Uma rede textual: saberes bíblicos e clássicos na literatura do Baixo Medievo Inglês (Chaucer e suas redes)

September 30, 2017 | Autor: Viviane Jesuz | Categoria: Medieval Literature, Medieval History, Chaucer, Medieval Studies
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Uma rede textual: saberes bíblicos e clássicos na literatura do Baixo Medievo Inglês Viviane Azevedo de Jesuz* Sabemos que a literatura medieval deve ser compreendida a partir de parâmetros distintos daqueles que utilizamos como referência para a literatura moderna. A linha entre realidade e ficção é deveras tênue e, na maioria dos casos, encontram-se entrelaçadas. A produção medieval não se reduz à pura criação de novos textos, uma vez que a tradução, a adaptação e os comentários dos textos já existentes encontram aí papel fundamental. Portanto, em nosso presente trabalho, propomos analisar as influências textuais que podem ser observadas em The Canterbury Tales, narrativa do século XIV, escrita por Geoffrey Chaucer. Desenvolvemos nossa reflexão a partir de dois eixos principais, a influência dos textos bíblicos e dos clássicos greco-latinos. Os autores medievais recorriam às autoridades a fim de validar seus textos. A principal autoridade, como não poderia deixar de ser nessa sociedade pautada na lógica cristã, encontrava-se nas Sagradas Escrituras. Os profetas, os salmos, os evangelhos e demais livros são constantemente retomados pelos autores medievais. Do mesmo modo, os autores já consagrados, em especial, os clássicos latinos, ganham destaque nas obras medievais. Assim, torna-se necessário localizar a narrativa de Chaucer em um contexto de tradições textuais que eram recontadas, atualizadas e reinterpretadas.

A presença das referências bíblicas A influência do pensamento cristão na sociedade medieval inglesa encontra-se refletido, de forma abrangente, na literatura do período. À época de Chaucer, as narrativas bíblicas eram conhecidas tanto pelos letrados, que podiam acessar os manuscritos, quanto pelos iletrados, que tinham acesso aos sermões, às pregações e às peças de cunho religioso. A educação formal, em geral, começava e terminava com a Bíblia em latim. Os meninos eram alfabetizados lendo os Salmos, e era exigido dos alunos universitários que debatessem os temas bíblicos para que pudessem se formar. Além disso, as ilustrações de temas bíblicos multiplicavam-se nas paredes, nos murais, nos vitrais e nas esculturas das igrejas. Os livros canônicos já haviam sido estabelecidos. A parte mais extensa, o Antigo Testamento, teve seus textos extraídos das escrituras hebraicas, consistindo basicamente na

Lei e nos profetas. Ao separar-se do Judaísmo, a Igreja reuniu uma nova coleção de livros, o Novo Testamento. Na leitura cristã, o Antigo Testamento prepara o Novo Testamento, ou seja, a narrativa da aliança de Deus com seu povo escolhido prepara seu próprio clímax, a salvação na figura de Cristo. Assim, Antigo e Novo Testamentos, reunidos, narram a completa história da salvação. Como seus contemporâneos, Chaucer retoma ambos em sua narrativa poética. Seria muito complexo quantificar com exatidão todas as referências bíblicas utilizadas por Chaucer, já que, por diversas vezes, elas estão implícitas ou fazem apenas alusão a temas e personagens bíblicos, e não a passagens propriamente ditas. Desse modo, propomos nos ater às principais referências encontradas na voz do narrador e de seus peregrinos. A figura bíblica mais citada ao longo de The Canterbury Tales é Salomão. Sua sabedoria e seus conselhos são exaltados em diversos contos da obra. Entre diversas outras referências, apenas no Conto de Chaucer sobre Melibeu há 42 citações diretas a Salomão. Neste conto, o Chaucer-peregrino narra a história de Melibeu, um homem cuja casa foi invadida por inimigos invejosos que agrediram sua esposa e mataram sua pequena filha. Após este incidente, Melibeu quer se vingar dos agressores, mas sua esposa Prudência procura dissuadi-lo de tal intento, recorrendo para isso a diversas autoridades, entre elas Salomão.

