Uma reconstrução metafórica de uma teoria do direito: o pensamento indutivo de Pontes de Miranda aplicado à sociedade em rede e à internet

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE COORDENAÇÃO DE GRADUAÇÃO

UMA RECONSTRUÇÃO METAFÓRICA DE UMA TEORIA DO DIREITO: O PENSAMENTO INDUTIVO DE PONTES DE MIRANDA APLICADO À SOCIEDADE EM REDE E À INTERNET

ALUNO: André Lucas Fernandes ORIENTADOR: Prof. Dr. Torquato da Silva Castro Júnior

RECIFE – 2015

ANDRÉ LUCAS FERNANDES

UMA RECONSTRUÇÃO METAFÓRICA DE UMA TEORIA DO DIREITO: O PENSAMENTO INDUTIVO DE PONTES DE MIRANDA APLICADO À SOCIEDADE EM REDE E À INTERNET

Projeto de Monografia Final de Curso apresentado como requisito para obtenção do título de Bacharelado em Direito pelo CCJ/UFPE. Áreas do saber: Teoria Geral do Direito, Epistemologia Jurídica, Sociologia do Direito, Filosofia do Direito, Propriedade Intelectual, Internet.

RECIFE – 2015

À vó Jovina pelos vocativos mágicos e anéis encantados com pedras de diferentes cores que mostraram o caminho do saber e apontaram para o futuro. À vó Lúcia pelos afagos e memórias legadas com tanta dedicação e redescobrimento apontando para o passado que não devo esquecer. Guardo tudo com cuidado e carinho e dessa forma me concebo, me invento.

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AGRADECIMENTOS

Agradecimentos à Faculdade de Direito do Recife e à Universidade Federal de Pernambuco, espaço de muito desgaste e de muito alumbramento, concreção física do paradoxo, onde aprendi que as coisas não são aquilo que parecem ser. À Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE) pelo apoio durante esta pesquisa. Ao meu orientador, Torquato Castro Jr., por toda paciência, suporte e parceria, contrabalançando meus defeitos e qualidades e me convidando a retirar da angústia da vida a matéria de uma filosofia, qualquer que ela seja. Aos mestres, Alexandre Freire Pimentel, Roberto Campos Gouveia Filho, Larissa Maria de Moraes Leal pelos desafios, questionamentos, debates e provocações. Ao grupo Direito em Foco, espaço de oxigenação numa Faculdade de Direito tão entregue à mediocridade – e eu não poderia dizer isso de outra forma, assim como não preciso dizer mais. Aos amigos, por estarem e não serem. Aos encantados que preencheram o tempo-espaço do choque cotidiano, em especial: Seu Aldemir, com o qual aprendi muito da história do lugar e do sentido da palavra “permanência”; Dona Carminha, que, junto com o primeiro, formava a dupla com a qual eu dialogava em minhas longas visitas pela biblioteca da Faculdade; Rosa e Rose, que não podem ser mencionadas em separado, e que me ajudaram a estudar e descumprir a lei através das fotocópias, experienciando a burrice do direito e a dignidade da vida humana; por último, o “irmão” Rafael, que sempre abriu as portas, literalmente, atendendo aos meus pedidos apressados sem jamais perder o tom de mansidão, me lembrando de diminuir a velocidade. Em separado, agradeço ao encanto maior de Carlos Dionísio, o Capri, para o qual as homenagens não devem cessar: a gentileza dele é alicerce, lado a lado com a polêmica. Agradeço a Tobias Barreto, pois sua inconformidade, que ainda inflama e faz doer o tecido do palácio, se impregnou em muitos e também em mim: indelével. Por fim, agradeço com meu aspecto mais precioso, à minha mãe Ana Cristina Fernandes, ao meu pai Augusto José Fernandes e à minha irmã Ana Marina Fernandes: minha família, meu amparo, pessoas para as quais eu devoto todas as minhas forças e bem-querença. iv

Eu te convido Ao meu covil de feiticeiros, onde borbulha o ouro, o ouro liquefeito, o ouro espumante, das paixões, e as chamas das ideias giram, sobem no ar, coleantes, lambendo o sangue das paredes. Feitiçaria! Feitiçaria! Aqui, na iluminada escuridade, eu manipulo, com os meus passes originais, com o dinamismo interior, os rútilos cristais de um Pensamento plácido, de uma Forma tranqüila. (Pontes de Miranda, Feitiçaria, em Obras Completas).

Prestávamos atenção às palavras para sabermos como eram ditas as coisas. Porque alguns livros pareciam perfumar a linguagem, outros sujavam-na e outros ignoravam-na. Os livros podiam ser atentos ou desatentos ao modo como contavam. Nós inspecionávamos muito rigorosamente, achávamos melhores aqueles que falavam como se inventassem modos de falar. Para percebermos melhor o que, afinal, era reconhecido mas nunca fora dito antes. Os melhores livros inauguravam expressões. Diziam-nas pela primeira vez como se as nascessem. Ideias que nasciam para caberem nos lugares obscuros da nossa existência. Andávamos como pessoas com luzes acesas dentro. As palavras como lâmpadas na boca. Iluminado tudo no interior da cabeça. (Valter Hugo Mãe, A Desumanização). v

RESUMO

Com esta monografia pretendi investigar a hipótese de aplicação da teoria da sociedade e do direito de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda ao ambiente da sociedade em rede, especificamente às tecnologias da informação e internet. Elegi como marco teórico três estruturas base de pensamento: a retórica analítica de João Maurício Adeodato, a metáfora concebida por George Lakoff e Mark Johnson e a especificação da metáfora operativa de minha autoria. Os métodos de pesquisa utilizados foram o bibliográfico e o documental: especificamente analisei a episteme ponteana com base em todos os livros estruturadores do pensamento do jurista alagoano que se apartam de uma produção dogmática específica, somado a isso analisei a sociedade em rede sob o víeis do sociólogo espanhol Manuel Castells para concluir com a investigação do regime dos direitos autorais no Brasil. A conclusão maior aponta para a plena viabilidade de uso da episteme ponteana, com maleabilidade conceitual que impede anacronismo e retifica e aperfeiçoa a ciência jurídica – tornando-a, em definitivo, uma ciência. A conclusão menor aponta para a inadequação da “ciência do direito”, do modelo racionalista, para lidar com a complexidade da realidade social, pelo alheamento aos fatos e abstração da vida vivida.

Palavras-chave: retórica, metáfora, Pontes de Miranda, ciência positiva do direito, sociedade em rede, Internet, direitos autorais.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO: O CONTEXTO DE UM MARCO RETÓRICO E METAFÓRICO OU PARA ENTENDER O QUE SERÁ DITO ...................................................................... 8 1. NIVELANDO O MÉTODO: PASSO A PASSO ................................................... 11 2. TERCEIRA LENTE: O CIENTIFISMO ESPIRITUALISTA DE PONTES DE MIRANDA ..................................................................................................................... 13 2.1. Além da história das ideias jurídicas: a teoria da sociedade Ponteana .................... 17 2.1.1. O Direito ............................................................................................................... 18 2.1.2. Espaço, Matéria, Relações Sociais e o Tempo. .................................................... 20 2.1.3. Círculos Sociais .................................................................................................... 21 2.1.4. Adaptação e Evolução Social ............................................................................... 26 2.1.1. ............................................................................................................................... 26 2.1.2. ............................................................................................................................... 26 2.1.3. ............................................................................................................................... 26 2.1.4. ............................................................................................................................... 26 2.1.5. Processos Sociais de Adaptação ........................................................................... 28 2.2. Princípios científicos gerais e particulares aplicados à teoria das sociedades ......... 33 2.3. O DIREITO É CIÊNCIA DO SER – DO INDICATIVO DA CIÊNCIA AO IMPERATIVO DA NORMA ......................................................................................... 36 2.3.1. Regra jurídica e lei jurídica .................................................................................. 36 2.3.2. Fases do pensamento e tríade lógica..................................................................... 40 3. SEGUNDA LENTE: A SOCIEDADE EM REDE - QUAL SEU MARCO? EM QUE CONSISTE? .......................................................................................................... 45 3.1. Espaço e tempo em rede .......................................................................................... 47 3.2. A revolução – Da rede ao ser................................................................................... 51 3.3. A tecnologia da informação ..................................................................................... 53 3.4. A cultura da virtualidade real .................................................................................. 56 3.5. A Galáxia da Internet no Espaço Sideral da Sociedade em Rede ........................... 57 3.5.1. Decompondo a galáxia ......................................................................................... 58 3.5.2. Decompondo a Galáxia em [Poucos] Dados ........................................................ 61 4. PRIMEIRA LENTE, CÓDIGO 2.0: PROPRIEDADE INTELECTUAL E INTERESSE PÚBLICO – FAZENDO CIÊNCIA DO DIREITO. ................................ 66 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 80 ANEXO 1 – PROCESSOS DE ADAPTAÇÃO SOCIAL ............................................. 84

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INTRODUÇÃO: O CONTEXTO DE UM MARCO RETÓRICO E METAFÓRICO OU PARA ENTENDER O QUE SERÁ DITO

É comum que introduções de trabalhos na academia jurídica se encaixem numa das seguintes hipóteses: (1) uma tentativa de “busca histórica” do objeto dogmático central, que será abordado em seus contornos atuais no desenvolvimento do texto; (2) uma espécie de resumo do trabalho, trocando alhos com bugalhos, visto que “resumo” é outro slot da estrutura de uma monografia, conforme as regras estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas. Aqui introdução é o que deve ser no sentindo comezinho: os pressupostos básicos sobre os quais será construída toda uma estrutura cujo desenho final só se perfaz com o olhar distanciado que se estabelece na conclusão. E o que seria o contexto de um marco teórico retórico e metafórico? Em que sentido tal expressão é empregada? O marco retórico está relacionado a uma abordagem específica da retórica construída a partir da sistematização apresentada por Adeodato (2010, 2012). Mais especificamente, está relacionado ao distanciamento crescente dos níveis do método e da metodologia para o da metódica. Normalmente, falo em “assunção de culpa”, mas rigorosamente, quero dizer falar na característica comum da retórica: a autorreferência que situa as observações a partir do sujeito cognoscente pobre para realizar uma crítica contínua sobre o processo de conhecimento. Com isso não se pretende incorrer em um reavivamento de qualquer espécie de solipsismo, assim como não se pretende afirmar nada de novo nessa seara: para o saber, regra geral, e para a atividade científica, estritamente, a influência do sujeito cognoscente é fato conhecido – e controlável. Mas dizer o óbvio às vezes é muito importante. No mundo do direito, é imprescindível. É com base nesse marco teórico que este trabalho será escrito em primeira pessoa. Não pretendo compactuar com o senso comum teórico (WARAT, 1995, p. 57) da “neutralidade científica”, ainda que compreenda as razões prolíficas da linguagem formal. Contudo, entendo que ela deva ser resguardada para relatórios e trabalhos do tipo e não para monografias. Este

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texto tem um autor que assume um local de fala e tem intenções retórico-científicas (um aparente paradoxo?1) bem definidas. Não aproveitarei, ao menos não diretamente, as noções de retóricas material e estratégica, com as implicações específicas que Adeodato utiliza para esquadrinhar os relatos da história das ideias jurídicas nacionais. A retórica analítica, enquanto metódica, não me escapa completamente: não perco de vista que a ciência também é um campo de saber que produz discurso, ou seja, “é um metaacordo linguístico sobre um ambiente linguístico comum, o qual também é acordado” (ADEODATO, 2010, p. 50). Quanto ao marco metafórico ele guarda relação específica: (1) com uma interpretação insubordinada da “filosofia do artifício” apresentada por Castro Jr (2009). Filosofia do artifício seria assim uma forma de sistematização específica do uso da metáfora para construir modelos que reconstroem o mundo tentando representá-lo a partir de um campo de referenciação. O campo de referenciação, obviamente, está relacionado a outro conjunto de metáforas. Seria um raciocínio semelhante, mas infiel, é importante repisar, ao que Lakoff2 utiliza para desdobrar metáforas do nosso corpo, este como ponto de partida, ou seja, campo de referenciação, para controlar precariamente o sentido dessas metáforas. Os modelos que a filosofia do artifício constrói não possuem relação necessária com concepções de verdade, mas de adequação. Nesse sentido, não são, em primeira análise, científicos. Se se considerar, a sua possibilidade de adequação com os fenômenos do mundo a partir de uma ensaística como concebe Ortega y Gasset – “o ensaio é a ciência sem prova demonstrada” – poder-se-ia falar em um “grau de cientificidade”. De toda forma, a discussão não é objeto do presente trabalho. Além disso, o marco metafórico que aqui serve de elemento basilar e introdutório, guarda relação específica; (2) como desdobramento de uma ideia construída durante a minha iniciação científica, a partir do uso de uma metáfora de lentes para explicar a ação do sujeito cognoscente perante o objeto histórico (no caso da pesquisa, a obra de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda). Naquele trabalho (FERNANDES, 2013), foi necessário forjar o conceito artificioso de metafórica operativa. A metáfora operativa é um grilhão teórico aos múltiplos campos de 1

No capítulo 5 do tomo 3 do Sistema de Ciência Positiva, Pontes de Miranda realiza uma análise da evolução do aspecto ideológico do fenômeno jurídico, nessa análise ele identifica uma série de qualidades nas observações da filosofia de Heráclito, dos cínicos, dos sofistas e dos céticos (MIRANDA, 2005, T.3, p.188-194). 2 “The metaphor is not merely in the words we use—it is in our very concept of an argument. The language of argument is not poetic, fanciful, or rhetorical; it is literal. We talk about arguments that way because we conceive of them that way—and we act according to the way we conceive of things.” (LAKOFF, JOHNSON, 2003, p. 9)

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referenciação que são estabelecidos pelas relações linguísticas nos saberes humanos, especialmente quando o grau de cientificidade é menor, acarretando um menor consenso quanto ao alcance e sentido das palavras. Ela é operativa, pois é utilizada para depurar o texto-objeto, afastando o dissenso provocado pela observação opaca3 (FERNANDES, 2013, P. 15) sem pretender fazer uma história dos conceitos ou semelhante. A metáfora operativa é, também, retórica – esse alerta impõe sobre ela a dinâmica complexa da autorreferência. Ela impõe a postulação do marco teórico a ser utilizado para iniciar a construção dos modelos propostos para interpretar e agir sobre a realidade. Tal instrumento tem íntima ligação com o principal objeto teórico analisado: a teoria sistêmica de Pontes de Miranda. E devo fazer um adendo: é um objeto reativo, pois suas características fazem com que se imiscua, através de relações de identificação, nos marcos teóricos adotados – e isso é importante. Esse trabalho partiu de uma questão-problema bastante curiosa: em determinado momento da graduação, eu descobri que Pinto Ferreira havia escrito um livro sobre direito informático. Não tardei a me perguntar: se Pinto Ferreira, pupilo de Pontes de Miranda, tentou analisar a web, o que o alagoano diria se tivesse tido tempo de se debruçar sobre ela? Essa pergunta se transmutou em outra: seria possível aplicar a teoria da sociedade e científica de Pontes de Miranda ao ambiente da internet que ele não observou? Essa pergunta suscitou uma hipótese rebelde, mas intimamente interligada: a "ciência do direito", ou seja, essa forma racionalista-dedutiva criticada por Pontes de Miranda, relato vencedor da cultura jurídica brasileira é danosa à adaptação social. Ela difere da ciência positiva do direito, indutiva, descritiva, que será abordada adiante. Essas são as noções introdutórias que entendo necessárias para esta monografia.

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A opacidade é adjetivação do substantivo lente, aqui como um instrumental-metafórico que ilustra a maneira como os sujeitos observadores constroem suas questões. O fenômeno da opacidade pode se especializar em cinco formatos diferentes que levam em conta a interferência do sujeito na apreciação do objeto. (Fernandes, 2013, p. 15)

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1. NIVELANDO O MÉTODO: PASSO A PASSO Utilizei processos simultâneos na pesquisa que originou a presente monografia, descrevendo-os a partir da metáfora de um microscópio com lentes conjugadas. Dessa forma, as lentes representavam tanto o acesso aos acervos informacionais pela pesquisa bibliográfica, quanto pela pesquisa documental. Para desnudar as relações, dentro de um sistema de pensamento específico, eu precisei conjugar a lente da teoria dos sistemas de Pontes de Miranda, com a lente da teoria da sociedade em rede de Manuel Castells e a lente do conhecimento dogmático referente ao tema do direito autoral para observar o ambiente da Internet – objeto deste microscópio metafórico. Tal objeto, que é, ao mesmo tempo, ambiente, possui características específicas, que foram apreendidas por imersão deste pesquisador – por fazer parte do extrato da geografia da rede (CASTELLS, 2003, p. 35) dos “usuários”, especificamente “geeks”4 – e pela análise dos relatórios “TIC” produzidos pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.BR) e dos relatórios “Measuring the Information Society - MIS” da International Telecommunication Union (ITU/ONU). A construção de cada lente foi laboriosa, mas alerto ser um trabalho por acabar. A lente principal da teoria sistêmica de Pontes de Miranda ainda merece consideráveis reparos e aperfeiçoamentos, especialmente diante da estrutura textual utilizada pelo pensador alagoano a cuja adjetivação “aforística” poderia ser somada a palavra “caótica”. Todavia, os objetivos de reorganização do pensamento de Pontes de Miranda, aplicando o pensamento logístico que ele não soube utilizar na sua própria estilística e plano dissertativo, não fazem parte do presente trabalho e estão além dos esforços aqui empreendidos, de modo que importa explicitar esta fragilidade – a ser devidamente corrigida, pois as direções estão corretamente postas. A lente da teoria da sociedade em rede de Manuel Castells, intimamente relacionada à depuração de dados, envolve uma característica comum da ciência: a necessidade de atualização da base de dados e realizar novas observações dos fatos. Quando a Internet é o objeto de pesquisa, a velocidade de degeneração e desatualização é maior. Este trabalho, por exemplo, se municia com o Relatório TIC DOMICILIOS 2012 do CGI.BR e o MIS 2013 do

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Na Wikipédia é possível encontrar a seguinte definição: “Geek (pronúncia no AFI: [ˈgiːk]) é um anglicismo e uma gíria inglesa que se refere a pessoas peculiares ou excêntricas, obcecadas por tecnologia, eletrônica, jogos eletrônicos ou de tabuleiro, histórias em quadrinhos, livros, filmes, animes e séries.” Disponível em: . Acessado em: 01 mai. 2015.

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ITU/ONU, contudo já existem disponíveis as versões 2013 e 2014 destes relatórios, respectivamente, e elas não serão consideradas na redação desta monografia. Decidi pela construção de um plano dissertativo que me permitisse abordar o máximo possível de teoria sem ocupar o espaço de desenvolvimento com citações intermináveis que transformariam a monografia numa ficha de leitura – o que seria uma postura confortável e comum na academia jurídica. Assim sendo, o sistema de referenciação é o autor-data, o que me permite usar as notas de rodapé para explicações e citações dos autores, de modo a desenvolver conceitos e trechos chaves. Tal estrutura será fundamental para expor trechos do pensamento de Pontes de Miranda que foram sumariamente ignorados pela academia de direito, levando à equivocada interpretação do seu pensamento. Apesar do tema de trabalho estar delimitado, algumas discussões transversais atravessarão esta monografia sem pretensão de exaustão. Assim como, não tenho a intenção de exaurir nenhum dos assuntos abordados aqui dada à amplitude deste trabalho, mas de suscitar a possibilidade de práticas científicas do direito, baseadas no aforisma clássico de Pontes de Miranda: “do indicativo da ciência ao imperativo da norma”. Uma última nota: excetuados os casos padrão de palavras estrangeiras, os itálicos em citações diretas são dos autores, especialmente os destaques de Pontes de Miranda.

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2. TERCEIRA LENTE: O CIENTIFISMO ESPIRITUALISTA DE PONTES DE MIRANDA [...] No mapa do universo, cresce o inteligível e decresce o que o sentir preenchia com a côr provisória das suas suspeitas. Mas – pôsto que diminua – quem poderá afirmar algum dia dispense o homem os processos afetivos da intuição? Entre o mundo da interpretação intuitiva, o da intuitivo-cognitiva e o da ciência total ou interpretação puramente cognitiva, ter-se-á de percorrer a escala infinita dos estados intermédios. Em vez de livro de arte ou de metafísica – um pouco de filosofia e de encorajamento. Fugiu dos domínios que confinam com a música: penetrou naquele em que os sábios trabalham, sábios do microscópio e sábios dos mundos estalares, “aumentadores” e “aproximadores” das coisas misteriosas. (Pontes de Miranda, 1960, p. 144).

Eu propus basicamente três lentes para o desenho imagético desta metáfora, elas diferem em tamanho e abrangência. A terceira lente, que é a primeira a receber a “luz observadora”, é a da teoria da sociedade de Pontes de Miranda. Essa teoria está situada num anteparo discursivo tão vasto, seja nas referências das quais se municia, seja das construções originais, que não seria inadequado chamá-lo por “episteme”. À episteme ponteana, concebida como um conjunto discursivo específico, que pode ser separado e deve sê-lo, dei o nome, ainda na iniciação científica de “cientificismo espiritualista”, numa tentativa de deslocar a obra de Pontes de Miranda dos enganos que verifiquei na análise da obra do jurista e dos discursos ideológicos que permearam a própria obra e que o próprio alagoano só realizou no final da vida – percebido antes por Miguel Reale (1994) que apontou a metafísica ignorada. Por cientificismo espiritualista não quero dizer nada além do apego aos métodos, da relatividade advinda do conhecimento científico, da visão positiva do mundo – aqui, o componente definitivamente metafísico. O cientificismo espiritualista mistura a ação da ciência com uma gestão otimista da sociedade. Tal conjunto discursivo tem caráter iminentemente prescritivo e seu desiderato é gerar modelos que capturem, na medida das imperfeições, os fenômenos do real e, além, sejam capazes de operar logisticamente a sociedade para alcançar o maior grau de felicidade possível. Os primeiros insights desse pensamento aparecem já no primeiro livro À Margem do Direito (1912), ano em que Pontes de Miranda iniciou a construção do seu Sistema de Ciência Positiva do Direito (1922).

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Tomando os pontos extremos na escala, a episteme ponteana não é nem solipsista, nem objetivista, situando-se num complexo meio termo, cujas implicações pragmáticas emergem de intrincadas metáforas e construções baseadas em refutações à eterna disputa entre idealistas e realistas por toda a história do saber. Não se trata, assim, de uma ontologia no sentido clássico. É preciso perceber uma distinção: a ontologia aqui trabalhada não é a ontologia do Experiência e Cultura de Miguel Reale, ou o reconhecimento de um limite imposto pelo mundo em Marcuschi (2007). A versão da ontologia rechaçada aqui é aquela em que ao investigar o ser, mais precisamente o objeto, buscando sua essência, concluiria que a resposta encontrada é. O que se dá com isso é a cristalização total, ou seja, a ideia de que determinado objeto não é mutável. Rechaçar o termo é uma proposta que o próprio autor estudado busca, exatamente pelo comprometimento retórico. O projeto cientificista de Pontes de Miranda, baseado em parte, mas muitas vezes de uma infidelidade eclética, no Círculo de Viena, necessitava afastar toda uma cultura erudita filosófica cujo debate em matéria de epistemologia comprometia aquilo que o alagoano julgava mais importante: a prática científica, o garimpo de dados, a filtragem das relações sociais5. Importa registrar o paradoxo: quando esgotou a discussão epistemológica e ensaística, partiu para a estruturação de uma dogmática robusta, deixando de praticar a sociologia que ajudou a disseminar no país6. Assim como Miguel Reale, Pontes de Miranda aceita a ontologia a partir de um novo sentido: como investigação das coisas, sem buscar uma pretensa natureza intima imutável7. A ontologia ponteana é uma "ontologia" provisória atenta aos limites da ciência. “Ontologia” com aspas, nesse trabalho, difere fundamentalmente de ontologia, sem aspas. Conceitualmente diferentes, a primeira está presa ao princípio da relatividade, tão abordado pela ciência desde Einstein, e tão próxima das problemáticas

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“A posição que assumimos quanto ao método bem nos dispensaria a indagação de tais problemas, que elidimos, por isso mesmo que renunciamos a todo pretenso investigar ontológico”. (MIRANDA, 2005, tomo II, p. 184) 6 A discussão sobre os motivos de tal desvio são várias. Entre fofocas acadêmicas e testemunhos, como o de Djacir Menezes, que alegou o desalento de Pontes de Miranda com a falta de debate e recepção de suas ideias no Brasil, nada vence o véu sedutor das conjecturas. 7 A ciência não supõe ontologia, - o que ela supõe é que se alcance, em certos pontos, o ser, e que as construções sejam verdadeiras, isto é, apresentem pressupostos suficientes de funcionalidade em relação ao pensamento mesmo e em relação ao ser. (MIRANDA, 1999, p. 267, grifo meu).

