpe, 1985. VIEIRA, José Ribas. O autoritarismo e a ordem constitucional no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 1988. _______A estrutura constitucional e a democracia deliberativa: o contexto brasileiro. In: VIEIRA, José Ribas. Temas de constitucionalismo e democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.147-164. VIEIRA, Tereza Rodrigues. Mudança de sexo – aspectos médicos, psicológicos e jurídicos. São Paulo: Livraria Santos, 1996. WALZER, Michael. Las esferas de la justicia. Una defensa del pluralismo y la igualdad. Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1993. _________Moralidad en el ámbito local e internacional. Madrid: Alianza Universidad, 1996. WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini,DINAMARCO e WATANABE. Participação e Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1988. p. 128-135. ___________Comentários ao art. 81 do Código de Defesa do Consumidor. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p.716-731. WILSON, Angelia R. (ed.). A simple matter of justice? Cassell: Londom, 1995. WINTEMUTE, Robert. Sexual Orientation and Human Rights. Oxford, Claredom Press, 1995. WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, estado e direito. 2.ed. rev.e amp.São Paulo: RT, 1989. __________Introdução ao pensamento jurídico crítico. 3.ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. WOOD, Peter. Diversity: the invention of a concept. San Francisco: Encounter Books, 2003. WOODWARD, Bob e ARMSTRONG, Scott. Por detrás da Suprema Corte São Paulo: Saraiva, 1985. WOOLCOCK, Geoffrey e ALTMAN, Dennis. The Largest Street Party in the World: The Gay and Lesbian Movement in Australia. In: ADAM, Barry, DUYVENDAK, Jan Willem e KROUWEL, André (org.) The Global Emergence of Gay and Lesbian Politics: National Imprints of a Worldwide Movement. Philadelphia: Temple University Press, 1998. p.326-343. YOUNG, Iris Marion. Inclusion and democracy. New York: Oxford University Press, 2002. _______Justice and the politics of difference. New Jersey: Princeton University Press, 1990. ZAGREBELSKY, Gustavo. La Corte Constitucional y la Interpretación de la Constitución. In: LÓPEZ PINA, Antonio. División de Poderes e Interpretación. Hacia una teoria de la praxis constitucional. Madrid: Tecnos, 1987, p.161 - 178. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2000. b) Artigos em revistas, cadernos, periódicos e outros ALAS, Leopoldo. ¿La sociedad gay: una invisible minoría? Claves de Razón Pratica, Madri, n. 122, p. 58-64, Maio, 2002.

ALCALÁ, Humberto Nogueira. La dignidad de la persona,derechos esenciales y derecho a la igual protéccion de la ley. Revista de Derecho Constitucional, Caracas, Venezuela, n. 1, p.241-265, Sep./Dec.,1999. ALEXY, Robert. Interpretação da constituição. Revista de Direito Público. São Paulo, n.93, p.5-12, mar., 1990. ARA PINILLA, I. La semántica de los derechos humanos. Anuário de derechos humanos, n.6, Universidade Complutense de Madrid, p.23-38, 1990. BARRETO, Vicente. Ética e os direitos humanos. Revista Ciências Sociais da Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, p. 242-252, dez. 1997, Edição Especial. BARROSO, Luis Roberto. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Rio de Janeiro: in mimeo, 2003. BARROSO, Luís Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Interesse Público, n. 19, p. 51-80, maio/jun. 2003. BAYON, Juan Carlos. El debate sobre la interpretación en la reciente doctrina norteamericana. RCG, [s.l.], n.4, jan./fev., 1984. BERMÚDEZ, Pedro Serna. La dignidad de la persona como principio del derecho. Derechos y libertades. Revista del Instituto Bartolomé de Las Casas. Universidad Carlos III. Madrid. Año 2. n. 4, p.287-306, 1995. BERTOLINO, Rinaldo. La cultura moderna de los derechos y la dignidade del hombre. Derechos y libertades. Revista del Instituto Bartolomé de Las Casas. Universidad Carlos III. Madrid. Año 4. n. 7, p.131-140, 1999. CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. Doxa, Alicante, n. 21-I, p. 209-220, 1998. CANELLA, Paulo Roberto Bastos. Identidade de gênero. Scientia Sexualis. Revista do Mestrado em Sexologia da Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, v.3, n.2, p.74-79, dez 1997. CASE, Mary Anne. Disaggregating Gender from Sex and Sexual Orientation: The Effeminate Man in the Law and Feminist Jurisprudence. Yale Law Journal, n. 105, p.1, October, 1995. CASTRO, Ana Rubio. Igualdad y diferencia ¿dos principios jurídicos? Derechos y libertades. Revista del Instituto Bartolomé de Las Casas. Universidad Carlos III. Madrid. Año 2. n. 4. p. 259-286 , 1995. CONTI, Mario Sergio. Uma vida distorcida. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 nov. 2000. Caderno Mais!, p.8-10. COSTA, Jurandir Freire. Politicamente correto. Teoria e Debate, n.18. p. 24-27, 2.trimestre, 1992. Entrevista para Maria Rita Kehl. CZAJKOWSKI, Rainer. Reflexos jurídicos das uniões homossexuais. Jurisprudência Brasileira, cível e comércio, Curitiba, n.176, p.95-107, 1995. DENNINGER, Erhard. Derechos humanos, dignidad humana y soberanía estatal. Derechos y libertades. Revista del Instituto Bartolomé de Las Casas. Universidad Carlos III. Madrid. Año 5. n. 9, p.285-298, 2000. DUBNOFF, Caren G. Romer v. Evans: a legal and politcal analysis. Law and Inequality, Minnesota, n.15, p. 275-322, Spring, 1997. FARIA, Gentil de. OW – a morte anônima. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 nov. 2000. Caderno Mais!, p.4-7.

