Universidade Federal do Rio de Janeiro TEXTOS FACTUAIS E PROBLEMATIZANTES EM LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA: LEITURA E METACOGNIÇÃO

June 3, 2017 | Autor: Patricia Botelho | Categoria: Learning and Teaching, Metacognition, Reading Strategies and Cognition
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Universidade Federal do Rio de Janeiro

TEXTOS FACTUAIS E PROBLEMATIZANTES EM LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA: LEITURA E METACOGNIÇÃO

Por PATRICIA FERREIRA BOTELHO

Rio de Janeiro, 2010

TEXTOS FACTUAIS E PROBLEMATIZANTES EM LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA: LEITURA E METACOGNIÇÃO

Por PATRICIA FERREIRA BOTELHO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt

Rio de Janeiro Março de 2010

TEXTOS FACTUAIS E PROBLEMATIZANTES EM LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA: LEITURA E METACOGNIÇÃO

Patricia Ferreira Botelho

Prof.ª Dr.ª Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.

Aprovada por:

______________________________________________ Presidente, Prof.ª Dr.ª Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt – UFRJ

______________________________________________ Prof. ª Dr.ª Heliana Ribeiro de Mello – UFMG

______________________________________________ Prof. ª Dr.ª Eliete Figueira Batista da Silveira – UFRJ

______________________________________________ Prof.ª Dr.ª Mônica Tavares Orsini – UFRJ, Suplente

______________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Lino Pauliukonis – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro Março de 2010

Dedicada à memória de Jeruza Ferreira. Embora fosse pouco letrada, compreendia a importância da Educação na vida do ser humano e, por isso, apoiou-me sem reservas.

AGRADECIMENTOS

Embora pareça, um trabalho desta natureza não se constrói sozinho. Em diversas etapas de constituição desta dissertação, inclusive nas etapas antecedentes, houve pessoas especiais que acreditaram em meu potencial, que me apoiaram e me motivaram a prosseguir, nunca desistir. Deixo, aqui, a meus co-autores, o meu muito obrigada!

A Deus, pelo dom da vida, pelo consolo, paz e conforto. Sem Ti, eu nada seria.

Aos meus pais, Rubenita e Carlos, por todo apoio, confiança e carinho.

À minha pequena grande família, por todo incentivo e força. Em especial, às minhas primas Greice e Jacqueline, que, desde meus primeiros passos nos estudos, me iniciaram ao universo acadêmico, acreditando em meu potencial. Às tias Estelita e Rute, pelo incentivo e pelas orações. À vó Ivete, pelas orações.

Ao meu companheiro Rodney, pelo seu carinho, pela sua paciência e por não me deixar esmorecer em diversos momentos.

Aos meus amigos mais chegados que irmãos: Amanda, Bianca, Caroline e Rodrigo, que me acompanham desde a graduação; Raquel e Estevão, companheiros há tempos em minha vida.

Aos amigos que conquistei nessa jornada acadêmica: Alexandre, Diego, Igor, Fernanda, Marcus, Bia, Piedade e, em especial, Aline, por tudo, inclusive pelo meu abstract.

À banca mais que especial: professora Heliana Mello, obrigada por ler meu trabalho e me conceder a honra de sua presença. Às professoras Aparecida, Eliete e Mônica, que me acompanham desde a graduação. São mestras queridas que me ensinaram o verdadeiro sentido da docência e que carinhosamente me mostraram a importância de ser pesquisadora.

Ao Cnpq, por investir em meu trabalho. Seu apoio foi fundamental à constituição deste estudo.

Finalmente, mas não menos importante, à professora Ana Flávia Gerhardt. Por sua orientação em tempo integral, por confiar a mim um trabalho tão precioso e por sua amizade. Agradeço por acreditar em mim, por me conduzir com tanta dedicação e por me ensinar a trabalhar com seriedade e ética.

O homem superior difere do homem inferior, e dos animais irmãos deste, pela simples qualidade da ironia. A ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente. E a ironia atravessa dois estádios: o estádio marcado por Sócrates, quando disse ‘sei só que nada sei’, e o estádio marcado por Sanches, quando disse ‘nem sei se nada sei’. O primeiro passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós dogmaticamente, e todo o homem superior o dá e atinge. O segundo passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós e da nossa dúvida, e poucos homens o têm atingido na curta extensão já tão longa do tempo que, humanidade, temos visto o sol e a noite sobre a vária superfície da terra. Conhecer-se é errar, e o oráculo que disse ‘Conhece-te’ propôs uma tarefa maior que as de Hércules e um enigma mais negro que o da Esfinge. Desconhecer-se conscientemente, eis o caminho. E desconhecerse conscienciosamente é o emprego activo da ironia. Nem conheço coisa maior, nem mais própria do homem que é deveras grande, que a análise paciente e expressiva dos modos de nos desconhecermos, o registo consciente da inconsciência das nossas consciências, a metafísica das sombras

autónomas,

a

poesia

do

crepúsculo

da

desilusão.

Mas sempre qualquer coisa nos ilude, sempre qualquer análise se nos embota, sempre a verdade, ainda que falsa, está além da outra esquina. E é isto que cansa mais que a vida, quando ela cansa, e que o conhecimento e meditação dela, que nunca deixam de cansar. (Fernando Pessoa, O Livro do Desassossego)

BOTELHO, Patricia Ferreira. Textos factuais e problematizantes em livros didáticos de história: leitura e metacognição / Patricia Ferreira Botelho. Rio de Janeiro:UFRJ/FL, 2010. xxiv, 124 f.: il., 31 cm. Orientador: Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt. Dissertação (mestrado). UFRJ / FL / Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), 2010. Referências bibliográficas: f. 102-104. 1. Leitura e metacognição. 2. Livros didáticos. 3. Ensino de Língua Materna. I. Gerhardt, Ana Flávia Lopes Magela. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). III. Textos factuais e problematizantes em livros didáticos de história: leitura e metacognição.

RESUMO

TEXTOS FACTUAIS E PROBLEMATIZANTES EM LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA: LEITURA E METACOGNIÇÃO

Patricia Ferreira Botelho

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, Área de Concentração: Língua Portuguesa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.

Esta dissertação é motivada pela necessidade de tecer avaliações sobre os livros didáticos presentes nas escolas de Ensino Médio, verificando se esses livros permitem melhorias na qualidade da leitura. Optou-se pela avaliação de livros didáticos de História, que apresentam a característica de conter em uma mesma página textos de naturezas diferentes. A articulação entre esses textos, denominados aqui textos factuais e textos problematizantes, nos livros didáticos é o nosso objeto de interesse. Desenvolve-se este estudo à luz dos pressupostos teóricos e descritivos apresentados pelos estudos em metacognição, campo teórico que permite avaliar e questionar as estratégias de leitura presentes nesses materiais. Os estudos em metacognição podem fornecer importantes estratégias que explorem a habilidade cognitiva dos alunos como leitores, pois eles pretendem discutir a estrutura dos materiais didáticos em História, avaliando a relação entre os textos factuais e os textos problematizantes. Em vias de verificar a relação entre essas duas estruturas textuais, o conceito de dêixis discursiva será adotado nesta dissertação como recurso metacognitivo, porque promove a conscientização do aluno para a diversidade textual do livro de História e para a necessária articulação entre os textos para uma melhor compreensão dos conteúdos. Pretende-se com esse trabalho contribuir para as possibilidades de aplicação dos pressupostos relacionados à metacognição no ensino de leitura de textos em português.

Palavras-chave: Metacognição, Ensino de Leitura, Ensino em Língua Materna, Livro didático.

ABSTRACT

FACTUAL AND PROBLEMATICAL TEXTS IN HISTORY TEXTBOOKS: READING AND METACOGNITION

Patricia Ferreira Botelho

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt

Abstratc da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, Área de Concentração: Língua Portuguesa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa. This work is motivated by a need to analyze textbooks which are adopted in high school, verifying if they allow improvements in reading quality. We choose History textbooks because different kinds of text can be found on the same page. Our object of study is the articulation between these texts, which are designated here as factual and problematical texts. Our work is based on theoretical and descriptive assumptions of studies in metacognition, which allows us to question and analyze reading strategies of these texts. Studies in metacognition can provide important strategies to explore cognitive abilities of students as readers, for studies like that intend to discuss these textual structures in History textbooks, analyzing the articulation between factual and problematical texts. In order to verify the articulation between these textual structures, we used discourse deixis as a metacognitive strategy because it promotes students awareness about the different kinds of text on History textbooks, as well as the necessary articulation between these texts for a better comprehension of their content. This work intends to contribute to possible applications of metacognitive assumptions in reading teaching of texts written in Portuguese Language.

Keywords: Metacognition, Reading Teaching, Native Language Teaching, Textbooks.

SUMÁRIO

1 – APRESENTAÇÃO.............................................................................................................15

2 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS..........................................................................................18 2.1 – Metacognição..........................................................................................................18 2.1.1 – A evolução do conceito..............................................................................18 2.1.2 – Metacognição e a leitura dos textos nos livros didáticos...........................23 2.2 – Dêixis Discursiva....................................................................................................26 2.2.1 – Definição de Dêixis Discursiva..................................................................26 2.2.2 – Dêixis Discursiva e a leitura dos textos nos livros didáticos.....................28

3 – METODOLOGIA DE ANÁLISE.......................................................................................30

4 – DISCUSSÃO DO OBJETO E DO PROBLEMA...............................................................32 4.1 – Apresentação do objeto de estudo..........................................................................32 4.2 – Acerca do livro História Global – Brasil e Geral de Gilberto Cotrim....................42 4.2.1 – A disposição por páginas dos textos no capítulo.......................................42 4.2.2 – As partes do capítulo..................................................................................45 4.2.2.1 – Os textos iniciais e as atividades pré-leitura...............................45 4.2.2.2 – As atividades monitorando..........................................................49 4.2.2.3 – A seção Oficina de História.........................................................66 4.2.3 – Considerações gerais sobre o material analisado.......................................72 4.3 – Acerca do livro História de Divalte Figueira..........................................................76 4.3.1 – A disposição por páginas dos textos do capítulo.......................................77 4.3.2 – As partes do capítulo..................................................................................79 4.3.2.1 – Os textos iniciais e as atividades pré-leitura...............................79 4.3.2.2 – A seção Para sistematizar o estudo..............................................82 4.3.2.3 – A seção Leitura e debate.............................................................90 4.3.2.4 – O que o capítulo não apresenta....................................................93 4.3.3 – Considerações gerais sobre o material analisado.......................................95

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................102

ANEXOS................................................................................................................................105

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1.1 – Página do livro didático História Global – Brasil e Geral. (COTRIM, 2007, p.227)........................................................................................................................................16

Figura 2.1 – Esquema para os movimentos de monitoramento e controle...............................20

Figura 2.2 – Metamemory Framework.....................................................................................24

Figura 2.3 – Página do livro História (FIGUEIRA, 2009, p.322).............................................27

Figura 4.1 – Página do livro didático História Global. Textos factuais e problematizantes (COTRIM, 2007, p. 227)..........................................................................................................34

Figura 4.2 – Página do livro didático História. Trechos do texto problematizante. (FIGUEIRA, 2009, p. 322).......................................................................................................36

Figura 4.3 – Página do livro História. Texto factual e texto problematizante. (FIGUEIRA, 2009, p. 299).............................................................................................................................38

Figura 4.4 – Página do livro didático História Global. Texto factual e texto problematizante. (COTRIM, 2007, p. 479)..........................................................................................................39

Figura 4.5 – Página do livro História Global. Textos introdutórios e atividades de pré-leitura (COTRIM, 2007, p. 470)..........................................................................................................46

Figura 4.6 – Página do livro História Global. Atividades Monitorando. (COTRIM, 2007, p. 474)...........................................................................................................................................50

Figura 4.7 – Recorte de página do livro História Global (COTRIM, 2007, p. 474).................51

Figura 4.8 – Página do livro História Global. Texto factual com aparência de problematizante. (COTRIM, 2007, p.480)...........................................................................................................62

Figura 4.9 – Página do livro História Global. Texto factual com aparência de problematizante. (COTRIM, 2007, p.481)...........................................................................................................63

Figura 4.10 – Recorte de página do livro História Global. Atividades de pós-leitura. (COTRIM, 2007, p. 481)..........................................................................................................67

Figura 4.11 – Página modificada do livro História Global (grifo na expressão que denota a dêixis discursiva) – (COTRIM, 2007, p. 476).....................................................................73

Figura 4.12 – Página do livro História. Texto introdutório. (FIGUEIRA, 2009, p. 318).........80

Figura 4.13 – Página do livro História. Atividades de pós-leitura. (FIGUEIRA, 2009, p. 323)...........................................................................................................................................83

Figura 4.14 – Recorte de página do livro História. Atividade pós-leitura. (FIGUEIRA, 2009, p. 323).......................................................................................................................................91

Figura 4.15 – Recorte de página com sugestão da atividade Retomando e refletindo sobre os fatos. (FIGUEIRA, 2009, p.320)...............................................................................................94

 

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1 – APRESENTAÇÃO

Este trabalho enfoca a atividade de leitura no ambiente escolar, levando em conta aspectos dos livros didáticos e as condições de acesso aos seus textos. Sabe-se que a leitura é uma atividade fundamental para a construção do conhecimento dos alunos. Sabe-se também que o livro didático é um material utilizado largamente no espaço escolar porque contém informações consideradas essenciais ao ensino, como textos que visam a apresentar conteúdos sobre determinado assunto, e exercícios que pretendem retomar o que foi abordado em uma dada seção. No ambiente escolar, esse material é considerado de suma importância, pois se acredita que através dele pode-se empreender um contato entre o conteúdo a ser ministrado nas aulas e o seu leitor, o aluno, visando à construção de significados e a ampliação do conhecimento. A investigação norteadora desta dissertação envolve a metacognição, um atributo humano relacionado à administração de seus processos cognitivos, sendo pensada em relação à leitura dos livros didáticos de História e a sua especificidade em cotejo com livros didáticos de outras disciplinas: a distinção na estrutura textual dos livros didáticos de História – os textos factuais (TF) e os textos problematizantes (TP), e as atividades de leitura desses materiais, que compõem objetos interessantes a serem investigados. Através de conceitos relacionados à metacognição, como o monitoramento, o controle e a dêixis discursiva, será possível estabelecer considerações investigativas acerca da leitura em livros didáticos de História. Torna-se válido promover um estudo em leitura tendo em vista que essa atividade é essencial para a compreensão dos conteúdos propostos por todas as disciplinas escolares no Ensino Médio, particularmente a História. A validade deste estudo é reforçada pelo fato de os livros didáticos de História apresentarem distintas estruturas textuais, a saber, os textos factuais e os textos problematizantes, coexistindo em um mesmo espaço físico (cf. figura 1.1), o que denota um cenário interessante para estudos em leitura, porque uma coexistência dessa natureza em livros didáticos suscita investigações sobre como os textos podem estar relacionados.

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Texto factual

Texto problematizante

Figura 1.1 – Página do livro didático História Global – Brasil e Geral. (COTRIM, 2007, p.227).

Levando-se em conta o objeto de estudo e os conceitos a ele relacionados, este trabalho pretende verificar como o livro didático explora a rica e evidente relação entre as duas estruturas textuais presentes nos livros didáticos de História, buscando descobrir que ilações se podem obter dessa relação para o ensino de leitura nos materiais didáticos de História e de outras disciplinas que pretendam discutir textos de naturezas distintas presentes em um mesmo compêndio. Observando as atividades propostas pelos livros didáticos analisados, será possível avaliar se os textos factuais estão de alguma forma relacionados aos textos problematizantes, e em que medida as atividades de leitura dos capítulos em questão

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conduzem o olhar do aluno, ou seja, como o livro didático orienta o aluno no desenvolvimento da atividade de leitura a fim de articular os dois textos. Esse tipo de avaliação permite alcançar outro objetivo fundamental a esse trabalho, que é ressaltar que todo e qualquer ensino é ensino de leitura, competência capital ao desenvolvimento de qualquer disciplina escolar, como bem sinalizam os PCN (BRASIL, 1999: p. 259, 301, 334), que destacam essa atividade no ensino de História, de Português, de Filosofia, de Matemática, entre outros. Considerando-se os objetivos já apresentados, pode-se restringir como uma hipótese para este trabalho a questão da articulação entre os textos factuais e os textos problematizantes nos livros didáticos de História. A presença de textos com funções distintas em uma mesma página de um livro didático revela a necessidade de se promover um diálogo entre ambos em auxílio à compreensão em leitura tendo em vista que promover essa articulação é explorar as estratégias metacognitivas em leitura, tornando o leitor consciente desse movimento de contato entre os textos e auxiliando-o na administração de sua leitura. Para tanto, no texto factual, ou seja, no texto principal que constitui o capítulo do livro, deve haver um termo ou expressão que propicie esse contato entre os textos. Caso haja a ausência desse tipo de expressão, haverá a dificuldade no diálogo e na associação de informações entre o texto factual e o texto problematizante. De modo a constituir este estudo, organizou-se o trabalho levando em conta as seguintes partes: o segundo capítulo traz os pressupostos teóricos que orientam este estudo; o terceiro capítulo apresenta os métodos utilizados para o desenvolvimento dessa pesquisa. O quarto capítulo contém a descrição e a análise do objeto de estudo – os livros didáticos de História, de acordo com as questões de leitura por ele suscitadas. Finalmente, diante das análises desenvolvidas e dos problemas encontrados, apresentam-se as considerações finais no quinto capítulo. Espera-se que este trabalho seja uma contribuição aos estudos em ensino da língua, particularmente de leitura, levando em conta conceitos caros à pesquisa em metacognição, uma área que se encontra em expansão em estudos que abordam a reflexão do aprendiz sobre as estratégias envolvidas no processo de aprendizagem.

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2 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2.1 – Metacognição

A capacidade de refletir acerca dos próprios pensamentos e comportamentos pode ser tida como um dos atributos que distinguem os seres humanos. Sabemos, também, que tanto a autorreflexão como o conhecimento pessoal constituem a base da consciência humana (METCALFE & SHIMAMURA, 1994, p. xi). Nossas ações cognitivas são passíveis de observação, análise e avaliação, sobretudo no que concerne aos processos de aprendizagem. Monitoramos nossa postura social; organizamos nosso pensamento e nossos estudos, adequando-os aos nossos objetivos; reestruturamos nosso comportamento, de acordo com a exigência de cada ambiente. Essa forma de autoconhecimento, ou seja, essa administração que uma pessoa promove acerca de sua cognição é denominada metacognição. Ao fazer uso da metacognição, o sujeito torna-se um gerenciador em alto nível de seus próprios modos de pensar e das estratégias que emprega para resolver problemas, buscando identificar meios de aprimorar esse fazer. Essa área de estudos ganhou força na década de 70, quando Flavell (1971) ampliou o campo de estudos em metamemória, de que derivou o termo metacognição, desenvolvendo-o intensamente nas décadas subsequentes.

2.1.1 – A evolução do conceito

O termo metacognição tem sido usado largamente como uma referência ao conhecimento da cognição em geral, como um meio de autorregulação que elege os processos cognitivos como seu objeto (KORIAT, 2002). Deste modo, a metacognição é um tipo de conhecimento que pode ser aplicado pelas pessoas, por exemplo, no acesso à memória para lembrar-se de um número de telefone; em suas estratégias cognitivas de aprendizagem, por exemplo, distinguindo um material mais fácil de compreender em relação a outro mais complexo; e em suas tarefas em geral, por exemplo, reconhecendo e distinguindo a natureza de materiais didáticos (FLAVELL, 1979). Conforme descrito em Brown e colegas (1983), a pesquisa em metacognição e a assunção de estudos que consideram esse atributo uma realidade psicológica iniciou-se na década de 70 com Brown, Flavell e outros. Esse grupo se voltou para o conhecimento sobre a memória, criando o termo metamemória (FLAVELL, 1971) que, em seguida, se ampliou,

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para abarcar o escopo do conceito relativo à metacognição (FLAVELL, 1979). No fim dessa década, o campo passou a ser definido como um tipo de conhecimento que tem como objeto de regulação aspectos quaisquer de atividade cognitiva. Outra linha de estudos, no início da década de 80, focava o conhecimento das crianças sobre o mundo mental – A Teoria da Mente (descrita em SHIMAMURA, 1989 e TOMASELLO & RAKOCZY, 2003). Uma linha de análise dessa pesquisa ligada ao emprego dos verbos de experiência mental (acreditar, esquecer, saber etc.) pode ser associada ao desenvolvimento metacognitivo porque considera o saber inicial da criança sobre seus próprios processos mentais e as diferentes estratégias envolvidas para a melhora da sua própria performance na compreensão de uma dada tarefa. Avaliando-se, inicialmente, as diferentes linhas de estudos dadas, a saber, a metamemória e a Teoria da Mente, percebe-se certa impossibilidade em associá-las: os pesquisadores da década de 70 focavam, prioritariamente, o conhecimento procedural, voltado para a execução de tarefas e para as definições da própria mente; já os da década de 80 se estabeleceram sobre o conhecimento declarativo, voltado para as descobertas dos estados mentais (desejos e intenções) e da mente do outro (SCHNEIDER & LOCKL 2002). O hiato que havia entre essas correntes de estudos foi desfeito por Kuhn em 2000, que apresentou uma estrutura conceptual que permitiu associá-las – o metaconhecimento, um saber que envolve tanto a compreensão relativa à execução de tarefas, como também a percepção de desejos e intenções, constituindo-se assim as bases para o que concebemos como o conhecimento metacognitivo. Segundo a autora, o metaconhecimento é tanto declarativo quanto procedural, ou seja, envolve o conhecimento para a administração dos processos cognitivos utilizados para a execução de tarefas e para a percepção dos estados mentais. Dentro dessa estrutura, por um lado, tem-se o conhecimento declarativo, que trata do saber o quê, em busca de conceitos e definições, sendo rotulado como conhecimento metacognitivo. Por outro lado, há o conhecimento procedural, que trata do saber como, voltado para a compreensão dos próprios processos cognitivos e impactos na performance, sendo rotulado como conhecimento metaestratégico (SCHNEIDER & LOCKL, 2002, p. 226). Algum tempo antes dessa junção, em 1990, Nelson & Narens também pensavam na dupla articulação entre conhecimento procedural e conhecimento declarativo em vias de ampliar os estudos na área, e desenvolveram uma estrutura de conhecimento que permitiu entender a metacognição como a capacidade humana de gerenciar e de regular a própria cognição; e os dois diferentes processos que a constituem, que são essenciais à composição do fluxo de informação: o monitoramento e o controle, definidos abaixo:

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• O monitoramento metacognitivo relaciona-se à postulação de hipóteses sobre o trabalho cognitivo, como os julgamentos que são feitos acerca da facilidade ou dificuldade no aprendizado de dada informação nos três momentos que envolvem o contato com a informação, a saber, antes, durante e depois. Trata também do nível de confiança que se desenvolve na busca por uma informação, com a recuperação ou o retorno a um dado, e até com a tarefa de retrospecção, que se constitui pela busca de momentos ou fatos ocorridos no passado. • O controle metacognitivo volta-se para a definição de objetivos que propiciem a aprendizagem também nos seus três momentos – antes, durante e depois do contato com a informação. Através das informações obtidas por meio do monitoramento, pode-se afirmar que, por meio do controle metacognitivo, selecionamos as estratégias que viabilizam o nosso aprendizado, o que nos permite postular que conceptualizamos as informações nos dois planos / níveis (cf. também SINHA, 1999; TOMASELLO & RAKOCZY, 2003; GERHARDT, a sair) em que se processam os movimentos metacognitivos do controle e do monitoramento, como se pode verificar na figura 2.1:

Nível meta Modelo

Controle

Monitoramento

Fluxo de Informação

Nível do objeto

Figura 2.1 – Esquema para os movimentos de monitoramento e controle – Nelson & Narens, 1994, p. 11.