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da limitação do aparelho cognoscitivo dos seres humanos que conhecem o mundo através da linguagem8. As infidelidades de Pontes de Miranda e o seu ecletismo, muito além daquela mera alusão a um “caminho do meio”, comum aos manuais dos cursos jurídicos, constroem todo um sistema de pensamento original, cuja tropelia dissertativa captura mesmo os mais argutos pensadores. Insistirei um pouco entre pedregulhos do ensaio epistemológico ponteano, O Problema Fundamental do Conhecimento. Pontes de Miranda não cede aos realismos ou idealismos, sempre os afastando, como excessivos. Entende que a mudança (aparecimento, desaparecimento) de sujeitos e objetos na relação, é prova de que eles são separáveis9. A tendência é sempre dizer que o conhecimento, sempre retificável, da ciência é aquele que se aproxima do “jeto” – a complicada invariante funcional. É o sistema científico que “põe entre parênteses” os prefixos: (su)jeito – (ob)jeto. Gerando a relação: jeto – jeto. Tal é a relação de conhecimento pura. Quando a ciência revê sua versão dos fatos, o que se percebe é a mera dimensão, ou gramatura do jeto: jeto mais grosso se tornando jeto mais fino, através do trabalho da ciência. Pontes de Miranda afasta as diversas nomenclaturas: universais, pela palavra detonar uma absolutização que não faz parte do jeto; essências, por seu caráter hipostasiante, sua fluidez. Assim, a ciência não contém idealismos e realismos, todos, atitudes de uma filosofia clássica. Chego a um ponto em que é suficiente a impressão causada no leitor. Impressão que levará a erro e cuja análise do contexto histórico poderia incentivar tal espécie de equívoco. Insisto no alerta da infidelidade ponteana e, mais, na noção que Pontes de Miranda tinha do caráter metafórico de suas observações. Na episteme ponteana, que caminhava por uma unidade não arbitrária do conhecimento humano, tal transposição de metáforas, expressões e modelos eram possíveis das ciências de jeto mais fino para as de jeto mais grosso. Entendo que a gramatura do jeto se desbasta em dois movimentos: quantitativamente e qualitativamente. Quanto menos relações uma determinada ciência 8

Interessante é a opinião do próprio Pontes de Miranda, coerente com os limites do ser humano e do conhecimento científico: “Não há erro em afirmar o sujeito e o objeto; e não há, porque se trata de exigência interna da precariedade do cérebro humano.” (MIRANDA, 2005, tomo 1, p. 148) 9 “O argumento idealista de que conhecemos as coisas porque delas tiramos o que nelas pusemos, lhes juntamos relações suscetíveis, por isso mesmo, de serem depois descoladas das coisas, é de fragilidade palmar. [...] ser conhecido é menos e mais do que isso; é diferente. Aí temos nós a perturbante especificidade da relação cognoscitiva, que as filosofias desesperadamente tentam definir.” (MIRANDA, 1999, p. 93)

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se debruça sobre, na seriação de fenômenos do mundo, mais fino o seu jeto. Dessa forma, o jeto da física é mais fino que o jeto da química e o jeto da biologia. Por sua vez, o jeto destas é mais fino que o jeto da sociologia. A seriação de relações seria a dos objetos físicos enquanto movimento, choque etc., objetivos físicos enquanto relações químicas, relações ao nível da vida, relações sociais. O direito viria depois: as relações sociais especiais jurídicas. A qualidade envolveria a adequabilidade do conhecimento científico aos fenômenos do mundo. Quanto mais adequado e funcional, mais fino o jeto10. Essas transposições imagéticas não querem dizer, em momento algum, que Pontes de Miranda não sabia das limitações de tal expediente, como é muito comum encontrar em obras de história das ideias jurídicas nacionais 11. Tal alerta é feito a todo o momento em todo o Sistema de Ciência Positiva do Direito12. A infidelidade ponteana salvaguardou a obra do alagoano de muitos dos “vícios de uma época”, garantindo a possibilidade e o valor de sua obra no presente, sem a necessidade de cometer um anacronismo. Por outro lado, o “pensamento de uma época” contaminou a observação concentrada apenas no “naturalismo” e no “fisicalismo”, deixando de lado pilares teóricos do sistema ponteano, esquecidos no meio da torrente, muito pela ausência de um plano dissertativo do autor. Entendo que tais alertas devem ser levados em conta, atuando como balizas para controlar o amplo espaço manipulável do processo de interpretação de uma obra deste porte e tipo13. O naturalismo ponteano também não pode ser entendido de forma ingênua. Se Pontes de Miranda crê na unidade do conhecimento e por isso percebe espaços de troca 10

Cf nota roda 5 deste capítulo. Foram pegos pela desorganização de Pontes de Miranda e pelo pensamento de uma época, desatentos a estes pontos: (i) Nelson Saldanha (1974, p. 87-88), que, em “Velha e Nova Ciência do Direito”, acusa em Pontes, um “rotundo e equivocado causalismo tentava encaixar o direito no mundo da natureza”, com uma dogmática que refez “um ou outro ponto de seus fundamentos, sem, entretanto alterá-los substancialmente.”; (ii) Lourival Vilanova (LELLI; SCHIPANI; CARCATERRA, 1989, p. 30), em “Scienza Giuridica e Scienze Sociali in Brasile: Pontes de Miranda” afirma taxativamente o hiato entre Sistema e Tratado e a confusão entre a atividade do jurista-cientista com o jurista-dogmático. Posição, a meu ver, equivocada pela complexificação lógica empreendida pelo professor da Faculdade de Direito do Recife, quando se retiram os mitos, se percebe que o projeto de Pontes de Miranda foi bastante simples, apesar da opulência – e como dito, infiel e por isso original; Em história das Ideias, propriamente ditas, confira-se: VITA, 1969; MACHADO NETO, 1969a; ACERBONI, 1969. 12 Fiquemos, por questão de tempo, com os exemplos dos destaques da expressão “equivalente”, feita no trecho da p. 145 do “Introdução à Política Científica” (1983), referentes ao trecho do tomo 2 do Sistema de Ciência Positiva do Direito. E aos alertas: da insuficiência da linguagem para descrever às páginas 48-49, tomo 3 e da falta de exatidão das representações à página 91, no tomo 3, do Sistema de Ciência Positiva do Direito. 13 É de Nelson Saldanha (1974, p. 164-165) a observação: “Nem se há de abandonar, é claro, o vasto patrimônio de ciência jurídica já possuído entre nós: ele há de ser valorizado por novas revisões, e integrado nesta linha de autoconsciência histórica.” 11

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entre os ramos de saber – fenômeno tão conhecido hoje como “interdisciplinaridade” –, não se pode dizer que ele transpõe de forma indevida os conceitos da Física e Biologia, por exemplo, para o Direito. Como dito antes, é preciso insistir no “óbvio que é uma novidade”, o Sistema está recheado de casos em que o uso da matemática, lógica e ciências duras é acompanhado de ressalvas metodológicas e alertas de cuidado14. O filósofo das flores e cores, também é o filósofo e cientista dos desenhos. 2.1. Além da história das ideias jurídicas: a teoria da sociedade Ponteana Entendo que é necessário ir além do que a história das ideias jurídicas nacionais tem a oferecer quando o assunto é a obra de Pontes de Miranda. Estão presentes: imprecisão, carestia, flagrante simplificação, exagero, bajulação – muito por culpa da própria forma de escrever do alagoano. Tais ações levaram ao quadro que encontramos hoje quanto ao “status” de Pontes de Miranda na cultura jurídica e que, em outro escrito (FERNANDES, 2013), chamei de fenômeno da opacidade. Luis Washington Vita (1969, p. 109) reduz o cientificismo ponteano a um analiticismo, fruto direto do círculo de Viena e interpreta o “Problema Fundamental do Conhecimento” nestes termos reduzidos. Lídia Acerboni (1969, p. 60) segue o mesmo roteiro, mencionando ainda a adesão ao nominalismo crítico – uma tese sem sustentação total diante da infidelidade típica de Pontes de Miranda. Em outro tipo de obra, um Compêndio de Introdução, Antônio Luís Machado Neto (1969b, p. 47) se dá por satisfeito com a análise do livro “Introdução à Política Científica” de Pontes de Miranda, utilizando tal obra para sentenciar a impropriedade do sociologismo diante do acerto normativista e do aperfeiçoamento egológico. Por outro lado temos os exemplos laudatórios, dentre os quais os de um Pinto Ferreira (1980, p. 135), cujos adjetivos em nada contribuem para perpetuar uma análise e valorização das ideias que tenham valor – histórico, científico, social. A teoria da sociedade de Pontes de Miranda começa a ser estruturada em 1912, conforme relata o próprio autor na dedicatória da primeira edição do Sistema de Ciência Positiva do Direito em 1922. O esforço na construção desse sistema tomará parte da 14

“A figura tem valor expressivo, e não de cálculo; não queremos calcular as forças sociais, queremos que nos entendam; e por isto se justificam as simplificações da figura.” E ainda: “Dir-se-á que é nenhum o valor da explicação mecânica. De natureza simbólica, pois que não é em linhas que se expressam as correntes sociais, nada poderá advir de ciência exata, se adotado tal processo metafísico. Mas verdade é que também as forças físicas não se exteriorizam em linhas e nem por isto foi menos imprescindível à física a representação geométrica e nem menos verificáveis os resultados de aplicação.” (PONTES DE MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 82, 85-86, grifo meu).

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produção da juventude do jurista alagoano, pois abarcará os sucessivos: Introdução à Política Científica de 1924, Método de análise sociopsicológica de 1925 (livro desaparecido), Introdução à Sociologia Geral de 1926. Isso para não falar nos auxiliares, mas relacionados: À Margem do direito de 1912, A Moral do futuro de 1913, A Sabedoria dos instintos de 1921, A Sabedoria da Inteligência de 1923 e O Problema fundamental do conhecimento de 1937. Além desses, alguns desdobramentos em obras dogmáticas e políticas que não são objeto deste trabalho. Importa observar que também não pretendo exaurir a teoria dos sistemas sociais ponteana nesta monografia, mas utilizá-la numa metáfora para defender um argumento acerca da ciência do direito e da adequação do direito à realidade ao mesmo tempo em que demonstro como se aplicaria a teoria de Pontes de Miranda ao ambiente da Internet. Traduzindo em uma pergunta: o que Pontes de Miranda faria se resolvesse estudar suas obras e encarar o ambiente da Internet que ele não foi capaz de observar e ver florescer? Feitas estas observações preliminares, passo a me dedicar a um arsenal conceitual desenvolvido por Pontes de Miranda com o objetivo de capturar e gerenciar os fenômenos sociais para garantir a ampliação da felicidade geral. O trecho a seguir pretende municiar alguém que não leu os livros referenciados com os conceitos apresentados neles, ou seja, constituem uma ficha de leitura com um resumo extremamente grosseiro. Pontes trava uma exaustiva argumentação para situar o direito no panorama das ciências, enquadrando-as, como herança do positivismo, num mesmo quadro, cuja diferenciação será de grau – o que foi desenvolvido posteriormente quanto à teoria e equação jetiva. Afastarei por isso, e diante do tamanho permitido desta monografia, a discussão realizada em grande parte dos tomos 1 e 2 do Sistema, pois o resumo sobre elas foi feito, com alguma satisfatoriedade, no ponto anterior. 2.1.1. O Direito O direito é palavra polissêmica no vocabulário ponteano. Ora se apresenta enquanto direito objetivo, ora enquanto direito subjetivo – sentidos comuns à cultura jurídica média. Ora aparece como fenômeno ordenador, que muitos sabem que existe, mas poucos ousam refletir acerca. Entretanto, é quando o direito aparece enquanto fenômeno social de adaptação que o sentido ordinário dado pela cultura jurídica começa a não ser suficiente, carente de uma bagagem dessa episteme específica. A reflexão do autor levará a outras distinções importantes: 18

Que é o Direito? É o que estabelece a solução nos conflitos da vida social; a porteira que dá passagem a um, dois, ou três, e se fecha para os outros, com o fim, que é essencial, de permitir que a seu tempo passem todos. Onde ele reside? Nos nossos espíritos? É muito frágil repositório para energias que domam a todos; e uma coisa é o direito e outra o conhecimento, a ideia, sentimento do direito. Só nos códigos e nas leis escritas? Não; porque não precisa ele, sempre, de estar no papel para atuar, e nem tudo que se lança nos pergaminhos, nos livros, nos diários oficias, ainda que leis se digam, merece o nome de regra jurídica. Na sociedade? Sim; é ali que haveis de encontrar, na vida social, um de cujos elementos é ele; e se quereis vê-lo, provocai-o-, feri-o que não tardará o vejais no que ele tem de mais perceptível, que é a coerção, ou no que há de mais geral e revelador da solidariedade inerente aos corpos sociais: a garantia. (MIRANDA, 2005, tomo 1. p. 125).

O direito é assim, processo de adaptação do homem à vida em sociedade, cuja atuação busca, pela garantia ou pela segurança, realizar a adaptação dos seres humanos entre si, dos seres humanos à sociedade e da sociedade aos seres humanos (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 145). Mas para restringir o fenômeno jurídico, o jurista alagoano não lança mão do critério definidor da coação15. Pontes de Miranda entende que ela não é elemento predominante no fenômeno jurídico, inclusive pontua que a sua manifestação denuncia a imperfeição adaptativa. A coação atua, no mais das vezes, na adaptação de segundo grau (correção de defeito de adaptação), quando a adaptação de primeiro grau (funcionamento normal do processo social de adaptação) não foi capaz de produzir os efeitos quistos socialmente – ou seja, elevou-se o quantum despótico, não houve pacificação social, decréscimo de energia civil entre outros16.

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“Ora, a coação serve à realização do direito, mas não é ela a causa eficiente; como todos os subsídios sem conexão causal e, pois, paralelos, pode ser elidido o elemento coercitivo, sem que cesse de existir o outro, autônomo e produzido por outras causas, que o criam definitivo, e provisória, porque secundária a força. Na maioria das civilizações e, se bem perscrutarmos, nas mais adiantadas, hoje a força não mais exercita a coerção com a insistência dos outros tempos; basta-lhe a exibição, a fase de transição social.” (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 111). 16 “A história das organizações sociais evolutiva descreve a mesma trajetória que a dos elementos que as compõem primeiro, a força que se exercita; depois, a força que se exibe sem se exercitar, o que supõe a consciência da eficácia; mais tarde, a realização integral sem atuação material ou sequer sugestiva da força. No terreno do direito, opera-se de modo tão característico a evolução, que muitas regras não só desaparecem dos códigos, como se integram nos próprios movimentos e estrutura da sociedade. Corrigido, como foi, o defeito de adaptação, torna-se desnecessário o preceito jurídico no que apresentava o caráter de norma imposta. A regra, então, não deixa de ser direito; o direito não é somente a norma coercitiva, exterior, opressiva, em função de adaptar à sociedade, isto é, sintoma de inadaptação, - é também a correção já feita, a harmonia conseguida, a estabilidade alcançada, a forma subconsciente de coexistência, o índice realizado do esforço opressivo depois que a evolução o esvaziou de opressão.” (MIRANDA, 1983, p. 116-117, grifo meu).

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Contudo, existe diferença no peso energético das normas (morais e jurídicas, por exemplo). A palavra coação é que não é “elemento logicamente inseparável da norma jurídica” (MIRANDA, 2005, tomo 3, p.377). As normas variam de acordo com o fenômeno da incidência: na jurídica acontece fora, expele; na moral ou na religiosa, impele – “incidência íntima”. A incidência íntima é diferente pela variação do despotismo do processo de adaptação social. 2.1.2. Espaço, Matéria, Relações Sociais e o Tempo. Espaço, matéria e relações sociais estão intimamente interligados. Se onde há sociedade, há direito, então o espaço social será composto da matéria social. Pontes de Miranda, na esteira da Física e da epistemologia com a qual trabalha, postula que a matéria social é composta por energia social17. [...] não há espaço sem matéria [...] O mesmo afirmamos quanto ao espaço social: só existe espaço social onde há matéria ou energia social. Aliás, empregamos a palavra “energia” no sentido que recentemente se lhe dá e no qual se absorve o próprio conceito de matéria. Assim, se dizemos que é com as relações sociais que se constitui a matéria social (ou, melhor, a energia), não seria contraditório escrever: só existe espaço social onde há relações sociais. (MIRANDA, 1983, p. 9, grifos do autor).

Situando a ciência do direito dentro dos princípios e leis “gerais”, que regeriam todas as ciências, nas derivações sucessivas de ciências que analisam relações cada vez mais complexas, como dito alhures, Pontes de Miranda compreende que o espaço e tempo são relativos e indissociáveis. A relatividade é contextual e afeta a atuação dos processos de adaptação social, assim como atua na constituição dos fatos, segundo os potenciais dos campos nos quais estes fatos se originarão. Existem, assim, tempos locais, correspondentes aos círculos em específicos (MIRANDA, 2003, p. 94). O atrelamento do espaço, tempo, energia e matéria também relaciona a existência, início e fim dos mesmos: quando e onde findar uma sociedade, acabarão as relações sociais, o tempo e o espaço social respectivos, restando, somente, a dimensão física do mundo. Mediante a noção de n dimensões, o espaço social não corresponde ao tridimensional, de modo que a dilatação do círculo social pode ser simultânea em todas as superfícies (comprimento, largura, altura, de atuação política, etc.), ou somente em uma, duas ou mais, mantido o 17

“Porém, energia e matéria social não são a mesma coisa que energia ou matéria no sentido estreito e vulgar (corpos)” (MIRANDA, 2005, tomo 1, p. 193).

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status quo em todas as outras, ou em uma, duas ou mais, e diminuição em uma, duas ou mais. (MIRANDA, 1983, p. 21, grifo meu).

Pontes entende que a divisão do tempo do “senso comum” não deve atrapalhar o labor científico. Desconsiderar o princípio da relatividade do tempo na Sociologia levaria a uma série de erros de observação, especialmente quanto às generalizações em casos que merecem detalhamento por contexto específico (MIRANDA, 2005, tomo 1, p. 209). Encarado sincronicamente, o tempo tem contexto, é pontual. O espaço social, por sua relatividade, deve respeitar à relação que envolve sua dimensão métrica-física e as dimensões sociais equivalentes aos processos de adaptação, ou seja, à equação: 7 + x dimensões (MIRANDA, 2005, tomo 1, p. 197), [...] o espaço social não tem os mesmos caracteres de isotropia e de homogeneidade que atribuímos ao espaço geométrico e, neste particular, se assemelha ao espaço fisiológico, visual táctil ou muscular (Hering, Ernst Mach, Henri Poincaré). (MIRANDA, 2005, T. 1, p. 192).

O objeto da ciência do direito é justamente as intrincadas relações sociais jurídicas, ou seja, que foram juridicizadas, abstraindo a seriação de relações anteriores, mas sem perdê-las de vista quando se fizer necessário comparar os dados para chegar ao mais perfectível indicativo científico. As relações sociais estão intimamente ligadas ao processo de adaptação18. 2.1.3. Círculos Sociais19 O conceito de circulo social é fundamental para a funcionalidade da teoria dos sistemas sociais de Pontes de Miranda. Se o individuo humano é a unidade de trabalho primeira e indecomponível da sociedade e o círculo humanidade é o ponto final da 18

Pontes de Miranda (1983, p. 137) estabelece uma interessante metáfora para analisar as relações sociais em suas formas especializadas: “Se quisermos interpretar por outro modo o que se dá, diremos que o direito é como a adaptação quando o distúrbio concerne aos dois polos da relação social, entre homens, ou entre homem e círculo, ou entre círculos, de modo que a violação é intermolecular (digamos assim, por facilidade de expressão); o econômico concerne à molécula, a cujas necessidades atende, é, pois, intramolecular, mas radia para o exterior e se condiciona com o conjunto das circunstâncias gerais; o moral é como a atuação social, resultado das necessidades adaptativas dos círculos, a deformar e a conformar a constituição molecular, a vida interatômica, aos movimentos gerais do sistema; a religião exprime o processo adaptativo mais sutil, que corresponde a algo de irradiativo, de concernente à formação mesma do ser social, á sua determinação mais profunda, algo que lembraria a ionização, as variáveis macroscópicas relativas à vida núcleo-eletrônica.” (grifo meu). 19 “Na geometria do espaço social que esboçamos no (Sistema, tomo II, 209-214), o elemento gerador é a linha, e não o ponto, - os círculos podem ser interiores uns aos outros, mas há a intersecção no indivíduo (tangência) [...] é pela extensão das linhas individuais que se traçam os círculos e serão tanto mais perfeitos quanto mais fechados.” (MIRANDA, 1983, p. 51).

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adaptação possível no planeta Terra, toda consideração diacrônica do individuo até a humanidade20, será o campo de atuação dos processos de adaptação (naturais e sociais)21, assim como da atividade científica que busca aperfeiçoar a atuação desses processos. Os círculos sociais são sistemas de fechamento imperfeito que realizam trocas com o meio e com os outros círculos sociais. Deposto o critério ideal-abstrato, os círculos não possuem centros iguais, não são concêntricos (MIRANDA, 2003, p. 55). O fechamento dos círculos sociais ocasiona a interferência na produção do conteúdo interno do mesmo quando da atuação das leis sociológicas (ponto que será abordado posteriormente)22. Por essa razão é que o direito, fenômeno contextual, está relacionado aos círculos e grupos sociais e não às sociedades23. O círculo é a forma externa dos corpos sociais, segundo a definição que dele entendemos dar; mas também é meio e processo de renovação interna e de energia social, de acréscimo, quer de força conservadora, quer de renovamento, criador de energia ou transformador dela em energia civil. (MIRANDA, 1983, p. 12, grifo meu).

As classificações (morfologia social) possíveis dos círculos sociais, oferecidas por Pontes de Miranda (MIRANDA, 1983, p. 12; MIRANDA, 2003, p. 218) são: a) Círculos-formadores: ou seja, agregados de indivíduos. Subdivididos em: a1) de formação livre – a oficina; o sindicato; a sociedade de beneficência; o partido político; as escolas filosóficas etc; a2) puramente acidentais – os que frequentam a mesma casa, o mesmo estabelecimento comercial, clube, viajam num mesmo transporte público etc.

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De acordo com Pontes de Miranda, a unidade de trabalho (observação) do sociólogo é o homem. Clã, tribo, estado, são unidades provisórias. (MIRANDA, 2005, tomo 1, p. 273). “Só há dois organismos irredutíveis: o indivíduo e o genus humanum.” (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 43). 21 “Os círculos são sistemas em que mais facilmente se procede e se exerce a adaptação. Sem os círculos, a adaptação teria de realizar-se, sem graduação, sem defensivas, entre todos os povos.” (MIRANDA, 1983, p. 13). 22 As leis que regem os círculos sociais, desde o par andrógeno à humanidade são as mesmas. Porém a diferença material do conteúdo de tais sistemas relativamente fechados implica a de atuação das leis, como persistem válidas a lei da queda dos corpos e a da dilatação pelo calor, a despeito das diferenças na atuação nos gasosos, nos líquidos e nos sólidos. [...] a sincronia prevalece. (MIRANDA, 2003, p. 85) 23 Pensemos no embate do “direito romano” (direito da sociedade) entre o ius gentium, o ius honorarium e o ius extraordinarium – direitos contextuais a círculos diferentes, que conviveram no mesmo tempo e espaço por certo período histórico. Não é o direito da sociedade, mas do círculo.

