UNIVERSOS, IDENTIDADES E AUTOCONHECIMENTO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS GRADUAÇÃO

UNIVERSOS, IDENTIDADES E AUTOCONHECIMENTO

CYBELLE MANVAILER GONÇALVES

Campo Grande - MS 2014

CYBELLE MANVAILER GONÇALVES

UNIVERSOS, IDENTIDADES MÚLTIPLAS E AUTOCONHECIMENTO

Relatório

de

Pesquisa,

apresentado como exigência parcial para avaliação final na disciplina Trabalho de Conclusão de Curso II da graduação em Artes Visuais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob a orientação dos Prof.ª Eluiza Bortolotto Ghizzi.

Campo Grande – MS 2014

Bem Vindo ao nosso Universo!

Expresso aqui, a minha gratidão, a meus familiares pelo apoio, pela colaboração e ajuda na compra de materiais e principalmente pelo imenso sacrifício e dedicação em respaldar minha vida para que eu pudesse concluir uma faculdade em tempo integral com tantas dificuldades emocionais e materiais nesse período, em especial a meus avós Neide Manvailer e Alcindo Manvailer, minha mãe Christina Manvailer, meu padrasto José Irany Fernandes e meu Tio Marcelo Adão, que se fizeram sempre presentes nos muitos momentos de dificuldades, mantendo meu respaldo financeiro para a minha graduação; e a meu pai Alberto Jorge que me felicitou com um carro, que amenizou bastante os sacrifício necessários ao período para que eu conseguisse melhor conciliação entre os estudos e as necessidades do meu filho; Gratidão também a Andréia da vidraçaria Imperial que deu apoio e incentivo à obra com parte dos materiais, Obrigada aos professores pelo incentivo e compreensão quanto à forma como se desenvolve minha mente hiperativa e sem parada para descanso, Especialmente ao Prof. Dr. Paulo Paes e a minha orientadora Prof. Drª Eluiza Bortolotto Ghizzi, que me ajudou em meio a um processo pessoal turbulento e com sua compreensão e com seu largo conhecimento me possibilitou grande liberdade no desenvolvimento da pesquisa teórica fazendo desse trabalho um processo prazeroso e interessante. E especial gratidão a meu filho Gabriel Henrique, que com muita paciência e sacrifícios, exercitou o máximo de sua compreensão e companheirismo diante dos inúmeros trabalhos, projetos e pesquisas, que por necessidade do período, tomaram muito de nosso tempo juntos. A todos a minha imensa e sincera Gratidão!

RESUMO Neste trabalho de graduação é apresentada uma pesquisa teórica, que aborda a formação de identidade do indivíduo contemporâneo tendo como foco principal um convite ao autoconhecimento como forma de desvelar nossas deficiências e particularidades sofridas ao longo da vida e achar um caminho de leveza e equilíbrio internos que se façam força maior diante das pressões cotidianas. Foram abordadas algumas relações estabelecidas pela mente, quanto ao emocional, intelectual e experiências vividas pelo ser humano, explorando as possíveis bases de seleção de conceitos formando personalidades e refletindo sobre as ações como consequências das mesmas. Para abordar as questões de construção internas, e as exigências do mundo contemporâneo em interrelações continuas entre os indivíduos, bem como os processos de seleção de informação pela mente e finalmente ao trabalho particular de fazer o caminho interno pelo autoconhecimento, recorremos a análises de área cientificas como, metapsicologia, semiótica, sociologia e neurociência e “filosofias” orientais consideradas não-cientificas. Para tal propósito, analisamos teóricos como Stuart Hall, Sigmund Freud, Rosa Cukier, Paulo Paes, Marilena Chauí, Chalhub et All, Nörth & Santaella, Osho, Chopra et All, Fred Travis e Tunner et All. Esses autores partem de perspectivas sociológicas, psicológicas, neurocientíficas, filosóficas e espiritualistas para abordar o surgimento das construções identitárias, das quais damos enfoque em especial às particularidades conflitantes, e o processo de equilíbrio e unificação das mesmas pelo autoconhecimento.

E

entendendo

como

funciona

a

apropriação

de

características individuais pela inter-relação entre as pessoas, uma obra de instalação apresentada ao público, fruto de pesquisa teórica sem referência direta de imagem, se propõe a uma reflexão sobre a responsabilidade do artista quanto ao uso de imagem, bem como, nossa visão de nós mesmos enquanto indivíduos, considerando nossa singularidade e, dos outros com os quais nos relacionamos, como vemos e somos vistos, em um convite ao se conhecer e se questionar, entendendo que antes da crítica alheia devemos fazer uma autocrítica e identificar onde estamos inseridos e, como nós relacionamos o meio externo, com esse espaço interno de nós mesmos.

Palavras-chaves: Identidade, Singularidade, Meditação, Autoconhecimento, Consciência.

ABSTRACT In this graduate work is presented a theoretical research which addresses the identity formation of the contemporary individual focusing mainly on an invitation to self-knowledge as a way of revealing our weaknesses and peculiarities suffered lifelong and find a way of lightness and inner balance to make greater strength in the face of daily pressures. They dealt with some links created by the mind, as the emotional, intellectual and experiences of the human being, exploring the potential of concepts selection of bases forming personalities and reflecting on the same actions as the consequences. To address internal construction issues, and the demands of the contemporary world in continuous inter-relationships between individuals and the information selection processes of the mind and finally to the particular job of making the internal path for selfknowledge, we turn to analysis of scientific area as metapsychology, semiotics, sociology and neuroscience and "philosophies" Eastern considered nonscientific. For this purpose, we analyze theorists such as Stuart Hall, Sigmund Freud, Rosa Cukier, Paulo Paes, Marilena Chauí, et Chalhub All, North & Santaella, Osho, Chopra et All, Fred Travis and Tunner et all. These authors start from sociological perspectives, psychological, neuroscientific, philosophical and spiritual for address the emergence of identity constructions, of which we focus in particular to conflicting characteristics, and the balancing process and unification of the same self-knowledge. And understanding how the appropriation of individual characteristics by the inter-relationship between people, a work of installation presented to the public in theoretical research result without direct reference image, it is proposed to reflect on the artist's responsibility for the use of image as well as our view of ourselves as individuals, considering our uniqueness and of others with whom we deal, as we see and are seen in an invitation to meet and questioning, understanding that before the others must make a critical self-criticism and identify where we operate and how we relate the external environment, with this inner space of ourselves. Keywords: Identity, Uniqueness, Meditation, Self-Knowledge, Consciousness.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Crianças fantasiadas de super-heróis...............................................38 Figura 2: Menino e ídolo super-herói................................................................39 Figura 3: Menino de super man........................................................................42 Figura 4: Signo e representamem......................................................................61 Figura 5: Emoção. Esquema signos derivados da emoção que se relacionam diretamente com signos imagéticos que por sua vez, derivam de signos- objetomatéria...............................................................................................................63 Figura 6: Modelo semiótico de relação humana, como exemplo, caso de abuso sexual.................................................................................................................67 Figura 7: Modelo semiótico de relação humana 2..............................................68 Figura 8: Semiose e possíveis interpretações originárias de outro signo...........69 Figura 9: Consciente e Inconsciente...................................................................77 Figura 10: Ciclo vicioso de ansiedade................................................................78 Figura 11: Subconsciente em conflito.................................................................85 Figura 12: Diminuição de atividade parte frontal cerebral durante sonho e outras áreas em atividade de reparação.......................................................................97 Figura 13: Estados da consciência relacionando conteúdo mental e senso de self. Aqui dois estados da consciência...............................................................98 Figura 14: Atividades cerebrais durante o sono.................................................98 Figura 15: Localização do sistema límbico.........................................................99 Figura 16: Áreas ativadas no cérebro para desenvolvimento de tarefas diferenciadas....................................................................................................100 Figura 17: Áreas cerebrais ativadas antes e depois do experimento................101 Figura 18: Tabela com quatro estados da consciência conforme pesquisa Dr. Travis...............................................................................................................104 Figura 19: Dimensão vertical da mente............................................................105 Figura 20: tabela do resultado de pesquisa por seleção do tipo de palavras, de respostas

de

questionários

dos

indivíduos,

por

software...........................................................................................................107 Figura 21: Meditação Shinsokan 1...................................................................114 Figura 22: Meditação Shinsokan 2...................................................................115

Figura 23: Livro de práticas da primeira infância da autora...............................121 Figura 24: Rosto coberto com atadura gessada e protótipos prontos..............130 Figura 25: Colocação de atadura no rosto........................................................131 Figura 26: Máscara de gesso e resina.............................................................132 Figura 27: Máscara de gesso lixada.................................................................132 Figura 28: Máscara com manta de argila e argila no silicone..........................133 Figura 29: Primeira fôrma para moldar.............................................................133 Figura 30: Modelo de gesso mergulhado em silicone.......................................134 Figura 31: Molde de silicone da máscara-fôrma-protótipo com gesso usado para produzi-lo.........................................................................................................134 Figura 32: Máscara-protótipo que não deu certo.............................................135 Figura 33: Máquinas para dar acabamento e, lixando máscara de massa plástica.............................................................................................................136 Figura 34: Protótipo para produzir fôrma-reprodutiva......................................136 Figura 35: Protótipo com vara para suporte na fôrma-reprodutiva...................137 Figura 36: Caixa fôrma 2º etapa.......................................................................137 Figura 37: Protótipo máscara dentro da fôrma para colocar silicone...............138 Figura 38: Vista de adequação do protótipo e, já com silicone na fôrma.........138 Figura 39: Silicone na fôrma final......................................................................139 Figura 40: Fôrma reprodutiva concluída...........................................................140 Figura 41: Correção de lateral com silicone bisnaga........................................141 Figura 42: Diluição de resina com thiner para P.U............................................143 Figura 43: Materiais de segurança para manipulação dos produtos................143 Figura 44: Máscaras super-heróis - gesso........................................................144 Figura 45: Preparo gesso.................................................................................145 Figura 46: Tiragem de máscara de gesso com fundo preenchido....................145 Figura 47: Rostos das crianças que formam caminho em frente ao meditante na obra..................................................................................................................146 Figura 48: Rostos de massa plástica (crianças), feitos a mão, sem fundo preenchido, nas fôrmas de atadura gessada....................................................147 Figura 49: Seixos brancos................................................................................148 Figura 50: Tenda branca..................................................................................148 Figura 51: Projeto virtual de instalação em perspectiva....................................151