FIGUEIREDO, Lucia Valle. Ação Civil Pública. Ação Popular. A Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos. Posição do Ministério Público, Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 16, p. 15-30, dez. 1996. FINNIS, John. Derecho, moral y "orientación sexual". Persona y Derecho. Pamplona, España. n. 41, p.583-619, 1999. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Sobre la dimensión jusfilosófica del processo. Doxa, Alicante, n. 21, p. 179-187, 1998. HABERMAS, Jürgen. Luchas por el reconocimento en el estado democrático de derecho. Estudios Internacionales, Santiago, Chile, n. 9, p. 5 e ss, enero-junio. 1994. HOHENGARTEN, William. Same-Sex Marriage and the Right of Privacy. Yale Law Journal, n. 103 , p. 1495-1531, April, 1994. LUCAS, Javier de e AÑON, Maria José. Necesidades, razones, derechos. Doxa, Alicante, n.7, p.55-81, 1990. LUGARINHO, Mário César. Universidade GLS. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 mar. 2003, Mais!, p.10-11. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. O Município enquanto co-legitimado para a tutela dos interesses difusos. Revista de Processo, São Paulo, v. 12, n. 48, p. 45- 63, out./dez 1987. MARQUES, Cláudia Lima. A pesquisa em direito: um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método sprechstunde e a iniciação científica na pós-modernidade Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 20, p. 63-89, 2001. MARQUES, Luiz Guilherme. Pressupostos processuais e condições da ação no processo civil. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 84 , n.301, p. 317-9, jan./mar. 1988. MEDINA, Carlos Alberto de. Famílias e Desenvolvimento. América Latina. Rio de Janeiro, n. 12(2), p. 53-65, abr./jun. 1969. MENDES, Gilmar Ferreira. Controle incidental de normas no Direito Brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 88 , n.760, p. 11-39, fev. 1999. MICHELMAN, Frank I. Morality, identity and “constitutional patriotism”. Ratio Juris, v. 14, n.3, p. 253-271, 2001. MIRANDA, Jorge. Sobre o direito constitucional comparado. Revista Brasileira de Direito Comparado, v.5, n.9, p.34-58, jul./dez. 1990. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ações coletivas na Constituição Federal de 1988. Revista de Processo, São Paulo, v. 16, n. 61 p. 187 a 200, jan./mar 1991. MOTT, Luiz. Relações raciais entre homossexuais no Brasil Colônia. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 5, n. 10, p. 99-122, mar./ago. 1985. NERY JUNIOR, Nelson. Condições da ação. Revista de Processo, São Paulo, v. 16 , n.64, p. 33-8, out./dez. 1991. NINO, Carlos. S. Autonomia y necesidades básicas. Doxa, Alicante, n. 7, p.21-34, 1990. GAYS CRITICAM GLOSSÁRIO DA IGREJA. O Globo, Rio de Janeiro, 1 abr. 2003. Todo Mundo. p.7. PASSOS, José Joaquim Calmon de. Em torno das condições da ação. Revista de Direito Processual Civil, São Paulo, v. 2 , n.4,p. 57-66, jul./dez. 1961. PATTO, Pedro Vaz. Direito penal e ética sexual. Direito e Justiça. Lisboa, v. XV, t. 2 , p. 123-145, 2001.

PETERS, Christopher J. Equality revisited. Harvard Law Review, n. 110, p. 1210-1264, 1996-1997. PLÚRIMA. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. Porto Alegre, v.2, 1999. PRAINDI, Reginaldo. A família para a Igreja. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 37, 90-93, maio, 1981. REIS, Jane Moreira dos. Breves notas sobre as implicações para a teoria do direito da adoção de uma perspectiva pós-moderna de ciência. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Petrópolis. Porto Alegre, n. 1, p 49-58, 1999. RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade e a discriminação por orientação sexual no direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 38, n. 149, p.279-295, jan./mar. 2001. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 33, n. 131, p. 283-295, jul./set. 1996. SCHACTER, Jane S. Skepticism, culture and the gay civil rights debate in a post-civil-rights era. Harvard Law Review, n. 110, ,p.684-731, 1997. SÁNCHEZ MARTÍNEZ, M. Olga. Constitución y parejas de hecho: El matrimonio y la pluralidad de estructuras familiares [Homosexualidad, Orientación sexual] Revista Española de Derecho Constitucional, n. 58, p. 45-69, 2000. SANCHEZ, Julio V. Gavidia. Uniones homosexuales y concepto constitucional del matrimonio. Revista Española de Derecho Constitucional, n. 61, p. 11-58, 2001. SANCHÍS, Luis Pietro. Minorias, respeto a la disidencia e igualdad sustancial. Doxa, Alicante, n. 15-16, p.367-387, 1996. SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências na transição para uma ciência pós-moderna. Estudos avançados, s.l., p. 46-71. s.d. ________Uma concepção multicultural de direitos humanos. Lua Nova, n. 39, p.105-124, 1997. SILVA, Fernanda Duarte L. L. Benjamin Constant e a Liberdade. Revista da Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, v. 4, n. 14, p. 73-83, set./dez, 1996. _______Os direitos humanos como direitos morais. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Petrópolis. Porto Alegre, n. 1, p. 29-48. 1999. _______A justiça frente ao governo: algumas notas. Revista da EMARF, EMARF, Rio de Janeiro, v. 1, p.31-40, 1999. _______Os primeiros passos rumo à Suprema Corte Norte-Americana. Cadernos de Direito da FESO, FESO- Núcleo de Pesquisa Jurídica Teresópolis, ano III, n. 4, p. 60-73, 2001. TAVARES, Ana Lúcia de Lyra. O Estado Federal numa Visão Comparativa. R.C.P., Rio de Janeiro, n. 2, p. 81-138, 1981. WALD, Arnoldo. Usos e abusos da ação civil publica (analise de sua patologia). AJURIS, Porto Alegre, v. 21 , n.61,p. 75-98, jul. 1994. WESTEN, Peter. The empty idea of equality. Harvard Law Review, n. 95, p. 537-595, 1982. ZAVASCKI, Teori Albino. O Ministério Publico e a defesa de direitos individuais homogêneos. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 30 , n.117,p. 173-186, jan./mar. 1993. c) Teses e dissertações