Esse esquema permite compreender que o controle e o monitoramento são movimentos que atuam nos níveis objeto e meta, em que há a construção de um modelo que se encontra no nível do objeto para reconhecer e validar as informações que por meio desse nível se pode recrutar. É possível notar que a relação estabelecida entre os movimentos de controle e monitoramento é definida em termos da direção do fluxo de informações entre o nível objeto

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e o nível meta. A compreensão decorrente da articulação entre os dois planos constitui o reconhecimento de que o processo cognitivo empreendido em função de uma dada tarefa, como a escolar, foi efetivado; nesse sentido, promover a reflexão no ensino acerca desses dois níveis de conceptualização é promover estratégias metacognitivas de qualidade, conscientizando o aprendiz sobre o funcionamento de sua cognição em atividades escolares e propiciando melhoria em sua aprendizagem e no seu desenvolvimento em dadas tarefas, pois, ao mesmo tempo em que uma atividade escolar se processa, podemos validá-la por meio da auto-avaliação, da definição de objetivos e da seleção de estratégias para dar continuidade a essa ação. Com base nessas afirmações, pode-se asseverar que o trabalho metacognitivo no ensino não somente torna a pessoa capaz de repensar suas representações cognitivas, refletindo hipoteticamente sobre sua performance através do monitoramento, mas também permite que ela detenha essas reflexões e as coloque em uso no processo de controle, lançando seus objetivos de estudo, reconhecendo melhores estratégias na tentativa de recuperar informações em leitura e até traçando metas em relação ao seu desempenho e resultados nos estudos. A abordagem de questões acerca do processamento de informação visando, principalmente, à aplicabilidade no estudo do livro didático de História, requer uma breve consideração sobre os dois movimentos cognitivos básicos envolvidos nesse tipo de processamento para a leitura, a saber: o movimento top-down (descendente) e o movimento bottom-up (ascendente), que, neste trabalho, podem ser considerados como movimentos relacionados aos movimentos de controle e monitoramento, respectivamente. O primeiro movimento, o descendente, faz uso intensivo e dedutivo de informações não-visuais, ativando dados referentes ao conhecimento prévio do leitor. No decorrer desse movimento, a percepção visual acionaria informações estruturadas e armazenadas na memória de longo prazo do leitor. Durante a leitura, essas informações organizam-se ao que se percebe através do movimento ascendente, permitindo ao aluno formar inter-relações enquanto lê (LIBERATO e FULGÊNCIO, 2001). O segundo movimento, o ascendente, parte do material a ser lido para a memória de trabalho, o que significa que o leitor coleta as informações visuais e linguísticas percebidas enquanto lê um dado texto. Essas informações são selecionadas visualmente e processadas pela memória de trabalho do leitor, em que ele retém dados relevantes ao que pretende apreender na atividade de leitura e conceptualiza uma nova informação através da interrelação dos dados compreendidos por esses dois movimentos, provenientes tanto do conhecimento prévio como também do texto (KATO, 1985).

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Esses comentários permitem afirmar que a estratégia ascendente (bottom-up) parte da identificação dos componentes gramaticais e gráficos, tornando acessíveis os dados necessários para o acionamento de esquemas de conhecimento, e também assegura que o leitor será sensível a informações novas ou inconsistentes com suas hipóteses a respeito do conteúdo presente no texto. Por outro lado, a estratégia descendente (top-down) facilita a compreensão desses dados quando são antecipados ou quando são consistentes com a rede conceptual do leitor. Essa estratégia ainda o ajuda a resolver ambiguidades ou selecionar entre várias possíveis interpretações dos dados (LIBERATO e FULGÊNCIO, 2007). A compreensão dos movimentos cognitivos envolvidos na atividade de leitura e a percepção da relevância em administrar tarefas didáticas por meio de estratégias metacognitivas permitem-nos afirmar que o controle metacognitivo relaciona-se ao movimento descendente, em que se recrutam as informações do conhecimento prévio para desenvolvimento da cognição como, por exemplo, promovendo a resolução de conflitos na aprendizagem, corrigindo falhas no processamento cognitivo, planejando as etapas de um estudo e selecionando objetivamente o tipo de informação a ser coletada no estudo. Já o monitoramento metacognitivo é a administração do movimento ascendente, em que se recrutam os dados do objeto de estudo ou análise, como, por exemplo, reconhecendo falhas no processamento cognitivo e monitorando o tipo de informação coletada no estudo ou análise. O estabelecimento da relação entre o movimento metacognitivo de controle e o movimento cognitivo descendente, bem como a relação entre o movimento metacognitivo de monitoramento e o movimento cognitivo ascendente possibilitou-nos organizar os modos pelos quais as atividades metacognitivas serão trabalhadas nesta dissertação, a fim de promover as análises do objeto de estudo deste trabalho – os livros didáticos de História. Nesses livros didáticos, o controle está relacionado à administração dos objetivos para a leitura, empregando-se o movimento descendente para a verificação dessas metas nos exercícios. O emprego do monitoramento da leitura está relacionado ao gerenciamento das hipóteses sobre esses materiais, e o movimento ascendente é empregado para recrutar dados que permitem esses julgamentos avaliativos. Vale ressaltar que essa associação, elaborada especialmente para esta dissertação, articula cognição à metacognição e referenda a importância, considerando-se a realidade psicológica, do monitoramento e do controle em estudos de leitura de livros didáticos. Detalhes acerca das relações entre esses movimentos atrelados ao ensino de leitura em livros didáticos serão apresentados oportunamente no capítulo seguinte.

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2.1.2 – Metacognição e a leitura dos textos nos livros didáticos

Griffith & Ruan (2005) postulam alguns requisitos fundamentais a uma leitura hábil: • A construção da estrutura organizacional do texto, ou seja, a coerência, num nível macrotextual; • A busca pelo sentido denotado pelas idéias presentes na estrutura gramatical do texto, ou seja, a coesão, num nível microtextual; • A interação entre esses dois níveis textuais e o conhecimento prévio do leitor; • A interação entre os dois processos cognitivos básicos de processamento da informação: top-down (movimento descendente, explorando o conhecimento prévio) e bottom-up (movimento ascendente, recrutando as informações do texto). Pensando a constituição da leitura nos livros didáticos de História, entende-se que esta atividade deve ser executada com o auxílio de habilidades metacognitivas, que se referem à percepção dos processos destacados anteriormente, e seu gerenciamento para constituir uma leitura de qualidade, com saberes relacionados à: • Flexibilização de hipóteses feitas sobre o material lido; • Avaliação da eficácia das ações cognitivas e das estratégias adotadas. De modo a apresentar uma maneira de pensar os livros didáticos de História sob a orientação dos estudos em metacognição, esta dissertação recorre à estrutura de organização da aprendizagem de Nelson & Narens (1994), que funciona como uma sistematização das etapas das estratégias empregadas no fluxo da aprendizagem de uma dada atividade. A observação dessa estrutura, aplicando-a à leitura de livros didáticos, auxilia na percepção dos dois grandes componentes da metacognição – o monitoramento e o controle, já comentados. Cabe, então, a partir das postulações desses autores, promover um olhar mais preciso sobre estudos que permitam a conjugação desses conceitos a estudos aplicados na área de ensino. O esquema apresentado por Nelson & Narens mostra como o monitoramento e o controle funcionam nas etapas de aquisição, retenção e recuperação de informações (respectivamente, acquisition, retention e retrieval, com tradução nossa), e tal esquema é cabível à percepção do nível de aprendizagem dos alunos em uma dada atividade escolar, como se pode perceber na figura 2.2.

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Figura 2.2 – Metamemory Framework. Nelson & Narens, 1994, p. 129.

A figura acima mostra as estratégias que constituem o processo de aprendizagem, revelando meios de o aprendiz administrá-la. Vale, para este estudo, fazer o recorte do quadro acima, destacando as estratégias que envolvem as três grandes etapas de aprendizagem, em particular ao que interessa ao ensino de leitura em termos de monitoramento e controle metacognitivos: • O primeiro estágio, de aquisição, mostra o controle metacognitivo orientando estratégias de seleção e análise do material ou texto com que o aprendiz terá contato visando ao avanço do estudo (in advance of learning). Ainda nesse estágio, o monitoramento metacognitivo recruta dados do objeto de estudo para checagem das estratégias utilizadas e avaliação do sucesso ou das falhas no fluxo da aprendizagem (on-going learning), detectando a eficácia ou a necessidade de mudança das estratégias para contato ou leitura do objeto de estudo. • No estágio de retenção das informações, as estratégias empregadas no estágio inicial se mantêm devido à sua natureza de propiciar a administração da coleta de dados e manutenção do aprendizado (maintenance of knowledge) do objeto de estudo em questão.

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• O estágio final, de recuperação dos dados, pode ser representado pela aplicação de atividades de fixação e verificação da aprendizagem. Por um lado, o emprego do controle metacognitivo auxilia o aprendiz na seleção de estratégias eficazes à pesquisa autodirecionada (self-directed search) para execução das tarefas requeridas nessa etapa. Por outro lado, o monitoramento metacognitivo auxilia o aprendiz a recrutar do objeto de estudo dados produtivos às respostas requeridas (output of response) e à avaliação da aprendizagem, produzindo a autoconfiança para o bom desenvolvimento dos estudos ou da leitura. Constatando que esse quadro abrange as três etapas necessárias ao desenvolvimento de atividades escolares como a leitura, e aproveita satisfatoriamente as ações metacognitivas de controle e monitoramento, torna-se válida a utilização dessas três etapas do quadro como protocolo de análise (cf. ARTZT & ARMOUR-THOMAS, 1992; ERICSSON & SIMON, 1984) do objeto de estudo desta dissertação. A partir do esquema de Nelson & Narens, podemos afirmar que o livro didático deve conter, em cada capítulo, orientações para o desenvolvimento da leitura, com atividades ou sinalizações que funcionem como um roteiro de leitura nas suas três fases. A estruturação de um material sob os moldes desse esquema viabilizaria ao aluno a orientação de sua leitura, porque ele reconheceria em cada momento da atividade o esforço a ser empregado para a aquisição, retenção e recuperação de informações. O esquema proposto por Nelson & Narens nos incentiva a uma reflexão acerca de como se tem administrado o processo de aprendizagem na escola. Quando discutimos monitoramento e controle, vemos que, de um lado, o monitoramento auxilia a administração dos dados recrutados do objeto de estudo e promove um aprendizado autorregulado, possibilitando-nos perceber as habilidades de aprendizagem que foram eficazes, e a necessidade de mudança de estratégias, devido à percepção de falhas. Também vemos que, de outro lado, o controle é uma habilidade metacognitiva em que o aprendiz de leitura faz uso dos conhecimentos que possui, ou adquire durante uma dada atividade, para investir no processo de aprendizagem. O emprego dessa habilidade pelo aprendiz o auxilia a selecionar estratégias viáveis ao ensino e, se dando conta, através do monitoramento, de falhas ou escolhas mal direcionadas, ele controla a escolha de outras estratégias ou aciona meios na tentativa de promover a solução de problemas na execução de tarefas. Os comentários já postos ajudaram-nos a perceber a relevância do emprego das ações metacognitivas de monitoramento e de controle em auxílio à aprendizagem. Em se tratando de ensino de leitura em livros didáticos, precisamos pensar em estratégias que auxiliem na

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percepção das diversas estruturas textuais que constituem um dado capítulo e de sua associação para construção de significados. Em função disso cabe apresentar, na seção seguinte, um conceito relativo aos estudos em metacognição que possibilita a avaliação do objeto de estudo dessa dissertação: a dêixis discursiva. Esse conceito de dêixis discursiva refere-se ao uso de uma expressão linguística que objetiva apontar a uma porção textual, direcionando o olhar do leitor para o trecho a ser lido no material didático. Para este trabalho, o emprego desse recurso é relevante porque permite discutir a relação estabelecida entre os textos factuais e problematizantes que compõem o livro didático de História.

2.2 – Dêixis Discursiva

2.2.1 – Definição de Dêixis Discursiva

Como se discutiu na seção anterior, os estudos em metacognição constituem a base teórica que fundamenta esse trabalho. Os conceitos relativos à área, como vimos em Nelson & Narens (1990), permitem estabelecer um protocolo para a análise do objeto de estudo dessa dissertação – os livros didáticos de História. A natureza dos materiais analisados – textos de naturezas distintas partilhando um mesmo espaço físico – revela a necessidade do uso de um conceito que permita tecer considerações precisas para compreender sua estrutura em relação às atividades de leitura. Essa necessidade é ressaltada pelo fato de que os textos presentes nesses livros didáticos apresentam diferenças em sua especificidade: um dos textos, denominado factual, apresenta o resumo dos fatos tratados em um dado capítulo; o outro texto, denominado problematizante, critica ou revela documentos que apresentam questionamentos sobre os fatos narrados no capítulo. Buscando aprofundar a discussão acerca das estratégias de uso do livro didático, este trabalho apresenta o conceito de dêixis discursiva como um recurso metacognitivo em auxílio à leitura. Este conceito, cunhado por Fillmore (1997), trata do uso de uma expressão que tem o papel de preceder ou suceder partes do discurso/texto. Para tanto, o autor postula que a dêixis discursiva está relacionada à escolha de elementos lexicais ou gramaticais que indicam ou também se referem a uma porção ou um aspecto do discurso em andamento, facilitando o trabalho cognitivo requerido na atividade de leitura (FILLMORE, 1997, p. 61). Vale ressaltar que a dêixis discursiva se distingue de outras funções fóricas como a catáfora e a anáfora, que utilizam elementos como pronomes e advérbios para antecipar e retomar referentes em uma

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sentença, respectivamente. A dêixis, em termos de sua função em um livro didático, é uma expressão que não apenas refere, mas localiza porções textuais, outros textos dentro de um capítulo ou outros capítulos de um dado livro. Assim, enquanto os elementos dêiticos e fóricos apenas apontam e remetem a certos dados, a dêixis discursiva localiza e também se integra ao fluxo textual, como se pode ver no exemplo abaixo:

“veja o boxe ao lado”

Figura 2.3 – Página do livro História (FIGUEIRA, 2009, p.322).

A categoria gramatical da dêixis discursiva revela que conceptualizamos a linguagem humana como um objeto no tempo e no espaço, e, deste modo, porções que precedem o texto

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são concebidas como anteriores temporal e espacialmente e as porções que sucedem, como posteriores temporal e espacialmente (FILLMORE, 1997; MARMARIDOU, 2000). O leitor é, então, movido de acordo com o discurso que o orienta, pois, quando há uma expressão como “no próximo parágrafo”, o leitor é deslocado do local e momento em que está posicionado em sua leitura e se move para a porção textual apontada discursivamente pela expressão dêitica no momento em que ela é colocada, efetivando a associação entre distintos textos e promovendo a coerência entre eles.

2.2.2 – Dêixis Discursiva e leitura de textos nos livros didáticos

A aplicação do conceito de dêixis discursiva permite uma discussão consistente a respeito do diálogo necessário à integração dos textos factuais aos textos problematizantes nos livros didáticos de História, porque esse conceito diz respeito a uma estratégia metacognitiva para leitura de textos através do apontamento de porções textuais, com o intuito de estabelecer conexão entre determinado trecho do texto de origem e determinado trecho do texto de destino ou um texto inteiro de destino (FILLMORE, 1997). A função dêitica prevista por esse conceito envolve tanto o autor do livro, que deve apontar o local a ser observado, como o leitor acerca da porção textual que estabelece contato com a sentença de outra porção textual que a evidencia no decorrer da leitura, através do uso de expressões representativas de dêixis discursiva. Devido ao fato de se conceber a dêixis discursiva como uma estratégia que direciona o foco de atenção do aprendiz em sua atividade de leitura, pode-se postular o seu vínculo ao movimento metacognitivo do controle, em que o objeto de análise, o livro didático, fornece os dados necessários à administração da atividade de leitura. Deste modo, a dêixis discursiva informa ao aprendiz, no acesso ao material didático, a maneira de estabelecer contato entre as partes do texto e entre diferentes textos, favorecendo ao leitor a verificação do sucesso ou da falha num empreendimento em leitura. Vale dizer que essa estratégia se caracteriza pelo fato de apontar para porções textuais passadas ou futuras, com uso de expressões como “no próximo texto”, “no capítulo anterior”, “no último parágrafo”, entre outros. Sendo assim, um texto de livro didático que oferece este tipo de recurso torna-se completo porque apresenta ao leitor novos meios de conduzir a leitura do capítulo, orientando o seu foco e permitindo o acesso às informações em um momento oportuno. O emprego dessa estratégia permite o estabelecimento do vínculo estrutural entre as partes do texto e também entre textos, como será visto posteriormente na análise deste

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trabalho. Com base nesses dados, pode-se afirmar que o uso efetivo da dêixis discursiva como uma estratégia metacognitiva de controle na leitura dos livros didáticos favorece a percepção de que o conteúdo presente nesses materiais foi apreendido. Vale ressaltar que o uso dessa estratégia de controle revela um ganho metodológico para o ensino da leitura em História, tendo em vista que a dêixis discursiva constitui o meio de associação de diferentes dados e materiais presentes no material didático, com fins à administração do fluxo da leitura e viabilizando a construção dos significados para efetivação da aprendizagem em História. Os dados textuais presentes nos dois materiais selecionados para esta dissertação permitem aprofundar as reflexões acerca das implicações que envolvem a ausência ou presença da dêixis discursiva no fluxo da leitura dos textos selecionados para este estudo. O conceito de dêixis discursiva se mostra apropriado para a análise que este estudo busca empreender no capítulo seguinte, porque ressalta a importância do direcionamento da leitura e da articulação entre os textos factuais e problematizantes de um dado capítulo, a fim de favorecer o fluxo da leitura nos livros didáticos de História. Para tanto, o conceito de dêixis discursiva e os conceitos de monitoramento e de controle, que tratam do emprego de estratégias metacognitivas em auxílio à aprendizagem em leitura, serão apresentados na seção seguinte sob a forma de um protocolo de análise que direcionará o capítulo destinado à análise dos livros didáticos de História.

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3 – METODOLOGIA DE ANÁLISE

Considerando-se tanto a funcionalidade dos livros didáticos de História em termos de aprendizagem e de leitura, como também o quadro de Nelson & Narens, que permitiu o estabelecimento de um protocolo de análise para este estudo, podemos pensar hipóteses resultantes do cruzamento dessas informações sobre o perfil ideal de um livro didático de História direcionado ao Ensino Médio. Nota-se que grande parte dos livros didáticos dessa disciplina apresenta textos que descrevem fatos históricos, com seções finais que contêm questionários sobre aspectos tratados no capítulo. Pensando essas questões e associando-as ao quadro de Nelson & Narens, pode-se dizer que um livro didático de História ideal: • Apresenta cada capítulo dispondo-o conforme as três etapas de aprendizagem de Nelson & Narens (aquisição, retenção e recuperação de informações); • Compõe-se por textos e atividades estimuladoras de hipóteses antes da leitura efetiva do capítulo, preparando o aluno para a aquisição de novos dados; • Auxilia o aluno no fluxo de sua leitura para a aprendizagem e retenção das informações. Isso pode ser feito com atividades que estabelecem objetivos de leitura e com textos complementares ao que se descreve no texto principal; • Aproveita todos os elementos apresentados no capítulo em meio ao texto factual – pinturas, outros textos, quadros informativos etc. e promove a associação produtiva entre as distintas informações propiciadas por cada um; • Propõe atividades finais de recuperação de informações que não somente promovem a cópia e colagem de informações lidas, mas que também incentivam os alunos ao emprego de seus conhecimentos, associando-os às informações lidas, e propiciando a construção de significados enquanto se lê. Essas postulações norteadoras sobre o perfil ideal de um livro didático de História e dos conceitos relativos aos estudos em metacognição no ensino de leitura em livros didáticos permitem afirmar que a avaliação do objeto de estudo dessa dissertação, o livro didático de História, deverá ser conduzida observando-se: • Inicialmente, a constituição gráfica dos textos. Notar se há a integração entre os textos apresentados, ou seja, emprego da dêixis discursiva, se no fluxo da leitura é explorado o conhecimento prévio do leitor e se há delimitação de objetivos claros para a leitura.

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• As atividades de leitura, avaliando-as conforme as três etapas que envolvem o esquema processual no termos de Nelson e Narens (1994), a saber: a aquisição, a retenção

e

a

recuperação

de

informações,

relacionando

esses

processos,

respectivamente, às atividades de pré-leitura, de monitoramento do fluxo da leitura (quando houver) e de pós-leitura. Em cada análise, será notado o papel dos movimentos metacognitivos de controle e monitoramento, e será verificado se os materiais didáticos favorecem a leitura em termos de apresentar objetivos e estratégias que viabilizem a aprendizagem.

