UNIÃO EUROPEIA FRAGILIDADES E DESEQUILÍBRIOS DAS INSTITUIÇÕES APÓS O TRATADO DE LISBOA

June 30, 2017 | Autor: Mafalda Mota | Categoria: Public Administration, European Union, Public Administration and Policy
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UNIÃO EUROPEIA FRAGILIDADES E DESEQUILÍBRIOS DAS INSTITUIÇÕES APÓS O TRATADO DE LISBOA

MAFALDA SOFIA DA COSTA MOTA JUNHO DE 2015

www.ina.pt Rua Filipe Folque, 44, 1069-123 Lisboa – Portugal | Telef. (+351) 21 446 53 00 | Fax. 21 446 54 44 | E-mail:[email protected]

CEAGP – Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública 15ª Edição | Curso Aristides de Sousa Mendes

ENQUADRAMENTO O Tratado de Lisboa (inicialmente conhecido como o Tratado Reformador) foi assinado pelos EstadosMembros (EM) da União Europeia (UE) a 13 de dezembro de 2007, e entrou em vigor no dia 1 de dezembro de 2009. Altera o Tratado da União Europeia (TUE, Maastricht; 1992) e o Tratado que estabelece a Comunidade Europeia (TCE, Roma; 1957). Neste processo, o TCE foi renomeado para Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Introduz inovações de relevo ao nível institucional e procedimental que visam tornar a UE mais democrática, transparente e eficaz. ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO TRATADO DE LISBOA As principais alterações são ao nível institucional e ao nível procedimental e no sistema judicial. Deste modo, enumeram-se as seguintes: A – Nível Institucional A1 – Personalidade Jurídica da União Europeia A Comunidade Europeia desaparece e a União Europeia adquire personalidade jurídica (artigo 47º TUE), a qual lhe permitirá, entre outras ações, celebrar contratos, ser Parte de uma convenção internacional ou membro de uma organização internacional, reforçando o seu poder de negociação. A2 – Parlamento Europeu O Tratado de Lisboa não só outorgou ao Parlamento as mesmas competências legislativas que o Conselho, como também lhe deu a capacidade de determinar o rumo político da Europa. O Parlamento Europeu elege o presidente da Comissão, o órgão executivo da UE. Relativamente ao processo orçamental, o Parlamento adquiriu o poder de aprovar a totalidade do orçamento da UE, em conjunto com o Conselho. Outra alteração a destacar diz respeito à sua composição (artigo 14.º TUE) - Lisboa fixa o número de deputados em 750 mais o Presidente do Parlamento Europeu, aumentando o número previsto pelo Tratado de Nice. A3 – Conselho Europeu O Tratado eleva o Conselho Europeu a instituição. Embora não receba novas atribuições, a sua composição é alvo de uma reestruturação importante, surgindo uma nova figura na arquitetura institucional da UE: o Presidente do Conselho Europeu. Antes do Tratado de Lisboa, cada EM assumia a Presidência do Conselho da UE durante seis meses, rotativamente. Atualmente, o Presidente é eleito, por maioria qualificada, por um período de dois anos e meio e o seu mandato é renovável uma vez (n.º 5 do artigo 15.º do TUE). De acordo com o n.º 6 do artigo 15.º TUE, o Presidente deverá dirigir e dinamizar os trabalhos do Conselho para além de assegurar a sua preparação e continuidade e não poderá assumir qualquer mandato nacional. Sem prejuízo das competências do Alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política da Defesa, o Presidente do Conselho Europeu assumirá, no quadro das suas funções, a representação externa da União no domínio da Política Externa e de Segurança Comum. www.ina.pt Rua Filipe Folque, 44, 1069-123 Lisboa – Portugal | Telef. (+351) 21 446 53 00 | Fax. 21 446 54 44 | E-mail:[email protected]