Figura 52: Projeto virtual de instalação em vista superior.................................152 Figura 53: Teste de Montagem – 1..................................................................154 Figura 54: Teste Montagem – 2.......................................................................155 Figura 55: Máscaras Super Heróis...................................................................155 Figura 56: Chakras e as cores.........................................................................157 Figura 57: Efeito do equilíbrio e desequilíbrio dos chakras..............................157 Figura 58: Máscaras.........................................................................................159 Figura 59: Caminho crianças (detalhe) ............................................................162 Figura 60: Montando Instalação Memorial da Cultura, com modificações.......164 Figura 61: Instalação - Montagem final – Vários ângulos.................................173

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................13 CAPÍTULO 1 – ARTE E TRANSFORMAÇÃO .................................................. 16 1.1 - A arte e construção humana .................................................................... 16 1.2 – Primeira infância e criança interior no adulto ........................................... 22 1.3 - Os Super-heróis, identidades das aspirações humanas subconscientes e a influência na independência emocional da primeira infância ........................... 39 1.4 - Relações de identidade do indivíduo, sociedade e cultura ...................... 53 1.5 – Semiótica, ciência cognitiva e psicologia................................................. 61 1.6 Pesquisa: detalhes e observações sobre escolhas e desenvolvimento do projeto. ............................................................................................................. 83 CAPÍTULO 2 – MENTE, CONSCIÊNCIA E EXPERIÊNCIAS PESSOAIS: COMEÇANDO A INTEGRAR OS FRAGMENTOS DO INDIVÍDUO ................. 85 2.1 – Mecanismos de atenção da mente e experimentação de processos de autoconstrução. ................................................................................................ 85 2.2 – Consciência pura, funcionamento cerebral e benefícios pela Meditação como sugestão de prática para o autoconhecimento. ...................................... 96 CAPÍTULO

3



PROJETO

E

OBRA



IDÉIA

INICIAL

E

SUAS

MODIFICAÇÕES 117 3.1 - Pesquisas: detalhes e observações sobre escolhas de conteúdo teórico, desenvolvimento do projeto e minha relação particular com a obra na experimentação dos processos envolvidos na pesquisa. ............................... 117 3.2 - Produção, acabamento e montagem ..................................................... 130 3.3 - O convite: a filosofia do “EU” revelando a essência individual divina da totalidade essencial da criação - A Obra e os reflexos do “Eu” ...................... 153 3.4 Mudanças de última hora e Obra conclusa .............................................. 165 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 166 REFERÊNCIAS...............................................................................................171 APÊNDICE A - Portfólio ................................................................................. 174

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INTRODUÇÃO

É comum a todo ser humano a busca pela sua individualidade, sua vontade de ser único, reconhecido, amado e especial. A individualidade remete-nos muitas vezes à unicidade, mas como estar integrado em si mesmo com tantos detalhes internos ainda ou sempre em fase de construção? A vida é um aprendizado contínuo na busca da perfeição, da satisfação e da felicidade. E a arte nesse processo é um excelente professor. É o palco onde podemos nos ver de fora e visualizar melhor, entre outras coisas, tudo que faz parte de nossa formação e, assim, realizar a autocrítica e melhorar e aperfeiçoar nossa programação interna. Para tratar da necessidade da arte nesse processo recorremos a Ernest Fischer e a sua concepção da arte como meio de comunicação de informações que interferem diretamente no subconsciente do interlocutor, não podendo estar alheia às necessidades de construção e progresso humano individual e coletivo. A identidade é um conceito que genericamente refere-se a um conjunto de características que definem as particularidades de um sujeito. Essas particularidades começam na primeira infância e vão se desenvolvendo e se refazendo ao longo da vida, com as relações de troca (afeto, conceitos, experiências...) entre os indivíduos. Delimitamos aqui o foco nas relações familiares e sociais enfatizando a descoberta de cada detalhe do mundo em si e de si no mundo por parte do público. Entendemos o papel do artista como intermediário dessas descobertas, capaz de provocar o interesse por essa busca que ele próprio realiza em si mesmo. Com a Globalização como carro chefe das enormes mudanças no modo de se relacionar, as trocas culturais são tão rápidas e intensas que não nos damos conta do que absorvemos e refletimos em nosso dia a dia; estamos sempre distraídos de onde e como vem a informação, portadora de conceitos e valores dos quais nos apropriamos e as quais dividimos todos os dias. Trabalhamos aqui com as pertinentes considerações de Stuart Hall, que define o sujeito pós-moderno como um sujeito de identidades fragmentadas e muitas vezes contraditórias ou não resolvidas assumindo identidades diferentes em momentos diferentes. Cabe acrescentar que o assunto é demasiadamente discutível e discutido, dividindo opiniões dentro da comunidade sociológica pela complexidade

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do conceito “identidade”. O autor também esclarece, construindo a história desse sujeito, quanto ao desenvolvimento desse processo, definindo mais duas concepções de sujeito que antecedem na história o sujeito pós-moderno: o sujeito do Iluminismo e o sujeito sociológico. O sujeito do iluminismo se baseia numa concepção da pessoa centrada e unificada, baseada num núcleo interior e imutável. Já o sujeito sociológico considerava esse centro dependente e insuficiente e formado na relação com as outras pessoas. Tais caracterizações indenitárias, a formação de padrões, conceitos e escolhas no meio social por parte dos indivíduos nele inseridos e em relação com informações propagadas na contemporaneidade, são também objeto de estudo tal como abordado por Lúcia Santaella. Hall identifica as características que formam o sujeito contemporâneo e Santaella esclarece sua construção atemporal, por meio do contínuo processo de semiose, com as considerações de Marilena Chauí sobre a interferência cultural e social na formação individual e seus reflexos coletivos. Todas essas inter-relações familiares, sociais e culturais, de desenvolvem juntamente com fatores emocionais advindos de experiências ao longo da vida e principalmente durante a primeira infância, como esclarecemos com Sigmund Freud e Rosa Cukier. E após esse mergulho nos caminhos de nossa formação individual, sugerimos possível caminho de solução para problemáticas individuais, originárias de fragmentos danosos

absorvidos

durante

nosso

processo

de

desenvolvimento,

com

aprofundamento maior na eficiência de processos de autoconhecimento e meditação, através de experiências pessoais e, as considerações de Chopra et All e Osho, respaldadas pelas pesquisas do Dr. Frederic Travis, neurocientista que pesquisa os benefícios da meditação e esclarece sobre os estágios de expansão da consciência para unificação e reestruturação de nossa fragmentação interna. Com base nesses estudos sobre interferência social na construção da identidade e entendendo como funciona a apropriação de características individuais pela inter-relação entre os indivíduos, em consonância com seu passado histórico, consideramos o potencial das artes para a educação moral, intelectual e emocional do ser humano. Propusemos, associado a essas reflexões, uma obra que estimula a uma reflexão sobre nossa visão de nós mesmos e dos outros; sobre como nos vemos e somos vistos. O objetivo final desse processo é a descoberta do que de fato somos em nosso universo interno, uma reflexão principalmente nosso conceito de mundo e sobre a relação com nosso mundo. A obra de instalação, idealizada a partir desse

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caminho de se autoconstruir e principalmente solucionar conflitos internos, é nosso convite às práticas aqui sugeridas e desenvolvidas, para a abertura de consciência e compreensão de seus estágios. O nosso universo particular é o centro da atenção, bem como as consequências das nossas ações, que são a materialização dessa realidade existencial intangível sempre individual, única e intransferível que somos, mesmo que com muitas semelhanças com outras individualidades.

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CAPÍTULO 1 – ARTE E TRANSFORMAÇÃO

Começamos este primeiro capítulo entendendo os mecanismos de absorção e administração de informações por parte da mente, do ponto de vista sociológico, semiótico e metapsicológico, principalmente no que se refere a condutas nocivas, tanto ao próprio indivíduo quanto ao outro, e sua relação com a arte. Temos como referência neste primeiro capítulo autores e pesquisadores como Ernest Fisher (1997) com a noção de finalidades da arte como veículo de informação e aprendizado; Nörth et all (2005) com sua visão da semiótica, Marilena Chauí (2008) com sua filosofia sociológica; e Sigmund Freud (1920) com foco nos processos de seleção de prazer e desprazer se relacionando com o consciente e o subconsciente e determinando as ações e aspirações de um indivíduo.

1.1 - A arte e construção humana

Pensando a arte como forma de desvelar os segredos mais íntimos do ser humano para si, colocando-o em condições, através de muitas reflexões, de melhorar a si mesmo, moral, emocional e intelectualmente, motivar e exercitar sua capacidade criativa, de se fazer feliz, dissertamos sobre o desenvolvimento das interferências indenitárias pelas relações sociais, convidando a uma reflexão individual do leitor e observador da obra proposta, que poderá levá-lo a buscar a si mesmo dentro desse contexto, em conjunta compreensão da força da arte nesse processo reflexivo e da sua necessidade, para a junção de cada fragmento que constitui uma pessoa. À medida que a vida do homem se tornou mais complexa e mecanizada, mais dividida em interesses e classes, mais “independente” da vida dos outros homens e portanto esquecida do espírito coletivo que completa uns homens nos outros, a função da arte é refundir esse homem, torná-lo de novo são e incitá-lo à permanente escalada de si mesmo. [FISCHER, 1997, p.8].

