UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ RESENHA DA OBRA: CRÍTICA DA RAZÃO PRÁTICA

October 8, 2017 | Autor: D. Ufpi/integral | Categoria: Immanuel Kant
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA JURÍDICA
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA
PROF. REGINA COELLI





RESENHA DA OBRA: CRÍTICA DA RAZÃO PRÁTICA


Andrey Bandeira
Marcelo Pacheco
Marília Marques
Rafael Kader
Victor Rocha
Vitória Reis

TERESINA / JULHO – 2014
CRÍTICA DA RAZÃO PRÁTICA

KANT, Immanuel. A crítica da razão prática. Tradução Artur Morão. São Paulo: Martin Claret, 2004.

Immanuel Kant nasceu em 22 de abril de 1724 na cidade de Konigsberg, cidade da antiga Prússia, onde viveu, lecionou e morreu. Filho de pais artesãos e protestantes, teve sua educação ministrada de forma rígida e foi um cristão devoto por toda a sua vida. Lecionou na universidade de Konigsberg, não se casou nem deixou filhos.
É importante ressaltar características peculiares da vida de Kant, pois elas têm uma influência direta nas suas obras. Como o fato de ele ser pontual como um relógio, levantava-se às cinco horas da manhã e deitava-se todas as noites às dez horas. Apenas duas circunstâncias fizeram-no perder a hora: a publicação do Contrato Social de Rousseau em 1762 e a vitória francesa em Valmir em 1792 (durante as guerras da revolução francesa). A Revolução francesa vai, no entanto, ser um fator decisivo de transformação também na filosofia de Kant. Observando a evolução e as realizações práticas, Kant volta a refletir sobre a prometida razão e liberdade.
As principais obras do filósofo são: a Crítica a Razão Pura (1781), que não foi muito bem recebida de início em virtude da sua terminologia pouco familiar e estilo inusitado, mas que, por outro lado, foi pioneira em examinar o que podemos conhecer e, com base nas conclusões desse exame, promoveu uma discussão acerca das teorias da metafísica tradicional (exageradas na visão kantiana); a Crítica da razão Prática (1788), que dá continuidade a sua investigação crítica sobre os princípios da moral; e a Crítica do Julgamento, ou Crítica do Juízo (1790) na qual, indo além da razão, investiga os limites daquilo que podemos conhecer pela nossa faculdade de julgar.
Além disso, o pensador escreveu sobre quase todos os assuntos da filosofia, e logo acabou incomodando alguns nomes, como Frederico-Guilherme II (Rei da Prússia). Esse se inquietou com a obra "A religião nos limites da simples razão" (1793) e fez com que Kant prometesse nunca mais escrever sobre religião. Mas para Kant essa promessa foi válida apenas enquanto durou o reinado de Frederico II, pois após o advento de Frederico-Guilherme III ao trono, não hesitou em tratar de religião no "Conflito das Faculdades" (1798).
Immanuel Kant morreu em 1804. Apesar de sua vida regrada, sempre teve a saúde debilitada e não gostava da presença de médicos. Assim, aos 79 anos, morreu em virtude do Mal de Alzheimer. Kant viveu para filosofia e é por isso considerado o último dos grandes filósofos do fim da era moderna. Mas seus escritos permaneceram como inspiração na mente de jovens filósofos das futuras eras.
Na Crítica da Razão Prática, Kant amplia o conhecimento produzido na primeira crítica. A razão prática de é a evolução, a transcendência, a amplificação da própria razão pura, insuficiente para abarcar conceitos em suspensão tais quais a existência de Deus, a liberdade e a imortalidade. A razão prática (prática porque objetiva) não se ocupa de especular sobre estes conceitos como a pura, mas sim de torná-los reais, inteligíveis, palpáveis por nós, seres não "suprassensíveis". Pode-se dizer que se tratam da mesma "razão", mas que se apresentam de formas diferentes (sistematização/metodologia diferente).
A faculdade de entender formula conceitos, e é por isso razão pura. A faculdade de desejar traz esses conceitos à realidade, e é por isso razão pura prática. Esses conceitos são acerca de determinados objetos, em sua maioria transcendental, uma vez que Kant ocupou-se de estudar o imo fundamental da conduta humana, e, portanto, estudou as mais complexas abstrações da existência (o que é vontade, o que a fundamenta, porque Deus deve existir, porque a alma deve ser imortal).