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A4 – Conselho A principal alteração introduzida pelo Tratado Lisboa refere-se ao processo de decisão: generalização do procedimento legislativo ordinário que passa a abranger um maior número de matérias. A forma de cálculo da maioria qualificada é alterada e passa a incidir em mais de 44 áreas. A Presidência do Conselho é assegurada por grupos predeterminados de três EM por um período de 18 meses e cada EM do grupo assegura, por um período de seis meses, a Presidência de todas as formações do Conselho (n.º 9 do artigo 16.º do TUE). A5 – Comissão Europeia Desde 1 de novembro de 2014, a Comissão é composta por um número de comissários correspondente a dois terços dos EM (n.º 5 do artigo 17º TUE). A6 – Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança Este cargo é criado no intuito de unificar a representação da UE no Mundo, reforçando a eficácia e coerência da ação externa da UE. O Alto Representante tem uma dupla função, vulgarmente chamada de “duplo chapéu”: a de Presidente do Conselho dos Negócios Estrangeiros da UE (n.º 3 do artigo 18.º TUE), atuando como “mandatário do Conselho”, ou seja, delegado dos EM; e a de Vice-Presidente da Comissão para as relações externas e para a gestão da coerência da ação externa da União (n.º 4 e 5 do artigo 17.º TUE). Participa ainda nos trabalhos do Conselho Europeu (n.º 2 do artigo 15.º TUE). É nomeado pelo Conselho Europeu deliberando por maioria qualificada (n.º 1 do artigo 18.º TUE), com o acordo do Presidente da Comissão. A7 – Participação Democrática Pela primeira vez são definidos os fundamentos democráticos da UE que se baseiam em três princípios: igualdade democrática (segundo o qual todos os cidadãos europeus são, indubitavelmente, iguais perante as instituições comunitárias), democracia representativa (artigo 10.º TUE) e democracia participativa. Pela primeira vez, os cidadãos, através de um milhão de assinaturas de pessoas de vários EM, podem propor legislação. Ainda a referir que as sessões do Conselho que debatem ou aprovam legislação comunitária são públicas (n.º 8 do artigo 16.º TUE). A8 – Parlamentos Nacionais Este Tratado cria um mecanismo de subsidiariedade entre os vários parlamentos nacionais e a UE, assegurando que a UE só intervenha nos casos em que possa obter melhores resultados, comparativamente a uma intervenção nacional. O poder dos parlamentos nacionais sobre as atividades da UE é reforçado. Passam a ser notificados dos atos legislativos e se um terço dos parlamentos considerar que a área não é da competência da UE, poderão solicitar à Comissão a revisão da proposta. B – Nível Procedimental B1 – Procedimento legislativo e tomada de decisão O Tratado de Lisboa alargou a aplicação do procedimento legislativo ordinário a um grande número de matérias. A participação do Parlamento no processo legislativo foi alargada à Política Agrícola, à Política www.ina.pt Rua Filipe Folque, 44, 1069-123 Lisboa – Portugal | Telef. (+351) 21 446 53 00 | Fax. 21 446 54 44 | E-mail:[email protected]

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Comercial e em muitos aspetos do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça. A extensão da votação no Conselho por maioria qualificada a quase todas as matérias do Tratado leva a que, em termos práticos, desapareça a estrutura de três pilares oriunda do Tratado de Maastricht pois grande parte do terceiro pilar, Justiça e Assuntos Internos, que tinha votação por unanimidade passa a deliberação por maioria qualificada. É introduzida a regra da dupla maioria nas votações do Conselho que se traduz no sistema de dupla maioria de Estados e população (n.º 3 do artigo 238.º TFUE), deixando de existir ponderação de votos por EM: 

Quando a proposta é da Comissão é necessário pelo menos 55% dos EM, incluindo no mínimo 15 países, que representem pelo menos 65% da população;



Nos restantes casos é necessário 72% dos EM que representem, pelo menos, 65% da população. B2 – Competências entre a UE e os EM