SILVA, Fernanda Duarte L.L. da. O princípio da igualdade: realidade ou ficção? Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas, área de concentração “Teoria do Estado e Direito Constitucional) Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1999 a. SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto de. A constituição aberta e atualidades dos direitos fundamentais do homem, 1995 (Tese para a titularidade da disciplina de Direito Constitucional. Universidade do Estado do Rio de Janeiro). PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Direitos fundamentais e interpretação constitucional: uma contribuição ao estudo dos limites dos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios, 2003 (Tese de doutoramento em Direito. Universidade do Estado do Rio de Janeiro - em elaboração). d) Trabalhos apresentados em congressos, cursos, simpósios, colóquios e outros. BAMFORTH, Nicholas. Palestra proferida na PUC/RJ, em 31 de abril de 2003, por ocasião do curso “A Convenção Européia de Direitos Humanos e o Human Rights Acts de 1988”, promovido pelo Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito da PUC/RJ, com o apoio do British Council. BRITO, José de Souza et. al. Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional - Colóquio no 10º Aniversário do Tribunal Constitucional - Lisboa, 28 e 29 de maio de 1993. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. COLE, Charles D. Lectures. Niterói: [s.i.], 2000 (in mimeo). MOTT, Luiz. Teses Acadêmicas sobre a Homossexualidade no Brasil. In.: SALALM, XXXIX Seminar on the acquisition of the Latin American Library Materials, Salt Lake City, 1994. SEMINARIO UNIDEM: Le principe du respect de la dignité de la personne humaine., Montpellier, 1998. Anais. Comission européenne pour la démocratie par lê droit/ Conseil de l´Europe. VANDENBERG, Terry. Politics of sexuality. In: SEMINAR IN CONTEMPORARY RHETORIC. COMMUNICATION STUDIES, 632, 1999, California State University, Apr 27. WOUTERS, Jan. Constitutional limits of differentiation: the principle of equality. Institute for International Law. K.U. Leuven. Working paper, n. 4, may, 2001. e) Legislação167 BÉLGICA. 13 fevrier 2003. Loi ouvrant le mariage à des personnes de même sexe et modifiant certaines dispositions du Code civil. Publié le : 2003-02-28. Service Public Federal Justice. Disponível em: < http://www.moniteur.be>. Acesso em: 20 mai.2003. BRASIL. Câmara dos Deputados. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Aprovado pela Resolução n. 17, de 1989 e alterado pelas Resoluções n. 1, 3 e 10, de 1991; 22 e 24, de 1992; 25, 37 e 38, de 1993; 57 e 58, de 1994; 1, 77,78 e 80, de 1995; 5, 8 e 15, de 1996; 53; de 1999 e 11, de 2000. 5 ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2000. Disponível em: < http://www.sinal.org.br/download/RegInterno.pdf> . Acesso em: 26 set. 2003. _______Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e da outras providencias. Senado Federal. Disponível em: . Acesso em: 1 out.2003.

_______Decreto n.º 3.048/99 de 06 de maio de 1999. Aprova o regulamento da Previdência Social, e da outras providencias. Senado Federal. Disponível em: . Acesso em: 1 out. 2003. _______Decreto-Lei n° 1001, de 21.10.1969. Código Penal Militar. Senado Federal. Disponível em: Senado Federal. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2003. _______Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Revista dos Tribunais. São Paulo: 2002. _______Projeto de Lei n.º 1.151-A, de 1995. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília-DF, 21 nov. 1995. Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em 23 ago. 2003. COUNCIL OF EUROPE. The European Convention on Human Rights. Rome 4 November 1950 and its Five Protocols Paris 20 March 1952, Strasbourg 6 May 1963, Strasbourg 6 May 1963, Strasbourg 16 September 1963, Strasbourg 20 January 1966. Disponível em: . Acesso em: 06 set. 2003. EUROPEAN PARLIAMENT. Charter of Fundamental Rights of The European Union (2000/C 364/01) Official Journal of the European Communities. 18 dez. 2000. Disponível em: . Acesso em: 06.09.2003. EUROPEAN PARLIAMENT. Council Directive 2000/78/EC of 27 November 2000 establishing a general framework for equal treatment in employment and occupation. Official Journal L 303 , 02/12/2000 P. 0016 – 0022. Disponível em: Acesso em: 29 set. 2003. FINLÂNDIA. Act on Registered Partnership (950/2001; amendments up to 1229/2001 included). NB: Unofficial translation. Disponível em: . Acesso em: 15 jul.2003. HOLANDA. Act of 21 December 2000 amending Book 1 of the Civil Code, concerning the opening up of marriage for persons of the same sex (Act on the Opening up of Marriage) Staatsblad van het Koninkrijk der Nederlanden 2001, nr. 9 (11 January) (Official Journal of the Kingdom of the Netherlands). Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2003. __________Act of 21 December 2000 amending of Book 1 of the Civil Code (adoption by persons of the same sex) Staatsblad van het Koninkrijk der Nederlanden 2001, nr. 10 (11 January) (Official Journal of the Kingdom of the Netherlands). Disponível em: Acesso em: 20 maio 2003. JUIZ DE FORA. Lei n.º 9791,de 12 de maio de 2000. Dispõe sobre a ação do Município no combate às práticas discriminatórias, em seu território, por orientação sexual. Câmara Municipal de Juiz de Fora – Sistema de Acompanhamento Legislativo. Disponível em: . Acesso em: 30 nov.2002. NORUEGA. Act of 28 February 1986 No. 8 relating to adoption. Disponível em: . Acesso em: 26 set. 2003.