Os princípios da razão prática são em última observação proposições que contém uma "determinação geral da vontade", justamente o objeto de estudo de Kant, aficionado pela conduta humana e pelos seus fundamentos (o que me faz querer tomar um sorvete numa tarde ensolarada? O que me impele?). Dentro das proposições, concluem-se regras práticas. Estas podem se apresentar de duas formas: subjetivas, sendo então chamadas de máximas, quando "a condição é considerada pelo sujeito como válida unicamente para a sua vontade", nesse caso não sendo pura; objetivas, chamadas de leis práticas, quando essa condição é válida para a vontade de todo ser racional, isto é, carrega consigo as particularidades de uma norma (exterior, geral, coercitiva).
Essas regras práticas (leis práticas) determinam a vontade (determinação geral da vontade) por meio de um encadeamento causal e a priori, ou seja, independentemente de circunstâncias variáveis e condições sensíveis. Segundo Kant, isso torna a lei santa, pois se afasta das inclinações humanas e, desprendendo-se da arbitrariedade da máxima, que pode variar segundo as circunstâncias, alcança uma generalidade tal que a torna eterna. Esse conceito de eternidade é abordado mais a frente pelo autor para explicar a imortalidade da alma, a existência de Deus e a própria liberdade humana.
A relação causal (causa e efeito), referida por Kant como "causalidade", é cronológica, mas não aparente. Dá-se de forma panorâmica: a vontade é determinada por uma lei que é livre por natureza, e essa lei torna-se livre quando a conduta (ação) do indivíduo transforma a máxima (trêmula) em lei (fixa), de modo que algo antes efêmero possa ser eterno e universal.
Quando Kant diz "Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal", evidencia o raciocínio acima descrito e cronologicamente analisado. Antes existe uma máxima, em seguida uma ação que a coloca em movimento, de modo que se a ação estiver fundamentada em uma moralidade, pode tornar essa "máxima" uma "lei moral", por si mesma eterna, universal e livre.
A liberdade é intrínseca à lei, uma vez que esta independe das condições sensíveis. A liberdade em Kant aproxima-se dos conceitos de virtude, pureza e santidade. Ela nasce da lei devido ao encadeamento causal, justamente por que a Lei é capaz sim de criar seu próprio universo: é autossuficiente.
A máxima não tem liberdade porque lhe carece necessidade, isto é, o dever tem de ser maior que o querer para que não seja arbitrária nem subjetiva. O precisar deve preceder o querer. Caso contrário, não sendo livre, a regra (aqui, máxima) valerá unicamente para o indivíduo que a erigiu. A máxima é um princípio individual. Já a Lei, sendo livre, aplica-se a todos os indivíduos racionais e é objetiva, determina o princípio pelo qual o sujeito deve agir. A Lei precede o princípio e o determina, sendo, portanto, um imperativo.
Uma vez que o sujeito é sempre influenciado por condições "empíricas", isto é, condições que dependem das circunstâncias, do próprio decorrer da vida (a posteriori), o indivíduo, enquanto pessoa é incapaz de empenhar a moralidade, e por isso necessita de um imperativo (norma categórica e pura) que o possa regular a priori, ou seja, que produza, a partir de suas máximas, leis objetivas tais que regulem a vontade subjetiva em direção à objetividade, e, portanto, liberdade.
Para Kant, há duas maneiras de interpretar um objeto pelo prisma do ser humano: a empírica e a puramente racional. Na primeira, os sentidos fornecerão as informações necessárias sobre; a interpretação há de ser no mínimo fisicamente possível, para que se possa estabelecer juízo sobre objeto, tendo em vista que ele próprio é o motivo determinante da ação. Já na segunda, o conhecimento de tal objeto se dá pela razão pura prática, a qual extrai totalmente o poder físico e sensitivo da análise; a possibilidade moral torna-se o motivo que determina e incentiva a ação. A lei é fim nela mesma. O respeito a essa lei que, por sua vez, almeja o Sumo Bem, é o próprio objeto da lei e sentido último de sua vontade.
