UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, USP - FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS, FFLCH - \"HOMOSSEXUALIDADE E CONSUMO ESTÉTICO EM PARAISÓPOLIS\"
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO USP FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS – FFLCH
Ciências Sociais – 2015 Vespertino RELATÓRIO FINAL MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA II HOMOSSEXUALIDADE E CONSUMO ESTÉTICO EM PARAISÓPOLIS Julia Laura Rezende Juliana Rodrigues Alves Leonardo Gonçalves Francez Vinicius Guimarães Ribeiro da Cunha
Parte I – O problema de pesquisa 1 – Tema de pesquisa O tema escolhido para a realização da pesquisa fundamentase nas relações entre homossexualidade, identidade, preconceito e consumo na favela de Paraisópolis. A escolha do tema se explica a partir do interesse de estudar uma população estigmatizada por conta da homossexualidade e, ao mesmo tempo, marginalizada, por viver em Paraisópolis: uma favela que se encontra em um contexto de pobreza geograficamente circunscrito por uma região de altíssima renda (ALMEIDA e D' ANDREA, 2004). Além disso, pesquisas sobre preconceito, identidade e mercado gay, hoje em dia, são majoritariamente realizadas nos Estados Unidos, em oposição a um número ainda discreto de estudos realizados no Brasil (NUNAN, 2003). Assim, entendemos que a pesquisa qualitativa realizada é necessária para melhor entender as relações entre homossexualidade, preconceito, identidade e comportamento de consumo estético homossexual em Paraisópolis. 2 – Levantamento bibliográfico
Nunan,
●
Adriana.
padrões de consumo . Ed
Homossexualidade: do preconceito aos Caravansarai Ltda, Rio de Janeiro, 2003 págs.
7079; 116136;154200; 260330. Neste livro, Adriana Nunan, Doutora em Psicologia Clínica e Pósgraduada em Comunicação Social, pretende analisar o que significa ser homossexual a partir do ponto de vista do consumo estético gay. Isto é, assumese que o consumo estético possui papéis determinados e influenciados pelo estigma, preconceito, aceitação, encobrimento e afirmação da identidade homossexual, que podem ser identificados e relacionados a tais estratégias. ●
PEREIRA,
Bill; AYROSA, Eduardo André
Teixeira; OJIMA, Sayuri.
Consumo entre gays: compreendendo a construção da identidade homossexual
através do consumo. Cad. EBAPE.BR , Rio de
Janeiro , v. 4, n. 2, p. 0116, June 2006 . Available from .
access on 10 Sept. 2015.
http://dx.doi.org/10.1590/S167939512006000200002. Este estudo procura entender a forma como os gays interagem com o mundo dos produtos, observando as mudanças nos hábitos de consumo gay antes e depois do coming out , rito de passagem caracterizado pela adoção pública da identidade homossexual, isto é, a “saída do armário”. O estudo destaca que o consumo participa, portanto, de estratégias de negação, camuflagem e reforço da identidade homossexual.
MACHADO, Maíra do Vale; PEREIRA, Severino Joaquim Nunes.
●
Espelho,
Espelho Meu? Consumo Estético e Construção da
Identidade da
Mulher.
http://www.fucape.br/_public/producao_cientifica/2/Maira.pdf Esse texto procura relacionar a construção da identidade feminina com o consumo estético e busca pela beleza, percebendo como a mulher percebe e reage à pressão estética social.
ALMEIDA, Ronaldo de; D’ANDREA,
●
Tiarajú. Estrutura de
oportunidades em uma favela de São Paulo.
In.“Pobreza
sociais em uma favela de São Paulo ”In: Novos Estudos,
São Paulo: Cebrap, n. 68,
e
redes
mar, 2004 http://www.fflch.usp.br/centrodametropole/antigo/v1/pdf/Ronaldo_Tiara_Cap8.pdf Ronaldo de Almeida e Tiarajú D'Andrea procuram relacionar a favela de Paraisópolis a uma estrutura de oportunidades, dado o seu contexto específico no centro de uma região de alta renda da cidade de São Paulo. O texto apresenta uma contextualização importante de Paraisópolis, assim como informações sobre a sua origem. ●
GOFFMAN, Erving. Estigma:
Identidade Deteriorada.
Notas Sobre a Manipulação da
Tradução de Márcia Bandeira de Mello Leite
Nunes. 4 ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1988 Neste livro, Goffman analisa o estigma, marca negativa que outorga um status social baixo ao indivíduo que o possui. O estigma é analisado em face da identidade pessoal e social, além do alinhamento grupal. A partir disso, Goffman fala ainda sobre o controle de informações sobre
as quais o indivíduo estigmatizado lida em seus contatos sociais, utilizandose ora de estratégias para revelar seu estigma ora para escondêlo. ●
FONTES,
Olivia de Almeida;
BORELLI,
Fernanda
Chagas;
CASOTTI, Leticia Moreira. Como ser homem e ser belo? Um estudo
exploratório
sobre a relação entre masculinidade e o consumo
de beleza . REAd. Rev. eletrôn. adm. (Porto Alegre), Porto Alegre , v. 18, n. 2, p. 400432, Aug. 2012 . Available from . access on 8 Sept. 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S141323112012000200005 Este estudo pretende entender como funciona o consumo masculino de produtos e serviços de beleza, identificando as estratégias de manipulação das práticas de beleza para construção de papéis sociais e identidades de gênero. ●
BORRILLO, Daniel. Homofobia: História e Crítica de um Preconceito . Editora autêntica, ed. 1. 2010 – Belo Horizonte
Neste livro, Daniel Borrillo pretende identificar as causas e manifestações da homofobia, além de relacionála com outras formas de estigmatização e descriminação, mostrando a homofobia como um fenômeno complexo e variado. Borrillo evidencia as relações que se formam em uma sociedade heteronormativa e seus desdobramentos na homofobia, além da forte questão de gênero existente no tema. ● RADCLIFFEBROWN, Alfred Reginald. Sobre a estrutura social . PIERSON, Donald. 1970. Estudos de organização social – Tomo II: leituras de sociologia e antropologia social. São Paulo: Martins. p. 156173. Nesse texto, RadcliffeBrown faz uma análise sobre o estruturalismo na antropologia social, esclarecendo posturas etnológicas vigentes em sua época. O autor destaca o papel central da estrutura social, destacando, porém, que sua análise deve seguir métodos específicos.
3 – Definição do problema de pesquisa A questão de pesquisa é: como os homossexuais masculinos de Paraisópolis lidam com o estigma e preconceito, no processo de assumir a homossexualidade socialmente, através do consumo estético? De acordo com Adriana Nunan, em “Homossexualidade: dos preconceitos aos padrões de consumo”, enquanto que a homossexualidade não é uma escolha, por outro lado, o processo de saída do armário, “coming out”, isto é, assumir a identidade homossexual publicamente, é uma tomada de decisão do indivíduo. Nas palavras de Nunan, o sujeito faz a opção de ser socialmente homossexual e não de desejar homossexualmente (TREVISAN, 2000). Assim, é durante esse processo que o estigma homossexual deve ser superado, e o comportamento de consumo estético em relação ao vestuário e ao corpo permeia tal superação, como uma forma de lidar com o preconceito. O consumo apresenta, portanto, um importante papel durante esse rito de passagem, onde produtos e serviços são transformados em artefatos de consumos ritualísticos impregnados de grande valor simbólico (PEREIRA; AYROSA e OJIMA, 2006). Assim, Nunan destaca que antes da saída do armário, o homossexual vive uma constante manipulação de informações, procurando esconder sua identidade. Após a saída do armário, o consumo passaria a possuir outro papel, construindo e afirmando uma identidade homossexual e não procurando disfarçalá. A partir desses pressupostos, formulamos a questão de pesquisa para entender de que forma o consumo estético transformase durante o processo de saída do armário, compreendendo melhor como se dá a adoção pública da identidade homossexual e sua relação com o comportamento de consumo estético do indivíduo. 4 – Hipótese A hipótese central se baseia na possibilidade de os indivíduos homossexuais masculinos da favela de Paraisópolis sofrerem uma modificação em seu comportamento de consumo estético nos estágios anterior e posterior ao “coming out”, em outras palavras, na adoção pública de sua identidade homossexual. Assim, no rito de passagem da “saída do armário”, o
indivíduo homossexual sofre uma mudança nos hábitos de consumo, cabendo estudar aqueles relacionados à estética do indivíduo: discutindo, principalmente, a estética das roupas e a estética do corpo. O consumo estético é importante na construção da identidade homossexual do indivíduo, pois na base das estratégias de negação, de camuflagem ou de reforço de tal identidade podemos encontrar diferenças comportamentais. Assim, a hipótese pode ser apontada da seguinte forma: antes da adoção pública da identidade homossexual, o consumo estético funciona como estratégia de encobrimento, negação e camuflagem de tal identidade. Depois da adoção pública da identidade homossexual, o consumo estético passa a ter o papel de afirmação e reforço da mesma identidade. Assim, de acordo com a hipótese, durante a “saída do armário”, ou seja, a adoção pública da identidade homossexual; a relação do individuo com produtos e serviços se transforma devido ao grande valor simbólico que tais elementos possuem em sua vida, junto a positivação e a contribuição destes na construção de tal identidade (PEREIRA; AYROSA e OJIMA, 2006). Da mesma maneira, produtos e serviços são importantes na construção da identidade de homens e mulheres heterossexuais (MACHADO e PEREIRA, 2010; BORELLI, CASOTTI e FONTES, 2012). No movimento contrário, antes da “saída do armário”, o indivíduo homossexual passa por um “encobrimento” em suas interações sociais, em que ele esconde e manipula informações sobre sua verdadeira identidade, ou seja, ele possui um controle estratégico sobre sua imagem através do consumo estético. Esta prática pode ser muito bem avaliada no momento anterior ao “coming out”, em que o indivíduo homossexual camufla sua real identidade, a qual está inteiramente ligada ao estigma da identidade homossexual, para não perturbar suas relações sociais; o que não significa que tal camuflagem não se realiza no momento posterior ao “coming out”. Dessa maneira, vivese uma “vida dupla”, um “inferno” de todos os dias em que o indivíduo não pode revelar sua real identidade. Nisso, o consumo estético precisa ser bastante cuidadoso, pois tudo deve remeter ao padrão estético do mundo heterossexual. A partir do contraste do consumo estético do indivíduo antes e depois do “coming out”, podemos compreender como ele lidou com o “encobrimento” de sua real identidade (NUNAN, 2003).