167

No particular, não estão referenciadas as legislações constantes do Dossiê da Divisão de informação Legislativa e Parlamentar da Assembléia da República de Portugal, nas quais não foram verificadas alterações/atualizações posteriores à elaboração deste. Referenciam-se aqui apenas as alterações posteriores.

__________Act No. 40 of 30 April 1993 relating to Registered Partnership. Disponível em: < http://odin.dep.no/archive/bfdbilder/01/03/Partn011.pdf>. Acesso em: 26 set. 2003. PORTUGAL. Assembléia da República. Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar. Dossiê elaborado para apoio aos trabalhos da comissão especializada na análise dos projectos de lei n. 414/VII e 521, VII, que visam regular o ‘Regime Jurídico das Uniões de Fato. Contém textos das iniciativas apresentadas na Assembléia da República, quadro comparativo da legislação e legislação de alguns países da União Européia, 2000. __________Lei n. 7/2001, de 11 de maio. Adopta medidas de protecção das uniões de facto. Diário da República, nº 109 de 11/5/2001, página 2797. Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2003. RIO DE JANEIRO (estado). Lei nº 3.406, de 15 de maio de 2000. Estabelece penalidades aos estabelecimentos que discriminem pessoas em virtude de sua orientação sexual, e dá outras providências. Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: Acesso em: 17 jun. 2003. SUÉCIA. The Marriage Code (Äktenskapsbalken) SFS 1987:230, with subsequent amendments up to and including SFS 2000:1731. Disponível em: Acesso em: 26 set. 2003. f) Decisões judiciais168 BRASIL. Superior Tribunal Militar. Acórdão n.º 0001066, DJ: 20.12.1994 Vol.: 01284-01. Disponível em: Acesso em: 17 set. 1999. _______Superior Tribunal Militar. Acórdão n.º 900165-5, DJ: 12.02.1998, Vol.: 00029811. Disponível em: Acesso em: 17 set. 1999. EUA. Supreme Court. Romer v. Evans. n. 94-1039 Disponível em: . Acesso em: 30 ago. 2003. HAWAII (EUA) Supreme Court. Baehr v. Lewin. (05/05/1993) Disponível em: Acesso em: 13 set.2003. LITÍGIO DE LÉSBICAS SERÁ DECIDIDO POR VARA DE FAMÍLIA: decisão da 8ª Câmara do TJ/RS. Jornal do Commércio, 19 jun. 1994, p. B-8. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Comitê de Direitos Humanos. 78º seção. Geneva. 14 de julho à 08 de agosto de 2003. CCPR/C/78/D/941/2000. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2003. RIO DE JANEIRO (estado). Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Adoção de criança por homossexual. Apelação Cível n.º 14.332/98, da 9a Câmara Cível. Diário Oficial parte III, Rio de Janeiro, p.20, 28 abr. 1999. RIO GRANDE DO SUL. 3ª Vara Federal Previdenciária de Porto Alegre. Seção Judiciária do Rio Grande do Sul. Ação Civil Pública n.º 2000.71.00.009347-0. Ministério Público Federal e Instituto Nacional do Seguro Social. Juíza Federal Simone Barbisan Fontes. 19 de dezembro de 2001.

168

Referenciam-se aqui apenas as decisões judiciais obtidas por acesso direto às fontes documentais. As demais, cujo acesso se deu de forma indireta (como por exemplo, relatórios e dossiês) são referenciadas a partir das respectivas fontes consultadas.