A análise racional acaba, então, por discernir os objetos em duas categorias: os do bem e os do mal. O primeiro aproxima-se do prazer e o segundo da aversão, mas ambos são regidos por um só princípio racional, que é o da utilidade. Apesar de a razão ser o método prioritário de análise, em um primeiro contato, fica a cargo exclusivamente da experiência a definição do que é imediatamente bom ou mau. Manter contato somente com aquilo que causa uma sensação prazerosa e repelir o que excita sofrimento são os "reflexos" que as sensações nos impõe. Porém, nem prazer é sinônimo de bem, nem desagradável significa mal, pois somente o julgamento racional é capaz de um real alcance conceitual da verdadeira essência de cada objeto. Definir como bom aquilo que é caminho para o prazer e como mau aquilo que leva ao desconforto é ignorar as demais facetas que o objeto pode apresentar: aquilo que é bom somente para outro determinado fator externo a ele, ou seja, a utilidade até de um "mau" almejando um bem distante das sensações. Sensações essas que, basicamente, significam somente uma relação com o nosso estado de satisfação e desagrado.
Então, o bem e mal discernidos por uma vontade regida pela lei da razão, tornam-se o sentido que se deve referir às ações de uma pessoa (objeto). Por exemplo, uma pessoa que enfrenta uma cirurgia, tem conhecimento das sensações desconfortáveis que será submetido, no entanto, trata-se de algo válido, pois prima-se por um bem maior, algo validado pela razão, que é capaz de observar e definir os posteriores e prioritários benefícios daquela ação em si. Existem situações em que, as consequências de um ato racional, como uma punição a um criminoso, demonstram ao apenado o que é bom, e acabam por ser absorvidas pelo mesmo, que entende como justo a sanção que lhe foi aplicada.
E, utilizando-se destes dois mecanismos, razão e sensibilidade, Kant diz que formulamos um julgamento sobre o que é felicidade, baseando nossos objetos (ações) com este objetivo, a fim de desfrutarmos do contentamento que nos é proporcionado. Porém, nem tudo é dependente desse fim. Boa parte da felicidade que nos é apresentada no mundo terreno se relaciona diretamente com a satisfação que as sensações nos impõe. No entanto, a razão não é algo que possa ser ignorada ou utilizada como simples ferramenta para justificar o gozo das satisfações de necessidades sensitivas, pois ela é algo inerente, um dom que nos eleva sobre a natureza animal: ser discípulo das sensações assemelha-se ao animal que segue puramente seus instintos (animalidade). A razão nos confere a sensatez de julgar o bem e o mal e, dessa forma, deve estabelecer um motivo determinante da vontade, tornando-se uma lei prática, admitindo-se a razão pura como prática por si mesma. Logo, essa lei determina nossas vontades e, inevitavelmente, é correta (boa) sob todos os aspectos, de maneira integral, e é essa a capacidade diferenciadora dessa razão prática: estabelecer sua própria lei a partir de suas convicções. Enquanto isso, aquele que se submete ao controle das sensações, busca somente o prazer, o bem que nos é demonstrado superficialmente. Ele não estabelece propriamente uma lei, mas uma máxima sem autenticidade que representa somente preceitos naturais básicos, um conceito empírico de um objeto da sensação, algo que é relativamente bom, pois só representa a sensibilidade. Logo, uma máxima de vontade guiada em virtude dessa busca não pode ser considerada uma vontade pura, porque ela só é válida quando é também prática.
Cabe ressaltar a importância para Kant da diferença entre pendor para o mal e disposição para o bem. Para o filósofo, essa última nos é inata, constituinte de nosso estado original. Já o pendor é uma tendência que se situa entre a disposição para o bem e ação, encontrando-se na faculdade do livre arbítrio. Ou seja, a humanidade em geral está sempre propensa a praticar o mal pelo simples fato de termos um pendor para o mesmo que se "situa" imediatamente antes do ato. Entenda-se por mal aquilo que é impuro, isto é, tudo aquilo que é resultado de uma inclinação humana e que nos guia à animalidade. O livre arbítrio, por sua vez, situa-se entre a disposição e o pendor, e é justamente sobre ele que a lei moral deve incidir. A contínua possibilidade de o arbítrio ser contrário à lei caracteriza o pendor.