A partir da categorização dos indivíduos numa sociedade, devido ao estabelecimento de determinados atributos, surge uma identidade social. Tal identidade compõese ora de atributos desejáveis, ora de atributos não desejáveis. Estes correspondem aos que são incongruentes com o estereótipo que criamos para um determinado tipo de individuo, como um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem. Em outras palavras, uma marca pública que outorga ao indivíduo um status social baixo. Esta marca é denominada estigma (GOFFMAN, 1988). O estigma representa uma ameaça social, seja ele camuflado seja ele revelado pelo indivíduo. Todo estigma é carregado de um forte simbolismo, o qual influencia as formas de tratamento e julgamento de um indivíduo para outro em determinada situação, sendo causa da depreciação e de experiências com preconceito e discriminação (NUNAN, 2003). O indivíduo homossexual, portanto, carrega o estigma da sua homossexualidade. Na “saída do armário”, o indivíduo transita de uma posição social determinada para outra. Cada posição social é marcada por papéis sociais, dentre estes o indivíduo pode ocupar um papel de estigmatizado. No caso, ao se assumir como homossexual, o indivíduo é obrigado a conviver com tal estigma em suas relações sociais de modo que esta marca seja aparente. No entanto, como é possível perceber, o indivíduo lida com o estigma da homossexualidade com estratégias, comportamentos, hábitos e práticas, seja antes ou depois do momento em que revela seu status social estigmatizado para vários públicos. E essa camuflagem ou revelação pode ser instrumentalizada a partir do consumo estético do indivíduo (PEREIRA; AYROSA e OJIMA, 2006). A identidade homossexual é conferida como um defeito a ser “reparado” no interior, e apenas no interior, de uma socialização heteronormativa, a qual constrói e delimita a homossexualidade numa ótica estigmatizante. No entanto, ao longo da pesquisa, a hipótese se mostrou incompleta já que não possibilitava a compreensão de todos os casos encontrados. Especialmente no que diz respeito ao papel do consumo estético após a “saída do armário”, ficará evidente que os indivíduos nem sempre adotam estratégias de afirmação de sua homossexualidade, encaixandose em uma lógica heteronormativa e por vezes utilizando outras esferas que não a do consumo estético para lidar com o estigma homossexual. 5 – Demarcações de campo e referencial empírico
A definição do referencial empírico baseouse na bibliografia de apoio consultada, especialmente o livro “Homossexualidade: do preconceito aos padrões de consumo” de Adriana Nunan e no artigo “Consumo entre gays: compreendendo a construção da identidade homossexual através do consumo”, de Bill Pereira, Eduardo André Teixeira Ayrosa e Sayuri Ojima. Nesses estudos, os autores optaram por trabalhar com homossexuais masculinos assumidos, isto é, homens gays fora do armário. Não foram incluídos homens transsexuais. Assim, procuramos adotar o mesmo procedimento. É preciso esclarecer, no entanto, que nem todos os entrevistados haviam adotado a identidade homossexual publicamente em todas as esferas de seu convívio, assim, em um dos casos, o entrevistado não se considerava “assumido” para a família e sim apenas para os amigos. Para localizar esses sujeitos em Paraisópolis, utilizamos, primeiramente, o contato de uma assistente social, Eliana, que trabalha atualmente no programa “Einsten na Comunidade de Paraisópolis”. Eliana recomendou que procurássemos a União de Moradores. Neste lugar, conversamos com o diretor do estabelecimento, Isaac, que indicou um amigo pessoal assumidamente gay, Diogo. Ele aceitou participar da pesquisa e realizar uma entrevista. Os outros entrevistados serão localizados pela técnica conhecida como snowball sampling, ou “bola de neve”. Nessa técnica, o entrevistado indica um conhecido para participar da pesquisa e esse novo entrevistado, por sua vez, faz o mesmo. É importante destacar que o recorte geográfico se restringe a Paraisópolis, apenas fazendo parte da pesquisa sujeitos que residam na favela. A favela de Paraisópolis localizase na zona sul da cidade de São Paulo, mais especificamente no centro de uma das regiões mais ricas da cidade, o bairro do Morumbi. A favela se originou da ocupação de terrenos loteados, a partir da década de 1920, em grande parte por migrantes nordestinos. Na década de 1970, houve um grande salto populacional, fortemente atrelado ao crescimento do Morumbi, pois a expansão de empreendimentos mobiliários nesse bairro “determinou a fixação de uma população atraída pela demanda de mãodeobra para construção civil” (ALMEIDA e D' ANDREA, 2004). Paraisópolis possui, portanto, diversas fronteiras com regiões onde se localizam requintadas mansões e condomínios. O centro de Paraisópolis, região mais antiga da favela e onde há grande concentração do comércio, é caracterizado por ruas uniformemente perpendiculares e asfaltas. É no centro, portanto, que se encontram as melhores condições urbanas da favela.
Paraisópolis apresenta uma população bastante elevada e as residências são, em sua maioria, construídas através de “puxados” (ALMEIDA e D' ANDREA, 2004), isto é, pequenas anexações informais nas construções, conforme estas se fazem necessárias. Assim, o contexto em que se inserem os entrevistados se mostra peculiar, na medida que uma região pobre é circunscrita por uma das regiões mais ricas da cidade, provocando contrastes em muitas esferas sociais. Voltandose agora especificamente para o público gay em Paraisópolis, percebemos, a partir do trabalho de campo, que não há espaços públicos de socialização entre indivíduos homossexuais masculinos, semelhantes à região central de São Paulo, como restaurantes, bares e baladas. A recorrência da fala dos entrevistados em relação ao assunto voltavase sempre para uma reunião privada entre amigos gays na casa de um indivíduo do círculo de amigos destinada ao encontro ou então se referia a ida à espaços de socialização acessíveis na região central ou em outros pontos de São Paulo, principalmente casas noturnas no final de semana.
Parte II O Trabalho de Campo 1 Descrição do trabalho de campo.
O trabalho de campo teve início a partir do primeiro contato que obtivemos na comunidade de Paraisópolis: Eliana. A partir de saber pela sua tia, Juliana logo se prontificou a perguntar pra ela qual seria o nome e o número dela . Como assistente social, atualmente trabalha na Comunidade Albert Einstein em Paraisópolis. Foram várias trocas de emails, e o horário de ambos os integrantes do grupo e a assistente eram sempre conflituosos. Após algumas conversas então, foi decidido que o encontro seria às 15 h, do dia 09 de Setembro de 2015. Eliana foi desde o começo muito atenciosa, e nos informou com muita precisão onde se situava o lugar da Comunidade Albert Einstein: Rua Manoel Antônio Pinto, número 285. Para chegarmos até lá, fomos os quatro integrantes utilizando de transporte público: No terminal Butantã, tomamos a linha 4, amarela, do metrô. Descemos na estação Pinheiros e partimos em direção à estação Santo Amaro, que si situava sentido Grajaú da linha 9, esmeralda, da CPTM. Chegando na estação, fizemos uma baldeação com a linha 5, lilás do
metrô, e descemos na estação Giovanni Gronchi. Na estação, pegamos um circular da região do Morumbi, bairro que faz divisa com a favela e descemos numa das divisas entre Paraisópolis e o bairro, numa das ruas mais íngremes da favela. Atrasamos um pouco para o encontro, mas algo cerca de 15 minutos. O local estava cheio de crianças e acabamos descobrindo o porquê: o local, estava oferecendo aulas de capoeira para crianças, além de corte e costura para adultos. Quando entramos, o local estava cheio de desenhos de crianças atendidas pelo projeto, além de exposições relembrando o período da escravidão, e um quadro sobre comidas típicas de cada região do Brasil. Após uma espera bem curta, fomos atendidos por Eliana, que logo se prontificou em ajudarnos. Perguntounos sobre o trabalho, o que nos motivou a escolher esse tema e porque estudar Paraisópolis. Após alguns diálogos sobre o projeto de pesquisa, afirmamos precisa de outros contatos para que pudéssemos entrevistar, e depois de passar alguns nomes que frequentavam a própria Einstein, nos sugeriu que fôssemos à União de Mulheres, e à União de Moradores de Paraisópolis, já que se nos apresentássemos lá, seria parte ideal de nosso trabalho na região. Então, assim que saímos da comunidade Einstein, fomos em direção à União de Moradores. No local, fomos atendidos por Isaac, diretor da União de Moradores, que trata dos assuntos gerais quando o presidente do local não está por lá. Seguimos basicamente o procedimento que o ocorrido com Eliana, explicando nosso projeto de trabalho e demonstrando nossa hipótese. Assim, afirmamos nossa procurar por indivíduos homossexuais masculinos assumidos na comunidade, e Isaac logo nos passou alguns nomes de conhecidos dele. Entre eles, estava o número de Diogo, que viria a ser nosso primeiro entrevistado para a pesquisa. Na União de Moradores de Paraisópolis, tivemos uma recepção calorosa por parte da maioria que estava lá naquele momento: numa sala, patrocinada por uma marca de refrigerantes, crianças estavam tendo aula de computação, e em outra sala, no mesmo corredor, mulheres estavam tendo aula de corte e costura. Quando Isaac disse “Esses são estudantes da USP, estão fazendo um trabalho aqui em Paraisópolis”, elas logo sorriram e nos cumprimentaram de longe. Na própria União, Isaac nos mostrou o espaço todo, como uma cozinha, que teria cursos de culinária aos fins de semana, e uma sala cheia de cadeiras, uma antiga sala em que
o curso de balé da União era administrado, mas acabou sendo deixada de lado. Essa mesma sala serviria futuramente como local de entrevistas para a pesquisa. Ao sairmos de lá, fomos acompanhados por Isaac até o ponto de ônibus, que segundo ele, seria muito mais fácil para chegar à favela, do que chegar à “fronteira” e atravessar andando. Passamos pelo chamado “centro” de Paraisópolis, com muitos comércios, como uma loja das Casas Bahia, por exemplo. Esperamos o ônibus, e após chegar, demoramos em torno de uma 45 minutos para voltarmos à estação Faria Lima, de onde iríamos para o terminal Butantã, num total de trajeto de uma hora, aproximadamente. A segunda ida a campo foi feita por apenas um integrante do grupo do trabalho de pesquisa, Leonardo. Esta foi feita no dia 26 de setembro de 2015, à noite, em torno de 21h quando saiu da Cidade Universitária. No dia anterior, em que todos fomos para a União, Isaac nos fez um convite para irmos à inauguração de um bar na região, em que as donas do bar são homossexuais, e então poderia lá, haver outros homossexuais masculinos com quem pudéssemos conversar. No entanto, pelo evento ser logo depois ao do encontro, apenas um de nós poderia comparecer. Logo Leonardo saiu da estação Butantã em torno das 21h, e foi pelo trajeto de trem e metrô até o terminal João Dias. De lá, ele pegou um ônibus até Paraisópolis, indo até o ponto final. Isaac o buscou a pé, e foram antão a pé até o local, chamado “I Love Potato”, o apresentou para todos que estavam, lá. Era uma “reinaguração”, estava muito cheio e era difícil entrar e andar por lá. Leonardo se enturmou bastante, mas não chegou a fazer contato com algum homossexual masculino, logo ficou pouco tempo, em torno de uma hora, e retornou ao seu trajeto inicial. Nossa terceira ida a campo foi para a primeira entrevista a ser realizada. Após Isaac nos passar alguns contatos, escolhemos nos comunicar com Diogo, que segundo o diretor da União de Moradores de Paraisópolis, tinha uma companhia de teatro, e cuidava de todos os assuntos relacionados a arte e a cultura na favela, e era um homossexual assumido. Assim, após trocar algumas mensagens via WhatsApp, combinamos de encontrálo no dia 13 de outubro de 2015, na própria União. Isaac foi o mediador do encontro e nos ofereceu a própria