____________________Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Decisões relativas ao reconhecimento de direitos decorrentes de relações homossexuais. In: Espaço Vital. Disponível em: Acesso em: 20 set. 2003. SÃO PAULO (estado). Justiça Federal. Processual Penal. Habeas Corpus. Constrangimento ilegal. Habeas Corpus n.º 2000.61.04.004829-0 da 3a Vara Federal de Santos.

g) Documentos em meio eletrônico A HOMOSSEXUALIDADE NA GRÉCIA ANTIGA. Jornal do Nuances - grupo pela livre expressão sexual, Porto Alegre, jan. 2001 Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2003. AGE OF CONSENT. .Disponível em: .Acesso em: 20 jun. 2003. ALMEIDA, Renato Franco de. O Parquet na defesa de interesses individuais homogêneos. Revista Virtual FEMPERJ. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2003. AMERICAN PSICOLOGICAL ASSOCIATION AMERICAN PSICOLOGICAL ASSOCIATION. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2003. AMERICAN PSICOLOGICAL ASSOCIATION. Committee on Lesbian and Gay Concerns. Avoiding Heterosexual Bias in Language. American Psychologist. September 1991, Volume 46, Issue No. 9, p. 973-974. Disponível em: . Acesso em: 13 mar.2003. AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, THE AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, THE NATIONAL ASSOCIATION OF SOCIAL WORKERS,INC., AND THE COLORADO PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Brief of amicus curae. Romer v. Evans. US Supreme Court. Disponível em: . Acesso em: 14 maio 2003. ASSOCIAÇÃO DO ORGULHO GLBT de São Paulo. Disponível em:. Acesso em 30 maio 2003. AUMENTA OPOSIÇÃO À NOVA LEI DA UNIÃO HOMOSSEXUAL NO CANADÁ. O Estado de São Paulo, São Paulo, 4 ago. 2003. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2003. BANCHS, María Auxiliadora. Desconstruyendo uma desconstrucción: Lectura de Ian Parker (1989) a la luz de los critérios de Parker e Shotter (1990). Papers on social representations. Electronic Version. vol. 3, 1994. Disponível em: . Acesso em: 18 de agosto de 2003. BARRETO, Leandro Manhães de Lima. Interesses metaindividuais. Revista Virtual FEMPERJ .Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2003. BOTELHO, Eduardo. Porque é que o governo português considera os homossexuais deficientes? Disponível em:. Acesso em: 24 de agosto de 2003. BUENO FILHO, Edgard Silveira. Amicus curae - a democratização do debate nos processos de controle da constitucionalidade. Revista Diálogo Jurídico. n. 14, ,jun./ago., Salvador, 2002. Disponível em:.Acesso em: 22 set. 2003.

BURGIERMAN, Denis Russo. Alan Turing. Superinteressante. Dez. de 2000. Disponível em: . Acesso em: 26 maio 2003. BUSH QUER RESTRINGIR CASAMENTO A UNIÕES HETEROSSEXUAIS. Globo News, [s.l.], 30 jul. 2003. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2003. BUSH REJEITA PEDIDO DE LEGALIZAÇÃO DE CASAMENTO GAY. Folha On Line, São Paulo. 30 jul. 2003. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2003. CAMPOS, Paulo M. E., SOUZA , Renato C. Ferreira Imagem Mental e Representação Social: estudo de caso. Paper apresentado no 1º Congresso Internacional de Arquitetura e Psicologia -FAU/UFRJ Agosto 2000. Disponível em: . Acesso em: 18 de agosto de 2003. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Dez anos da ação civil pública. Um retrospectiva geral Palestra proferida nos Congressos Internacional de Responsabilidade Civil, Consumidor, Meio Ambiente e Danosidade Coletiva: Fazendo Justiça no Terceiro Milênio, realizados em Blumenau, no período de 29 de outubro a 1º de novembro de 1995. Revista Virtual FEMPERJ. Disponível em: < http://www.femperj.org.br/artigos/intdif/ai01.htm >. Acesso em: 27 jun. 2003. CARVALHO, José Carlos Bento de e DIONÍSIO, Nuno Miguel Nunes. Goth – O Ultra-Romantismo Juvenil em Lisboa: um estilo de vida alternativo. Universidade Autónoma de Lisboa. Departamento de Ciências Humanas. Curso de Sociologia. Trabalho de Investigação para a obtenção da Licenciatura em Sociologia. Gestor de Projecto: Alexandre Faria e Silva Lisboa, Março de 1999. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2003. CNN.COM – Law Center. Disponível em: . Acesso em: 04 dez. 2002. COELHO, Inocêncio Mártires. Métodos e princípios da interpretação constitucional. In: Fórum de Direito Constitucional −Do Estado de Direito ao Estado da Justiça, Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2002. Disponível em: . Acesso em: 4 out.2003. CONSONI, Adelaide Fatima. A cidadania no Brasil dos anos 90. Servizio Sociale su Internet. Disponível em:. Acesso em: 04 de setembro de 2003. CRONOLOGIA DO MOVIMENTO GAY. Estou Feliz Assim. Disponível em: Acesso em: 26 maio 2003. CUNHA, Olívia Maria Gomes da. 1933: um ano em que fizemos contatos. Revista USP, n. 28. Disponível em: .Acesso em: 15 maio 2003. CUNHA, Sandra Mestre da. Estigma: Notas sobre a manipulação da Identidade deteriorada. Disponível em: . Acesso em:26 ago. 2003 DORRONSORO, Ignasi Alvarez. La gestion de la diversidad: construccion y neutralización de las diferencias. Cuadernos Electronicos de Filosofia del Derecho, n. 0. Disponível em: Acesso em: 26 fev. 2002. DUTCH MAY CODIFY GAY MARRIAGES.Disponível em: Acesso em: 07.08.2003.