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b) Círculos tipos: ou seja, o par andrógino; grupos de centro místico (totem); grupos de classes matrimoniais; clãs; frátrias; tribos; aldeias; cidades; Estados; Impérios etc.24. c) Círculos transitórios: grupos de caça, pesca; exércitos ocasionais; empresas deliberadas; amizades e relações deliberadas e acidentais. d) Círculos internos, permanentes ou não: famílias; agregados ou partidos políticos; Estados federativos etc. e) Círculos envolventes, permanentes ou de contato: Impérios, áreas de cultura; congressos internacionais; ligações das nações ditas unidas. Insisto em reiterar, diante da profusão de informações: se os círculos são compostos pelos indivíduos que estabelecem relações sociais, que por sua vez são energia social, que por sua vez é matéria social, então, os círculos sociais são, em alguma medida, a matéria social morfologicamente classificada. As trocas que o sistema (círculo) estabelece com o meio pelo seu caráter de fechamento imperfeito não causam a desnaturação do círculo, há resistência, apesar das modificações. O que mantém a integridade do círculo é a sua unidade funcional (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 66). A atuação dos processos de adaptação, nos círculos se dá em dois níveis: intrasujeito, psiquicamente, e intersujeitos, socialmente. É, por isso, que é preciso se ater ao problema de relatividade do conhecimento no garimpo dos dados específicos25. Os círculos sociais seguem duas leis fundamentais: a lei sincrônica e a lei diacrônica. A primeira é de ordem qualitativa, interna ao círculo. A segunda é de ordem quantitativa e tem relação com a sua expansão. Esse processo tem direta relação com o princípio da simetria que será explicado posteriormente. Por hora, basta esclarecer que: a evolução qualitativa dos círculos gera o processo de integração, especialização e centralização dos mesmos, é de caráter interno; já a evolução quantitativa, gera o processo de dilatação, é de caráter externo. A evolução quantitativa força a produção de linhas centrífugas transcendentes, 24

Importa o alerta: “não se deve é interpretar a história das sociedades como sucessão de tipos puros de organização [...]” (MIRANDA, 1983, p. 73). 25 “A relatividade não é apenas produto da diferença que existe entre o conteúdo dos círculos sociais. É uma relatividade (digamos assim) em todos os sentidos. Basta pensar-se nos valores com que se tecem as organizações sociais: o divino, o moral, o justo, o belo, são sempre relativos. Religião, Moral, Arte, Direito, Economia, Política e Ciência são critérios interiores de valorização, sistemas de avaliação ou aferição dos fatos, sentidos especiais das respectivas ordens de sínteses psíquicas. Exigem certa harmonia e empiricamente se desenvolvem por uma espécie de percepção de acordo, de conveniência, de certeza.” (MIRANDA, 2005, tomo 1, p. 233).

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ocasionando a formação de novos círculos. A evolução qualitativa atua pela produção de linhas centrípetas que atuam sobre os elementos interiores ao círculo social (MIRANDA, 2005, tomo 1, p. 307). O processo de adaptação, ligado ao processo evolutivo, também está ligado à explicação mecânica dos elementos no círculo social – sem que com essa explicação se pretenda estabelecer direta correlação fenomênica, mas expediente didático. A imagem perfeita da acomodação, proposta por uma mentalidade racionalista abstrata, combatida por Pontes de Miranda, seria a seguinte:

Fonte: MIRANDA, 2005, tomo III, p. 56

Tal disposição social não é encontrável na realidade. Não existe. O processo de adaptação envolve o processo de deformação26 dos indivíduos (representados pelos triângulos) à sociedade/círculos sociais (círculo envolvente), dos indivíduos entre si, e da sociedade/círculos aos indivíduos – esta ultima adaptação em muitíssimo menor grau e possibilidade (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 70). A compressão entre círculos envolventes (sociedades/círculos sociais), entre triângulos e destes entre si, gera a elevação do quantum despótico e a diminuição da estabilidade social. Se a lei sincrônica atua, o círculo se integra, reduz a deformação, reduz o quantum. Se a diacronia atua, expande o círculo, reduz a deformação, reduz o

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“E a liberdade e a igualdade marcam certa fase mais avançada, que não deve ser definida pela faculdade de fazer o que apraz ou pelo valor indistinto dos indivíduos, como conviria à metafísica e ao apriorismo, porém como graduação, mais elevada, da compressão que uns nos outros exercem, em função das suas qualidades e valores. Em todos os grupos anatômicos ou sociais, cada individuo limita a independência do próximo: a deformação serve à igualdade e a liberdade resulta da atuação de todos, que coincide com a unidade funcional mais ou menos completa.” (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 149, grifo meu).

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quantum27. Sobre este quadro atuarão os processos de adaptação social (Religião, Moral, Estética/Arte, Economia, Política, Direito e Ciência). Quando a sociedade atua para adaptar por meio de movimentos interiores aos triângulos, temos o fenômeno religioso ou moral, cujas sanções são subjetivas; quando por meio de movimentos exteriores, isto é, entre os triângulos, como se puxa para certo espaço um triângulo e repele outro, - temos o direito, cujas sanções são objetivas, ainda quando se trata de prisão. (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 72).

Eis alguns exemplos de figuras que representariam situações possíveis de serem encontradas na sociedade, ou situações problema (figuras 3 e 6).

Fonte: MIRANDA, 2005, tomo III, p. 55-57

Na disputa individuo versus círculo, o coletivo tem maior força para atuar – é a lei do determinismo social. Pontes de Miranda não concebe, como Friedrich Ratzel, uma espécie de determinismo absoluto, mas um determinismo estatístico a ser rastreado cientificamente. Assim sendo, é importante não achar que o individuo e o círculo se confundem em suas características e energias. “Muitas vezes queremos ver, no indivíduo da sociedade A, a síntese do grupo social a que pertence. Constitui isso gravíssimo erro.” (MIRANDA, 2003, p. 133). Ainda quanto às relações do individuo com o meio e com círculos aos quais pertença, é preciso ter em mente que se trata de relação complexa, representável pelo cálculo: A x p’ x p - na qual: (A) é sujeito, (p) é o conjunto de

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Cada novo arranjo a fim de se aproximar da posição exata é representativo do aperfeiçoamento na adaptação e as regras que tal se consiga são verdadeiras normas de direito. [...] Qualquer regra que não seja experimental ou induzida (e este ponto é de grande importância) é suscetível de erro e dará a um dos triângulos colocação que tornará impossível qualquer acomodação melhor do que a anteriormente existente. Todas as fórmulas que contiverem a situação atual dos pequenos triângulos, com a reciproca deformação e a compressão dos lados do triângulo envolvente (modificações na estrutura social), dãonos a vida jurídica deles, quer nas relações entre si, quer nas relações com todos. [...] os triângulos interiores não podem procurar melhor acomodamento sem se comprimirem, nem o ângulo envolvente pode fazê-lo por si. (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 55).

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processos adaptativos atuando sobre ele e (p’) os círculos dos quais ele faz parte (MIRANDA, 2003, p. 160). 2.1.4. Adaptação e Evolução Social Então, o que é a adaptação social? Lembro que Pontes de Miranda é fruto do seu tempo, não se pode descuidar disso: ao mesmo tempo em que ele é vanguarda, ele também empece28. A adaptação social é continuidade da adaptação biológica, mas com seus próprios e complexos funcionamentos, como venho explicando neste trabalho. Não existe uma receita, uma lista de passos, para a adaptação. Em que pese à positividade do gênio do alagoano, sempre propugnando por uma melhora das condições da humanidade, e da ciência como o carro chefe de todas as mudanças – sem por de lado os outros processos de adaptação - é forçoso reconhecer se tratar de um processus complicado – e uso a palavra com a intenção de dissociar da complexidade. Pontes de Miranda admite isso. Não bastasse a complexidade social, é preciso lidar com uma série de fatores e com os limites da atividade científica – mesmo no nosso contexto globalizado, eu adendo. O sistema reage às modificações efetuadas, assim, alterado o equilíbrio dinâmico, o sistema responderá na busca de um novo patamar de equilíbrio. [...] a evolução não é em curva homogênea, mas como que cortada e perturbada a cada momento, de maneira que só o conjunto pode satisfazer a razão, e assim se concilia a ideia racional com a realidade. (MIRANDA, 2005, tomo 2, p.18).

Diante disso, é preciso considerar, para a adaptação, os fatores físicos (território, 29

clima) , os fatores sociais (correspondentes aos processos de adaptação, mas não se confundindo com eles) e as dimensões que devam ser rastreadas pelo sociólogo a depender do círculo social analisado. 28

Eis um curioso exemplo, verdadeiro amalgama de antecipação com imagens típicas de uma época: “O mundo social, a que nos referimos, é o círculo, porque é dentro de cada grupo que se opera a evolução. Nunca nos esqueçamos de que os círculos sociais são sistemas mais ou menos fechados, que livram, da dura seleção (com os de fora) os membros que os compõem, e em que é possível (no interior) a intervenção eficaz, a fim de substituir à violenta equação correspondente ao processo biológico da luta pela vida o processo sociológico (inconsciente ou consciente; empírico, racionalista ou científico) do maior aproveitamento de valores, segundo o critério, não somente vital, mas social, de adaptação.” (MIRANDA, 1983, p. 190). 29 “A adaptação pode ser expressa na fórmula: organismo x meio. O meio é o mesmo, variam, por indivíduos e por espécies, os organismos; as equações serão menos dispares do que os elementos variáveis, por isto mesmo que as condições mesológicas (relevo, posição, clima) persistem idênticas em quaisquer aplicações aos indivíduos [...] da mesma região. Assim se dá entre homens e por isto o espaço geográfico unifica e atua.” (MIRANDA, 1983, p. 75).

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No processo adaptativo, os sete processos atuam de forma automática (adaptação de primeiro grau). Entretanto, eles podem atuar de forma supletiva, com vistas a corrigir um defeito adaptativo (adaptação de segundo grau)30. (MIRANDA, 2005, tomo 1, p. 243; tomo 3, p. 129) A característica de correção da adaptação é mais marcante no processo jurídico de adaptação social. É o direito que, diante do conflito interindividual, realiza um movimento recursivo para corrigir aquilo que, em primeira ação não efetivou. Adaptação quer dizer, em suma, gasto energético, ou melhor, transformação de energia. Se existe um resultado aferível da adaptação, que é a harmonização social, a fórmula para alcançar esse resultado é traduzida pela expressão: redução do quantum despótico pela transformação da energia violenta em energia civil. Os fatos sociais que não são direcionados à socialização, regra geral, elevam o despotismo, enquanto que os fatos sociais direcionados à socialização, por transformarem energia violenta em energia civil, fazem decair o quantum despótico31. Pontes de Miranda traduz esta disputa energética entre vetores de “bem” e de “mal”. Não em sentido metafísico ou de sentimento, mas de acúmulo de vida. A vida é superávit de bem. Se há déficit, surge à morte. Ora, os corpos sociais vivem; logo, também eles supõem o excesso do bem sobre o mal – isto é, o triunfo sucessivo, estatístico, das circunstâncias favoráveis. (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 259). A adaptação acontece entre o ser e o meio. Isso quer dizer que não é possível escapar dos processos adaptativos – existe determinismo tanto nas ações, quanto nos pensamentos. Por mais que exista margem de ação e liberdade32, a liberdade também está inserida numa cadeia de causalidade. Essa margem é o que diferencia a sociedade humana da sociedade animal. (MIRANDA, 2003, p. 39). O processo adaptativo que começa social, com o passar do tempo, ultrapassa a barreira para o interior dos indivíduos atuando sobre as suas representações e consciência. (MIRANDA, 2003, p. 29).

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A sanção atua como instrumental nesse processo de adaptação de segundo grau, as regras que, a partir do indicativo da ciência podem evitar o defeito adaptativo: “As sanções provêm de adaptação, não para evitar o defeito de adaptação, mas já para corrigi-lo. Em todo o caso, as regras podem atuar antes, com o evitamento.” (MIRANDA, 2003, p. 165). 31 “[...] as funções sociais gastam muita energia em corrigir o estreito pragmatismo dos indivíduos”. (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 286). 32 “Rigorosamente, a opção é uma das variáveis (educação, direito, política, enfim). E o crescer em cada uma delas, com a adaptação superior pela consciência, é o que nos dá a suposição metafísica da liberdade e o falso problema do livre arbítrio, que não é suscetível de afirmação, nem de negação, porque não constitui problema científico, e sim pseudoproblema [...]” (MIRANDA, 2003, p. 50).

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Quando um círculo social realiza dilatação, integração ou especialização, o processo adaptativo ganha em potência pela redução do quantum despótico – dilatação, integração e especialização reduzem os choques interindividuais nos círculos gerando menos energia violenta. Por se tratar de uma teoria sistêmica e complexa, é preciso alertar para outros fatores. No caso da adaptação social, ela não se dará, necessariamente, em todos os processos (e nas suas dimensões respectivas). O processo evolutivo só é compreensível estatisticamente, pois é descontínuo. É possível que os círculos e as sociedades evoluam, sem que todos os processos tenham atuado para isso. (MIRANDA, 2003, p. 65). Esse processo descontínuo de adaptação pode ser interrompido? Particionado? Sim. Eu estou falado de involução social. A involução social é o aumento da energia violenta e, consequentemente, do quantum despótico33. 2.1.5. Processos Sociais de Adaptação Os processos sociais de adaptação já foram mencionados aqui e acolá por este texto, todavia eu não dediquei, até agora, nenhum momento de esclarecimento mínimo sobre os mesmos. É chegada a hora de fazê-lo. Inclusive pela repercussão de tal instrumental conceitual nos capítulos subsequentes, ou seja, no uso comparativo com dados e fatos colhidos da realidade. Existe uma genealogia brasileira dessas ideias, essa busca por essas estruturas sociais que atuam como campos polares ordenando as forças sociais. Mais precisamente: existe uma genealogia endógena à Faculdade de Direito do Recife e à Escola do Recife. Os contornos aparecem mais precisos com as “criações fundamentais e irredutíveis da humanidade” de Silvio Romero, em 188234, passando pela contribuição

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Os exemplos dados por Pontes de Miranda (2003, p. 134) são antigos, mas alguns são factíveis. É importante citá-los até mesmo por valor histórico: “É o que se dá com a entrada de energias violentas, o que pode acontecer quando a produção excede o valor produtivo do trabalho (minas acidentais, terremotos acompanhados de grande mortandade, riquezas expostas, facilmente pilháveis), a atuar na vida social como fonte de energias novas, imediatamente derivadas da natureza e, pois, violentas. Dá-se o mesmo com a imigração de indivíduos que trazem da pátria deles caracteres do despotismo ambiente, em que viviam, e vêm aumentar o quantum despótico do país que os recebe.”. 34 “[...] podemos afirmar, sem medo de errar, que sete, apenas sete, são as classes, as espécies diversas dos atos e fenômenos culturais que constituem a civilização humana, como ela se tem desenvolvido desde os mais remotos tempos da pré-história até os dias de hoje. E chamam-se elas: Ciência, Religião, Arte, Política, Moral, Direito, Indústria.” (ROMERO, 2001, p. 101). Onde Silvio Romero enxergou Indústria, Pontes viu, a meu ver mais acertadamente, Economia.

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de um Soriano de Albuquerque, em 1908, que decompunha as atividades físicas através da atividade social35. Mas essa é só uma pequena digressão histórica. Pontes utiliza uma interessante e complicada metáfora para descrever os processos de adaptação social e sua atuação: Os sete principais processos sociais de adaptação são como sete líquidos de diferentes cores, e nos vasos de sete entradas cada um põe o seu colorido, sem que haja total mistura. As mudanças sociais ou resultam do que os vasos derramaram no terreno, em que correm as águas, ou de águas que os puseram em choque, alterando a própria quantidade das águas coloridas. (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 277).

Guardemos a imagem, ela tem um valor didático importante: sete líquidos de cores diferentes; sete vasos, cada qual com sete entradas cujos líquidos depositam quantidades variáveis sem se misturar – facilita imaginar que as densidades são diferentes. O principal é reter que os processos, atuando em conjunto, ou separadamente, trocando características ou elementos, não se desnaturam, eles se mantêm. Os processos não absorvem uns aos outros, nem expelem novos processos. Nesse processo de troca, eles podem forçar à criação de direitos, por exemplo, é o caso da clara produção das relações jurídicas e normas cujo embasamento está em outro processo. Houve intercambio, sem desnaturação36. Os processos atuam de forma simultânea, por vezes concorrentes. Na composição das forças, alguns processos podem sobrepujar outros. A linguagem denuncia a mistura dos processos na adaptação interna dos indivíduos e os desdobramentos cognitivos dessa adaptação – no que Pontes de Miranda parece antecipar, entre outras tantas vezes, noções de semiótica e de metáforas: “a beleza do ato moral” “a utilidade do ensino religioso”, “a observância religiosa das leis”, “a sã política é filha da moral e da razão” (MIRANDA, 2003, p. 198, grifo meu) Os processos de adaptação possuem duas variáveis aproximadas principais que são fundamentais quando se trata de manejá-los dentro da teoria ponteana: o valor de estabilização e o quantum despótico. Cada processo é graduado com valores aproximados, mas cada indivíduo terá a sua própria marcação37. Os valores também

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“A atividade social é que converte as atividades físicas em econômicas; as atividades vitais em demológicas; as atividades psíquicas em artísticas, religiosas, científicas e morais.” (MONTENEGRO, 1977, p. 114). 36 “[...] todos os outros processos sociais de adaptação podem levar ao direito os seus enunciados ou o direito apanhá-los e fazê-los regras jurídicas. A juridicidade não lhes retira o que eles lá fora são, ou eram.” (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 355). 37 O método de análise da gradação individual dos processos se perdeu. Trata-se do livro “método de análise sóciopsicológica” tido como desaparecido. Restam apenas testemunhos sobre o mesmo, como o

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estão relacionados com as fases do pensamento (fases mentais) em que se encontrarão os círculos ou indivíduos. Falarei deste tema mais a frente. O que quero guardar destas variáveis é o seu valor comparativo. O mérito maior aqui é semelhante àquele da famosa “teoria da constante quinze” do Tratado das Ações. A diferença fundamental é quanto à estabilidade. Religião, digamos, 6; Moral, 5; Arte, 4; Direito, 3; Política, 2; Economia, 1. A ciência não estabiliza nem instabiliza, porque se compõe de enunciados de fato, que o homem ou grupo social acolhe ou não acolhe. (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 262).

Estabilidade é a resistência à mudança do estado de inércia, correlativo, ao estado das coisas que está na sociedade no momento presente – ponto sincrônico, a partir do observador. No livro “Introdução à Sociologia Geral”, Pontes de Miranda, para aprimorar o modelo, redistribui os valores de estabilidade de modo a efetuar o seguinte cálculo: [...] achei a ordem R, M, A, S, D, P, E, sendo S38 aquele em que se dá o optimum [...]” Se dizemos que 3 ½ = 0, temos que R, M, E estabilizam mais do que é mister, D, P, E menos do que é a estabilidade ótima, S aproximadamente o que é preciso. Não se trata de média, mas de número intermédio (digamos), de centro de inércia. (MIRANDA, 2003, p. 209, grifo meu).

Se a escala é posta a partir do “centro de inércia” (1 a 7, como no anexo 1), ou se é distribuída tomando como base a produção quase nula do processo científico, tanto de estabilidade, quanto de despotismo, é só uma questão de trabalho. A lógica comparativa entre processos permanece. O quantum despótico é a energia violenta, aqui posto enquanto índice que o processo produz na sua atuação, em comparação com os outros processos. Toda vez que o quantum despótico diminui a função social atrelada ao caso específico é resguardada se útil, se não, desaparece39. Aqui cabe a mesma observação do anterior. Se em 1922 a graduação aparece dando à ciência o valor aproximado “0”, em 1926 o cálculo do centro de inércia dispõe que a ciência tenha o valor aproximado “1”:

do psiquiatra J. P. Porto Carrero no 3º Congresso Brasileiro de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal em junho de 1929. 38 “S” corresponde ao processo científico de adaptação social. 39 “Vale dizer: fica o trabalho que pertencia à mulher, ao servo, ao escravo, ao proletário (classe distinta); esvai-se a forma, isto é, a situação inferior da mulher, a servidão, a escravidão, a dominação do proletariado. Surgem outras formas, que depois passarão.” (MIRANDA, 2003, p. 116).

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No tocante ao quanto despótico, a Política tem 6 de violência, a Economia, 5, a Religião 4, o Direito, 3, a Moral, 2, a Arte, 1, a Ciência, 0. (MIRANDA, 2005, T2, p. 263).

Como ficou perceptível, sete são os principais processos de adaptação social: Religião, Moral, Arte, Ciência, Direito, Política e Economia. Pontes de Miranda ainda cita a Moda “filha miúda do tempo” como um oitavo processo, mas de desdobramento minúsculo comparado aos outros sete (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 266). Cada processo de adaptação tem uma técnica própria, atrelada ao seu critério de atuação (anexo 1). O direito atua pelo binômio justo/injusto – não o metafísico, mas o objetivo, com base no ordenamento e na projeção eficacial da norma (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 172). A moral atua pelo binômio moral/imoral. A religião pelo divino/profano. A economia pelo útil/inútil etc. De forma bastante resumida: i) o Direito atua no sentido de conter os fatos sociais, tratando a humanidade como fato e situação de fato, buscando agir com normas que possuem carga eficacial elevada, mas não tem como elemento preponderante a coação; ii) a Moral, espontânea, não busca subordinar os fatos como o direito e sua atuação se da intrasujeito e não intersujeitos, ela conforma, internamente, instinto e ideias40; a Religião é o processo ultrassensível de adaptação41, não se trata do nível empírico ou lógico, mas de ação mais profunda e, ainda assim, sutil, cuja deformação não degrada os indivíduos42; a Arte, por seu turno, é o processo intersensível de adaptação social com a imposição do sujeito ao mundo (MIRANDA, 2003, p. 169); a

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Eis os alertas ponteanos, quando a moral: “Porque não se deve tirar do conhecimento um sistema de moral? [...] devido à extrema complexidade de cada sociedade, seria impossível substituir às ações e reações naturais da vida social a contextura racional das nossas construções [...] Pode o homem instituir nova moral? Não é possível criar ou fundar moral, independentemente dos fatos que se passam na vida; mas não há negar que algum movimento social, suscitado por grupos ou por homens, possa dar formulas que traduzam os novos estados dela, e quiçá, os provoquem. Em qualquer caso, a ação individual poderá incentivar, e não causar.” (MIRANDA, 2003, p. 81-82). 41 “Se pudéssemos considerar abstratamente a sensação, diríamos que não é ela a causa, mas o múltiplo – “sensação x conhecimento experimental da vida”, - fator que lhe dá elemento de mais fina apreensão, a que chamaremos ultra-sensível.” (MIRANDA, 1983, p. 136, grifo meu). 42 “Religião é o conjunto das relações sociais, em que um dos termos é a divindade (sobrenatural, Deus, invisível, supremo bem). [...] Daí os termos da relação poderem ser: o totem (planta, animal, objeto), o sol, a lua, os astros, o céu, a terra, os mortos (necrolatria), o Todo-Poderoso invisível, os homens-deuses, o Grã-Ser de Auguste Comte. [...]Todas as religiões desenvolvem, em sistema de valores, o seu plano de adaptação acima da moral, da economia, do direito, da política. [...] Todas as religiões respondem à mesma pergunta: que é que nos permitirá o milagre da máxima adaptação social? [...] ao sociólogo só interessa conhece-las, e procurar os efeitos de cada uma delas no círculo social em que se formou, e naqueles a que se propagou, com as modificações que lhe impuseram as novas condições sociais.” (MIRANDA, 2003, p. 176-177). E alerta: “[...] a mais avançada abrangência do processo religioso de adaptação, que leva à intimidade, a igualização, a simetrias, às vezes excessivas, porque se não há de exigir das funções sociais, como das biológicas, a exatidão dos resultados.” (MIRANDA, 2003, p. 197).

