Uma Testemunha para a Fobia Infantil

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Aquele menino de oito anos tinha algumas fobias. A mãe me falou que ele era "medroso". Tinha medo de atravessar a represa de balsa. Eu olhei para o menino e lhe fiz duas perguntas: "vc se sente bem no banho, ou alguma aflição?" Ele me disse que se sentia se afogando. A mãe me olhou surpresa e ele aliviado. "Havia engasgos com água?" Sim. Eu me dei por satisfeito sobre o tema. Não fiz mais perguntas [assertivas em forma de perguntas...] e deixei falarem de tudo o mais. Ele estaria num grupo com garotos os mais diversos, com outros medos e outras coragens.

Eu vi o seguinte: se aquela criança tivesse mais idade e repertório, ela temeria outras coisas mais, do tipo: "que a água e a comida fossem para o lugar errado, enquanto comesse" [para a traqueia, e não para o esôfago], que "ela poderia se engasgar com a própria saliva, dormindo" e coisas assim. Facilmente ela desenvolveria síndrome do pânico, e não aquele pequeno punhado de fobias.

Acertar e/ou "deduzir" uma segunda fobia da criança, a partir do relato da primeira, provoca um alívio que poucas pessoas são capazes de entender. É aquela situação que eu já descrevi na postagem "meu coração é uma máquina de escrever"; "quem está invocando meu medo é ele, então ele conhece o que me traz medo e não tem medo do meu medo". E mais: se ele fala do que eu temo falar, eu não terei a coisa piorada, por eu mesmo ter falado, e poderei dizer a ele, amanhã: foi você que chamou o meu medo, não fui eu!" Esse mecanismo é fundamental em qualquer tratamento de fobias: ler as filigranas da fobia. Se alguém tem um pesadelo, teme contá-lo e, com isso, gerar um novo pesadelo para aquela noite. Se alguém tem um pesadelo e, sua mãe me contando a "pontinha do pesadelo" eu "reconstruo o que falta", a criança pensas: "outro já teve esse pesadelo, e o doutor não tem medo dele! Alguém deve ter sobrevivido ao meu pesadelo!"

Isso é fundamental. A mera presença de alguém que "sabe o que eu sinto", a possibilidade de fazer coisas ligadas aos medos, naturalmente, em meio às brincadeiras com ouras crianças com "outros medos" [como por exemplo: "tomar um comprimido para resfriado na presença de quem sabe que ele tem medo de se engasgar", ou "tinha, ainda mais forte"], simplesmente "afrouxa esses medos", a criança relaxa e "delega parte da responsabilidade de lidar com os medos –e conhecer seus mecanismos " a quem pôde nomeá-los" e [sente-se isso no íntimo!] poderá, certamente, acolhê-los e suportá-los.

Isso depende da presença e do tom da escuta.


Fosse uma criança mais velha e/ou com ais repertório, poderia ter "feito" uma síndrome do pânico como quadro psicopatológico, as fobias se apresentando em "feixes progressivos", aglutinando tudo que pudesse remotamente ser associado com "engasgo" ou "ver diminuída a quantidade de espaço para respirar" [janelas fechadas de ônibus, multidões, posições longe da porta de saída, etc]. Mas ela veio só com aqueles sintomas e outros associados, que também puderam ser "deduzidos": ser pego na rua numa tempestade, por exemplo.

Como no quadro adulto dos medos relativos ao marca-passo, explanado no artigo "meu Coração é Uma Máquina de escrever", o sujeito em atendimento teve um "espaço de segurança" aberto, para poder relaxar, e não "suar frio diante da nomeação de seus medos" [porque foram nomeados por outro, e em outra clave, mais "compreensiva"]. Também a possibilidade de "expansão das fobias em clusters [cachos], encaminhando-se em direção a uma ansiedade generalizada ou pânico" foi contida. E as fobias não tiveram sustentação ["espaço de contrição interna" + "solidão"/ "falta de continência num outro"] para continuar existindo.





Marcelo Novaes

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