ENCYCLOPEDIA BRITANNICA. Disponível em: . Acesso em:17 fev.03 EISENBERG, Avigail. Diversity and equality: threee approaches to cultural and sexual difference. Constitutionalism WebPapers, Con Web n.1/2001. Disponível em:. Acesso em: 26 fev. 2002. ESPAÇO VITAL. Disponível em: Acesso em: 20 set. 2003. FAJER, Marc A. Bowers v. Hardwick, Romer v. Evans, and the meaning of anti-discrimination legislation. National Journal of Sexual Orientation Law, v.2, issue 2, p.208-215, 1996. Disponível em:< http://www.ibiblio.org/gaylaw/issue4/fajer.html>. Acesso em 16. set. 2003. FESTY, Patrick. The civil solidarity pact (PaCS) in France: an impossible evaluation. Population & Societés (Bulletin Mensuel d´Information de l`Institut National d´Etudes Démographiques), n. 369, june 2001. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2003. FILHO DE CANTORA FICA COM MARIA EUGÊNIA. Juiz concede guarda permanente de Francisco Eller, o Chicão, filho da cantora Cássia Eller, à sua companheira. Diário do Vale On-line. Sul Fluminense, 1 nov. 2002.. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2003. FILHO DE CÁSSIA ELLER FICA COM EUGÊNIA. O Estado de São Paulo, São Paulo, 17 ago. 2002. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2003. FREITAS, Conceição. Freud, Febrônio e a maluquice humana. Correio Braziliense. Brasília, 21 nov. 2000. Disponível em: . Acesso em: 15 maio 2003. FREITAS, José Carlos de. Dos interesses metaindividuais urbanísticos. Ministério Público de São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2003. FRIES, Phyllis Randolph . Genital surgery NOT required for legal change of sex: freedom from the "Have-To" of the scalpel. The National Journal of Sexual Orientation Law. v.3, issue 1, 1997. Disponível em: . Acesso em: 15 maio 2003. Gay Liberation Front. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2003. GRAFF, E.J. Dancing Arround Marriage. Disponível em: . Acesso em: 19 ago. 2003. ______Here Comes The Groom. A conservative case for gay marriage. Disponível em: Acesso em: 19 ago. 2003. ______Marriage License. Canada is the latest nation to recognize same-sex marriages. When will the U.S catch up? Disponível em: Acesso em: 19 ago. 2003. ______The Other Marriage War. The American Prospect, vol. 13 no. 7, April 8, 2002. Disponível em:< http://www.prospect.org/print/V13/7/graff-e.html >. Acesso em:19 ago. 2003 _____Wedding March. How the Right's Campaign Against Same-Sex Marriage May Get Derailed In California. Disponível em: . Acesso em: 19 ago. 2003.

______What marriage means. Disponível em: . Acesso em: 19 ago. 2003. GREEN, James. Muito além do carnaval. Homossexualidade. Disponível em: . Acesso em: 26 maio 2003. GRUPO GAY DA BAHIA. Disponível em: . Acesso em: 26 maio 2003. GRUPO GAY DA BAHIA. O Movimento Brasileiro de Gays. Boletim do Grupo Gay da Bahia, número 27, ano XII, Agosto de 1993. Disponível em: .Acesso em: 26 maio 2003. GUASQUE, Luiz Fabião. A instância social do Ministério Público. O Promotor de Justiça provedor de acesso da sociedade civil organizada aos direitos assegurados na Constituição da República. Revista Virtual FEMPERJ.Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2003. GUNTHER, Scott. La construction de l´identité homosexuelle dans le lois aux États-Unis et em France. Le seminaire gai. Disponível em: .Acesso em: 23 maio 2003. __________Le Marais: the indifferent ghetto. The Harvard Gay and Lesbian Review, winter 1999. Disponível em: Acesso em: 11 mar. 2003. HOCQUENGHEM, Guy. Revolucionário é o Travesti . Lampião da esquina, n. 37, junho de 1981, p. 6-7. Entrevista a Paulo Ottoni. Disponível em: . Acesso em 30 maio 2003. ILGA – THE INTERNATIONAL LESBIAN AND GAY ASSOCIATION. Disponível em: .Acesso em: 25 mar.2003. ILGA – THE INTERNATIONAL LESBIAN AND GAY ASSOCIATION. World Legal Survey. Disponível em: .Acesso em: 25 mar.2003. ILGA-Europe. Disponível em: . Acesso em: 27 mar. 2003. ILGA-Europe. EU Enlargement: Update on LGBT issues in the candidate countries

(November 2002). Disponível

em: < http://www.ilga-europe.org/index.html >. Acesso em: 27 mar. 2003. ILGA Europe Newsletter . The precarious place of LGBT rights in an enlarged Union, v.3, n. 2, junho de 2003. Disponível em:< http://www.ilga-europe.org/index.htlm >. Acesso em 30 jun. 2003. LA NOTION DE REPRESENTATION CULTURELLE. Quelques Concepts. Disponível em: Acesso em: 18 ago. 2003. LEGAL AGE OF CONSENT. Disponível em: . Acesso em: 27 mar.2003. LIMA, Ari. Humanismos Parciais. A Negação do Negro no Meio Acadêmico e Gay Brasileiro. Disponível em: .Acesso em: 26 maio 2003. LONGO, Isis Sousa. A participação da sociedade civil nos conselhos dos direitos da criança e do adolescente. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2003. LOPES, Denílson. Escritor, gay (estudos gays e estudos literários). Disponível em: . Acesso em: 26 maio 2003.