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Economia é o processo pautado pelo critério de utilidade, sendo indiferente ao “bem” ou “mal” no sentido ético; a Política é o processo de adaptação preocupado com o sentido da ordem e os expedientes de dominação social, é através dele que se dará a questão capital da livre interpretação do direito; por fim, a Ciência, único processo de valor adaptativo, comum a todos os outros, e valor cognoscitivo (verdade intrínseca), é aquela que não eleva a energia violenta, nem instabiliza a sociedade, pautada pelo critério da verdade ou erro. Mencionei, quanto à ciência, a duplicidade dos valores: adaptativo e cognitivo. Essa questão pode ser posta em outros termos: verdades extrínseca e intrínseca. Pontes de Miranda alega existir uma confusão entre quais processos possuem cada tipo de verdade, ou valor. Quando falamos em processos de adaptação social, apenas a ciência possui a verdade intrínseca, ou seja, o valor cognitivo que é inerente a ela, que lhe garante a produção de indicativos. Os outros processos se pautam pelos seus binômios específicos e pelo critério de utilidade, ou seja, realização da adaptação social. Especificamente quando ao direito, ele afirma que: No próprio direito (fenômeno social), não há verdade intrínseca. A verdade da ciência jurídica não é interior às regras, mas exterior a elas, isto é, sobre a proposição, o enunciado que afirma a eficácia ou ineficácia delas. [...] não é possível julgar intrinsecamente a verdade das regras jurídicas, como procedem os racionalistas do direito: o julgamento há de ser do valor delas, no sentido de maior ou menor eficácia, de atribuição de direito mais adequada ou menos adequada ao desígnio adaptativo, ou corretivo de adaptação, que caracteriza o fenômeno jurídico. [...] Dos seus indicativos [ciência jurídica] podemos tirar imperativos, mais, para isso, teremos de associar as verdades cientificas e premissas no imperativo. Daí o valor intrínseco da ciência positiva do direito, suscetível de ser aproveitado como matéria-prima para a legislação (valor adaptativo). (MIRANDA, 2003, p. 214-215).

O processo de adaptação jurídico só tem valor adaptativo, ou seja, eficácia. Não é aqui que se produzem os indicativos da ciência. A ciência do direito é que construirá os indicativos por cima do processo jurídico, observando as relações sociais e o direito positivo, que pode coincidir ou não com as relações sociais jurídicas – coincidindo, a adaptação é eficiente, não coincidindo, a lei é mero despotismo do legislador. Voltaremos a falar disso quando falarmos sobre a ciência do direito. Quanto aos processos sociais de adaptação é de suma importância uma última observação de operatividade teórica: a atuação social para aumentar ou diminuir estabilidade ou quantum despótico, com base nos indicativos colhidos pela pesquisa 32

científica, pode se dar pelo fortalecimento dos processos mais ricos de estabilidade ou violência ou daqueles menos ricos em estabilidade ou violência. Todavia, o valor adaptativo global do sistema é enfraquecido toda vez que se enfraquece um processo de adaptação. Um exemplo simples: se pretendo diminuir o quantum despótico, é preferível atuar através de processo com menor valor de despotismo do que enfraquecer o processo com valor elevado. 2.2. Princípios científicos gerais e particulares aplicados à teoria das sociedades Pontes de Miranda, partindo da seriação dos saberes científicos, elenca uma série de princípios que devem nortear a atividade do sociólogo e do cientista do direito na análise da sociedade, colheita de dados e identificação das relações sociais especiais jurídicas. Tais princípios se dividem em espaciológico, físico-sociais e biológicos. Importa abordá-los, ainda que de forma sintética. O princípio espaciológico estabelece que o espaço e o tempo não se reduzem a unidades simples, mas a um complexo espaço-tempo-energia, sujeito à relatividade. Já abordei esse princípio anteriormente. O princípio da simetria diz que “certos elementos de simetria podem coexistir com certos fenômenos, mas não são necessários: o que é necessário é que certos elementos de simetria não existam: é a dissimetria que cria o fenômeno.43” (MIRANDA, 2003, p. 101). É um princípio tomado de Pierre Curie. Tal princípio entende que é a dissimetria o fator determinante na produção do fenômeno, ou seja, quando a dissimetria estiver nos efeitos ela deve estar nas causas, assim como a simetria das causas estará nos efeitos. Contudo, a recíproca das proposições anteriores não é verdadeira: “o efeito pode ser mais simétrico que a causa” (MIRANDA, 2003, p. 102). Se de um lado a simetria não é fator que causa44 o fenômeno, ela é impeditivo. Trata-se de equilíbrio dinâmico: quando a dissimetria aparece, o sistema força o seu desaparecimento. O princípio da simetria explica a formação e dilatação dos círculos sociais. De acordo com Pontes de Miranda (2003, p. 104):

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Exemplo dado por Pontes de Miranda (2003, p. 104): “Quando se pune o delinquente, simetriza-se a coletividade, que o ato criminoso comprometeu; é a dissimetria, criada por ele, que produz o fenômeno penal.”. 44 “A simetria não cria o fenômeno; a fortiori, não no produz a “unidade”. Causa é o que atua; e um só fator não poderia atuar. Todo acontecimento supõe, pelo menos, dois fatores; toda causa é complexo de fatores.” (MIRANDA, 2003, p. 102, grifo meu).

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[...] decresce a dissimetria intra-individual, ou, inversamente, se caminha para o máximo possível de simetrias intra-individuais. Mas, desde que não é a mesma a função ou o gênero de vida para todos os indivíduos, da simetria intra-individual nascem diferenciações e, pois, dissimetrias interindividuais, que o agregado social, composto de tais indivíduos, e como individuo novo, sujeito às leis que regem todos os sistemas e todos os indivíduos, tem de reduzir.

Esse processo descrito acima corresponde à criação de “novas individualidades mais largas” – é a formação de novos círculos, com a evolução cíclica – eis a formação dos círculos sociais. Simetria intraindividual é processo relacionado à integração de “indivíduos”, ou seja, objetos observáveis, no caso do presente trabalho, círculos sociais. Quanto maior a simetria intraindividual, maior a dissimetria interindividual e, pois os fenômenos da deformação dos indivíduos, círculos, produção de energia violenta etc. A atuação adaptativa e o caminho natural é o da dilatação dos círculos de modo a realizar o equilíbrio dinâmico, contendo a produção de energia violenta (MIRANDA, 2003, p. 105). Como a adaptação constantemente cresce e se capitaliza, a evolução social pode ser representada, na espiral, pelo ângulo polar; a divisão do trabalho, pela ascensão e descensão da linha (crescimento da dissimetria intraindividual e, depois, aumento da dissimetria interindividual, o que provoca a formação de nova espira, sucessivamente). As espiras são os pseudocírculos sociais. (MIRANDA, 2003, p. 114).

Quando o valor energético excede o limiar adequado, a espiral se transforma em novo círculo, que projetará sobre a sociedade todos os desdobramentos citados anteriormente, aumentando a complexidade social. O esquema abaixo exemplifica este processo.

Fonte: O autor

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Com a formação do círculo mais largo, acontece em concomitância, o processo de enfraquecimento dos limites dos círculos menores e internos. Aparecem novas divisões e separações com base no conteúdo do novo círculo e na simetria intraindividual do mesmo. O princípio do insulamento dos sistemas estabelece que as sociedades são sistemas com relativo fechamento, cujos processos evolutivos independem, em parte, dos processos realizados pelos outros sistemas/círculos. A tendência dos círculos é a da solidariedade condicionada: eles são dilatantes de dentro para fora e insulantes de fora para dentro, pois o valor máximo do sistema é a manutenção do próprio sistema. A equação das forças internas e externas determinará os processos de absorção ou não entre círculos – esse processo poderá gerar evolução ou involução, a depender da maneira como se der, se produzir energia violenta ou se essa energia não for transformada em energia civil. O princípio do determinismo, também já abordado em outros locais, dita que só é possível à ciência conhecer o mundo em suas grandezas predominantes, ignorando parte da complexidade, sem alheamento deste ponto cego. O princípio da inércia é descrito por Pontes da seguinte forma “Toda energia móvel representa impulsão” (MIRANDA, 2003, p. 126). Os processos de adaptação, por esse princípio, se graduam pela sua energia de fixidez, estabilidade. É a perseverança do próprio sistema, atrelada ao que já foi dito anteriormente. O princípio da conservação, por sua vez, traduz a negação dos sistemas à destruição total. Sintetizado na célebre sentença “nada se cria, nada se perde na natureza”, o princípio da conservação esclarece que os círculos sociais, por seu fechamento incompleto, ganham e perdem energia – é o que permite, por exemplo, a redução do despotismo. Além dos citados anteriormente, ainda temos as leis biológicas que auxiliam os trabalhos científicos. São elas: a lei da variabilidade que descreve a influencia das mudanças do meio nos organismos. A influência reiterada pode causar alteração no conteúdo dos sistemas. A lei da hereditariedade cujo cerne está na descrição da conservação da adaptação realizada para além do indivíduo, em processo lento que pode ser acelerado pela atuação do homem. A lei da seleção explica como os indivíduos e círculos prosperam às condições do meio por suas qualidades adequadas, segundo o tempo e lugar. Os processos de adaptação social também realizam seleção (robustez, beleza, elegância, valentia, moralidade, riqueza etc.). Pontes de Miranda era um 35

defensor da eugenia, não no sentido senso comum “nazista”, mas no sentido de perfectibilidade social. Ele não defendia o assassinato de doentes, nem usava a eugenia como desculpa para a perseguição. Além disso, Pontes de Miranda insistia que o individuo que, à primeira vista, seria considerado “indesejado”, poderia ter qualidades necessárias à sociedade, tão complexa e carente de energia social. Por fim, além das já citadas, cabe repisar, brevemente, sobre os dois princípios fundamentais – indutivos e experimentais – da dilatação dos círculos sociais e redução do quantum despótico. É possível integração, a partir do aumento de valores da cultura, com dilatação do círculo; é possível dilatação sem integração, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Os princípios são evolutivos. Se os dois acontecem ao mesmo tempo há evolução civilizadora. Se só o primeiro se realiza, é unilateral a evolução, porque é espacial e não correlativa de aumento de civilidade. Se só o segundo atua, causas sutis separam o povo, prendem-no, sequestram-no, e – determinada pelos elementos interiores – a evolução realiza-se unilateralmente, sem a correlação espacial, que lhe daria o surto evolutivo integral: aumento especial e diminuição do quantum despótico. [...] O primeiro principio não se refere somente á dilatação e sim também à integração: por conseguinte a evolução está em dilatar e integrar. [...] são correlativos, de modo que, dilatados evolutivamente os círculos sociais, necessariamente se diminui o quantum despótico. Se se verifica o primeiro princípio, sem que se realize o segundo é que há anormalidade, e não evolução. Aliás, se conhecêssemos todas as variáveis do espaço social notaríamos que, no computo geral, não se deu dilatação. As variáveis são os valores, a que nos referimos (território, indústria, escrita, moral, religião e direito, que nada mais são do que valores adaptativos etc.). (MIRANDA, 1983, p. 115-116).

2.3. O DIREITO É CIÊNCIA DO SER – DO INDICATIVO DA CIÊNCIA AO IMPERATIVO DA NORMA 2.3.1. Regra jurídica e lei jurídica Pontes de Miranda parte da reflexão do direito enquanto fenômeno para realizar uma série de distinções que acabam em inconsistências de redação textual. Entretanto, dada à coerência geral é possível realizar uma separação e clarificação.

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Assim sendo, passarei a tratar da seguinte forma: regra jurídica é a lei do ordenamento, o direito objetivo positivado45. “A regra jurídica é a lei que se impõe aos fatos, que incide.” (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 287). A lei jurídica é a lei produzida pela ciência jurídica nos moldes ponteanos, é importante frisar isso, pois a lei jurídica, por sua variabilidade de grau se aproximará da regra jurídica para atuar sobre ela. A lei jurídica não índice, opera no campo do conhecimento, tal qual a lei física, biológica ou psicológica. O naturalismo infiel ponteano deixa uma série de complexidades que exigem o mínimo de redução. É o caso das amplamente discutidas: divisões do mundo dos fatos (ser) e do mundo do direito (dever ser) e a diferenciação de grau da lei jurídica e lei científica. Começo pela última discussão. Pontes de Miranda, em mais uma de suas ressalvas, diz expressamente, que existe uma diferenciação de grau entre a lei jurídica e a lei científica – demonstrando não equiparar de forma arbitrária, apesar do contexto ideológico, ciências naturais e ciências sociais. A lei jurídica é “restrita a certos fatos e é parte de outras leis sociais” (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 203). Elas são extraídas do estudo das relações sociais. A diferença de grau se desnuda no intuito teórico-prático, que é simultâneo e que “nas leis gerais vem separadamente” (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 203). Não se pretende com isso dizer que se extrai da pesquisa científica o imperativo. A fórmula ponteana é: do indicativo da ciência (a lei jurídica) ao imperativo da norma ou da ação (regra jurídica). E só é possível extrair indicativos, por ser uma atividade científica cujo valor cognoscitivo está presente, como dito no capítulo anterior. Se se tratar do processo de adaptação, só haverá o valor adaptativo46. Quanto à divisão entre mundo dos fatos e mundo do direito, ser e dever-ser, Pontes estabelece curiosa argumentação a partir de uma da eficácia fática – muito além da eficácia jurídica do Tratado de Direito Privado. O trecho pode levar a enganos, mas é preciso, como sempre, interpretá-lo dentro do contexto total, para evitar as armadilhas retóricas: 45

É importante notar o trecho em que Pontes de Miranda faz uma diferenciação, ao menos embrionária, entre texto e norma: “Conhecer os textos da lei é apenas conhecer a expressão extrínseca, subjetiva, individual, mais ou menos autorizada, da regra jurídica, expressão demasiado restrita, “estilizada”, reduzida a palavras, e que está para a verdadeira norma como para as cordilheiras e montanhas os sombreados dos mapas.” (MIRANDA, 2005, P. 126, grifo meu). 46 Vide: “O objeto da Ciência, de que se há de tirar a filosofia jurídica, é o estudo das relações sociais que interessam ao Direito, do fenômeno jurídico (relações jurídicas) e da atuação efetiva ou possível das regras.” (MIRANDA, 2005, tomo 1, p. 133) e “[...] o objeto da ciência jurídica não são as normas impostas, dados históricos e variáveis, mas as relações sociais, que não podem ser alteradas ou destruídas pela vontade de ninguém senão mediante outras forças [...]” (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 27).

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[...] a diferença entre duas espécies de lei: leis do preciso e leis do deve; leis que querem expressar algo que impreterivelmente se realiza e leis que ordenam o que possível fique irrealizado; leis que valem pela sua correspondência com a efetividade dos fatos, e leis que valem a despeito da não-correspondência com tal efetividade; leis que mostram o resumo do mundo efetivamente dado, e leis que traçam o plano construtivo de outro melhor. Tais “leis do deve” não são peculiares ao direito; têm-nas a lógica, a moral, a estética e os costumes, que, historicamente, deviam vir primeiro. [...] Entre a regra jurídica costumeira e a ditada pelo legislador, quando eficaz, há o reflexo particular, o resultado efetivo de dois processos que devem ser contínuos, e não heterogêneos: a adaptação inconsciente, física, e a adaptação consciente, psicológica. E, se assim é, não devemos admitir perfeita distinção entre as leis do preciso e as leis do deve, porque este deve é epifenomênico, como a mesma consciência. (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 201-202, grifo meu).

Facilitaria e muito a quebra de tantos enganos se o jurista alagoano tivesse tido o cuidado de distinguir bem para o leitor: “aqui trato o direito enquanto processo de adaptação”, “aqui trato o direito enquanto sistema lógico-ordenamento jurídico” etc. Tal distinção é pontuada por Nelson Saldanha (LELLI; SCHIPANI; CARCATERRA, 1989, p. 49) quando comenta a obra de Pontes. O trecho acima deve ser entendido da seguinte forma: dada a eficácia no processo adaptativo, o direito, enquanto tal processo, não atua no nível do dever-ser, pois só tem valor adaptativo. Ele atua no nível do ser, alterando os fatos do mundo, adaptando-os. Dentro do sistema ponteano o direito é fenômeno do mundo. Se existe um direito positivo, se esse direito é aperfeiçoado, se ele está na fase empirista, racionalista ou indutiva, é outra análise a ser feita. Mas o direito existe. Ele não estará necessariamente – e por isso falar em peculiaridade – atrelado a um deverser, estrutura típica do racionalismo, que Pontes refuta por identificar direito como processo social de adaptação. O dever-ser é epifenomênico, ou seja, não é a causa primeira: é fruto da interação do processo de adaptação atuando na realidade – adaptação inconsciente física e consciente psicológica. É preciso insistir: eu estou mirando o direito enquanto processo de adaptação social, que atua no mundo dos fatos, cuja eficácia não é aquela do “plano da eficácia” no Tratado de Direito Privado. É essa eficácia sociológica que norteará Pontes quanto à necessidade de incursionar no sistema lógico jurídico para alterá-lo e aperfeiçoá-lo com

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base na pesquisa das relações sociais47, ainda que esse sistema se mantenha íntegro diante da violação de suas normas (dever-ser), como o próprio Pontes reconhece48. O seguinte trecho, em comparação, pode dirimir as dúvidas. O que se pretende clarificar são a disposição e os pontos de vista para abordar os problemas. Jurista é aquele do Tratado, Cientista do direito é o do Sistema49-50. E a educação jurídica deveria somar as duas facetas numa só figura:

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Nesse sentido, entendo, a título de hipótese, que a atividade do cientista do direito, diferente da do jurista (como bem diferencia Pontes no Sistema), é a de adequar a hipótese descrita na norma ao suporte fático construído com base na investigação das relações jurídicas. O jurista faz o contrário, verifica o perfazimento do suporte fático com base nos critérios estabelecidos na norma. Percebe-se que mundo dos fatos e mundo do direito, pela atividade do aparelho cognitivo precário do ser humano, se imbricam. Tal transposição não é lógica, mas fática e logística. Comentando e atualizando o Sistema, em 1972, Pontes de Miranda (2005, tomo 2, p. 284) disse: “No trato do direito já feito, da lex lata [...] o que nos interessa é: a) o fato da regra jurídica, pois que existe no mundo das relações humanas e do pensamento humano; b) o fato de se comporem de suportes fáticos; c) o fato da incidência. Tudo nos leva, por conseguinte, a tratar os problemas do direito, como o físico: vendo-os no mundo dos fatos, mundo seguido pelo mundo jurídico, que é parte dele.” O mundo jurídico é parte do mundo dos fatos, pois o sistema lógico é mentado pelo ser humano. As respostas de Pontes não precisam, muitas vezes, de grande refino, mas de uma certa “catadura científica”, como bem adjetivou Antônio Paim. 48 Em outro trecho ele faz alusão à mesma eficácia e ao “olhar sociológico” que o jurista-cientista do direito deveria ter. Fazendo alusão clara ao que importa ao “Cientista do Direito” e não ao “Jurista”: “Pretende-se exista na distinção entre o “dever” e o “ser”, o “Sollen” e o “Sein”, a razão de não serem da mesma natureza a regra jurídica e a lei científica. Mas o “ser vigente” (Geltung) é independente do “verificar-se” (Wirkung); a lei pode ser votada e nunca se aplicar e então seria absurdo que o sociólogo a tivesse por fenômeno da vida jurídica do país (é por isto que os papiros e os ostraka são mais importantes do que as compilações legislativas, para o conhecimento da vida jurídica do Egito). [...] Não confundamos o nome de terminologia política e quotidiana com o fenômeno social, que pode interessar ao investigador. Se a regra se aplica, três podem ser os casos: a) ou acerta, isto é, melhora a vida social; b) ou não acerta, e o juiz ou o intérprete a transforam (e então, se alguma vontade devesse ser sondada, seria a do juiz, e não a do legislador); c) ou não acerta, porém, a despeito disso, se aplica tal como foi importa, dura lex, sed lex, - e então o “Sein” é bem a expressão de um “Sollen”, o subjetivismo, o voluntarismo, a intervenção despótica, a tirania, a violência política se evidencia, e o fato pertence à história do direito: à ciência somente compete a verificação do erro, que em tal espécime legislativo se contém. Para o sociólogo, o que se passou foi a continuação do empirismo ou da metafisica política, ou a momentânea apropriação da função de revelar o direito por parte do legislador ou da assembleia legislativa. Os elementos sociológicos para que a norma passe à vida jurídica do povo são os três que acima enumeramos. Todos são objetivos; nenhum deles é subjetivo, nenhum se confunde com o ato volitivo de ditar a lei. E entre eles não se acha este, porque há leis que não foram precedidas dele e atos volitivos que não produziram leis. Como as leis naturais, as regras jurídicas exigem a efetividade, a Wirklichkeit. Para a ciência do direito, o que importa é o “Sein”, o ser, e não o “Sollen”.” (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 230-231). 49 “O jurista, que não se confunde com o cientista do Direito, embora um possa estar dentro do outro e ser-lhe útil, busca o que há de incidir, ou o que incidiu. A Ciência do Direito verifica o que se revela nos dados imediatos da experiência para sugestões aos legisladores e fazedores ou interpretes de regras jurídicas. Não está por dentro do sistema jurídico, embora esse possa, para a sua eficiência, ordenar que se recorra à Ciência do Direito, se não há solução concreta e imediata de que se valha.” (MIRANDA, 2005, T. 1, p. 347). 50 Djacir Menezes (1952, p. 167) tratou da mesma polêmica de forma clara: “A norma jurídica é imperativa, indica um dever ser, Lei é uma expressão de relação no indicativo, como as leis naturais. Mas regra é normatividade. Não é “conhecimento” de fatos sociais, mas “ordenamento”, disciplinamento, técnica. Daí não ser a norma jurídica como tal objeto da ciência do direito. Ela o é como fato social, como produto histórico. Essa dogmática não interessa, como fim, ao cientista do direito, mas ao aplicador, ao hermeneuta, ao juiz. A imperatividade da norma está no Sollen de Kelsen, de Radbruch. [...] Entretando, a ciência do direito tem por objeto pesquisar a matéria social que cabe

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A distinção entre o critério sociológico, causal-explicativo, e o normativo ou da aplicação jurídica, não pode separar a sociologia e o direito: os métodos são os mesmos, e a prática judiciária é apenas o tema, e não a elaboração científica do direito; quer dizer: na aplicação não está a matéria do conhecimento, mas apenas o fim de utilidade, como a composição de produtos químicos não é a imediata direção ou finalidade da pesquisa científica (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 234).

2.3.2. Fases do pensamento e tríade lógica A ciência do direito está situada no grande processo de evolução do saber humano divido em três fases: empirismo – apriorismo – ciência. Assim como existe a correspondência da tríade lógica: intuição – dedução – indução. A influência da lei dos três estados é clara, mas ela é restrita. Pontes não estabelece uma seriação hierárquica. A relatividade do tempo espaço permite que existam povos e círculos vivendo qualquer das fases do pensamento no mesmo ponto sincrônico da linha do tempo, ou na mesma demarcação espacial – seja esse espaço o físico, seja o social. A tríade lógica, por sua vez, serve para realizar a crítica ao empirismo intuicionista, causador do pluralismo desagregador e do racionalismo dedutivista, que se perde em abstracionismos ignorando a realidade. Caberia à ciência indutiva pesquisar na realidade os dados para retirar dos comportamentos anteriores aquilo de proveitoso – a relatividade impõe à realidade o ponto de vista do pluralismo e da unidade. A Ciência do Direito não é somente ciência empírica da civilização, não se serve apenas do método histórico, e não tem por única preocupação os valores jurídicos; é também ciência da natureza, que estuda realidades físico-psíquicas, forças sociais, processos biológicos da vida em comum. Continua a Biologia como todas as ciências sociais. Ora, se podemos examinar o real jurídico, sem a restrita interpretação da história, que é conhecimento de tendências e fins dos homens, e com a objetividade que caracteriza as outras ciências da natureza, não só constitui elemento criticável o sentimento, como também poderá ser substituído por imperativos tirados do indicativo normar, disciplinar. A técnica jurídica implica algo dessa transformação dos indicativos científicos em imperativos de regramento.”. Do mesmo Djacir Menezes (PRADO, KARAM, 1985, p. 36-38): “Enquanto o vienense não se libertou da estreiteza conservadora da metafísica clássica, que lhe endereçaria o pensar para a cisão dualista de “natureza” – “cultura”, dogma ascético de sua doutrina – o brasileiro, espírito mais plástico, dotado de mais penetração oportunista e fina intuição físicomatemática, flexibilizava o conceitualismo mecanicista da causalidade, entrevendo mais recentes formas do determinismo probabilitário, no campo das ciências sociais, que poderiam sintonizar com a especulação dialética. [...] A dicotomia kelseniana entre fato e valor resulta de cirurgia abstrativa formalizante, que os propósitos políticos do Estado moderno vieram cada vez mais reforçar. A ciência cresceu na atmosfera vital da práxis histórica: e a alienação entre o pensar e o agir, entre a apreensão nomológica e a apreensão axiológica, realçando o dualismo contra a dialética, representa a regressão de mais de um século na história.”.