O Tratado de Lisboa clarifica a repartição de competências entre os EM e a UE (artigo 2.º TFUE e seguintes), distinguindo três categorias de competências – (i) competências exclusivas, (ii) competências partilhadas e (iii) medidas de apoio, coordenação ou de complemento. Esta última categoria foi introduzida pelo Tratado e consiste na competência exclusiva dos EM em áreas sobre as quais a União Europeia pode exercer medidas de apoio e coordenação (excluindo os aspetos de harmonização). A Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e a coordenação das políticas económicas e de emprego não são abrangidas por esta classificação tripartida. C – Sistema Judicial As alterações mais significativas são as relacionadas com os meios processuais do contencioso comunitário. (i) Os particulares ou as empresas passam a poder interpor recursos de anulação quanto à legalidade dos regulamentares que não comportem medidas de execução quando estes lhes digam diretamente respeito (artigo 263.º TFUE). (ii) Nos processos por incumprimento a Comissão pode, logo numa primeira e única ação, pedir ao Tribunal de Justiça a declaração de que o EM não cumpriu uma obrigação de direito comunitário e ao mesmo tempo a condenação do Estado numa sanção pecuniária (artigo 258.º e seguintes TFUE). (iii) O parecer fundamentado desaparece e a Comissão passa a poder intentar uma segunda ação por incumprimento no Tribunal de Justiça nos casos em que deu oportunidade ao EM de apresentar as suas observações. AS ALTERAÇÕES QUE SE TRADUZEM EM FRAGILIDADES E DESEQUILÍBRIOS DAS INSTITUIÇÕES A2 – Parlamento Europeu Os novos poderes e competências conferidos ao Parlamento Europeu poderão conduzir a uma perda de importância (mas não tanto de legitimidade) da Comissão Europeia. A3 – Conselho Europeu

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O Tratado de Lisboa retira-lhe importância, o seu papel é esbatido. Os Primeiros-ministros e Presidentes ficam virtualmente desempregados dado que Presidente permanente do Conselho Europeu (extraído não se sabe bem de onde) eleito para um mandato de dois anos e meio, ficará com o papel que cabia aos chefes de Estado e de governo dos países anfitriões da Presidência. Em regra não há 2 ou 3 nomes para se escolher mas sim um nome sugerido (por um dos EM “grandes”). Embora a transformação do Conselho Europeu em instituição da UE – aliada à criação do cargo de Presidente do Conselho Europeu conferiam maior continuidade ao exercício da ação externa do bloco, face à rotatividade das presidências semestrais do Conselho de Ministros, as presidências rotativas garantiam a representatividade dos EM. Atualmente o rumo da UE é determinado pelo Presidente permanente do Conselho Europeu. Para além disso, as suas reuniões são preparadas pelo Conselho dos Assuntos Gerais (n.º 6 do artigo 16.º TUE) e é assistido pelo Secretariado-Geral do Conselho o que confere claramente uma aproximação ao Conselho. Antes do Tratado de Lisboa o seu funcionamento era informal agora está sujeito a um regulamento e as suas reuniões a uma ordem de trabalhos e é assistido pelo Secretariado-Geral do Conselho. Denota-se deste modo uma perda de força interna. No que respeita à interação dos dois novos cargos, Alto Representante e Presidente permanente do Conselho Europeu, só o futuro poderá determinar o sucesso ou não destas novas figuras institucionais na representação externa da UE no mundo. O grau de sucesso dependerá sempre da personalidades daqueles que ocuparem os cargos e das relações interpessoais entre si. A5 – Comissão Europeia A possibilidade de diminuir o Colégio de Comissários para 2/3 (com a rotatividade dos Estados) pode levar a situações extremas. Há perda de representatividade e de igualdade. O que será que acontece se existisse um Colégio com uma maioria de Comissários vindos, por exemplo, do mega-alargamento de 2004 e sem um Comissário francês ou um Comissário alemão? A6 – Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança O forte papel do Alto Representante União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, e simultaneamente Vice-presidente da Comissão, enquanto mediador entre as instituições poderá traduzir-se na asfixia do próprio Presidente da Comissão e do Presidente permanente do Conselho. Se o nível carismático do Alto Representante se sobrepuser ao do Presidente da Comissão e do Presidente do Conselho Europeu, poderse-á assistir a uma secundarização tanto nos meios de comunicação social, como no próprio quadro institucional da UE. Em linhas gerais, o Alto Representante exercerá cinco funções principais – as quais, direta ou indiretamente, relacionam-se com o setor de defesa: (i) vice-presidência da Comissão; (ii) presidência do Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros que será dissociado do Conselho de Assuntos Gerais; (iii) representação da UE em matérias relacionadas à PESC (artigo 27.º TUE); (iv) expressão da posição do bloco www.ina.pt Rua Filipe Folque, 44, 1069-123 Lisboa – Portugal | Telef. (+351) 21 446 53 00 | Fax. 21 446 54 44 | E-mail:[email protected]