Pensemos em uma relação mais profunda entre o homem e o mundo, uma relação consciente na construção coletiva, entendendo primeiro sua singularidade e tudo que a compõe e não somente visando a compensação por um equilíbrio

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ineficiente da realidade. Essa ineficiência está na acomodação diante das auto negações em nome da aceitação alheia, na falta de posicionamento, na não aceitação de alguns detalhes e sonhos de si mesmos, no substituir a realidade pela imaginação ao invés de aproveitá-la para gerar a realidade que a própria intimidade busca; enfim, é quando confundimos equilíbrio, que vemos aqui como aceitação de todas as nossas particularidade (sabendo como funciona cada uma delas para construções positivas), com acomodação e reprodução do fazer alheio e do desejo alheio. A mente costuma passar mais tempo no “stand by” do que na consciência do aqui e agora. Sofrimentos variados como traumas, ideias intoleráveis, sentimentos insuportáveis, conduta reprimida por padrões comportamentais delimitados (culturas familiares: preconceitos, regra de conduta considerada aceitável pelo meio próximo e que, por vezes, não dialoga com a sua construção de identidade), angústia ou vergonha e medos de aceitação, criam mecanismos de defesa emocional para ocultar segredos de nós mesmos para nós mesmos o que vai ser ou não notado. Nesses mecanismos de defesa e de repressão1, segundo Freud (1920) em seu ensaio Além do Princípio do Prazer de 1920, está a dor mental atenuando a percepção

consciente.

Sentimentos

combatidos

dessa

forma

deformam

a

personalidade e deturpam a atenção. Criam uma lacuna, como um mecanismo de atenção que gera um espaço defensivo na percepção consciente. Os medos e sentimentos nocivos, transpiram poluindo pensamentos e emoções. Para Freud (1920) a penalidade da repressão é a repetição. É o mais primitivo de todos os mecanismos de defesa. É o bloqueio das pulsões do ID no nível do inconsciente. Uma repetição mascarada para a consciência, já que a mente mantém não perceptível a ela os itens que causam sofrimento. É auto ilusão fantasiada de realidade. Observamos que por esses mecanismos se reproduzem também conceitos e valores em padrões de comportamento, que partindo da unidade (individuo) se estende ao conjunto (sociedade) Quando pensamos na necessidade e no papel da arte para a sociedade, pensamos antes na sua função e, a partir daí, observando-a desde suas origens, visualizamos como ela é adaptável e como sua função se modificou ao longo dos tempos. Fischer (1997) nos diz que a sua funcionalidade está sempre em diálogo 1

Mecanismos de defesa – São processos psíquicos inconscientes, que se manifestam para aliviar a tensão psíquica. Ex: Recalque, Projeção, compensação, racionalização, .... São recursos adotados pelo Ego (princípio de realidade), contra os impulsos provenientes do ID (Princípio de prazer).

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direto com as necessidades e aspirações de seu tempo, sofrendo modificações e se reiniciando a partir das necessidades do ser humano. Quando as pessoas vão ao teatro, ao cinema, ao museu ou leem um livro, procuram se distrair, relaxar e se divertir; não, porém somente pela fuga das dificuldades do seu dia mas, também pela identificação com as histórias contidas nos diálogos com os quais entram em contato e a partir dos quais conseguem sua união com o “todo”, como define Fischer a relação do indivíduo com o meio externo a si, com o outro. Sendo isso, sua expressão construtiva ou destrutiva diante do contato com qualquer informação externa, seja pessoa, sentimento, referência de conduta etc., em concordância com sua expressão subjetiva interna, pode colocar em evidência seus defeitos a serem eliminados e qualidades a serem reconhecidas e aprimoradas, ampliando as possibilidades de criação de sua realidade, como mostraremos adiante inter-relacionando os conhecimentos necessários para essa nossa observação. E estar com o “todo”, como descreve o autor, é conseguir a concentração de atenção real na cena ou tema, ou ambos, de forma que este observador se sinta realmente inserido no mundo e saiba em que posição se encontra nele, se algo em sua conduta precisa de modificação, a partir do momento que entende as consequências, ou de aprimoramento do que já funciona mas necessita de avanço, ou do que não está funcionando em sua conduta e sua vida. É aceitar todas as suas particularidades, mesmo que controversas ou, por vezes, incompletas ou deformadas, para que possam ser reconstituídas ou reconstruídas. É saber o que é seu mundo interno, o mundo coletivo e o mundo do outro; enfim, é saber como funcionam seus mecanismos de percepção e aprimorá-los, trazer esses mecanismos à consciência em cada conduta boa ou má, compreendendo sua origem. Vamos levalo agora leitor, pelo caminho onde cada detalhe que lhe identifica foi construído ao longo de sua vida, pois entendendo estes detalhes e seus mecanismos de expressão, você leitor, perceberá como a arte pensada ciente destes detalhes pode influenciar e se inter-relacionar com você. Observando a arte como meio de ligação entre o individual e o coletivo, num sentimento de pertencimento, que inicialmente, só alcança satisfação na relação conjunta equilibrada com a sua singularidade, bem como um meio influenciador de ligação entre o “eu” egóico e o “eu” essencial do sujeito2, percebemos que os detalhes 2

O eu egóico – Manifestações dos mecanismos de defesa.

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que nos diferenciam entre nós, são determinantes nas escolhas acertadas de construção interna e externa, mas não sendo possível conhecer todos os fragmentos que compões a singularidade do outro, com o qual nos relacionamos, entendemos que se conhecermos o processo de construção e expressão dessas particularidades teremos uma possibilidades maior de prever, modificar e melhorar nossa relação conosco e com o outro, seja no contato direto ou através da arte. “A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo com o todo; reflete a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e ideias. ” [FISCHER, 1997, pg. 13]. Mais ainda que isso, nas linguagens artísticas o indivíduo é capaz de se libertar das pressões cotidianas e de se observar no diálogo proposto, com o distanciamento e alegria necessários para que consiga identificar e sugestionar um caminho de solução para problemáticas individuais e talvez até as coletivas, a partir de uma reflexão equilibrada e sem as distorções de compreensão que confundam a razão e a emoção, prejudicando assim, a atenção da realidade presente. Refiro-me aqui aos mecanismos de defesa emocional do subconsciente que, por vezes, nos levam a condutas nem sempre justas e honestas, mas convenientes dentro de uma série de justificações de um centro de justiça distorcido nesse mecanismo de autodefesa, sobre isso nos aprofundaremos mais adiante à teoria Freudiana no subcapítulo 1.3 – Semiótica, ciência cognitiva e psicologia. Quando vemos, então, uma peça de teatro que trata de desigualdades sociais mostrando um lado doloroso e angustiado, esse exagero, seja na expressão do ator ou na comicidade, na seleção de focos em cena ou outro mecanismo técnico adequado a tal propósito, além evidenciar a problemática, favorece o espectador a pensar em si mesmo nesse contexto, a pensar no outro e, talvez, a visualizar soluções que lhe seja pertinente tomar, só que de forma leve e natural, sem a angústia e a ansiedade da vivência real do problema, já que nessa situação de espectador, este está se observando de longe como se passasse a ser o narrador da história, observando o personagem (que em certo sentido ele também é). Metaforicamente falando, fica mais fácil reescrever sua própria história observando o sistema

O eu essencial - sujeito em estágio de consciência onde não há dualidade, ou seja, não há julgamentos e comparações, somente escolha e consequência.

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operacional numa planta baixa, vendo-o de cima e identificando detalhes importantes desse processo. Na relação de observador com obras plásticas dependendo do grau de abstração da obra o processo é mais delicado e subjetivo. A percepção do observador se dá conforme as informações em conhecimentos que este possua para refletir e concluir idéias, pensamentos e opinião sobre a obra sendo necessária maior carga de informações / conhecimento e experiência, pois nas artes plásticas algumas obras não têm o mesmo caráter narrativo do teatro e, por vezes, podem ser bastante abstratas, como no caso da conceitual e expressionista. Por outro lado, sabemos que, as escolhas do ser humano no geral, também como espectador, antes de tudo, determinam esse caminho que pode ou não ser aceito e experimentado e/ou de que forma, e até que ponto, será vivido e percebido, para então ser modificado. E sabendo que cada ser vive sua unicidade em sua formação e, assim sendo, pode ter reações diferentes a situações semelhantes, temos, portanto, que considerar que antes da troca entre os indivíduos para sua construção e aprimoramento há de haver uma autoconsciência. Um caminho de autoconhecimento é então a relação com o outro, com a obra ou qualquer tipo de informação com a qual se tenha contato. É um caminho na busca de si próprio. Esses outros poderão estimular um mecanismo de identificação das problemáticas do Ser, e não a sua solução, que só será possível com muito trabalho de percepção do EU comigo, isso é, se observando, identificando, compreendendo e aprendendo. O interesse e o caminho que buscamos é o de compreender a natureza do Ser: as emoções que permitirão acessar imagens mentais relacionadas a conceitos e opiniões que o sujeito possua em seu sistema interno que, quando em contato com as obras de arte ou outras informações, poderão leva-lo de volta à sua mais primitiva e pura manifestação mental, livre de condicionamentos, crenças e estereótipos. Marx [apud Fischer,1997, pg.146] reconheceu que a arte tem o incrível poder de se sobrepor ao momento histórico, incitando permanente fascínio sobre o ser humano e colocando-o em contato com a sua mais pura humanidade. É então importantíssimo estimular e instruir o ser humano a essa forma de sensibilidade, como defendeu Marx apud Fisher. Fisher (1997), afirma que a arte é natural e inevitavelmente didática, mas nos caminhos que busquei, de autoconhecimento, me inserindo em todos os processos