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de tal conhecimento indutivo e exato. Efetivamente, não há negar que a Epistemologia jurídica nos mostra tais processos, que correspondem a três métodos lógicos e três fases da indagação e da elaboração do direito: 1. Sentimento: intuição; empiria jurídica. 2. Ideia: dedução; racionalismo; 3. Investigação científica: indução; ciência. (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 168-169).

A dificuldade para lidar com esse processo de investigação científica é pela falta de dados e pela insistência dos juristas em continuar com um comportamento racionalista: discutem ideias, ignoram os fatos. A ciência do direito se divide em três partes: a) uma parte teorética, que busca as leis que regem a matéria social e as leis do fenômeno jurídico, é próxima à Sociologia; b) outra está preocupada com a evolução diacrônica dos fatos sociais relativos ao fenômeno jurídico, é a parte histórica; c) por fim, a parte técnica que absorve o indicativo das partes anteriores para investigar as possibilidades e adequações de sugestões para o ordenamento e a prática jurídica – otimização da eficácia do sistema jurídico. (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 22-24). A parte técnica está intimamente ligada à interferência do mundo dos fatos no mundo do direito, do indicativo da ciência interferindo no imperativo da norma, sem confusão entre as dimensões. Inclusive, essa parte de aplicação do direito é tida como “terapêutica jurídica”. Muitos juristas dogmáticos não compreendem o peso da metáfora ponteana de “remédio jurídico” e a sua colocação dentro da episteme que estou analisando nesta monografia. Insisto, “terapêutica”, que pressupõe ação intencional. O fenômeno jurídico é do mundo, mas a ação intencional é humana – os povos podem passar sem ciência jurídica, mas não sem direito. A técnica jurídica pode se dividir em: legislativa, exegético-executória, de criação ou revelação do direito – as duas últimas subdividindo-se em costumeira, legislativa, doutrinal ou jurisprudencial, ou ainda, cotidiana ou dos atos jurídicos. A interpretativa-executória se distribui da mesma forma. (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 275). Os principais processos técnicos são: 1) a restrição ou formalismo material na elaboração da regra jurídica, o que denuncia atraso (delimitação das fontes formais do direito positivo). 2) o processo de redução por simplificação dos elementos substanciais das regras jurídicas, ou mais claramente, a fixação do que pode ser tido como elemento comum ou distintivo da variedade dos fatos da vida. 3) o formalismo pragmáticoespiritual, que caracteriza os nossos tempos. 4) o processo de categorias. 5) os 41

processos intelectuais (logicismo: conceitos e construções jurídicas). 6) os processos de aperfeiçoamento de terminologia e fraseologia. 7) presunções e ficções. 8) o direito comparado. 9) a auscultação das fortes exigências públicas. (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 276, grifo meu)51. Em que consiste, em resumo, o trabalho do cientista do direito? Investigar a sociedade buscando as relações sociais especiais jurídicas. Cabe ao jurista responder acerca da justiça ou injustiça, no sentido ético-metafísico dos termos? Não. Assim como a comparação entre preceitos é tarefa que o cientista afasta do seu labor, buscando definir as condições e circunstâncias, tempo e lugar, de modo a verificar o grau de eficácia do fenômeno jurídico e a atuação do processo jurídico de adaptação social (adaptação primária ou secundária) (MIRANDA, 2003, p. 215). O cientista mira, por cima, as regras jurídicas. E só as mira com o anteparo dos dados da realidade social52. A definição, os conceitos, a lógica do sistema53 e todo o instrumental do direito devem se subordinar aos dados angariados54. O indicativo da ciência, na visão de Pontes de Miranda, tem prevalência na condução da construção e interpretação do imperativo da norma – critério de aperfeiçoamento de todo o direito, seja enquanto fenômeno positivo, social, processo de adaptação, todos conectados pela atividade científica. Os conceitos científicos não se confundem com os conceitos do sistema jurídico. “Os conceitos, com que a ciência trabalha, não são os conceitos tirados das regras de direito, mas conceitos que tem por objeto o próprio objeto da norma jurídica, a

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O primeiro fixa os órgãos ou fontes do direito. O segundo e quarto, a matéria a que se vai aplicar a regra. O terceiro, o modo de praticar os atos. O quinto, o raciocínio diante dos preceitos ou valores deles no pensamento e entre si. O sexto, a expressão. O sétimo, o normal, o dificilmente explicado por si mesmo e comodamente expresso no fictício. O oitavo, a posição do direito nacional no momento histórico do mundo. O nono, a direção das forças que irão influir na elaboração do direito (costumes, legislação, programas administrativos e políticos). (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 276). 52 Para conhecer o valor normativo, a eficiência e a significação social da lei, não basta percorrer as coletâneas de leis e os repertórios de jurisprudência; é de mister o conhecimento mais exato da realidade social, o que se consegue pelos métodos indiretos de exame das manifestações exteriores mais aparentes dos fenômenos (heurística, crítica histórica, estatística, comparação) ou pelo método direto de observação social. (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 135). 53 “A argumentação lógica tem por fito a harmonia das proposições legais entre si como pensamento; mas, em verdade, pode a solução assim adquirida desservir à ordem social, àquela produção de força, ora negativa, ora positiva, que é o fim do direito.” (MIRANDA, 2005, tomo 3, p. 302). 54 Vide: “Os conceitos também se subordinam à distribuição da matéria social, segundo traçados mais ou menos amplos. Obedecem a sistemas de ordem jurídica, a círculos [...] Os conceitos jurídicos são, pois, dependentes, retificáveis, conferíveis com os dados científicos.” (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 111112) E ainda: “É, pois, meio, a definição, e não fim; o valor dela é relativo; e nunca se mede por virtude intrínseca, e sim pela maior ou menor ajustabilidade ao que se define.” (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 119).

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coexistência humana, sem atendimento ao regrar coercitivo da lei.” (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 106) E é justamente a atividade científica que busca saber, através de seus conceitos, aquilo que é e, a partir disso, sugerir o que deve ser considerado geral. Para Pontes de Miranda “o que deve ser considerado geral” é a motivação para a captura pelo ordenamento jurídico e transformação em norma jurídica. O estudo da sociedade é: a) sincrônico - quanto aos setores estáveis, como numa fotografia de “n” zonas sociais; b) diacrônico - para verificar as relações e trocas, as mudanças, adaptações, evoluções e involuções dos círculos observados.

Fonte: O autor

Para realizar tal tarefa é necessário que o cientista do direito apresente qualidades e práticas, chamadas por Pontes de Miranda de “orientação científica”: [...] condições morais (liberdade de afirmação diante dos problemas sociais; lealdade, probidade e coragem de dizer o que vê), intelectuais (afastamento de praenotiones, advertência quanto às explicações aparentes ou somente devidas ao chamado bom senso, que são insídas do empirismo, e aos princípios a priori, que são a bagagem racionalista) e de espírito científico (hábito de método positivo, cultura geral e técnica, conhecimento do estado atual das ciências). Mas tais condições não são especiais dos sociólogos. São as que se exigem a todos os cientistas afiguram-se-nos como os indispensáveis capitéis da sua eminente dignidade e da sua grande missão no mundo contemporâneo [...] (MIRANDA, 2003, p. 32).

As regras jurídicas devem ser observadas, assim, a partir das relações jurídicas das quais elas são oriundas. Como dito anteriormente, havendo equivalência entre a realidade e as regras, o direito é vivo e positivo. Não havendo, estará o cientista diante de despotismo ou descuido legislativo. Pode haver direito que não esteja nas leis? Sim 43

(MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 177). E se o direito não atuar, com seus proclames comezinhos, ignorando o indicativo da ciência do direito? Se não funciona como devera o aparelho completo, o equilíbrio tem de ser estabelecido por outras forças, menos apropriadas e menos cômodas ou, em todos os casos, menos eficazes, para a continuidade normal e progressiva da vida social e da felicidade humana (religiomorais, e. g. resignação, desprendimento, políticas, e. g. censura crítica etc.). (MIRANDA, 2005, T. 3, p. 113).

Por fim, é preciso mencionar uma regra programática na teoria de Pontes de Miranda. É a “livre revelação do direito” (MIRANDA, 1983, p. 172). Com o processo de adaptação e o aumento do labor científico aperfeiçoando a atuação dos processos de adaptação social, se chegaria a um estado de valorização da educação formal e do espraiamento dessa educação pela sociedade. No caso do direito, em específico, esse domínio permitiria a vigilância social, o acesso e a compreensão do fenômeno jurídico e seus desdobramentos. Toda vez que se reduz a energia violenta na sociedade, se cria possibilidades de implementação da livre revelação do direito, que deverá ser conduzida pelos corpos técnicos e científicos, seguidos pela adesão da sociedade e das massas informadas e educadas (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 210-211). Entendo que as diferenças foram devidamente clarificadas, na medida do possível. Para o cientista do direito é mais importante o desdobramento eficacial da regra nas dimensões psicológicas e econômicas dos círculos e sujeitos, por exemplo, do que a sua adequação técnica ao caso concreto (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 134-135).

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3. SEGUNDA LENTE: A SOCIEDADE EM REDE - QUAL SEU MARCO? EM QUE CONSISTE? A reflexão que pretendo estabelecer nesta segunda lente está intimamente ligada ao marco teórico estabelecido pelas pesquisas levadas a cabo pelo sociólogo espanhol Manuel Castells. A sociedade em rede é uma nova forma de organização da sociedade em que as tecnologias da informação e comunicação passam a ter papel central. É sobre essa sociedade, que é a sociedade na qual estamos inseridos, que pretendo me debruçar agora. Utilizar a pesquisa de Castells não foi uma escolha arbitrária: existem elementos de comunicação entre a episteme ponteana e esta lente, além do conhecimento sociológico. A sociedade em rede é complexa, está situada num ponto de transição daquilo que costumam chamar por “pós-modernismo”, mas sem os chistes e absurdos de desconhecimento das obras e rusgas acadêmicas – é por isso que Castells faz uso de David Harvey ou Baudrillard, por exemplo, mas só para explicar questões específicas do funcionamento da disposição do espaço de fluxos ou da capitalização dos símbolos pela televisão. Castells também cumpre o programa ponteano: dados e fatos55. É um estudo seguro e criterioso com base em fontes reconhecidas e uma bibliografia ampla de pesquisas que encontram, às vezes, resultados opostos para as mesmas questões. Manuel Castells também evidencia a dureza do cientista social ao afastar o esforço da futurologia. Os esforços teoréticos empreendidos na lente anterior e nesta, começam a ganhar contornos cada vez mais fáticos, quando, por fim, vão descambar num problema dogmático específico. A sociedade em rede é a sociedade da virtualidade real. Atravessa a nossa vida e influi diretamente nela. Hoje é inconcebível viver sem um smartphone, acessando gadgets e aplicativos. O suporte sonoro das ligações deu lugar, nos últimos três anos, à prevalência da troca de mensagens pelo aplicativo do WhatsApp, alterando até mesmo a habilidade cognitiva que é demandada em nosso cérebro para realizar a comunicação. Desde os estudos iniciais de Castells, pela década de 1990, as tecnologias da informação, com especial destaque para a Internet, cumpriram o papel esperado e se expandiram pelo globo – e a expansão continua ascendente, mesmo com as ondulações 55

“[...] acredito que o conhecimento deve preceder a ação e a ação é sempre específica a um dado contexto e a um dado objetivo.” (CASTELLS, 2003, p. 9).

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do processo econômico. As redes sociais atravessam e transformam a dinâmica das nossas vidas: muito menos como janelas de observação, e mais como passagens de participação direta – influem em nossas opiniões, construção de saberes e estado de humor. Vivemos num estado de “conectividade perpétua” (CASTELLS, 2013, v. 1, p. XV). O ambiente da rede, tendo na Internet a representação simbólica mais destacada, ampliou as possibilidades de acesso direto a conhecimentos, debates, organização social, reorganizou a estrutura de empresas e governos, revitalizou o sentido da praça pública e da cidadania e colocou os indivíduos em contatos virtuais diretos, não sem intermédio, é claro, de estruturas psicológicas de mediação – ainda que a imersão nas redes sociais não demonstre existir uma dissociação grave entre o avatar apresentado na rede e a existência apresentada na realidade. A sociedade em rede também redistribuiu a geografia do planeta. De acordo com Castells (2013, p. XX-XXI): A principal característica espacial da sociedade em rede é a conexão em rede entre o local e o global. A arquitetura global de redes globais conecta seletivamente os lugares, de acordo com o seu valor relativo para a rede. [...] Isso não significa apenas que essas regiões estão conectadas globalmente, mas que as redes globais, e o valor que elas processam, precisam operar a partir de nós na rede. [...] Não se trata de cidades globais, mas de redes globais que estruturam e mudam áreas específicas de algumas cidades por meio de suas conexões. Afinal, boa parte de Nova York (por exemplo, Queens), Tóquio (por exemplo, Kunitachi) e Londres (tanto Hampstead quanto Brixton) é muito local, exceto por suas populações de imigrantes. [...] Cada país tem seu(s) grande(s) nó(s) que o conecta(m) a redes globais estratégicas. Esses nós são a base da formação de regiões metropolitanas que determinam a estrutura espacial local/global de cada país por meio de sua formação interna e multi-estratificada de redes. Fora desses pontos de criação de valor em rede, ficam os espaços de exclusão, ou, tomando emprestado o conceito de Dear e Wolch, as “paisagens de desespero”, tanto intrametropolitanas quanto rurais.

A sociedade em rede associa: macro-redes eletrônicas globais, que funcionam como correias para transmissão e implementação de decisões, com micro-redes de tomada de decisão e produção de inovação e ideias. Ambas as redes alimentadas por alta tecnologia e investimento. As redes globais, a depender do seu tema, não possuem

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necessariamente o mesmo nó localizado, ou seja, os nós do mercado financeiro não estarão necessariamente próximos dos nós do setor de inovação em informática etc.56. 3.1. Espaço e tempo em rede A sociedade em rede perfaz o que Pontes de Miranda alertava acerca dos contextos específicos dos círculos sociais: espaço e tempo são relativos. É o que Manuel Castells trata pela distinção entre “espaço dos lugares” e “espaço de fluxos” e do “tempo atemporal”. Eu irei abordá-los brevemente. Castells também parte de um background da física teórica sobre o tempo e espaço para articular suas considerações sobre a relatividade, mas afasta o tema deixando apenas o alerta de que não pretende falar sobre a dimensão social do espaço e do tempo por “pedantismo retórico”. Diferente de Pontes de Miranda, para o qual espaço e tempo estão interligados, Castells (2013, p. 467) propõe a hipótese que o espaço organiza o tempo na sociedade em rede, ainda que ambos sofram as ações dos “processos sociais induzidos pelo processo atual de transformação histórica” (CASTELLS, 2013, P. 467). Valendo-se de aparato teórico bastante adequável ao utilizado por Pontes de Miranda, Castells entende que o espaço é composto pelas práticas dos sujeitos, práticas sociais, diacronicamente compartilhadas, ou seja, as práticas que são compartilhadas no tempo. É justamente essa articulação entre práticas, tempo e espaço que dá sentido, em última análise, à sociedade. Como expliquei anteriormente, Pontes de Miranda estabelecia conexão entre matéria social, fatos sociais/práticas, energias sociais e espaço social.

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“Quando essas redes multiestratificadas se sobrepõem em algum nó, quando há um nó que pertence a diferentes redes, pode haver duas consequências. Primeiro as economias de sinergias entre essas diferentes redes acontecem naquele nó: entre mercados financeiros e empresas de mídia ou entre a pesquisa acadêmica e a inovação e o desenvolvimento tecnológico ou entre política e mídia. Além disso, como essas redes multiestratificadas aterrissam em locais específicos, e muitas redes compartilham um nó nesses locais, essas localidades se tornam mega-nós: tornam-se nós de comutação para todo o sistema global, conectando várias redes. [...] No entanto, cada mega-nó se torna um ponto de atração de capital, mão-de-obra e inovação. É aqui que surgem as contradições. [...] Na ausência de demandas sociais ativas e movimentos sociais, o mega-nó impõe a lógica global em detrimento do local. O resultado desse processo é a coexistência de dinamismo e marginalidade metropolitana [...] Existe uma contradição crescente entre o espaço dos fluxos e o espaço dos lugares. Esses mega-nós concentram cada vez mais riqueza, poder e inovação no planeta. Ao mesmo tempo, poucas pessoas no mundo se identificam com a cultura global e cosmopolita que povoa as redes globais e se torna o objeto de culto das elites dos meganós. [...] Essa é a contradição fundamental que emerge do nosso mundo globalizado, urbanizado e organizado em redes: em um mundo construído em torno da lógica do espaço dos fluxos, as pessoas ganham a vida no espaço dos lugares.” (CASTELLS, 2013, p. XXIV-XXV).

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O espaço de fluxos é uma inovação da sociedade em rede que, nas palavras do sociólogo espanhol é assim definido: [...] nossa sociedade está construída em torno de fluxos: fluxos de capital, fluxos da informação, fluxos de tecnologia, fluxos de interação organizacional, fluxos de imagens, sons e símbolos. Fluxos não representam apenas um elemento da organização social: são expressão dos processos que dominam nossa vida econômica, política e simbólica. Nesse caso, o suporte material dos processos dominantes em nossas sociedades será o conjunto de elementos que sustentam esses fluxos e propiciam a possibilidade material de sua articulação em tempos simultâneo. Assim, proponho a ideia de que há uma nova forma espacial característica das práticas sociais que dominam e moldam a sociedade em rede: o espaço de fluxos. O espaço de fluxos é a organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que funcionam por meio de fluxos. Por fluxos, entendo as sequências intencionais, repetitivas e programáveis de intercambio e interação entre posições fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas econômicas, política e simbólica da sociedade. (CASTELLS, 2013, p. 501).

O espaço dos fluxos é composto por uma primeira camada material de circuitos e impulsos eletrônicos, infraestrutura de telecomunicação, computadores e uma segunda camada de nós ou centros de comunicação, que exercem funções estratégicas e irradiadoras. Há ainda uma terceira camada específica, referente à “organização espacial das elites gerenciais dominantes (e não das classes) que exercem as funções direcionais em torno das quais esse espaço é articulado” (CASTELLS, 2013, p. 504). A oposição do espaço de fluxos se dá diante do espaço historicamente estabelecido do espaço de lugares – que ainda ocupa o lugar majoritário da percepção dos sujeitos na sociedade. De acordo com Castells (2013, p. 512): “Um lugar é um local cuja forma, função e significado são independentes dentro das fronteiras da contiguidade física.” Os lugares não são espaços onde as relações de identidade necessariamente se estabelecem gerando uma comunidade, mas podem contribuir para isso – são as pessoas que realizam um julgamento de valor, com base na existência ou não de riquezas, interação social ou elementos que se definam na larga categoria de “boa vida”57.

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Castells é rico em exemplos, dos quais trago um: “As relações entre o espaço de fluxos e o espaço de lugares, entre globalização e localização simultâneas não implicam um resultado determinado. Por exemplo, Tóquio passou por grande processo de reestruturação urbana durante os anos 80 para fazer jus a seu papel de “cidade global”, processo totalmente documentado por Machimura. O governo da cidade, sensível ao já arraigado medo japonês de perda de identidade, acrescentou à sua política de reestruturação voltada para os negócios uma política pra formação de imagem, exaltando as virtudes de Edo, nome antigo de Tóquio no período pré-Meiji. Foi aberto um musei histórico (Edo-Tóquio Hakubutsakan) em 1993, publicou-se uma revista de relações públicas e organizaram-se exposições regulares. Como escreve Machirmura, ‘Embora essas visões pareçam seguir em direções totalmente

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A experiência dos indivíduos se dá, ainda e preponderantemente, através dos lugares, contudo, a dinâmica do poder da sociedade em rede se dá através dos fluxos, alterando a dinâmica e a significação dos lugares. Experiência e poder se dissociam, e assim experiência e conhecimento se dissociam, em uma tensão social que ameaça romper os canais de ligação social e de compartilhamento de cultura. Dois mundos que se comunicam, ainda, de forma precária. Exemplifico: pensemos na esquizofrenia dos debates virtuais comezinhos que não se transpõem para a realidade, agora ampliemos esses debates para os temas da cultura, do saber e da política – fica clara a dissociação. E o tempo, na sociedade em rede? Trata-se do que o sociólogo espanhol chama de “tempo intemporal”. Na mesma linha de Pontes de Miranda, seguindo o caminho aberto pela teoria social, física e biológica, Castells coloca o tempo como uma grandeza contextual, local. Na sociedade em rede, o que prevalece e especifica é a resistência ao tempo e a negação do mesmo58. Esse novo conceito do tempo está relacionado ao processo dominante da sociedade em rede que afeta todo o planeta, mas não está relacionado a todos os processos sociais, ou seja, a maioria das pessoas vivencia temporalidades diferentes, nos espaços de lugares – tal qual o espaço de fluxos, com o qual tem íntima ligação. O tempo é transformado pela simultaneidade e pela intemporalidade. Simultâneo pela redução da transmissão de informações através das tecnologias de comunicação e

diferentes, ambas procuram a redefinição da imagem ocidentalizada da cidade em estilos mais nacionais. Agora, a ‘niponização’ da cidade ocidentalizada oferece um contexto importante para o discurso sobre Tóquio, ‘a cidade global’, após o modernismo’. No entanto, os cidadãos de Tóquio não reclamavam somente da perda da essência histórica, mas da redução do espaço de sua vida cotidiana em função da lógica instrumental da cidade global. Um projeto simbolizava essa lógica: a comemoração da feira World City Fair em 1997, boa ocasião para construir outro grande complexo empresarial em área recuperada do Porto de Tóquio. As grandes construtoras ficaram gratas, e o trabalho já estava em curso em 1995. De repente, na eleição municipal de 1995, o comediante da televisão Aoshima lança-se como candidato independente sem o apoio de partidos políticos ou círculos financeiros, fazendo campanha com base em programas de um tópico só: cancelar a World City Fair. Ele ganhou a eleição por grande margem de votos e tornou-se prefito de Tóquio. Algumas semanas depois Aoshima cumpriu sua promessa de campanha e cancelou a feira, para o espanto da elite empresarial. A lógica local da sociedade civil estava alcançando a lógica global dos negócios internacionais e contradizendo-a.” (CASTELLS. 2013, p 517). 58 Esse tempo linear, irreversível, mensurável e previsível está sendo fragmentado na sociedade em rede, em um movimento de extraordinária importância histórica. No entanto, não estamos apenas testemunhando uma relativização do tempo de acordo com os contextos sociais ou, de forma alternativa, o retorno à reversibilidade temporal, como se a realidade pudesse ser inteiramente captada em mitos cíclicos. A transformação é mais profunda: é a mistura de tempos para criar um universo eterno que não se expande sozinho, mas que se mantém por si só, não cíclico, mas aleatório, não recursivo, mas incursor: tempo intemporal, utilizando a tecnologia pra fugir dos contextos de sua existência e para apropriar, de maneira seletiva, qualquer valor que cada contexto possa oferecer ao presente eterno.” (CASTELLS, 2013, p. 526).

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multimídia, misturando os gêneros de mídia num horizonte de significação aberto. De acordo com Castells (2013, p. 553): [...] o “fazer” história pode ser diretamente testemunhado, desde que seja considerado suficientemente interessante pelos controladores da informação. Também, a comunicação mediada por computadores possibilita o diálogo em tempo real, reunindo pessoas com os mesmos interesses em conversa interativa multilateral, por escrito. Respostas adiadas pelo tempo podem ser superadas com facilidade, pois as novas tecnologias de comunicação oferecem um sentido de instantaneidade que derruba as barreiras temporais, como ocorreu com o telefone mas, agora, com maior flexibilidade, permitindo que as partes envolvidas na comunicação deixem passar alguns segundos ou minutos, para trazer outra informação e expandir a esfera de comunicação sem a pressão do telefone, não adaptado a longos silêncios.

A intemporalidade, por outro lado, está relacionada à característica da cultura da rede do hipertexto multimídia59 que modela mentes e cultura através do processo educacional. Nas palavras do sociólogo espanhol, o tempo intemporal: ocorre quando as características de um dado contexto, ou seja, o paradigma informacional e a sociedade em rede, causam confusão sistêmica na ordem sequencial dos fenômenos sucedidos naquele contexto. Essa confusão pode tomar a forma de compressão de fenômenos, visando à instantaneidade, ou então de introdução de descontinuidade aleatória na sequencia. A eliminação da sequencia cria tempo não-diferenciado, o que equivale à eternidade. (CASTELLS, 2013, p. 556)60.