MACIEL, Nahima. Geração à margem. Correio Braziliense. Brasília, 09 jun. 2002. Disponível em: . Acesso em 12 out. 2003. MAGESTE, Paula, VIEIRA, João Luiz e SAINT-CLAIR, Clóvis. Laços de família. Decisões da Justiça garantem a casais gays os direitos das famílias comuns. Revista Época, Rio de Janeiro, 14 jan. 2002. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2003. MANIFESTO GROUP OF GLF. Nothingham: Russell Press, 1971. Reprinted, London: Gay Liberation Information Service, 1979. Disponível em:. Acesso em: 24 ago. 2003. MARTIN, Laura Miraut. Igualdad moral y elitismo intelectual em la teoria del derecho de Benjamin Nathan Cardozo. Cuadernos Electronicos de Filosofia del Derecho, n. 2, 1999. Disponível em . Acesso em : 22 nov.2001. MENDES, Gilmar Ferreira. A doutrina constitucional e o controle de constitucionalidade como garantia da cidadania – necessidade de desenvolvimento de novas técnicas de decisão : possibilidade da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade no direito brasileiro. Disponível em: . Acesso em 14 jul. 2003. ________Eficácia erga omnes das decisões proferidas em sede de controle abstrato no plano estadual. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2003. ________O controle de constitucionalidade das leis na atualidade. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2003. MINISTERE DE LA JUSTICE.. Pacte Civil de Solidarité (PaCS). Mode d´emploi - octobre 2000. Les fiches de la justice. Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2003. MONKEN, Mario Hugo e ESCÓSSIA, Fernanda da. Juiz dá guarda provisória de filho à companheira de Cássia Eller. Folha on line, Especial Cássia Eller, São Paulo, 08 jan. 2002. Disponível em:. Acesso em: 10 set. 2003. MOTT, Luiz. A etno-história da homossexualidade na América Latina. Disponível em: .Acesso em:28 maio 2003 b. ______A revolução sexual: o poder de um mito. Disponível em: .Acesso em:28 maio 2003 a. ______História da Sexualidade no Brasil. Disponível em: .Acesso em:28 maio 2003 d. ______Intelligentia homossexual e militância gay no Brasil:De taturana a borboleta: a metamorfose de um antropólogo enrustido em militante gay. Disponível em: .Acesso em:28 maio 2003 c. ______Por que os homossexuais são os mais odiados entre as minorias. Disponível em: .Acesso em:28 maio 2003 f. _____ Memória gay no Brasil: O amor que não se permitia dizer o nome. Disponível em: .Acesso em:28 maio 2003 e. MOURA, Francisco e BARBOSA, Catarina. Educar na diversidade: implicações das leis de diretrizes e bases no processo de inclusão do aluno deficiente. Disponível em: . Acesso em: 18 ago. 2003.

MUNSEY, David M. The love that need not name its speaker. National Journal of Sexual Orientation Law. v.2, issue 1, p.132, 1996. Disponível em: Acesso em 16. set. 2003. Oscar Wilde´s 1895 matyrdom for “indecent acts”. Robot Wisdom Homepage. Disponível em: . Acesso em: 7 set.2003. NATIONGAY.COMationGay. Disponível em: .Acesso em: 26 ago. 2003. PARTNERSHIP AND PARENTAL RIGHTS: an international perspective. Disponível em: Acesso em: 07.08.2003. PENNAFORT, Roberta. Filho de Cássia Eller fica com Maria Eugênia. O Estado de São Paulo, São Paulo, 1 nov. 2002. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2003. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A tutela do interesse coletivo como instrumento polarizador da participação do Ministério Público no processo civil brasileiro. Revista Virtual FEMPERJ. Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2003. POPE LAUNCHES GLOBAL CAMPAIGN VS. GAYS. Chicago Sun Times, Chicago, 1 ago. 2003. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2003. PRESSE, France. Vaticano lança campanha mundial contra união civil homossexual. Folha On Line, São Paulo, 31 jul.2003. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2003. PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MATO GROSSO. Cidadania. Disponível em: < http://www.prmt.mpf.gov.br/interess.htm >. Acesso em: 27 jun. 2003 RECOGNITION OF SAME-SEX RELATIONSHIPS IN EUROPE. FOCUS ON FAMILY (Canadá). Disponível em: . Acesso em: 7 ago. 2003. SEX LAWS. Disponível em: . Acesso em: 27 mar. 2003. SHULZ, Marianne. Lesbiennes: les silences du droit. Le séminaire gai. Disponível em: . Acesso em: 14 mar. 2003. SIECUS - SEXUALITY INFORMATION AND EDUCATION COUNCIL OF THE UNITED STATES. Disponível em : . Acesso em: 20 maio 2003. SIECUS. Lesbian, Gay, Bisexual, and Transgender Sexuality and Related Issues – annotated bibliographies. 2001. SIECUS Report, Volume 29, Number 4 – April/May – 2001. Disponível em: < http://www.siecus.org/pubs/biblio/bibs0005.html >. Acesso em: 15 maio 2003. SIECUS. Worldwide Discrimination: Laws and Policies Based on Sexual Orientation – Fact Sheet. SIECUS Report, Volume 27, Number 2 - December 1998/January 1999. Disponível em : . Acesso em: 13 mar. 2003. SODOMYLAWS. Disponível em :< http://www.sodomylaws.org/usa/usa.htm>. Acesso em: 30 jun. 2003. SOUZA, Miguel Teixeira de. A tutela jurisdicional dos interesses difusos no Direito Português. Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2003.

