UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MATO GROSSO DO SUL ALBERTO MALHEIROS JUNIOR \" ESCOLA SEM HOMOFOBIA \" : DESLOCAMENTOS PROMOVIDOS PELO \" KIT GAY \" EM NOÇÕES NATURALIZADAS DE GÊNERO E SEXUALIDADE

July 4, 2017 | Autor: A. Malheiros Junior | Categoria: Sociology, Gender and Sexuality, Antropología
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MATO GROSSO DO SUL

ALBERTO MALHEIROS JUNIOR

“ESCOLA SEM HOMOFOBIA”: DESLOCAMENTOS PROMOVIDOS PELO “KIT GAY” EM NOÇÕES NATURALIZADAS DE GÊNERO E SEXUALIDADE

PARANAÍBA 2014

ALBERTO MALHEIROS JUNIOR

“ESCOLA SEM HOMOFOBIA”: DESLOCAMENTOS PROMOVIDOS PELO “KIT GAY” EM NOÇÕES NATURALIZADAS DE GÊNERO E SEXUALIDADE

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, Unidade Universitária de Paranaíba – MS, como exigência parcial para obtenção do grau de licenciatura do curso de Ciências Sociais. Orientador: Profº. Mestre. João Paulo Aprígio Moreira.

PARANAÍBA 2014

ALBERTO MALHEIROS JUNIOR

“ESCOLA SEM HOMOFOBIA”: DESLOCAMENTOS PROMOVIDOS PELO “KIT GAY” EM NOÇÕES NATURALIZADAS DE GÊNERO E SEXUALIDADE

Esse exemplar corresponde à redação final do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado e aprovado para obtenção do título de licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Paranaíba. Aprovada em ___/____/____

BANCA EXAMINADORA Orientador: ________________________________________ Professor. Me. João Paulo Aprígio Moreira – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

________________________________________ Professor. Dr. Wagner Xavier Camargo Universidade Federal de São Carlos.

______________________________________________

Professor. Dr. Fernando Luis Oliveira Athayde Paes – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

Dedico este trabalho aos meus pais: Alberto

Malheiro

e

Nilza

Ferreira

Malheiros que sempre me incentivaram a continuar e não desistir dos meus sonhos.

AGRADECIMENTOS Primeiramente a esta Universidade, seu corpo docente, direção e administração por oportunizarem ambiente favorável a obtenção do conhecimento. Ao professor João Paulo Aprígio Moreira, pela orientação, apoio e confiança. Aos meus pais, pelo amor, incentivo e apoio incondicional. E a todos os meus amigos, que fizeram parte de minha formação e que vão continuar presentes em minha vida com certeza. E por fim a todos que direta ou indiretamente fizeram parte de minha formação, o meu muito obrigado.

O homem (sic) natural não é anterior nem exterior à sociedade. Cabe-nos encontrar sua forma, imanente ao estado social fora da qual

a

condição

humana

inconcebível. Claude Lévi-Strauss

é

RESUMO Neste trabalho buscamos evidenciar através de uma análise de três vídeos contidos no material didático/pedagógico chamado de “kit gay” os deslocamentos promovidos pelo mesmo em noções naturalizadas de gênero e sexualidade. Nossas análises partiram de um quadro de referência teórica que se aproxima do pós-estruturalismo, pois, entendemos que esta perspectiva corrobora para uma análise não essencialista do gênero, evitando assim a construção de estereótipos. Por isso, buscamos subsidio teórico nos conceitos desenvolvidos, principalmente por Michel Foucault e Judith Butler. Como o kit está atrelado à práticas pedagógicas que devem ser aplicadas na escola, também apresentamos o aspecto normalizador que a escola adquiriu desde seus primórdios, centrando-se na perspectiva foucaultiana de disciplina, trabalhadas tanto por Alfredo Veiga Netto quanto por Tomaz Tadeu da Silva. Outro aspecto que buscamos evidenciar é o disciplinamento do gênero e da sexualidade no espaço escolar, tendo como principais referências as análises de Richard Miskolci e Guacira Louro. Assim a partir das análises podemos perceber que como a escola tem se mostrado um espaço hostil para crianças e jovens fora dos padrões de normalização, o “Kit Gay” pode ser uma alternativa – mas não a única – para acabar com o silêncio em torno da sexualidade e do gênero neste espaço. Silêncio que na maioria das vezes omiti a conformidade da instituição com os padrões hegemônicos, e de certa forma, a torna cúmplice da violência contra os corpos dissidentes.

Palavras-chave: Gênero. Sexualidade. Educação.

ABSTRACT In this work we show through an analysis of three videos contained in the teaching / learning material called "Kit Gay" shifts promoted by even naturalized notions of gender and sexuality. Our analysis started from a theoretical reference framework for approaching the post-structuralism, because we understand that corroborates this view for a non-essentialist gender analysis, thus avoiding stereotyping. Therefore, we seek theoretical concepts subsidies in developed mainly by Michel Foucault and Judith Butler. As the kit is related to pedagogical practices that should be implemented at school, we also present the normalizing aspect that the school has acquired since its inception, focusing on the Foucauldian perspective of discipline, both worked by Alfredo Veiga Neto and by Tomaz Tadeu da Silva. Another aspect is that we seek to embed the discipline of gender and sexuality within the school, the main references analyzes and Richard Miskolci and Guacira Louro. Thus from the analysis we can see that as the school has proved to be a hostile space for children and young nonstandard normalization, the "Kit Gay" can be an alternative - but not only - to end the silence around sexuality and gender in this space. Silence that most often omit the institution's compliance with the hegemonic patterns, and somehow makes it complicit in the violence against dissidents bodies.

Keywords: Gender. Sexuality. Education.

SUMÁRIO 1.

INTRODUÇÃO .......................................................................................................10

2.

GÊNERO E SEXUALIDADE: NOVOS OLHARES..............................................13 2.1 No começo o ato: o gênero como performatividade .............................................13 2.2 Sexualidade, Discurso e Poder ..............................................................................18

3.

ESCOLA: ESPAÇO DE PRODUÇÃO DE DIFERANÇAS E DESIGUALDADES ..................................................................................................................................25 3.1 O Corpo Educado: A escola como dispositivo de disciplinamento ......................25 3.2 Gênero e sexualidade na escola .............................................................................32

4.

O “KIT GAY” UM KIT DE POLÊMICAS .............................................................38

5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................46

6.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................48

10

1. INTRODUÇÃO No ano de 2011 ganhou a cena nacional a notícia de que o Ministério da Educação (MEC) começaria a distribuir, para seis mil escolas de ensino médio da rede pública, material educativo conhecido como “kits educativos anti-homofobia”, integrante do “Projeto Escola sem Homofobia”, composto de um caderno, uma série de seis boletins, cinco audiovisuais com seus respectivos guias, um cartaz e uma carta de apresentação para gestores e educadores (BRITO er al, 2011) Esse material foi financiado pelo MEC e executado em parceria com as ONGs Pathfinder do Brasil; Reprolatina – Soluções Inovadoras em Saúde Sexual e Reprodutiva; e ECOS – Centro de Estudos e Comunicação em Sexualidade e ReproduçãoHumana (São Paulo); bem como com o apoio da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) e da Global Aliance for LGBT Education (GALE) (BRITO et al, 2011). Tal proposta encontrou forte resistência de parlamentares vinculados a grupos conservadores e de fundamentalistas religiosos, que tentaram por diversos modos impedir a distribuição nas escolas do referido material, sob o argumento de que ele seria uma “apologia ao homossexualismo entre jovens” e estimularia a pedofilia. Por outro lado, várias organizações manifestaram-se favoravelmente ao reconhecimento da adequação da proposta pedagógica do “Projeto Escola sem Homofobia”, tendo em vista a relevância do enfrentamento à discriminação e violências de gênero e sexuais no espaço escolar e a adequação do material proposto às faixas etárias e de desenvolvimento afetivo-cognitivo a que se destina. Entre essas organizações, destacam-se o Conselho Federal de Psicologia, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) e a representação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no Brasil (BRITO et al, 2011). Diante deste panorama, no mesmo ano de sua possível publicação/distribuição o kit foi vetado pela presidenta Dilma após intensa pressão por parte das bancadas religiosas que alegavam que o material fazia “propaganda de orientação sexual”.

11 Mas o interessante a notar é que o kit não foi descartado de maneira definitiva, na verdade, o material seria submetido à análises por parte de especialistas que deveriam revisá-lo adequando-o as faixas etárias a que se destinaria. Em decorrência dessas polêmicas e da indefinição e do silêncio por parte do MEC quanto a publicação do material didático/pedagógico destinado ao combate a discriminações de gênero e sexualidade, neste trabalho intentamos analisar o material contido no Kit com objetivo de verificar os deslocamentos promovidos pelo mesmo em relação as noções naturalizadas de gênero e sexualidade que tanto contribuem para discriminação e violência contra as dissidências de gênero e sexualidade presentes em nossa sociedade. Para análise selecionamos três vídeos presentes no Kit dentre os quais, “Medo de que?”, “Boneca na Mochila” e “Encontrando Bianca”, nossas análises partiram de um quadro de referência teórica que se aproxima do pós-estruturalismo, pois, entendemos que esta perspectiva corrobora para uma análise não essencialista do gênero, evitando assim a construção de estereótipos. Por isso, buscamos subsidio teórico nos conceitos desenvolvidos, principalmente por Michel Foucault e Judith Butler. É importante ressaltar que esta perspectiva teórica implica em uma visão de sujeitos que participam ativamente na construção do gênero e da sexualidade que inscrevem seus corpos, embora não o façam livres de constrangimentos. Isso porque, uma matriz normativa delimita os padrões a serem seguidos, assim, é em referência a esta matriz que são construídos os corpos que se conformam às regras de gênero e sexuais – corpos que importam – mas também os corpos que as subvertem (LOURO, 2008). Deste modo no primeiro capítulo apresentaremos de maneira sucinta como se deu a construção da visão hegemônica do gênero e da sexualidade na nossa sociedade, procurando evidenciar os deslocamentos que autores como Michel Foucault e Judith Butler provocaram ao desestabilizar essas noções. No segundo capítulo apresentamos o aspecto normalizador que a escola adquiriu desde seus primórdios, dessa maneira nossas análises centram-se na perspectiva foucaultiana de disciplina, trabalhadas tanto por Alfredo Veiga Netto quanto por Tomaz Tadeu da Silva. Outro aspecto que é apresentado nesse capítulo é o disciplinamento do gênero e da sexualidade no espaço escolar, tendo como principais referências as análises de Richard Miskolci e Guacira Louro.

12 Já no último capítulo apresentamos a análise dos vídeos contidos no “Kit Gay”, procurando evidenciar os pontos em que este material produz deslocamentos significativos nas noções essencialista de gênero e sexualidade. O importante a salientar é que além de desnaturalizar as relações de gênero e sexualidade a principal contribuição dos vídeos talvez seja a de colaborar para o fim do silêncio que impera no espaço escolar acerca de questões ligadas ao gênero e a sexualidade. Pois é este silêncio que legitima os padrões socialmente estabelecidos ao mesmo tempo, em que mantém os sujeitos que não estão de acordo com os padrões na margem.