União para que pudéssemos realizar a entrevista, que ocorreria na sala de ballet desativada, no primeiro andar do local. Para a entrevista, utilizamos um gravador Sony, com capacidade pra 12 horas de gravação ininterruptas. Na entrevista, Julia e Leonardo compareceram. Para chegar ao local, no horário marcado de 14h, na União de Moradores para a entrevista, tomamos um ônibus na estação Faria Lima, o circular 7040, e descemos na região central de Paraisópolis, na Rua Melchior Giola. A rua da União de Moradores ficava bem próxima, na Rua Enerst Rennan. Ao chegarmos lá, ficamos esperando alguns minutos e nosso entrevistado, Diogo, então chega. Com o primeiro roteiro de entrevistas já elaborado, demos início a entrevista. Com a duração de uma hora e quarenta e dois minutos, a conversa fluiu de forma bem amistosa e tranquila, e Diogo não se sentiu desconfortável em responder nenhuma delas. Fomos muito bem atendidos por todo o pessoal da União, e nossa primeira entrevista foi um sucesso. A partir da conversa e de diversas histórias relacionadas a sua homossexualidade e o consumo, tiramos algumas conclusões que seriam refutadas mais tarde, após a apresentação do relatório parcial. Nossa quarta ida a campo foi para a entrevista de Anderson, um dos vários contatos que conseguimos através de Diogo, o primeiro entrevistado. Anderson, agente de saúde, homossexual assumido e morador de Paraisópolis. Para a entrevista, Leonardo e Vinícius compareceram, e fizeram o mesmo trajeto, a partir da estação Butantã. Novamente, a entrevista ocorreu na União de Moradores de Paraisópolis no dia 17 de novembro de 2015, às 15 horas, na sala do setor de comunicação e imprensa na União, oferecida para a parte de divulgação da União. Esta fluiu tranquilamente, já com algumas pequenas alterações feitas no roteiro, em que fezse necessária a adequação das perguntas ao tema pesquisado. A entrevista toda teve um total de uma hora e onze minutos. Anderson mostrouse muito atencioso e gentil para ajudar na nossa pesquisa de campo e em nenhum momento, recusouse a responder alguma questão. Nossa quinta ida a campo ocorreu no dia 20 de novembro de 2015, às 10 h. Na quinta ida, realizamos uma nova entrevista, que no caso seria realizada com outro contato oferecido por Diogo, no esquema “bola de neve”: Marcos, um jovem de 24 anos que sempre esteve
envolvido com o cenário cultural e teatral de Paraisópolis. Marcos conheceu Diogo quando também esteve envolvido com a companhia teatral Cia. TP, a qual foi idealizada por Diogo. A entrevista ocorreu no espaço CEU Hebe Camargo, de Paraisópolis, localizado na Rua Dr. José Augusto de Souza e Silva. Na ocasião, compareceram Julia e Juliana, que após fazerem o mesmo trajeto da estação da Faria Lima, porém, desceram na rua do CEU, sem saberem que li seria o lugar da entrevista, e após alguns imprevistos, foram andando e chegaram numa rua a qual faz cruzamento com a União de Moradores. O ponto de encontro entre as meninas e Marcos seriam em frente a União, já que Marcos mora perto e seria o ponto mais fácil de ser encontrado pelas pesquisadoras. Após alguns breves minutos, Marcos chega e nos acompanha andando até o CEU, cerca de dez ou quinze minutos distantes da União. Muito receptivo, fomos explicando sobre o que se tratava o trabalho, o que ele fazia, e no que trabalhava. Ao chegarmos no CEU, nos acomodamos num espaço com algumas mesas e cadeiras, um espaço coberto com várias quadras de basquete, em que um grupo estava jogando próximos a nós. Toda a conversa fluiu muito bem, e de forma bem tranquila, novamente. A entrevista teve uma duração de uma hora e vinte minutos no total. Ao final, nos acompanhou até o ponto de ônibus mais próximo e explicou onde seria mais fácil para nós. Durante nossa visita ao CEU, observamos muitas fotos sendo expostas, de rapazes vestidos de forma social e tiradas no meio da comunidade. Ao perguntar sobre quem eram essas fotos, Marcos nos fala que é de um estilista muito famoso na região, nascido na favela e homossexual assumido. Demonstramos interesse em contatar então esse rapaz, e assim, Marcos nos passou o número dele, o que acabaria nos levando a nossa última entrevista. A sexta ida a campo então foi realizada para nossa última entrevista. Após conversas via ligação, conseguimos contatar Alex, o estilista de Paraisópolis, para uma entrevista, sendo algo combinado bem rapidamente, e desse modo, apenas uma pessoa do grupo pôde comparecer: Leonardo. A entrevista ocorreu na União de Moradores, na mesma sala de balé desativada, situado na Ernest Rennan, às 10 horas do dia 24 de novembro de 2015. Novamente, tudo ocorreu perfeitamente bem, e a entrevista teve uma duração de uma hora e trinta e três minutos. Após a entrevista, partimos para o CEU, para ver a exposição das fotos
de Alex, sobre a qual o último entrevistado havia comentado. Percebemos a importância do CEU para a favela, e o quão sua estrutura traz benefícios a toda população atendida.
2 Justificativa da adequação das três técnicas utilizadas ao problema. Foram utilizadas três técnicas de pesquisa para a realização do trabalho. A principal técnica escolhida foi a realização de entrevistas em profundidade com indivíduos homossexuais masculinos moradores de Paraisópolis. As entrevistas são semiestruturadas, gravadas e posteriormente transcritas. Utilizamos a história de vida, por meio de entrevistas semiestruturadas, fotografias e documentos dos entrevistados. Por fim, também fizemos uso da análise de fotografias, cedidas pelos entrevistados. Todo o material obtido foi utilizado apenas para a realização do trabalho, conforme previamente combinado com os indivíduos que participaram na qualidade de entrevistados. Escolhemos trabalhar com entrevistas em profundidade por elas permitirem um maior aprofundamento do tema. Como a preocupação é compreender aspectos ligados a homossexualidade e ao consumo estético, ou seja, temas subjetivos, tornouse mais adequado o uso de entrevistas, principalmente pelo caráter exploratório e investigativo pretendido pelo trabalho. A entrevista semiestruturada permite apreender as perspectivas individuais de cada sujeito, capturando ao mesmo tempo, seus universos sociais (NUNAN, 2003). A realização de entrevistas semiestruturadas foi fundamental para o trabalho, pois nos permitiu compreender diversos aspectos ligados à homossexualidade dos indivíduos gays de Paraisópolis. Como não há registros de estudos sobre o nosso tema envolvendo a favela de Paraisópolis, podemos dizer que as falas dos entrevistados nos colocaram em contato com um universo inexplorado pelas nossas referências bibliográficas, pois apesar de tratarem de temas comuns ao nosso trabalho, foram realizadas em circunstâncias e lugares completamente diferentes, com um grupo focal de homens homossexuais adultos de classe média e médiaalta na zona sul carioca. O uso de entrevistas semiestruturadas possibilitou ao grupo entender o universo social em que os homens gays de Paraisópolis estão inseridos. Diversas perguntas do roteiro(e outras feitas de modo circunstancial) instigavam o indivíduo entrevistado a se
localizar em Paraisópolis, seja para falar sobre a infraestrutura para o público gay, sobre preconceitos vividos ali, sobre o círculo de amizades, etc. Buscamos compreender o espaço delimitado através das perspectivas do grupo amostral selecionado para as entrevistas utilizando as falas dos entrevistados e suas percepções sobre Paraisópolis. Em alguns pontos as falas foram praticamente idênticas, como sobre a ausência de uma infraestrutura para o público gay e a relativa tranquilidade para os gays no cotidiano na favela. Os entrevistados relataram diversas situações vividas com muitos detalhes, de maneira bem articulada e fazendo uma regressão ao ambiente vivido através da memória, algo intencionado pelas perguntas abertas utilizadas na entrevista semiestruturada. Em diversas situações o uso de perguntas circunstanciais, possibilitado pela metodologia escolhida, se mostrou fundamental para estimular o desenvolvimento e complementação das respostas por parte do entrevistado, a partir de suas próprias reflexões. A segunda técnica utilizada foi a história de vida, por meio de entrevistas feitas pessoalmente, também gravadas e posteriormente transcritas, além da análise de fotos associadas ao relato “biográfico” dos entrevistados e cedidas por eles. A primeira obra a utilizar a história de vida com fins sociológicos foi “The Polish Peasantry in Europe and America”, de W.I. Thomas e F. Znaniecki. “Os autores buscaram com tais estratégias a compreensão e interpretação desses emigrantes(poloneses) a partir da significação subjetiva que os sujeitos denotavam às suas ações.” (BARROS, 2000). Dessa forma, o pesquisador tem papel ativo na obtenção e compreensão do objeto de estudo e do mundo que o cerca, repleto de significações dadas pelos pesquisados. Como o trabalho busca compreender o universo em que os gays de Paraisópolis estão inseridos e a sua realidade, a história de vida apareceu como um bom método qualitativo para identificar essas informações. O objetivo do método da história de vida é ter acesso a uma realidade que ultrapassa a do narrador. O ponto de vista do entrevistado é mais importante do que o do entrevistador. Existe uma necessidade de uma relação de cumplicidade entre pesquisador e pesquisado. Essa relação proporciona intimidade e abertura suficiente para que o sujeito faça seus relatos de forma boa e tranquila. Infelizmente não conseguimos essa relação de total confiança em
algumas entrevistas, de certa maneira, essa ausência de uma boa relação culminou em entrevistas não tão boas, pelo pesquisado não se sentir tão à vontade para relatar alguns aspectos. Quando essa relação de confiança foi atingida, os relatos fluíram de forma muito mais natural, como se fosse uma conversa e não uma entrevista. Um dos entrevistados disse, após a gravação, como a entrevista foi boa para ele, que foi como um desabafo poder fazer essa regressão e relatar situações ocorridas ao longo de sua vida. Como visto, a utilização da história de vida permitiu um aprofundamento nos relatos e nos significados dados a eles pelos entrevistados. Compreender aspectos ligados a homossexualidade e consumo estético no meio no qual estão inseridos, Paraisópolis, só foi possível por meio do uso da história de vida no nosso trabalho. A terceira técnica utilizada no trabalho foi o uso de análises fotográficas dos entrevistados. Como uma das principais intenções do trabalho é compreender o consumo estético dos indivíduos homossexuais, essa técnica se mostrou importante por permitir ao grupo analisar diferenças estéticas e de vestuário, não só entre todos os entrevistados mas também entre os próprios entrevistados individualmente, ao comparar diferenças estéticas antes e depois do “coming out” quando possível. O consumo apresenta, portanto, um importante papel durante esse rito de passagem, onde produtos e serviços são transformados em artefatos de consumos ritualísticos impregnados de grande valor simbólico (PEREIRA; AYROSA e OJIMA, 2006). A análise de fotografias, gentilmente cedidas pelos entrevistados para o trabalho, permitiunos a identificar, visualmente, os casos em que houve uma mudança no comportamento de consumo estético e se o indivíduo utilizou o consumo estético para a construção e afirmação de sua identidade homossexual, algo relacionado com a nossa hipótese. 3 Descrição das condições de uso de cada uma das técnicas Foram realizadas quatro entrevistas em profundidade, com média de 1h30min cada. Três entrevistas foram gravadas na União de Moradores através da disponibilidade e ajuda do diretor Isaac em nos atender. A outra entrevista foi realizada no CEU Paraisópolis, outro local de fácil acesso dentro da comunidade, onde a entrevista pode transcorrer normalmente.