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aos quais tive acesso (citarei experiências adiante), compreendi os processos de formação de nossa personalidade e das escolhas que fazemos, foi inevitável a observação de que a arte pode sim ter na maior parte das vezes caráter instrutivo e reflexivo, não sendo entretanto, a meu ver diretamente proporcional ao aprendizado e sim relativamente proporcional ao mesmo. Pois, se observarmos a arte, como veículo de conhecimento e informação, teremos que considerar que a seleção e absorção das informações só são possíveis através da escolha, a escolha de interagir com a obra, bem como a escolha feita pelo nosso aparelho cerebral e seus recursos de seleção originários das experiências vividas durante a vida. Sendo assim, não aprendemos diretamente ao contato com a obra, mas sim relativo a observação necessária para tanto, que façamos da obra. Podemos parar diante dela e só olhar cores e formas, etc, ou fita-la com mais aprofundamento de nossos diálogos mentais, que possam surgir, enquanto pensamos nela e não somente olhamos para ela. Ao passo que, se nos relacionarmos com imagens opressivas, elas se relacionarão com nossas experiências opressivas pretéritas e se nos relacionarmos com imagens construtivas, acessaremos em nosso eu interior imagens, lembranças, conceitos e experiências igualmente semelhantes. E quando tratamos de aprendizado tendemos a pensar em coisas positivas, mas a má conduta, também vem de um aprendizado, mas de experiências negativas. Os mecanismos de defesa aos quais me referi anteriormente e nos aprofundaremos adiante, através de vários autores, tendem a manter a mente, no passado, no futuro ou relacionar a outros indivíduos que representam uma experiência negativa vivida, fazendo com que estejamos constantemente desatentos do momento presente ocultando sofrimento que pudesse se apresentar como pendência a ser solucionada e assim sendo nos distanciemos de nosso EU mais puro pelo medo de reviver situações traumáticas. Sendo assim, o único caminho possível para essa transformação positiva é perceber, aceitar e ter a coragem de fazer modificações do nosso universo interno, digo aqui coragem, porque o enfrentamento interno desencadeia a exposição de todas as negativas protegidas pelo subconsciente, podendo ser um processo inicialmente doloroso. Entrando em contato com essa percepção em mim, passei durante a pesquisa a sentir um forte peso com relação à responsabilidade na criação do uso da imagem. Entendendo como imagem aqui algo que permeia tudo o que pode ser

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produzido pelo artista, desde a tela até à escultura que, apesar de ser objeto tridimensional, é percebida pela retina como imagem, tal qual outro objeto. Além da percepção fisiológica de imagens, temos também a mente, gerando imagens e fazendo constantemente relações delas entre si. Todas essas imagens percebidas, armazenadas ou geradas pela mente, mantém relação com emoções e conceitos, sendo portanto, informações que se inter-relacionam com a subjetividade individual do sujeito, seja ela de caráter emocional, imagético, sonoro ou linguístico. Tratarei portanto, a partir deste momento, todo objeto de arte como imagem e a imagem como informação para melhor entendimento da reflexão proposta.

1.2 – Primeira infância e criança interior no adulto Observemos, antes de tudo, nossas casas, pois é lá que se dão os primeiros contatos de apropriação de conduta e moralidade em nossas vidas. Ora, se o indivíduo se constrói dentro de relações interdependentes, de práticas, interesses e obrigações, seu primeiro foco se dá a parir do seu nascimento, na relação mãe e filho, já citada por Winnicott (apud PAES et al.,2012). Ao longo desse desenvolvimento e de seu crescimento psicossomático, físico e cultural, outras relações e situações vão interferindo na construção de identidade desse indivíduo, porém, a família não perde seu papel, antes serve de base de sustentação nesse processo, que pode ser positivo ou negativo, dependendo da forma como se dá. Descrevendo sobre essa construção condicionada por vários fatores no desenvolvimento dos adolescentes, Paes (et al., 2010), afirma que: “A maneira como ele lida com rápidas mudanças e novas experiências varia de acordo com sua história de vida”. Esclarece ainda, referindo-se a Osório, que: [...] não há um conceito unívoco de família e que podem ser encontrados conceitos advindos da sociologia, antropologia, psicologia e todos eles devem ser compreendidos sobre uma perspectiva histórica. Há uma multiplicidade de dimensões contidas nesse grupo social e a compreensão do conceito pode variar conforme a dimensão enfocada. Assinala ainda [Osório], que a família é a unidade básica de interação social; não basta situá-la como agrupamento humano no contexto histórico-evolutivo do processo civilizatório. (PAES et al., 2010, p.22,).

E cita: Família é uma unidade grupal onde se desenvolvem três tipos de relações pessoais - aliança (casal), filiação (pais/filhos) e consanguinidade (irmãos) – e que a partir dos objetivos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência e fornecer-lhe

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condições para a aquisição de suas identidades pessoais desenvolveu através dos tempos funções diversificadas de transmissão de valores éticos, estéticos, religiosos e culturais. (OSORIO, apud PAES et al, 2010, p.22).

Sendo assim, o autor, prioriza a dimensão que compreende as funções de proteção e cuidado formando a estrutura da personalidade do sujeito, devendo esta ser compreendida como produto de uma longa história de relações, que acontecem nesse cenário familiar (PAES et al., 2010, p.22). Em relação a isso lembro que é onde o artista, como qualquer outro indivíduo, também se encontra. O artista torna-se, além de fruto de seu cenário, um potencial influenciador de grande número de outros indivíduos pelo seu trabalho, que expõe e divide com outros, sua construção pessoal através de imagem, sendo esta acessível a todos, embora dependa da capacidade de percepção, do grau de conhecimento e das vivências de cada um. Winnicott, em seu livro Privação e Delinquência (2005), fala da relação mãe e família com esse indivíduo, e dos sentimentos de rejeição da infância. A força da confiança, se bem construída nesse processo, se torna porto seguro da jornada do indivíduo e, é fator primordial para o desenvolvimento de sua maturidade. Devemos entender, pois, a construção dos valores no indivíduo para que a interferência social e/ou externa em sua conduta seja positiva ao seu crescimento. Tomando como base os estudos de Paes (et al., 2012) sobre Winnicott, entendemos como se dá esse desenvolvimento individual e como ele se relaciona com seu meio, dependendo de sua construção ética, que se inicia no seu desenvolvimento emocional. Estudando minuciosamente as relações mãe-filho e as influências ambientais familiares como facilitadoras para o desenvolvimento humano, em sua Teoria do Desenvolvimento Emocional, Winnicott (segundo PAES et al., 2012, p.26), explica que a criança, ao nascer, é um ser indefeso, ainda desintegrado psiquicamente e necessitando de suporte adequado da mãe (ambiente – seu primeiro mundo é a própria mãe e sua relação com ela) para a construção de seu self, “consciência de si mesmo”, verdadeiro. Caso esse ambiente fracasse em sua responsabilidade de proteção ao bebê, ele, ao longo

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da vida, vai “fabricando” essa substituição; o chamado falso self, resultado de uma tentativa de proteger o self verdadeiro como um sistema de defesa. Chopra (et al., 2010), trabalha de forma aprofundada, do psicológico à relação religiosa, a questão do falso e verdadeiro self, em seu livro Efeito Sombra (2010). O verdadeiro self se relaciona com a essência do ser. Indivíduo com seu sistema

intelectual e

emocional ainda

livre

de

deficiências

culturais

(preconceitos, ganância, egoísmo, condicionamentos de conduta...) e/ou traumas por experiências negativas (desde agressões físicas, estupro até agressões psicológicas que geram nesse indivíduo sensação de incompetência e incapacidade, entre outras). Ou seja, esse jovem indivíduo, ainda está aberto às relações puras de amor, esperança e cooperativismo. O falso self (fruto das experiências negativas, defesa no ego), é um veículo da psique para sobreviver aos traumas que ficaram no sistema da memória, criando a ilusão de que com o reflexo de nova conduta pode-se evitar nova experiência dolorosa, o que inclui também grande culpa por parte do indivíduo traumatizado, mesmo que, na maioria das vezes este não tivesse meios para se defender (já que teve o amor próprio agredido por outrem que deveria ser responsável por este, que ainda se encontrava em processo de construção de valores e condutas). Isso seria o caso de alguém que, ao longo da vida e desde suas referências familiares até suas experiências posteriores, conheceu as relações homem-mulher em conflitos graves e não consegue assumir relacionamentos com seriedade ou escolhe nunca se casar (evita a dor numa autosabotagem). Ainda segundo Hartmann (apud CUKIER, 2008), self seria o ser total, incluindo o corpo; e ego apenas nomearia uma estrutura psíquica. Referimo-nos aqui, inicialmente, a crianças e adolescentes, porém o ser humano passa por esse processo ao longo de toda a vida, sendo mais difícil para o adulto lidar com problemáticas dessa ordem se na infância não teve base equilibrada, e não as trabalhou posteriormente, pois não terá referências de superação com respeito e ética. Resumindo, são conceitos e condutas relacionadas ao ego, como forma de sobrevivência emocional diante dessas experiências dolorosas. São como