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europeu em organizações e conferências internacionais (artigo 27.º TUE); e (v) coordenação dos aspetos civis e militares das missões Petesberg (artigo 43.º TUE). Há claramente um incremento dos poderes do Alto Representante – sobretudo quanto à assunção de responsabilidades relativamente à PESC em detrimento das presidências rotativas do Conselho de Ministros pelo que têm sido apontados três problemas a este cargoe às funções que lhe foram atribuídas: (i)trata-se de mais um ator interveniente na formulação e execução da política externa da UE, aumentando a complexidade e a intensidade da interação entre e com os demais atores intervenientes, nomeadamente, o Presidente do Conselho Europeu, o Presidente da Comissão e a Presidência do Conselho de Ministros (que continua a exercer a liderança do Conselho de Assuntos Gerais e do Comité de Representantes Permanentes); (ii)ao ser elo de ligação entre o Conselho e a Comissão, poderá potencializar os conflitos entre estes duas instituições no que se refere à política externa do bloco; (iii) tendo em conta este delicado contexto, o Alto Representante poderá concentrar esforços e trabalho no âmbito interno da UE, em detrimento da ênfase na esfera externa ao bloco – algo que seria expectável em virtude de suas atribuições. A8 – Parlamentos Nacionais É necessário dar aos parlamentos nacionais meios de acompanhamento das iniciativas legislativas europeias. B1 – Procedimento legislativo e tomada de decisão Embora a dupla maioria não agrade a todos, parece ser o método que melhor irá a conciliar interesses tão diversos por parte de quase 30 nações individuais. Contudo poderá continuar a dar maior preponderância aos países mais populosos da UE, podendo, efetivamente, nada pode ser decidido contra a vontade dos grandes. Há ainda a questão da perda de soberania dos vários EM, como foi aventado durante a discussão do tratado, designadamente nos países mais eurocéticos como Irlanda e Reino Unido. Apesar de maior eficácia ao processo de decisão, a verdade é que este novo sistema de ponderação carrega também maiores divisões entre os EM, já que não haverá a obrigatoriedade de estarem todos de acordo. Ainda que as decisões sejam mais representativas da vontade da Europa, também poderá levar a um processo de construção europeia baseado numa minoria que, apesar de ser maioria, contará com divisões entre os 28. Existirirá alguma tendência da UE para o favorecimento dos grandes países e para complexificar certos assuntos políticos. Em suma, o Tratado de Lisboa representa uma tentativa de aperfeiçoar a ação externa da UE em um contexto em que o bloco europeu procura reforçar o seu papel no sistema internacional. Contudo, a procura de maior eficácia e coerência parece ter falhado. Algumas alterações apresentadas são superficiais e insuficientes para alterarem a preponderância dos EM na condução da ação externa da UE. Este tratado evidencia desiquilíbrios dos papéis dos EM demonstrado uma falta de representatividade e igualdade.

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