A entrevista semiestruturada tem como característica questões apoiadas em teorias e hipóteses relacionadas ao tema do trabalho. O roteiro tem perguntas principais que são complementadas de acordo com as circunstâncias da entrevista e das falas do entrevistado, permitindo uma organização das questões que pode ser ampliada a medida que as informações vão sendo fornecidas. Chegamos aos sujeitos que seriam entrevistados pela ferramenta conhecida como “bola de neve”, na qual um indivíduo que os pesquisadores conheçam indica um de seus amigos para participar da pesquisa, que por sua vez convida outro amigo, e assim por diante. É uma técnica muito usada em estudos qualitativos de grupos estigmatizados e difíceis de serem localizados, onde a abordagem precisa ser mais cautelosa. (NUNAN, 2003). O nosso primeiro entrevistado, Diogo, foi muito solícito e nos passou contatos de outros conhecidos gays que também são moradores de Paraisópolis. Constatamos um ligeiro vício na amostra, pois como o primeiro entrevistado é envolvido na área cultural da favela(criador da Cia. Teatral de Paraisópolis), acabou por nos indicar outros gays também envolvidos com a área cultural de Paraisópolis, inclusive um participante do mesmo grupo teatral e um frequentador do mesmo. A ferramenta da bola de neve facilitou a realização das entrevistas, já que utilizamos as redes de amizade e de confiança do primeiro entrevistado, o que nos permitiu encontrar indivíduos homossexuais com certa facilidade e sem a desconfiança por parte deles para que as entrevistas fossem feitas. Isso não impediu que a falta de intimidade entre entrevistados e entrevistadores afetasse a forma como algumas perguntas foram respondidas, pois algumas delas tratavam de temas mais íntimos e como na maioria das ocasiões conhecemos os entrevistados poucos minutos antes das entrevistas, cremos que certas situações durante as entrevistas foram afetadas por isso. Utilizamos análises de trechos dos discursos dos entrevistados para analisar o material obtido, que posteriormente foi comparado com o que temos de bibliografia e hipótese para a conclusão do trabalho. O grupo se reuniu para ouvir e analisar as entrevistas em todos os casos, as discussões nessas reuniões foram muito edificantes para o trabalho e as nossas conclusões.
As entrevistas semiestruturadas também foram de utilidade para a aplicação do método da história de vida. Foi pedido aos entrevistados que contassem a sua história no geral, onde nasceram e cresceram, sobre os amigos e familiares, sobre o trabalho, sobre Paraisópolis e também sobre acontecimentos relacionados a sua homossexualidade, como a saída do armário, a aceitação ou não aceitação de família e amigos, situações de preconceitos vividas ou presenciadas, etc. Os relatos podem não ser reais em sua totalidade, mas essa não é uma preocupação para a história de vida, já que o que importa é o significado que o sujeito atribui a esses fenômenos. O relato colhido é “uma produção de si” (BOURDIEU apud PREUSS, 1997). Nós, como pesquisadores, precisamos acreditar na fidedignidade do que nos foi contado, pois na história de vida o ponto de vista do narrador é sempre mais importante ao nos colocar em contato com um novo universo. Foi perguntado aos entrevistados se eles poderiam contribuir com algum material, como fotos ou documentos, para contribuir e aprofundar o conhecimento que temos sobre eles para o trabalho. Eles nos cederam esse material solicitamente, a fim de contribuir mais para o nosso trabalho. Através das fotos cedidas por cada um deles, analisamos a estética dos indivíduos, algo perceptível de modo explícito ao olhar as fotos. Assim, foi possível encontrar padrões de consumo estético dentro do grupo entrevistado e realizar comparações dentre os membros do mesmo. Desse modo, junto com o material obtido pelas entrevistas, pudemos analisar melhor os perfis dos gays entrevistados com o material adicional das fotografias. Analisamos as imagens cedidas em conjunto, utilizando como referências a bibliografia do trabalho, o material obtido nas entrevistas e a análise visual do material cedido. 4 Avaliação do valor das evidências coletadas.
No nosso processo de pesquisa, não foram utilizadas além da entrevista, evidências de relatos em papel, carta, documentos ou material impresso ou específico, com exceção das fotos coletadas pelos próprios entrevistados e enviados a nós, com o propósito de análise de vestuário e estética homossexual masculina. As entrevistas foram todas baseadas na história de vida dos entrevistados, e foi notável a espontaneidade nos discursos de cada um deles.
Talvez menos na entrevista com Anderson, já que boa parte de sua fala parecia de certa forma, querer “impressionar” o entrevistador, por isso se percebe certo viés no seu discurso. Assim como um relato pode ser modificado, ao relatar suas histórias de vida, pôde ter ocorrido uma manipulação ou ocultação de alguma informação, irrelevante ou não à entrevista. Neste caso, percebese que não foi realizado um acompanhamento do diaadia dos entrevistados, justamente pela falta de tempo necessário para que uma investigação completa pudesse ser feita. Apesar de manipulável, as informações coletadas e uma possível observação participante poderiam ocorrer a partir de um maior conhecimento entrevistadorentrevistado, e com uma consequente maior intimidade entre ambos. As entrevistas foram o principal meio utilizado, já que houve a necessidade de uma conversa mais íntima, devido ao fato da homossexualidade ser um tema relativamente pessoal a cada um dos entrevistados. Assim, a história de vida pôde ser obtida a partir da oralidade, e as fotos posteriormente recebidas como forma de sustentar e de análise da estética de vestuário. A consistência e compatibilidade de dados obtidos de diferentes fontes foram observadas nas entrevistas: a partir da técnica da “bola de neve”, os entrevistados possuíam certa relação de amizade entre si, e havia comentários sobre algo que já havia sido dito antes por outro entrevistado, confirmando o acontecimento. A consistência das informações passadas aos entrevistadores coube à trajetória de vida dos participantes da pesquisa e a escolha de informações que seriam passadas a nós de acordo com a relevância em relação as perguntas das entrevistas, e o quanto o entrevistado se sentiu relativamente confortável para passar certas informações ou não a nós, entrevistadores. 5 Avaliação geral do trabalho de campo. Do ponto de vista geral, o trabalho de campo pode ser visto como o principal trajeto de nossa pesquisa, já que confirmou ou refutou hipóteses e ainda mostrouse de forma geral essencial para que todo o trabalho pudesse ser elaborado.
A partir da aprendizagem, o trabalho de campo veio como ferramenta transformadora, tanto do ponto de vista técnico quanto subjetivo dos participantes: o primeiro contato com região por parte de cada integrante do grupo revelouse uma grande importância para todo o processo, em que houve realmente uma desconstrução de todos os paradigmas pensados anteriormente a respeito de favelas, como Paraisópolis, por exemplo. A aprendizagem que a pesquisa nos trouxe foi algo totalmente colaborador não só à nossa formação acadêmica, mas como pessoal. O envolvimento com pessoas de realidades distintas das nossas, de diferentes classes sociais e portadores de “bagagens culturais” surpreendentemente diferentes, o que tornou o trabalho de campo enriquecedor em todos os aspectos. Tentar compreender essa realidade em que os gays de Paraisópolis estão inseridos foi, em alguns momentos, o maior desafio para nós, já que não tínhamos nenhuma noção nem estudo sobre o tema. A percepção de que como comunidade, as mídias tendem a exaltar certos estereótipos exagerados, porém, percebemos que, como qualquer lugar, necessitamse certos cuidados, também isso se aplica a Paraisópolis. A ideia de “favela perigosa” pôde ser desconstruída a partir das idas que tivemos até os lugares para as entrevistas. O perigo pode ser observado em quaisquer lugares, de diferentes formas, mas no caso de Paraisópolis, o perigo pode não ser como vemos na TV todos os dias, ou como descrever pessoas de diferentes bairros, mas assim como qualquer outro lugar, devese manter respeito pelas pessoas as quais convivem lá. A partir de certas experiências, podemos notar também como não temos total controle sobre as situações nas quais estávamos inseridos no contexto de Paraisópolis: No dia da entrevista do Marcos, Julia e Juliana passaram por certo imprevistos. Quando estavam a caminho de Paraisópolis, dentro de um circular, este de repente para numa rua próxima a comunidade. No momento, ambas ficaram bastante apreensivas, já que aparentemente, na rua poderia passar apenas um veículo, e o veículo da frente, em sentido oposto, se recusava a deixar o ônibus circular continuar seu trajeto, mesmo com passageiros. Assim, Julia e Juliana partiram em direção à comunidade a pé, seguindo uma senhora que tinha o mesmo destino, o centro de Paraisópolis.