O que é preciso reter aqui é a interconexão entre tempo e espaço. A relação entre tempo intemporal e espaço de fluxos e a sua dissociação e choque com o espaço dos lugares. Na teoria da sociedade de Pontes de Miranda, tal choque seria caso de crescente produção de energia violenta e, na falta de atuação de processos sociais de adaptação para a conversão em energia civil, recrudescimento do quantum despótico. 59

De acordo com a Wikipédia, hipertexto: "remete a um texto, ao qual se agregam outros conjuntos de informação na forma de blocos de textos, palavras, imagens ou sons, cujo acesso se dá através de referências específicas, no meio digital são denominadas hiperlinks, ou simplesmente links. Esses links ocorrem na forma de termos destacados no corpo de texto principal, ícones gráficos ou imagens e têm a função de interconectar os diversos conjuntos de informação, oferecendo acesso sob demanda as informações que estendem ou complementam o texto principal. O conceito de "linkar" ou de "ligar" textos foi criado por Ted Nelson nos anos 1960 e teve como influência o pensador francês Roland Barthes, que concebeu em seu livro S/Z o conceito de "Lexia", que seria a ligação de textos com outros textos. Em termos mais simples, o hipertexto é uma ligação que facilita a navegação dos internautas. Um texto pode ter diversas palavras, imagens ou até mesmo sons, que, ao serem clicados, são remetidos para outra página onde se esclarece com mais precisão o assunto do link abordado. O sistema de hipertexto mais conhecido atualmente é a World Wide Web, no entanto a Internet não é o único suporte onde este modelo de organização da informação e produção textual se manifesta.” Disponível em: . Acessado em: 06 de maio de 2015. 60 Manuel Castells cita exemplos do conceito explanado: “Transações de capital realizadas em fração de segundos, empresas com jornadas de trabalho flexível, tempo variável de serviço, indeterminação do ciclo de vida, busca da eternidade por intermédio da negação da morte, guerras instantâneas e cultura do tempo virtual [...]” (CASTELLS, 2013, p. 556).

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3.2. A revolução – Da rede ao ser A estrutura da rede permeia toda a sociedade, a sociedade é a rede. Isso quer dizer que não só as empresas, a ciência ou a inovação apresentam essa estrutura. Não é só o mercado de capitais que se estabelece numa estrutura em teia de múltiplos nós, como abordei anteriormente. Atividades ilícitas também se organizam a partir da noção de rede: o uso da Internet, especialmente na chamada deep web, para atividades criminosas é amplo e, de certa maneira, irrestrito e não rastreável61. Um exemplo interessante dos desdobramentos e da dinâmica criminosa associada à deep web pode ser encontrado na descrição do modus operandi da máfia de secondigliano feita por Roberto Saviano em Gomorra62. Em tempos de reorganização social, ou melhor, de contínua reorganização social, não é incomum que forças resistivas se apresentem: de um lado a força globalizante da Rede e de outro a força das identidades do Ser, que se organiza em torno dos elementos primários – etnia, nação, território, religião. A “oposição bipolar entre a Rede e o Ser” (CASTELLS, 2013, P. 41), não está muito longe das forças de tensão explicitadas por Pontes de Miranda na década de 20 do século passado. E, como dito

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A deep web não é indexada nos mecanismos de busca e, em que pese os poderosos e eficientes filtros técnicos dos Estados, como o do governo americano, a ordem de diferença entre a deep web e a web de superfície transforma a atividade de filtragem em verdadeiro desafio. O debate jurídico brasileiro sobre o tema é, no mínimo, ridículo. O judiciário nacional está completamente despreparado para lidar com as atividades criminosas transversais na rede mundial de computadores: “Mike Bergman, founder of BrightPlanet and credited with coining the name, said that searching on the internet today can be compared to dragging a net across the surface of the ocean: a great deal may be caught in the net, but there is a wealth of information that is deep and therefore missed. Most of the web's information is buried far down on sites, and standard search engines do not find it. Traditional search engines cannot see or retrieve content in the deep web. The portion of the web that is indexed by standard search engines is known as the surface web. As of 2001, [needs update] the deep web was several orders of magnitude larger than the surface web. An analogy of an iceberg has frequently been used to represent the division between surface web and deep web respectively. The deep web is a separate entity from the dark internet, which is made up of computers that can no longer be reached via the internet. Also, the Darknet — ambiguously known as Dark Web — which consists of various anonymizing networks like Tor and the resources that they provide access to, is not synonymous with the deep web, but is a subsection of it. Although much of the deep web is innocuous, some prosecutors and government agencies, among others, are concerned that the deep web is a heaven for serious criminality.” (Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Deep_Web. Acessado em 06 de maio de 2015, grifo meu). 62 Saviano descreve, numa das páginas, parte de um processo globalizado, distribuído em nós de uma trama global com funções bem delineadas: “Em Nápoles são descarregadas quase exclusivamente mercadorias provenientes da china: 1.600.000 toneladas. O registrado. Pelo menos outro milhão passa sem deixar rasto. [...] Cada contêiner é regularmente numerado, mas há muitos com a mesma numeração. Assim, um contêiner inspecionado batiza todos os seus homônimos ilegais. Aquele que na segunda-feira é descarregado, na quinta-feira pode ser vendido em Modena ou Gênova ou acabar nas vitrines de Bonn e Munique. Boa parte da mercadoria distribuída no mercado italiano deveria estar em trânsito, mas os passes de mágica das alfândegas permitem que esse trânsito se torne o ponto final. A gramática das mercadorias tem uma sintaxe para os documentos e outra para o comércio.” (SAVIANO, 2009, p. 18).

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anteriormente, é justamente na falha dos processos adaptativos que explode a energia violenta, elevando o despotismo social. Nesse processo, a fragmentação social se propaga, à medida que as identidades se tornam mais específicas e cada vez mais difíceis de compartilhar. A sociedade informacional, em sua manifestação global, é também o mundo de Aum Shinrikyo (a seita Verdade Suprema), da Milícia Norte-americana, das ambições teocráticas islâmicas/cristãs e do genocídio recíproco de hutus e tutsis. (CASTELLS, 2013, p. 41).

É o que observo, por exemplo, na crescente disposição de energia violenta da sociedade brasileira. Se a geração de energia social não é transformada em energia civil, ela descambará em energia violenta. Ou na crescente cooptação do Estado brasileiro pelos interesses de grupos religiosos e na produção de energia violenta das disputas com as minorias sociais. A interpretação científica mecanicista de Pontes de Miranda tem valor didático e plástico, como bem colocou Djacir Menezes, aproveitável. Manuel Castells parece partir de um mesmo projeto de ação condicionada à ciência, tendo a seu favor a decantação que o tempo promoveu nas ideologias das épocas63. Esse processo de tensão também envolverá o destino que as sociedades darão ao uso da tecnologia que tem ao seu alcance e qual o investimento farão na retroalimentação tecnológica via pesquisa e desenvolvimento. A tecnologia não determina as sociedades, mas absorve o potencial transformador delas para acelerar seu movimento ou empecer o mesmo. A sociedade em rede supera o paradigma do desenvolvimento industrial para adotar procedimentos diferenciados de atuação sobre a matéria (noção econômica): é o modo de desenvolvimento informacional, ou seja, a fonte de produtividade da sociedade em rede, ou informacional, está concentrada na tecnologia de geração de conhecimento e processamento de informação e comunicação de símbolos (CASTELLS, 2013, p. 53). O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de conhecimentos e informação, mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação para a geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre inovação e seu uso. [...] O ciclo de realimentação entre a introdução de uma nova tecnologia, seus usos e seus desenvolvimentos em novos domínios torna-se muito mais rápido no novo paradigma tecnológico. Consequentemente, a difusão da 63

“O projeto inspirador deste livro nada contra correntes de destruição e contesta várias formas de niilismo intelectual, ceticismo social e descrença política. Acredito na racionalidade e na possibilidade de recorrer à razão sem idolatrar sua deusa. Acredito nas oportunidades de ação social significativa e de política transformadora, sem necessariamente derivar para as corredeiras fatais de utopias absolutas. [...]” (CASTELLS, 2013, p. 41)

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tecnologia amplifica seu poder de forma infinita, à medida que os usuários apropriam-se dela e a redefinem. As novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos. [...] Há, por conseguinte, uma relação muito próxima entre os processos sociais de criação e manipulação de símbolos (a cultura da sociedade) e a capacidade de produzir e distribuir bens e serviços (as forças produtivas). Pela primeira vez na história, a mente humana é uma força direta de produção, não apenas um elemento decisivo no sistema produtivo. (CASTELLS, 2013, p. 69).

3.3. A tecnologia da informação Devo me deter brevemente sobre o que é a tecnologia da informação que afeta de forma tão fundamental a sociedade em rede. Dentro deste mesmo ponto farei uma breve incursão sobre o “informacionalismo” que corresponde ao aspecto econômico dessas influências. A tecnologia da informação está inserida num contexto histórico bastante específico: desenvolve-se a partir de uma interface de associação entre a “macropesquisa e grandes mercados desenvolvidos pelos governos, por um lado, e a inovação descentralizada estimulada por uma cultura de criatividade tecnológica e por modelos de sucessos pessoais rápidos, por outro [...]” (CASTELLS, 2013, p. 107). Essa interface pode ser chamada, também, de Big Science. O novo paradigma informacional é específico em uma série de pontos. A sua matéria-prima é a informação e as tecnologias criadas buscam agir sobre a informação. Tais tecnologias penetram por todos os domínios da vida humana, adaptando e modelando nosso cotidiano, inclusive quanto à topologia da sociedade – “rede”, que por sua vez é flexível, reconstituível, reconfigurável e altamente integrável 64. É justamente dessas características que a tecnologia da informação retira sua força como imperativo da ação. Ao apresentar um paradigma diferente do paradigma típico da modernidade, ela fratura o pensamento de necessidade de “clausura” sistemática. A rede permite ao sistema manter-se aberto, com possibilidade de múltiplos acessos: exposição não é mais insegurança para o sistema – não era outro o objetivo dos projetos iniciais da Internet do governo americano para o caso de ataque nuclear por parte da URSS.

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“[...] devemos evitar um julgamento de valores ligado a essa característica tecnológica. Isso porque a flexibilidade tanto pode ser uma força libertadora como também uma tendência repressiva, se os redefinidores das regras sempre forem os poderes constituídos.” (CASTELLS, 2013, p. 109).

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E o informacionalismo? Manuel Castells desenvolve uma perfunctória análise para descobrir qual o sentido específico do informacionalismo enquanto “nova economia”. Afinal, informação e conhecimento não são novidades nos processos produtivos, nem mesmo a sua fundamentalidade. O argumento do sociólogo espanhol é de que a descontinuidade é estabelecida a partir do momento em que a informação passa a ser produto65 e não insumo, apenas. Além disso, a generalização da produção e da administração baseadas em conhecimentos para toda a esfera de processos econômicos em escala global requer transformações sociais, culturais e institucionais básicas que, se considerarmos o registro histórico de outras revoluções tecnológicas, levarão um certo tempo. É por isso que a economia é informacional, e não apenas baseada na informação, pois os atributos culturais e institucionais de todo o sistema social devem ser incluídos na implementação e difusão do novo paradigma tecnológico. (CASTELLS, 2013, p. 141).

A diferença da economia informacional e da economia industrial não coloca as duas em oposição: a primeira absorve a segunda através do avanço da tecnologia da informação, do conhecimento generalizado, da produção e distribuição. “[...] à economia industrial, restava tornar-se informacional e global ou, então, sucumbir.” (CASTELLS, 2013, p. 141). A economia global coloca todos os seus componentes em conexão em tempo real, a partir de uma infraestrutura de comunicação e de capital institucional e organizacional. O projeto da economia global é conhecido e os efeitos da estrutura em rede são perceptíveis a olhos descuidados: desregulamentação dos mercados, infraestrutura tecnológica, produtos financeiros globais específicos, movimentação especulativa de fluxos financeiros, atuação de instituições para balizar o mercado (“firmas de avaliação”). “A globalização dos mercados financeiros é a espinha dorsal da nova economia global” (CASTELLS, 2013, p. 147). De modo que devo observar e pontuar: a estrutura da rede e sua flexibilidade, também é um compromisso de estabilização. As práticas do mercado, os acordos multilaterais, os tratados, são estruturas sociais que constrangem os espaços de ação política dos governos impedindo-os de adotar tais ou quais medidas, sob pena de

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“[...] a empresa em rede concretiza a cultura da econômica informacional/global: transforma sinais em commodities, processando conhecimentos” (CASTELLS, 2013, p. 233).

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receber o rechaço dos setores controladores dos nós da rede (entre os quais: G8, OCDE, OTAN entre outros, cada qual com sua temática)66. Dentro da nova economia, novas formas de organizações surgem, dentre as quais a empresa em rede. Mais do que transformação tecnológica, as empresas – inicialmente nos EUA, Japão e Suécia – tiveram que se adequar a uma mudança operacional gerada pela tecnologia da informação. A presença das redes telefônicas, de computadores e, posteriormente, banda larga, liberaram as empresas para inovar em protocolos – inserindo-as no espaço dos fluxos e fraturando o espaço dos lugares. A empresa em rede é “aquela forma específica de empresa cujo sistema de meios é constituído pela intersecção específica de segmentos de sistemas autônomos de objetos” (CASTELLS, 2013, p. 232) e cuja conectividade sem ruídos entre esses segmentos e a coerência entre os interesses dos componentes atue com eficácia adequada. A empresa em rede está inserida na cultura do virtual e sua fluidez. Uma estratégia de cristalização de um lugar na rede é a certeza de obsolescência diante do sistema na qual a rede está inserida – rede em redes. “O ‘espírito do informacionalismo’ é a cultura da ‘destruição criativa’ [...] Schumpeter encontra-se com Weber no espaço cibernético da empresa em rede.” (CASTELLS, 2013, p. 258). O modelo da nova economia é um modelo de pura desordem? Não é o que pensa Manuel Castells (2013, p. 254): O poder ainda existe, mas é exercido de forma aleatória. Os mercados ainda negociam, mas os cálculos exclusivamente econômicos são dificultados por sua dependência de equações insolúveis determinadas por numero excessivo de variáveis. A mão do mercado que economistas institucionais tentaram tornar visível voltou à invisibilidade. Desta vez, no entanto, sua lógica estrutural não apenas é governada pela oferta e procura, mas também influenciada por estratégias ocultas e descobertas não reveladas representadas nas redes globais de informação.

Venço esta etapa “infraestrutural”, uso a expressão apesar de considerá-la equívoca, para descer mais um nível, como que graduando uma mesma lente, uma

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“Esse padrão de segmentação caracteriza-se por um movimento duplo: de um lado, segmentos valiosos dos territórios e dos povos estão ligados nas redes globais de geração de valor e de apropriação de riquezas; por outro lado, tudo, e todos, que não tenha valor, segundo o que é valorizado nas redes, ou deixar de ter valor, é desligado das redes e finalmente, descartado. [...] O novo sistema econômico é, ao mesmo tempo, bem dinâmico, seletivo, exclusionário, instável dentro de seus limites. Alimentado por novas tecnologias de comunicações e informática, as redes de capital, produção e comércio estão aptas a identificar fontes de geração de valor em qualquer parte do mundo e vinculá-las” (CASTELLS, 2013, p. 175-176).

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mesma camada de trabalho. Agora, será preciso ingressar no campo da cultura específica desse modelo de sociedade para, então, analisar a galáxia da Internet. 3.4. A cultura da virtualidade real A cultura da virtualidade real é a superação do modelo de mídia praticado na era da televisão, que por sua vez superou a era do rádio. Quando eu discuto a virtualidade real eu preciso discutir o paradigma da mídia de massa e o seu alcance, nos moldes feitos por Manuel Castells. O argumento principal do sociólogo espanhol, respaldado em uma série de pesquisas, é que a passividade da audiência da mídia de massa e o poder dos controladores da mídia não são, respectivamente, tão passiva; nem tão poderoso. A cultura de massa é um fator, considerável, é verdade, mas em competição com outros, na sociedade. No caso do paradigma televisivo, essa cultura se reduz ao “estar ou não estar”. Desde que uma mensagem esteja na televisão, ela poderá ser modificada, transformada ou mesmo subvertida. Mas em uma sociedade organizada em torno da grande mídia, a existência de mensagens fora da mídia fica restrita a redes interpessoais, portanto desaparece do inconsciente coletivo. (CASTELLS, 2013, p. 421).

A relação entre a mídia e a cultura é reflexiva – e o nosso aparelho cognoscitivo fica no meio desse processo, conduzindo-o e sendo conduzido por ele. Ao mesmo tempo em que os sujeitos interagem com as mídias que são propostas pelos meios de comunicação, estes afetam a experienciação real dos sujeitos, das nossas vidas e o funcionamento do nosso cérebro67. A realidade virtual supera a secção paradigmática entre o escrito e o visual, entre a tipografia e o sensorial através da integração eletrônica e nos sistemas multimídia. É um tipo específico de sistema em que a própria realidade (ou seja, a experiência simbólica/material das pessoas) é inteiramente captada, totalmente imersa em uma composição de imagens virtuais no mundo do faz-de-conta, no qual as aparências não apenas se encontram na tela comunicadora da experiência, mas se transformam na experiência. (CASTELLS, 2013, p. 459, grifo meu). 67

“Contudo, a diversificação dos meios de comunicação, devido às condições de seu controle empresarial e institucional, não transformou a lógica unidirecional de sua mensagem nem realmente permitiu o feedback da audiência, exceto na forma mais primitiva das relações de mercado. [...] A televisão precisou do computador para se libertar da tela. Mas seu acoplamento, com consequenciais potenciais importantíssimas para a sociedade em geral, veio após um longo desvio tomado pelos computadores para serem capazes de conversar com a televisão apenas depois de aprender a conversar entre si. Só então, a audiência pôde se manifestar.” (CASTELLS, 2013, p. 427).

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De acordo com Castells, a virtualidade real enfraquece os processos sociais tradicionalmente codificados, entre eles, religião, moral, autoridade, ideologia política – processos descritos por Pontes de Miranda e que possuem um critério (código?) binário de atuação. “[...] são enfraquecidos a menos que se recodifiquem no novo sistema, onde seu poder fica multiplicado pela materialização eletrônica dos dados transmitidos eletronicamente [...]68” (CASTELLS, 2013, p. 461) A virtualidade real é a cultura do espaço de fluxos, no qual o tempo intemporal impera e o imaginário se transforma em realidade. 3.5. A Galáxia da Internet no Espaço Sideral da Sociedade em Rede A “galáxia da internet” é o meu grande objeto de observação, ainda que a restrição final da cadeia de lentes descambe em um problema dogmático referente aos direitos autorais. Dentro da sociedade em rede, a Internet é aquela tecnologia com maior potencial para expansão e absorção pela sociedade e pelas pessoas. Ela se confunde com a própria estrutura da sociedade em rede: a Internet é a Gestalt da rede. A Internet, em que pese problemas de coordenação e dispersão de informações – a “big data” –, é o solo fértil em que se desdobram atividades econômicas, culturais, políticas e científicas do presente. A rede de computadores hoje concorre diretamente como estrutura de relacionamento entre sujeitos, fonte de informação e local de captura de capital humano. A desordem que prejudica os processos de coordenação da Internet é resultado direto de seu projeto como tecnologia da liberdade. A história desse projeto começa em 1962, com os trabalhos da Advanced Research Projects Agency (ARPA) do Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América, especificamente no Information Processing Techniques Office (IPTO), departamento responsável por pesquisar estruturas de comunicação entre computadores na época da Guerra Fria. O resultado desse trabalho foi a ARPANET (CASTELLS, 2003, p. 14). Não descreverei em pormenores a história da criação da Internet neste trabalho, tendo em vista as limitações do mesmo e os objetivos a que se propõe. O processo que foi deflagrado em 1962, ganhou reforços constantes com absorção de tecnologia e 68

Castells (2013, p. 461-462) cita alguns exemplos: “as redes de pregadores eletrônicos e as redes de fundamentalistas interativas representam uma forma mais eficiente e penetrante de doutrinação em nossas sociedades do que a transmissão pelo contato direto da distante autoridade carismática. No entanto, tendo de admitir a coexistência terrena de mensagens transcendentais com pornografia sob demanda, novelas e linhas de bate-papo dentro do mesmo sistema, os poderes espirituais superiores ainda conquistam almas, mas perdem o status de supra-humanos.”.

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pessoal nos anos subsequentes: é caso, por exemplo, do protocolo de controle de transmissão (TCP) de Vint Cerf, Robert Metcalfe entre outros, em 1973; do desdobramento do TCP, em TCP-IP, por Cerf, Dave Crocker e Jon Postel, em 1978; a liberação e abertura de setores da ARPANET, agora ARPANET-INTERNET, em 1983 ou, por fim, o desenvolvimento do Linux, por Linus Torvalds, em 1991, que se tornou a base dos servidores da world wide web69. Desse processo histórico de criação da Internet, o que importa reter é a combinação, já mencionada anteriormente, sintetizada na expressão Big Science. Ou seja: a segurança de recursos massivos que só o Estado pode fornecer e a pesquisa objetiva sem tolhimento de liberdade de pensamento e inovação. “Foi na zona ambígua dos espaços ricos em recursos e relativamente livres criados pela ARPA, as universidades, centros de estudos inovadores e grandes centros de pesquisa que as sementes da Internet foram cultivadas.” (CASTELLS, 2003, p. 24). Esse contexto social moldou o “código base” da Internet, enquanto tecnologia. Ainda hoje, tanto tempo depois, existem setores e organizações que lutam ativamente pela manutenção do pensamento dos criadores e fundadores da rede mundial. Em que pese o ataque das estruturas políticas tradicionais, dos movimentos de ilegalidade, da cooptação e lobby, a Internet parece ter estabelecido – não sem luta, e não de forma segura e eterna – um local estável dentro do funcionamento da sociedade contemporânea. 3.5.1. Decompondo a galáxia O conjunto de valores do código da internet pode ser descrito pela divisão da cultura da rede mundial de computadores em quatro camadas: tecnomeritocrática, hacker, comunitária virtual e empresarial. A primeira camada, tecnomeritocrática, acredita que a ciência permite o desenvolvimento da própria humanidade. Avançando a tecnologia, avançará a sociedade. Seus membros sobrevalorizam a descoberta tecnológica e tal descoberta é relativa enquanto solução diante de um contexto problemático apresentado pela comunidade de experts – os pares avaliam o trabalho e validam o pertencimento uns dos outros e só assim é que são reconhecidos como autoridades. Acima dos pares, estão figuras de renome, como os fundadores da Internet – é o caso de Robert Kahn e Vint

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Essa história é bem descrita por Manuel Castells, em A Galáxia da Internet (2003).