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4 – DISCUSSÃO DO OBJETO E DO PROBLEMA

4.1 – Apresentação do objeto de estudo

Conforme os PCN (BRASIL, 1999, p. 294), os conhecimentos apresentados na disciplina de História são fundamentais para a compreensão de fatos e acontecimentos que permitam a construção de uma identidade socialmente constituída, através da junção dos processos ocorridos no passado e os seus consequentes reflexos no tempo presente. Para contemplar os pressupostos presentes nos PCN (BRASIL, 1999, p. 300), os livros didáticos de História precisam abranger textos e atividades que permitam ao aluno compreender a sociedade, a sua formação e transformação, bem como os processos sociais que orientam essa dinâmica. Deste modo, o aluno pode alcançar um nível de conhecimento que o conduza a problematizar os dados históricos passados, integrando-os às informações que possui acerca do tempo atual em que vive. Esses materiais precisam, também, apresentar meios de promover um diálogo com o pensamento do aluno, visando a que ele alcance o entendimento de processos fundadores da organização e do pensamento humano, como a produção econômica e sua interferência no processo de constituição social, bem como a importância prevista pelo papel político e institucional na formação humana. De modo a complementar essas colocações, vale destacar as competências de contextualização sociocultural denotadas pelos PCN no ensino de História:

(1) Compreender o desenvolvimento da sociedade como processo de ocupação de espaços físicos e as relações da vida humana com a paisagem, em seus desdobramentos políticos (...) e humanos. Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as às práticas dos diferentes grupos e atores sociais, aos princípios que regulam a convivência em sociedade (...). (BRASIL, 1999, p. 297) A exposição dos processos históricos em livros didáticos requer a associação entre passado-presente e a reflexão sobre os fatos levam à inclusão, nos materiais, de textos contrastantes. Esses textos precisam estar articulados para favorecer o pensamento integrado dos alunos em leitura. Observando, então, os livros didáticos de História, é possível notar a coexistência de distintos textos em um mesmo espaço físico, mas que não são articulados, o

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que despertou a atenção para o seu conteúdo. Como já se viu, os denominamos textos factuais e textos problematizantes, e a partir de agora passamos a observá-los em detalhes. • Os textos factuais têm uma estrutura mais rígida e linear, formada por textos descritivos, acerca de um dado assunto a ser discutido em determinado capítulo do livro. Os textos factuais se propõem a descrever e apresentar os fatos relacionados ao assunto de cada capítulo. Eles também se caracterizam por apresentar constante uso dos tempos verbais no pretérito, o que se justifica pelas sucessivas descrições que os constituem, como no seguinte trecho extraído da figura 4.1: (2) Durante os 60 anos da União Ibérica, a administração colonial do Brasil praticamente não sofreu alterações: os funcionários do governo lusitano foram mantidos, o idioma continuou a ser o português, os costumes pouco mudaram (...). (COTRIM, 2007, p. 227) É possível notar, também, que os textos factuais são compostos, em grande parte, por expressões conclusivas e explicativas, além de apresentarem estruturas pautadas nas relações de contraste e sequência temporal, como no seguinte trecho do texto factual Consequências da União Ibérica, retirado da figura 4.1:

(3) No século XVI, a Holanda e outros territórios do norte da Europa eram domínios do rei espanhol. Em 1581, porém, depois de muitas lutas, conquistaram a independência, com a proclamação da República das Províncias Unidas. (COTRIM, 2007, p. 227, grifo do autor)

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Trechos do texto factual retirados para exemplo

Figura 4.1 – Página do livro didático História Global. Textos factuais e problematizantes (COTRIM, 2007, p. 227).

• Os textos problematizantes, por sua vez, se apresentam por sinalizações diferenciadas e por caixas de texto coloridas, e se propõem a discutir os textos factuais por meio de documentos históricos ou de escritos questionadores dos fatos. Têm como proposta oferecer ao leitor uma outra visão sobre os fatos, para, em princípio, orientá-lo a pensar de forma crítica e criativa as questões apresentadas no texto factual e ajudá-lo tanto a perceber os acontecimentos ocorridos no passado, como questionar fatos do presente. A proposta evidente nesses textos problematizantes vai ao encontro da

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metodologia dos estudos em História porque pode possibilitar, dentre outros objetivos do ensino da disciplina, a construção do senso crítico. Vale dizer que, em contraponto aos textos factuais, os textos problematizantes variam no uso dos tempos verbais: por vezes, fazem uso dos verbos no pretérito e, também, no presente. Quando utilizados no pretérito, esses textos fazem a remissão a ocorrências históricas que precisam ser descritas para questionar ou gerar o pensamento crítico sobre o desvelar de um fato ou da própria sociedade. Quando utilizados no presente, denotam relatos de artistas, jornalistas e outras pessoas relacionadas de alguma forma aos fatos ou momentos descritos em dado capítulo do livro, e esses textos também podem ser distinguidos através de novas sinalizações, como nos trechos do texto da figura 4.2 – Luís Carlos Prestes rompe com os tenentes – que se seguem:

(4) Em maio do mesmo ano, Prestes anunciou sua adesão ao comunismo por meio de um manifesto, no qual revelava também seu afastamento do grupo majoritário dos tenentes (...) (Trecho no passado) São idênticos os propósitos reacionários das oligarquias em luta. A revolução brasileira não pode ser realizada com o programa anódino da Aliança Liberal. Vivemos sob o jugo dos banqueiros de Londres e de Nova York. (Trecho no presente) (FIGUEIRA, 2009, p. 322, grifo do autor)

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Trechos do texto problematizante retirados para exemplo.

Figura 4.2 – Página do livro didático História. Trechos do texto problematizante. (FIGUEIRA, 2009, p. 322).

Os textos problematizantes também se distinguem dos textos factuais por apresentarem uma estrutura que apresenta tanto exposição de idéias e de pontos de vista do autor, como também argumentações que podem estar em confronto ao que é apresentado na descrição dos fatos, como pode ser visto abaixo em dois excertos da figura acima. Cabe ressaltar que os textos problematizantes apresentam autoria clara, em contraposição aos textos factuais, que, por não terem assinatura, supõe-se que tenham sido escritos pelo autor do livro. Observa-se

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oposição de ideias entre os textos factuais e os textos problematizantes na mesma página de um material didático: (5) O programa da Aliança Liberal era inovador. Prometia atender às reivindicações operárias, anistiar os tenentes condenados por suas rebeliões e moralizar a vida pública, adotando o voto secreto. (Texto factual) Vivemos sob o jugo dos banqueiros de Londres e de Nova York. A verdadeira luta pela independência nacional só poderá ser levada a efeito pela verdadeira insurreição nacional de todos os trabalhadores. Proclamemos, portanto, a revolução agrária e antiimperialista (...). (Texto problematizante) (FIGUEIRA, 2009, p. 322, grifo do autor) Os trechos apresentados no exemplo acima revelam que, embora a proposta dos textos factuais seja a de descrever e apresentar os fatos ocorridos em um dado momento da História da sociedade, esses textos também são opinativos e representam um dado ponto de vista, o do autor do livro, no caso. A linguagem nos permite verificar que, embora o texto factual seja apresentado sem uma orientação teórica ou ideológica, isso, na verdade, não se confirma, porque é possível, com a linguagem do texto, notar que há um posicionamento do autor sobre o fato comentado. A presença de vocábulos avaliativos no texto factual, como o adjetivo inovador no trecho acima, evidencia a manifestação da voz do autor e de sua opinião sobre dado fato, o que nos leva a perceber que a distinção entre o texto factual e o texto problematizante é a distinção de vozes em uma mesma página, ou seja, a voz do autor do livro em contraste com as vozes de outros autores. De qualquer modo, essas vozes textuais precisam estar articuladas no material didático para permitir a construção de significados dos textos na leitura. O trecho abaixo, retirado da figura 4.4, serve para exemplificar o uso de outro tipo de vocábulo avaliativo pelo autor do livro didático, o advérbio seriamente, e também demonstra o ponto de vista do autor através do emprego de um adjetivo, inatacável:

(6) A Coluna Prestes não conseguiu provocar revoltas capazes de ameaçar seriamente o governo, mas também não foi derrotada por ele. Isso demonstrava que o poder na Primeira República não era inatacável. (COTRIM, 2007, p. 479) Vale ressaltar que a denominação dessas duas estruturas textuais foi cunhada especialmente para o presente estudo. Inspira-se, sobretudo, na observância das competências

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e metodologias delimitadas pelos PCN para os materiais didáticos de História, que devem apresentar e promover a reflexão tanto dos fatos como também de toda a problemática histórica, social, cultural etc. por eles motivada e deles resultante. (BRASIL, 1999: 301 – 305).

Texto factual

Texto problematizante

Figura 4.3 – Página do livro História. Texto factual e texto problematizante (FIGUEIRA, 2009, p. 299).

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Texto problematizante

Trecho do texto factual retirado para exemplo

Texto factual

Figura 4.4 – Página do livro didático História Global. Texto factual e texto problematizante (COTRIM, 2007, p. 479).

Cabe comentar que tanto a denominação como a análise dos textos problematizantes não está relacionada ao estudo dos gêneros textuais (PAULIUKONIS & GAVAZZI, 2007), porque a diferenciação entre textos factuais e textos problematizantes não se aplica a esse conceito. Na verdade, os textos problematizantes denotam uma função linguística dentro dos livros didáticos de História, como previsto pelos PCN, e podem ser constituídos de textos de gêneros distintos como, por exemplo, cartas, canções, manifestos, entre outros, como poderá ser verificado ao longo da análise empreendida nesta dissertação. De modo a compor esse estudo, será feito o uso dos livros didáticos História Global – Brasil e Geral (COTRIM, 2007), e História (FIGUEIRA, 2009). A escolha do livro de Cotrim justifica-se por ser largamente usado nas instituições de ensino, podendo ser considerado, por isso, popular. Já o livro de Figueira é contemporâneo, publicado em 2009, e

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aprovado pela avaliação do PNLEM, o que mostra a preferência do exemplar pelo Ministério da Educação, que o recomenda para utilização nas instituições de ensino desde 2009. O livro de Cotrim apresenta, em sua introdução, a proposta de abordar uma visão global da história do Ocidente, avaliando aspectos fundamentais à formação de um povo, como a economia, a política, a sociedade e a cultura. Esse material se propõe, também, a somar a esses aspectos questões relevantes da historiografia e do ensino de História, estabelecendo contato entre processos do passado e do presente na transformação da sociedade, como mostra o seguinte trecho extraído da introdução do livro: (7) Este livro apresenta uma visão global da história do Ocidente, incluindo a história do Brasil. Procuramos abranger os processos históricos das sociedades, analisando aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais e incorporando (...) contribuições mais recentes da historiografia (...) (COTRIM, 2007, p.3, negrito do autor). O livro de Figueira se sugere, na introdução, como um material que reúne os processos mais importantes da história e da formação da sociedade. Figueira propõe ser a sua obra um material simples, direto e de fácil compreensão, agregando os valores das atividades propostas como forma de aprofundar as questões trabalhadas em cada capítulo, como é possível verificar no trecho retirado da apresentação do livro: (8) Se você estava à procura de uma obra que reúna em um único volume os acontecimentos mais importantes da história e contribua para sua formação de cidadão consciente de seus direitos e dotado de espírito crítico, anime-se: sua procura terminou. Esse livro existe e está em suas mãos. (FIGUEIRA, 2009, p.3). Como visto nas seções iniciais, e é importante reiterar aqui, a análise a ser promovida neste trabalho se detém sobre a distinção presente entre as duas estruturas textuais encontradas nos livros didáticos de História – os textos factuais e os textos problematizantes. De modo a salientar as distinções entre esses textos e discutir as questões que se apresentam sob o viés de conceitos relacionados aos estudos em metacognição, como o controle, o monitoramento e, em específico, a dêixis discursiva, vale enumerar os procedimentos metodológicos que orientarão o estudo dos materiais didáticos aqui contemplados, conforme se segue. Os livros didáticos História Global – Brasil e Geral, de Gilberto Cotrim (2007), e História, de Divalte Figueira (2009), serão avaliados de acordo com as divisões comuns a capítulos de um compêndio de História. Essas divisões, que são

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formadas por três seções, e a percepção de certos aspectos textuais orientarão a presente análise dos materiais, conforme a seguinte ordem: •

A formatação e a disposição dos textos no capítulo;



Os textos iniciais e as atividades de pré-leitura;



As atividades de leitura em meio aos textos factuais (quando houver);



As atividades de pós-leitura.

Vale ressaltar que essa maneira de seccionar o livro didático satisfaz aos estudos empreendidos em metacognição porque é possível relacionar essa divisão ao quadro de Nelson & Narens (1994), apresentado na figura 2.2 do segundo capítulo, porque ela é uma estratégia favorecedora à atividade de leitura, por respeitar os três estágios de aprendizagem: aquisição, retenção e recuperação de informações. Estabelecer-se-á um protocolo de análise, comparando as estratégias de leitura empregadas em cada seção do capítulo e os estágios metacognitivos sugeridos pelos autores como orientação para os estudos. Os textos iniciais e as atividades pré-leitura podem ser relacionados ao primeiro estágio apresentado no quadro de Nelson & Narens, o de aquisição, em que são empregadas estratégias metacognitivas visando à preparação do aluno no contato com o material a ser lido e à seleção de informações necessárias à compreensão em leitura. Já as atividades de leitura em meio aos textos factuais relacionam-se ao estágio de retenção de informações, destacado por Nelson & Narens (1994) com o uso de estratégias para administrar a coleta e a manutenção das informações no fluxo da leitura. Por fim, as atividades de pós-leitura correspondem ao estágio de recuperação dos dados, assinalado no quadro com o uso de atividades de fixação das informações percebidas em leitura e de retomada do conhecimento explorado na leitura. Tendo como ponto de partida esse conhecimento e esse protocolo de análise, foram escolhidos capítulos com assuntos comuns aos dois livros, os quais, para este estudo, referemse às revoltas e aos movimentos conflituosos na Primeira República. Vale ressaltar que os comentários acerca das atividades de leitura seguem, no livro de Cotrim, o manual do professor que, para alguns exercícios, apresenta sugestão de respostas. Para as atividades do livro de Cotrim que não apresentam sugestões de resposta no manual e para as atividades de leitura do livro de Divalte, cujo manual não contém esse tipo de sugestões, apresentaremos respostas elaboradas especialmente para esta dissertação, acompanhando o conteúdo tratado nos capítulos de forma coerente.

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Posto isto, seguem-se as análises dos livros didáticos escolhidos para o presente estudo, iniciando-se pelo material História Global – Brasil e Geral, de Gilberto Cotrim.

4.2 – Acerca do livro História Global – Brasil e Geral de Gilberto Cotrim

O livro didático História Global – Brasil e Geral, segundo diz o próprio autor na introdução, trata do ensino de História por meio de uma visão integral que abrange os processos históricos das sociedades atrelados às contribuições mais recentes da historiografia e do ensino de História. Nesse material, os capítulos estão organizados da seguinte forma: • Textos introdutórios ao assunto a ser abordado e atividades de pré-leitura; • Textos factuais descrevendo os acontecimentos de interesse ao capítulo; • Caixas de texto intercaladas com perguntas relacionadas ao texto factual ou com textos problematizantes que discutem fatos narrados no texto factual; • Seção final denominada Oficina de História, com perguntas relacionadas ao capítulo. Seguindo a organização dos capítulos deste compêndio, a análise deste material iniciarse-á pelos textos introdutórios e as atividades pré-leitura, mas antes se descreverá como se dispõem os textos ao longo das páginas do capítulo.

4.2.1 – A disposição por páginas dos textos no capítulo

O capítulo selecionado para análise no livro didático História Global – Brasil e Geral é intitulado Revoltas na Primeira República e contém doze páginas (ver anexo) em que estão presentes textos e exercícios relacionados ao tema, sobre os quais podemos tecer algumas observações iniciais. Há, em todo o capítulo, textos factuais que tratam de assuntos relacionados ao título do capítulo, distribuindo-se em cinco subseções: Reação à miséria, Messianismo, Cangaço, Revoltas no Rio de Janeiro e Modernismo. Cada subseção apresenta títulos específicos, relacionados a cada fato comentado nos textos. Há, também, um total de seis textos problematizantes intercalados a essas seções dos textos factuais: Resistência Sertaneja; Ordem da República; Marinheiros em Revolta; Homenagem Póstuma; As lutas da Coluna Prestes; Modernismo e Antropofagia Cultural. Esses textos se distribuem nas páginas da seguinte forma:

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Na página inicial: há, abaixo do título, um texto introdutório que busca estabelecer relação entre os dados contemporâneos ao leitor e os fatos abordados no capítulo. No fim desse texto introdutório, há uma pergunta exploratória acerca do tema do capítulo e, logo abaixo, segue-se o texto factual que descreve os fatos históricos referentes às Revoltas da Primeira República, iniciando-se pela seção dedicada ao Messianismo (Anexo 1).



Nas duas páginas seguintes, o texto factual é composto por descrições dos fatos envolvidos na Revolta de Canudos. Na segunda página do capítulo, há um texto factual sobre a Revolta, acompanhado por um mapa que define a região em que ocorreu o movimento e por uma foto de pessoas participantes dessa revolta, extraída do Museu da República. Na terceira página, nota-se a continuidade do texto factual e, no final da página, inicia-se o texto problematizante intitulado Resistência Sertaneja, com trechos do livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, e com o texto Canudos como cidade ilustrada, de Roberto da Cunha, que apresentam uma visão crítica sobre a revolta, com dados que aproximam o leitor da visão dos envolvidos nesse movimento. Esse texto problematizante coexiste na mesma página com o texto factual que trata da Revolta de Canudos, pois remetem ao mesmo assunto. Entretanto, no livro didático, verifica-se a ausência de relação entre o texto factual e o texto problematizante, que se dispõem no mesmo espaço físico do livro didático. Vale notar que esse texto problematizante termina na página seguinte, seguindo-se pela continuidade do texto factual, com a subseção que trata da Guerra do Contestado (Anexo 1).



Na quinta página, continua-se o texto factual dedicado à Guerra do Contestado e, no fim da seção Messianismo, intercala-se entre os textos factuais a atividade monitorando, retomando aspectos anteriormente lidos no texto factual. Em seguida, inicia-se uma nova seção do capítulo, com texto factual dedicado ao Cangaço, logo seguida por outra atividade monitorando, retomando aspectos desse texto. No fim da página, inicia-se nova seção dedicada às Revoltas do Rio de Janeiro, com texto factual constituído pela subseção Revolta da Vacina, que continua na página seguinte (Anexo 1).



Na sexta página: continuidade do texto factual Revolta da Vacina, intercalado por uma caricatura do artista Leônidas, extraída da Biblioteca Mário de Andrade, e por uma pergunta reflexiva retomando o protesto da Revolta da Vacina. No fim da página, inicia-se o texto problematizante intitulado Ordem da República, com comentários

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críticos de Margarida Neves e Alda Heizer acerca dos aspectos que envolvem a busca pelo progresso no Rio de Janeiro e das razões que incitaram a Revolta da Vacina. Vale ressaltar que esse texto problematizante está disposto no mesmo espaço físico do texto factual a que corresponde, Revolta da Vacina, entretanto ambos estão dissociados na página do livro. Não há uma indicação no texto factual que remeta ao texto problematizante que o complementa com novas informações ou novos olhares sobre os fatos narrados (Anexo 1). •

Na sétima página: continuidade do texto problematizante Ordem da República, seguido pela atividade monitorando com uma questão relativa ao assunto recentemente tratado no texto factual. Essa atividade é sucedida por uma nova subseção do texto factual, descrevendo fatos relacionados à Revolta da Chibata. No fim da página, inicia-se o texto problematizante Marinheiros em Revolta, que contém um documento com a mensagem dos marinheiros rebelados ao presidente da República. Seguindo a tendência apresentada em outras subseções do capítulo, não há uma indicação no texto factual, que trata da Revolta da Chibata, que remeta ao texto problematizante Marinheiros em Revolta, embora este o complemente com novas informações ou novos olhares sobre os fatos narrados (Anexo 1).



Na oitava página: encontra-se o trecho final do texto problematizante iniciado na página anterior. Segue-se, então, outra página com a continuação do texto factual que trata da Revolta da Chibata. Intercalados ao texto factual, encontramos uma caricatura do artista J. Ramos Lobão sobre essa revolta, seguida por uma pergunta reflexiva sobre o mesmo assunto, e outro texto problematizante intitulado Homenagem Póstuma, com uma canção de João Bosco e Aldir Blanc relacionada a esse movimento. No final da página, há a atividade monitorando retomando fatos da subseção recentemente lida (Anexo 1).



Nona e décima páginas: A nona página contém apenas o texto factual intitulado Tenentismo, que trata dos movimentos revoltosos político-militares. Na décima página, há um texto problematizante sob o título As lutas da Coluna Prestes, com os princípios que regiam essa revolta. Em seguida, há a continuação do texto factual iniciado na página anterior e, abaixo, há um mapa descrevendo o percurso traçado pela Coluna Prestes (Anexo 1).



Na décima primeira página, há um pequeno parágrafo finalizando o texto factual referente ao período do Tenentismo, seguido pela atividade monitorando com duas

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questões retomando aspectos dessa subseção. Em seguida, há uma seção do capítulo intitulada Modernismo, com um texto factual descrevendo fatos relacionados a esse movimento artístico e com uma foto do cartaz com a programação da Semana de Arte Moderna. No fim da página, há o texto factual Modernismo e Antropofagia Cultural, apresentando as razões e as motivações dos artistas envolvidos nesse movimento (Anexo 1). •

Na última página do capítulo: há o trecho final do texto factual iniciado na página anterior e, em seguida, há a atividade monitorando, com uma questão única que retoma a leitura da última seção apresentada. Nota-se, também, a atividade de pósleitura intitulada Oficina de História, com perguntas articuladoras acerca dos conhecimentos relativos tanto ao leitor, quanto aos conteúdos lidos. Finalizando o capítulo, apresentam-se sugestões de vídeos e leituras de modo a complementar os fatos e os assuntos abordados no capítulo (Anexo 1). Considerando as observações feitas até agora, serão apresentados alguns comentários a

respeito dos aspectos que norteiam, relevantemente para este estudo, o livro didático História Global – Brasil e Geral, de Gilberto Cotrim.