13 2. GÊNERO E SEXUALIDADE: NOVOS OLHARES

2.1 No começo o ato: o gênero como performatividade Conforme exposto por Linda Nicholson, o conceito de “gênero” tem suas raízes na junção de duas ideias importantes para o pensamento ocidental moderno: “a da base material da identidade e a da construção social do caráter humano” (2000, p. 9). Para autora a primeira ideia teve seu alicerce assentado na noção, dominante na maioria das sociedades industriais, de que a distinção masculino/feminino, na maioria de seus aspectos, era causada pelos “fatos da biologia”. Essa noção se refletia no conceito corrente que definia essas diferenças, “o sexo” (NICHOLSON, 2000). O conceito de sexo acabou fincando na biologia as raízes das diferenças entre homens e mulheres, colaborando com a naturalização dessas diferenças, além de justificar a desigualdade entre os termos. Essa naturalização das diferenças expressas no conceito de “sexo” acabou por fazer com que os movimentos feministas se colocassem criticamente em relação a ele. Questionando principalmente a imutabilidade que o “sexo” estabelecia para as diferenças. Os movimentos feministas da década de 1960 perceberam que o “sexo” funcionava como base conceitual para o sexismo, ou seja, ele ratificava os privilégios do gênero masculino (NICHOLSON, 2000). E foi esta percepção que permitiu que no final da década de 60 as feministas incorporassem a ideia da constituição social do caráter humano fundamentando-a através do termo “gênero”. Nas palavras de Joan Scott “o gênero se torna [...] uma maneira de indicar as ‘construções sociais’ – a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres” (1995, p. 75). Mas o interessante a salientar é que [...] O “gênero”, naquela época, não era visto pela maioria como substituto para “sexo”, mas como meio de minar as pretensões de abrangência do “sexo”. A maioria das feministas do final dos anos 60 e início dos 70 aceitaram a premissa da existência de fenômenos biológicos reais a diferenciar mulheres de homens, usadas de maneira similar em todas as sociedades para gerar uma distinção entre masculino e feminino (NICHOLSON, 2000, p. 10).

Dessa maneira o conceito de gênero não fora introduzido para substituir o de sexo, mas apenas para suplementá-lo. Na verdade, não só o conceito de gênero não se

14 constituía em um substituo ao de “sexo”, como o “sexo” revelou-se essencial à elaboração do próprio conceito de gênero (NICHOLSON, 2000). É elucidativa a fala de Scott na qual argumenta que “o gênero é segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre o corpo sexuado” (1995, p. 75). Usando outros termos poderíamos dizer que o gênero se referiria aos domínios, sejam estruturais ou ideológicos, que implicassem em relações entre os sexos (SCOTT, 1995). Uma das mais influentes discussões sobre esta perspectiva pode ser encontrada no artigo “O Tráfico de Mulheres” de Gayle Rubin, no qual a autora lança a expressão “o sistema sexo/gênero” definindo-o como “um conjunto de arranjos através dos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana” (RUBIN, 1993, p. 2). Para Rubin o sexo biológico seria a base material sobre a qual o gênero significaria. Nesse sentido “o biológico foi assumido como a base sobre a qual os significados culturais são constituídos. Assim no momento mesmo em que a influência do biológico está sendo minada, está sendo também invocada” (NICHOLSON, 2000, p. 10). Para Scott esse uso do termo “gênero” além de figurar em um paradoxo, acabou não resolvendo a questão da imutabilidade instaurada pelo “sexo” , isso porque, mesmo afirmando “que as relações entre os sexos são sociais, ele não diz nada sobre as razões pelas quais essas relações são construídas como são; ele não diz como elas funcionam ou como elas mudam” (1995, p. 76). O importante a notar é que a proposta apresentada por Rubin é esclarecedora de um aspecto importante do século XX sobre “socialização” incluindo as apropriações feministas para a distinção masculino/feminino. Para Nicholson Muitos dos que aceitam a idéia de que o caráter é socialmente formado,rejeitando portanto a idéia de que ele emana da biologia, não necessariamenterejeitam a idéia de que a biologia é o lugar da formação do caráter. Em outraspalavras, ainda vêem o eu fisiológico como um “dado” no qual ascaracterísticas específicas são “sobrepostas”, um “dado” que fornece o lugar apartir do qual se estabelece o direcionamento das influências sociais. Aaceitação feminista dessas proposições significava que o “sexo” aindamantinha um papel importante: o de provedor do lugar onde o “gênero” seria supostamente construído (NICHOLSON, 2000, p. 10).

O que esta perspectiva fez emergir é a dicotomia natureza/cultura, expressa no binômio sexo/gênero, onde o sexo seria um dado natural “pré-discursivo” e o gênero se

15 apresentaria como o aspecto cultural, ou seja, o que torna inteligível as diferenças percebidas a partir da anatomia. Nicholson definiu essa relação entre natureza/cultura (sexo/gênero) como uma noção “porta casacos” da identidade. Para a autora nesta concepção “o corpo é visto como um tipo de cabide de pé no qual são jogados diferentes artefatos culturais, especificamente os relativos à personalidade e comportamento” (2000, p. 11). Essa visão que concedia ao “sexo” anterioridade ao processo de significação só seria realmente abalada após as formulações do filósofo francês Michel Foucault. Quem afirma isso...tem que colocar Através de suas análises históricas, Foucault (1988) deixou entrever o caráter construído e cambiante do sexo, apontando como este é discursivamente estabelecido. Para o autor o sexo e a sexualidade não deviam ser concebidos como “uma espécie de dado da natureza [...] ou como um domínio obscuro que o saber tentaria, pouco a pouco, desvelar”, mas sim como um dispositivo histórico (FOUCAULT, 1988, p. 116). Influenciada pela historicidade nas analises sobre as relações de gênero e sexualidade, estabelecida por Foucault,, a filósofa norte-americana Judith Butler passa a questionar a distinção sexo/gênero argumentando que a invocação de um “antes” não histórico, “pré-discurso” (sexo), se constituiria na premissa básica que garantiria uma ontologia pré-social e, por conseguinte, o caráter imutável das diferenças calcadas nos “fatos biológicos”. Segundo a autora este caráter é contestável, pois, esse constructo chamado “sexo” é tão construído quanto o gênero “talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, de tal forma que a distinção entre o sexo e gênero revela-se nenhuma” (2012, p. 25). Se o sexo é, ele próprio, uma categoria tomada em seu gênero, não faz sentido definir o gênero como a interpretação cultural do sexo. O gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado num sexo previamente dado (uma concepção jurídica); tem de designar também o aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos. Resulta daí que o gênero não está para a cultura como o sexo para a natureza; ele também é o meio discursivo/cultural pelo qual “a natureza sexuada” ou “um sexo natural” é produzido e estabelecido como “pré-discursivo”, anterior à cultura, uma superfície politicamente neutra sobre a qual age a cultura (BUTLER, 2012, p. 25).

16 Podemos dizer que colocar a dualidade do sexo (masculino/feminino) num domínio pré-discursivo foi e ainda é uma das maneiras de garantir e assegurar tanto a estabilidade interna dos termos quanto a fixidez de sua estrutura binária (BUTLER, 2012). Assim “essa produção do sexo como pré-discursivo deve ser compreendida como efeito do aparato de construção cultural que designamos por gênero” (BUTLER, 2012, p. 25-26). Se o “sexo” é um efeito do gênero, o que podemos depreender, a partir dessa perspectiva é que a categoria “sexo” é, além de normativa, parte de uma prática regulatória que produz os corpos que governa, força que se manifesta como uma espécie de poder, poder que produz; demarca; circunscreve; diferencia os corpos que controla (BUTLER, 2008). O “sexo” pode ser entendido assim como um “ideal regulatório” que se materializa forçosamente através do tempo. Portanto, ele não é um simples fato ou a condição estática do corpo, mas um processo que se desenvolve no tempo, processo pelo qual as normas regulatórias materializam “o sexo” e produzem essa materialização através de uma reiteração forçada destas normas (BUTLER, 2008). Porém, como nos aponta Judith Butler (2008), a necessidade dessas reiterações faz emergir o caráter instável da materialização, ou seja, ela não é nunca totalmente completa, os corpos jamais se conformam plenamente, às normas pelas quais a materialização é imposta. Dessa maneira, as normas regulatórias do “sexo” devem ser entendidas como performativas. E é o caráter performativo do gênero que constitui a materialidade dos corpos. A “performatividad debe entenderse, no como um “acto” singular y deliberado, sino, antes bien, como la prática reiterativa y referencial mediante la qual el discurso produce los efectos que nombra” (BUTLER, 2008, p. 18). Esse modo de análise focado na performatividade do gênero adotado por Butler, faz com que a autora assuma outra postura em relação à materialidade, como nos esclarece a mesma “En este sentido, lo que constituye el caráter fijo del cuerpo, sus contornos, sus movimientos, será plenamente material, pero la materialidad deberá reconcebirse como el efecto del poder, como el efecto más productivo del poder” (BUTLER, 2008, p. 18). Como nos explica Salih Se aceitamos que o corpo não pode existir fora do discurso “generificado”, devemos admitir também que não existe nenhum

17 corpo que não seja, já e desde sempre, “generificado”. Isso não significa que não exista essa coisa que é o corpo material, mas que só podemos apreender essa materialidade através do discurso (2013, p. 105).

O gênero pode então ser interpretado como a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura que o regula e o cristaliza no tempo, produzindo uma aparência de substância; de naturalidade ao ser generificado (BUTLER, 2012). Esses atos, gestos e atuações, entendidos em termos gerais, são performativos, no sentido de que a essência ou identidade que por outro lado pretendem expressar são fabricações manufaturadas e sustentadas por signos corpóreos e outros meios discursivos (BUTLER, 2012, p. 194).

Para ficar mais clara esta questão, faz-se importante esclarecer que assim como Foucault, Butler descreve o sujeito como um sujeito-em-processo que é construído no discurso pelos atos que executa. Esses atos são como dito acima, desenvolvidos dentro de uma estrutura reguladora, assim, o sujeito descrito por Butler não pode ser interpretado como “um ator que simplesmente se põe de pé e ‘encena’

sua identidade

num palco metafórico de sua própria escolha” (SALIH, 2013, p. 65). Isto implica que os atos que vão constituir as identidades de gênero não possuem um ator que preexista a pratica desses atos, ou seja, não existe nenhum fazedor por trás do feito. “Isso não significa que não há sujeito, mas que o sujeito não está exatamente onde esperaríamos encontrá-lo – isto é, ‘atrás’ ou ‘antes’ de seus feitos” (SALIH, 2013, p. 66). É exatamente a ausência desse “fazedor” por trás do feito, que caracteriza o gênero como performativo. Por isso Butler insiste em diferenciar performance de performatividade, tendo em vista, que se na primeira temos um sujeito que preexiste ao ato, como um ator que deliberadamente encena uma peça, na última esse ator não é causa de um ato que seria seu efeito, mas o próprio efeito é o que constitui o sujeito. Sendo assim, “não há identidade de gênero por trás das expressões do gênero; essa identidade é performativamente constituída, pelas próprias ‘expressões’ tidas como seus resultados” (BUTLER, 2012, p. 48). O que fica evidente a partir do que demonstramos até aqui é que ao reconceber o “sexo” como um efeito do gênero, [...] No habrá modo de interpretar el “género” como una construcción cultural que se impone sobre la superfície de lamateria,

18 entendida o bien como “el cuerpo” o bien como su sexo dado. Antes bien, una vez que se entiende el “sexo” mismo em su normatividad, la materialidad de el cuerpo ya no puede concebirse independientemente de la materialidad de esa norma reguladora (BUTLER, 2008, p. 1819).