Naquele momento podemos notar como as situações não poderiam ser controladas ou planejadas, mas que devese manter a calma e refletir sobre saídas alternativas para a ocasião. Estas formas acabaram se tornando um aprendizado sobre como lidar com a insegurança, quando em trabalho de campo. Um importante item observado foi a importância dos meios de comunicação, e das redes sociais para que as entrevistas, e seus agendamentos. A partir da comunicação com um entrevistado, o próximo entrevistado viria a ser contatado por WhatsApp, o que acabou agilizando de modo benéfico todo o andamento do trabalho de campo e da pesquisa em si. Um ponto observado foi notar todos aqueles condomínios de altíssimo padrão, concessionárias de carros caríssimos, estabelecimentos “gourmet” e de forma repentina, descer do ônibus, entrar em uma pequena rua e ver aquela imensidão da comunidade, lado a lado com toda aquela riqueza, no primeiro momento, nos surpreendeu muito. Naquele momento, nos veio à cabeça imagens assustadoras da desigualdade social no Brasil, dos barracos da favela ao lado dos condomínios de luxo. E depois disso que fomos descobrir que essas fotos foram tiradas exatamente naquela fronteira MorumbiParaisópolis. Assim como qualquer outro lugar, também, Paraisópolis apresenta múltiplas facetas. Diferentes pessoas, com diferentes pensamentos e posições sobre a vida e o mundo. Diante disso, tornouse necessário que fossem desfeitas certas generalizações quanto a região, sua população ou costumes, já que essas generalizações nem sempre podem ser feitas. Por mais que tenhamos entendido sobre quaisquer assuntos, certas situações em campo nos faz questionar sobre todas as informações préconcebidas e perceber o pesquisador como um aprendiz diante da situação do trabalho em um lugar relativamente desconhecido. Por conta dessas informações préconcebidas, geralmente meios de comunicação, por exemplo, antes de começarmos nosso trabalho de campo houve certo receio e insegurança por conta do local. Por mais que estivéssemos dispostos a desmistificar a ideia de favela ser um lugar extremamente perigoso, ou violento, certos contatos, como familiares por exemplo, ao saberem que íamos fazer uma pesquisa em Paraisópolis, afirmavamnos para tomar cuidado,
outros até em posições extremas, chegaram a afirmar para não fazermos esse trabalho, por conta do risco que estaríamos correndo. Apesar disso, a primeira ida a capo ocorreu tranquilamente. De fato, tudo ocorreu de modo muito natural: Todas as pessoas que encontramos foram extremamente solícitas, e em nenhum momento nos sentimos apreensivos, em relação a situação; andar pelas ruas da comunidade era algo tranquilo, exceto pelo fato das ruas serem estreitas, e os veículos competirem espaço com os pedestres, mas esse foi um fato que logo nos acostumamos. Tomamos assim, uma opinião após a primeira visita, de que tudo seria perfeito em relação ao que pensávamos antes, sobre a comunidade ser muito perigosa. Isso logo foi refutado, já que uma situação bem preocupante aconteceu em seguida à nossa visita. No bairro do Morumbi, que faz divisa com a comunidade de Paraisópolis, e a discrepância de renda entre ambos os lados é aterradora, ocorre um assalto a residências em uma de suas principais ruas. O caso, noticiado por todos os meios de comunicação, foi algo que alertou a nós e a todos os outros grupos de pesquisa na região, deixando assim o trabalho de campo como, novamente, algo perigoso e cheio de cuidados necessários por nossa parte. Nos noticiários, a suspeita de que os assaltos tenham sido praticados por moradores de Paraisópolis só aumenta a tensão, e com o passar dos dias, o policiamento na região aumenta de forma monumental, com atenção voltada principalmente para as fronteiras entre Paraisópolis e Morumbi. Logo depois deste fato, foi relatado que um grupo de pesquisa na mesma região foi perseguido por indivíduos não identificados. Sendo este fato, o de maior tensão entre todos os grupos, e que possivelmente atrasou o andamento de outros grupos, mas felizmente, acabou não sendo nosso caso.
PARTE III ANÁLISE 1 Descrição das situações e processos observados junto com a interpretação dos mesmos: Utilizandose do conceito sobre estrutura social proposto por RadcliffeBrown, entendemos que os fenômenos sociais estudados a partir do trabalho de campo feito na favela de Paraisópolis são consequências diretas da estrutura social na qual se situam e se desenvolvem
ao longo do tempo e não são resultado imediato da natureza dos seres humanos. A partir do pensamento de Daniel Borrillo, compreendemos que o grande problema em lidar com o estigma da identidade homossexual dentro da favela de Paraisópolis está intimamente ligado com o fato de que o heteronormativismo, isto é, as práticas e as instituições que legitimam a heterossexualidade e os relacionamentos heterossexuais como fundamentais e naturais dentro da sociedade; é responsável por transformar a homofobia “em um elemento central capaz, ainda por cima, de garantir o equilíbrio individual e a coesão social” (BORRILLO, 2010, pág. 88). A partir do que foi exposto acima, podemos descrever as recorrências e suas peculiaridades nas falas dos entrevistados que remetem a um comportamento homofóbico que, em sua grande parte, constituise como elemento da identidade masculina com a finalidade de evitar a transgressão do “ser homem” e “a necessidade de se afirmar pelo menosprezo do outronãoviril” (BORRILLO, 2010, pág. 90). Com tudo isso, podemos assinalar a existência de dois tipos de indivíduos gays, “os que se mostram” e “os que não se mostram”: denominados aqui, devido a sua recorrência, de “tipo afeminado” e “tipo contido”. O primeiro entrevistado, chamado Diogo, é o indíviduo que se encontra no polo do tipo contido. Na fala abaixo, é possível perceber que a homossexualidade para ele não ultrapassou por completo uma identidade negativa como constituição de sua própria identidade, ou seja, mesmo com o “coming out”, ele não vê o “ser gay” como algo positivo para a sua vida: Eu nunca aceitei de fato, sou gay desde que nasci, sou muito bem resolvido quanto a isso, mas não é uma coisa que eu posso dizer que sou super feliz quanto a isso, não posso dizer “Ah, amo ser gay.” Gosto de ser homossexual porque sou feliz assim, mas como você disse, nas minhas palavras é uma coisa terrível.
A repulsa por qualquer traço feminino na vida cotidiana de Diogo antes de se assumir demonstra o quão importante para ele significava a manutenção de sua masculinidade,
“moldando” seu corpo a fim de evitar qualquer símbolo de um comportamento de consumo estético feminino: [...] eu ficava pensando que meus amigos não iam me aceitar, que minha família não ia me aceitar, que ia ser horrível, que todo mundo seria muito ruim comigo, que iam ter muito preconceito com minha pessoa e tudo mais. Então sempre fui me pilhando com isso, fui crescendo, comecei a mudar meu corpo de uma forma que eu não ficasse afeminado, que comprasse roupas que não ficassem afeminadas, tendo todos esses cuidados e isso foi muito ruim. Hoje em dia, no teatro, eu não consigo fazer coisas que eu tenho que fazer, que eu me mato pra fazer, porque meu corpo tá mudado dessa forma. Na dança também é terrível, não sei dançar direito porque moldei meu corpo dessa forma.
Encontramos forte preocupação com a aceitação de outros indivíduos em relação a sua própria imagem mesmo depois de se assumir como homossexual para todos: Acho que todo homossexual tem isso, esse medo. De achar que as pessoas não vão te aceitar. Ninguém é “Ah, to nem aí pra aceitação de todo mundo”. A gente sempre busca aceitação em tudo.
É necessário frisar que tal aceitação em relação a sua imagem exige um comportamento de consumo estético voltado exclusivamente para uma identidade masculina e para os limites de tal identidade, ajustandose ao perfil “prático, padrão” de se vestir; e , ao mesmo tempo, tal
comportamento voltase para uma negação de qualquer traço feminino, como, por exemplo, a grande demanda de tempo e preparação voltada para se vestir, o uso de shorts curtos, uma maior preocupação com o cabelo, como podemos ver na fala abaixo de Diogo: Tem a questão do jeito que se veste, eu acho que me visto assim, tipo vocês, que tem que trabalhar, estudar tudo, então pega a roupa que tem ali e já sai. A roupa que tá na frente já pega, às vezes tá com uma blusa com outra, às vezes com outra, ás vezes uma em cima da outra que aí é só pegar e tirar. Até falo pra minha amiga “Tô com a roupa do teatro, de reunião, de trabalhar e de dormir.” [...] Eu sou mais prático, não tenho muito tempo pra ficar indo atrás dessas coisas. [...]
A heteronormatividade é tão presente no cotidiano de Diogo porque a maioria de seus amigos são héteros e, em uma das suas falas, é possível destacar o fato de que, no seu cotidiano com os amigos, ele não sofre preconceito por conta de “seu jeito”, ou seja, porque ele mantém, mesmo após afirmar sua identidade homossexual para sociedade, a sua masculinidade perante os outros. Diferentemente dele, percebemos que o estigma da identidade homossexual, quando se coloca de um lado, ele, Diogo e outro indivíduo homossexual qualquer que seja, do tipo afeminado, este último será caçoado pelos seus amigos; é o tipo afeminado que mais sofre o estigma da identidade homossexual porque seu comportamento de consumo estético é voltado parcialmente para o que se ajusta ao feminino, e por conta disso, é o tipo afeminado que transgride o “ser homem” tão enaltecido pela sociedade heteronormativa que se reproduz fielmente na favela de Paraisópolis: Eu dificilmente sofro preconceito, eu acho que pelo meu jeito. E isso é um preconceito, eu percebo isso pelos meus amigos. Eles são super de boa comigo, mas criticam outros gays, eu tenho que estar sempre xingando, falando pra eles “Gente, nada a ver, cada um é cada um,
a pessoa tem o direito de ser do jeito que ela é, de ser afeminado ou não.” Eu tento explicar essa situação que eu passei durante muitos anos pra poder ser do jeito que eu sou hoje em dia. Mas meus amigos tem essa questão ainda, de criticar, de falar “Ah, olha lá a bichona”.