4.2.2 – As partes do capítulo

4.2.2.1 – Os textos iniciais e as atividades pré-leitura

Os textos introdutórios aos capítulos são uma espécie de resumo dos fatos que serão narrados e comentados nos textos subsequentes. Na página inicial do capítulo Revoltas da Primeira República, há a apresentação de dados do início do século XXI contrastando informações contemporâneas aos eventos que serão apontados em todo o capítulo. Desta forma, esse texto parte dos conhecimentos sociais próximos ao contexto em que vive o aluno para os fatos históricos com que estabelecerão relações, a fim de preparar o olhar do aluno para as novas informações que serão oferecidas pelo capítulo. O destaque dado ao texto introdutório se evidencia, como mostra a figura a seguir, pela formatação e pela coloração diferenciada em relação ao texto factual. Vale notar que esses textos, por vezes, lançam algumas perguntas exploratórias de pré-leitura, que são estritamente relacionadas ao texto factual que as sucede. No caso deste capítulo, que trata das transformações sociais brasileiras no início do século XX e as consecutivas revoltas contemporâneas a esse período, lança-se a pergunta: “De que forma esses ‘excluídos’, na cidade e no campo, manifestavam insatisfação

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e revolta por sua condição social? (p. 470)”, que remete às revoltas e aos movimentos sociais abordados e descritos no decorrer dos textos:

Pergunta de pré-leitura

Figura 4.5 – Página do livro História Global. Textos introdutórios e atividades de pré-leitura (COTRIM, 2007, p. 470).

Esse tipo de pergunta deveria constituir um ganho metacognitivo para o leitor, que acionaria, de certo modo, seus conhecimentos acerca da exclusão social e das condições

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precárias vividas por cidadãos na sociedade e no tempo em que ele vive, por exemplo, e, a partir desses conhecimentos, conseguiria estabelecer relações com o texto a ser lido. Vale lembrar que, como essa seção dedicada ao texto inicial é relacionada ao estágio de aquisição de informações, ela deve ser explorada em busca do avanço do estudo, em termos metacognitivos. Deste modo, o aluno pode selecionar e controlar objetivamente os dados necessários ao início da atividade de leitura. Essa seção do livro, seguindo o protocolo de análise inspirado no quadro de Nelson & Narens (1994), também deveria ser complementada por questões exploratórias que propiciem a construção do conhecimento em relação ao assunto do capítulo: perguntas que suscitem a construção de hipóteses e checagem das noções do aluno sobre dados relacionados ao assunto, sobre os processos históricos envolvidos e até sobre o desfecho dos acontecimentos narrados que seriam apontados nos textos factuais, promovendo a melhoria na qualidade da leitura, incluindo mais conteúdo, e o cumprimento de parte dos objetivos do ensino de leitura em História previstos pelos PCN. Uma atividade de pré-leitura composta por esses requisitos destacados no quadro de Nelson & Narens satisfaria as condições relativas à etapa de aquisição de informações, ou seja, ao primeiro contato com os dados necessários à aprendizagem. Entretanto, a pergunta destacada no texto introdutório do material de Cotrim pode inviabilizar o desenvolvimento efetivo desse raciocínio pelo leitor, porque não estabelece confronto entre o conhecimento prévio do aluno e as informações que serão exploradas no capítulo. Tomando-se como base os fatos narrados nesse capítulo, Revoltas da Primeira República, segue-se a sugestão de resposta a essa pergunta – um período retirado do primeiro parágrafo do texto factual: (9) Durante a Primeira República, muitos se indignaram com a situação de miséria e opressão de que eram vítimas. Em reação a essas condições, surgiram movimentos como a Revolta de Canudos, a Guerra do Contestado, a Revolta da Vacina, a Revolta da Chibata, entre outros ( p. 470). Essa sugestão de resposta, produzida para esta dissertação, é transcrita do texto factual, o que mostra que a pergunta apresentada na seção inicial do capítulo é limitada, porque requer uma resposta que se atém ao nível literal de leitura, com cópia e colagem de informações. Esse tipo de atividade não permite a associação entre o conhecimento prévio do aluno e as informações fornecidas pelo texto, o que ressalta uma falha grave em termos metacognitivos. Mesmo reconhecendo falhas na atividade de pré-leitura desse capítulo do livro, podemos afirmar que textos iniciais e atividades pré-leitura em livros didáticos podem

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constituir uma estratégia válida e interessante metacognitivamente: os textos iniciais, como o que aparece no início do capítulo do livro didático de Cotrim, podem servir como o ponto de partida necessário para acessar as informações que serão tratadas em seguida, podendo até agregar informações para enriquecer o conhecimento prévio que o aluno já possui acerca de um assunto, preparando-o, então, para a leitura efetiva do capítulo. Esse tipo de orientação metacognitiva em uma atividade de leitura viabiliza, portanto, uma construção de significados que promove o amadurecimento em leitura e a concepção eficaz dos dados informados (GRIFFITH & RUAN, 2005). Complementando o propósito pretendido com os textos introdutórios, as atividades de pré-leitura que saibam aproveitar o conhecimento prévio do aluno, favorecendo associações com dados discutidos no capítulo, permitem ao aluno hipotetizar sobre um assunto a partir de um questionamento motivador, e se lançar cognitivamente sobre o texto a ser lido, ativando bases de conhecimento que o permitam construir significados e novos conhecimentos. Toda essa análise permite perceber que os primeiros excertos do texto inicial estabelecem contato com a realidade social vivida no século XXI e, com base nisso, segue abaixo em negrito uma sugestão de organização dessa seção do livro, em que esse texto é finalizado com perguntas que explorem metacognitivamente o saber do aluno, direcionando o seu olhar através da dêixis discursiva – com as expressões no texto acima e nos textos a seguir neste capítulo –, para o tipo de texto e de informação a serem acessados em sua resposta, fazendo-o refletir sobre fatos do passado a partir de suas notações do momento em que vive: (10) Neste início do século XXI, a sociedade brasileira enfrenta grandes desafios. Segundo dados do Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Brasil registra uma das maiores concentrações de renda do mundo: 20% dos mais ricos (com padrão médio econômico equivalente ao da sociedade do Canadá) detêm uma renda 25,5 vezes maior do que os 20% mais pobres (com padrão médio de renda equivalente ao de países africanos como o Congo). Além disso, a concentração da propriedade da terra continua altíssima: aproximadamente 3% de grandes proprietários detêm cerca de 43% das terras agrícolas, enquanto quase 60% da população rural dispõe, apenas, de 3% das terras. No início do século XX, apesar das transformações socioeconômicas por que passava o país, milhões de brasileiros permaneciam vivendo na miséria. (p. 470). Que tipos de problema podemos destacar em nossa sociedade atual, em decorrência da concentração de renda apresentada no texto acima?

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Você acha que a exclusão e a desigualdade social são problemas apenas do tempo atual, ou imagina que essa questão pode ter sido originada por outros fatos históricos? Justifique. Tenha em mente o que você respondeu quando ler os próximos textos desse capítulo.

Essa sugestão de perguntas pré-leitura, encerrando o texto inicial, contrasta com a pergunta

de

pré-leitura

apresentada

por

Cotrim,

pois

perguntas

orientadas

metacognitivamente, ou seja, que auxiliem o leitor no gerenciamento da captação de informações para a construção de seu conhecimento sobre um dado assunto, podem propiciar o desenvolvimento de uma leitura eficaz. A partir da leitura de um texto inicial que estabelece contato com a realidade do aluno e de questões estimuladoras como as da sugestão, que aproveitam o seu conhecimento prévio de fatos contemporâneos, torna-se possível que os alunos assumam e, também, façam uso de seus próprios pensamentos para interagir com o conteúdo do livro, utilizando-os para efetivamente ler (BAKER, 2005). Vale dizer que essas perguntas de pré-leitura e suas respostas poderiam ser retomadas ao fim do capítulo (correspondendo à 3ª etapa do quadro de Nelson & Narens), para o aluno recuperar as informações aprendidas, notando o que conseguiu compreender e o que adquiriu em termos conteudísticos. Já no fluxo do texto factual, temos atividades que exploram as informações tratadas até o presente momento da leitura, que são as atividades denominadas Monitorando, comentadas a seguir.

4.2.2.2 – As atividades Monitorando

No livro História Global – Brasil e Geral, o capítulo Revoltas da Primeira República possui caixas de texto intercaladas ao texto factual, coloridas e com a denominação Monitorando, com perguntas que conduzem os alunos apenas à reprodução dos conteúdos com que estabelecem contato, como se pode ver na figura 4.6:

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Atividades monitorando

Figura 4.6 – Página do livro História Global. Atividades Monitorando (COTRIM, 2007, p. 474).

A seção Monitorando caracteriza-se pela solicitação de resumos, descrição dos fatos ocorridos no passado e reprodução de causas e consequências relacionadas a esses fatos. Essa atividade é marcada por perguntas de cópia e colagem de informações, em que os alunos são

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avaliados pela capacidade de reproduzir os conteúdos apresentados pelo texto. Seguem-se o recorte desta atividade, presente na figura 4.7, e as anotações acerca da sua natureza.

Figura 4.7 – Recorte de página do livro História Global (COTRIM, 2007, p. 474).

É possível afirmar que, quando o autor requer do aluno uma questão como no item 1: “Explique o que foi o messianismo na história brasileira, mencionando em que ele se baseava”, ela pode ser avaliada como uma atividade de leitura em nível literal, em que se requer a reprodução de informações lidas no texto factual para reconhecimento das ideias basilares do capítulo, com o intuito de preparar o aluno para as próximas etapas de leitura do capítulo. A resposta que o aluno poderia apresentar a essa questão, sugerida no manual do professor (Anexo 2), está presente no texto factual, nas seções dedicadas às Revoltas de Canudos, no Nordeste, e do Contestado, no Sul (p. 470 a p. 473). Nessa resposta, o aluno retiraria informações presentes nessas seções para satisfazer ao modelo cópia-colagem, com uma resposta como a seguinte: (11) Messianismo é a designação dada a movimentos sociais populares, principalmente de sertanejos de áreas rurais pobres, que fundaram comunidades comandadas por um líder religioso ao qual se atribuíam dons de fazer milagres, realizar curas e profetizar acontecimentos. Esse líder político-religioso (messiânico) era considerado capaz de conduzir a comunidade a uma “nova era de justiça e de felicidade”. Sua base era a crença na vinda do “salvador”, para libertar o povo dos sofrimentos e conduzi-lo à felicidade eterna. Em termos metacognitivos, essa pergunta pode ser considerada pouco válida, porque apenas auxilia o aluno a reconhecer as informações descritas no texto factual, facilitando o que será exigido no item seguinte dessa mesma atividade. As perguntas da atividade monitorando surgem após a leitura tanto de seções do texto factual, como também de seções

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do texto problematizante, o que nos sugere a necessidade de articulação entre esses distintos textos no capítulo. Deste modo, evidencia-se a necessidade de apontar a que dado do texto factual se refere o assunto tratado no texto problematizante, e neste estudo verificamos que o uso da dêixis discursiva favoreceria essa articulação entre textos. Vale ressaltar, como circunstância favorecedora de dêixis discursiva, que as revoltas messiânicas são descritas e abordadas no texto factual e também aparecem em um texto problematizante que surge intercalado ao texto factual, como na página 472, no texto Resistência Sertaneja, que apresenta o olhar de Euclides da Cunha, em seu livro Os sertões, sobre aspectos relacionados a essas revoltas. Além disso, a atividade falha porque não direciona o olhar do aluno para a leitura de trechos do texto problematizante relacionados ao texto factual que trata das revoltas messiânicas, como resultado da ausência da dêixis discursiva já na leitura desse texto factual a que a atividade monitorando remete. Dever-se-ia encontrar expressões de dêixis discursiva no texto factual para auxiliar a sua articulação com o texto problematizante e, como consequência, propiciar ao aluno uma orientação na execução de atividades como a Monitorando. Segue, em caráter sugestivo, a seguinte reformulação para essa atividade:

(12) Monitorando: Baseando-se na leitura da seção Messianismo e do texto Resistência Sertaneja, nas páginas anteriores, explique: a) O porquê da designação messianismo e que relações esse termo estabelece com os anseios e motivações das pessoas. b) De que maneira o movimento denominado messianismo motivou conflitos e revoltas na sociedade brasileira, mencionando aspectos e características em que ele se fundamentava. O mesmo procedimento de explorar a leitura em nível literal é percebido na atividade requerida no item 2, limitada em termos metacognitivos por não explorar estratégias que conduzam, segundo o quadro de Nelson & Narens (1994), à retenção de informações, com retomada de dados lidos em associação às avaliações emergentes do conhecimento prévio do aluno: (13) Elabore um quadro-resumo da Revolta de Canudos e da Guerra do Contestado, apresentando: a) localização; b) principal líder; c) organização da comunidade; d) quem combatia a comunidade; e) resultado do conflito. (p. 474) Esse item requer do aluno a formação de um resumo acerca das informações recentemente lidas nas seções de textos factuais dedicadas ao Messianismo, e, para isso,

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fornece tópicos que auxiliem seus objetivos de leitura no seu fazer. Esse tipo de atividade desenvolvida no material de Cotrim se limita ao recorte de informações recentemente lidas apenas no texto factual, sem fornecer objetivos à leitura do aluno e sem estabelecer contraste em relação ao que se apresenta, por exemplo, no texto problematizante que também trata da Revolta de Canudos, como se pode notar na seguinte resposta citada pelo manual do professor: (14) Movimento: Revolta de Canudos. Líder: Antônio Vicente Maciel, conhecido como Antônio Conselheiro. Comunidade: O povoado tinha normas próprias. As colheitas, os rebanhos e todo o fruto do trabalho eram repartidos entre a população. Só se admitia a propriedade privada dos bens de uso pessoal (roupas, móveis). Não havia cobrança de impostos. A comunidade era combatida pelos fazendeiros baianos, a elite política local, a igreja católica e o governo. Resultado: Destruição completa da comunidade por 7 mil homens do exército brasileiro em 5/10/1897. Mais de 5 mil casas foram incendiadas; a população sertaneja morreu defendendo sua comunidade. Movimento: Guerra do Contestado. Líder: Inicialmente, João Maria; depois de sua morte, o “monge” José Maria. Comunidade: Mais de 20 mil sertanejos fundaram povoados que compunham a chamada “Monarquia Celeste”, com governo próprio e normas igualitárias, não obedecendo às ordens das autoridades da república. Foram violentamente perseguidos pelos coronéisfazendeiros e pelos donos das empresas estrangeiras, com o apoio das tropas do governo. Resultado: Em novembro de 1912, José Maria foi morto em combate. Os novos núcleos da Monarquia Celeste formados por seus seguidores foram, depois, destruídos por tropas do exército. Em 1916, os últimos núcleos foram arrasados por 7 mil homens armados. O texto problematizante que trata desses fatos é uma fonte de dados que poderia fornecer um olhar crítico sobre o fato apresentado no texto factual, como se segue na sugestão de reformulação dessa atividade, que pretende mostrar a associação entre textos factuais e problematizantes para a construção de significados: (15) Monitorando: Elabore um pequeno resumo crítico sobre a Revolta de Canudos e a Guerra do Contestado, discorrendo sobre as seguintes questões: a) Qual o perfil do líder do Canudos que o texto Resistência Sertaneja apresenta? Esse perfil corresponde ao que o texto Revolta de Canudos descreve sobre esse líder?

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b) Busque, no texto Revolta de Canudos e no texto que o sucede Resistência Sertaneja, as motivações e o desfecho da Revolta de Canudos. c) Quais as semelhanças que permitem associar a Revolta de Canudos à Guerra do Contestado? Que elementos as diferenciam? d) Você consegue encontrar, atualmente, algum movimento de influência religiosa que proponha uma ação reivindicatória? Caso não encontre, pense, baseando-se no contexto atual, quais características e motivações de um movimento social com influência religiosa poderiam constituir uma revolução hoje. Essa reformulação visa a mostrar de que maneiras a atividade Monitorando poderia favorecer o desenvolvimento de habilidades analíticas no aluno, por estimular a retomada de dados de diferentes textos recentemente lidos, contrastando-os ou associando-os para construção de significados em sua leitura. Esse tipo de atividade também mostra como podemos integrar informações lidas nos textos do material didático ao conhecimento prévio do aluno, através da seleção de informações importantes para a leitura recentemente feita e também para a leitura dos textos seguintes. Segue-se, após essa primeira atividade Monitorando, a continuação do texto factual, com uma seção que trata do subsequente fato histórico: Cangaço – Revolta e violência no Nordeste. Terminada a leitura desse texto factual, é introduzida nova atividade Monitorando, com duas questões retomando a recente leitura. A primeira questão dessa atividade é a seguinte: “Em que contexto se desenvolveu o cangaço?” (p. 474) que, da mesma forma que a primeira pergunta da atividade monitorando anterior, requer apenas a retomada de informações lidas no texto, ou seja, a leitura em nível literal. A sugestão de resposta, proposta pelo manual do professor presente no livro, faz uso de trechos presente no texto factual acerca do Cangaço: (16) O cangaço se desenvolveu no contexto de miséria, de injustiças praticadas pelos coronéis-fazendeiros, de fome e secas que assolavam o nordeste produzindo um ambiente favorável à formação de grupos armados (os cangaceiros) que praticavam assaltos a fazendas e, muitas vezes, matavam pessoas. A segunda questão dessa atividade é semelhante à primeira: requer do aluno uma leitura em nível literal, com retirada e checagem de dados recentemente lidos: “Por que são controversos os pontos de vista em relação ao cangaço?” De modo a confirmar que essa atividade visa à confirmação de dados recentemente lidos, solicitando a cópia e colagem de informações, segue-se a sugestão de resposta do manual do professor, correspondente ao segundo parágrafo da seção do texto factual referente ao Cangaço:

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(17) Para alguns, o cangaço era uma forma pura e simples de banditismo e criminalidade; para outros, uma forma de banditismo social, isto é, de revolta reconhecida como legítima pelas pessoas que viviam oprimidas. A checagem de informações, como a propiciada pelas atividades Monitorando aqui apresentadas, é relevante para estabelecer contato entre leitor e texto. Entretanto, desenvolver sucessivas atividades de leitura requerendo apenas respostas em nível literal é uma ação limitada metacognitivamente, porque elas não promovem o desenvolvimento de uma leitura orientada pelos movimentos metacognitivos de monitoramento e controle, e apenas se detêm em um ensino conteudístico. Uma atividade focada no monitoramento torna possível explorar a construção de hipóteses do aluno, com base em dados associados ao seu conhecimento prévio. Integrada a esse tipo de leitura, deveria ser promovida outra atividade focada no controle, traçando objetivos de investigação dos dados relevantes do texto, e também direcionando o olhar do aluno para o excerto que deve ser consultado para a elaboração de respostas, valorizando o uso, portanto, da dêixis discursiva na leitura do texto factual. Esse tipo de atividade, que explora interativamente esses movimentos metacognitivos, favorece a administração do fluxo de informações a ser lido e a assimilação do que parece relevante na etapa de retenção dos dados, segundo o quadro de Nelson & Narens (1994), a que se refere a atividade Monitorando. Além disso, uma atividade fundamentada na interação entre monitoramento e controle possibilita a percepção do nível de leitura desenvolvido ou da presença de falhas na coleta de informações. Segue, abaixo, a proposta de reformulação da atividade Monitorando recentemente comentada:

(18) 1 – Que situações problemáticas, na sociedade atual, podem motivar a população a se mobilizar revolucionariamente contra o governo? As motivações que conduziram os cangaceiros às revoltas são semelhantes ou diferentes em relação aos atuais problemas sociais? 2 – Quais são as características do movimento social denominado cangaço? É possível relacionar algum grupo ou movimento social, do contexto atual, ao cangaço e suas motivações revoltosas? Esse tipo de orientação em atividades como a Monitorando propicia atividades de retenção de informações, como apresentado no quadro de Nelson & Narens (1994). Essa proposta revela os meios de explorar a ação metacognitiva de monitoramento através das hipóteses do aluno sobre o assunto, requerendo dados de seu conhecimento prévio,

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estabelecendo o contato entre questões atuais ao aluno e as informações oferecidas pelo texto, como um modo de auxiliar na construção de significados durante a leitura. Além disso, o controle metacognitivo para auxiliar nessa retenção é requerido na segunda questão dessa reformulação, por traçar objetivos ao aluno em sua leitura, orientandoo ao trecho que deveria ser recuperado em sua leitura e mostrando-o como estabelecer relações entre esses dados coletados aos dados presentes em seu conhecimento prévio, já ativado na questão anterior através da ação metacognitiva de monitoramento. Ainda nesse capítulo, segue-se uma seção do texto factual dedicada à Revolta da Vacina, seguida, como notamos nas seções textuais anteriores, pela atividade Monitorando, composta por uma questão única: “Sintetize os principais acontecimentos da Revolta da Vacina. Mencione as causas dessa revolta e como ela terminou” (p. 476). Da forma como se apresenta, essa questão solicita que o aluno, em sua resposta, cite os problemas sociais que precederam a Revolta da Vacina, presentes no texto factual. Do mesmo modo, a resposta sobre as causas e o desfecho dessa revolta encontra-se na mesma seção textual, que trata do descontentamento social acerca das questões sanitárias e do desconhecimento popular acerca da obrigatoriedade da vacinação, culminando em revoltas populares nas ruas, na morte de pessoas e na intervenção do governo para o controle dos revoltados, como verificamos na sugestão extraída do manual do professor:

(19) A Revolta da Vacina resultou do descontentamento popular contra as medidas que vinham sendo tomadas no mandato do presidente Rodrigues Alves (1901-1906) para transformar a cidade do Rio de Janeiro na “capital do progresso”, entre elas: demolição dos cortiços e casebres dos bairros centrais para dar lugar a grandes avenidas, ampliação da rede de águas e esgotos, remodelação do porto e obras de saneamento e erradicação de epidemias como a varíola. Parte da população se revoltou: além da falta de esclarecimento sobre a importância da vacina, para muitas pessoas era imoral a aplicação de injeções em mulheres. Cerca de 30 pessoas foram mortas e mais de 100 foram feridas. Centenas de participantes dos conflitos foram presos e deportados para o Acre. Vale notar que, do mesmo modo que ocorreu na primeira atividade que solicitou do aluno a sumarização, essa atividade relaciona-se apenas ao texto factual, sem remissão ao texto problematizante Ordem na República, que sucede essa seção do texto factual. Seguindo a proposta do material de Cotrim, o modelo de resposta requerido se limita a apresentar perguntas que se atêm ao nível literal de leitura, sem fazer uso de estratégias como

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as de monitoramento e controle, favorecedoras tanto da seleção das informações válidas à leitura quanto da exploração do conhecimento prévio do aluno, como já discutido. Essa associação poderia complementar e sugerir uma leitura mais rica para o aluno, em que os dados do texto problematizante Ordem da República estariam relacionados aos dados do texto factual referente à seção Revoltas no Rio de Janeiro, como nesta proposta de reformulação da atividade, que visa ao direcionamento do olhar do aluno sobre a necessidade de formação de um corpo de conhecimentos, por meio da associação dos distintos textos que compõem o capítulo: (20) Monitorando: Leia os textos “Revoltas no Rio de Janeiro” e “Ordem da República” e sintetize os principais acontecimentos da Revolta da Vacina: a) Mencionando as causas dessa revolta; b) Fazendo o contraste entre os propósitos do governo e a realidade que se escondia sob o discurso de progresso; c) Relatando o desfecho dessa revolta. Seguindo-se o capítulo Revoltas na Primeira República, é introduzida nova seção do texto factual, que aborda aspectos da Revolta da Chibata. O texto faz um resumo sobre as datas relativas à revolta, os seus principais participantes, os motivos que conduziram a esse movimento e o seu desfecho. Em meio a esse texto factual, intercalam-se dois textos problematizantes sobre esse fato e, no fim dessa seção, introduz-se nova atividade Monitorando. Nessa atividade, o autor solicita a questão única: “Elabore um pequeno texto sobre a Revolta da Chibata, mencionando os seus principais acontecimentos e explicando como ela terminou” (p. 477). Como sugestão de resposta, o leitor deveria citar partes do texto factual presente nas páginas 476 e 477, como verificamos no seguinte trecho extraído do manual do professor:

(21) Em 22 de novembro de 1910, cerca de 2 mil membros da marinha brasileira, liderados pelo marinheiro João Cândido, iniciaram um movimento que ficou conhecido como Revolta da Chibata. Os marinheiros queriam mudanças no código da disciplina da marinha, que punia as faltas graves com 25 chibatadas, além disso reclamavam da má alimentação e dos soldos miseráveis. Eles tomaram o comando do encouraçado Minas Gerais e, logo em seguida, outros marinheiros assumiram o controle dos navios São Paulo, Bahia e Deodoro. Apontaram os canhões para a cidade do Rio de Janeiro e enviaram um comunicado ao presidente da República explicando as razões dessa revolta. O governo respondeu que atenderia às exigências feitas, e os marinheiros entregaram os navios aos comandantes. Com os

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marinheiros desarmados, o governo voltou atrás em seus compromissos. No dia 9 de dezembro, outra rebelião foi organizada. Mas desta vez, o governo estava preparado: dezenas de revoltosos foram mortos, centenas foram mandados para a Amazônia e mais de mil foram expulsos da marinha. João Cândido, depois de ter sido preso na ilha das Cobras, foi julgado e absolvido em 1912. Passou para a história como o Almirante Negro, que acabou com o castigo da chibatada na marinha brasileira. Nota-se, com a questão acima comentada e com as atividades Monitorando até aqui observadas, que o autor tende a solicitar resumos dos principais aspectos da seção lida. Da mesma forma, a resposta requerida nesses resumos relaciona-se apenas aos textos factuais, o que nos permite fazer algumas ressalvas. Embora esse tipo de atividade seja interessante metacognitivamente, porque busca a recuperação dos dados recentemente lidos, há a recorrente falha de não promover o contato entre as leituras dos textos factuais, que resumem os fatos, e os textos problematizantes, que criticam ou apresentam relatos contemporâneos ao momento histórico em que se deram esses fatos. Além disso, essas atividades não solicitam dos alunos habilidades metacognitivas, como por exemplo, as referentes à etapa de retenção de informações, com questões suscitadoras de respostas que proponham a checagem das informações, objetivando, como mostra o quadro de Nelson & Narens, a manutenção da aprendizagem. Sabendo-se que no texto problematizante Marinheiros em revolta há um documento com a mensagem dos marinheiros rebelados ao presidente da República, e que no texto problematizante Homenagem Póstuma há uma canção de João Bosco e Aldir Blanc cujo tema é a Revolta da Chibata, seguem-se as seguintes sugestões de atividades, desenvolvidas para esta dissertação, explorando todos os recursos textuais de que o material didático dispõe: (22) Monitorando: 1 – A partir da leitura do texto Revolta da Chibata e do texto que o sucede, Marinheiros em revolta, relate os principais aspectos desse fato histórico, citando: a) As causas da revolta; b) Quais eram as solicitações requeridas pelos marinheiros; c) De que maneira o governo reagiu aos protestos; d) O desfecho da revolta. 2 – Relacione aspectos dos textos Revolta da Chibata e Homenagem Póstuma, que lhe sucede: a) Mostrando quais eram as motivações que conduziam os revoltados; b) Revelando que visão da Revolta pode-se ter a partir da leitura da música de João Bosco e Aldir Blanc;

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c) Comentando sobre o personagem que marcou o fim das chibatadas. Com base nessas informações, podemos observar que a atividade Monitorando não corresponde ao quadro completo de Nelson & Narens, porque, embora haja atividades no fluxo da leitura, o material de Cotrim cumpre apenas parcialmente o protocolo de atividades previsto. As atividades Monitorando propostas por Cotrim solicitam a retomada de informações recentemente lidas, mas falham porque não requerem respostas mais elaboradas e as respostas sugeridas pelo manual do professor mostra que essas atividades se detêm no nível literal de leitura, com cópia e colagem de informações. As atividades propostas por esta dissertação ao longo da análise são válidas metacognitivamente porque evidenciam duas questões que o material de Cotrim não explora: •

A percepção da natureza distinta dos textos factuais e problematizantes, que convivem em paralelo no livro didático e precisam estar integrados em atividades de leitura que requeiram respostas além do nível de cópia e colagem de informações, favorecendo a compreensão textual do aluno e promovendo uma leitura crítica.



A dêixis discursiva como orientador da leitura que articule os textos factuais e problematizantes, em vias de auxiliar sua integração já no fluxo dos textos factuais.

No capítulo, a subseção textual que se segue, denominada Tenentismo, é dedicada a esse movimento político-militar, que engloba três momentos relacionados às seguintes revoltas: a Revolta do Forte de Copacabana, a Revolta de 1924 e a Coluna Prestes. Há uma página inteira do livro didático com o texto factual correspondente a essas revoltas, e a página seguinte divide-se da seguinte forma: no topo há um texto problematizante, com um documento que contém as declarações dos líderes da Coluna Prestes; há a continuação do texto factual, iniciado na página anterior; e há um mapa indicando o trajeto percorrido pelas tropas da Coluna Prestes. No início da página seguinte, há um pequeno trecho final do texto factual, seguido da atividade Monitorando, com as questões: “1 – O que foi o tenentismo? Quais foram os objetivos dos oficiais?” e “2 – Explique o que foi a Coluna Prestes” (p. 480). A primeira questão apresenta duas perguntas que retomam dados lidos no texto factual, requerendo a leitura em nível literal, com reprodução de dados do texto factual, como se pode notar na sugestão apresentada no manual do professor:

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(23) Tenentismo foi o movimento político-militar que, sob a liderança de jovens oficiais das forças armadas, principalmente tenentes, pretendia conquistar o poder pela luta armada e promover reformas na Primeira República. Os oficiais tinham por objetivos: a moralização da administração pública e o fim da corrupção eleitoral, a defesa da economia nacional contra a exploração pelas empresas e pelo capital estrangeiro e a reforma da educação pública, com o ensino gratuito e obrigatório para todos os brasileiros. A questão seguinte, semelhantemente à primeira, apresenta uma pergunta que também se detém na reprodução de informações, e pode-se citar a resposta sugerida pelo manual, em vias de confirmar que esse tipo de atividade permanece no nível literal de leitura, um parágrafo do texto factual referente à Coluna Prestes: (24) A Coluna Prestes foi um destacamento militar, comandado pelo militar gaúcho Luís Carlos Prestes, que unira suas forças à dos tenentes paulistas, percorrendo, durante mais de dois anos (de 1924 a 1926), 24 mil quilômetros, através de 12 estados brasileiros, procurando apoio popular para novas revoltas contra o governo. A Coluna foi duramente perseguida pelo governo. Não conseguiu provocar revoltas populares, capazes de ameaçar o governo, mas também não chegou a ser derrotada. Em 1926, a Coluna dispersou-se e foi finalmente desfeita; alguns de seus integrantes ingressadas na Bolívia. Essa atividade Monitorando, relacionada à seção do texto factual que trata dos movimentos militares, pode ser considerada pouco válida metacognitivamente, da mesma forma que procedemos à análise de outras atividades dessa natureza em seções iniciais do capítulo. Essa atividade caracteriza-se por se deter em perguntas que pouco exploram o conhecimento prévio do aluno sobre o assunto, porque apenas solicitam a reprodução de informações do texto factual. Cabe aqui, também, uma ressalva em relação à atividade dedicada à Coluna Prestes, que não promove a integração de todos os textos disponíveis sobre o assunto em suas perguntas, muito embora o autor disponha não somente do texto factual que apresenta o assunto, mas também de um texto problematizante com um documento que contém os princípios que regiam os líderes desse movimento. Porém, esse dado não é aproveitado na leitura dessa seção, e tampouco se faz o diálogo entre texto factual e texto problematizante sobre o mesmo assunto. Em vias de promover esse diálogo e explorar os conhecimentos do aluno sobre algum dado relativo a essa leitura, segue-se a proposta de reformulação da questão 2:

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(25) 2 – Comente os seguintes aspectos que envolveram a Coluna Prestes, utilizando, para isso, dados da subseção Coluna Prestes, do texto que a sucede, As lutas da Coluna Prestes, e do mapa da página 479: a) De que maneira nasceu a Coluna Prestes? b) Que princípios motivavam os militantes desse movimento? c) Quanto tempo durou a Coluna Prestes, e que Estados percorreu? d) Que efeitos esse movimento provocou, e o que se pode perceber sobre o poder do governo nesse período? e) Pense em algum movimento político ou social reivindicatório em seu tempo e estabeleça comparações entre esse movimento e a Coluna Prestes. f) Você acha que um movimento de natureza semelhante à da Coluna Prestes, nos dias atuais, poderia provocar efeitos nas formas de poder político constituídas atualmente? Que reivindicações poderiam ser feitas hoje? Essa sugestão de atividade apresenta estreita relação à proposta do item 16, que trata da Revolta de Canudos. Assim, como na atividade já dada, essa sugestão pretende favorecer o desenvolvimento de habilidades analíticas no aluno, por estimular a retomada de dados de diferentes textos recentemente lidos, contrastando-os ou associando-os para construção de significados em sua leitura. Esse tipo de atividade também mostra como podemos integrar informações lidas nos textos do material didático ao conhecimento prévio do aluno. Entende-se que a atividade Monitorando, relativa à etapa retenção de informações de Nelson & Narens, tem por papel promover a checagem dos dados recentemente lidos e que são relevantes à continuidade da leitura, como mostram as perguntas a, b, c e d da presente reformulação. Essa atividade de checagem precisa objetivar a formação de um corpo de conhecimentos sobre o assunto tratado no capítulo e, portanto, isso só pode ser efetivado se for explorado o conhecimento prévio do aluno em paralelo aos dados fornecidos pelo texto. O capítulo Revoltas na Primeira República é encerrado por uma seção textual dedicada ao Modernismo, movimento brasileiro que denota uma revolução nas artes. Há uma página dedicada ao assunto, em que encontramos, além do texto factual de Cotrim, a foto de um cartaz anunciando a Semana de Arte Moderna e o texto Modernismo e Antropofagia Cultural. Esse texto, embora se assemelhe graficamente com os textos problematizantes, é, na verdade, um material que reitera os dados apresentados no texto factual. Vale dizer que essa ocorrência, o conflito na formatação dos textos no capítulo, revela que o autor do livro parece não compreender a funcionalidade dos textos problematizantes para o ensino de

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História, a saber, a desconstrução dos fatos e o desenvolvimento do senso crítico dos alunos. Notem-se, quanto a isso, as seguintes figuras:

Texto factual com aparência de texto problematizante

Figura 4.8 – Página do livro História Global. Texto factual com aparência de problematizante (COTRIM, 2007, p.480).

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Figura 4.9 – Página do livro História Global. Texto factual com aparência de problematizante (COTRIM, 2007, p.481).

Na página seguinte, como mostra a figura 4.9, há um parágrafo final do texto Modernismo e Antropofagia Cultural, sucedido pela última atividade monitorando e pela seção de atividades Oficina da História, a ser comentada no tópico seguinte desse trabalho. Como esse texto não apresenta autoria, e sua linguagem é semelhante à dos textos factuais,

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com descrição e apresentação de informações, podemos atribuí-lo ao autor do livro didático. A atividade Monitorando, que sucede esse texto final, introduz a seguinte questão única: “Explique o que foi o movimento modernista brasileiro e em que contexto histórico-cultural ele se desenvolveu” (p. 481). Essa pergunta apresenta o mesmo nível de exigência das atividades dessa mesma natureza que a antecede: requer a leitura no nível literal, com reprodução de dados do texto factual, cuja formatação corresponde aos textos factuais já apresentados, e sequer retoma o outro texto factual com apresentação gráfica semelhante à dos textos problematizantes. De modo a confirmar essa afirmação, segue-se a sugestão de resposta a essa atividade, retirada do manual do professor: (26) O movimento modernista pretendia remodelar a arte brasileira, reagindo às formas tradicionais de artes plásticas e da literatura e à invasão cultural brasileira. Ele teve início na Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal, e foi possível em um contexto de mudanças, marcado pelas revoltas tenentistas, pela fundação do Partido Comunista e pelo crescimento e modernização das cidades. Nota-se que essa última atividade, do mesmo modo que ocorreu em todo o capítulo, não promove contato entre os dois textos relativos ao Modernismo, o que denota uma falha metacognitiva, porque o material didático não estimula o aluno a explorar dados resumidos no primeiro e confrontá-los com informações presentes no segundo. Entretanto, a viabilidade deste exercício se mostra, abaixo, na nossa proposta de reformulação, que pretende promover o diálogo entre os dois textos presentes no material sobre o mesmo assunto:

(27) Monitorando: 1 – Utilizando dados da seção textual Modernismo – renovação nas artes e do texto que o sucede no fim da página, Modernismo e antropofagia cultural, discorra: a) Sobre as influências culturais predominantes no Brasil e as formas como essas influências motivaram o movimento modernista. b) Sobre o cenário político-social do país na época em que surgiu o Modernismo. c) Sobre os objetivos desse movimento e as suas marcas no manifesto antropofágico. 2 – A partir da leitura do texto Modernismo e antropofagia cultural, pense: as manisfestações culturais no Brasil na atualidade – seja nas artes plásticas, seja na música etc. – são autônomas, ou derivam da antropofagia de outra cultura ou representação artística semelhante? Explique, justificando sua resposta.

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Tomando como base as análises desenvolvidas sobre a atividade Monitorando, de modo a constituir uma observação crítica acerca dos procedimentos que a envolvem, é necessário retomar o que os estudos em metacognição postulam em relação a tarefas dessa natureza. A ação metacognitiva de controle, em atividades como a Monitorando, relaciona-se ao estabelecimento de objetivos e busca da manutenção da aprendizagem, checando as informações coletadas através dos exercícios oferecidos por esse tipo de atividade e propiciando a autorreflexão nas tarefas escolares. Essa ação, na atividade Monitorando, se configura pela tentativa, no fluxo da leitura, de favorecer a administração dos alunos sobre as informações recentemente lidas, em busca da manutenção do conhecimento e da formação de um corpo de conhecimentos acerca do assunto tratado no capítulo. Entretanto, no material de Cotrim, essa atividade promove a tentativa insuficiente, como pudemos verificar nas análises já propostas, de checagem das informações recentemente lidas para auxiliar o aluno nas leituras seguintes, sobretudo porque não articula texto factual e texto problematizante nem na leitura dos textos tampouco nas atividades de compreensão. Além disso, não promove o contato entre os dados lidos e o conhecimento prévio do aluno, como, por exemplo, através da postulação de hipóteses, fazendo uso da ação metacognitiva de monitoramento, em que, através dessa busca pelo conhecimento sobre o assunto, o aluno poderia, também, reconhecer o seu nível de aprendizagem e avaliar o próprio desempenho na leitura. Considerando-se a relevância da ação metacognitiva do monitoramento para a aprendizagem, vale dizer que o emprego do termo Monitorando para as atividades de leitura de Cotrim é uma escolha livre do autor, dissociada dos pressupostos teóricos dos estudos em metacognição, como confirma a análise desenvolvida nesta seção. Se tivesse sido bem formulada, aproveitando-se da estratégia de monitoramento metacognitivo, a atividade Monitorando teria possibilitado ao aprendiz desenvolver uma auto-avaliação sobre falhas ou deficiências na percepção dos fatos narrados, acertos em relação a hipóteses lançadas sobre o desvelar de um assunto, e até julgar o nível de dificuldade dos conteúdos tratados nessa leitura. Entretanto, as atividades Monitorando do material de Cotrim falham porque se limitam, como um todo, à checagem de informações por meio de atividades cópia e colagem, sem estimular a suscitação de hipóteses ou a exploração do conhecimento do aluno. A atividade Monitorando poderia auxiliar na formação de um leitor capaz de adquirir conhecimentos acerca das informações gerais do texto, porque, ao solicitar um resumo de conteúdos lidos recentemente, gera uma familiaridade entre o leitor e o texto, estimulando a

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possibilidade de condução dessa leitura de maneira madura, e preparando o conhecimento já adquirido pelo leitor na leitura do livro para as etapas seguintes do capítulo, como bem salienta Samuels e colegas: (28) É exatamente o processo entre a primeira e a segunda leitura que permite aos leitores questionar a si mesmos acerca de conteúdos referentes ao texto, e checar falhas na compreensão. Além disso, o processo de voltar ao texto para propósitos de releitura pode construir oportunidades para novas percepções metacognitivas (SAMUELS e colegas, 2005, p. 55, tradução nossa). Em caráter sugestivo, apontamos que essa etapa da atividade de sumarização do livro, em meio à leitura do texto factual, poderia ser acompanhada por outras atividades metacognitivas que propiciariam maior envolvimento do aluno nessa leitura, como perguntas preditivas ou problematizadoras em relação ao desfecho do assunto abordado. No entanto, para que esse tipo de atividades de leitura atreladas à sumarização seja relevante, porque, quanto maior familiaridade o aluno tiver com o texto, maior a facilidade na leitura, vale reafirmar o porquê da insuficiência da atividade monitorando no material de Cotrim: • As atividades de leitura retomam apenas do texto factual; • As atividades carecem de articulação entre textos factuais e textos problematizantes. Isso deriva de um problema da própria disposição dos textos no capítulo, que, devido à ausência de dêixis discursiva nos textos, ressalta essa ausência articulatória e a falta de percepção do que é uma boa atividade de leitura; • Constata-se a presença de perguntas que se limitam ao nível literal de leitura, requerendo apenas cópia e colagem de informações. De modo a complementar os comentários acerca das atividades de leitura propostas pelo material didático elaborado por Cotrim, segue-se a seção que analisará as atividades de leitura que encerram o capítulo do livro, denominadas Oficina da História.

2.2.2.3 – A seção Oficina de História

No final do capítulo, a seção Oficina de História promove uma atividade de leitura com divisão das questões em subseções, na tentativa de conduzir o olhar do aluno para a relação de perguntas acerca dos conteúdos apresentados, da relação passado-presente e das

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mudanças sofridas devido aos fatos descritos, como proposto pelo autor do livro na apresentação do material (COTRIM, 2007, p. 5). Esse tipo de atividade, no período pósleitura, pode ser associado à etapa de recuperação das informações, como apontado pelo quadro de Nelson & Narens (1994), devido à sua característica de atividade voltada para a fixação dos dados e verificação da aprendizagem. Embora essas perguntas também induzam o aluno à cópia e colagem de informações do texto factual, elas são complementadas por questionamentos que valorizam a integração entre os dados fornecidos pelo capítulo e a situação social contemporânea ao aluno, suscitando o acesso a seu conhecimento de mundo, como segue no exemplo:

Figura 4.10 – Recorte de página do livro História Global. Atividades de pós-leitura. (COTRIM, 2007, p. 481).