Ademais compreender o gênero como uma categoria histórica é aceitar que este não pode ser fixado, mas está sempre aberto a reformulações, deste modo, tanto a “anatomia” quanto o “sexo” não existem sem um marco cultural. “Los términos para designar el gênero nunca se estabelecen de una vez por todas, sino que están siempre em el proceso de estar siendo rehechos” (BUTLER, 2006, p. 25) Isso faz com que termos tais como “masculino” e “feminino” sejam notoriamente intercambiáveis; cada termo apresenta sua história social.

2.2 Sexualidade, Discurso e Poder Ao discutirmos a perspectiva de Butler e Foucault com relação a gênero, a seguir trataremos a questão da sexualidade, ambos os temas contemplados em nosso objeto de estudo, a saber: o “kit gay”. Trata-se, sublinhando novamente, de apontar os deslocamentos presentes no kit em relação ao discurso presente nas práticas pedagógicas, no sentido de ilustrar sua importância no combate à homofobia e discriminação por gênero no espaço escolar. Muitos consideram que a sexualidade é algo que todos nós, possuímos naturalmente, ou seja, a sexualidade seria algo “dado” pela natureza, inerente ao ser humano, como uma substância. Essa concepção comumente se ancora na pressuposição de que todos vivemos nossos corpos da mesma maneira. No entanto como nos diz Guacira Louro à sexualidade “envolve rituais, linguagens, fantasias, representações, símbolos, convenções... Processos profundamente culturais e plurais” (LOURO, 2000, p. 6). Como salienta a autora é através desses processos culturais que definimos o que é natural ou não, assim como produzimos e transformamos a natureza e a biologia e, consequentemente, as tornamos histórica. Desse modo os corpos só adquirem sentido socialmente. Assim as possibilidades da sexualidade são sempre dadas no contexto de uma determinada cultura (LOURO, 2000).

19 Essa perspectiva deixa entrever que as várias possibilidades de viver os prazeres e o desejo são sempre sugeridas, anunciadas e promovidas socialmente. Além de serem constantemente reguladas, condenadas ou negadas (LOURO, 2000). E foi neste sentido que se encaminhou as análises feitas pelo filósofo francês Michel Foucault, que em seu livro “História da sexualidade I: A vontade de saber” afirma:“a sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico” (FOUCAULT, 1988, p. 116).Com dispositivo o autor quer dizer Um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrivas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos (FOUCAULT, 1997, p. 138).

Esse dispositivo passa a se desenvolvera partir do século XVII por um conjunto de estratégias difusas e polimorfas, todas elas operando com intuito de gerir o corpo. Como apontado pelo autor “a articulação que a tem sustentado [sexualidade], vinculouse a uma intensificação do corpo, à sua valorização como objeto de saber e como elemento nas relações de poder” (FOUCAULT, 1988, p. 118). As hipóteses formuladas por Foucault acabaram por desmontar a ideia predominante até então presente nas análises da sexualidade: a repressão. Segundo essa percepção, passamos através da história européia, de um período de relativa abertura sobre nossos corpos e discursos para uma repressão e uma hipocrisia cada vez maiores (DREYFUS; RABINOW, 1995). O período anterior ao século XVII era entendido como uma época de relativa liberdade no que concernia a sexualidade, em que ainda vigorava certa franqueza, as práticas não procuravam o segredo e, os códigos de grosseria, obscenidade, e decência eram muito mais frouxos se comparados a era vitoriana (FOUCAULT, 1988). Essa analítica da sexualidade ancorada na repressão, ou “hipótese repressiva”, como ficou conhecida a partir de Foucault era baseada em uma tradição que pensava o poder apenas como coação, e coerção, ou seja, o poder atuaria “suprimindo o desejo, alimentando a falsa consciência, promovendo a ignorância e utilizando uma série de outros artifícios” (DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 143). A relação de causalidade estabelecida entre o poder e a repressão, infundiu a ideia de que o poder era apenas negatividade, e operaria em todos os lugares da mesma

20 forma, se reproduzindo sempre no modo da lei, através da proibição e da censura. Por isso o poder era entendido como sinônimo de dominação. “Tudo o que ele pode fazer é proibir, e tudo que pode exigir é obediência. O poder enfim, é repressão; a repressão é a imposição da lei; a lei demanda submissão” (DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 144). O poder assim era percebido como limite traçado à liberdade, o que para Foucault tratava-se de um modelo analítico insuficiente para captar as muitas e intricadas estratégias sob a quais as relações de poder se assentavam. Para dar conta da complexidade dessas relações, Foucault propõe um novo modelo de análise extrapolando as simplificações estabelecidas pela hipótese repressiva, apontando como o poder se exerce também através de uma positividade, ou seja, o poder não só interdita, ele também produz. Como nos aclara Dreyfus e Rabinow, o poder não é um exercício unilateral, mas um conjunto de relações difusas e polimorfas sempre desiguais e móveis. Assim o poder “não é uma mercadoria, uma posição, uma recompensa ou uma trama; é a operação de tecnologias políticas através do corpo social” (1995, p. 203). Essas tecnologias políticas são ativadas não só pelo exercício dos poderes, mas também pela produção dos saberes. Isso significa que o poder não é externo ao saber, eles se interpenetram operando através de um jogo de correlações. Por isso Foucault analisa a sexualidade não como o efeito de uma interdição sobre o sexo e seus prazeres, mas como a verdade sobre eles. As características fundamentais a essa sexualidade não traduzem uma representação mais ou menos confundida pela ideologia, ou um desconhecido induzido pelas interdições; correspondem às exigências funcionais do discurso que deve produzir sua verdade (FOUCAULT, 1988, p. 78).

Ao centrar suas análises na produção de verdades sobre o sexo, o que Foucault trouxe a tona é o caráter produtivo da lei, ou seja, a sexualidade não fora, a partir, do século XVII sendo paulatinamente reprimida, ao contrário ela foi submetida a mecanismos de crescente incitação. Assim as técnicas de poder exercidas sobre o sexo não interditaram a sexualidade, e sim a multiplicaram. Desse modo, as sociedades chamadas burguesas, não reagiram ao “sexo” através de sua recusa, ao contrário instauraram técnicas para produzir discursos verdadeiros sobre ele. O que inseriu a sexualidade não apenas em uma economia de prazer, mas em um regime de saber. Por isso, Foucault afirma que “a história da sexualidade – isto é,

21 daquilo que funcionou no século XIX como domínio de verdade específica – deve ser feita, antes de mais nada, do ponto de vista de uma história dos discursos” (FOUCAULT, 1988, p. 78). Os discursos para Foucault são o lugar onde se articulam o poder e o saber, e por essa razão devem ser entendidos “como uma série de segmentos descontínuos, cuja função tática não é uniforme nem estável. [...] O discurso veicula e produz poder; reforça-o, mas também o mina, expõe, debilita e permite barrá-lo” (1988, p. 111-112). Em decorrência da maleabilidade do poder Foucault (1988) nos adverte que é preciso admitir um jogo complexo e instável no qual, o discurso pode ser ao mesmo tempo, instrumento e efeito do poder, e também obstáculo e ponto de resistência. Na verdade, as relações de poder-saber podem ser entendidas como “matrizes de transformações”. Nesse sentido, Judith Butler (2008) afirma que a sexualidade não pode ser entendida fora das matrizes do poder, ou seja, ela é sempre produzida ou construída no centro de práticas históricas específicas, tanto discursivas quanto institucionais. O que faz da sexualidade coextensiva ao poder, ela nunca se encontra em posição de exterioridade a ele. Por isso o autor sinaliza que a incitação discursiva sobre o sexo, longe de produzir uma homogeneização da sexualidade, através da disseminação do modelo monogâmico heterossexual, foi na verdade responsável por sua multiplicação, “uma dispersão de sexualidades, um reforço de suas formas absurdas, uma implantação múltipla das ‘perversões’” (1988, p. 44). Foucault nos mostra que a explosão discursiva sobre o sexo provocou duas modificações importantes que repercutiriam na multiplicação das sexualidades. O casal monogâmico e heterossexual deixa de ser alvo das intervenções discursivas e o que passa a ser interrogado é a sexualidade das crianças, dos loucos, das mulheres e dos sodomitas. Como argumenta o autor “todas essas figuras, outrora apenas entrevistas, têm agora de avançar para tomar a palavra e fazer a difícil confissão daquilo que são” (FOUCAULT, 1988, p. 46). Na verdade, esse recuo em relação ao casal heterossexual colaborou para que fossem inseridas as sexualidades periféricas na ordem do discurso. As sexualidades periféricas foram questionadas para depois serem perseguidas, mas o importante é que a caça a essas sexualidades acabou por produzir uma nova

22 especificação dos indivíduos. É através desse processo, por exemplo, que a figura do homossexual emergiu enquanto sujeito (FOUCAULT, 1988). Se antes as relações amorosas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo eram consideradas como sodomia – atividade pecaminosa, a qual, todos poderiam sucumbir – tudo se transformaria a partir da segunda metade do século XIX, período em que essa prática sexual passaria a definir um tipo especial de sujeito que viria a ser marcado e reconhecido. Nas palavras de Foucault “nada daquilo que ele é, no fim das contas, escapa à sua sexualidade” (FOUCAULT, 1988, p. 50). Assim apesar dessas sexualidades serem perseguidas elas não foram banidas. O que ocorreu foi a “especificação, distribuição regional de cada uma delas. Trata-se, através de sua disseminação, de semeá-las no real e de incorporá-las ao indivíduo” (FOUCAULT, 1988, p. 51). Pois só através desse processo de catalogação das sexualidades desviantes, seria possível colocá-las sob um regime de controle. Para Judith Butler as noções jurídicas de poder apesar de regularem a vida política em termos puramente negativos, isto é, através da limitação, proibição, regulamentação, controle e mesmo “proteção” dos indivíduos relacionadas a determinada estrutura política, elas acabam por um efeito de retorno também formando, definindo e reproduzindo os sujeitos regulados por tais estruturas. É ai que podemos perceber o caráter positivo e produtor do poder, ou seja, todos os discursos, práticas e instituições que pretendem apenas regular a vida dos sujeitos, acabam por produzir esses mesmos sujeitos que pretendiam controlar. O exame médico, a investigação psiquiátrica, o relatório pedagógico e os controles familiares podem, muito bem, ter como objetivo global e aparente dizer não a todas as sexualidades errantes ou improdutivas, mas na realidade, funcionam como mecanismos de dupla incitação: poder e prazer (FOUCAULT, 1988, p. 52).