O outro entrevistado, chamado Anderson, que, do mesmo modo que o Diogo, também se localiza no polo do tipo contido, ou seja, ele é um gay que mantém a sua masculinidade mesmo após assumir sua identidade homossexual para a sociedade, não demonstra indícios de sofrer o estigma da identidade homossexual a partir de seu comportamento de consumo estético. Nas suas palavras: [...] eu gosto de roupas que podem ser estilosas, fashion, diferenciadas, que um heterossexual e um homossexual vai usar, porque gay não tem muita frescura porque como que coloca uma roupa, pode ser rosa, se for falar, tá escrito “homem”, eu tô usando. Agora usar uma coisa mais extravagante, mais feminina, eu já não gosto. Eu gosto de roupas estilosas, mas que sejam roupas de homem, que estejam num padrão de masculinidade e não de feminilidade. P: Mas um padrão de masculinidade heterossexual? R: Sim, também. Porque diferencia muito, tem o heterossexual, às vezes ele não quer usar essa camisa verde, porque ele acha muito “cheguei”, mas tem outros que curtem uma roupa mais discreta assim, bermudão. Mas enfim, eu uso tudo isso, bermudão… Eu gosto de roupas estilosas. Não gosto de roupas muito brega.
A partir da fala acima de Anderson, em primeiro lugar, podemos destacar que ele ,embora não seja o gay “padrão” e ao mesmo tempo abuse na sua estética do vestuário, utilizandose de roupas “estilosas”, “diferenciadas”; ele faz uso de estratégias de negação do tipo afeminado ajustandose á roupas “num padrão de masculinidade e não de feminilidade”. Por conta disso, mesmo após se assumir socialmente como homossexual, Anderson não sofre o estigma da identidade homossexual a partir de seu comportamento de consumo estético e, consequentemente, isso resulta numa vida tranquila com a família e com os amigos no seu cotidiano na favela de Paraisópolis, como podemos ver nas seguintes falas: Pra mim foi bem tranquilo, minha mãe é bem tranquila também e ela nunca ligou pra minha homossexualidade, eu não tive nenhum problema com relação a ser homossexual.
Minha vida gay, na verdade, eu posso dizer que é tranquila. Acho que eu nunca tive nenhum problema... To com 26 anos, então faz 12 anos de homossexual [sic]... E eu nunca tive nenhum problema... Não sei se pelo fato de eu ser muito reservado, de não dar muita intimidade pras pessoas. Acho que é mais ou menos isso, porque a partir do momento que você dá ousadia, as pessoas aproveitam isso... Mas se você é uma pessoa reservada e mostrar que você não é aquilo, que gay não é bagunça, que cada gay tem o seu diferencial… P: Mas foi difícil em relação a sua família em relação a seus amigos...
R: Não. Foi tranquilo assim, nunca tive problema com amigos, nunca tive problemas assim de homossexualismo (sic) com amigos, ou família, foi bem tranquilo mesmo. Pode falar que não foi uma vida sofrida, se alguém falou por trás não sei, também não importa, mas pra família foi tranquilo.
Na montagem de fotos acima, o primeiro indivíduo é Diogo e o segundo é Anderson, o qual não quis mostrar seu rosto. Ambas as fotos foram enviadas por eles mesmos pelo Whatsapp para Leonardo. Percebemos que a estética do vestuário de Diogo é muito simples, pois ele usa um tênis que não seja bem “trabalhado”, uma calça folgada e azulmarinho, uma cor padrão e por fim uma camiseta simples azulclaro, que de acordo com ele seria uma peça ligada a União de Moradores, quase como um uniforme. Enquanto isso, não é perceptível pela foto, mas a gola de sua camiseta era cavada e a cor verde é de um tom muito forte, além disso, o calçado é mais “trabalhado”; por esses detalhes, afirmamos que Anderson ousa bem
mais que Diogo em sua estética do vestuário. Porém ambos se assemelham aos padrões de consumo estabelecidos pela sociedade heteronormativa para afirmar sua masculinidade.
Nessa segunda montagem, podemos ver nitidamente uma diferença entre os dois quanto a estética do cabelo. O primeiro entrevistado possui um cabelo, que de acordo com suas falas, seria um cabelo padronizado na favela de Paraisópolis, utilizado por todos os homens da favela. Assim, mais uma vez, Diogo não possui um cabelo ousado para não atingir a sua masculinidade. Já a estética do cabelo de Anderson é muito interessante, pois o cabelo para ele é algo importantíssimo, a p reocupação com o cabelo é enorme.Para ele, o cabelo precisa estar perfeito. Um cabelo desarrumado mexe com o seu psicológico. Nas suas palavras, “A minha autoestima é meu cabelo.” Essa grande preocupação sempre foi assim em toda a sua vida. Apesar desses detalhes, tanto Anderson quanto Diogo usam um cabelo num padrão que não negue ou distorça a sua masculinidade. É imprescindível destacar o trecho em que o segundo entrevistado, Anderson, diz que cada gay tem seu “diferencial”, pois isso remete a outros trechos de sua entrevista que irão se referir inconscientemente a uma heteronormatividade em relação ao comportamento de consumo estético, que será responsável por obrigar o indivíduo gay a se “comportar” para
“conquistar” o respeito de outra pessoa e para que ela não tenha atitudes preconceituosas em relação a tal indivíduo. Dessa maneira, percebemos que Anderson não possui atritos com as outras pessoas por conta de sua identidade homossexual porque ele se ajusta ao padrão heteronormativo que o contexto de Paraisópolis lhe proporciona cotidianamente e não rompe o respeito com a outra pessoa, ou seja, não transgride a masculinidade que os outros reclamam de seu comportamento de consumo estético. É claro que há uma diferença entre um e outro quando colocados lado a lado, Anderson e Diogo, pois este último é o gay do tipo contido “padrão”, enquanto o primeiro é o gay do tipo contido “estiloso”. No entanto, ambos se assemelham pelo fato de que o seu comportamento de consumo estético é reflexo de um mundo de referências masculinas. O terceiro entrevistado, chamado Marcos nome fictício criado por nós por conta de sua escolha em não revelar seu nome publicamente é um caso diferenciado do resto dos entrevistados, porque ele não assumiu plenamente sua identidade homossexual para a sua família, que na maior parte do tempo se constitui por sua mãe e avó, com as quais reside em casa. No entanto, ele fora de casa é “livre” para ser o que é: Ser gay é ser livre… Eu posso usar a roupa que eu quiser, posso usar meu cabelo assim. Posso gostar das coisas que eu gosto, e é isso, porque eu gosto, porque sou gay e não tenho essa limitação de “Ai, a pessoa vai me julgar, a pessoa vai falar que sou gay e isso”, acontece muito e não é uma coisa legal.
Marcos considera que existem dois “padrões” de gays: de um lado, “os mais alegres, os mais mostrados” e de outro, “os mais contidos”. Tais categorias podem se referir aos nossos tipo afeminado e tipo contido, respectivamente. Para o entrevistado, ele se considera no meiotermo, possivelmente porque ele não é assumido para a família e não passou por uma positivação plena de sua identidade homossexual, sendo obrigado a agir como um “camaleão” e criando “personagens” conforme as pessoas com os quais se relaciona socialmente e os espaços sociais em que tais relações se configuram. Podemos perceber isso na seguinte fala:
Eu sou muito camaleão assim. Eu me adapto ao lugar assim… eu sei que tem pessoas mais contidas, então eu não vou “Eaiiii Bixa” e tudo mais. Mas eu gosto muito disso. Tem o trabalho do ator, do teatro, que me ajudou muito… na vida, nem na questão de ser gay, também, mas na vida. Tem esse lance de criar um personagem no momento que tenho de ser aquilo. É uma coisa que me incomoda porque eu não me achei ainda e eu não sei quem é o Marcos. E não é uma coisa falsa assim: “Eu vou ser legal aqui porque eu quero”; mas é mais isso de adaptação. Eu sei que vocês são mais confortáveis com o padrão e eu tenho um
padrão também, são diversos
padrões, diversas nuances. Então eu consigo me adaptar assim. Mas tem lugares, por exemplo, que eu não consigo, que eu me sinto reprimido e eu não consigo ser nada. Eu não consigo me mostrar, não consigo falar as coisas que eu gosto.
Como podemos perceber na fala acima, Marcos precisa reprimir suas emoções frente a sua família, adotar um comportamento sério dentro de casa, para se ajustar ao padrão heteronormativo esperado de um homem por sua família. A transgressão de sua masculinidade não ocorre dentro de casa, mas sim fora de casa, onde existe um “espaço para ser gay”, em outras palavras, espaços de socialização em que as expectativas dos outros indivíduos não sejam contra o comportamento referente ao indivíduo homossexual masculino do tipo afeminado: Mas com meus amigos, eu sou mais livre, eu tenho esse espaço de ser gay. Em casa eu sou sério. E é uma coisa que incomoda. Porque parece que a partir do momento que eu saio de casa e que eu
entro, eu mudo. Tem acréscimos e decréscimos de mim.
Ele comenta que uma roupa “mais trabalhada”, “mais cheguei”, que transmita que “estou no local” ou seja, que afirme sua identidade homossexual, é encontrada na Augusta. O estilo dele é considerado por ele mesmo como um estilo fora de Paraisópolis, de uma maneira alheio à estética do vestuário mais comum à população dali. Para ele, os gays não usufruem de roupas “mais trabalhadas” dentro da favela. Por lidar todos os dias com “acréscimos e decréscimos” de si mesmo, é tanto possível que ele se ajuste a um comportamento de consumo estético voltado para afirmar sua masculinidade, como também é possível voltarse para um padrão relativamente feminino aceito pela sociedade, como podemos ver na seguinte fala, onde mais uma vez o estigma da identidade homossexual é denunciado por um “estranhamento na rua” ao transgredir a masculinidade dentro da favela, que no caso seria o uso de “camisa rosa”: E por ser gay, eu posso usar uma camisa rosa, que eu não tenho esse, tem esse estranhamento na rua e de muitas pessoas, mas são deles, não são meus.