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máscaras, personagens criados para a sobrevivência emocional diante de privações em ambientes agressivos, desequilibrados e hostis. Voltando à pesquisa de Paes (et al., 2012), sob essa perspectiva, os processos

de

base

do

desenvolvimento

emocional

são:

integração,

personalização e realização. A integração compreende a relação inicial da mãe com o bebê ainda no princípio da vida, suas urgências instintivas ou sua expressão agressiva; e o que vem da mãe, que Winnicott denominou holding e que está relacionada à ação de pegar nos braços, de demonstração de amor, ao vínculo físico e emocional entre os dois, fundamentará os primeiros pilares da construção de um desenvolvimento saudável. Na Personalização a criança começa a se perceber como algo além de uma extensão da mãe. Ainda com a mãe ela começa a entender seu próprio corpo na manipulação do corpo do bebê durante os cuidados de higiene, de vestir e nos jogos que a mãe estabelece com seu bebe. A possibilidade de adaptação à realidade é fundamentalmente possível através da apresentação de objetos pela mãe, que acompanha todos os momentos da evolução, começando pelo seio na amamentação, na apresentação do rosto, no olhar e assim por diante, iniciando o exercício mútuo de desenvolvimento de ação e reação (troca e cumplicidade) emocional. (Paes et al., 2012, p.27). Winnicott (apud Paes et al., 2012), ressalta ainda como capacidades para o desenvolvimento emocional normal da criança: a) “Capacidade de estar só” – “Se desenvolve a partir dos primeiros meses de vida e está intimamente relacionada com a relação entre a mãe e o filho”, à forma como o bebê absorve as funções maternas diante de sua ansiedade. O ápice da maturidade do desenvolvimento emocional, segundo o autor. b) “Capacidade de brincar” – é um modo de conter sua destrutividade e construir sua localização no mundo exterior e interior. Seu mundo de proteção, onde consegue manter o controle diferente do mundo real, novo e assustador. “O verdadeiro brincar, na idade adulta, é a expressão da espontaneidade, da liberdade e de criatividade”. [Paes et all, 2012, p.28] c) “Capacidades de envolvimento” – Se importar e se preocupar com o outro, de sentir e aceitar responsabilidades. “Essa capacidade é produto de todo

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um processo de adequado desenvolvimento emocional anterior e pressupõe uma completa organização do ego, consequência dos cuidados oferecidos ao bebê”. d) “Capacidade de desenvolver sentimento de culpa” – Conforme a criança vai interagindo os dois aspectos da mãe-objeto e mãe-ambiente, ela é envolvida por uma espécie particular de angustia chamada de “sentimento de culpa. Para Winnicott (1966), a ausência de sentimento de culpa é consequência da falta de confiança na figura materna, anulando o esforço de construção da criança em suas experiências iniciais e impossibilitando o processo de integração, não existindo unidade de personalidade ou senso de responsabilidade total por nada. Segundo Winnicott (apud Paes et al., 2012), a figura do pai também tem papel importante na construção do self da criança, com a função de mediador de equilíbrio da mãe para que ela possa exercer seu papel de cuidadora. Cabe ressaltar aqui que esse papel de pai e mãe não se refere exclusivamente a ligações consanguíneas, mas à ligação de cuidado, proteção, educação e amor dos responsáveis pela criança que, dependendo da forma como se dá, pode ser construtiva ou destrutiva. Na adolescência é dada continuidade à linha de vida já vivida pelo indivíduo antes. Sendo assim, na falta de exemplos de identificação estáveis, os adolescentes convivem com uma angústia e confusão, em meio a sentimentos avassaladores de vazio, comprometidos no seu desenvolvimento, que se reflete em ações violentas e destrutivas como forma de autoproteção e pedido de socorro. Winnicott acrescenta ainda que “a criança saudável chega à adolescência já equipada com um método pessoal para atender novos sentimentos, tolerar situações de apuro e rechaçar situações que envolvam ansiedade intolerável” (apud PAES et al., 2012 p.29).

3 - A Gravidade da Privação emocional para construção individual Tendo como base de estudo os processos de privação emocional, para melhor entendimento de indivíduos emocionalmente e moralmente deficientes, Paes (et al., 2012) cita Winnicott e Bowlby, dizendo que a privação é a vivência desde o início do desenvolvimento da criança que, sofrendo rupturas na relação

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com a família, em geral com os responsáveis mais próximos, “[...] é acometida de feridas psíquicas que podem perdurar até a vida adulta”. (PAES et al.,, 2012, p.38). Esses podem vir a ser os traumas e medos que desenvolve e com os quais passa a conviver para se proteger, ocultando o self verdadeiro. Tornam-se a sombra que impede o desenvolvimento pleno e cria prisões internas, deformando os conceitos de felicidade, amor e consciência do progresso coletivo. As privações emocionais dificultam a capacidade de abstração, elaboração e planejamento, sendo essas habilidades necessárias para a convivência social saudável do jovem. Há também outros determinantes externos (ou, mesmo, intraindividuais), como os sociais, para manifestações delinquentes, que podem ser agressões diretas à sociedade, quando esse quadro se encontra mais agravado pelas frustrações que esse jovem já carrega. Ou podem ocorrer agressividades e ataques ainda no seio familiar, que podem se agravar caso esse núcleo de proteção não perceba as necessidades desse indivíduo e reaja com a mesma agressividade ou indiferença diante da situação. A indiferença é uma forma de privação emocional, excluindo esse indivíduo do exercício de amor, troca e diálogo que o ajudam a formar opinião, respeitando as diferenças e sabendo se portar diante delas. A agressividade também priva ambas as partes da oportunidade de se colocarem um no lugar do outro, ouvindo e entendendo as angústias pretensões, necessidades e pontos de vista (como cada qual construiu o pensamento que defende), para que achem o equilíbrio de ideias e conduta nessa relação, com respeito e amor. Paulo Paes (2012, p.39) disserta que Bowlby (1995), seguindo o raciocínio de Winnicott (2005), demonstra a existência de privações diferentes, que têm diferentes resultados de atitude na vida adulta. Por exemplo, se a privação da criança foi contínua durante a infância, mais isolada e apática ela se tornará; perdendo a capacidade criativa e de interação social e, dificilmente, tendo atitudes de delinquência. Já a criança que experimentou uma relação amorosa com envolvimento de afeto com sua mãe ou parente nos primeiros anos de vida e, depois, perdeu esse envolvimento, tentará reestabelecer de forma inconsciente essa relação de amor que foi perdida, através de atitudes delinquentes não pensadas, mas,

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sentidas. Isso equivale a projetar aquele mundo da mãe (ambiente – objeto) sobre as outras pessoas da família ou sobre a sociedade, que é o mundo percebido além do mundo da mãe (que deveria ser sua base de sustentação de confiança e proteção). Na relação com essas novas pessoas que vão se apresentar e interagir com ele durante sua vida, ele vê e projeta a principal relação que exercitou em seu desenvolvimento, que é a relação com a mãe, sendo a mãe-objeto esse indivíduo novo com o qual está criando nova relação e/ou vínculo, e a mãe-ambiente a sociedade. Então, diante do sentimento de perda e/ou rejeição esse indivíduo terá maiores dificuldades em administrar e resolver dentro de si essa confusão emocional, pois não a conheceu anteriormente e não teve oportunidades de exercitar seu autocontrole e, assim, a agressividade se apresenta a ele como única solução, quase numa lei de ação e reação. No caso de apatia dá-se da mesma maneira; ele sente e reage, se isolando como forma de proteção. Enquanto criança ainda há uma leve consciência dessas deficiências, as quais ele reivindica e se apresentam mais fortemente na adolescência, quando o conflito mãe se choca com o conflito social, se agravando portanto. E, já na idade adulta, ele passa a ser envolvido pela capa da frustração, um sentimento de fracasso e quase uma autoculpa, que dificulta a identificação da raiz do problema. Criando uma parábola, seria como se esses sentimentos de rejeição e indiferença fossem trancados num quarto escuro dentro desse indivíduo e, ao longo dos anos e experiências vão sendo soterrado por caminhões de areia de frustração e negação, quanto mais o tempo passa mais difícil e doloroso será descobri-lo, porque nesse caminho de regressão emocional, necessário para esse encontro consigo mesmo, há toda essa areia, esse escuro e a chave desse quarto, que se encontrará lá nas lembranças com a mãe e a família. Quando a criança recebe suficiente e adequado cuidado materno e familiar, sua personalidade desenvolve-se de forma integrada durante os primeiros anos de vida, o que impede “... uma irrupção maciça de agressividade vazia de sentido.” (PAES, 2012, p.40), ou seja, ela entende o que desencadeou esse sentimento de raiva e aprende como lidar com ele através de diálogo e compreensão, controlando-o para resolver o que para ela é um problema.

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A criança que vive uma privação emocional não tem a possibilidade de desenvolver seu autocontrole a partir do seu próprio comportamento agressivo e destrutivo, o que vai acontecer mais tarde de uma forma não aceita socialmente, gerando sérios problemas de convivência social. Enquanto a criança mantinha uma relação saudável com a mãe e/ou familiares, era valorizada na sua capacidade construtiva e percebia que sua agressividade era suportada e contida sem a perda do afeto familiar. A ausência da capacidade de controle e dos limites da agressividade tem sua gênese na privação emocional causada por omissão, abandono, negligência ou violência propriamente dita. (PAES, 2012, p.40).