Todas as práticas ligadas a essas instituições ao denominar determinadas expressões sexuais de desvio ou perversão acabam por estabelecer fronteiras entre os sujeitos através da construção de normas. E são essas normas que passam a sugerir e anunciar as possibilidades da sexualidade “normal” e as impossibilidades da “anormal”. Deste modo as normas codificam nossos sentidos para perceber as marcas que constituem os sujeitos, é assim que passamos a classificar os “outros” pelas formas como eles se apresentam corporalmente, o que seria o mesmo que dizer que as normas inscrevem os corpos efetivamente fazendo existir aquilo que nomeiam (LOURO, 2000).

23 Apesar de todas as contradições e fragilidades que marcam esse investimento cultural sobre o corpo, as normas, através de inúmeras práticas discursivas e institucionais pretendem “fixar” uma identidade estável nos sujeitos. Para Louro (2000) o processo de inscrição dos corpos, se dá através da imposição das identidades de gênero “normais” há um único modelo de identidade sexual: a identidade heterossexual. Para Butler (2008) como as projeções identificatórias dos sujeitos são reguladas pelas normas sociais e essas normas se constroem como imperativo heterossexual logo pode dizer-se que a heterossexualidade normativa é parcialmente responsável pelo processo de inscrição do sexo no corpo, assim como da diferença sexual. Como nos aponta a autora a heterossexualização do desejo requer e institui a produção de oposições discriminadas e assimétricas entre “feminino” e “masculino”, em que estes são compreendidos como atributos expressivos de “macho” e “fêmea”. Assim a matriz que concede inteligibilidade cultural as identidades de gênero e sexuais exige que certos tipos de identidades não possam existir. As identidades que não possuirão inteligibilidade dentro da matriz heterossexual, serão aquelas em que o gênero não decorre do sexo e aquelas em que as práticas do desejo não decorrem nem do sexo nem do gênero (BUTLER, 2012). Isso por que A instituição de uma heterossexualidade compulsória e naturalizada exige e regula o gênero como uma relação binária em que o termo masculino diferencia-se do termo feminino, realizando-se essa diferenciação por meio de práticas do desejo heterossexual. O ato de diferenciar os dois momentos oposicionais da estrutura binária resulta numa consolidação de cada um de seus termos, da coerência interna respectiva do sexo, do gênero e do desejo (BUTLER, 2012, p. 46-47).

A ilusão de estabilidade e fixidez do binário (masculino/feminino) é assim mantida através de uma regulação política, que por sua vez assegura a eficácia do imperativo da heterossexualidade enquanto pressuposto para as regulações do desejo no âmbito da sexualidade. Para Butler (2008) essas regulações políticas configuram-se na matriz produtora dos sujeitos, uma matriz excludente, pois, para produzir os sujeitos faz-se necessário que simultaneamente sejam produzidos aqueles que não receberão o mesmo status, mas que serão necessários para circunscrever a esfera dos sujeitos – os abjetos. O termo abjeto tem origem na Psicanálise, mas foi repensado por feministas como Julia Kristeva e antropólogas como Mary Douglas, e designa algo pelo que

24 alguém sente horror ou repulsa como se fosse poluidor ou impuro, a ponto de o contato com o abjeto ser temido como contaminador ou nauseante (MISKOLCI, 2013). E é justamente através da abjeção que a matriz produtora dos sujeitos instaura as fronteiras, por exemplo, entre o normal e o anormal, entre o viável e o inviável. Para Guacira Louro (2008) dentro dessa lógica, os sujeitos que, por qualquer razão ou circunstância, escapam da norma e promovem uma descontinuidade na sequência sexo/gênero/sexualidade serão tomados como “minoria” e serão colocados à margem das preocupações sociais. Paradoxalmente, esses sujeitos “marginalizados” continuam necessários, pois, como já dito anteriormente estes servem para circunscrever os contornos daqueles que são “normais” e que, de fato, se constituem, usando as palavras de Butler (2008), em corpos que importam. Isso porque a identidade é assegurada através da estabilidade do binário sexo/gênero e também pela sexualidade “normal”, ou seja, heterossexual; mas existem sujeitos de gênero “incoerentes”, “descontínuos” “indivíduos que deixam de se conformar às normas generificadas de inteligibilidade cultural pelas quais todos deveriam ser definidos” (LOURO, 2008, p. 67). Assim todos os sujeitos que escapam a norma são logo classificados de “estranhos” de “anormais” e, em muitos casos passam a ser vitima de perseguição e violência, como é o caso da homofobia em relação aos gays. Por isso se faz necessária a reflexão destas questões no espaço escolar, espaço que desde o principio fora pensando como espaço de normalização. Assim no próximo capítulo abordaremos o caráter disciplinar da instituição escola deixando entrever como a escola tem atuado na produção e reprodução das normas de gênero e sexualidade

25 3. ESCOLA:

ESPAÇO

DE

PRODUÇÃO

DE

DIFERANÇAS

E

DESIGUALDADES

3.1 O Corpo Educado: A escola como dispositivo de disciplinamento A educação escolarizada sintetizou, de certa forma, as ideias e os ideais da Modernidade e do Iluminismo. Ela corporificou assim as ideias de constante progresso Cultural. Isso porque durante muito tempo se aceitou que Cultura designava o conjunto de tudo aquilo que a humanidade havia produzido de melhor – fosse em termos materiais, artísticos, filosóficos, científicos ou literários. Nesse sentido, a Cultura foi durante muito tempo pensada como única e universal. “Única porque se referia àquilo que de melhor havia sido produzido; universal porque se referia a humanidade, um conceito totalizante e sem exterioridade” (VEIGA NETTO, 2003, p. 7). Dessa maneira a Modernidade esteve por longo tempo mergulhada em uma epistemologia monocultural. Nesse ínterim, a educação era entendida como o caminho para se atingir as formas mais elevadas da Cultura, tendo por modelo as conquistas já realizadas pelos grupos sociais mais educados, e por isso, mais cultos (VEIGA NETTO, 2003). Sem contudo, nunca se problematizar, o que é esta “Cultura”. O filósofo alemão Immanuel Kant talvez tenha sido o pensador que melhor ilustrou esse projeto de educação destinado a elevação cultural da humanidade. Como argumentou o autor (Kant, 1996, p. 26-27): Na educação, o homem deve, portanto: 1) Ser disciplinado: Disciplinar quer dizer: procurar impedir que a animalidade prejudique o caráter humano, tanto no indivíduo como na sociedade [...] 2) Tornar-se culto: A cultura abrange a instrução e vários conhecimentos [...]. 3) A educação deve também cuidar que o homem se torne prudente, que ele permaneça em seu lugar na sociedade e que seja querido e que tenha influência. 4) Deve,por fim, cuidar da moralização [...].

Nesses itens citados por Kant como sendo importantes para educação podemos notar os fundamentos mesmos da escola moderna que nos alcança ainda hoje. Um projeto de educação generalizante, essencialista e abstrato sobre o indivíduo e a sociedade. Como nos mostra Veiga Netto (2003), a educação escolarizada foi logo

26 colocada a serviço de uma Modernidade que deveria se tornar a mais homogênea e a menos ambivalente possível. Ou dizendo de outro modo: uma sociedade a mais previsível e segura possível. Assim sob o manto de um pretenso humanismo universal, o que estava sendo colocado era a imposição, pela via educacional de um padrão cultural único, que era ao mesmo tempo branco, machista, eurocêntrico e de forte conotação judaico-cristã (VEIGA NETTO, 2003). De certa forma, todas as campanhas que se desenrolaram desde então em defesa de uma escola única para todos foram herdeiras dessa ideologia monoculturista. Mas como salientam Veiga Netto (2003) e Silva (1995) isso não teria os efeitos que teve se, além de ser essa uma tarefa atribuída a escola, o Estado não tivesse tomado a escola como a instituição que, a seu serviço realizasse da maneira mais ampla e duradoura a tarefa de regular a sociedade. Por isso Tomas Tadeu da Silva (1995) afirma que a escola é a instituição moderna por excelência. No limite como já se afirmou a escola moderna cumpriria o papel de homogeneizar a população para que o risco social fosse próximo a zero. Isso produziria uma amalgama social na qual tudo e todos se reduziriam a um Mesmo. “Em termos culturais, significa uma identidade única e a rejeição de toda e qualquer diferença” (VEIGA NETTO, 2003, p. 10). Essa amalgama social homogênea seria produzida através de outro elemento de extrema importância para a formação humana como exposto por Kant: a disciplina. Para o filósofo a disciplina aliada a instrução (cultura) seriam os principais mecanismos responsáveis pela elevação cultural da humanidade. Como salientou o autor “a falta de disciplina é um mal pior do que a falta de cultura, pois essa pode ser remediada mais tarde, ao passo que não se pode abolir o estado selvagem e corrigir um defeito de disciplina” (Kant, 1996, p.16). Para Kant a disciplina atuaria na formação da civilidade, ou seja, na formatação do comportamento. “a civilidade foi a denominação que há muito já vinha sendo dada à disposição geral em que os comportamentos individuais eram cada vez mais autoregulados [...] ela representava a substituição da espontaneidade pela contenção dos afetos” (VEIGA NETTO, 2003, p. 9). Como apontou Veiga Netto (2003), Kant talvez tenha sido o primeiro a sublinhar o caráter disciplinar que a escola moderna adotaria especialmente no que concerne aos usos que tais corpos fazem do espaço e do tempo.