De fato, um componente essencial da razão para determinação do bem e do mal é a lei moral. A busca pelo princípio moral supremo para Kant foi sucedida por inúmeros erros, pois filósofos buscavam um objeto que fundamentasse a vontade (logo, os objetos referiam-se aos prazeres oferecidos), para assim nortear a moralidade. Entretanto, estabelecer o objeto anteriormente à definição da própria vontade ocasionou uma forte associação entre o prazer e o bem, imputando na moralidade a felicidade, o sentimento moral e até mesmo a vontade divina. Procurando estabelecer o objeto primordialmente, esses outros filósofos ficaram presos às condições empíricas para estabelecer uma lei moral; enquanto para Kant, era claro que apenas com a razão (fortemente embasada em uma moralidade) é possível estabelecer o que realmente é bom. Somente em uma lei moral estabelecida por si mesma, sem a materialização de um objeto representante do sumo bem, fundamenta-se a vontade e a consequente razão pura prática.
Uma vez estabelecidos o princípio moral e a determinação da vontade, os conceitos de bem e mal pressupõe uma razão pura prática, que só pode ser alcançada com uma lei de liberdade. Porém, esta lei de liberdade, mesmo possuindo boa parte abrangida pela conduta dos seres inteligíveis, também está sujeita ao mundo dos sentidos, ou seja, aos fenômenos. Esses elementos intuitivos devem ser submetidos à unidade da consciência de uma razão prática, regida pela lei moral ou vontade pura. Essa liberdade, que pode ser considera nos sentidos positivo e negativo, instaura em nosso cerne conceitos elementares básicos, uma "sensibilidade". Por isso que, mesmo desprovida de uma faculdade prática, a determinação da vontade, junto com o supremo princípio da liberdade, são capazes de gerar conhecimentos válidos, pelo simples fato de que estes dois juntos produzem a própria realidade em que se situam, dado um encadeamento de causa e efeito.
Sem dúvidas, a causalidade é apresentada como categoria necessária para a compreensão dos objetos sensíveis na intuição, sendo utilizada também na fundamentação dos primeiros conceitos da razão na Crítica da Razão Pura e nas Lições de Metafísica. Sua importância na doutrina kantiana está presente na dedução de conexão entre os fatos, objetos ou fenômenos, buscando os fundamentos primeiros de tudo. Em seus primeiros registros, a causalidade era considerada um processo entre dois fenômenos (causa e efeito) que, quer por indução ou dedução, ligava permanentemente esses dois fatos. Como o debate sobre o conceito da causalidade sempre permeou o universo filosófico, houve também uma conceituação dessa causalidade por Kant, que buscou o antagonismo com as concepções de David Hume. Eles divergiam, pois este acreditava ser impossível demonstrar o princípio de causa e aquele, por outro lado, considerava a causalidade como um dos princípios mentais a priori que o homem impõe ao mundo que o cerca.
No desenvolvimento da sua teoria da causalidade, Kant entrou abertamente em conflito com as ideias de Hume. Atacando as abordagens outras de causalidade e costume, Kant avançou na superação das concepções de Hume, não aceitando a utilização dos costumes, considerados usurpadores da necessidade objetiva na explicação plausível para o problema da causalidade. Desse modo, a causalidade é apresentada na Crítica da Razão Prática como uma necessidade pressuposta na relação que há entre os fenômenos.
No cerne da discussão com Hume, Kant aborda os conceitos de causa e efeito e sua relação, principalmente em sua obra Lições de Metafísica. Ele aponta como causa o princípio da realidade, a matriz da ação, e apresenta um encadeamento sistemático do conceito de causa: há causa não causada, ou seja, não possui causa, é ente por si mesma, é causa independente; é a priori da ação; há a possibilidade de várias causas originarem um único ato; Deus é causa solitária e todas as outras estão inferiores à Ele; o contingente, aquilo que a causa origina, pode ser causado por um agente externo, sendo este uma causa efetiva. Partindo disso, Kant diferencia causa e efeito, explanando sua diferença e aceitando sua ligação, pois não são semelhantes, mas é inegável que há uma relação nos fatos decorrentes dessa possível relação, de modo que não podemos pensar na causa sem considerar as consequências nos efeitos.
Há também a diferenciação, na Crítica da Razão Prática, entre a causalidade nas conjunturas objetiva e inteligível. Esta é representada pela causalidade da liberdade, que remete à coisa em si, situada no campo puro do entendimento, enquanto aquela faz referência à causalidade natural, aplicada aos fenômenos. Ambas são independentes e equiparadas, embora a primeira não possa atingir o suprassensível e a segunda ser limitada pela natureza. Também há a necessidade da compreensão que uma não existe em função da outra, mas a causalidade natural sendo a aplicação da causalidade liberdade no mundo sensível, caracterizando o uso prático da razão.