Segundo Winnicott (apud PAES, 2012), toda criança, em algum momento de sua formação, apresenta alto grau de destrutividade, mesmo as familiarmente integradas e felizes. Essa necessidade de manifestação agressiva é uma forma de aprender a lidar com sua agressividade desenvolvendo uma capacidade de socialização saudável. Os adolescentes apresentam essa agressividade mais tarde, não havendo mais ambiente social que a suporte. Como é criança normal? Ela simplesmente come cresce e sorri docemente? Não, não é assim. Uma criança normal, se tem a confiança do pai e da mãe, usa de todos os meios possíveis para se impor. Com o passar do tempo, põe à prova o poder de desintegrar, destruir, assustar, cansar, manobrar, consumir e apropriar-se. Tudo o que leva as pessoas aos tribunais (ou aos manicômios, pouco importa o caso) tem seu equivalente normal na infância, na relação da criança com seu próprio lar. Se o lar consegue suportar tudo o que a criança consegue fazer para desorganizá-lo, ela sossega e vai brincar. (...) Antes de tudo a criança precisa estar consciente de um quadro de referência se quiser sentir-se livre e quiser ser capaz de brincar, de fazer seus próprios desenhos, ser uma criança responsável (WINNICOTT apud PAES, 2012, p. 40).

Sendo assim, a criança, quando diante de situação que exige o controle externo, da família, tendo limite com rigor e entendendo que nem por isso perderá o amor dos pais, passa por um processo de tentativa de construção de seus impulsos, desconstruindo-os pelo limite e reconstruindo-os com consciência de virtudes como respeito, trabalho, perseverança, perdão e cooperação. E tendo aprendido isso no seio familiar, suas lutas e seu desenvolvimento tendem a ser menos dolorosos, já que aprendeu na terna infância a lidar com perdas e ganhos, emocionais e materiais. O mundo fora desse contexto tende a ser bem mais duro e menos amoroso, intensificando ainda mais, nesse sentido, a sensação de abandono, da incapacidade de ser amado e de ser independente. Não tendo satisfação no convívio consigo mesmo e orgulho de seu papel no contexto social. “[...] O limite

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é bem aceito pela criança quando essa se sente segura do amor dos pais” (PAES, 2012, p. 42). A criança antissocial ou agressiva está pedindo socorro às suas necessidades de estabilidade e de crescimento emocionais à sociedade, ao invés da família. A apropriação (da criança) de elementos do mundo à sua volta se dá pela invenção e pela imaginação, que têm sua raiz na realidade cotidiana. Ela cria e inventa para si um mundo particular a partir de sua mãe, de suas coisas, de seu quarto, numa construção mágica que faz a ponte entre o mundo família, que é sua base (mãe objeto-ambiente), e o seu próprio mundo que acontece fora desse, com novos personagens e elementos que vêm aparecendo ao longo de sua vida. Pensamos, neste ponto, que quando ela se identifica com um personagem de desenho ela está buscando a si mesma, seja no que se identifica com ela, ou no que ela espera de si mesma, capacidades que ela sinta que possui e que tem grande necessidade de extrair e exercitar. Da mesma forma pode relacionar personagens de seu contexto familiar a outros desse mundo de fantasia e buscar soluções através deles para seus problemas e conflitos. Vemos aqui, pois, a grande responsabilidade na criação de elementos visuais interferindo na construção individual do ser. As escolhas dos personagens para solução de suas problemáticas passam a ser referência de conduta para ela. Segundo Paes (2012), essa reflexão de controle do impulso levou Winnicott à outra, que é a necessidade de uma criança de dar mais do que receber. Tendo uma participação ativa no meio familiar, com permanente relação de condução e controle pela família, a criança sente gratificação por contribuir na construção de felicidade para o conjunto através da troca e cumplicidade, para construir a sua própria, identificando seu caráter destrutivo através da culpa e buscando a satisfação de ser amado através da construção de seu papel dentro do contexto em que se insere. Uma criança participa fazendo de conta que cuida do bebê, arruma a cama, usa a máquina de lavar ou faz doces; e uma condição para que essa participação seja satisfatória é que esse faz de conta seja levado a sério por alguém. Se alguém zomba, tudo se converte em pura mímica e a criança experimenta uma sensação de impotência e inutilidade físicas. Então facilmente poderá ocorrer uma explosão de destrutividade e agressão. (WINNICOT apud PAES, 2012, p.43).

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Tratamos até agora dessa construção da individualidade direto da raiz: sua terna infância (infelizmente nem sempre tão terna assim). Mas, quando a fase adulta se aproxima ou chega efetivamente, o que acontece com essa criança? Isto é, se esse indivíduo não amadureceu seu emocional de forma saudável, então a idade chega e a criança permanece? Segundo Rosa Cukier, em Sobrevivência Emocional: as dores da infância revividas no drama adulto (1998), emocionalmente guardamos “eus infantis”, que tiveram origem em situações indutoras de vergonha ou desconfirmadoras da essência da criança, que acompanham de forma imutável a experiência e posição iniciais junto com o adulto que se desenvolve; então, o adulto cresce com essa criança assustada dentro de si, ainda vinculada aos traumas e medos de seu passado, como se ainda os revivesse no seu presente, fazendo muitas vezes com que reaja negativamente ou fuja de situações que se pareçam com essas lembranças com cara de ação presente. Na mitologia de muitas culturas, essa ‘parte infantil no adulto’ representa a necessidade humana de recapturar a originalidade e a emoção da criança frente ao estresse e à extrema racionalidade do cotidiano”. (JUNG apud ABRAMS, 1990, p. 47). Cukier descreveu a criança interna como símbolo da totalidade da psique [...] (2008, p. 17). A atenção constante de problemas de adultos sobreviventes emocionais de famílias disfuncionais gerou uma consciência crescente de que o desenvolvimento emocional do indivíduo não necessariamente acompanha seu desenvolvimento fisiológico. Esses traumas podem ser fruto de incesto, agressão física, psíquica ou emocional. Cukier (2008) divide conosco diversos caso em graus diferentes que podem ter nefasto poder de destruição interna. Palavras mal colocadas pelo adulto, desconsiderando a ingenuidade e beleza interna dessa criança que ainda não se contaminou com as condutas vazias e egoístas da sociedade, podem chegar como um tornado no seu emocional. Cukier (2008) cita o exemplo de uma mulher que, quando criança, ouvia da mãe que ela (a criança) havia sido achada no lixo. Era uma brincadeira, o timbre de voz, as atitudes, não tinham peso nem agressividade, mas as palavras identificadas por essa criança vieram com tamanha força que, até a idade adulta,

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essa carregou certo sentimento de rejeição, inicialmente sem propósito pesando em seu desenvolvimento relacional. A preocupação com o desenvolvimento emocional já vem de muito tempo, mas ganha popularidade no trabalho dos Alcoólicos Anônimos, com filhos adultos de ex-alcoolatras, livros, workshops, e o seriado na TV de John Bradshaw (1988, 1990, 1992), um entrevistador americano que discutia e orientava problemas relacionais ao vivo em seu programa. O objetivo de trabalhar a criança interna nos adultos é fazer com que tomem a responsabilidade por seu comportamento atual, resultado de como vivenciaram suas experiências infantis, através da compreensão do forte impacto das experiências distorcidas precocemente em sua vida, entendendo assim o que fazem consigo mesmos. “Situações traumáticas, estressantes e desconfirmadoras limitam a percepção das escolhas na vida adulta. ” (CUKIER, 2008, p. 18). Quando, no desenvolver desse processo de se autoconhecer, começa a identificar a realidade emocional do adulto do presente e da criança do passado, ele vai aos poucos tomando a responsabilidade por essa criança, como se dialogasse com ela durante a revivescência desse sofrimento traumático, e dissesse a ela que não há mais o que temer, porque tudo aquilo já passou e agora ele (adulto) cuidará dela (criança – lembranças emocionais desse adulto). Então o Eu mais maduro fica responsável por providenciar proteção e cuidados para sua parte infantil. Esse adulto passa, assim, a descobrir novas formas de resolver problemas a partir de novos sentimentos, pensamentos e comportamentos que passa a expressar, permitindo também evoluções nos processos de entendimento moral, ético e prático no seu cotidiano. Inevitavelmente, aprende a se colocar no lugar do outro, percebendo a realidade interna e de construção de vida também dos outros personagens, nessa trama em que ele começa inicialmente

sendo

protagonista,

aprende

sobre

os

coadjuvantes,

protagonizando e refletindo internamente sobre a vivência de cada um, e volta para o papel dele mesmo com os vários pontos de vista que virão a gerar nova ótica sobre o problema, cortando as amarras do sofrimento interno. A intenção não é culpar e perdoar, mas sim se responsabilizar por essa criança que ele

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carrega dentro de si, já que só ele pode saber realmente o que ela precisa para ser feliz. Nós observamos que o teatro é uma ferramenta interessantíssima, refletindo sobre essa ótica, por ser o lugar onde se deve vivenciar várias realidades internas para refletir o personagem e, por não necessariamente estarem vinculadas a traumas internos, acrescentam novas óticas. Pelo processo direto de amor, sem necessariamente passar pela dor e vice versa, as experiências podem acrescentar nesse processo de construção da personagem. O mesmo reflexo interno-externo (artista) ou externo-interno (interlocutor) está nas outras áreas da arte, plásticas, dança, música. Tudo o que é produzido pelo artista vem do mundo (sociedade), passa pelo filtro que é ele, onde se encontram os traumas, medos, sonhos, esperanças, para depois se materializar, traduzindo o que ele é diante daquilo. Nos detalhes da obra ou da reação do público estão as verdades dessa pessoa, misturadas com a personalidade (o que a cultura e sociedade inseriram) e com o ego ou falso self (recursos de proteção psíquica e emocional que evita conflitos com a parte mal construída do indivíduo e os esconde atrás da personalidade). Exemplo: Personalidade – nome, vestuário, gosto por comida, objetos, locais, tribos...; Ego – conduta que esconde problemas internos: indivíduo que por convivência dolorosa com a imagem de casal, evita relacionamentos ou mantém vários ao mesmo tempo na tentativa de não se apegar e não sofrer. Pessoa que julga mal a outros por não a bajularem ou cumprimentar às vezes, refletindo indignação, dizendo que o outro é “metido”, onde na verdade é esse julgador que tenta se sentir tão importante que não pode deixar de ser visto e paparicado, escondendo na verdade uma imensa falta de amor próprio ou sentimento de rejeição. Caso, de fato, esse “metido” seja mesmo indiferente, o indivíduo bem construído, diante dessa situação, não se incomoda, não comenta nem se abala, e pode até igualmente não notar o outro dessa forma e ter como primeiros pensamentos que o tal “metido” deve estar num dia difícil, preocupado ou simplesmente distraído. Dessa mesma forma, pensamos que se dará a influência e reação no relacionamento entre público e artista. As primeiras identificações com a imagem se associam com outras imagens e/ou sentimentos já vivenciados. A pessoa