SPARGO, Tamsin. Foucault and queer theory. Cambridge: Icon Books, 1999. In.: ZALTA, Edward N. (ed). Stanford Enciclopedia of Philosophy. Disponível em: . Acesso em:12 ago. 2003. STONEWALL CENTER ON-LINE VIDEO LIBRARY. Disponível em . Acesso em 10 fev. 2003. STONEWALL REVISITED. Disponível em: . Disponível em: 10 fev. 2003. SWEDEN LEGALISES GAY ADOPTION. BBC News. 6 jun. 2002. Disponível em Acesso em: 03.ago.2003. TEPEDINO, Gustavo. A Disciplina Civil-Constitucional das Relações Familiares. Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Artigos. Disponível em: Acesso em: 5 fev. 2002. THE INTERNATIONAL CONFERENCE ON TRANSGENDER LAW AND EMPLOYMENT POLICY. The National Journal of Sexual Orientation Law. v.3, issue 1, 1997. Disponível em: . Acesso em :15 maio 2003. THE INTERNATIONAL LESBIAN AND GAY LAW ASSOCIATION AND INFORMAGAY (Itália). Entrevista concedida por Kees Waaldijk, Turim, no dia 7 de junho de 2002. Disponível em: . Acesso em 23 set. 2003. THE KNITTING CIRCLE. Law. South Bank University. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2003. THE NATIONAL JOURNAL OF SEXUAL ORIENTATION LAW. Transgender issues and sexual orientation. v.3, issue 1, 1997. Disponível em: . Acesso em: 15 maio 2003. TWO STEPS FORWARD, ONE STEP BACK – Lesbian and Gay Rights Waltzing into the 21st Century.Disponível em: . Acesso em: 07.08.2003. ULRICH, Barbara. The women of Weimar: the sexual revolution of the 1920´s. The Gay and Lesbian Review. v. X, n.1, jan./fev. 2003. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2003. UMA DECISÃO INÉDITA. Juiz dá guarda provisória do filho de Cássia Eller a sua companheira, Eugênia Martins, medida apoiada pela família da cantora. Isto é Gente, [s.l.],14 jan. 2002. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2003. UMA TRAJETÓRIA CONTRA O PRECONCEITO. Estou Feliz Assim. Disponível em: . Acesso em: 26 maio 2003. VALDÉS, Franciso. Coming out and stepping up: queer legal thory and connectivity. The National Journal of Sexual Orientation Law. v.1, issue 1, 1995. Disponível em: . Acesso em: 15 maio 2003. VAN GELDER, Lawrence. 'Paragraph 175': Condemned by the Nazis, but Not for Religion. New York Times, 13 de setembro de 2000. Disponível em: . Acesso em: 18 mar. 2003.

VATICANO LANÇA CAMPANHA CONTRA LEGALIZAÇÃO DE UNIÃO ENTRE GAYS. Tribuna do Norte. Diário do Paraná, Curitiba, 31 jul. 2003. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2003. VATICANO LANÇA CAMPANHA MUNDIAL CONTRA A UNIÃO LEGAL DE HOMOSSEXUAIS. Revista Época, Rio de Janeiro, 31 jul. 2003. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2003. VATICANO LANÇA CAMPANHA MUNDIAL CONTRA LEGALIZAÇÃO DE UNIÃO ENTRE HOMOSSEXUAIS. O Globo On Line, Rio de Janeiro, 31 jul. 2003. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2003. WAALDIJK, Kees. Major legal consequences of civil marriage, registered partnership and informal cohabitation for different-sex and same-sex partners. Part 3: England and Wales. January 2003. Disponível em: . Acesso em: 24 set.2003. __________Chronological overview of the main legislative steps in the process of legal recognition of homosexuality in 36 European countries. Disponível em: . Acesso em: 14 jun.2003. ___________Latest news about same-sex marriage in the Netherlands (and what it implies for foreigners). Disponível em: Acesso em: 24 set.2003. ___________Taking same-sex partnerships seriously: European experiences as British perspectives? - Fifth Stonewall Lectures. London, 6 March 2002 . International Family Law, 2003, p. 84-95. Disponível em: Acesso em: 24 set.2003. ____________Interview. The International Lesbian and Gay Law Association and InformaGay (Itália), Turim, 7 jun. 2002. Disponível em: . Acesso em 23 set. 2003). WIKIPEDIA (enciclopédia eletrônica) Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2003. WINTEMUTE, Robert. Partnership and parental rights: an international perspective. Disponível em: Acesso em: 7 ago. 2003. WOLFF, Tobias Barrington. Rights For Gay and Lesbian Couples: The Recent Debate Stresses Benefits, With New Lawsuits And Legislation. Disponível em: Acesso em: 13 set.2003. WRIGHT, Kai. Dutch May Codify Gay Marriages. The Gay Financial Network. Story Archive, 5 jul. 1999. Disponível em: . Acesso em: 07 ago. 2003. WUNDERLICH, Alexandre. Os casos de Piérre Rivière e Febrônio Índio do Brasil como exemplos de uma violência institucionalizada. Jus Navigandi. Disponível em: < http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1013>.Acesso em: 15 maio 2003. YTTERBERG, Hans. Two steps forward, one step back – Lesbian and Gay Rights Waltzing into the 21st Century. In.: Marriage, partnerships and parenting in the 21st century (conferência), Torino, Italy 5-8 June 2002. Disponível em: Acesso em: 07.08.2003.

ZALTA, Edward N. (ed). Stanford Enciclopedia of Philosophy. Disponível em: . Acesso em:12 ago. 2003.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.