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Cerf. A comunidade serve à comunidade e não, ao menos diretamente, aos interesses pessoais dos participantes. A segunda camada, hacker, está relacionada ao uso de conhecimentos informáticos na programação criativa e no aperfeiçoamento técnico, com relações muito próximas ao movimento de liberalização – “movimento do software gratuito”, por exemplo. A Free Software Foundation (FSF) de Richard Stallman representa importante instituição dessa camada da cultura da internet70. A cultura hacker se pauta pela exposição do engenho, pelo reconhecimento da habilidade e pela gratificação envolvida no fornecimento de um objeto de trabalho inovador – o que garante um status na comunidade, excluindo, taxativamente, dinheiro, autoridade ou fama entre leigos. Tal qual a primeira camada cultural da internet, a camada hacker possui uma série de valores e costumes informais que comandam a atuação e comportamento dos seus membros. A terceira camada da internet, referente às comunidades virtuais, alcança aqueles usuários que passaram a se reunir em fóruns (boards) e chats temáticos que, em primeiro momento, tentaram simular verdadeiras “aldeias virtuais de contracultura” com comunicação livre e horizontal. Essa terceira camada se expandiu para se tornar a camada dos “usuários” como entendida hoje. É, sem dúvida, a camada que envolve maior número de indivíduos em terminais. A terceira camada evoluiu dos fóruns de navegadores, redes mIRC e chats online para as redes sociais como concebemos hoje com a explosão e império do Facebook e resistência funcional do Twitter71. A quarta camada é a dos empresários. Essa camada está atrelada à inovação voltada para o mercado com vistas a ganhos financeiros em velocidades crescentes e em

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“A FSF patrocina o Projeto GNU (um esforço contínuo para fornecer um sistema operacional completo e licenciado como software livre) e detém direitos autorais sobre uma grande proporção do sistema operacional GNU e outros softwares livres. Esta atitude visa defender o software livre dos esforços em torná-lo proprietário. Todos os anos a FSF coleta milhares de atribuições de direitos autorais de desenvolvedores e corporações que trabalham com software livre. A FSF registra os direitos autorais em um escritório de direitos autorais dos EUA e faz cumprir a licença sob a qual o software foi distribuído, normalmente a GNU General Public License. Isto é feito para garantir que os distribuidores de software livre respeitem a obrigação de garantir a liberdade a todos os usuários em compartilhar, estudar e modificar o código-fonte do software. A FSF realiza este trabalho por meio da FSF Free Software Licensing and Compliance Lab, que foi formalizada em dezembro de 2001” Disponível em: . Acessado em: 06 mai. 2015. 71 COSTA (2005) estabelece uma necessária reflexão sobre os laços estabelecidos nas redes sociais. Na mesma linha de Castells, ele percebe que não só os laços pessoais não se desfizeram diante da rede mundial de computadores, como os laços da internet são laços específicos ampliando o cabedal de experiências intersubjetivas dos sujeitos. Mas para isso seria necessário abandonar um conceito idealista de comunidade, que não tem correspondência fática.

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valores absurdos. Esta camada tem outras características interessantes, como a exaltação do trabalho excessivo, do consumo supérfluo e do controle do futuro. Enquanto investidores financeiros tentam ganhar dinheiro prevendo o comportamento futuro do mercado, ou simplesmente apostando nele, os empresários da Internet vendem o futuro porque acreditam poder fazê-lo. Confiam em seu know-how tecnológico para criar produtos e processos que, estão convencidos, conquistarão o mercado. (CASTELLS, 2003, p. 50).

Manuel Castells (2013, p. 191-192) ainda indica quatro tipos de empresas que, não estando situadas, necessariamente na quarta camada da cultura da internet, atuam com o mercado da web: as empresas que oferecem infraestrutura (telecomunicações, provedores, backbones, equipamentos de rede), empresas que criam aplicativos de infraestrutura para a internet, empresas que geram receita de publicidade, afiliação e comissão via Internet e empresas que realizam transações econômicas pela web. A cultura da Internet tem outros e complexos desdobramentos. As quatro camadas não reduzem as possibilidades de acesso e produção de conteúdo e as consequências dessa abertura da rede. Mencionei anteriormente, em nota de rodapé, sobre a sociabilidade na Internet e sobre as possibilidades de sociabilidade das redes sociais, especialmente na terceira camada da cultura da Internet. Em resumo, a posição das pesquisas às quais me referi é exposta por Castells (2003, p. 108-110): [As pesquisas] parecem indicar que a Internet é eficaz na manutenção de laços fracos, que de outra forma seriam perdidos no cotejo entre o esforço pra se envolver em interação física (inclusive interação telefônica) e o valor da comunicação. [...] A Internet parece também desempenhar um papel positivo na manutenção de laços fortes à distância. [...] Não só o e-mail fornece um instrumento fácil para “estar ali” à distância, como torna mais fácil marcar presença sem se envolver numa interação mais profunda para a qual não se dispõe de energia emocional naquele dia. [...] Assim, não é a Internet que cria um padrão de individualismo em rede, mas seu desenvolvimento que fornece um suporte material apropriado para a difusão do individualismo em rede como a forma dominante de sociabilidade. [...] As redes on-line, quando se estabilizam em sua prática, podem formar comunidades, comunidades virtuais, diferentes das físicas, mas não necessariamente menos intensas ou menos eficazes na criação de laços e na mobilização. [...] Essas tendências equivalem ao triunfo do individuo, embora os custos para a sociedade ainda sejam obscuros.

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Em termos de teoria ponteana, esse cálculo merece reflexão. Se a regra geral é que a adaptação caminha do individualismo para a sociabilidade, o fortalecimento do individualismo através da internet é uma situação-problema72. A resposta provavelmente passa pela atuação dos movimentos sociais organizados na web, utilizando-a como instrumento e ambiente de construção de identidades. O uso da web envolve a discussão sobre a governança digital73 da rede, assim como sobre as tecnologias de controle. Mas não me deterei nestes temas, que merecem estudo dedicado, espaço e atenção do leitor. Só a título de curiosidade, também quanto a este tema, e na esteira do que este trabalho vem demonstrando, é possível desdobrar a episteme ponteana, associada ao marco castelliano. Todavia, este não é objeto menor, ou específico, que usarei como exemplo aqui. 3.5.2. Decompondo a Galáxia em [Poucos] Dados Gostaria de me deter agora em dados, diferentes dos utilizados pelos autores que me referi até aqui em suas pesquisas. Com isso pretendo escapar, relembrando meu marco retórico, à armadilha na qual se meteu Pontes de Miranda: dizer e não fazer, ou seja, trabalhar com dados e não mostrá-los. Farei uma referência breve aos relatórios apresentados pelo ITU e pelo CGI.BR sobre as tecnologias da informação mundial e brasileira. Vamos a eles.

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Devo fazer um alerta ao leitor: a observação de 2003 de Castells é parcial. Tanto o é que os laços possíveis efetivados pela internet dão vazão à possibilidade de fortalecimento dos movimentos sociais através da rede mundial de computadores. Essa é a única incursão que farei no tema, dentro desta monografia, com uma observação do mesmo autor, dez anos depois: “Embora os movimentos tenham em geral sua base no espaço urbano, mediante ocupações e manifestações de rua, sua existência contínua tem lugar no espaço livre da internet. Por serem uma rede de redes, eles podem dar-se ao luxo de não ter um centro identificável, mas ainda assim garantir as funções de coordenação, e também de deliberação, pelo inter-relacionamento de múltiplos núcleos. Desse modo, não precisam de uma liderança formal, de um centro de comando ou de controle, nem de uma organização vertical, para passar informações ou instruções. Essa estrutura descentralizada maximiza as chances de participação no movimento, já que ele é constituído de redes abertas, sem fronteiras definidas, sempre se reconfigurando segundo o nível de envolvimento da população em geral. Também reduz a vulnerabilidade do movimento à ameaça de repressão, já que há poucos alvos específicos a reprimir, exceto nos lugares ocupados; e a rede pode se reconstituir enquanto houver um número suficiente de participantes, frouxamente conectados por seus objetivos e valores comuns. A conexão em rede como modo de vida do movimento protege-o tanto dos adversários quanto dos próprios perigos internos representados pela burocratização e pela manipulação.” (CASTELLS, 2013, p. 129). Talvez o individualismo em rede esteja sendo compensado pela adaptação. Talvez, a título de hipótese bastante precária, Pontes de Miranda tenha alguma razão na alusão ao equilíbrio dinâmico. 73 O TIC GOVERNO ELETRÔNICO – 2010 do CGI.BR (BARBOSA, 2010, p. 27-8) elencou uma série de dados sobre a questão do uso da rede e da governança no Brasil: a internet é o segundo canal de comunicação para a resolução de problemas com os governos que os cidadãos usam e o primeiro das empresas; o potencial para o crescimento do e-Gov no Brasil é grande; não existe educação quanto aos serviços disponíveis para uso; os serviços disponíveis requerem melhoria.

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De acordo com a International Telecommunication Union, através do relatório “Measuring The Information Society”, mais e mais pessoas se juntam à sociedade global e às redes de comunicação em alta velocidade. Estimou-se que teríamos, no fim de 2013: 6.8 bilhões de contas de celulares; 2,7 bilhões de pessoas acessando a rede mundial de computadores, ou seja, ainda teríamos 4,4 bilhões de pessoas desconectadas (ITU, 2013, p. 1). A exclusão da rede ainda é uma realidade, mas, como os dados parecem indicar, o acesso pela internet móvel, é a grande porta de entrada nos países em desenvolvimento e nas classes de menor poder aquisitivo74.

Fonte: ITU World Telecommunication/ICT Indicators database

O volume de tráfego na rede cresceu em média 70% em 2012, o que corresponderia a doze vezes o total do tráfego do ano 2000. Metade desta marca foi atingida com vídeos (ITU, 2013, p. 3). É também importante verificar a situação dos consumidores e seus domicílios. De acordo com a ITU (2013, p. 7), o acesso à Internet cresce em todas as regiões do globo, mas as diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento continuam – a disparidade é gritante: uma taxa de penetração de 80% nos primeiros e 28% nos últimos. Os países em desenvolvimento saíram de um patamar de acesso à Internet nos lares de 12%, em 2008, para os 28% do relatório 2013 – uma taxa de crescimento de 18% ao ano.

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“By the end 2012, the percentage of the world’s population covered by a 3G network was around 50 per cent.” (ITU, 2013, p. 1)

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Fonte: ITU World Telecommunication/ICT Indicators database

A International Telecommunication Union ainda realizou uma série de pesquisas acerca das gerações mais novas e o uso que fazem da Internet, especificamente quanto à facticidade do conceito dos “nativos digitais”, ou seja, daqueles que estão plenamente ambientados ao funcionamento da rede mundial de computadores. De acordo com o modelo de projeção utilizado no relatório MIS 2013, em 2012 havia cerca de 363 milhões de nativos digitais, o que equivale a, aproximadamente, 5,2% da população mundial e 30% da população entre 15-24 anos de idade (ITU, 2013, p. 156). Os dados importam para situar o descompasso no desenvolvimento desigual da sociedade em rede – mostrando como as observações de Castells, feitas na década de 90, ainda não foram superadas. Nos países em desenvolvimento, 53% dos jovens usuários da web não atingiram a qualificação de nativos digitais. Tal situação acarreta uma consequência importante: os nativos digitais, nos países em desenvolvimento, estão liderando os processos de uso da Internet. De acordo com o MIS 2013 (ITU, 2013, p. 157): Os nativos digitais estão impulsionando a utilização das tecnologias da informação em muitos dos países em desenvolvimento, na medida em que os jovens tem uma proximidade com o mundo online inconfundível se comparado com o resto da população. Como são os primeiros a utilizar, eles já estão concentrando habilidades, experiências e muitas das características distintas do nativo digital. A análise do modelo sugere que a melhora contínua das infraestruturas de TICs, em conjunto com um aumento no número de matriculas do ensino secundário e terciário, especialmente entre mulheres, são maneiras de aumentar ainda mais os níveis de nativismo digital. Se os jovens são realmente a ponta da lança do desenvolvimento digital do mundo em desenvolvimento, então isso é mais uma razão para se

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concentrar neles, aprender com eles e crescer com eles. (tradução livre)75

Diante desse brevíssimo panorama mundial, qual é o caso do Brasil? O relatório TIC 2012 do Comitê Gestor da Internet no Brasil traz dados condizentes com as observações da ITU/ONU. As desigualdades da sociedade em rede também são encontradas entre as regiões brasileiras, inclusive com a disparidade entre áreas urbanas e rurais, entre classes sociais diferentes entre outros fatores.

Fonte: BARBOSA, 2013. p 157

Enquanto nas regiões Sul e Sudeste a proporção de domicílios com computador fica acima da média nacional (55% e 54%, respectivamente) e no Centro-Oeste é igual à média (46%), nas regiões Norte e Nordeste são observadas proporções menores (30% e 31%, respectivamente). (BARBOSA, 2013, p. 157). Apesar de mais da metade dos brasileiros entrevistados declarar ter usado a Internet ao menos uma vez durante a vida, a faixa de concentração etária é maior entre os jovens entre 10 e 15 anos de idade. A pesquisa evidenciou, ainda, o aumento na frequência de uso do computador, um crescimento de 53% para 68% no período de 2008-2012. Ficou patente o aumento na frequência do uso da rede mundial, especialmente as redes sociais, e o crescimento dos dispositivos móveis de acesso (celulares, e hoje 75

No original: “Digital natives are driving ICT usage in many of the developing nations, insofar as young people are inimitably online relative to the population as a whole. As the early adopter, they are already concentrating skills and experience, and encapsulate many of the most distinct traits of the digital native. Analysis from the model suggests that sustained enhancement of ICT infrastructures, together with an increase in secondary and tertiary school enrolments, especially among females, are ways to boost levels of digital nativism even further. If young people are indeed the tip of the developing world’s digital spear, then this is all the more reason to focus on them, learn from them and grown with them.”

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podemos falar em tablets etc.). De acordo com o relatório, os domicílios apresentam a prevalência da televisão (98%) sobre os outros suportes de mídia – celular (88%), rádio (79%) e computadores, portáteis e tablets (46%). (BARBOSA, 2013, p. 156). Em 2012, o Brasil ainda não atingiu metade dos domicílios com acesso à internet (40%), com enorme descompasso entre área urbana (44%) e rural (10%) (BARBOSA, 2013, p. 159). Destes domicílios, 67% utiliza a banda larga fixa para o acesso à rede mundial de computadores. Além disso, a pesquisa mostra uma tendência de crescimento das velocidades das conexões nos lares brasileiros (BARBOSA, 2013, p. 162). Esse é o brevíssimo quadro de dados acerca da sociedade em rede e das tecnologias da informação no Brasil e no mundo.

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4. PRIMEIRA LENTE, CÓDIGO 2.0: PROPRIEDADE INTELECTUAL E INTERESSE PÚBLICO – FAZENDO CIÊNCIA DO DIREITO. Governos do Mundo Industrial, vocês gigantes enfadonhos de carne e aço, eu venho do espaço cibernético, o novo lar da Mente. Em nome do futuro, peço a vocês do passado que nos deixem em paz. Vocês não são bem-vindos entre nós. Vocês não tem soberania onde nos reunimos. John Barlow, 1996 (BARLOW, 2015) (tradução livre).

Durante este trabalho, eu desdobrei uma teoria da ciência do direito e da sociedade, contextualizei essa sociedade e, então, situei um objeto específico: a Internet. Nesta última lente me deterei em um problema dogmático, mas sem cair no dogmatismo racionalista. Com isso quero dizer que não me perderei entre comentários de artigos de leis, mas tomarei a lei com um dos dados que o cientista do direito deve levar em consideração ao analisar a sociedade e, especificamente, as relações jurídicas na busca do indicativo da ciência (verdade intrínseca) e, posteriormente, a sugestão para o imperativo normativo (verdade extrínseca). O conflito entre a propriedade intelectual, mais especificamente, o direito autoral e o interesse público, no ambiente da rede mundial de computadores, é só um dos diversos casos que desnuda a falência do modelo racionalista. A falência que eu alego pode ser vista com certo ceticismo, afinal, a sociedade “funciona”. Pontes de Miranda já alertou que a sociedade pode passar sem ciência do direito, mas ela não passa sem o direito. Estou ciente disso. O valor comparativo–adaptativo, ou melhor, o valor eficacial é base para as minhas considerações e também a regra matriz do projeto social ponteano: redução do despotismo, caminho do individualismo à socialização, aumento da felicidade geral. O direito sempre viveu às voltas com a realidade: afinal o direito é um processo de considerável valor estabilizante. Na era da informação, essa tensão direito e sociedade se intensifica (tradição x modernidade?) – fica ainda mais intensa quando o direito tem que lidar com a Internet; eu quero dizer com isso que esse contexto de crise de paradigmas, como já denunciava Ovídio Baptista (SILVA, 2006, p. 25), em Processo e Ideologia, ganha contrastes ainda mais acentuados. As categorias do direito privado e da ordem jurídica como um todo parecem não “dar conta” da realidade e a estabilização do processo de adaptação resta prejudicada.

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Nesse caldo de movimentações, de uma sociedade plural e complexa, ductilidade e liquidez aparecem e imperam antes do conhecimento científico. Não são ao acaso que “instrumentalidade das formas” e “dano moral” se tornaram categorias jurídicas nas quais “cabe tudo”. Da mesma forma, não é a toa que os juízes decidem com base no “panprinciologismo” e coisas do tipo. Esse problema que é técnico, também é científico76. O instituto jurídico em crise, neste trabalho, é a propriedade intelectual, especificamente, o direito autoral e a crise se referem à eficácia dúplice deste instituto para atuar: juridicamente e socialmente – a primeira pertence ao mundo do direito, e como tal, na linguagem utilizada no começo deste trabalho, está ligada ao Tratado de Direito Privado, a segunda, pertence ao mundo dos fatos, relacionada à eficácia do processo de adaptação social que não corresponde ao direito objeto e cuja comparação vis-à-vis é uma das funções do cientista do direito. Os bens protegidos pelo direito autoral tem uma característica específica se comparados a outros bens dentro do gênero da propriedade: o seu caráter de nãocompetitividade (LEMOS, 2005, p. 18). Isso quer dizer basicamente que o consumo do bem por parte de terceiro não agride o consumo realizado pelo proprietário: faticamente, se você ouve a música que eu compus, isso não irá degradar a música de modo a impedir que eu a escute ou faça uso dela. A lógica da propriedade dos bens competitivos é oposta à que expus logo acima. Antes da invenção da imprensa, o processo de regulação da propriedade intelectual era diverso, o fator custo (processo econômico: útil/inútil, como colocado por Pontes de Miranda) influenciava sobremaneira e não havia uma cultura social massificada em torno de bens intelectuais. A virada ocasionada pela prensa tipográfica transformou os bens nãocompetitivos em não-competitivos impuros pela compressão em suporte físico, permitindo sua apropriação e sua captura pelas estruturas sociais que atuavam sobre um

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Para Lemos (2005, p. 8) “são retomadas controvérsias e posicionamentos de um passado que se julgava superado; são propostas questões inéditas com base em critérios sociológicos, políticos e econômicos, que, de tão interdisciplinares, põem em risco a própria especificidade do direito.” Não é o caso do presente trabalho. O projeto ponteano de ciência do direito nunca fincou raízes. Restaria perguntar; o que é a especificidade do direito? O abstracionismo de um normativismo kelseniano que não foi compreendido pela maioria dos juristas? O legalismo exegético que ainda impera na prática forense, na qual se tenta “encaixar o caso à norma” e a sofisticação de milênios de construção do saber humano é jogada por terra diante de interpretação literal ou da discricionariedade dos assessores? Não pretendo responder essas perguntas, mas deixo-as no rol de outras tantas que este trabalho suscita.

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paradigma de coação sobre o mundo físico77. E sobre esse paradigma o direito moderno de propriedade foi erigido e se cristalizou. Com o advento das tecnologias da informação, o suporte físico desses bens foi relativizado pelo suporte digital e, com isso, a dimensão de competividade dos bens não-competitivos impuros retornou ao estado original, aproximando-os daquilo que Lawrence Lessig chama commons78. Mas antes de avançar, eu preciso explorar algumas questões: (i) quais os contornos dogmáticos dos direitos autorais no Brasil? (ii) o que é a tese e o alerta de Lawrence Lessig quanto à “regulação através do código”? (iii) a tensão entre interesse público (representado pela desordem da Internet) e o direito autoral (direito racionalista tradicional) é um caso específico de dissimetria que forçará o sistema a retornar ao equilíbrio dinâmico: é possível dar uma resposta satisfatória a este problema? Qual? Os direitos autorais estão inseridos na categoria maior da propriedade intelectual: são as normas de proteção às criações intelectivas e os desdobramentos econômicos como uso, circulação, produção dessas criações na forma de bens. Além dos direitos autorais, a propriedade intelectual engloba os cultivares, as marcas, patentes e softwares. No Brasil, o regime de direitos autorais é disciplinado pela Lei nº. 9.609/98, referentes aos softwares, e pela Lei nº. 9610/98, referentes aos direitos intelectuais propriamente ditos, sobre os quais eu irei me deter79. O objeto principal da proteção autoral é o estimulo e a proteção ao autor. O direito parte do pressuposto que a inventividade humana precisa de garantias e estimulo para que ela possa florescer e gerar frutos socialmente aproveitáveis. Quando falamos em proteção, a primeira imagem que vem à tona é a ideia de remuneração [...] [o direito] faz isso através da concessão de 77

Larsson (2011, p. 123) trata a questão como uma batalha de concepções (ou seriam paradigmas?): “Parts of the conflicts emanating from the legal regulation of copyright today can be described in terms of a battle of conceptions. The analogically-based conceptions regarding the importance of the control over reproduction of copies battles with digitally based conceptions regarding flow of media where copies in themselves are not of the same importance.” 78 “By ‘the Commons’ I mean a resource that anyone within a relevant community can use without seeking the permission of anyone else. Such permission may not be required because the resorce is not subject to any legal control (it is, in other words, in the public domais). Or it may not be required because permission to use the resource has already been granted. In either case, to use or to build upon this resource requires nothing more than access to the resource itself.” (LESSIG, 2006, p. 198, grifo meu). 79 Não discutirei a problemática de se colocar o software dentro das amarras do “direito autoral” no ordenamento jurídico brasileiro. Todavia é importante frisar que SOUZA (2005) discute as implicações desta distinção. Em nosso país, os softwares estão à cargo do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio, já os direitos intelectuais (autorais propriamente ditos) estão à cargo do Ministério da Cultura.

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uma exclusividade que é dada a esse autor. [...] uma proteção através da exclusão. O autor é protegido no sentido de que ninguém pode utilizar uma obra autoral sem a sua autorização prévia (porque tem ele exclusividade sobre o uso da obra)80. (SOUZA, 2005, p. 2).

A estratégia de proteção pela exclusão é expediente típico do modelo do direito racionalista criticado por Pontes de Miranda – essa abordagem já foi feita exaustivamente na primeira lente. A exclusão permite a integridade de um sistema lógico abstrato, mas subordina os fatos a tal sistema e não o oposto. Em contrapartida à função de proteção, o direito autoral executa uma função social de promoção do direito coletivo ao conhecimento (SOUZA, 2011, p. 665). A doutrina jurídica tradicional secciona, em categorias estanques, a primeira parte da função em “privada” e a segunda em “pública”. A essa altura entendo ter municiado o leitor com material suficiente para duvidar da dicotomia, mas tratarei disso explicitamente mais a frente. A função promocional é representada pelos artigos da Lei de direitos autorais (LDA) que fazem referência às limitações e exceções a tais direitos e à duração da proteção patrimonial dos direitos e dos direitos conexos - restrições intrínsecas (SOUZA, 2011, p. 665)81. Em contraponto, a doutrina nacional chamou de extrínsecas as restrições advindas de direitos outros, como o acesso à educação, direito à cultura, direitos do consumidor etc. São limitações cuja dicotomia também é suspeitosa, uma vez que o ordenamento é uma unidade lógica e interdependente – falo da validade e eficácia normativa, pois tratarei da eficácia social mais à frente. Souza (2011, p. 668) apresenta um exemplo: O “pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional”, exigido pelo artigo 215 da Constituição Federal deve ser um valor a ser buscado pela proteção autoral, e para tanto não basta o Estado promover políticas públicas orientadas para tal fim, mas também os particulares buscarem no exercício das prerrogativas concedidas pelo ordenamento jurídico atender a essa demanda de ordem social.

É interessante notar que, no quadro analisado por Carlos Affonso de Souza, o que cresceu não foi a harmonia entre os interesses, mas o privilégio de interesses 80

Da Lei 9.610/98: “Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou. [...] Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica. Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: I - a reprodução parcial ou integral; II - a edição; III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; [...]” (BRASIL, 2015, grifo meu) 81 Arts. 41, 46, 47, 48 e 96 da Lei 9.610/98.

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privados com ampla reação e resistência nos domínios da Internet – domínio ainda não atingido pelo poder estatal, ao menos até o momento em que escrevo estas palavras82. Este trabalho trata, justamente e em grande medida, da incapacidade da “ciência jurídica” como é praticada hoje, de lidar com a tensão entre o direito e a realidade social. A dissociação entre socialização do conhecimento e proteção racional individualista da propriedade permeia a sistematização do saber que construiu a dogmática autoralista brasileira. O projeto de proteção dos direitos patrimoniais é exemplo adequado: ao argumento de que a expectativa de vida dos autores aumentou em determinado momento histórico83, a proteção patrimonial foi estendida de quarenta para setenta anos84. Analisando essa questão e a conformação do direito autoral ao regime constitucional brasileiro, Souza (2011, p. 676) afirma que: O sucessivo prolongamento do direito de exclusividade tem o efeito nocivo de fazer com que as obras que ingressem no domínio público estejam muito afastadas em termos temporais, mas também de estilo, forma e qualidade de reprodução, relativamente à produção cultural contemporânea. Esse distanciamento crescente entre o que ingressa no domínio público e as novas audiências que poderiam dessas obras se beneficiar termina por gerar um desinteresse generalizado pelo conjunto de obras que finalmente tem esgotado o prazo de proteção dos direitos patrimoniais.