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diante da obra dará mais atenção ao que reconhece emocionalmente, começará a pensar e, a partir dos conflitos gerados com o que não reconheceu inicialmente, vai formular teses e relações entre o que identificou (que remetem a lembranças e experiências) e o que vem de “novo”, na proposta do artista. Esse pensamento, dependendo da construção, pode não se concluir, mas desencadear reações que se estenderão aos próximos dias, até que ele possa visualizar uma solução ou conclusão da problemática que se iniciou internamente, bem como uma solução imediata para desequilíbrios antigos onde só faltava uma nova pergunta. Para pessoas diferentes ocorrem processos diferentes na relação com o mesmo objeto e todos esses processos sempre vão além das intenções do autor produtor. Nesse imenso ciclo de construção interdependente está a sustentação da responsabilidade, através dos intelectualmente e emocionalmente mais favorecidos ou esforçados em conduzir, dentro de seu contexto, essa relação da melhor forma possível para o todo. Como esse produzir com responsabilidade passa por um complexo que abrange muitas outras áreas do conhecimento, sentimos a necessidade de nos aprofundar nas questões psicológicas, culturais e históricas, como uma responsabilidade que deve vir antes de nos relacionarmos e de exemplificarmos essas questões aos outros dentro do contexto artístico. Com isso evitamos dúvidas internas e podemos dividir o enorme caminho de trabalho, estudo e experiência, inevitáveis para que nós mesmos pudéssemos nos construir, não só nos pensamentos, mas, no nosso eu interno. Sempre penso em Moreno-criança, quebrando o braço ao brincar de ser Deus. Pior do que ter quebrado o braço um dia é ter decidido definitivamente parar de brincar de ser Deus, com medo de se machucar de novo. Resgatar a criança interna dos adultos é convidá-los a jogar o papel de crianças de novo, olhar seus braços e pernas esfolados e doídos, perceber os curativos de outrora e deixar algumas dessas feridas cicatrizarem de vez. [...] É, enfim, resgatar a espontaneidade e o assombro, para que o adulto torne a brincar e criar em sua vida.” (CUKIER, 2012, pg19).

É a sobrevivência emocional contra o atentado à espontaneidade e essência humana. Quem é essa criança? Já sabemos que o próprio adulto refletindo seu passado. Mas em que momentos ela pode trazer problemas? Segundo Cukier (2012), a criança ferida está vinculada a cenas motrizes que estruturaram

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inicialmente uma situação de defesa e, com o passar dos anos, acabam fazendo parte da identidade e do caráter do sujeito. Isto é, cenas marcantes, fortemente opressoras ao amor dessa criança, criam fortes raízes em seu intelecto a fim de identificar futuras situações semelhantes e permiti-la se autoproteger. Apesar de citarmos, mais adiante dessa pesquisa, relatos de pacientes de Cukier, esse é um problema pertinente à grande maioria da população, nesse mundo apressado e socialmente mal distribuído, no qual os problemas sofridos são transferidos para os filhos, que impensadamente transferirão aos seus filhos, num contínuo ciclo vicioso, que já tomou uma cara de normalidade pela frequência com que ocorre. A única forma de identificação e questionamento para essas questões, entendemos, deve ser o caminho do autoconhecimento. Só olhando para dentro, conhecendo nossos pontos positivos e negativos e entendendo as leis morais que regem o crescimento mútuo seremos capazes de questionar e, aí sim, decidir com consciência as nossas ações, já sabendo quais suas reações e saindo da escuridão na qual a maioria ainda vive. Particularmente, na maioria dos casos em que perguntei a alguém enraivecido o porquê de sua conduta ou agressividade ao lidar com uma criança que o desagradou, ou com um adulto com o qual se desentendeu, o sujeito se sentiu na obrigação de revidar, e a resposta foi: “Meu pai sempre me criou assim, e eu to aqui, ele também vai aprender! ”; ou: ”O mundo é assim! ”. Quantas vezes já ouvimos isso por ai ou em nossas próprias casas? Esse sujeito só reproduziu o pai, não raciocinou em único momento sobre o bem estar de seu filho e do seu mundo, visto como um mundo muito cômodo, onde a vida decide por ele para que ele não se dê ao trabalho de pensar. Concordamos que precisamos entender a diferença entre criar, educar e amar, como se completam e em que momento são adequadas. Comecemos pelo “criar”. No dicionário, a primeira definição de criar, entre outras, é ”dar existência a; tirar do nada; dar princípio a, imaginar, suscitar, fundar, instituir, educar, promover a procriação de (gado) ” [1975, p. 400]. Podemos perceber que essa palavra está mais perto do animal primitivo, tal qual a criação de animais domésticos com alimento, comida e moradia. Quero esclarecer que com esta colocação não questiono o uso do termo na língua, mas apenas convido à reflexão pelos caminhos que vamos descobrir aqui. Na definição de Educação

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encontramos, entre outros, a seguinte definição para criar: “Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral visando a sua melhor integração individual e social” [1975, p. 499]. Esta colocação é, com certeza, bem mais abrangente e reflexiva, o que não significa que todos reflitam sobre isso quando fazem uso dela. Convido a refletir. E, por fim, “Amor’. Essa é a palavra mais difícil de todas para definir; acredito que sua essência está além da definição que pode abranger o dicionário; está nas religiões, na filosofia e nas leis morais universais da psique humana (consciência). No dicionário encontrei definição de Amor, entre outras: “Sentimento que dispõe alguém a desejar o bem de outrem, ou de alguma coisa” [1975, p. 87]. Refletindo sobre cada conceito podemos ver qual é a visão de educação que tem o sujeito do exemplo citado anteriormente; e qual é a visão de si mesmo, não só pelo uso do verbo “criar”, mas pela forma como a colocou “... meu pai me criou assim e to aqui...”. Dá para perceber descontentamento e aceitação, ou melhor, aceitação de um descontentamento. “E nesse ”[...] to aqui [...]” não nos remete a uma questão de sobrevivência? De alguém que apesar dos pesares ainda está aqui, ou seja, vivendo, levando a vida? E quando o sujeito finaliza dizendo “ele vai aprender”, caberia antes refletir sobre o quê. Todo mundo se pergunta, cedo ou tarde, por que vive; e busca sua razão e motivação para viver e ser feliz; se esse sujeito teve sua criatividade, sua natureza de criança e sua espontaneidade podadas, feridas, oprimidas pelo pai, acaba, sem o auxílio do conhecimento e da reflexão, reproduzindo isso para seu filho, como um disco furado. No processo de se autoconhecer o caminho é esse que acabamos de fazer, refletir! Não só com as palavras, mas com as ações. Observei que para cada grito ou tapa que leva a criança, por perturbar a paz do adulto, enquanto ela corre com seu foguete rumo às estrelas pela sala, ou derruba um copo no chão por tentar se superar e fazer algo sozinha, para cada ensinamento duro que recebeu de seus pais, e os quais ela não os vê exercitando no dia a dia, para cada humilhação que ela passa porque o adulto está mais preocupado com o que os outros vão pensar ou falar do que com a sua necessidade de

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esclarecimento, com equilíbrio de disciplina e amor e respeito ao seu tempo de aprendizado, uma parte dela sangra, com seus sonhos assassinados pelos responsáveis pela sua proteção. Numa descrição breve Rosa Cukier (2012) deu quatro exemplos de quadros clínico que buscaram ajuda para sua criança interior: Paciente 1 – Empresário, bem sucedido, deprimido por problemas no casamento. Queixa-se de falta de atenção da esposa desde o nascimento de seu primeiro filho. Não consegue conter acessos de violência física contra a esposa ou objetos da casa. Cenas de infância: tem cinco anos, é madrugada, o pai bate na mãe. Tem quatro anos, quer colo, a mãe está cozinhando e os irmãos riem dele e o chamam de “maricas”. Paciente 2 – Mulher de 25 anos muito bonita que vive em isolamento social está sempre mudando de emprego, pois sente uma compulsão por namorar os chefes e pouco depois é mandada embora. Queixa-se de depressão e de ser perseguida pelos colegas de trabalho. Dentre várias cenas marcantes, duas se destacam: Tem seis anos, filha de empregada mãe solteira, que vem visitá-la aos domingos na casa dos avós. A mãe lhe cobra bons modos à mesa como vê na casa dos patrões. A menina sente-se inferiorizada perante as pessoas que admira. Em outra cena tem seis anos e pede a benção do avô mesmo sabendo que ele não a daria, pois sempre dizia que não abençoaria a filha bastarda de uma mãe que não prestava. São duas cenas que carregam humilhação, maus tratos e preconceito. Paciente 3 – Um homem de 27 anos com graves dificuldades no contato social, restringindo a vida da casa ao trabalho. Poucos amigos. Já se apaixonou e sente atração pelo sexo feminino, mas nunca namorou. Admira o poder que Adolf Hitler tinha para se vingar de quem não gostava e é acometido de muita raiva quando alguém o desconfirma. Na primeira cena, ele tem entre 4 e 5 anos, a mãe briga com ele e ele corre para o banheiro e morde a cortina de plástico para exprimir a raiva. A mãe o alcança e bate violentamente com uma vara de marmelo até que ele se curve e peça desculpas. Em outra lembrança ele está com 5 ou 6 anos e ganha um brinquedo de um porteiro de obra em frente à sua casa e é manipulado