“Lat calle,” quod Pudence, “thy trewe frendes alle and thy lynage whiche that been wise. Telleth youre cas, and herkneth what they seye in conseillyng, and yow governe after hire sentence./ Salomon seith, ‘Werk alle thy thynges by conseil, and thou shalt never repente.” 1

Salomão aqui reflete a sabedoria daquele que não se deixa levar pelas fortes emoções e sabe esperar e se aconselhar para tomar a melhor decisão. Na voz de Dona Prudência, o sábio rei é ainda exemplo de perdão, reconciliação e paciência, assim como Jó, que também é citado algumas vezes por sua paciência. Também no Conto do Moleiro o mesmo versículo é retomado na voz do jovem Nicholas: “For thus seith Salomon, that was ful trewe:/ ‘Werk al by conseil, and thou shalt not rewe.’”2 No entanto, neste caso o jovem tenta enganar seu 1

THE TALE OF MELIBEE, p. 218. “Convoca’, disse Prudência, ‘todos os teus amigos verdadeiros e teus parentes mais sábios, conta-lhes o teu infortúnio, e ouve o que têm para te aconselhar, seguindo então a sua orientação. Diz Salomão: ‘Pede conselho em tudo o que fizerdes, e nunca te arrependerás.’” (CHAUCER, 1988:109). 2 THE MILLER’S TALE, p. 72. “..., como dizia Salomão, que falava sempre a verdade: ‘Siga os conselhos e nunca se arrependerá.’” (CHAUCER, 1988:54).

anfitrião a fim de deitar-se com sua esposa. É com este intento que aparece na narrativa outra importante referência do Antigo Testamento, o dilúvio e a arca de Noé, presente no livro do Gênesis. Para enganá-lo com sua mulher, Nicholas convence John de que foi avisado em sonho sobre um segundo dilúvio e que devem preparar três barris para que John, sua esposa e ele possam se salvar.

“Now John”, quod Nicholas, “I wol nat lye I have yfound in my astrologye, As I have looked in the moone bright, That now a Monday next, at quarter nyght, Shal falle a reyn, and that so wilde and wood That half so greet was nevere Noes flood. This world”, he seyed, “in lasse than an hour Shal al be dreynt, so hidous is the shour. Thus shal mankynde drenche, and lese hir lyf.”3

Nicholas aqui joga com o desconhecimento de John dos detalhes da narrativa bíblica do dilúvio, pois esta termina com o surgimento do arco-íris como sinal da promessa de Deus de que o mundo nunca mais veria um dilúvio como aquele. Outra importante referência presente na obra é o pecado de Adão e Eva. Esta história é contada e recontada pelos peregrinos, entre os quais, Chaucer, o Monge e o Pároco, seja como exemplo da tragédia humana ou da tendência ao pecado.

Adam oure fader, and his wyf also, Fro Paradys to labour and to wo Were driven for that vice, it is no drede. For whil that Adam fasted, as I rede, He was in Paradys; and whan that he Eet of the fruyt defended on the tree, Anon he was out castto wo and peyne. O glotonye, on thee wel oghte us pleyne! 4

3

Idem, p. 72. “‘Nesse caso, John’, continuou Nicholas, ‘não vou mentir para você. Descobri, por meio de minha astrologia, enquanto examinava a lua nova, que agora, na próxima segunda-feira, um pouco antes do amanhecer, vai cair uma chuva tão pesada e violenta que, comparado com ela, o dilúvio de Noé não chegou nem à metade. O Mundo’, prosseguiu ele, ‘em menos de uma hora ficará inundado, tão terrível será a tempestade; e a humanidade inteira vai se afogar e morrer.’” (CHAUCER, 1988:54). 4 THE PARDONER’S TALE, p. 197. “Não duvidem: foi devido a esse pecado que nosso pai Adão e sua mulher foram expulsos do Paraíso para uma vida de trabalho e sofrimento. Enquanto Adão jejuava (segundo o que tenho lido), permaneceu ele no reino do Éden; mas, assim que comeu do fruto proibido, foi condenado a viver de suores e prantos. Oh gula, é mais que justo o nosso lamento.” (CHAUCER, 1988:244-245).