Nesse conflito ideológico com Hume, um dos principais argumentos utilizados por Kant é o argumento noumênico, da "coisa em si", no qual ele estabelece que os resultados empíricos não são coisas em si, já que são passíveis de dúvida. Diferenciando-se do noumenon platônico, que estabelecia o significado de "o que é conhecido", englobando as coisas do pensamento, Kant refere-se a ele como "coisas em si mesmo", indicando a natureza verdadeira das coisas. Influenciado pelo idealismo subjetivo, ele alegava que não é possível o conhecimento total das coisas externas, mas não se pode de todo negá-las, postulando uma suposição causal. Assim, o mundo noumenal não está sujeito à percepção dos sentidos, mas é passível de entendimento a partir da intuição e das experiências míticas, podendo ser descrito pelo nosso senso moral, por intermédio de postulados morais. É a partir dessa ideia de lei moral que se originam as provas da existência de Deus e da alma, pois estes só podem se sustentar sobre bases morais. A coisa em si revela-se como o suprassensível, e sua existência não é negada, mas possível de ser conhecida por nossas representações, pois nossos sentidos não são capazes de provar a não existência do mundo noumênico. Por isso Kant não transcende o conceito de noumenon da razão pura para a prática, pois mantêm-se num campo especulativo, na ambiguidade da existência ou não desse mundo, nem provando sua existência e nem a sua inexistência.
Kant explana ainda que o próprio conceito de vontade possui causalidade, sendo esta a prática, remetente a que emerge das relações com a faculdade de desejar. Esse conceito de causalidade é o que une os conceitos de vontade, ou razão prática pura, liberdade e lei moral. No mundo puro, a lei reina sobre a vontade, que a determinará, e a vontade deliberará no mundo objetivo, após a consideração do arbítrio e a adoção de máximas. Se não houvesse o conceito de causalidade, esses outros estariam dispersos, sem coesão, sem conexão e, consequentemente, sendo impossível determinar objetivamente uma ação.
No capítulo primeiro do livro dois, Kant vai elucidar o problema da dialética da razão. Para ele, o homem só pode conhecer os objetos como fenômenos do mesmo, pois só é sensível a isso, e não a como o objeto realmente é. Ou seja, o homem é sensível ao objeto do modo como o mesmo se apresenta, mas não à sua essência. Logo, ao aplicar o método "comum" de razão, só poderá chegar a uma ilusão. Essa, por sua vez não se mostra enganosa, e por isso só pode ser identificada e evitada mediante o uso especulado da razão pura (crítica completa de toda a faculdade pura da razão) para resolver essa dialética natural. Além disso, a ilusão se torna necessária, pois assim como a chave da metáfora de Kant, ela não mostra o que se procura, mas o que se necessita. Assim promovendo a sobrevivência da humanidade.
Mas na razão pura prática não ocorre da mesma maneira. Para Kant a lei moral é o único motivo determinante da vontade pura, mas ela pode ser considerada apenas como fundamento para propor-se como objeto do supremo bem. Ou seja, o Supremo Bem é o alvo da vontade, é onde ela pode finalmente descansar.
Por fim, compreende-se que o sumo bem abarca a lei moral e só é possível de ser alcançado mediante a nossa razão prática. Alerta-se, ainda, para o fato de que a determinação da vontade é peça chave para esse ordenamento de conceitos, considerando que, de modo contrário, a própria razão nos levará a falsas interpretações e contradições nas só existem harmonias.
Quando trata da dialética da razão pura na determinação do conceito do soberano bem, com o intuito de determina-lo, Kant soma conceitos de felicidade aos de virtude, estando eles conexos como princípio e consequência. Essa unidade pode se dar de forma analítica, com uma conexão lógica que se dá de modo a igualar o esforço por ser virtuoso à busca racional da felicidade; ou pode se dar de forma sintética, com uma conexão real, em que nesse caso a virtude produz a felicidade como algo distinto da consequência da virtude, tal como uma causa produz um efeito.