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Essa seção, com as atividades que encerram o capítulo, se constitui de subdivisões que procuram representar os objetivos das questões que as compõem. A primeira subdivisão, Relacionando conteúdos, é composta por uma pergunta que busca a associação de fatos distintos presentes no capítulo, a saber, os movimentos revoltosos e o sistema governista do período. A segunda subdivisão, Relacionando Passado e Presente, é composta por uma questão que apresenta três tópicos, que procuram tecer contraste entre o sistema político do período tratado no capítulo, o século XX, e o sistema político atual. A terceira subdivisão, Mudanças e Permanências, é composta por uma questão que estimula o aluno a estabelecer relações entre conteúdos tratados em capítulos anteriores ao capítulo em que essa atividade se insere. A última subdivisão, Desenvolvendo Atitudes, contém uma pergunta que suscita o emprego do conhecimento prévio do aluno, relacionando-o ao assunto tratado no texto. A primeira questão dessa seção de atividades apresenta uma pergunta geral que, de acordo com a subseção que a intitula, busca a integração de conteúdos de distintas partes do texto, sem especificar se essas informações devem ser coletadas do texto factual ou do texto problematizante: “1 – De que forma os movimentos messiânicos representavam obstáculo ao coronelismo e à política dos governadores da Primeira República?” (p. 481). Retomando a leitura do capítulo, essa questão parece ser o tipo de atividade que promove integração de informações fornecidas pela leitura de diversas seções que constituem os textos do capítulo. De modo a confirmar essas postulações, segue-se a sugestão de resposta do manual do professor: (29) Os movimentos messiânicos apresentavam formas alternativas de organização social (já que a ordem oficial excluía os setores mais populares da sociedade), vinculadas à cultura popular, escapando do controle dos chefes locais e das autoridades do governo central. Nota-se, com essa sugestão de resposta, que essa questão pode motivar o aluno a promover inferências para a formação de seu raciocínio para a resposta, tendo em vista que a resposta dessa questão, como a sugerida neste trabalho, não está dada literalmente no texto, mas se constitui pela integração de informações de diversos trechos dos textos presentes no capítulo e, também, pelo raciocínio construído pelo aluno, o que é válido metacognitivamente. A construção do significado dos dados coletados na leitura, como proposto por atividades dessa natureza, é propiciada pelo processamento interativo da informação, em que participam o monitoramento e o controle metacognitivos no fluxo de atividades de leitura, com o objetivo de promover a associação de informações fornecidas no decorrer da leitura em

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História e a construção de conhecimentos, tornando válido o título dado a essa primeira questão do exercício “Relacionando Conteúdos”. A segunda questão desse exercício é introduzida pelo subtítulo “Relacionando Passado e Presente” e segue com o seguinte comando:

(30) 2 – Releia o trecho da declaração de princípios da Coluna Prestes (página 479). Reflita sobre as semelhanças e diferenças entre a situação político-social brasileira da década de 1920 e a de hoje. Com base no documento, responda: a) Como é caracterizada a situação política e eleitoral daquela época? b) Quais itens apontados no documento já foram, em certa medida, incorporados à atual democracia brasileira? c) Em sua opinião, há entre os itens apontados, alguns ainda insatisfatórios na sociedade brasileira atual? Justifique. (p. 481) Pode-se afirmar, inicialmente, que essa segunda questão se mostra interessante porque estimula o aluno a estabelecer contato, mesmo que tardiamente, com o texto problematizante relacionado à seção textual dedicada à Coluna Prestes. Nota-se, no comando da questão, que o autor busca explorar conhecimentos do aluno acerca de sua recente leitura do material didático, incentivando-o a relacioná-los a seus saberes acerca do cenário político atual, o que permite confirmar a relação entre essa seção de atividades à etapa de recuperação dos dados de Nelson & Narens, por promover ações metacognitivas de controle no enunciado da questão, viabilizando ao aluno promover um estudo autodirecionado, em busca da compreensão do que foi lido. Seguem-se as respostas a essa questão, extraídas do manual do professor, de modo a substanciar sucessivas observações e análises:

(31) 2 – a) É caracterizada como uma farsa, identificada pelo fato de o voto, não sendo secreto, se constituir em uma mentira. b) Ensino primário gratuito (o ensino fundamental de 8 anos), instrução profissionalizante e técnica (ao menos como formas alternativas de educação), liberdade de pensamento, voto secreto e liberdade sindical. c) Pessoal. Espera-se que o aluno relacione, entre os itens ainda insatisfatórios na sociedade brasileira atual: unificação e autonomia da justiça, lei fiscal, castigo aos defraudadores do patrimônio do povo e aos políticos corruptos e, de certa forma, auxílio estatal às forças econômicas. Baseando-se nas sugestões de resposta dadas, pode-se dizer que a questão 2 se caracteriza como uma tarefa que visa à associação de informações e à avaliação

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metacognitiva, porque, à medida que o aluno avalia os assuntos requeridos, é possível que ele também avalie a qualidade de sua leitura recente, na tentativa de verificar a capacidade de captar os dados mais relevantes para a construção de sua resposta. Há, nesses três itens, a exigência da enumeração e caracterização de fatos relacionados ao assunto do capítulo no primeiro item da questão; no segundo, nota-se o objetivo de conduzir o aluno a refletir sobre os itens enumerados na tarefa anterior, relacionando fatos passados aos processos políticosociais atuais; e, no terceiro, é requerida a avaliação pessoal do aluno sobre a situação política atual, com base no que foi explorado nos itens anteriores. Pode-se considerar, com base nessas avaliações, que essa segunda questão satisfaz ao subtítulo que a inicia, porque pode ajudar o aluno a relacionar dados do passado a outros atuais, ao requerer informações referentes à situação político-social tanto da década de 1920, como do momento atual. Metacognitivamente, essa questão pode ser avaliada positivamente, podendo-se relacioná-la aos três níveis de leitura propostos por Applegate e colegas (2002), porque, mesmo inserida em uma atividade relacionada à etapa final de aprendizagem, a de recuperação de dados, contempla os seguintes níveis de leitura: há o nível inicial de leitura, no primeiro item, recortando dados já lidos no capítulo; um nível intermediário, com a associação de distintas informações presentes no capítulo, viabilizando a construção de significados em leitura; e um nível mais complexo, em que são requeridas do aluno a retomada e a associação de dados de sua leitura ao seu conhecimento prévio sobre o assunto, podendo o aluno até alcançar uma leitura com estabelecimento de inferências. A terceira questão da seção Oficina de História é introduzida com o subtítulo “Mudanças e Permanências” e segue com o seguinte enunciado: (32) 3 – As contestações políticas, militares ou culturais ao governo ou ao poder dominante se restringiam ao Período da Primeira República? Para responder à questão, procure exemplos na história do Brasil durante o período colonial, o império e a época contemporânea. (p. 481) Podemos afirmar que essa questão também procura explorar o conhecimento prévio do aluno sobre aspectos históricos já estudados e também contemporâneos, proporcionando a exploração do material didático não somente no capítulo que apresenta essa seção de atividades, como também o aproveitamento de dados passados, ao buscar conhecimentos de períodos históricos anteriores à Primeira República. Para fundamentar esses comentários, segue-se a sugestão de resposta do manual, que relaciona aspectos do presente capítulo que compõe a presente análise, Revoltas na Primeira República, dados do conhecimento prévio

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que se possui acerca dos modos governistas do período Colonial, e os conhecimentos acerca do governo atual: (33) Pessoal. O aluno poderá citar os chamados movimentos nativistas e os que preconizavam a emancipação do período colonial, as revoltas durante a Regência e a primeira fase do Segundo Reinado, as lutas abolicionistas. Quanto à atualidade, deverá ser orientado a fazer um levantamento, em jornais, revistas e noticiários de televisão, da situação e ação de grupos sociais. Vale dizer, com base nas avaliações de algumas questões, que essa seção de atividades também proporciona ao aluno um ganho metacognitivo, porque permite a efetiva construção da compreensão em leitura, iniciando-se com o que se pode chamar de leitura literal, com perguntas que apenas exigem uma leitura com cópia e colagem de informações, passando-se a atividades com nível de exigência mais complexo, com a solicitação de inferências a partir de dada leitura e a exigência do emprego dos saberes do aluno na construção de significados. Essas atividades valorizam tanto a construção do conhecimento do aluno no fluxo da leitura, checando o seu nível de aprendizagem desenvolvido nesse fluxo, como também o saber do aluno na constituição do conhecimento em História, em que ele pode integrar, uma vez mais, as informações dadas ao seu conhecimento pessoal, como na questão que encerra essa seção de atividades iniciada pelo subtítulo “Desenvolvendo Atitudes”: (34) 4 – O que é política para você? As manifestações políticas se dão apenas por meio dos partidos e das instituições? Depois de refletir, responda: os movimentos messiânicos e as revoltas espontâneas também são atos políticos? (p.481) Nessa última questão da seção Oficina de História, o aluno é impelido pelas perguntas iniciais a acessar apenas seu conhecimento prévio, para, em seguida, retomar as informações recrutadas em sua leitura para construir uma resposta válida para a questão final. Isso se confirma através da consulta ao manual do professor, que sugere a seguinte resposta: “Pessoal. Espera-se que o aluno identifique tais movimentos e revoltas como atos políticos”. Uma atividade como essa requer, nitidamente, as ações metacognitivas de monitoramento, em que o leitor passa a refletir sobre sua atividade de leitura e traça hipóteses válidas na construção do conhecimento para essa questão, e de controle, em que se traçam estratégias de recuperação de informações e seleciona dados relevantes na constituição de uma resposta. Pensando essa última questão da seção Oficina de História, podemos retomar quatro aspectos de monitoramento metacognitivo na busca de informação, que podem ser

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relacionados à construção de uma resposta ideal em uma atividade dessa natureza, baseada inicialmente no conhecimento prévio do aluno para associar esse dado às informações lidas no capítulo para as sucessivas respostas da questão: busca de conhecimento prévio; busca de integração de informação para a formação de inferências; busca de associação entre materiais e informações do texto; seleção de informações mais relevantes para a leitura (SAMUELS e colegas, 2005).

4.2.3 – Considerações gerais sobre o material analisado

Pode-se afirmar, com base nas avaliações propostas até aqui, que em temos metacognitivos o livro de Cotrim não se apresenta como um material didático completo, que permitiria todo o cumprimento dos objetivos necessários ao ensino de História. Como indagar e pensar criticamente as questões apresentadas no capítulo Revoltas da Primeira República, que embasou a avaliação do presente estudo, se no fluxo dos textos factuais não há uma ancoragem dêitica de contato com os textos problematizantes? Em toda a extensão do capítulo, percebe-se que o autor, quando introduz um texto problematizante, não estabelece relação entre esse novo texto e o texto factual a que se refere, o que se evidencia no isolamento gráfico e visual desses textos. Os textos factuais apresentam-se, aparentemente, como meras descrições do fato histórico tratado em um dado capítulo. No cerne dessa estrutura textual, não há locuções de dêixis discursiva que apontem para o outro texto que se apresenta como complemento do texto factual. Após a análise empreendida sobre o livro História Global, de Gilberto Cotrim, podemos afirmar que nos parece que o autor dispõe os textos problematizantes como mera tentativa de satisfazer a determinação pedagógica dos PCN, que asseveram a relevância de a disciplina História promover um ensino fundamentado na leitura de textos problematizadores em vias de se construir um pensamento cidadão e crítico sobre os fatos históricos. Entretanto, nessa tentativa de não infringir a determinação dos PCN, nota-se que o autor apenas apresenta os textos factuais, ou seja, os seus próprios resumos, ao lado dos textos problematizantes desses fatos no mesmo espaço físico, sem direcionar o olhar do seu leitor para a maneira pela qual esses materiais devem ser conceptualizados para a construção de uma atividade de leitura com aproveitamento dos recursos de que o material didático dispõe. Esse direcionamento, que deveria ser propiciado pela dêixis discursiva, favoreceria uma leitura articulada dos textos presentes no material e satisfaria a orientação pedagógica dos PCN.

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Pode-se dizer que há certo diálogo entre as informações desses dois textos na seção de atividades que finaliza o capítulo do livro, a Oficina de História, especificamente na segunda questão. Porém, essa pequena ligação entre os textos parece ser insuficiente, porque é promovida, apenas, com um dos textos problematizantes presentes num capítulo que é constituído por mais cinco textos dessa natureza, que não são associados à leitura do texto factual nem no fluxo da leitura nem nas atividades propostas na seção final do livro. Em vias de mostrar uma sugestão de solução a esse problema em torno da constituição estrutural dos textos do capítulo e do diálogo necessário à integração dos textos presentes no mesmo espaço físico de uma página ou em distintas partes de um mesmo capítulo, segue-se a figura 4.11, em que se aponta a partir do texto factual a importância da leitura do texto problematizante no fluxo textual. Observe-se a interferência, como sugestão, em negrito:

     

Em relação aos fatos violentos ocorridos durante a Revolta da Chibata, segue-se, no excerto abaixo, um documento com depoimentos dos marinheiros rebelados. Leia-o com atenção, refletindo sobre as condições dos militares:

Sugestão de reformulação: Introdução da dêixis discursiva

 

Figura 4.11 – Página modificada do livro História Global (grifo na expressão que denota a dêixis discursiva) – (COTRIM, 2007, p. 476).

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O material de Cotrim, em relação à integração dos textos factuais aos textos problematizantes, deixa uma lacuna evidente. Por isso, pode-se afirmar que, se o livro didático História Global – Brasil e Geral promovesse, durante a leitura, a articulação dos textos factuais aos problematizantes, seria possível ajudar a construir a visão crítica do leitor, através dos documentos históricos problematizadores e questionadores dos fatos históricos e das atividades que exploram habilidades metacognitivas na seção Oficina de história. Essa sugestão apresentada na figura 4.11 visa a reformular a introdução dos textos problematizantes intercalados ao texto factual. Vale ressaltar as características e questões evidenciadas na análise empreendida sobre o livro História Global – Brasil e Geral, de Gilberto Cotrim, sublinhando seus aspectos positivos e negativos, bem como sua posição frente ao protocolo de análise fundamentado no quadro de Nelson & Narens (1994), em termos metacognitivos. Esse material divide seus capítulos de forma correlata ao quadro de Nelson & Narens, pois apresenta atividades de leitura nos três momentos que constituem a aprendizagem em leitura: •

As atividades de pré-leitura – correspondente ao estágio de aquisição;



As atividades de leitura no fluxo dos textos (denominadas monitorando) – correspondente ao estágio de retenção de informações;



As atividades de pós-leitura (denominadas Oficina de História) – correspondente ao estágio de recuperação de informações.

Embora a divisão dos capítulos seja interessante, cada seção apresenta características peculiares e apresentam problemas de organização bem como da disposição dos textos no fluxo da leitura. Em relação às atividades de pré-leitura, que se sucedem ao texto introdutório ao capítulo, podemos dizer que estão mal formuladas em termos metacognitivos, pois se caracterizam como atividades de leitura em nível literal, e não exploram as ações de monitoramento e controle metacognitivos. Em relação ao monitoramento, podemos afirmar que a atividade não explora o conhecimento prévio do leitor na introdução do capítulo, tampouco oferece questões suscitadoras de hipóteses sobre as motivações dos fatos históricos ou sobre o desfecho de dado conflito ou revolta popular, por exemplo. Em relação ao controle, a atividade não determina objetivos claros para essa leitura inicial, visando à introdução do aluno ao assunto tratado no capítulo. Deste modo, podemos classificar essa seção de atividades no livro didático História Global – Brasil e Geral como insuficiente em

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termos metacognitivos, por não promover o aproveitamento das ações de monitoramento e de controle na etapa inicial da leitura, ou seja, na etapa de aquisição de informações. As atividades monitorando, dispostas no fluxo da leitura dos textos, apresentam perguntas que indagam acerca dos fatos recentemente lidos na seção textual que a antecede. Essas perguntas, do mesmo modo que nas atividades de pré-leitura, estão mal formuladas em termos metacognitivos porque se mantêm no nível literal de leitura e porque não exploram as ações de monitoramento e controle das questões. Sabendo-se que essa atividade corresponde à etapa de retenção de informações, as perguntas deveriam explorar, segundo a ação do monitoramento, o conhecimento prévio do leitor atrelado às informações recentemente lidas, e poderiam propiciar, por exemplo, um bom julgamento sobre seu processo de aprendizagem nesse estágio tão importante de aprendizagem em leitura. Em contrapartida, o controle metacognitivo, nesse estágio, deveria ser aproveitado nas atividades monitorando em busca de objetivos de leitura. Deste modo, essas questões poderiam estabelecer, por exemplo, a associação de ideias entre distintas partes do texto e poderiam relacionar os textos factuais aos textos problematizantes, favorecendo a existência de um leitor que não se acomode às informações dadas e descritas no texto factual, mas que saiba problematizar os fatos, questionando a formação da sociedade em seu tempo. Como as atividades monitorando, no fluxo da leitura do capítulo, também se caracterizam por serem insuficientes, torna-se dificultosa essa integração de dados para a construção de significados. Além disso, as atividades monitorando ressaltam, em sua constituição, o problema da disposição dos textos no capítulo, que não favorece a associação entre textos factuais e problematizantes. Isso nos permite afirmar que, em termos metacognitivos, tanto a organização gráfica como o aproveitamento dos textos no capítulo é ruim, o que se evidencia com a ausência da dêixis discursiva, reveladora da não existência da intenção do livro didático de associar textos factuais e problematizantes. Enfim, as atividades que encerram o capítulo, na seção Oficina de História, fazem bom aproveitamento das ações metacognitivas de monitoramento e de controle, e correspondem de modo satisfatório à etapa de recuperação de informações. As atividades são proveitosas quanto ao monitoramento metacognitivo porque ressaltam a relevância do conhecimento prévio do aluno em certas questões apresentadas, estimulando-o a construir significados a partir do seu ponto de vista e a hipotetizar sobre certos fatos atrelados às suas consequências no momento atual, como comentado na seção anterior dessa dissertação. Em relação ao controle metacognitivo, os objetivos das questões apresentadas nessa atividade são bem claros ao aluno, como se pode notar através dos títulos das subseções da atividade: Relacionando

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conteúdos,

Relacionando

passado

e

presente,

Mudanças

e

permanências

e

Desenvolvendo atitudes. Cabe, entretanto, a crítica ao material de Cotrim em relação ao cumprimento das etapas metacognitivas na aprendizagem em leitura. Em linhas gerais, o capítulo é ruim quanto à apresentação dos materiais escritos, devido ao mau aproveitamento dos textos e da não exploração da funcionalidade dos textos problematizantes, que estão perdidos em meio ao capítulo. As atividades de leitura também são mal formuladas em termos metacognitivos e solicitam somente um nível literal de leitura, com cópia e colagem de informações, de um modo geral. Apenas a última seção de atividades se mostra satisfatória metacognitivamente e permitiria ao aluno perscrutar os textos produtivamente, indo do nível literal ao mais complexo de leitura, estabelecendo construção de novos significados a partir de seu conhecimento prévio. Mas será que um leitor que segue todo um capítulo sob a má tendência de não associar produtivamente os textos do capítulo, fazendo uma leitura mal orientada, sem se auto-avaliar e sem objetivos claros, conseguiria, no final do capítulo, se autoconduzir satisfatoriamente em atividades de leitura? Pensamos que não, porque o material didático precisa se organizar sob a mesma orientação metacognitiva desde seu início até o seu fim, auxiliando o olhar do aluno em sua leitura e mantendo uma disposição metodologicamente coerente. De modo a enriquecer a análise desenvolvida para esta dissertação e estabelecer contraste com o material de Cotrim, vale apresentar o livro didático História, de Divalte Figueira, que será avaliado na seção seguinte.

4.3 – Acerca do livro História, de Divalte Figueira

Segundo o seu autor, o livro didático História trata do ensino de História por meio de uma orientação simples e de fácil compreensão, abrangendo os acontecimentos e os processos mais importantes da história que contribuem para a formação do aluno como cidadão. Essas afirmações são destacadas na seção inicial do livro (FIGUEIRA, 2009, p.3). Neste material, os capítulos estão organizados da seguinte forma: •

Uma seção que apresenta textos introdutórios no assunto a ser abordado, em que também há uma parte chamada Pare, olhe e reflita, que propõe reflexões sobre o tema do capítulo;



São intercaladas no material algumas caixas com textos factuais destacados em paralelo aos textos factuais apresentados em todo o capítulo;

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Há caixas de texto intercaladas ao texto factual, com textos problematizantes contendo relatos de pessoas inseridas no momento histórico descrito, e trechos de textos históricos;



Há o destaque para atividades de leitura em duas seções finais denominadas Para sistematizar o estudo e Leitura e debate.

4.3.1 – A disposição por páginas dos textos do capítulo

O capítulo selecionado no livro didático História para análise é intitulado Brasil: crise e revolução na República dos coronéis, que contém seis páginas com textos e exercícios relacionados ao tema. •

Na página inicial, há, abaixo do título, um texto introdutório que apresenta, de um modo geral, os fatos principais do capítulo. No fim desse texto introdutório, encontra-se a seção Pare, Olhe, Reflita, que pretende promover, como dito na apresentação do livro, uma reflexão sobre o assunto tratado no capítulo. Essa seção é constituída por uma pequena caixa de texto que, semelhantemente ao texto factual, resume a situação da mão-de-obra no período da República Velha, e que possui uma foto do interior de uma fábrica de tecidos (Anexo 3).



A página seguinte contém a primeira seção do capítulo, denominada A insatisfação urbana, constituída por textos factuais que descrevem o referido assunto. Essa página apresenta a subseção Trabalhadores em luta, também composta por textos factuais. Neste livro didático, os textos factuais são dispostos em todo o capítulo sem destaque algum, enquanto os textos problematizantes, que apresentam críticas ou novos olhares sobre os fatos históricos, são dispostos com destaque no capítulo, como, por exemplo, em caixas de texto coloridas. Vale dizer que, nessa subseção do texto factual, dois temas são descritos com destaque: Anarquistas e socialistas e O ano vermelho. Esse destaque é marcado, no livro didático, por caixas de texto coloridas que, embora demonstrem a aparência de textos problematizantes, são constituídas por textos factuais que mantêm a continuidade do texto iniciado na subseção Trabalhadores em luta (Anexo 3).



Na terceira página, há um pequeno parágrafo referente ao texto factual da página anterior. Em seguida, apresenta-se a subseção Rebeliões Tenentistas, formada pelo texto factual e por uma foto dos rebelados envolvidos no movimento denominado Os dezoito do Forte. Cabe ressaltar que, acompanhando a tendência da página anterior, o destaque para o texto

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Semana de Arte Moderna é marcado pela diferença na coloração da caixa de texto, como acontece na página anterior, embora esse seja a continuidade do texto factual da página (Anexo 3). •

Nota-se, na quarta página, a continuação do texto factual, seguido pela segunda seção do capítulo, denominada A Revolução de 1930, constituída por um texto factual e por um mapa que revela o trajeto percorrido pelos revoltosos da Coluna Prestes (Anexo 3).