A fim de conferir autoridade ao seu sermão contra a gula, o Vendedor de Indulgências confere a Adão e Eva este pecado. Outro texto bíblico utilizado contra este pecado são as Epístolas de São Paulo: “Of this matiere, O Paul, wel kanstow trete:/ ‘Mete unto wombe, and wombe eek unto mete,/ Shal God destroyen bothe,’ as Paulus seith.” 5 Paulo é retomado em diversos outros contos e temas, mas chama atenção sua apropriação pela Mulher de Bath. Alison é uma tecelã que já foi casada cinco vezes e que espera ansiosamente pelo sexto marido. Em seu prólogo e conto, ela procura persuadir a companhia quanto às maravilhas do matrimônio e a importância de se deixar a mulher estar à frente das decisões. Para tanto, Alison lança mão de diversos textos bíblicos que se referem ao casamento como as Bodas de Caná, o episódio da Samaritana, Salomão e suas esposas e o famoso versículo do Gênesis, “Crescei e multiplicai-vos”. No entanto, é a utilização das Epístolas de São Paulo que se destacam, uma vez que ela tanto procura validar sua posição quanto vai de encontro ao que diz o Apóstolo.

Wher can ye seye, in any manere age, That hye God defended mariage By expres word? I pray yow, telleth me. Or where commanded he virginitee? I woot as wel as ye, it is no drede, Th’apostel, whan he speketh of maydenhede, He seyed that precept therof hadde he noon. Men may conseille a woman to been oon, But conseillying is no comandement. He putte it in oure owene juggement; For hadde God comanded maydenhede, Thane hadde he damped weddyng with the dede. Poul dorste nat comanden, ate leeste, A thing of which his maister yaf noon heeste. 6

5

Idem, p. 197. “São Paulo abordou muito bem o tema, declarando: ‘Os alimentos são para o estômago, e o estômago para os alimentos; mas Deus destruirá tanto estes como aquele.’” (CHAUCER, 1988:245). 6 THE WIFE OF BATH’S PROLOGUE, p. 106. “Eu gostaria que me mostrassem onde e quando Deus altíssimo condenou expressamente o matrimônio. Digam-me, por favor. E onde ordenou Ele a virgindade? Sem dúvida, sei tão bem quanto vocês que, quando o Apóstolo Paulo falou da virgindade, reconheceu não ter qualquer preceito sobre o assunto: pode-se aconselhá-la às mulheres. Mas aconselhar não é o mesmo que ordenar. Na verdade, ele a deixou a nosso critério. Mesmo porque, se Deus tivesse imposto a castidade, teriam com isso automaticamente proibido o casamento; e se a semente não pudesse ser plantada, como é que a virgindade iria crescer? De modo algum o Apóstolo ousaria exigir uma coisa que não tivesse sido determinada pelo seu Senhor.” (CHAUCER, 1988:138).

Nesta passagem, a Mulher de Bath apropria-se do discurso paulino a fim de justificar sua necessidade de estar sempre casada. Em I Coríntios 7, 27-28, Paulo diz: “Estás casado? Não procures desligar-te. Não estás casado? Não procures mulher. Mas, se queres casar-te, não pecas; assim como a jovem que se casa não peca. Todavia, padecerão a tribulação da carne; e eu quisera poupar-vos.” Desse modo, Alison pode demonstrar que não está pecando ao casar-se novamente após a morte de seus maridos, já que Deus nunca condenou o matrimônio. No entanto, ela também discorda do Apóstolo quando a palavra deste é contrária à sua vontade.

And seye thise wordes in the Apostles name? “In habit maad with chastitee and shame Ye wommen shul apparaille yow,” quod he, “And noght in tressed heer and gay perree, As perles, ne with gold, ne clothes riche.” After thy text, ne after thy rubriche, I wol nat wirche as muchel as a gnat. 7

Aqui podemos claramente compreender sua oposição ao texto de Paulo na I Timóteo 2,9. Alison, sendo tecelã e herdeira de cinco maridos, apreciava vestir-se com suas vestes vermelhas e sapatos muito bem ornados, e não julgava ser isso um pecado, portanto, era a primeira nas filas em sua paróquia e não havia mulher que ousasse passar a sua frente. Alison lança mão ainda de outras autoridades, que não nos caberá agora discutir. Há diversas outras referências aos evangelhos e às epístolas do Novo Testamento em outros contos, como a multiplicação dos pães em São Marcos e a sabedoria de Deus na Epístola de São Tiago. No entanto, voltar-nos-emos agora para a presença dos clássicos latinos na obra de Geoffrey Chaucer.