27 A docilização dos corpos, pela disciplina, foi problematizada na década de 1970 pelo filósofo francês Michel Foucault, para o pensador o momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, “mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente” (FOCAULT, 2011, p. 133). Por isso as disciplinas formam uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. “O corpo humano entra em uma maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe” (FOUCAULT, 2011, p. 133). A disciplina atuaria assim através da majoração das forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e da mitigação dessas mesmas forças (em termos políticos de obediência), “digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada” (FOUCAULT, p. 134). É através de uma microfísica do poder que a disciplina opera como uma anátomo/política do detalhe. Essa perspectiva trás como implicação o entendimento do poder como uma ação sobre outras ações. O que implica também entender que o poder disciplinar age sobre algo que vive, ou seja, sobre algo que ocupa um espaço e existe em um determinado tempo (VEIGA NETTO, 2001). A questão agora é entender como o tempo e o espaço são mobilizados pelas técnicas disciplinares. O controle do espaço é um elemento essencial desta tecnologia. A disciplina procede através da organização dos indivíduos no espaço, e, portanto, exige um fechamento específico do espaço. Para Veiga Netto (2001) isso implica que os corpos não estejam dispersos, mas de preferência submetidos a algum tipo de cerceamento ou confinamento que os torne acessíveis às ações do poder. Ainda segundo o autor dentro desse confinamento, a distribuição dos corpos deve ser o menos caótica, difusa e informe possível, pois é preciso que o poder atinja a todos. A tecnologia disciplinar está articulada a processos de organização dos espaços que levam em consideração o principio da localização ou do quadriculamento, em outras palavras, a divisão do espaço em unidades. Este espaço se baseia no principio de presenças e ausências. “Cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar um indivíduo” (FOUCAULT, 2011, p. 138). A partir desta codificação dos espaços cada segmento da

28 grade ganha um valor. E serão estes segmentos que facilitarão a aplicação de técnicas de disciplinamento dos corpos (RABINOW; DREYFUS, 1995). Outra questão apontada por Veiga Netto (2001) é que a distribuição dos espaços deve obedecer a um principio de funcionalidade. Assim o quadriculamento não é uma questão puramente geométrica e não deve ser deixado ao acaso; ele não deve gerar células homogêneas. Na verdade, “cada quadrícula deve guardar uma certa correspondência à sua função no conjunto da rede de que ela faz parte. A função de uma quadrícula é, em última instância, desempenhada pelo corpo que a ocupa”. O autor ainda acrescenta que A distribuição espacial dos corpos não tem,necessariamente, uma correspondência simétrica ao espaço físico; e nem, muito menos, guarda com esse, uma correspondência unívoca. Em outras palavras, o que mais importa não é tanto o território nem o local —em termos físicos— ocupados por um corpo, mas, antes, a sua posição em relação aos demais. E desses demais entre si e assim por diante. Dessa maneira, a distribuição espacial é sempre uma questão relacional, a fim de que se obtenha a maior economia na circulação do poder disciplinar (VEIGA NETTO, 2001, p. 12).

Desse modo para que o poder atinja a todos da maneira mais minuciosa possível, é preciso que os corpos estejam distribuídos no espaço e que essa distribuição obedeça uma lógica econômica. “Assim, o espaço não se reduz a um simples cenário onde se inscreve e atua o corpo. Muito mais do que isso, é o próprio corpo que institui e organiza o espaço, enquanto o espaço dá um ‘sentido’ ao corpo (VEIGA NETTO, 2001, p. 13) E assim como o espaço, para maior economia do poder disciplinar é preciso que o tempo em que se desenrolam as experiências individuais siga uma ordenação. A ordenação do tempo se dá primeiro através de sua particularização e individualização, ou seja, é necessário que se separe o tempo físico – aquele ao longo do qual se desenrola a vida – do tempo social. Mas como nos alerta Veiga Netto, dessa individualização não decorre que cada corpo tenha seu próprio tempo, separado e independente dos demais corpos. Ao contrário, no que diz respeito ao tempo — como também no que concerne a muitas outras variáveis, práticas ou atributos — a individualização não implica autonomização, mas tão somente uma facilitação para que cada corpo seja mais fácil, pontual e economicamente atingido e perpassado pelo poder disciplinar. A solidão do Homo claususde que nos fala Elias é um tanto paradoxal:

29 cada um se sente único e sozinho, ainda que todos sejam tão igual e homogeneamente subjetivados (VEIGA NETTO, 2001, p. 14).

Um ponto importante em relação ao tempo apontado pelo autor é o seu fracionamento. No âmbito escolar, por exemplo, isso é feito de uma maneira muito eficiente pelos horários os quais, além de fragmentarem, ainda possibilitam tanto o controle minucioso e sem desperdícios sobre as ações quanto a repetição cíclica dessas ações. Ainda no âmbito escolar, nós também podemos notar essa fragmentação através da seriação e da programação semanal e mensal (VEIGA NETTO, 2001). É importante notar que esse tempo subjetivo, ou melhor, subjetivado pelas técnicas disciplinares não se reduz a um simples rebatimento do tempo físico sobre um corpo individualizado. Como nos mostra Veiga Netto (2001) o tempo subjetivado é muito mais do que isso, pois, ele permite tanto um controle minucioso sobre os movimentos do corpo quanto uma mais eficiente articulação entre esse corpo e o seu entorno. “A importância disso para as práticas escolares é muito grande, indo desde o treinamento da héxis corporal até o melhor uso dos objetos, do domínio dos movimentos até a otimização das habilidades individuais”. Faz-se necessário frisar que Assim como o espaço não deve ser compreendido como um simples cenário onde se dão nossas ações— as nossas ações não se dão simplesmente ao longo de uma duração de tempo; muito mais do que isso, é na própria ação que se institui um tempo capaz de ser percebido e de ter algum sentido para nós. Dito de outra maneira, o tempo se institui e se organiza pela nossa ação (VEIGA-NETTO, 2001, p. 15)

Em síntese, pode-se dizer concordando com Foucault (2011) que o poder disciplinar produz, a partir dos corpos que controla uma individualidade: celular (pelo jogo de repartição espacial); genética (pela acumulação do tempo); orgânica (pela codificação das atividades) e combinatória (pela composição das forças). Isso ocorre porque o poder disciplinar é um poder que em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”. Adestra as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma multiplicidade de elementos individuais – pequenas células separadas, autonomias orgânicas, identidades e continuidades genéticas, segmentos combinatórios. Assim “a disciplina ‘fabrica’ indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício” (FOUCAULT, 2011, p. 164).

30 E sua eficácia é garantida porque não operam nos moldes de um poder triunfante, ao contrário, as disciplinas são modestas, desconfiadas, funcionam muito mais ao modo de uma economia calculada, mas permanente (FOUCAULT, 2011). Por esta razão que Dreyfus e Rabinow (1995, p. 170) em relação ao poder disciplinar afirmam que “a escala é um ponto crucial; o maior, mais preciso, produtivo e compreensível sistema de controle dos seres humanos será construído sobre as menores e mais precisas bases”. A constância do poder disciplinar por sua vez é mantida através de instrumentos que por sua simplicidade geralmente não são encarados como parte do aparato disciplinador, dentre os principais Focault (2011) cita o olhar hierárquico e a sanção normalizadora. Esses instrumentos disciplinares segundo Foucault (2011) seriam essenciais para cumprir o papel de adestramento dos corpos. Pois atuam através de procedimentos menores, mas não menos eficazes. Como o exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar, a vigilância hierárquica atuaria como um aparelho “onde as técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder, e onde, em troca, os meios de coerção tornem claramente visíveis sobre aqueles sobre quem se aplicam” (FOUCAULT, 2011, p. 165). O principal objetivo da observação hierárquica é tornar a vigilância integrante do controle dos corpos. O ato de vigiar e ser vigiado será o principal meio pelo qual os indivíduos serão reunidos no espaço disciplinar. Agora “o controle dos corpos depende de uma ótica do poder” (DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 173). Para que ninguém escape das malhas da disciplina o poder se assentou no principio de uma visibilidade permanente, porém, inverificável. Isso ocorre porque há uma dissociação no par ver-ser visto. “Quem está submetido a um campo de visibilidade, e sabe disso, retoma por sua conta as limitações do poder; fá-las funcionar espontaneamente sobre si mesmo; torna-se principio de sua própria sujeição” (FOUCAULT, 2011, p. 192). Esta ótica do poder é exatamente o que permite ao poder ser absolutamente indiscreto, pois está em toda parte, controlando continuamente até os que estão encarregados de controlar; e por outro lado, lhe permite que seja também absolutamente discreto, pois funciona permanentemente e em grande parte em silêncio (FOUCAULT, 2011).

31 Mas para que o sistema das vigilâncias funcionasse, era necessário um critério que permitisse unificar suas operações e solidificasse as punições num nível ainda mais aperfeiçoado de especificação. Esse critério era a sanção normalizadora. Assim “as disciplinas estabelecem uma ‘infrapenalidade’ quadriculam um espaço deixado vazio pelas leis; qualificam e reprimem um conjunto de comportamentos que escapavam aos grandes sistemas de castigo [...]” (FOUCAULT, 2011, p. 171). Através deste instrumento do poder disciplinar um número cada vez maior de setores da vida, desde os mais banais, passam a ser incluídos na trama legal, sendo absorvidos assim pelo poder. Na escola, por exemplo, podemos observar a aplicação de toda uma micropenalidade “do tempo (atrasos, ausências, interrupções das tarefas), da atividade (desatenção, negligência, falta de zelo), [...] do corpo (atitudes incorretas, gestos não conformes, sujeira), da sexualidade (imodéstia, indecência)” (FOUCAULT, 2011, p. 171-172). Através da especificação dos aspectos mais detalhados do comportamento cotidiano, quase tudo estaria potencialmente sujeito a punição. Dessa maneira tudo o que está inadequado, tudo que escapa às regras, todos os desvios serão passiveis de punição. Ou como salientou Dreyfus e Rabinow (1995, p. 174) “o dissidente, mesmo temporário, tornou-se objeto da atenção disciplinar” Como exposto até aqui as disciplinas atuaram e ainda tem atuado na constituição dos sujeitos modernos, através de processos de subjetivação. Processos nos quais a formação do indivíduo se liga a procedimentos de fiscalização, observação, especificação de desvios e por fim medidas comparativas que tem a norma como parâmetro. O interessante a observar é o caráter paradoxal dessas práticas disciplinares, pois, através de um conjunto de táticas homogêneas o poder disciplinar produz subjetividades individualizadas. Sujeitos que por mais que se comporte, a partir dos códigos de adestramento fornecidos pelos instrumentos disciplinares, se sentirão únicos e originais. E todo esse arsenal microscópico de poderes tem constituído a base da instituição escola desde a modernidade, ou seja, desde o seu inicio a escola vem atuando na produção e reprodução de identidades individualizadas pelas tramas do poder. Assim educar nada tem de neutro, seus métodos e seus conteúdos tem objetivos interessados.

32 Deste modo no próximo capítulo apresentaremos uma discussão acerca do papel da escola na (re)construção das identidades genderificadas e sexualizadas.

3.2 Gênero e sexualidade na escola Neste tópico mostraremos como a escola através do uso de tecnologias sociais, que visam enquadrar cada um em uma identidade, adequar cada corpo a um único gênero, tem auxiliado a fazer da infância e da adolescência fases dirigidas para a construção de homens e mulheres ideais; leia-se: pessoas “normais”, como nossa sociedade nos faz crer. Apontaremos também que por trás de um ideal regulatório “jaz uma história invisível de violências às quais alguns sucumbem” (MISKOLCI, 2013, p. 12). As muitas formas de fazer-se mulher ou homem, as múltiplas possibilidades de vivenciar os desejos e prazeres, são sempre produzidas em referência a um marco cultural. Isto nos sugere que “as identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade” (LOURO, 2000, p. 6). As múltiplas e distintas identidades constituem os sujeitos, na medida em que estes são interpelados em diferentes situações, por diferentes instituições ou agrupamentos sociais. “Reconhecer-se numa identidade supõe, pois, responder afirmativamente a uma interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social de referência” (LOURO, 2000, p. 6). A autora ainda salienta que [...] Nesses processos de reconhecimento de identidades inscreve-se, ao mesmo tempo, a atribuição de diferenças. Tudo isso implica a instituição de desigualdades, de ordenamentos, de hierarquias [...] De modo mais amplo, as sociedades realizam esses processos e, então, constroem os contornos demarcadores das fronteiras entre aqueles que representam a norma (que estão em consonância com seus padrões culturais) e aqueles que ficam fora dela, às suas margens (LOURO, 2000, p. 9).