Kant logo mostra a impossibilidade de se harmonizarem máximas da virtude e da felicidade relativamente aos seus princípios práticos supremos, e que, por conseguinte, a sua conexão não pôde se estabelecer analiticamente. Há ainda uma crítica às escolas gregas epicurista e estoica. A primeira por defender que virtude é ter consciência da máxima que conduz a felicidade, usando de meios racionais para atingi-la; felicidade como soberano bem. A segunda por afirmar que felicidade é ser consciente da virtude, esta como soberano bem.
Dessa maneira, a conexão existente no conceito maior e supremo de soberano bem é explicado sinteticamente, ou seja, utilizando-se da relação de causa e efeito. Assim, o desejo pela felicidade é a causa motriz para as máximas da virtude, ou a máxima da virtude é a causa eficiente da felicidade. Nasce aí a antinomia da razão prática. Kant vai provar ser o primeiro caso impossível, pois não pode haver fim virtuoso no qual o princípio determinante da vontade deseja somente felicidade. O segundo caso em um primeiro momento se mostra impossível, mas Kant supera a antinomia ao afirmar não ser impossível que a moralidade da disposição tenha, com a felicidade enquanto causa no mundo sensível, uma conexão necessária a título de causa.
Chega-se a conclusão de que o soberano bem como objeto integral da razão pura prática, é, acima de tudo, o fim supremo de uma vontade moralmente determinada e, portanto, livre. Para ser livre, tem de ser advinda do conhecimento do objeto em questão, a partir do uso especulativo da razão até os mais elevados princípios de uso prático (razão pura prática) na determinação da vontade, em relação ao fim último e completo. Há assim uma subordinação em que a razão prática aparece como primado da especulativa, porque todo o interesse é finalmente prático e mesmo o da razão especulativa só é condicionado e completo no uso prático. Caso fossem justapostas as razões, haveria um conflito, pois a razão pura pode por si mesma ser prática e o é de acordo com a consciência da lei moral, uma vez que ambas julgam segundo princípios práticos a priori.
Kant vai trazer então, postulados da razão pura prática. Esses postulados, derivados do princípio da moralidade, ou seja, da lei maior que pela razão determina de forma imediata a vontade, não são dogmas teóricos, mas pressupostos de aspectos práticos que dão objetividade às ideias especulativas abstratas, possibilitando-as postular conceitos de Imortalidade, Liberdade e Existência Divina. Essa objetividade concedida serve para consagrar a existência desses postulados, e como tais, convictos de verdades.
Além disso, sem explicações de ordem causal, os postulados da razão pura práticas servem para justificar a possibilidade do soberano bem. A existência de Deus é inerente ao soberano bem; uma vez necessária a conexão entre moralidade e felicidade para a fomentação do soberano bem, postula-se uma causa natural que contenha o princípio dessa conexão. Essa causa natural dotada de entendimento e vontade só pode ser a representação de um Ser supremo, Deus. E como dever objetivo do sujeito moral, a fomentação do soberano bem condiciona a necessidade moral, dever subjetivo, a admitir a existência divina. Ademais, o pressuposto da imortalidade da alma também valida o soberano bem. Sendo impossível um ser racional no mundo sensível alcançar a total conformidade das intenções à lei moral, acredita-se em uma progressão prática, em que a alma salta de graus inferiores da moralidade até superiores graus em que possa encontrar a perfeição moral. Essa ideia de infinidade da alma é útil à razão especulativa e sua insuficiência, e à religião.
O soberano bem, como objeto supremo de toda conduta moralmente determinada, faz-se assim ordenado por princípios determinantes totalmente independentes da natureza e da faculdade de desejar. Ou seja, faz-se necessária uma liberdade da vontade que alce o supremo bem. Sem qualquer desrespeito velado por um temor ou uma ameaça, há a exigência por um respeito ativo da conduta moral, que permita vislumbres do reino suprassensível.
Os capítulos já citados, voltam-se, de maneira geral, para a análise das leis práticas; além deles, existe ainda uma segunda parte da obra, que trata da Metodologia da Razão Pura Prática. Tal metodologia explana o método pelo qual tais leis práticas podem exercer influência sobre nossas máximas subjetivas, atribuindo assim, valor moral às nossas ações. No entanto, essa metodologia não deve ser vista como um modo de proceder com princípios puros práticos tendo como objetivo elaborar um conhecimento científico sobre eles, e sim, como uma maneira sobre a qual podemos realizar subjetivamente uma moralidade prática que se reconhece como objetiva, ou seja, incorporar as leis da razão pura prática ao íntimo do homem, de modo que elas influenciem suas máximas.