A influência dos textos clássicos Ao discutir as estratégias de persuasão de Afonso X na Primeira Partida, Carla Barros apresenta três eixos de argumentação para a justificação da lei, a argumentação baseada em uma autoridade, em um modelo e em uma comparação. Interessa-nos, então, pensar na 7

Idem, p. 109. “(…), reforçando essa afirmação infeliz com a citação destas palavras do Apóstolo: ‘Da mesma sorte que as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso.’ Dou menos importância que um mosquito a esse seu texto e às suas ordens.” (CHAUCER, 1998:142).

argumentação por autoridade, sendo a principal autoridade aquela presente nas Escrituras. De forma semelhante, prova ser eficaz a argumentação baseada na autoridade dos clássicos, em especial, os greco-latinos. O latim dominava a tradição clássica, uma vez que o grego não era tão bem conhecido no ocidente medieval. Segundo Helen Cooper, os gregos mais conhecidos eram Aristóteles e Platão, entre alguns outros filósofos. Logo, estes não poderiam estar fora do escopo utilizado por Chaucer. O Filósofo, Aristóteles, é mencionado diversas vezes pelos peregrinos, assim como Platão.

Crist spak hymself ful brode in hooly writ, And wel ye woot no villeynye is it. Eek Plato seyth, whoso kan hym rede, The words moote be cosyn to the dede. 8

Aqui Platão, ao lado de Cristo, aparece na voz do narrador a fim de justificar a necessidade de contar todas as histórias assim como foram narradas pelos peregrinos. Uma autoridade incontestável para justificar a narrativa que se vai desenvolver. Os clássicos gregos, entretanto, aparecem de forma menos extensa. Abundavam, por outro lado, as referências aos clássicos latinos. Entre os mais citados em The Canterbury Tales está Sêneca, que em apenas um dos contos, o Conto de Chaucer sobre Melibeu, é mencionado 17 vezes por Dona Prudência como exemplo de prudência e bom conselho. Senek seith: “The wise man shal nat take to greet disconfort for the deeth of his children,/ but, certes, he sholde suffren it in patience as wel as he abideth the deeth of his owene proper persone.” 9 Virgílio e Ovídio eram os poetas latinos mais admirados, tendo o último encontrado grande repercussão nas obras de Chaucer. Segundo Cooper, a preferência de Chaucer por Ovídio fica clara no seu extenso uso, levando-nos a pensar que seria o poeta melhor conhecido por ele. Entretanto, tal fato pode indicar ainda que os textos de Ovídio fossem de mais fácil acesso aos letrados. Para a autora, grande parte das referências clássicas teriam 8

GENERAL PROLOGUE, p. 35. “O próprio Cristo usou de linguagem franca nas Santas Escrituras; e não me consta que haja ali qualquer imoralidade. Também platão afirmou, para os que podem lê-lo, que as palavras devem ser gêmeas do ato.” (CHAUCER, 1988:14). 9 THE TALE OF MELIBEE, p. 217. “Diz Sêneca: ‘O sábio não deve desesperar-se pela morte de seus filhos, mas deve suportá-la com a mesma paciência com que aguarda a morte de sua própria pessoa.’” (CHAUCER, 1988: 108).

chegado aos poetas medievais indiretamente, por meio de compêndios e enciclopédias. Essas coleções aparecem na própria narrativa de Chaucer, como menciona a Mulher de Bath.

He hadde a book that gladly, nyght and day, For his desport he wolde rede alway; He cleped it Valerie ans Theofraste, At which book he lough alwey ful faste. And eek ther was somtyme a clerk at Rome, A cardinal, that highte Seint Jerome, That made a book agayn Jovinian; In which book eek ther was Tertulan, Crisippus, Trotula, and Helowys, That was abesse nat fer fro Parys, And eek the Parables of Salomon, Ovides Art, and books many on, And alle thise were bounden in o volume. 10

Este era o volume que possuía o quinto marido de Alison, Janekin, e de onde este lia para ela diversas histórias sobre esposas más a fim de persuadi-la a tornar-se uma boa esposa. Entre as obras citadas, encontramos a Arte do Amor de Ovídio. Este e Remédio de Amor eram os poemas de Ovídio sobre o amor, mais especificamente sobre sexo, mas que, na lógica do mundo cristão, eram retomados de forma mais séria. Contudo, a obra de Ovídio mais conhecida no ocidente medieval era Metamorphoses, “a collection of all the best of the classical myths, and was therefore both a useful reference book and a wonderful quarry for good stories” (COOPER, 2005, pp. 257-258).