Neste contexto importa esclarecer que a escola desempenha um papel importante na instituição de diferenças e na hierarquização dos sujeitos, como apontado por Louro (1997, 2000), desde seus inícios a escola vem exercendo uma ação distintiva.

33 Para Miskolci (2013) historicamente, a escola foi um local de normalização. A educação foi, nos termos de Foucault, além da instituição disciplinar por excelência, um meio biopolítico, ou seja, uma forma poderosa de normalização coletiva. Isso porque é na escola que as pessoas entram em contato pela primeira vez com a sociedade e suas demandas. É claro, que nas famílias os sujeitos já estão inseridos na sociedade, mas protegidos de certa forma de muitas das demandas exteriores ao círculo do parentesco. Na escola tal circulo desaparece, e é ai que os sujeitos se descobrem acima do peso, ou magros demais, feios, baixos, gagos, negros, afeminados. Em suma “é no ambiente escolar que os ideais coletivos sobre como deveríamos ser começam a aparecer como demandas e até mesmo como imposições, muitas vezes de uma forma muito violenta” (MISKOLCI, 2013, p. 41). Esse caráter violento da socialização escolar recebeu nos últimos anos o nome de bullying, mas como nos alerta Miskolci (2013) o assédio moral não é um fenômeno novo, no fundo, ele sempre foi parte do processo educacional. Neste ínterim a escola sempre fora participe do assédio moral de tal forma que, normalmente a educação se confundia com ele: você entrava e se enquadrava. “Havia um circulo oculto, um processo não dito, não explicitado, não colocado nos textos, mas que estava na própria estrutura do aprendizado, nas relações interpessoais, até na própria estrutura arquitetônica, que continua a ser normalizadora” (MISKOLCI, 2013, p. 41). Por isso Guacira Louro e Miskolci (2013) argumentam que as ordens arquitetônicas são tecnologias de construção de gênero e discriminação. A escola, por exemplo, institui toda uma dinâmica de delimitação dos espaços valendo-se de símbolos e códigos. Agindo assim ela Afirma o que cada um pode (ou não pode) fazer, ela separa e institui. Informa o lugar dos pequenos e dos grandes, dos meninos e das meninas. Através de seus quadros, crucifixos, santas ou esculturas, aponta aqueles/as que deverão ser modelos e permite, também, que os sujeitos se reconheçam ou não nesses modelos. O prédio escolar informa a todos sua razão de existir. Suas marcas, seus símbolos e arranjos arquitetônicos “fazem sentido”, instituem múltiplos sentidos, constituem distintos sujeitos (LOURO, 1997, p. 58).

E toda essa rede de significados que perpassa a delimitação/regulação dos espaços dentro da instituição escola corroboram com a perspectiva de alguns autores (PEREIRA, 2009; THORNE 1993) que tem demonstrado que o acesso e o controle sobre o espaço – principalmente o do recreio – são objeto de várias lutas materiais e simbólicas entre jovens de diferentes sexos e idades. De modo que “certos espaços são

34 definidos como “masculinos” ou “femininos” e usados como recursos na performance de género e negociação de relações de poder entre rapazes e raparigas e entre jovens do mesmo sexo” (PEREIRA, 2009, p. ). Dentro do espaço escolar, através de gestos, de movimentos, sentidos são produzidos e incorporados por meninos e meninas. É um processo sutil e continuado, que obedece a um ritmo e a uma cadência, que exige uma disposição física, uma postura que ao longo do tempo penetram nos sujeitos, que reagem, mas envolvidos por tais práticas acabam por constituir o que Louro (1997, 2000) chama de identidades “escolarizadas”. Para Richard Miskolci (2013) as identidades socialmente prescritas são uma forma de disciplinamento social, de controle, de normalização. É desta maneira que, por exemplo, a escola tenta pelos mais diversos meios pedagógicos, criar meninos masculinos e meninas femininas. Portanto, o ensino escolar participa e é um dos principais instrumentos de normalização, uma verdadeira tecnologia de fabricar pessoas normais. Na escola os sentidos de meninos e meninas são treinados, fazendo com que cada um conheça o que é “bom” e “decente” e rejeite o que é “indecente”; aprenda o que, a quem e como tocar – ou não tocar – fazendo com que algumas habilidades sejam valorizadas e não outras. “E todas essas lições são atravessadas pelas diferenças, elas confirmam e também produzem diferença” (LOURO, 1997, p. 61). Mas os sujeitos não se comportam passivamente a estas imposições externas. Eles se envolvem ativamente e são envolvidos nessas aprendizagens – reagem, recusam ou as assumem inteiramente (LOURO, 1997). Talvez dentre os inúmeros dispositivos e práticas aos quais se poderiam observar a instituição das distinções e desigualdades no âmbito escolar, a linguagem seja o local de destaque, isso porque, além de atravessar e constituir a maioria de nossas práticas, ela quase sempre, parece muito “natural”, pois, na maioria das vezes supomos que ela é, apenas um eficiente veículo de comunicação. “No entanto, a linguagem não apenas expressa relações, poderes, lugares, ela os institui; ela não apenas veicula, mas produz e pretende fixar diferenças” (LOURO, 1997, p. 65). No que tange ao gênero e a sexualidade, a linguagem institui e demarca as posições dos sujeitos não apenas através do ocultamento do feminino – por exemplo, no uso corrente da palavra homem, para designar não só o indivíduo do sexo masculino,

35 como toda espécie humana – mas também, pelas diferenciadas adjetivações que são atribuídas aos sujeitos (LOURO, 1997). Além disso, tão ou mais importante do que escutar o que é dito sobre os sujeitos parece ser perceber o não-dito, aquilo que é silenciado – os sujeitos que não são, seja porque não podem ser associados aos atributos desejados, seja porque não podem existir por não poderem ser nomeados. Provavelmente nada é mais exemplar disso do que o ocultamento ou a negação dos/as homossexuais – e da homossexualidade pela escola (LOURO, 1997, p. 67).

Corroborando com as alegações supracitadas Carrie Patcher (2009) argumenta que em razão de serem vistos como ameaças às comunidades dominantes de masculinidade e feminilidade, exatamente por perturbarem as premissas da heterossexualidade, é que os alunos gays, lésbicos e bissexuais são invisibilizados. Isso porque uma das regras sobre os corpos dos alunos (e dos professores) na escola é a de que eles devem encenar a heteronormatividade, ou seja, todos “devem se comportar de modo a assegurar sua identificação como heterossexual, em lugar de se apresentar como o Outro, como corpos sexualmente transgressores” (PATCHER, 2009, p. 127). Além disso, o apagamento da sexualidade na escola é somente possível por meio da invisibilidade da sexualidade heteronormativa. O corpo escancaradamente lésbico, gay ou bissexual é problemático, porque ele torna o sexo e a sexualidade visíveis em um espaço em que é essencial que ambos permaneçam escondidos (PATCHER, 2009). O apagamento do corpo envolve todo um conjunto de estratégias disciplinares que tornam o corpo do aluno autoexcludente, o aluno bem disciplinado apaga completamente o corpo, ao contrário dos gays, lésbicas e bissexuais que são corpos que se impõe enquanto corpos sexuados, e por isso tão perturbadores. As exigências de uma heterossexualidade invisível agem coercitivamente sobre todos os corpos na escola e, particularmente, sobre aqueles para quem a performance da heterossexualidade é problemática. Dessa forma, a heteronormatividade do processo educacional restringe as masculinidades e as feminidades que podem ser construídas e encenadas na escola e sustenta a dominação de determinadas comunidades de prática de masculinidade e de feminidade. Aqueles alunos que tentam construir masculinidades e feminidades em torno de sexualidades não normativas se acham, inevitavelmente, em uma posição de invisibilidade ou de resistência. Ao reagirem assim, tornam sua sexualidade presente em um lugar em que é formalmente ausente e, portanto, se recusam a permitir que o currículo construa suas masculinidades e suas feminidades dentro de

36 uma moldura que toma a heterossexualidade como um dado a priori. (PATCHER, 2009, p. 127).

É importante ressaltar que a negociação do gênero é um processo que envolve, e interage, com a produção de identidades sexuais. As masculinidades e feminilidades são reguladas em grande parte em função de prescrições sobre as práticas e desejos sexuais considerados apropriados a meninos e meninas (PEREIRA, 2009). Como apontado por Judith Butler (2008, 2012) à heterossexualidade é entendida como o requisito e o sinal de uma masculinidade ou uma feminilidade “normal”. Pereira acrescenta que “as normas acerca do comportamento sexual e formas de expressão de afeto actuam como principio de regulação e hierarquização das performances de género entre jovens” (2009, p. 121). Pereira ressalta ainda que a utilização de insultos homofóficos, em particular direcionados aos rapazes, pode ser interpretada como “performances através das quais estes reiteram publicamente a sua própria masculinidade ‘normal’ (heterossexual), questionando a identidade sexual de outros/as” (2009, p. 121-122). Na verdade, muitos jovens aprendem sobre sexualidade ouvindo injúrias com relação a si próprios ou com relação aos outros. Na escola quer você seja a pessoa que sofre a injúria; é xingada, é humilhada; ou a que ouve ou vê alguém ser maltratado, é nessa situação da vergonha que descobre o que é a sexualidade. É evidente que, dessa maneira, isso se transforma em um trauma, mas é assim que as normas se fazem valer (MISKOLCI, 2013). Como nos aponta Richard Miskolci (2013, p. 34) essas violências são a expressão do heterossexismo, da forma como somos socializados dentro de um regime que o autor chama de “terrorismo cultural”. “O terrorismo cultural é um nome que busca ressaltar a maneira como opera socialmente o heterossexismo, fazendo do medo da violência a forma mais eficiente de imposição da heterossexualidade compulsória”. Tanto na vida social quanto na escola, aprendemos as formas coletivamente esperadas de ser por meio da perseguição às maneiras de agir e ser rejeitadas socialmente. Na esfera do gênero e da sexualidade, a ameaça constante de retaliações e violências nos induz a adotar comportamentos heterossexuais. E o pior é que a recusa violenta de formas de expressão de gênero ou sexualidade em desacordo com a norma “é antecedida e até apoiada por um processo educativo heterossexista, ou seja, por um currículo oculto comprometido com a imposição da heterossexualidade compulsória”.

37 E é exatamente por esse motivo que nesse trabalho decidimos analisar o “Kit Gay”, tendo em vista, que este material fora lançado como proposta para driblar as insuficiências pedagógicas em relação a sexualidade e o gênero. Deste modo no próximo capítulo será apresentada a análise dos vídeos contidos no Kit.