A quinta página do capítulo é composta pela continuidade do texto factual iniciado na página anterior, por uma caricatura relacionada ao movimento tenentista e por um texto problematizante intitulado Luís Carlos Prestes rompe com os tenentes, que contém um manifesto de Prestes relacionado a esse movimento. Vale notar que esse texto problematizante é apresentado por uma caixa colorida semelhante às caixas de texto que o autor destaca para certos temas no capítulo, como se verifica nos textos factuais destacados na terceira página. No texto factual dessa quinta página, nota-se a dêixis discursiva por meio da expressão “veja o boxe ao lado” que sinaliza a presença de um texto problematizante relacionado ao texto factual correspondente (Anexo 3).



A última página do capítulo é constituída por duas seções com exercícios que retomam os assuntos tratados. A primeira seção, denominada Para sistematizar o estudo, é dividida em três estágios: Análise, Trabalhando o contexto e Síntese. A segunda seção, denominada Leitura e Debate, é composta por dois quadros estatísticos relacionados aos conflitos da Primeira República e se segue por perguntas que relacionam os dados do quadro aos textos do capítulo (Anexo 3). A partir das descrições apresentadas sobre o livro História, de Figueira, é possível tecer

algumas considerações sobre a relação entre os textos no capítulo destacado para a análise nesta dissertação. Os textos factuais coexistem com textos problematizantes ao longo no material didático, entretanto esse capítulo permitiu verificar uma peculiaridade: o capítulo tende a apresentar o texto factual, que denota a visão do autor sobre o assunto, em maior quantidade, comparando-se aos textos problematizantes. Além disso, a disposição gráfica dos textos factuais é complexa porque, ora se mantém como um texto linear, sem destaque ou coloração, ora se assemelha aos textos problematizantes, sendo introduzidos por meio de caixas de texto coloridas. O autor, em seu livro, não facilita ao aluno a diferença de vozes entre os textos, pois não revela quando se introduz o próprio comentário e quando será introduzida a voz de outros autores em textos problematizantes que poderiam dialogar com o a voz do autor do livro, representada pelo texto factual. De modo a observar de forma mais

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completa a constituição do capítulo selecionado nesse material para análise, segue a seção a seguir, que trata de cada parte em particular.

4.3.2 – As partes do capítulo

4.3.2.1 – Os textos iniciais e as atividades pré-leitura

Os textos introdutórios aos capítulos são uma espécie de resumo dos fatos que serão narrados e comentados nos textos subsequentes. Na página inicial do capítulo Brasil: crise e revolução na República dos coronéis, apresentam-se dados relacionados ao funcionamento do poder republicano no Brasil e à formação de movimentos contestatórios desse poder, resumindo os fatos que serão abordados em todo o capítulo. Tanto o texto introdutório como a seção Pare, Olhe, Reflita exercem a função de preparar o olhar do aluno para as novas informações que serão oferecidas no capítulo. O destaque dado a essa estrutura textual se evidencia, como mostra a figura a seguir, pela formatação e pela coloração diferenciada em relação ao texto factual. Vale notar que o texto da seção Pare, Olhe, Reflita lança três perguntas exploratórias que buscam relacionar os conhecimentos dos alunos aos dados fornecidos, principalmente, pela foto presente nessa seção. No caso deste capítulo, há o comando dado aos alunos para formarem um grupo de discussão e para redigirem um texto com as conclusões do grupo; para constituírem essas etapas, lançam-se as seguintes perguntas: “há menores trabalhando na fábrica da foto?”, “A que tipos de acidentes esses trabalhadores estavam expostos” e “A que formas de exploração eles estavam sujeitos (considerando que nesse tempo praticamente não havia leis de proteção ao trabalho)?”

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Seção Pare, Olhe, Reflita com perguntas de pré-leitura.

Figura 4.12 – Página do livro História. Texto introdutório. (FIGUEIRA, 2009, p. 318).

De modo a realizar a atividade proposta por essas perguntas, o aluno deveria, no caso da primeira pergunta, observar precisamente a foto apresentada no fim da página, evidenciando, em sua resposta, os aspectos mostrados tanto no texto quanto também na foto: por exemplo, a precariedade das condições de trabalhado e a presença de crianças na mão-de-obra operária. Já a resposta da segunda pergunta mostra a necessidade de o aluno notar aspectos da indústria destacados na foto e estabelecer contato com seus conhecimentos atuais sobre os perigos que o trabalho numa indústria pode apresentar. A terceira pergunta, “A que formas de exploração

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eles estavam sujeitos (considerando que nesse tempo praticamente não havia leis de proteção ao trabalho)?”, requer uma resposta peculiar, porque precisa de um olhar contextualizado do aluno de modo a destacar a importância das leis trabalhistas para a mão-de-obra, comparandose o momento atual de nossa sociedade, em que essa lei está presente e se aplica, ao momento retratado na foto, em que não havia leis que protegessem o trabalhador ou regularizassem seu trabalho. Observando as sugestões de resposta para as questões de pré-leitura, podemos afirmar que essas perguntas limitam-se ao nível literal de leitura, apenas requerendo informações do texto: os alunos as responderiam fazendo apenas o recorte de dados presentes na foto; mas elas podem propiciar o alcance de um nível amadurecido de leitura. A terceira pergunta, por exemplo, “A que formas de exploração eles estavam sujeitos (considerando que nesse tempo praticamente não havia leis de proteção ao trabalho)?”, pode favorecer aos alunos a busca por dados de seu conhecimento prévio para relacioná-los a informações fornecidas pelo material didático. Como já vimos, atividades de pré-leitura dessa natureza são válidas porque podem viabilizar ao aluno a integração do seu conhecimento às informações presentes no livro, permitindo, portanto, uma construção de significados que promove o amadurecimento em leitura. Retomando o protocolo de análise sugerido por Nelson & Narens (1994), pode-se dizer que essa seção introdutória com perguntas de pré-leitura corresponde à etapa de aquisição de informações, e é favorecedora em termos metacognitivos, por propiciar, em termos do monitoramento metacognitivo, a construção de hipóteses e checagem da noção do aluno sobre dados relacionados ao assunto. Pensando essa atividade em termos do controle metacognitivo, podemos afirmar que ela é bem direcionada, e visa à construção de significados e à seleção dos dados relevantes no texto introdutório para a leitura. Entretanto, cabem algumas críticas à seção inicial e às atividades de pré-leitura no capítulo. Essa seção poderia ser complementada por outras perguntas que relacionassem diretamente a seção inicial aos processos históricos presentes no texto factual que o segue, e que questionassem o desfecho dos fatos narrados que seriam apontados nos textos factuais, a fim de promover a melhoria na qualidade da leitura e o cumprimento de parte dos objetivos do ensino de leitura em História previstos pelos PCN. É possível perceber que os primeiros excertos do texto inicial estabelecem contato com a realidade social vivida no século XXI, e com base nisso, segue-se uma sugestão de reorganização dessa seção do livro, que intercale, a excertos como esse, perguntas que explorem metacognitivamente o saber do aluno, fazendo-o

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refletir, também, sobre as motivações relacionadas ao título do capítulo, Brasil: crise e revolução na República dos coronéis, e sobre os possíveis desfechos dessas revoluções:

(35) 1 – Quais condições trabalhistas podem ser notadas a partir da foto, no início do século XX, e que podem ser comparadas às condições atuais de trabalho? 2 – A que formas de exploração os trabalhadores estavam sujeitos (considerando que nesse tempo praticamente não havia leis de proteção ao trabalho)?

4.3.2.2 – A seção Para sistematizar o estudo

No final do capítulo, a seção Para sistematizar o estudo promove uma atividade de leitura com divisão das questões em subseções, na tentativa de conduzir o olhar do aluno para o tipo de objetivo denotado por essas perguntas: “Análise”, retomando os conteúdos apresentados; “Trabalhando o contexto”, através do contato entre dados do passado e do presente; e “Síntese”, comentando certos aspectos tratados no capítulo, como mostra a seguinte figura:

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Seção Para Sistematizar o estudo

Seção Leitura e Debate

Figura 4.13 – Página do livro História. Atividades de pós-leitura. (FIGUEIRA, 2009, p. 323).

A primeira questão da seção Análise se caracteriza por requerer a retomada de dados lidos no capítulo e a capacidade de o aluno relacionar as informações dadas no seu comando às informações presentes no capítulo:

(36) 1 – A República oligárquica constituía uma estrutura de poder que se apoiava no controle que os coronéis tinham sobre os currais

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eleitorais. Nesse tipo de sociedade, a urbanização acabou sendo inevitavelmente um fator de desequilíbrio. Explique por quê. (p. 323) Como sugestão de resposta, formulada para este trabalho, podemos citar trechos presentes tanto na página inicial do capítulo, na seção de pré-leitura, como na página seguinte, no texto factual que trata da insatisfação urbana:

(37) Nas cidades, por exemplo, era crescente entre a população a rejeição das práticas políticas das oligarquias. A contestação popular ao poder dos coronéis se manifestou sobretudo na luta dos trabalhadores por melhores condições de vida e de trabalho e nas ações militares dos tenentes, que expressavam a indignação dos grupos sociais urbanos contra o domínio das oligarquias. O desenvolvimento urbano-industrial aumentou o número de operários e deu peso social e político à classe trabalhadora. Esse crescimento estimulou os operários a e organizarem em sindicatos e outras associações de classe para lutar por melhores condições de trabalho (p. 318, 319). Essa primeira pergunta revela ser o tipo de atividade que propicia a associação de informações fornecidas pela leitura de diversas partes que constituem os textos do capítulo. Esse tipo de questão requer o uso de habilidades de leitura em nível intermediário, necessitando que o aluno não somente copie e cole dados do texto, mas que também promova a integração de informações presentes tanto em seções textuais distintas do material didático, bem como do próprio conhecimento construído ao longo de sua leitura. Vale ressaltar que atividades de leitura dessa natureza, que podem ser associadas ao estágio de recuperação de informações do quadro de Nelson & Narens (1994), faz uso do monitoramento metacognitivo sob a forma da reflexão acerca do sucesso ou das falhas na estratégia de leitura empregada, em que o leitor pode avaliar, por exemplo, se consegue ou não articular dados lidos. Já o controle metacognitivo é requerido nessa atividade por meio de questões que requerem a checagem dos dados apreendidos na sua leitura do capítulo, fazendo a seleção de informações relevantes à formulação de respostas, denotando objetivos à leitura. No fluxo de atividades como essa, pode-se promover a junção e a associação de distintas informações fornecidas em meio à construção do conhecimento enciclopédico na leitura em História. A questão seguinte é, também, caracterizada pela retomada de informações lidas no capítulo, sendo iniciada por uma asserção que incita à pergunta que a sucede:

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(38) 2 – O movimento tenentista foi muito atuante no Brasil na década de 1920 e alcançou dimensões que se traduziram em grande ameaça ao governo. Que forças integravam o movimento e o que ele combatia? (p. 323) Esse tipo de pergunta induz o aluno apenas à cópia e colagem de informações do texto factual, pois requer dele a identificação de dados presentes na subseção iniciada na página 320, Tenentismo, como segue na sugestão de resposta formulada para esta dissertação:

(39) Movimento de jovens oficiais das Forças Armadas, o tenentismo propunha a moralização da vida pública, a adoção do voto secreto e a implementação de medidas em defesa dos interesses econômicos nacionais. Seu lema era ‘representação e justiça’. Em certo sentido, o movimento expressava o mal-estar da classe média e da população urbana, provocado pelo contraste entre a modernização da sociedade e sua submissão ao setor mais atrasado do país: as oligarquias agrárias (p.320). Como já visto, os estudos em metacognição propõem explorar tarefas que fazem uso da ação metacognitiva de controle, em termos de administrar os objetivos requeridos nas atividades de leitura para viabilizar a coleta ou a recuperação de informações. Levando em conta essa informação na análise da questão acima, que retoma um dado do texto factual, pode-se afirmar que a checagem dos conteúdos lidos é uma estratégia válida porque constitui a etapa inicial da leitura, satisfazendo aos propósitos de amadurecimento metacognitivo dos alunos na leitura e atendendo à proposta do ensino de História na ampliação dos conhecimentos do aluno sobre os fatos históricos do capítulo, formando seu conhecimento sobre o assunto. A grande questão que pode ser ressaltada é que a maioria das atividades de leitura desse livro não faz uso dessa estratégia como parte do processo de leitura, e muitas se atêm a apenas exigir a cópia e colagem de informações em leitura. A terceira questão relativa à seção de atividades Para sistematizar o estudo apresenta, seguindo a tendência das questões anteriores, uma afirmação contextualizadora acerca do período a ser questionado; a ela segue-se a solicitação da atividade, em que o aluno deve explicar sobre o período apresentado na afirmação introdutória. Vale dizer que essa questão apresenta de modo insuficiente o objetivo da atividade ao aluno, pois seu comando apenas descreve um fato histórico tratado no capítulo e, em seguida, solicita a explicação desse fato. Isso nos permite notar que essa é uma atividade que requer apenas o nível literal de leitura do aluno e que não apresenta um comando adequado, pois não notamos a presença das estratégias metacognitivas de controle, em vias de recuperar objetivamente as informações

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lidas, tampouco as de monitoramento, para verificar o fluxo das informações, avaliando o nível de aprendizagem, como se verifica a seguir:

(40) 3 – Apesar de derrotado nas eleições de março de 1930, Getúlio Vargas acabou subindo ao poder em novembro, no lugar do candidato vitorioso Julio Prestes. Explique o que aconteceu. (p. 323)

Essa atividade é apenas parcialmente válida em termos metacognitivos, porque, embora retome dados tratados na recente leitura do aluno, não apresenta perguntas orientadas metacognitivamente, em termos de monitoramento, com questões que aproveitem o conhecimento prévio do leitor, e, em termos de controle, através de questões que apresentem objetivos claros à leitura e que propiciem a associação dos textos presentes no capítulo para formação de novo corpo de conhecimentos. Essa atividade corresponde à etapa de recuperação de informações, segundo o quadro de Nelson & Narens (1994), mas se caracteriza pelas ações de cópia e colagem, sendo pouco favorecedora para o desenvolvimento das habilidades metacognitivas, em que o aluno pudesse aliar ao texto seu conhecimento prévio, ou até mesmo inferir e associar informações de partes distintas do capítulo, como verificamos na seguinte sugestão de resposta formulada para esta dissertação: (41) Getúlio Vargas atraiu a simpatia das classes trabalhadoras e o apoio dos tenentes e do Partido Democrático de São Paulo. Mesmo assim, perdeu para Júlio Prestes nas eleições de março de 1930 (...). O setor mais radical da Aliança Liberal, formado pelos tenentes, já queria pegar em armas para chegar ao poder, caso Getúlio fosse derrotado. (...) Nesse momento, Getúlio Vargas, que relutava em liderar um movimento armado, aceitou chefiar a revolução, apoiado pelos tenentes (...). Vinte dias depois do início da luta armada, em 24 de outubro, o alto-comando militar do Rio de Janeiro depôs o presidente Washington Luís e entregou o poder aos líderes revolucionários (p. 322). Nota-se, com a questão acima comentada, que o autor segue a tendência em solicitar, nas atividades de pós-leitura, resumos dos principais aspectos lidos no capítulo. Reiterando a característica insuficiente dessa atividade, podemos constatar que a resposta requerida nesse tipo de resumo está relacionada apenas ao texto factual, o que nos permite fazer algumas críticas. Embora esse tipo de atividade seja interessante metacognitivamente, porque busca a recuperação dos dados recentemente lidos, há falha por não promover o contato entre as leituras dos dois tipos de texto que discutem o mesmo fato histórico, a saber: o texto factual,

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que resume esse fato, e o texto problematizante, que critica ou apresenta uma visão contemporânea ao momento em que se deu esse fato. Como essa seção textual a que se refere a questão 3 pode estar relacionada ao texto problematizante que complementa o assunto tratado no texto factual, como denotado pela expressão dêitica presente no texto factual, a atividade de pós-leitura deveria, do mesmo modo, relacionar esses textos, como na sugestão a seguir:

(42) 3 – Com base na leitura dos textos A Revolução de 1930 e Luís Carlos Prestes rompe com os tenentes, comente o quadro político brasileiro indicado por esses trechos, destacando: a) As influências econômicas internacionais na política nacional de Washington Luís. b) Os fatores que nortearam a formação da Aliança Liberal. c) Como a Aliança Liberal influenciou a candidatura de Getúlio Vargas. d) O que o manifesto de Prestes revelou acerca de seus pensamentos sobre a política brasileira, e de que forma isso influenciou sua decisão em 1930 sobre o apoio a Vargas. e) Na conjuntura política atual, a formação de alianças entre distintos partidos em apoio a um dado candidato. f) A maneira pela qual as formas de governo atuais se manifestam para a constituição das alianças políticas. A questão 4 da seção de atividades Para sistematizar o estudo revela o favorecimento, em termos metacognitivos, da exploração do conhecimento prévio dos alunos na formulação da resposta exigida, por questionar informações que lhes são contemporâneas. Além disso, essa questão pode ser motivadora aos alunos, por incentivá-los a compartilhar conhecimentos em conjunto para a resolução da atividade, o que favorece a construção coletiva de um corpo de conhecimentos, e a pesquisa de dados em outras possíveis fontes às quais os alunos podem ter acesso:

(43) 4 – Nas décadas de 1910 e 1920, surgiram vários sindicatos em São Paulo e no Rio de Janeiro. A ação dessas instituições foi fundamental para a conquista de direitos que seriam legalizados após a Revolução de 1930. Com um grupo de colegas, faça uma pesquisa sobre o papel atual dos sindicatos na sociedade brasileira. (p. 323) A formulação da resposta relacionada a essa questão 4 precisa apresentar dados presentes no capítulo, como na página 319, que revela a importância da formação do sindicato para organizar e regulamentar o trabalho e os direitos dos trabalhadores. Nota-se que o

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objetivo dessa questão é, também, contextualizar a visão do aluno sobre esse assunto. Portanto, será preciso que essa resposta seja complementada por dados atuais que revelem o papel dos sindicatos em nossa sociedade, como essa organização tem trabalhado para garantir e lutar pelos direitos dos trabalhadores, e qual a influência política, por exemplo, dessa organização nos dias atuais. Baseando-se no comentário acima sobre o tipo de resposta que deveria ser dado, podese dizer que essa questão se caracteriza por propiciar a associação de informações e a avaliação metacognitiva, o que revela um aproveitamento das ações metacognitivas de monitoramento e de controle. O monitoramento tem lugar porque a atividade requer do aluno a busca de dados atuais sobre o assunto, e o controle é requerido porque a questão direciona o olhar do aluno para os períodos históricos necessários à pesquisa, deixando a possibilidade de se pesquisar em dados tanto dos textos do material didático, quanto de outras fontes de informação. Ainda podemos afirmar que, nessa questão, é possível que o aluno avalie, em termos do monitoramento metacognitivo, a qualidade de sua leitura recente, na tentativa de verificar a capacidade de captar os dados mais relevantes para a construção de sua resposta. O aluno também pode desenvolver sua leitura orientado por um objetivo, em termos do controle metacognitivo, em que é conduzido a refletir sobre fatos passados relacionando-os aos processos político-sociais atuais. Pode-se considerar, com base nessas avaliações, que essa quarta questão satisfaz o subtítulo que a inicia, Trabalhando o contexto, porque motiva o aluno a relacionar dados do passado a dados atuais, trabalhando distintos contextos históricos. Metacognitivamente, essa questão pode ser avaliada positivamente, podendo-se relacioná-la ao quadro de Nelson & Narens (1994), porque ela contempla algumas etapas de aprendizagem propostas. Essa questão parte do nível literal de leitura, no início do comando da questão, recortando dados já lidos no capítulo, a um nível mais complexo, em que são requeridas do aluno a retomada e a associação de dados de sua leitura ao seu conhecimento prévio sobre o assunto, e a junção desses níveis pode propiciar ao aluno a construção de novos significados para o que ele leu. A quinta questão dessa seção de atividades requer do aluno a formação de um texto crítico que sintetize aspectos principais da década de 20 no Brasil. A formação desse texto resumitivo deve conter, como a pergunta a seguir revela, informações sobre a situação político-social que se delineou nessa década para a constituição dos movimentos revolucionários, como a própria questão apresenta:

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(44) 5 – Na década de 1920, a sociedade brasileira passou por diversas mudanças. O movimento tenentista e a Semana de Arte Moderna de 1922 são dois exemplos disso. Faça um texto comentando a década de 1920 no Brasil. (p. 323) A resposta a ser dada a essa questão deve estar baseada na primeira seção de textos do capítulo, denominada A insatisfação urbana, que aborda os movimentos que constituíram a década de 20 no Brasil, como se segue na sugestão de resposta formulada para este estudo:

(45) A década de 20 foi marcada pela contestação popular ao poder dos coronéis, manifestada na luta dos trabalhadores por melhores condições de vida e nas ações dos grupos militares, que propunham a moralização da vida pública, a adoção do voto secreto e a implementação de medidas em defesa do interesse nacional. Esses movimentos demonstravam o mal-estar estabelecido entre a população urbana brasileira. Além disso, as manifestações culturais também marcaram os protestos realizados na mesma década e expressavam a insatisfação sobre o atraso estético que predominava nas obras nacionais. Essa rebelião cultural visava manifestar indignação em relação a esse atraso e defendia uma expressão autônoma da arte brasileira. (Resposta baseada nos textos das páginas 318 – 320) Conforme nossa sugestão de resposta a essa questão, pode-se afirmar que o textoresumo deve sintetizar aspectos presentes na seção introdutória do capítulo e na primeira seção do texto factual, A insatisfação urbana, revelando como se exercia o poder político nesse período e os fatores sociais e políticos que motivaram a formação de um sentimento de revolta entre a população brasileira. Esse texto deve comentar, como a questão sugere, aspectos do Movimento Tenentista e da Semana de Arte Moderna. Vale também acrescentar a esse resumo a influência da urbanização e dos movimentos sindicais nesse período. Uma atividade de síntese dessa natureza pode auxiliar na formação de um leitor capaz de agregar informações gerais do texto, porque solicita o resumo de conteúdos lidos recentemente, gerando uma familiaridade entre o leitor e o texto, estimulando a formação de um leitor maduro e preparando o seu conhecimento prévio para as etapas seguintes da atividade e do material didático. Além disso, o processo de voltar ao texto para propósitos de releitura pode construir oportunidades para novas percepções metacognitivas e promover a checagem das informações lidas, em que o leitor pode confirmar ou reorganizar os dados coletados. Vale ressaltar que o termo síntese, que intitula essa atividade, é perfeitamente aplicado porque apresenta o objetivo de verificar o nível informacional do aluno sobre o assunto

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tratado até aquela seção do texto e contribuir na formação do conhecimento sobre o assunto. Em caráter sugestivo, é possível apontar que essa etapa de atividade de sumarização de partes do texto factual no material de Figueira, como no material de Cotrim, poderia estar intercalada com atividades que checam recentemente uma seção textual lida, em meio ao texto factual, preparando o leitor para a etapa final de atividades, a pós-leitura. Pode-se destacar a importância desse tipo de atividade de leitura de sumarização para gerar proximidade entre leitor e texto, porque, quanto maior familiaridade o aluno tiver com o texto, melhor o desenvolvimento de sua leitura. O favorecimento desse contato entre texto e leitor pode gerar uma automatização da atividade de leitura, em que o aluno consegue empregar o mesmo procedimento na facilitação de leituras seguintes. Encerrando o capítulo, há uma segunda seção de atividades que complementa as atividades desenvolvidas na seção Para sistematizar o estudo, comentadas a seguir.