Tendo a concordar com Souza, quando ele afirma que todo ato de criação faz uso de um acervo cultural anterior e, na mesma linha de Castells, a limitação ao acesso só empobrece o terreno da inovação e das possibilidades de solução de problemas, de criação artística. Parece-me que a teoria de Pontes de Miranda tem muito a dizer sobre isso. No conflito entre estruturas conceituais tradicionais e a realidade, Lawrence Lessig aposta na realidade. Mas não como a vencedora “moderna” da derrotada 82

Por mais que Lessig (2006) alerte para os potenciais reguladores, através da associação promíscua entre os setores público e privado, é notável que a Internet ainda é um espaço de resistência. Eu analisarei o argumento de Lessig, porém relembro os acontecimentos memoráveis da movimentação que acompanhei pessoalmente pelo Twitter contra os famigerados Stop Online Piracy Act (SOPA), Personal Information Protection Act (PIPA) e Anti-Counterfeiting Trade Agreement (ACTA), nos anos de 2011 e 2012. Entre outros grupos, a estrutura em rede da organização hacker conhecida como Anonymous chacoalhou a web, abrindo caminho para os escândalos posteriores como o “wikeleaks”. 83 Revisão da Convenção de Berna, realizada em Bruxelas em 1948. Cf: http://pt.wikipedia.org/wiki/Conven%C3%A7%C3%A3o_da_Uni%C3%A3o_de_Berna 84 A crítica de Souza (2011) está em sintonia com a crítica feita por Larsson (2011, p. 123): “If, at the same time, the creators and creativity stimulation on the one hand are examined and copyright as a market security for copyright holders on the other, the discussion on copyright could become more nuanced. The much-discussed protection of rights for seventy years after the creator’s death is in practice investment protection rather than ensuring creativity stimulation.”

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“tradição”, e sim como a mais eficiente forma de controle e regulação: é a regulação pelo código. Lessig faz parte de uma geração que se ambientou a uma internet sem amarras, uma Internet intocada pelo Estado – “[...] o governo não podia regular o ciberespaço. O ciberespaço era, por natureza, invariavelmente livre. Governos podiam ameaçar, mas o comportamento não podia ser controlado; leis podiam ser aprovadas, mas elas não tinham real efeito.” (LESSIG, 2006, p. 3, tradução livre)85. Tempos diferentes de 1996, nos quais, as vozes dos fundadores da Internet ainda ecoavam claramente acerca dos valores a serem resguardados – para a Internet é um tempo pré-histórico. Hoje a web é alvo de constante regulação e o Estado, em que pese não ser capaz de agrilhoar todo o seu funcionamento, sob o risco de comprometer a própria estrutura político-econômica do planeta, já incursiona com enorme facilidade – lembro o recente escândalo da NSA e Edward Snowden. O problema é que o “código” não é a lei do ordenamento jurídico: o código é a lei – eis a tese de Lessig86. O código do espaço cibernético e, plano lateral, da Internet, pode desenhar uma porta de entrada técnica que, previamente, veta ou concede o acesso das pessoas a determinados temas e decisões. Se o código modela em torno de proteção de qualquer matéria, e, no caso, valores, a reflexão do professor de Harvard é: quais valores devem ser protegidos? E quais valores nós devemos escolher para encorajar quais formas de vida no futuro? Uma constatação de Lessig pode ser transposta perfeitamente para o contexto brasileiro: Os tribunais não podem fazê-lo, pois, como uma cultura jurídica, nós não queremos os tribunais escolhendo entre uma disputada questão de valores. O congresso não deveria fazê-lo, pois, como um cultura política, nós somos profundamente céticos (e com razão) acerca do produto do governo (LESSIG, 2006, p. 8) (tradução livre)87.

O problema da regulação pelo “código” não é um problema de facilitação da regulação estatal (direito), mas um problema de regulação técnica: o código é a própria 85

No original: “[…] government could not regulate cyberspace. Cyberspace was, by nature, unavoidably free. Governments could threaten, but behavior could not be controlled; laws could be passed, but they would have no real effect.” 86 “Control. Not necessarily control by government, and not necessarily control to some evil, fascist end. But the argument of this book is that the invisible hand of cyberspace is building an architecture that is quite the opposite of its architecture at its birth. This invisible hand, pushed by government and by commerce, is constructing an architecture that will perfect control and make highly efficient regulation possible. The struggle in that world will not be government’s. It will be to assure that essential liberties are preserved in this environment of perfect control.” (LESSIG, 2006, p. 4, grifo meu). 87 No original: “Courts cannot do it, because as a legal culture we don’t want court choosing among contested matter of values. Congress should not do it because, as a political culture, we are deeply skeptical (and rightly so) about the product of the government.”

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regulação, ele cria e estrutura os espaços da rede habilitando ou desabilitando indivíduos, estilos de vida e valores (LESSIG, 2006, p. 68). Se os institutos do ordenamento jurídico, frutos do racionalismo, tentam equilibrar “privado e público”, “controle e acesso”, a regulação pelo código é unívoca, não é exposta a um cotejo, um balancear: o autor decide, alheio ao comando legal, se você pode ler uma vez, copiar um trecho, quantas cópias pode fazer, se pode enviar por e-mail e os exemplos são infinitos88. A pergunta hipotética deste trabalho é: onde estará o jurista de hoje neste quadro que descrevo? O que ele poderá fazer e o que ele fará efetivamente? A resposta não é boa, isso me parece claro89. Mas este trabalho apresenta estruturas e posturas diferentes, com as quais me porto diante da tensão crescente entre o interesse público e o direito autoral – que representam diversas outras forças sociais. Diante da dissimetria gerada e do retorno ao equilíbrio dinâmico da sociedade, é preciso dar algumas respostas satisfatórias a tal tensão. É sobre isso que tratarei agora. Mencionei anteriormente, ao discutir o individualismo em rede, que uma das possibilidades do processo de síntese que seguiria a fórmula ponteana (do individualismo para a socialização, com redução do quantum despótico e o aumento da energia civil), estava se dando, na realidade fática, pelos movimentos coletivos organizados em torno da web e redes sociais – organizações com morfologias inéditas, cuja captura pelo direito também tem sido problemática. Além desses grupos, outras iniciativas devem ser mencionadas, alguma das quais anteriores aos fenômenos que mencionei logo acima. A primeira que merece destaque é a campanha da Free Software Foundation (FSF) de Richard Stallman, já mencionada neste trabalho. Refiro-me ao movimento do software livre, Projeto GNU ou copyleft. O copyleft, em oposição ao copyright americano, é um movimento da camada da elite da Internet voltado para a desconstrução do paradigma da propriedade intelectual. Ele faz uso das características da rede para induzir – ou seja, de baixo para cima – um processo de desconstrução de 88

“When the intellectual property is protected by code, nothing requires that the same balance be struck. Nothing requires the owner to grant the right of fair use. […] Trusted systems give the producer maximum control over the uses of copyrighted work – admittedly at a cheaper cost, thus perhaps permitting many more authors to publish. But they give authors almost perfect control in an area in which the law did not. Code thus displaces the balance that copyright law strikes by displacing the limits the law imposes.” (LESSIG, 2006, p. 185-6, grifo meu). 89 Entre as “normas sociais” que o ambiente da rede ajuda a promover, está o “Decálogo da Web Brasileira” encampado pelo World Wide Web Consortium (W3C), fundado por Tim Berners-Lee, o “pai da internet”. A leitura responde parte das questões ofertadas por Lessig: http://www.w3c.br/decalogo/

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direitos autorais por licenças através das quais os autores exigem a livre distribuição de softwares e criações e a abertura dos códigos-fontes, permitindo a cópia e uso (LEMOS, 2005, p. 72). O copyleft é um efeito claro de simetrização diante da dissimetria provocada pelo modelo tradicional de regulação jurídica e o ambiente da internet. Não é necessário muito esforço para verificar a atuação dos processos. Para fins didáticos façamos uma alusão aos valores de estabilização e despotismo: ao utilizar o indicativo da ciência, a FSF criou um modelo de regulação – forjando uma norma com eficácia social constatável – que associa o potencial estabilizador combinado do processo científico e jurídico (4 e 3, respectivamente) e o baixo quantum despótico dos mesmos processos (1 e 4, respectivamente). Tais valores devem ser considerados, especialmente, quanto às consequências econômicas, motivação primeira da tutela autorialista, demonstrada a pesquisa histórica – processo econômico, critério do útil/inútil, cujo valor de estabilização é 1 e o quantum despótico é 6. De acordo com Lemos (2005, p. 75): “[...] o movimento do software livre introduz um modelo de “bazar” em contraposição ao modelo de “catedral”, vinculado ao regime de direito autoral.” Tal estrutura favorece a socialização da informação, privilegiando a rede e a sociedade, em detrimento do individuo, se assemelhando ao processo de crescente socialização descrito por Pontes de Miranda (2005). Posso citar outros exemplos, apesar de já ter me alongado mais do que devia: a Wikipédia preenche as mesmas características do Movimento do Software Livre. As licenças Creative Commons, geridas pela FGV/RIO no Brasil também fazem parte deste conjunto. Os movimentos de financiamento coletivo (crowdfunding) que estabelecem trocas financeiras e retornos materiais ou imateriais. Vencidas estas questões, me aproximo da conclusão desta monografia. Para finalizar esta lente dogmática devo, por fim, levantar questionamentos de víeis “suplementar-excessivos”: (a) é possível uma crítica metafórica ao direito autoral e sua hipótese de incidência? (b) essa crítica se coaduna com a teoria ponteana de busca pela maior socialização, redução do despotismo e aumento da harmonia social – ou seja, ao “qual” da questão “iii” anterior? (c) é possível, afastada a futurologia, delinear algum quadro dessas problemáticas, e outras relacionadas, com a entrada em vigor do Marco Civil da Internet?

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Para responder a estas questões irei me valer de um interessante trabalho do Professor Stefan Larsson da Universidade de Lund, da Suécia, no qual ele analisa a contextura metafórica das normas de direitos autorais, especificamente, a disjunção entre essa contextura em sua dimensão e coerência lógica e a realidade fática – é um trabalho sociológico, apesar desse viés claramente abstrativo. Larsson (2011) trabalha com uma distinção semelhante à de Lawrence Lessig: existe uma distinção entre “normas sociais” e “normas legais” e essa distinção se desdobrará na tensão entre os círculos sociais levando ao choque entre grupos, indivíduos e interesses90. A diferença é que Larsson, ao trabalhar com o marco teórico de Lakoff e Johnson, identificará também um choque de metáforas. Se de um lado as metáforas relacionadas às normas e práticas sociais do campo da tecnologia mudam com a velocidade desse campo91, as metáforas da regulação de direitos autorais não mudou, apesar da pretensão de regulação ter mudado. As metáforas dos direitos autorais permaneceram as mesmas por um longo período de tempo, mas na realidade o reclame de regulação dessas metáforas se expandiu. E, nos tempos de digitalização, essa colonização ganhou novos poderes. As partes da realidade reivindicadas por essas metáforas de repente ganharam uma dimensão completamente nova, desmaterializada. Mesmo se a lei mudar, em certo sentido, mesmo quando a letra dela não o fizer [...] Ela é claramente constrangida pelas metáforas escolhidas previamente. As metáforas fixadas na legislação autoralista moldam o caminho de dependência do seu desenvolvimento. (LARSSON, 2011, p. 120) (tradução livre)92.

Essa constatação leva Stefan Larsson a afirmar que existe uma diferença grave entre concepções específicas inadequadas utilizadas em regras jurídicas que regulam questões da sociedade moderna e nossa capacidade de compreendê-las. “[...] existem 90

“The living and more ‘fluid’ conceptions and social norms change as rapid as their technological preconditions, while law in its path dependence becomes stuck in its democratic, representative democratic or, at worst, completely undemocratic processes. The formalized metaphors, protected by strong actors structurally formed in accordance with the conceptions in line with these metaphors, are kept alive in a process of international and supranational negotiations. Here, history is used as a normative statement and an argument, locking in the path of future copyright legislation.” (LARSSON, 2011, p. 120). 91 É importante lembrar que LAKOFF e JOHNSON (2003) explicitam que construímos nossas metáforas e imagens a partir dos elementos de nossa vivência no mundo, corpo, experiências físicas – em uma série direcionada da concreção para a abstração. 92 No original: “The metaphors of copyright have remained the same for a long period of time, but the reality these metaphors claim to regulate has expanded. And, in the times of digitalization, this colonization has gained new powers. The parts of reality claimed by these metaphors suddenly gained a completely new, dematerialized dimension. Even if law can change, in a sense, even when the letter of it has not […] It is clearly constrained by the metaphors once chosen. The metaphors fixed in copyright law shape the path dependence of its development.”

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muitas concepções que ainda são compreensíveis, embora elas não sirvam para construir o que regula a sociedade” (LARSSON, 2011, p. 124) (tradução livre)93. É o que Pontes de Miranda disse, e eu repito: a sociedade passa sem ciência do direito, mas não passa sem direito. O que eu adiciono e Larsson também, é que isso tem um preço, sempre tem um preço. Entretanto, se para Larsson as normas sociais, especificamente as norma sociais erigidas em torno da troca de arquivos (file-sharing, peer-to-peer etc), se apresentam como o substrato da realidade que se opõe à legalidade (ao direito), para Pontes de Miranda as normas sociais podem ser direito94. A episteme ponteana não concebe uma distinção como a feita por Lessig ou Larsson. A categoria “norma social” deveria se encaixar dentro da norma equivalente a algum dos processos sociais de adaptação e, se ela está em choque direto com o fenômeno jurídico, disputando a eficácia social com o ordenamento, é um sinal claro para o cientista que essa norma é manifestação do fenômeno jurídico. Nem toda norma jurídica estaria no ordenamento, como visto anteriormente. As observações de Larsson são pertinentes, pois também se coadunam com a verificação empírica de que existe uma dissimetria que demandará do sistema o retorno ao equilíbrio dinâmico. Ela se coaduna com o que explorei anteriormente acerca da teoria ponteana e da questão “iii”. E o que o Marco Civil da Internet tem a ver com isso? Para a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual nada95. De acordo com a ABPI, disputando um espaço extremamente árido nas discussões, a ausência de disposição expressa acerca das garantias e respeito à proteção da propriedade intelectual no texto legal se pauta numa concepção equivocada – o termo usado é “canhestra” – de que a mesma seria um estorvo à inovação e não se adequaria à natureza participativa da rede mundial de computadores.

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No original: “there are many conceptions that still are understandable, although they may not be fit to construct what is regulating society”. 94 “Na vida da regra jurídica tem a lei simples valor episódico. Nem é o nascimento, nem a forma definitiva e muito menos todo o direito; é um fato em cadeia extensíssima de fatos, que, todos, e não só ele, têm de ser observados. Não é somente o poder judiciário, aplicador da lei, que concretiza o direito; e, se bem analisarmos a realidade, não somente os poderes políticos: é enorme o coeficiente de aplicação devido à atuação da família, do grupo de amigos, do circulo social, a que chamamos, na introdução do Tomo II, à imitação da cristalografia, lâminas ou camadas da sociedade.” (MIRANDA, tomo 4, p. 138). 95 Marco Civil da Internet não pode omitir, como princípio, o respeito à propriedade Intelectual. Disponível em: Acessado em: 08 de mai. 2015.

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Trago o relato parcial para observar a parcialidade da argumentação que o judiciário enfrentará no futuro, e para a qual não estará preparado, cientificamente, para lidar com – diminuindo sobremaneira a eficácia adaptativa de suas manifestações. Parece-me que não faltam elementos para desmontar a tese da ABPI, mas este não é o espaço de uma petição inicial96. O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) é um exemplo de construção legislativa nos moldes da política científica ponteana. Preencheu todos os requisitos para realizar a livre interpretação do direito: partiu de pesquisas empíricas e estudos científicos, forneceu indicativos da ciência à população que opinou e contribuiu e só então foi para o Congresso Nacional. Todo o processo legislativo foi acompanhado de perto pelos técnicos e cientistas – cientistas nos termos ponteanos. Até o resultado final publicado no ano passado. Vencidas estas questões, me aproximo da conclusão desta monografia.

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LEMOS, 2005; SOUZA, 2011 entre muitos outros já demonstraram, com base no indicativo científico, a fragilidade da tese da ABPI.

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5. CONCLUSÃO: DA SOLUÇÃO DO PROBLEMA À COMPREENSÃO DO MUNDO – A SOCIEDADE EM REDE E A EPISTEME PONTEANA NA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA

Chego à conclusão tendo respondido menos do que gostaria. Não pretendi “inventar a roda” com a presente monografia, muito pelo contrário. Este trabalho é óbvio em todos os seus termos. Aqui irei lançar menos perguntas do que gostaria, também – realizando uma quebra na estrutura usual de uma conclusão. Inverterei, neste momento, a ordem utilizada no trabalho para partir do nível de mais restrito das questões dogmáticas para uma reflexão geral acerca da teoria do direito e da ciência do direito. Começo pela interessante série de questões feitas por Larsson (2011, p. 123), quando lança a hipótese anacrônica de se o suporte de mídias tivesse sido digital desde o início da modernidade. Quais seriam as metáforas construídas para dar feição ao instituto da propriedade intelectual? E a estrutura do ordenamento jurídico para regular o uso e as limitações dessa proteção? Quais seriam as disposições legais possíveis para incentivar a criatividade dos autores? Não quero com essas questões apresentar alguma resposta mirabolante, pretendo mesmo deixá-las em aberto. A análise metafórica empreendida, ao final, também não se dá como tentativa de retórica pedante, mas como alerta da dinâmica do sistema jurídico e das possibilidades de adequação do marco teórico principal que utilizei. O que é preciso resguardar é a dimensão modelística do direito diante da realidade e a função adaptativa do fenômeno jurídico, relacionada diretamente à sua verdade extrínseca. A propriedade intelectual é só um dos elementos do direito racionalista que a Internet começou a contestar. E não se trata somente de realizar mais uma secção no mundo, tão ao gosto dos juristas: mundo real, mundo forense, mundo da internet - de modo a isolar um conjunto de soluções específicas para este último. Esse tipo de atitude subaproveita a atuação do direito na sociedade, ou, pior, transforma-o em força de involução social. Além disso, as sucessivas secções comprometem a própria coerência do sistema jurídico: está posto o paradoxo. Nesse sentido, refrato a divisão normativista e egológica cuja explicitação engenhosa aparece na obra de Machado Neto (1987, p. 132), por exemplo. Especialmente, quando levo em consideração que a sofisticação da teoria não foi absorvida pela cultura jurídica majoritária – a prática forense, alheia à diacronia do tempo, está entregue ao legalismo exegético. 77

Não se trata de confundir a prática jurídica com a prática científica. Isso já ficou cristalino. Trata-se de situar o direito como o que ele é na realidade e, além, logisticamente, ou seja, processo de adaptação social com valor adaptativo/eficacial. Nas palavras de Pontes de Miranda (2005, T. 4, p. 308): Muitas vezes, nesta obra, dissemos que o método científico é o mesmo para o legislador o interprete e o juiz. Dá-se certa uniformização de funções e de pesquisa, que não somente concorre para clarear a matéria social, como também desembaraça a realidade dos fios sutilíssimos do artificialismo político (sem duvida ocasionalmente útil), da tricotomia dos poderes e outras quejandas separações.

Eis o que a questão-problema que motivou este trabalho suscitou: sim, a teoria ponteana é aplicável, sem problemas de anacronismo e com amplo espaço de adaptação teórica, ao ambiente da internet. E a hipótese do trabalho se reapresente como síntese conclusiva: a ciência do direito, como relato vencedor da cultura jurídica, é danosa à melhor adaptação social possível. A sociedade em rede reapresenta um problema à academia do direito. Não é possível que a sociedade progrida com indivíduos, mestres e estudantes, cuja educação jurídica seja reduzida a uma visão teórico-dedutiva – extremamente empobrecida, o que é ainda pior! O pensamento dedutivo estrutura o sistema em parceria com o pensamento empírico-indutivo que varre a realidade e faz ciência [do direito]. Primeiras reminiscências: essa ciência do direito tem relação com a juscibernética de Mario Losano? Não. Fiz questão, a todo o momento, de me afastar da vertente que utiliza o modelo cibernético como expressão metafórica do movimento dialético da sociedade em rede e de sua complexidade (LOSANO, 1976, p. 47). Mesmo quando as metáforas cibernéticas desnudam, com maior perspicácia, a sofisticação do fenômeno jurídico, entendo que a teoria ponteana é capaz de apreender a realidade e propor indicativo científico e consequente sugestão de ação social. Segundas, e últimas, reminiscências: a internet é processo de adaptação social? Durante as minhas pesquisas, refleti sobre a possibilidade dos sete processos principais ganharem outros que se destacariam e mereceriam análise vis-à-vis. Como essa questão me atormentou por algum tempo e a resposta só chegou à conclusão desta pesquisa é preciso que ela seja apresentada aqui e não em outro momento. De acordo com Pontes de Miranda, os meios de comunicação não são processos sociais de adaptação (MIRANDA, 2005, tomo 2, p. 281). Poderia, na sociedade em 78

rede, ser necessário retificar essa informação? A resposta está na constatação de Manuel Castells de que a sociedade em rede e a internet funcionam a partir do sistema da virtualidade real. A virtualidade real não é o futurismo de uma “real virtualidade”, na qual a construção de hologramas e reconstrução do mundo por dados seja a grande marca. A virtualidade real é a total imersão e absorção da sociedade num ambiente mais amplo de imagens virtuais onde a existência das pessoas, material e simbolicamente, se dá a partir de metáforas cujo mundo do faz-de-conta deixou de ser ficção e passou a abarcar as experiências reais com todas as implicações neurosemiológicas disso (CASTELLS, 2007, p. 426-427). E o que sobra para situar a obra de Pontes de Miranda e o seu agir enquanto pensador do mundo? Diante de tudo que foi colocado, é preciso precisar o cientificismo espiritualista que esbocei em 2011: Pontes de Miranda foi um artista de modelos. Essa seria a meu ver a melhor tradução para o trabalho de um cientista. A função da ciência não é mostrar o real, como um mágico que desvela a capa da ilusão e mostra a falsidade do truque. Mas, aceitando as limitações da observação, com posterior indução e, por fim, dedução, apresentar modelos que representem o real. O artista de modelos não crê que seus grafismos e fonemas são a realidade, mas apenas intermedeiam, permitem a relação sujeito-mundo. A ciência, ao criar esquemas para expressar a realidade, atua como que tateando no escuro, acende velas na tentativa de iluminar um enorme salão escuro e interpretar sombras. A opulência de um acervo informacional não deve nos fazer esquecer dados basilares97. O trabalho do jurista alagoano é científico98, nos termos que o discurso científico se concebe, e merece o resgate teórico-histórico para situá-lo como ferramental imprescindível de análise das sociedades e dos direitos das sociedades e círculos sociais.

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“Para investigar o fenômeno jurídico, Pontes de Miranda parte do princípio da unidade das ciências, na medida em que considera fundamental para a análise das relações sociais, a interdisciplinaridade, em cuja trama deve ser descoberto o direito. Na sua concepção, não existe ciência independente. A dependência disciplinar é necessária para a obtenção do conhecimento mais próximo possível da verdade, que por sua natureza é relativa, pois o absoluto não passa de mera ficção, de artifício, de abstração, incompadecente com a correspondência fática.” (ISERHARD, 2008, p. 2). 98 Ou seja, ele é temático, verdadeiro, coerente, [indutivo], dedutível, decidível e objetivo. A série seria idêntica à de WARAT (1994, p. 390) não fosse o meu adendo, necessário, entre colchetes.

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ANEXO 1 – PROCESSOS DE ADAPTAÇÃO SOCIAL

Fonte: MIRANDA, 2003, p. 206-207

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