38 4. O “KIT GAY” UM KIT DE POLÊMICAS Como medida para combater a discriminação contra gays no Brasil, o governo do Presidente Lula lançou em 2004 um programa intitulado “Brasil sem homofobia”. Este programa possui o intuito de promover a cidadania e direitos humanos às lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTT) a partir da equiparação de direitos e do combate à violência e a discriminação (BRANDÃO; SANTANA, 2011). Foi exatamente com este intuito que em 2011 fora lançado o projeto “Escola sem Homofobia” que previa a distribuição às escolas da rede pública de um kit contendo material didático/pedagógico ligado às questões de gênero e sexualidade. O Projeto “Escola sem Homofobia” fora criado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), do Ministério da Educação (MEC). O plano foi elaborado por entidades de defesa dos direitos humanos e de entidades representativas da comunidade LGBTT. Esse projeto fora desenvolvido após o diagnóstico dos altos índices de violência contra pessoas LGBTT no ambiente escolar, assim como do despreparo dos professores no tratamento do tema e da falta de materiais didático/pedagógicos adequados para tal (BRANDÃO; SANTANA, 2011). O “Kit de combate à homofobia nas escolas” consistiria em uma embalagem contendo uma série de cartilhas, cartazes, folders e cinco vídeos que tratam do despertar da eroticidade na juventude, período final da infância até a adolescência, na sua vertente homoerótica. Esse material seria destinado a alunos de 6ª a 9ª série do Ensino Fundamental e aos alunos do Ensino Médio. Segundo o Centro de Estudos em Comunicação em Sexualidade e Reprodução Humana (ECOS) – entidade ligada à produção do Kit – O principal objetivo da produção deste material didático/pedagógico seria o de “contribuir para a implementação e a efetivação de ações que promovam ambientes políticos e sociais favoráveis à garantia dos direitos humanos e da respeitabilidade das orientações sexuais e identidade de gênero no âmbito escolar brasileiro”1 Polêmico, o tema vem causando problemas desde a época que fora anunciado em 2011, as maiores polêmicas ocorreram na internet, onde grupos se manifestaram de maneira acalorada tanto a favor, mas principalmente contra o material, apelidado por seus opositores de “kit gay”. Na internet podemos encontrar comentários como os

1

Fonte: http://www.ecos.org.br/projetos/esh/esh.asp

39 seguintes “Bando de imorais acabando com o mínimo da decência que tem nesse país”, “Querem impor isso: nasceu mulher mas optou por ser homem, ou, nasceu homem e quer ser mulher. Absurdo!”, “Querem a qualquer custa implantar uma ditadura gay”2, entre outros. É importante ressaltar que o Kit não foi apenas combatido nas redes sociais, mas também em púlpitos de igrejas e em programas de televisão comandados por pastores evangélicos como Silas Malafaia e Marco Feliciano3. A principal crítica ao kit assentava-se no argumento de que a faixa etária à qual o kit iria abarcar não teria discernimento suficiente para interpretar de maneira correta as informações que seriam apresentadas, correndo o risco de ser influenciada. Na verdade o grande alarde feito principalmente pelos pastores citados consistia em denunciar uma suposta “apologia ao homossexualismo” contida no kit. Dentre os diversos materiais contidos no Kit o que gerou maior polêmica foram os vídeos produzidos especialmente pela ONG ECOS. Os vídeos produzidos com diferentes estéticas abordam de forma coloquial temas como lesbianidade, transexualidade e bissexualidade. Temas que geram estigmas e ainda hoje são pouco compreendidos. Como as polêmicas foram geradas principalmente em torno dos vídeos, neste trabalho nos ateremos a análise de três deles contidos no “Kit gay”, dentre eles Medo de que?; Boneca na Mochila e Encontrando Bianca. Procuraremos evidenciar os possíveis deslocamentos que o vídeos promovam em relação as noções naturalizadas de gênero e sexualidade que tanto contribuem para propagação de preconceitos e discriminação àqueles que não se enquadram nas normas. O primeiro vídeo analisado trata-se de um desenho animado denominado “Medo de que?”4 que busca promover uma reflexão critica sobre como as expectativas que a sociedade tem em relação ao gênero influenciam a vivência de cada pessoa com seus desejos, mostrando o cotidiano de personagens comuns na vida real. O formato escolhido pelos produtores foi o do desenho animando, sem falas, pois, segundo os mesmos este formato facilitaria “sua exibição para pessoas de diferentes contextos culturais, independente do nível de alfabetização das/os espectadoras/es.” 2

Comentários de usuários do Youtube acerca dos vídeos contidos no “Kit Gay”. Silas Malafaia é pastor da igreja Assembléia de Deus e apresentador de um programa televisivo chamado “Vitória em Cristo”. Marco Feliciano além de pastor da Assembléia de Deus é deputado federal e foi presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da câmara dos deputados. 4 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cIoeUqBxhi0. 3

40 O personagem principal é Marcelo, um garoto, que como tantos outros, tem sonhos desejos e planos. Seus pais, seu amigo, e a comunidade onde vive mostram expectativas em relação a ele que não são diferentes das que a sociedade tem a respeito dos meninos de um modo geral. Porém nem sempre os desejos correspondem ao que as pessoas esperam delas. É exatamente sobre estas expectativas em relação à Marcelo que o desenho se desenrola. Seu pai sonha que ele se torne um motociclista famoso, que ele se case com uma mulher tenha filhos, ou seja, o pai pretende que seu filho reproduza o padrão social estabelecido para os homens. Mas uma pergunta se faz necessária: quais são os desejos de Marcelo? É Justamente a resposta a esta questão que gera medo tanto nos pais do garoto quanto nele mesmo. Em geral as pessoas tem medo daquilo que não conhecem bem. Assim muitas vezes alimentam preconceitos que se manifestam nas mais variadas formas de discriminação. A homofobia é uma delas. O que fica evidente é a tentativa do vídeo de mostrar que a ignorância gera o preconceito, o qual guia atitudes como desdém, insultos e outras formas de violência. Como nos aponta o sociólogo Richard Miskolci (2010, p. 83), “a experiência de ser xingado e humilhado costuma ser a própria descoberta da homossexualidade”. Em vários momentos vemos Marcelo, o personagem do vídeo, passando por essa situação, em que a descoberta de sua sexualidade perpassa um doloroso processo de rejeição por parte dos que convivem com ele, e dele com relação a si mesmo. Isso porque o menino ou a menina que se revela diferente não é estranho em si mesmo. É o educador, os colegas de sala e as pessoas de sua comunidade que os classificam como esquisitos (MISKOLCI, 2010). E talvez a forma mais sutil e cruel de invisibilizar as sexualidades dissidentes seja o silêncio. No caso do vídeo este silêncio é retratado na figura da mãe, que mesmo sabendo da orientação sexual do filho, prefere fingir que nada está acontecendo se esquivando de um enfrentamento com a realidade. Para Richard Miskolci (2010, p. 80), fingir que alguém não existe nada tem de imparcial, e ignorar costuma ser a melhor forma de fazer valer os padrões de comportamento considerados “bons”, “corretos”, “normais”. “O silêncio e a tentativa de ignorar os diferentes são ações que denotam cumplicidade com valores e padrões de comportamento hegemônicos”.

41 Silenciar sobre aqueles que se interessam por parceiros do mesmo sexo é uma forma de tratá-los como não sujeitos, desmerecê-los porque não correspondem aos atributos desejados socialmente e, sobretudo, relegá-los ao reino daqueles que não podem nem existir, já que não podem ser nomeados (MISKOLCI, 2010). Isso faz com que, esses sujeitos sejam insultados, uma forma de declará-los inferiores e abjetos, pois o ato de xingar não os denomina apenas, antes os classifica como inferiores e indesejados. O silêncio e a invisibilização da sexualidade sempre foram práticas “educativas” sobre as formas diferentes de se expressar a sexualidade, pois, pressupõe que ignorar a existência de práticas entre pessoas do mesmo sexo levaria os jovens a optar pela heterossexualidade. Assim o que podemos depreender do vídeo é que ele não só contribui para desnaturalizar visões normalizadas acerca do gênero e da sexualidade entre os jovens como faz um chamamento aos educadores para repensarem suas práticas em relação aos sujeitos que não correspondem as normas. Além de tirar do silêncio e, por conseguinte, das margens formas dissidentes de sexualidade. O segundo vídeo analisado é a ficção “Boneca na Mochila”5 que pretende promover uma reflexão crítica sobre como as expectativas de gênero propagadas na sociedade influenciam a educação formal de crianças, adolescentes e jovens através de situações que, se não aconteceram em alguma escola, com certeza já foram vivenciadas por famílias no mesmo contexto ou em outros. Baseado em História verídica, mostra um motorista de táxi que conduz uma mulher aflita chamada a comparecer à escola onde seu filho estuda, apenas porque o flagraram com uma boneca na mochila. Durante o caminho, casualmente, o rádio do táxi está sintonizando um programa sobre homossexualidade que, além de noticiar o fato que se passa na escola aonde estuda o menino em questão, promove um debate com especialistas em educação, sociologia e em psicologia, a respeito do assunto. Ao longo do vídeo, são apresentadas momentos que revelam o quanto de preconceito existe em relação ás pessoas não heterossexuais. Um exemplo disso está na fala do taxista que ao ouvir no rádio a noticia de um “troca, troca” no banheiro entre meninos de 6 anos em uma escola expõe de maneira preconceituosa suas opiniões sobre o assunto, como no seguinte enunciado “ – Já pensou que triste minha senhora, você põe

5

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xGRTa7BPWy4.

42 toda esperança nele, e de repente descobre que seu filho é boiola desde pequeninho, deve ser horrível”. Ou neste outro “ – filho boiola não dá né minha senhora”. Esses enunciados preconceituosos são intercalados com a fala de especialistas que no decorrer da estória irão desconstruir as ideias normativas sobre masculinidades e feminilidades. O objetivo do filme é desnaturalizar as relações de gênero e sexuais por meio do discurso de autoridade, como de psicólogos, sociólogos e psiquiatras. Esse estratégia ao nosso ver, foi utilizada porque geralmente os discursos normativos sobre sexualidade e gênero também se dão no âmbito da ciência, ou seja, do discurso de autoridade. Assim expondo a opinião de especialistas que descontroem os ideias de gênero e sexualidade o vídeo pretende fazer um contraponto a esses discursos que fixam a sexualidade, por exemplo, na biologia, ou seja, na reprodução. Através dos enunciados já citados podemos perceber também o que nos aponta Richard Miskolci (2010), ou seja, a masculinidade em nossa sociedade geralmente se constrói em oposição ao medo da homossexualidade e de sua suposta relação com o feminino. Como, por exemplo, o estardalhaço feito em torno de um menino brincando com uma boneca. O que de certa forma colocaria sua masculinidade em prova. Como acrescenta Miskolci (2010) rapazes são ensinados a serem homens, leia-se homens heterossexuais, odiando gays e rejeitando em si próprios o interesse por outros rapazes, pois temem que isso os ameace com uma espécie de efeminamento. Em Bourdieu podemos perceber claramente o caráter paradoxal da masculinidade, pois como nos aponto o autor “a virilidade, como se vê, é uma noção eminentemente relacional, construída diante dos outros homens, para os outros homens e contra a feminilidade, por uma espécie de medo do feminino” (BOURDIEU, 1999, 67). É essa rejeição ou medo do feminino e de um possível efeminamento que faz com que rapazes ou grupos de rapazes manifestem formas de intolerância que vão da violência verbal expressa nos xingamentos até a violência física dos espancamentos e, mais raramente, do abuso sexual. Essa realidade de violência que enfrenta os sujeitos homossexuais também perpassa o ambiente familiar, onde jovens são espancados para que se tornem “homens de verdade”. Realidade que podemos perceber na fala do taxista que ao ser questionado sobre a sexualidade de suas filhas, reponde que se elas fossem homossexuais ele “daria uma bela de uma surra nelas, e depois as trancaria até que elas melhorassem”.