4.3.2.3 – A seção Leitura e debate

O livro didático História, de Figueira, apresenta duas seções de atividades que encerram o capítulo. A primeira seção, já comentada, retoma fatos descritos no capítulo de um modo geral, enquanto a segunda seção, Leitura e debate, aprofunda o olhar dos leitores sobre um aspecto importante tratado no capítulo, a saber, a questão trabalhista. Como pudemos verificar na figura 4.13, já apresentada na seção anterior, essa atividade é composta por dois quadros estatísticos que visam a revelar como a questão salarial motiva a formação de revoltas e de conflitos, como ocorreu no período descrito no capítulo, o início do século XX. O primeiro quadro compara os gastos com três fatores básicos à vida de um trabalhador: a alimentação, a manutenção da moradia e o poder de compra do trabalhador, o que torna possível concluir que o salário desde o início do século XX é insuficiente para os gastos mensais de um trabalhador. O segundo quadro reitera as informações dadas no primeiro, ao revelar que o maior motivo que conduz à formação de revoltas e greves entre trabalhadores são os baixos salários. Vale dizer que esses dados são fornecidos por um texto do ano 2000, como indica a fonte mostrada no livro:

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Seção Leitura e Debate

  Figura 4.14 – Recorte de página do livro História. Atividade pós-leitura. (FIGUEIRA, 2009, p. 323)

As perguntas dessa seção de atividades são estritamente relacionadas à leitura dos quadros, sendo possível perceber algum tipo de aproveitamento da última questão em termos metacognitivos, por requerer do aluno informações de seu conhecimento prévio:

(46) 1 – Podemos dizer que o primeiro quadro retrata uma situação de perda para os trabalhadores assalariados? Justifique. 2 – Explique porque o primeiro quadro ajuda a entender o segundo. 3 – Discuta com seus colegas de grupo a seguinte questão: como regra geral, numa situação de aumento de preços, ou seja, de inflação, quem são os que ganham e quem são os que perdem? Depois escrevam um texto com as conclusões do grupo. (p. 323) A primeira pergunta pode ser relacionada ao nível literal de leitura, exigindo do aluno apenas dados presentes no primeiro quadro. A sugestão de resposta dada a essa pergunta e formulada para este trabalho deve acompanhar o percurso salarial dos trabalhadores no tempo, que permitirá estabelecer conclusões, como verificamos abaixo:

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(47) Com a leitura do quadro, é possível notar que, no decorrer dos anos, o poder de compra dos trabalhadores tem diminuído drasticamente, enquanto os preços dos alimentos e o custo de vida de um trabalhador têm aumentado. Essas questões tornam possível concluir que há, sim, para o trabalhador, uma situação de perda. A atividade que contém essa pergunta é parcialmente válida no livro didático, porque, ao mesmo tempo em que estimula o aluno a compreender as informações de gráficos e promover uma leitura comparativa, a atividade não aproveita satisfatoriamente esse tipo de dado como um todo, em termos metacognitivos. A habilidade metacognitiva do monitoramento poderia ser aproveitada através de um questionamento que pudesse estabelecer comparações entre o cenário das condições trabalhistas no passado, apresentado pelo quadro, e a realidade trabalhista atual. Já a habilidade metacognitiva do controle poderia ser explorada em uma questão que direcionasse o olhar do leitor para objetivos claros em termos de leitura, com aproveitamento de dados já lidos no capítulo e associação aos dados do quadro. A segunda pergunta dessa seção de atividades solicita ao aluno a associação entre as informações presentes nos dois quadros, que tratam tanto da situação trabalhista como também da salarial, como podemos verificar na seguinte sugestão de resposta elaborada para esta dissertação:

(48) O primeiro quadro revela que, no período de 1913 a 1920, o poder de compra dos trabalhadores diminuiu. Enquanto isso, despesas como a manutenção de aluguel de casa e a alimentação mensal aumentavam gradativamente. Essa situação crítica em termos financeiros permite concluir que o segundo quadro evidencia a questão salarial como a maior motivação na formação de greves e de revoltas entre os trabalhadores. Embora o nível de leitura requerido na segunda questão seja literal, ela é válida metacognitivamente porque solicita ao aluno a explicação acerca dos dados do quadro, sendo possível pensar que esse tipo de comando da questão pode ser relacionado à ação de controle metacognitivo, com associação de dados de diferentes fontes textuais. A questão apenas se mostra insatisfatória por não apresentar características da ação metacognitiva do monitoramento, em que o aluno conseguiria estabelecer julgamentos sobre seu nível de aprendizagem e faria uso do seu conhecimento prévio na formação das respostas. Enfim, a terceira questão requer a reunião dos alunos em grupo para a formação de um corpo de conhecimentos acerca da questão financeira demonstrada através da leitura do

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quadro. Essa atividade exige a construção de uma resposta que englobe o conhecimento prévio do aluno sobre o grupo de pessoas que detém vantagem financeira, e sobre o grupo que se revela em desvantagem financeira diante da situação de inflação no país. Além disso, esse tipo de conhecimento poderá ser complementado pelos alunos com os dados fornecidos no texto, revelando a clara desvantagem financeira dos trabalhadores diante de inflação. Esse tipo de questão é válido metacognitivamente porque efetiva a recuperação de informações, ou seja, a terceira etapa de aprendizagem em leitura prevista pelo quadro de Nelson & Narens. A questão mostra satisfatoriamente o aproveitamento das ações metacognitivas de monitoramento e de controle, em que o monitoramento se mostra através da exigência do conhecimento prévio do aluno sobre o assunto tratado, e o controle é evidente com um comando que direciona o olhar do aluno para o tipo de situação a ser avaliada na formação da resposta, e determina o objetivo de construir coletivamente ideias sobre o assunto. Cabe ressaltar que, a fim de contemplar a seção de exercícios não explorada no material de Figueira, segue abaixo uma sugestão de apresentação desse tipo de atividade de leitura, completando as três etapas de exercícios de leitura previstas pelo quadro de Nelson & Narens (1994).

4.3.2.4 – O que o capítulo não apresenta

A análise do capítulo Brasil: crise e revolução na República dos coronéis permitiu notar que o livro didático História, de Figueira, não apresenta atividades de retenção de informações no fluxo da leitura do capítulo. Seguindo o protocolo de análise baseado no quadro de Nelson & Narens, pode-se notar a relevância de atividades dessa natureza, que visam à retomada de informações lidas no fluxo da leitura e à associação desses dados recentemente lidos ao conhecimento prévio do leitor. Segue, abaixo, uma sugestão de reformulação de um trecho do capítulo, com introdução da atividade de leitura:

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Atividade de leitura: Retomando e refletindo sobre os fatos

Figura 4.15 – Recorte de página com sugestão da atividade Retomando e refletindo sobre os fatos. (Figueira, 2009, p.320).

(49) RETOMANDO E REFLETINDO SOBRE OS FATOS 1 – Com base na leitura dos textos que compõem a seção “A insatisfação urbana”, explique: a) Os fatores que provocaram o clima de revolta social no início do século XX. b) A forma como os grupos sociais se mobilizavam e se manifestavam em busca de transformações no período. 2 – A partir das respostas dadas na questão anterior, compare: a) As condições trabalhistas do início do século XX e as condições de trabalho atuais. b) As formas de manifestação dos grupos sociais do início do século XX e as formas de manifestação dos grupos sociais do período atual.

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3 – Diga que fatores distinguem o cenário político-econômico do início do século do cenário atual. A partir dessas questões, pense sobre o possível desfecho desses fatos que geravam a insatisfação urbana e aproveite essas reflexões para a leitura dos textos seguintes do capítulo. Essa reformulação visa a mostrar as maneiras pelas quais esse tipo de atividade pode favorecer o desenvolvimento da leitura do aluno, promovendo a retomada de dados de diferentes textos recentemente lidos. Atividades de leitura dessa natureza ajudam a mostrar como podemos integrar informações lidas nos textos do livro didático ao conhecimento prévio do aluno.

4.3.3 – Considerações gerais sobre o material analisado

Vale ressaltar as características e questões evidenciadas na análise empreendida sobre o livro História, de Divalte Figueira, sublinhando aspectos positivos e negativos, e sua posição frente ao protocolo de análise fundamentado no quadro de Nelson & Narens (1994), em termos metacognitivos. Esse material divide seus capítulos de forma correlata ao quadro de Nelson & Narens, mas apresenta atividades de leitura apenas em dois momentos que constituem a aprendizagem em leitura: •

Textos introdutórios e atividade de pré-leitura (denominada Pare, Olhe, Reflita) – correspondente ao estágio de aquisição;



As atividades de pós-leitura (denominadas Para sistematizar o estudo e Leitura e Debate) – correspondentes ao estágio de recuperação de informações.

Falta, portanto, a etapa de retenção de informações, que deveria ocorrer no fluxo da leitura. Além disso, é possível ressaltar problemas relacionados à apresentação dos textos no fluxo da leitura (cores, tamanho da fonte), no que tange à disposição gráfica dos textos: a semelhança na formatação de textos factuais e de textos problematizantes deixa a leitura confusa. Em relação às atividades de pré-leitura, que se sucedem ao texto introdutório ao capítulo, podemos afirmar que estão mal formuladas em termos metacognitivos, pois se caracterizam como atividades de leitura em nível literal, e não exploram as ações de monitoramento e controle metacognitivos. Em termos de monitoramento, podemos afirmar que a atividade não explora o conhecimento prévio do leitor na introdução do capítulo,

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tampouco oferece questões suscitadoras de formulação de hipóteses, em que o aluno pudesse estabelecer uma análise comparativa entre as relações trabalhistas do passado e as relações percebidas no momento atual. O controle metacognitivo não é explorado porque a atividade não determina objetivos claros que favoreçam ao aluno a compreensão do assunto tratado no início do capítulo, e que o ajudem à leitura das informações apresentadas em todo o capítulo. Deste modo, podemos classificar essa seção de atividades no livro didático História como insuficiente, por não promover o aproveitamento das ações de monitoramento e de controle metacognitivos na etapa inicial da leitura, ou seja, na etapa de aquisição de informações. Vale dizer que, no fluxo da leitura desse material, não há a retomada imediata das informações recentemente lidas, e ele sequer apresenta atividades de retenção de informações. Verificamos que atividades de leitura no material de Figueira se desenvolvem apenas no momento de pré-leitura e de pós-leitura, deixando uma lacuna ao desenvolvimento da aprendizagem em leitura, segundo o quadro de Nelson & Narens, que tomamos como protocolo metodológico imprescindível aos materiais didáticos neste trabalho. Enfim, as atividades que encerram o capítulo, Para sistematizar o estudo e Leitura e Debate, fazem bom aproveitamento das ações metacognitivas de monitoramento e de controle, correspondendo, em certo ponto, de modo satisfatório à etapa de recuperação de informações. Essas atividades são proveitosas quanto ao monitoramento metacognitivo porque evidenciam a relevância do conhecimento prévio do aluno em certas questões apresentadas, favorecendo-o na construção de significados a partir do seu ponto de vista e na hipotetização sobre certos fatos passados que exerceram influência na constituição de fatos atuais, como comentado na seção anterior dessa dissertação. Em relação ao controle metacognitivo, as questões apresentadas nessa atividade são bem direcionadas e revelam, em seu fazer, objetivos claros ao aluno, e isso é ressaltado, inclusive, nas divisões em subseções da atividade: Relacionando conteúdos, Relacionando passado e presente, Mudanças e permanências e Desenvolvendo atitudes. Cabe, entretanto a crítica ao material de Figueira em relação ao cumprimento das etapas metacognitivas na aprendizagem em leitura. Em relação à disposição dos textos no capítulo, o material é ruim por causa do mau aproveitamento dos textos nas atividades de leitura e por não explorar a funcionalidade dos textos problematizantes, que parecem perdidos em meio ao capítulo. O autor também não trabalha convenientemente a distinção entre textos factuais e problematizantes. Ora ele introduz uma locução de dêixis discursiva para sinalizar a necessidade da leitura do texto problematizante, ora ele torna a formatação do texto factual equivalente a do texto

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problematizante, o que dificulta ao aluno notar a diferença entre a disposição e a funcionalidade desses textos. As atividades de leitura também são mal formuladas e exigem um nível literal de leitura, com cópia e colagem de informações de um modo geral. Apenas a última seção de atividades se mostra satisfatória metacognitivamente e permitiria ao aluno perscrutar os textos produtivamente, porque parte do nível literal e alcança o nível mais complexo de leitura. Deste modo, essas atividades favoreceriam ao aluno a construção de novos significados com base em seu conhecimento prévio. Cabe, aqui, o mesmo questionamento que encerrou nossa análise sobre o material de Cotrim: Será que um leitor que segue todo um capítulo sob a má tendência de não associar produtivamente os textos do capítulo, fazendo uma leitura mal orientada, presenciando conflitos na disposição gráfica dos textos, conseguiria, no final do capítulo, se desenvolver satisfatoriamente em atividades de leitura? Do mesmo modo que concluímos sobre o material anterior, pensamos que não, porque o material de Figueira precisa se organizar sob a mesma orientação metacognitiva desde seu início até o seu fim, a fim de manter uma organização metodologicamente coerente.

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5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise desenvolvida nessa dissertação denotou a importância dos estágios de aquisição, retenção e recuperação de informações para o estudo das atividades de leitura em livros didáticos, em particular de História. Com base no que já foi posto acerca dos livros didáticos no capítulo anterior, é possível destacar a correspondência entre os estágios de leitura, que auxiliaram na composição do protocolo de análise baseado no quadro exposto por Nelson & Narens (1994), e as atividades de leitura presente nos livros didáticos História Global – Brasil e Geral e História, fazendo a devida avaliação comparativa que pode ser ressaltada no seguinte quadro:

Estágios de leitura Livro

Estágio de aquisição

Estágio de retenção

Estágio

de

recuperação

Didático Atividades Textos introdutórios e atividades

de

pré-

leitura. Não

exploram

as

ações metacognitivas História Global – Brasil e Geral, de Gilberto Cotrim

de

monitoramento

(relacionadas

ao

conhecimento prévio do

aluno

e

seus

julgamentos de aprendizagem) e de controle (relacionadas ao direcionamento de objetivos de leitura).

monitorando. Atividades

de

leitura dispostas no fluxo

textual.

Atêm-se ao nível literal de leitura, com perguntas do tipo cópia-colagem de informações. Do mesmo modo que as

atividades

pré-leitura, exploram

de não o

monitoramento e o controle cognitivos.

meta-

Oficina de História. Atividades

de

leitura que encerram

o

capítulo.

Fazem bom aproveitamento do de monitoramento

e

do controle metacognitivos,

por

explorarem tanto o conhecimento prévio do aluno, e traçarem objetivos de leitura claros.

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Estágios de leitura Livro

Estágio de aquisição

Estágio de retenção

Estágio

de

recuperação

Didático Atividades

Para

sistematizar

estudo e Leitura e

Textos introdutórios e

debate. São ativi-

atividade Pare, olhe e

dades que encer-

reflita. Não

exploram

de

material

ao no fluxo textual ou

conhecimento prévio outra do

não

monitoramento apresenta atividade

História, de Divalte (relacionadas Figueira

ram

as

ações metacognitivas O

aluno

julgamentos

e

atividade

seus correspondente ao de estágio de retenção.

aprendizagem) e de controle (relacionadas ao direcionamento de objetivos de leitura).

o

o

capítulo.

Exercícios

bem

orientados

meta-

cognitivamente, explorando o monitoramento e o controle

metacogniti-

vos ao requisitar o conhecimento prévio

do

direcionar

aluno

e sua

leitura por meio de objetivos, respectivamente.

Essa análise também evidenciou a importância dos estudos em metacognição atrelados ao ensino de leitura, em que as atividades elaboradas nos livros didáticos precisam tornar os alunos conscientes das ações empregadas em seu fazer, visando à construção de significados. Para tanto, o capítulo anterior ressaltou a importância da elaboração de atividades de leitura fundamentadas em três estágios – aquisição, retenção e recuperação de informações – em que as ações metacognitivas de monitoramento e de controle são empregadas em vias de tornar o aluno consciente sobre a relevância de uma leitura direcionada à construção de significados. A ação do monitoramento presente nas atividades se configura como um auxílio à avaliação do aluno sobre seu próprio fazer em leitura e à motivação do emprego de seu conhecimento prévio associado às informações lidas. A presença do controle se verificou em

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relação à definição de objetivos que propiciem a aprendizagem nas atividades de leitura e, em específico, por meio da dêixis discursiva, como meio de direcionamento do foco do aluno na leitura dos textos de livros didáticos. O estudo desenvolvido nessa dissertação o seguinte questionamento para ambos livros didáticos investigados: Por que apresentar textos problematizantes, se sua funcionalidade não é explorada na leitura de todo o capítulo? Essa pergunta levou-nos à reflexão sobre o emprego de textos com distintas funcionalidades em um livro didático, mas que são pouco aproveitados ou sequer articulados para a construção de significados em leitura. Cabe lembrar que essa distinção também se constitui pela diferença de vozes que notamos nesses textos (voz do autor do livro no texto factual X voz de outros autores no texto problematizante). Como o texto factual é marcado por verbos do tempo pretérito, descreve os fatos narrados, procura demonstrar uma discreta avaliação dos fatos e não é assinado, podemos atribuir sua autoria ao autor do próprio livro didático. Já o texto problematizante geralmente é marcado por verbos do tempo presente e mostra a visão de pessoas da sociedade que participaram de dado evento narrado ou até a visão de outro autor sobre o fato, problematizando-o. Vale dizer que essa voz é claramente identificada pela assinatura de um autor no texto problematizante, entretanto é possível notar a predominância da marcação da leitura do texto factual em isolado, ou seja, da voz do autor do livro, e isso é também ressaltado pelas atividades de leitura. Deste modo, as hipóteses iniciais que suscitaram questões fundamentais a esta dissertação se confirmam, tendo em vista que encontramos um material didático constituído por textos factuais e problematizantes que não estão articulados, sendo que o texto problematizante nem é apresentado em um dos materiais estudados no fluxo da leitura e somente lembrado na última seção de atividades que encerra o capítulo. A ausência de expressões linguísticas no texto factual que remetam à leitura complementar dos textos problematizantes e a presença de atividades de leitura que pouco exploram aspectos dos dois textos na constituição de uma ideia também revelam os problemas dessa articulação. Os conceitos relacionados aos estudos em metacognição permitiram essa constatação, bem como viabilizaram a formulação de questões que sugeriram o aproveitamento dos textos de que o livro didático dispunha. Vale ressaltar a importância da dêixis discursiva na leitura de textos em livros didáticos, pois se trata de uma estratégia metacognitiva que, através de expressões lexicais, aponta e localiza porções textuais a fim de promover associação entre os textos do material didático. Esse recurso atua nos livros didáticos ajudando o leitor a enriquecer sua visão sobre os conteúdos. Como os estudos de História visam ao estímulo da formação de um aprendiz que

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saiba integrar textos, para desconstruir fatos e pensar questões relevantes à formação da sociedade, eleva-se o valor do emprego da dêixis discursiva nos livros didáticos, que pode favorecer a conscientização do aluno sobre a articulação entre textos factuais e problematizantes na construção de um corpo de conhecimentos para pensar sobre fatos históricos e até sobre as condições da sociedade em seu tempo. Então, nesse sentido, a dêixis discursiva é um auxiliar importante no cumprimento das determinações dos PCN. Esse estudo também trouxe à luz uma questão relevante para os estudos na área: a lacuna que existe em relação ao desenvolvimento da pesquisa em ensino fundamentada em conceitos relativos aos estudos em metacognição. Além disso, podemos ressaltar a carência de bibliografia em estudos na área em língua portuguesa, sobretudo porque diversos textos que fundamentam nossos estudos são encontrados em língua inglesa, o que denota a relevância desse estudo. Esperamos que este trabalho possa contribuir para os estudos da língua materna que enfocam o ensino, sobretudo de leitura, e evidencie a relevância do emprego das habilidades metacognitivas em auxílio à aprendizagem. Entende-se, a partir da análise promovida nesta dissertação, que explorar as ações metacognitivas de monitoramento e controle em atividades escolares podem tornar o aprendiz mais confiante e consciente das estratégias que utiliza em apoio à sua aprendizagem, e isso pode favorecer tanto o seu amadurecimento, como o bom aproveitamento do material didático, conduzindo-o à construção de conhecimentos.

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ANEXO 1 Páginas do capítulo Revoltas da Primeira República, do livro História Global – Brasil e Geral (COTRIM, 2007).

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ANEXO 2 Manual do professor com respostas referentes aos exercícios do capítulo Revoltas da Primeira República (COTRIM, 2007).

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ANEXO 3 Páginas do capítulo Revoltas da Primeira República, do livro História (FIGUEIRA, 2009).

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