Marcos expõe claramente a existência de um padrão de comportamento de consumo estético voltado para homens, “homens héteros” e outro para gays, em que estes últimos podem ter uma “brincadeira” com o cabelo, ou seja, abusar, ousar em seu penteado, podem fugir de coisas viris, coisas másculas; como consequência, os gays que “se mostram” possuem a tendência de se assemelhar ao comportamento de consumo estético voltado para o feminino, utilizandose de “símbolos” para registrar tal comportamento. Tudo isso pode ser vislumbrado na fala a seguir: Um símbolo em mim… deixa eu ver… o cabelo haha, também. Também, porque tem esta brincadeira que normalmente os homens não fazem, os homens héteros [...] Mas o símbolo tem o cabelo, que é uma coisa que eu brinco, que não é normal um garoto fazer nos nossos padrões e não sei se tem outro
símbolo. Acho talvez o meu trabalho… o meu trabalho, as coisas, que é uma tradução de muitas coisas que eu gosto. Não são coisas viris, não são coisas másculas.
No final, Marcos expõe suas opiniões sobre o comportamento de consumo estético de um de seus amigos que contrasta de modo claro com seu próprio comportamento. Ele vê o comportamento de consumo estético de gays iguais ao seu amigo como um “ponto de fuga” para negar o perfil “afeminado”, em outras palavras, ele se refere ao comportamento dos gays do tipo contido, que se ajustam ao padrão heteronormativo imposto pela favela de Paraisópolis mesmo depois de ultrapassarem o “coming out” em suas vidas. E é este mesmo indivíduo gay do tipo contido que não sofre preconceito, que vive com “limitações”, ou seja, que não ultrapassa os limites do comportamento de consumo estético voltado para o masculino destacado pela sociedade, o tipo de gay “sou mas não sou”: Eu conheci um amigo, um amigo do trabalho, ele é super, você olha pra ele e você não diz que ele é gay, a partir do momento que ele abre a boca, assim, ai você fala que ele é gay. Mas ele é super, ele que faz sucesso nas baladas, ele tem esse (sic) coisa, porque ele gosta também, ele não tá usando uma máscara. Mas ele tem barba, ele é super, ele é magrinho, mas ele tem, ele é másculo, ele tem muita barba e tem esse cabelo, ele tem um corpo, que… condiz com as roupas que ele usa, porque não faz muita curva, porque ele é assim. Então a gente brinca assim, tipo, “Ah, eu sou afeminada.” Então, tipo, sabe, é meio que diminuir. Afeminada, hoje em dia, porque, hoje as pessoas não querem se assumir gay, então hoje em dia é garoto ficando com garoto, assim “Não
me chama de gay, não me chama de afeminada!” Sabe?! P: É um preconceito dentro do próprio meio né? Marcos: Sim, existe isso, é uma coisa que eu to refletindo muito, é esse preconceito. Hoje em dia… antigamente, nossa! Você vê um gay comparando com hoje em dia é muito diferente. Hoje, porque existe esse preconceito, e ninguém quer sofrer esse preconceito. Então todo mundo... tá deixando barba crescer, eu vejo como isso, acho, eu vejo como ponto de fuga, que é... ter: “Eu sou gay, mas eu não posso mostrar que sou gay, porque, se não eu vou ser discriminado. Na minha família, eu posso dizer que eu sou gay, mas eu não posso dizer o que eu faço com o parceiro, senão eu vou ser visto, mal visto.” Sabe? P: Sou, mas não sou…né? Marcos: Isso, sou, mas não sou. Então “Eu sou, mas não sou um gay que é afeminado, eu sou um contido. Eu sou um gay, mas eu sou um gay macho”, que é uma coisa super contraditória. A partir do momento que você é gay, você tem essa liberdade, acredito que você tem que ter essa liberdade. Você não pode, acho que você não pode ter essas limitações. Porque é o que você é!
Grande parte dos fenômenos aqui expostos demonstram o quão o estigma da identidade homossexual se reforça quanto mais se transgride o padrão heteronormativo de comportamento de consumo estético exigido pela estrutura social da favela de Paraisópolis. Por conta disso, podemos constatar que existem níves de transmissão de informações que revelam a transgressão da masculinidade do indivíduo gay conforme sua estética do vestúario, que muitas vezes se revela a partir da “ousadia” de suas peças “cheguei” e também conforme sua estética facial, na qual um rosto delicado, mais bem cuidado, evidencia muito mais a sua identidade homossexual. A partir da leitura do artigo “ Como ser homem e ser belo? Um estudo exploratório sobre a relação entre masculinidade e o consumo de beleza” , podemos ver claramente que existem sim conexões entre a construção da identidade masculina e seu comportamento de consumo,
sendo incluídas aqui também as questões de gênero. “O indivíduo tende a adotar hábitos de consumo que tradicionalmente estão associados ao seu papel social ou ao seu papel de gênero – as expectativas da sociedade a respeito de como o homem e a mulher devem se comportar . O gênero apresenta papel central na construção da identidade social do consumidor, sendo que, muitas vezes, essa noção toma a forma de estereótipos sociais de gênero – crenças rígidas e simplistas a respeito das características e traços psicológicos atribuídos aos homens e às mulheres em função de sua identidade sexual” (BORELLI, CASOTTI, FONTES, 2012, pág. 404. grifo meu). Percebemos que o ajuste do homem ao padrão de comportamento de consumo está intimamente ligado com o ajuste a sua identidade de gênero. Dessa maneira, numa sociedade heteronormativa, um indíviduo do sexo masculino, cuja orientação sexual é para o mesmo sexo, é obrigado a ser compatível com o estereótipos de gênero com os quais lida todo dia em seu processo de socialização. A normatividade sexual, denominada aqui incoscientemente pelo entrevistado como “taxação”, é tão intensa na vida de um homossexual a ponto de que é possível que um indivíduo homossexual duvide da heterossexualidade de um indíviduo heterossexual simplesmente porque este último se adequa aos padrões de consumo estabelecidos pelo homossexual nos quais ele se encontra. O caso abaixo é ilustrativo do que foi exposto anteriormente, ou seja, de que há um intenso ajustamento de papeis de gênero à identidade de gênero na qual o indivíduo se reconhece; o caso em questão enriquece ainda mais a discussão porque o próprio entrevistado reconhece que teve uma atitude preconceituosa em relação ao seu amigo e deixa claro a íntima relação do problema com uma questão de gênero, onde “um garoto brincar de boneca” é um comportamento de consumo exclusivo do sexo feminino, estabelecido pela sociedade heteronormativa em que vivem e na qual a favela de Paraisópolis é um mero reflexo: Tem um amigo lá no trabalho que às vezes ele chega cantando umas músicas que são do universo gay, então eu fico achando “Nossa que engraçado, que bonitinho.” Eu falo pra ele “É tão engraçado ver você cantando música gay.” Ai ele fala “Não, mas não é uma música gay. A música é universal e tudo mais.” Eu falo “Não, mas é o público gay que escuta Madonna, Lady Gaga e tudo mais.” E ele “Não, mas eu posso gostar. E isso não me faz gay.” Eai eu vi esse preconceito e falo “Nossa, é uma
coisa natural, tem essa taxação. Quem escuta Lady Gaga, é gay!” E nisso, torna esse preconceito, e nisso eu mesmo, eu sendo gay, eu estou baixando esse preconceito encima dele por ele ta cantando e eu falo “Nossa, mas por que isso? Não é normal. Um garoto hétero cantando gay.” Mas não deveria ser assim, porque é música, assim como tudo. O garoto brincar de boneca não deveria ser visto dessa forma preconceituosa.
Por fim, o último indivíduo homossexual entrevistado para a pesquisa, o qual se chama Alex, é diferente de todos os outros, porque ele se encontra no polo do indivíduo gay do tipo afeminado. Alex é aquele que mais sofre com o estigma da identidade homossexual, pois ultrapassa os limites impostos pela favela de Paraisópolis ao comportamento de consumo estético direcionado ao público masculino. A partir da abordagem de Nunan de que o estigma é uma marca social que outorga ao indivíduo um status social baixo, compreendemos que o individuo estigmatizado cumpre um papel social, pois os atributos ou características que compõem a marca desse indivíduo exprimem tal identidade social depreciada, interferindo em suas relações sociais de aceitação e exclusão. O estigma representa uma ameaça social, seja ele camuflado seja ele revelado pelo indivíduo. Todo estigma é carregado de um forte simbolismo, o qual influencia as formas de tratamento e julgamento de um indivíduo para com outro em determinadas situações, sendo causa da depreciação e de experiências com preconceito e discriminação. Podemos constatar o que foi anteriormente explicitado a partir das seguintes falas: A gente ainda tem aquela barra do preconceito e a gente ficar rotulado, sabe? O gay tem que ficar escondido, que o gay tem que ser homem... Eu acho que tem vários perfis de gays. Tem os gays afeminados, tem os gays homem (sic)... tem vários tipos de gay. Eu acho que a gente não pode ficar escondido, tem que mostrar nossa identidade, nossa verdade. Eu sou assim, sou feliz só que o preconceito ainda é muito forte. Tanto fora como dentro de casa é uma coisa muito difícil de lidar e conviver, mas a gente dá a cara a tapa e consegue viver as coisas.
“É um mundo sujo, tem muitas doenças e coisas erradas, assim como o mundo hétero, mas é um mundo que você ainda vai passar por muitas dificuldades, muitos preconceitos e você vai levar isso pro resto da sua vida.” [...] Essas coisas, só que até hoje ele (pai) acha que é um mundo sujo, aquele pensamento que é um mundo errado. Ele respeita, mas ainda eu não posso me vestir do jeito que eu quero, tem um padrão pra ele, minha família acha que eu posso ser gay, mas que não preciso mostrar pra todo mundo que sou gay. Ser gay entre quatro paredes, não precisa mostrar nada fora.