43 No ano passado um menino de dezesseis anos foi espancado pelo pai por ser gay na cidade de Três Lagos no Mato Grosso do Sul, o garoto apanhou tanto que teve que ser levado ao hospital local para tratamento. O pai dizia que o menino “é arrombado, que gay tem que apanhar mesmo, que é lixo, e vagabundo”6 Por isso entendemos que o vídeo além de cumprir o papel à que se propõe, ou seja, desconstruir as visões normativas de gênero, colabora com a inserção de sujeitos não normativos como parte da comunidade, não como esquisitos ou anormais. E o alcance da proposta deste vídeo se amplia se pensarmos que ele ao contrário dos outros não se restringe aos estudantes, mas deve ser aplicado também aos pais e familiares dos educandos. Já o último vídeo “Encontrado Bianca”7, aborda por meio de narrativa ficcional em primeira pessoa, a descoberta e a busca de José Ricardo/Bianca de sua identidade travesti. No vídeo acompanhamos a trajetória de Bianca e os dilemas de sua convivência dentro do ambiente escolar: sua tendência de se aproximar e se identificar com o universo das meninas; a primeira vez que, em sua casa, se vestiu com roupas femininas; a primeira vez que foi com as unhas pintadas para a escola; cada vez assumindo mais, no ambiente escolar, sua identidade de travesti. Também nos são apresentados ao longo do vídeo as dificuldades enfrentadas por Bianca ao longo do processo como, por exemplo; a dificuldade de ser chamada pelo nome com o qual se identifica (Bianca); os problemas por não conseguir utilizar, sem constrangimentos, tanto o banheiro masculino quanto o feminino; além das ameaças e agressões com que Bianca se depara cotidianamente. Os problemas enfrentados por Bianca são os mesmos problemas enfrentados por grande parte das travestis e transexuais no ambiente escolar. Isso porque, as tecnologias de gênero, ou seja, os mecanismos sociais utilizados para fazerem dos corpos, corpos sexuados, estão centradas em uma rígida estrutura binária, que não admite qualquer desvio as normas que impõe. Essas normas são construídas socialmente através de um longo processo que se inicia quando a criança ainda é um feto. Para socióloga Berenice Bento (2010) quando o médico em uma consulta pré-natal define através de um exame de ultrassonografia o sexo da criança, ele está através da eficácia simbólica de sua fala não só dando 6 7

Fonte: http://aredacao.com.br/noticias/31112/garoto-de-16-anos-e-espancado-pelo-pai-por-ser-gay Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SJsGN69NGug.

44 materialidade há um corpo, mas gerando todo um conjunto de expectativas “que serão materializadas posteriormente em brinquedos, cores, modelos de roupas e projetos para o/a futuro/a filho/a” (BENTO, 2011, p. 550). Assim, esta criança genderificada encontrará uma complexa rede de desejos e expectativas para o seu futuro, levando-se em consideração para projetá-la o fato de ser uma menina ou um menino. E essas expectativas serão estruturadas numa complexa rede de pressuposições sobre comportamentos, gostos e subjetividades (BENTO, 2011). Desse modo, quando se diz “é menino” não se está descrevendo apenas um corpo sexuado, mas criando um conjunto de expectativas para aquele corpo que será construído como menino. Assim, “quando se diz “menino/menina” não se está descrevendo

uma situação,

mas

produzindo

masculinidades

e feminilidades

condicionadas ao órgão genital” (BENTO, 2011, p. 551). Mas há corpos que escapam ao processo de produção dos gêneros inteligíveis e, ao fazê-lo, se põe em risco porque desobedeceram às normas de gênero. Na verdade, como salienta Berenice Bento (2011, p. 551) “esse processo de fuga do cárcere dos corpos-sexuados é marcado por dores, conflitos e medos”. No vídeo podemos perceber todas as expectativas que são construídas em torno do corpo de José Ricardo/Bianca, a começar pelo nome, escolhido para homenagear um artilheiro de um grande time de futebol. Expectativas que no caso de José Ricardo vão sendo frustradas a medida que vai se aproximando de sua identidade travesti, Bianca. Um dos exemplos expostos no vídeo acerca do processo de dores, conflitos e violências que marcam a vida das pessoas travestis ou transexuais ao assumirem sua identidade de gênero, é ilustrado pelo primeiro dia em que Bianca vai a escola com as unhas pintadas. Esse simples fato causou um horror tão grande nos colegas que ela foi humilhada em público, o que a fez não ir a aula no outro dia. Na verdade, a violência e o preconceito são uma das razões dos altos índices de evasão quando se trata de travestis e transexuais.

Segundo pesquisa feita pela

professora Marina Reidel a maioria dos travestis e transexuais não conseguem concluir nem o Ensino Fundamental, e 99% não chegam às universidades8. Para Berenice Bento (2011), isso acontece porque a escola, se apresenta como uma instituição incapaz de lidar com a diferença e a pluralidade, funcionando como uma

8

Fonte: http://www.cartanaescola.com.br/single/show/262.

45 das principais guardiãs das normas de gênero e produtora da heterossexualidade. Por isso para autora nos casos em que as crianças são levadas a deixar a escola por não suportarem o ambiente hostil, não se trata de evasão, mas sim de “expulsão”. Diante deste quadro frequente de “expulsão” de travestis e transexuais do ambiente escolar entendemos que o vídeo não é agressivo, e muito menos faz “apologia ao homossexualismo” como propalado pelos detratores do “Kit Gay”, na verdade ao longo das três análises o que pudemos perceber é que os vídeos contribuem e muito para trazer a cena todos esses corpos antes relegados as margens. Assim sendo, trazer para dentro da escola as discussões apresentadas nos vídeos é uma maneira de quebrar o silêncio sobre o gênero e a sexualidade, silêncio que tem condenado sujeitos à violência diária, seja através de insultos, xingamentos ou agressões.

46 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como pudemos notar ao longo desta exposição o gênero e a sexualidade não são dados da natureza, mas antes tecnologias sociais destinadas à normalização dos sujeitos. Essa pedagogia dos gêneros e das sexualidades hegemônicas tem como objetivo preparar os corpos para vida referenciada na heterossexualidade, construída a partir da ideologia da complementaridade dos sexos. As reiterações que produzem os gêneros e a heterossexualidade são marcadas como vimos por um terrorismo contínuo. Há violência a cada enunciado que incentiva ou inibe comportamentos, a cada insulto ou piada homofóbica. “A cada reiteração do pai do/a pai/mãe ou professor/a, a cada ‘menino não chora’, ‘comporta-se como menina!’, ‘isso é coisa de bicha!’, a subjetividade daquele que é o objeto dessas reiterações é minada” (BENTO, 2011, p. 552). E essas verdades são reiteradas por diversos caminhos, por várias instituições. A invisibilidade como mostramos é um desses mecanismos, quando o “estranho”, o “abjeto” aparece no discurso é para ser eliminado. Como nos casos de assédio moral vivenciados por homossexuais todos os dias nas escolas. Esse processo de desqualificar, xingar, humilhar o outro é uma tentativa de dar vida através do discurso para depois matá-la. Assim quando uma criança ouve seja dos pais, seja do educador ou de seus coleguinhas “isso é coisa de bicha!”, essa sentença produz inúmeros sentidos. A criança muitas vezes não entende o real sentido do enunciado, mas sabe que não quer ser rejeitada. Sabe, portanto que não poderá agir como uma bicha (BENTO, 2011). Essas interdições vão ficando mais claras ao longo da vida. Assim todos aqueles/as que escapam a norma – a bicha, a sapatão, a travesti – sentiram-se cada vez mais acossados pelos mecanismos normalizadores. Seja o insulto homofóbico ou até a agressão física e o abuso sexual. Dessa maneira salientamos a importância de mecanismos como o “Kit Gay” para tentar coibir essas ações violentas contra todos/as aqueles/as que expressam sua sexualidade e sua identidade de gênero fora da hegemonia. Pois como tentamos mostrar ao longo deste trabalho a escola é um dos principais espaços de normalização coletiva, contribuindo assim para “conformar” todos os corpos ao padrão heterossexual. Como a escola tem se mostrado um espaço hostil para crianças e jovens fora dos padrões de normalização, o “Kit Gay” pode ser uma alternativa – mas não a única –

47 para acabar com o silêncio em torno da sexualidade e do gênero neste espaço. Silêncio que na maioria das vezes omiti a conformidade da instituição com os padrões hegemônicos, e de certa forma, a torna cúmplice da violência contra os corpos dissidentes.

48 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENTO, Berenice. Na escola se aprende que a diferença faz a diferença. Revista Estudos feministas, Florianópolis, maio-agosto/2011, pp. 548-559. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2011000200016. Último acesso: 07/11/14. BRITO, Walderes et al. Para além de um kit anti-homofobia. Políticas públicas de educação para população LGBT no Brasil. Revista Bagoas, nº07, 2012, pp. 99-122. Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/bagoas/v06n07art06_melloetal.pdf. Último acesso: 07/11/14. BRANDÃO, Paula de Freitas; SANTANA, Tereza. O “kit gay”: na saúde e na educação um kit de polêmicas. Revista eletrônica de Ciências Sociais, nº 18, setembro de 2011, pp. 167-176. Disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/caos/n18/14%20_Tereza%20e%20Paula%20II%20%20O%20Kit%20Gay%20%20Na%20Saude%20e%20na%20Educacao%20um%20kit %20de%20polemicas.pdf. Último acesso: 07/11/14. BUTLER, Judith. Cuerpos que importan: sobre los límites materiales y discursivos del “sexo”. 2ª ed. Buenos Aires: Paidós, 2008. ______. Deshacer el género. Buenos Aires: Paidós, 2006. ______. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. DREYFUS, L. Hubert; RABINOW, Paul. Michel Foucault Uma trajetória Filosófica: Para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988. ______. Microfísica do poder. 11ª ed., Rio de Janeiro: Edições Graal, 1997. ______. Vigiar e punir: História da violência nas prisões. Tradução: Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: Vozes, 39ª ed., 2011. KANT, Immanuel. Sobre a pedagogia. Piracicaba: UNIMEP. Tradução de Francisco Cock Fontanella, 1996. LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pósestruturalista. 6ª ed. Petrópolis, Vozes, 1997. ______. Pedagogias da sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes (org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

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