“But of my tale how shal I doon this day? Me were looth be likned, doutelees, To Muses that men clape Pierides – Methamorphosios woot what I mene; But nathelees, I recche noght a bene Though I come after hym with hawebake. I speke in prose, and lat him rymes make.” 11

10

THE WIFE OF BATH’S PROLOGUE, p. 114. “Tinha ele uma obra que noite e dia estava sempre lendo com gozo e satisfação; dizia chamar-se Valério e Teofrasto, e suas páginas lhe provocavam boas gargalhadas. Além disso, havia outrora em Roma um clérigo, um cardeal, de nome São Jerônimo, que escrevera um livro contra Joviano, que ele também possuía; e mais Tertuliano, Crisipo, Trótula, Heloísa, que era abadessa perto de Paris, os Provérbios de Salomão, a Arte do Amor de Ovídio, e muitos outros... e todas essas obras estavam encadernadas num só volume.” (CHAUCER, 1988:147). 11 THE MAN OF LAW’S PROLOGUE, p. 88. “‘Que história, porém, eu poderei contar? Como não tenho, podem cre, a pretensão de ser comparado às Musas, conhecidas por Piérides (As Metamorfoses de Ovídio sabem o que quero dizer); e como, por outro lado, não me importo nem um pouco em ter que vir atrás de Chaucer com uma mísera tigela de pelancas, vou narrar alguma coisa em prosa e deixar as rimas para ele.’” (CHAUCER, 1988: 71).

Além disso, não sendo a originalidade um dos aspectos essenciais da literatura medieval, as histórias narradas pelos clássicos eram recontadas pelos autores medievais. Embora os autores que escreviam em línguas vernáculas desenvolvessem uma tradição própria, sabiam que a verdadeira tradição poética estava nos clássicos. A atividade de Chaucer não seria diferente; todavia, ele não aceita como verdades prontas os textos clássicos, mas desafia-os, recontando-os sob novos ângulos, como ocorre nas adaptações dos mitos narrados por Ovídio em Metamorphoses. Não apenas os temas são extraídos dos clássicos, mas a própria arte da retórica é uma herança greco-romana. Durante a Baixa Idade Média, a retórica teve as suas funções transformadas, sem, todavia, perder suas características centrais. A ideia central passa a ser, então, ligar a retórica latina à lógica do mundo cristão. A retórica e seus topoi servem ao texto como forma de prova. Além disso, os textos possuem uma retórica própria, uma lógica interna a ser seguida, e, portanto, uma forma, recebida também como herança greco-latina. *** Salomão, o rei sábio, Paulo, o Apóstolo, Aristóteles, o Filósofo, Ovídio, Sêneca, Boccaccio, Petrarca, Dante... todos estes são retomados nas vozes dos peregrinos de Chaucer a fim de justificar suas narrativas e, algumas vezes, até mesmo para demonstrar como os atos podem ir de encontro às grandes autoridades. Nesse movimento, Chaucer reúne nos mesmos contos referências vindas de origens distintas. Desse modo, Paulo, um ícone da Igreja, aparece ao lado de Platão, um filósofo do mundo pagão, passando ambos a servir a moral da lógica cristã. Ao relacionar seus textos às grandes autoridades, Chaucer procura validar as versões das histórias que escolhe narrar, não reduzindo seus textos à reprodução dos grandes poetas. O poeta inglês opta por adições e omissões, diverge de certas posições dos autores e transforma as narrativas. Chaucer procura galgar seu lugar entre os grandes poetas.

Bibliografia

BARROS, Clara. Convencer ou persuadir: análise de algumas estratégias argumentativas características do texto da Primeyra Partida de Afonso X. In: Cahiers de linguistique hispanique médiévale. Nº 18-19, 1993. CHAUCER, Geoffrey. Os Contos de Cantuária, Paulo Vizioli (trad.). São Paulo: T.A. Queiroz, 1988. COOPER, Helen. “The classical background”. In: ELLIS, Steve (ed.). Chaucer: An Oxford Guide. Oxford: Oxford University Press, 2005. CURTIUS, Ernest Robert. Literatura Europeia e Idade Média Latina. São Paulo: EDUSP, 1996. EDDEN, Valerie. “Bible”. In: ELLIS, Steve (ed.). Chaucer: An Oxford Guide. Oxford: Oxford University Press, 2005. THE RIVERSIDE CHAUCER. Larry D. Benson (ed.), 3rd ed., Oxford: Oxford University Press, 2008.

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