A primeira fala se refere ao momento inicial da entrevista, no qual Alex expõe as dificuldades em ser gay na sociedade em que vivemos, dizendo que é preciso dar “cara a tapa”, mostrar “nossa verdade”, ou seja, ele se refere ao fato de que a homossexualidade é uma característica distintiva de sua identidade e que, por conta do estigma de tal identidade homossexual, uma socialização heteronormativa tenta “reparar”, “consertar” com a finalidade de manter imóvel a ótica de que, antes de tudo, para ser homem: é necessário e imprescindível não ser homossexual. A segunda fala acima se inicia com um comentário do pai de Alex no momento em que Alex se assume como homossexual como um aviso sobre os perigos do mundo gay, sobre o quanto o mundo gay é um “mundo sujo”, “mundo errado”. Embora ele tenha aceitado a orientação sexual de seu filho, não houve superação da ótica estigmatizante sobre qual ele e o resto da família aludem sobre a forma de vestir de Alex e de ser gay “fora de quatro paredes.” Diferentemente dos outros entrevistados, devido ao fato de que ele transgride o comportamento de consumo estético voltado para o masculino e não é gay somente “entre quatro paredes”, Alex é o único que possui atritos com a família pela razão de desenvolver estratégias de revelação, reforço ou de afirmação de sua identidade homossexual a partir de sua estética do vestuário e estética facial, demonstrando mais proximidade aos padrões de consumo intimamente relacionados com os esterótipos sociais de gênero voltados ao feminino:
A parte do preconceito eu ainda vivo muito dentro de casa. agora que eu sou estilista eu quero fazer as minhas próprias roupas, quero me vestir com as minhas próprias criações. então tem essa parte, não posso me vestir do jeito que eu quero, comecei a andar maquiado, gosto de me arrumar, de me cuidar e minha mãe fica "Pra que se maquiar?" Mesmo assim eu ainda supero as coisas, entra por um ouvido e sai pelo outro. Em casa eu ainda sofro isso muito forte porque o que eu aguento em casa ainda acho que todos os homossexuais sofrem, os que moram com os pais. Então a partir do momento que eu sair de casa eu vou viver a minha vida, aí vou viver do jeito que eu quero. E se acontecer alguma coisa comigo e eu entrar em depressão, vou pedir ajuda pra quem? Sendo que meus pais não me aceitam do jeito que eu sou. Meu pai aceita, mas ele prefere ficar do lado da minha mãe do que do meu lado. Não quero botar em risco o casamento deles por minha causa. Eu sei que ano que vem eu tenho a minha meta, que é sair de casa definitivamente porque tá muito difícil. Questão de roupa eu não posso vestir roupa curta, não posso vestir short curto, não posso usar roupa cavada porque tô expondo muito meu corpo, expondo o que sou, eles não querem. Se for sair com ele (irmão) com roupa extravagante ele não gosta, porque já chama a atenção. Então ele tem essa coisa de preconceito também, mas ele não fala, mas eu sei que ele tem. Então ele não quer sair com um irmão que anda de um jeito diferente dele. Porque se eu andar de um jeito diferente dele, o povo vai pensar que ele não é meu irmão, que é meu namorado. A gente é da mesma altura, a gente é muito parecido, o cabelo é parecido e essas coisas assim, mas se a gente sair junto o povo pode pensar outra coisa dele. [...]
Dependendo às vezes tem que sair junto, mas com uma roupa que não aparenta muito porque ele não quer passar vergonha. Isso é certo também com relação a ele, não quero que ele passe uma imagem do que ele não é. Ele é hétero, não quero que ele passe uma imagem de que possa ser homossexual só pela forma de se vestir.
Os trechos ilustram o quão para Alex a liberdade para ser homossexual perante todos os outros é algo extremamente difícil, pois muito mais do que expor sua homossexualidade, ele não se enquadra ao condicionamento da identidade de gênero homem com o papel de gênero correspondente a tal identidade, ou seja, comportarse como homem, que lhe é exigido dentro de sua casa, no seu ambiente familiar, composto por indivíduos que, assim como Alex, estão envoltos pela ótica estigmatizante construída pela socialização heteronormativa que se reproduz na favela de Paraisópolis. Dessa maneira, o estigma da identidade homossexual nesse contexto aqui analisado está muito mais intimamente relacionado ao níveis socioinformacionais que determinam as estratégias de exposição ou revelação de tal identidade do que realmente a orientação sexual de homens para o mesmo sexo. Em outras palavras, podemos dizer que o “olhar”, “o jeito de andar” são aceitáveis para um homossexual masculino, enquanto isso assemelharse a uma mulher, seja na estética do vestuário seja na estética facial, em Paraisópolis, é algo inaceitável. Assim como foi exposto por Borrilo: “Em uma sociedade androcêntrica como a nossa, os valores apreciados de forma especial são os masculinos; neste caso, sua ‘traição’ só pode desencadear as mais severas condenações” (2010, pág. 88). Um caso extremamente interessante para o que foi anteriormente explicitado é a fala a seguir de Alex, um indivíduo homossexual que lida com as severas condenações de uma sociedade heteronormativa e que possui a “sensação” de viver numa “jaula” todos os dias, na qual a favela de Paraisópolis, mero componente de estrutura social que legitima a heteronormartividade, é justamente a porta de entrada para a “cadeia” que impede a transgressão do comportamento de consumo estético voltado ao homem: Você vê, muitas pessoas não aparentam mesmo. Depende, tem o gay afeminado que aparenta muito, tem os gays que são mais discretos. Eu acho que é isso que a minha família quer, que eu seja um gay,
mas um gay discreto. Eu não consigo ser um gay discreto. P: Gay discreto seria um gay?... R: Que não aparenta ser gay P: E como não aparentar ser gay? R: Se (sic) vestir como hétero, a postura como se fosse um hétero, rotular novamente a pessoa. Ai a pessoa pode andar como é, a pessoa pode beijar quem quiser, mas determinado lugar você não pode fazer isso. É complexo… se eu pegar meu namorado e começar a beijar aqui no Paraisópolis, muitas pessoas que não me conhecem, imagina o furdunço que vai dá, o comentário que vai dá. P: Onde ele mora? R: Mora no Jardim São Luís. É muito complexo… porque ele não aparenta ser gay. Ele veste bermudão, então ele parece um hétero. Isso que eu acho que é errado, as pessoas se vestirem como uma coisa que não são. Mas as pessoas usam essas roupas, fazer o que. Igual meu pai mesmo, um dia, a mesma roupa que eu usei ontem, eu fui no trabalho do meu pai, depois do meu desfile, ele ficou muito envergonhado, ele ficou muito incomodado com a roupa que eu fui. Então ontem a gente brigou por isso e ele falou assim “Meu, por que você não se veste igual o seu, o seu companheiro? Seja comportado, igual ele.” P: Comportado… R: Eu não posso me vestir do jeito que eu quero. P: Você não pode mostrar esse seu “ser gay” porque isso te deixa, te torna inferior, te torna ruim, te torna negativo, te torna… R: Eu falei “Não! Chega!” Por isso que eu quero exatamente sair logo da casa dos meus pais, cortar esse cordão umbilical logo, apesar de que já foi cortado, mas continua junto. Eu preciso viver a minha vida, preciso viver… porque fora daqui, eu consigo viver muito bem, quando eu começo a vir pra cá, eu fico incomodado, dentro de casa eu fico incomodado, eu não consigo
fazer mais nada. Fora eu consigo fazer um monte de coisa, aqui eu não consigo fazer mais nada. Tipo, parece que eu entro numa jaula, só saio para o banho de sol e entro de novo pra cadeia, sabe? A sensação é essa .
Análise das fotos de Alex e Marcos
Alex As fotos de Alex revelam um padrão estético que se apresenta no polo afeminado. Em comparação a todos os outros entrevistados, Alex é o único que pinta o cabelo, comportamento estético geralmente associado ao consumo estético feminino em uma estrutura social heteronormativa. Assim, fica evidente que Alex transgride a masculinidade esperada pela sociedade. Além disso, Alex é estilista e isso se manifesta em suas roupas, que possuem um estilo também geralmente não associado ao padrão masculino heteronormatizado. Assim como Marcos, Alex também procura roupas mais justas.
Marcos
A partir das fotos de Marcos, é possível perceber que seu estilo estético foge do padrão heteronormativo, especialmente no que se refere ao cabelo. O cabelo de Marcos, segundo ele próprio, funciona como um símbolo de afirmação de sua negritude, além de símbolo de sua homossexualidade, como destacado anteriormente. Além disso, quanto ao estilo, o entrevistado diz que prefere roupas mais “justas”, em oposição a roupas “folgadas”. Aqui podemos perceber dois polos estéticos referentes aos tipos “gay afeminado” e “gay contido”. Isto é, roupas folgadas podem ser usadas como estratégia de encobrimento do estigma homossexual por se assemelhar ao padrão masculino, enquanto que roupas “justas” transgridem o padrão anteriormente citado esperado pelos outros indivíduos.. PARTE IV CONCLUSÃO Com o que foi exposto ao longo do relatório e ainda tomando como empréstimo as definições de identidade de gênero e papel de gênero enunciadas por Adriana Nunan, que são, respectivamente, ser mulher ou homem e comportarse de forma feminina, masculina ou andrógena; podemos concluir que a intensa estigmatização da identidade homossexual do
indivíduo gay do tipo afeminado quando comparado ao do tipo contido se explica devido ao fato de que as práticas de beleza associadas a um comportamento de consumo estético feminino são exclusivas de mulheres num padrão de identidade de gênero construída e afirmada por uma sociedade heteronormativa. Dessa maneira, ser homem significa não ser mulher, em outras palavras, em uma sociedade heteronormativa quando tomada pelo comportamento de consumo estético, a construção do comportamento de consumo estético de um homem se desenvolve a partir da negação do comportamento de consumo estético de uma mulher. Isso evidencia as razões pelas quais os indivíduos gays que foram entrevistados e que se encontram no polo do tipo contido não sofrem o estigma da identidade homossexual a partir de seu comportamento de consumo estético, enquanto isso, aqueles indivíduos gays do tipo afeminado que ou ultrapassam os limites da masculinidade ou não seguem os padrões e atributos referentes ao comportamento de consumo estético voltado aos homens numa sociedade heteronormativa possuem indícios visíveis de sofrer com o estigma da identidade homossexual a partir de seu ajustamento a um comportamento de consumo estético enfatizado como subversivo quando situado na favela de Paraisópolis.
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