O objetivo dessa incorporação é proporcionar ações livres (tomando como liberdade, a ideia de renúncia das nossas inclinações, das seduções do prazer e dos instintos), fazendo com que determinemos nossa própria vontade de maneira autônoma. Assim, adotamos os preceitos de uma lei moral que vem a priori, é objetiva, a qual nos submetemos por dever e que deve fundamentar os motivos últimos das nossas ações. Kant elucida que a nossa motivação ao agir tem papel fundamental na determinação da moral propriamente dita. Assim, para uma ação ser reconhecida como moral ela não deve apenas obedecer aos preceitos de uma lei universal e exterior ao sujeito. Pois, a nossa inclinação para obedecer tal lei deve vir da identificação da mesma como aspecto de uma virtude pura, assim, Kant coloca em questão a legalidade das ações e a moralidade das intenções. A lei moral não pode ser imposta pela tradição ou pelo meio, pois ela é construída no exercício da liberdade e da razão, sendo assim, fruto da determinação da vontade humana.O filósofo esclarece ainda que a simples conformidade à lei por interesse ou motivada pelo amor próprio configura legalidade hipócrita, pois estaríamos ignorando nossas motivações e nos prendendo apenas aos objetivos alcançados.
De acordo com Kant, a formação do caráter vem da maneira prática de pensar conforme determinadas máximas imutáveis, pois o conhecimento das leis morais contribui para a correção de nossas disposições, considerando que passamos a agir cientes dos princípios que determinam nossas vontades. Para que isso seja possível é necessário que existam leis que nos permitam formular juízo sobre ações, indicando a concordância ou rejeição das mesmas. Assim, no caminho do bem moral não são levados em consideração os prejuízos e as vantagens que podem resultar de uma ação, pois a lei moral independe da experiência e uma vontade boa determina-se em si mesma, sem levar em conta fatores empíricos ligados ao prazer.
Em relação à prática da moral, Kant defende que o método moralizante utilizado até então no ensino dos jovens é inadequado, pois funda-se apenas em costumes, nos quais apontam-se regras prontas da moralidade que são incorporadas e adaptadas para pura repetição. Para o filósofo, o método adequado baseia-se na propensão natural, por meio do qual os educandos podem discernir sobre o conteúdo moral de suas ações fundando-se no hábito, que implica numa condição constante de agir de certo modo. Assim, a motivação das ações habitua-se a prática moral.
É de se estranhar que poucas páginas tenham sido dedicadas a essa parte vital do livro, pois é exatamente a metodologia que expõe a aplicabilidade dos postulados de Kant. O autor, por sua vez, termina por desculpar-se com o leitor da Crítica da Razão Prática, alegando que sua intenção era apenas definir em linhas gerais a sua doutrina método e que esse pequeno conjunto de deliberações constitui exercício preliminar no qual se limitou a descrever seus fundamentos.
Porém, é claro o amadurecimento das ideias quando se compara a sua primeira crítica, que não foi muito bem aceita pela predominante característica especulativa. Com a apresentação da crítica da razão prática ele consegue materializar tudo aquilo que era integralmente abstrato em seu primeiro livro, estabelecendo críticas bastante convenientes sobre buscas de antigos pensadores que teorizavam sobre o que é a lei moral, em que tentavam encontrar um objeto que representasse o supremo princípio moral antes mesmo de defini-lo teoricamente. Partindo de pressupostos básicos, como existência de uma divindade, imortalidade da alma e liberdade, Kant estabelece paradigmas fortes que não são discutíveis, para uma consequente funcionalidade total de sua teoria, deixando céticas pessoas que não aceitam tão facilmente essas condições. A "exigência" que o autor faz de uma sociedade totalmente funcional, que prime absolutamente e globalmente pelo bem racional de todos os objetos que estão ao nosso alcance racional, demonstra uma intenção um tanto quanto utópica, pois, um estágio da humanidade em que o empirismo e os prazeres puramente sensitivos e momentâneos sejam totalmente ignorados como formas válidas de busca de, respectivamente, conhecimento e felicidade, é inimaginável tanto no estágio humano que nos encontramos hoje, quanto num futuro bastante longínquo que possa ser estipulado.

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