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sexualmente. Mais tarde quando compreende o fato sente medo e inferioridade como homem. Paciente 4 – Executiva de uma multinacional, 35 anos, bonita e se queixa de problemas de interação social e vazio existencial. Acha que os homens não prestam e não consegue manter um relacionamento estável, bem como identificar o que gera a situação. Diz que sempre ajuda a todos e é tida pela família e no trabalho, como encrenqueira, estúpida e sente-se injustiçada. Lembra-se da despedida dos pais que imigraram da Europa. Conteve o choro, pois a mãe estava muito sensibilizada, então, comportando-se como uma “adulta equilibrada” para que a mãe não desabasse. Em outro momento, viu-se com 7 ou 8 anos, e a avó, que tem um mau casamento, confidencia suas intimidades (abuso psicológico) e diz que todo homem não presta. Então vamos refletir sobre essas quatro construções de vida: O paciente A via o pai bater na mãe, hoje bate na esposa. O paciente B ouviu por toda a infância que ela e a mãe não prestavam e assumiu o papel da “mulher que não presta”. O paciente C sofreu abuso sexual e se dobrava de humilhação de tanto apanhar, e busca em seus delírios de sustentação um Hitler que pode manipular as pessoas de acordo com sua conveniência. O paciente D ouvia sua avó expor a intimidade afetiva e sexual e, sem compreender, passou a viver a realidade de homens que não prestam. Cada uma a seu modo repetem o drama infantil, mas há também a possibilidade de construção no extremo oposto do que vivenciaram. A criança, ao perceber que o adulto está sendo injusto ou abusivo, sente raiva, mas fica passiva, pois não tem força física para se defender. Tal submissão forçada por sua fragilidade gera sentimentos de vergonha, humilhação e inferioridade que não são esquecidos, por maior esforço que o indivíduo faça para mascará-lo. Nesses momentos de tensão a criança, em sua psique, faz uma espécie de pacto de vingança, de modo que quando crescer não permitirá que façam aquilo com ela novamente ou com as pessoas que ama. Em suma, por trás desses adultos tem uma criança tentando manter seus projetos de vingança atrás de uma dignidade perdida, sem perceber que se tornou aquilo que mais odiava, pois não tinha referências diferentes daquelas condutas.

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1.3

-

Os

Super-heróis,

identidades

das

aspirações

humanas

subconscientes e a influência na independência emocional da primeira infância Figura nº 1: Crianças fantasiadas de super heróis.

Fonte: http://www.nossauniao.com.br/blog/casamento-real-com-super-criancas/

A escolha dos super-heróis partiu do tema da criança interior como base de construção do indivíduo. Observamos aqui a força de referência filosófica pela qual pode ser observado os personagens dos quadrinhos bem com a influência destes pela indústria midiática na diferenciação do self em crianças. De acordo com Weschenfelder (2012),Toda infância tem seus superheróis de referência, e mesmo os mais antigos, vem se reinventando ao longo dos tempos pelas novas tecnologias e hoje movimenta bilhões na indústria cinematográfica. Essas novas adaptações da cultura POP dos quadrinhos para a linguagem da atualidade, não só tem força econômica e de entretenimento mas também trazem grandes discussões filosóficas proveitosas para o universo infanto-juvenil. Trazendo questões de enfrentamento diário comum a todos nós, seres humanos como a ética e a moral, Responsabilidade pessoal e social, à justiça, ao crime e ao castigo, à mente e as emoções humanas, à identidade pessoal, à alma, à noção de destino, ao sentido de nossa vida e ao que pensamos da ciência e da natureza, ao papel da fé na aspereza deste mundo, a importância da amizade, ao significado do amor, à natureza da família, às virtudes clássicas como coragem. [Weschenfelder, 2012, p. 2].

Entre outros é o que fazem destas personagens tão encantadoras e atraentes aos nossos olhos nos despertando quase que instantaneamente uma identificação com nossa conquistas, faltas e aspirações.

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Figura 2: Menino e ídolo super herói.

Fonte: http://vambebe.wordpress.com/2013/05/29/o-espetacular-homem-aranhaandrew-garfield-faz-a-alegria-das-criancas-vestido-como-o-heroi/

O autor do artigo os Super-heróis e essa tal filosofia (2012) esmiúça essas questões dentro do universo de alguns personagens. O Homem-Aranha por exemplo, é um adolescente em guerra interna como qualquer outro adolescente, tentando vencer as tentações cotidianas e as confusões de seus processos de maturidade. Peter Parker perde os pais muito cedo em um acidente de trânsito, é adotado pelos equilibrados e adoráveis tios May e Ben Parker. Logo adiante perde tragicamente o tio Bem assassinado. É um adolescente esquisito, tímido, de auto estima muito baixa, nerd e pouco sociável. Depois de ser picado por uma aranha geneticamente modificada adquire superpoderes semelhantes aos do animal e passa a escalar paredes, soltar teias, dar pulos altos, super sentidos e uma força além do normal. O que lhe confere o status de super herói? Não são os poderes, mas sim as escolhas que ele faz. Isso difere o super-herói do vilão. Ainda enquanto Peter ele já se encontra em posição de escolha e consequência, mas a partir do momento que adquire super poderes essa responsabilidade se amplia drasticamente conferindo ao personagem seu caráter tão atraente e referencial ao universo do observador. E o que orienta as escolhas deste personagem? As referências positivas de seus tios. Apesar das privações e dificuldades que viveu e vivência ao longo das histórias, Peter tem não só uma base instrutiva eficiente por parte de sua família quanto à responsabilidades e compreensão de direito e deveres e escolha e

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consequência como também tem bom exemplo por parte dos mesmos. O autor atenta para o esquisito coragem dentro das escolhas da personagem, principalmente no que se refere ao fato de ser o Homem-Aranha. Não são só os super poderes que fazem dele o que é e o que representa, mas o fato de escolher combater o crime e ajudar as pessoas indefesas, das personalidades mau construídas dos vilões. Ele tem a escolha de não ter esse envolvimento, poderia somente ter a cautela de não usar seus super poderes para prejudicar outrem e continuar sendo integralmente Peter Parker, poderia também usar seus superpoderes exclusivamente para proveito próprio, mas não a personagem vai além e com coragem além de lutar pela melhora de si luta pelo bem estar dos outros. De acordo com Aristóteles, referência do autor, para que o julgamento se apresente de forma construtiva é imperativo que ele tenha instrução no assunto juntamente com experiência e exemplo. Acrescento aqui novamente a reflexão de que o aprendizado não é diretamente proporcional ao tempo mas sim relativamente

proporcional.

Esse

personagem

com

certeza

apresenta

maturidade e entendimentos de vida maior que colegas que tenha que não passaram seus enfrentamentos pessoais, bem como pode estar ainda além de pessoas com o dobro de sua idade que pouco conhecem sobre provação emocional. A Inteligência emocional é fator de suma importância para o desenvolvimento de aprendizado com sabedoria, conforme foi dissertado anteriormente Em boa parte das histórias há momentos em que ele é perseguido e culpado pelos jornais, pela população e até pela polícia pelos males feitos dos vilões, por essas pessoas terem tido acesso somente ao momento em que ele se encontrava presente na sena caótica, não tendo visto sua chegada e sua luta. Quanto a tal fato vemos a tendência pré-julgadora do ser humano, que pode se estender a grande fofoca de forma a prejudica-lo, entretanto, o personagem continua sua luta pela justiça, nesses momentos tendo o enfrentamento estendido para além dos vilões, pois a partir de sua base ética interna se mantém a ajudar mesmo sendo criticado e perseguido por quem está ajudando, tentando compreender essas pessoas e dominar as próprias paixões para continuar seu propósito sem se deixar agredir pela situação a ponto de revidar. Essa situação

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é de altos e baixos, hora é aclamado, horas é criticado negativamente, como o é em nosso cotidiano ao contato com outras pessoas de natureza julgadora e ainda sem domínio das paixões e longe do equilíbrio reflexivo. A coragem está no enfrentamento do medo e não na falta dele. E quando se permite o enfrentamento, o efeito sombra é desfeito. Isso não impede que mal seja feito por outrem mas neutraliza seu acesso ao nosso emocional, à nossa psique e dessa forma temos o equilíbrio necessário para tomar a atitude necessária e /ou desenvolver o que foi interrompido em hora adequada para tal, podendo ainda, ao longo do processo passar a criar as oportunidades necessárias sem ter esperar que se apresentem ao acaso. A coragem é a mediania tocante ao medo a autoconfiança. (...) de modo que o medo é, às vezes, definido como a antecipação do mal. (...) não se pensa que a coragem esteja relacionada com todas essas coisas, uma vez que há alguns males que é certo e nobre temer e vil não temer, do é exemplo a desonra e a ignomínia. Aquele que teme a desonra é um homem honrado, detentor de um devido senso de pudor. [Aristóteles apud Weschenfelder. Pag. 4, 2012.]

O personagem tem em sua família, então um exemplo de educação virtuosa que possibilita sua percepção de escolha e consequência de coragem e medo, temperada conforme a situação se apresenta. “Seja qual for a situação seja qual for o conflito que tivermos dentro de nós sempre temos uma escolha, pois são as nossas escolhas que fazem de nós o que somos e sempre podemos escolher aquilo que é certo”. (Fala do personagem em Homem-Aranha 3, 2007). Figura 3: menino de super-homem

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Fonte: http://www.pinterest.com/pin/250583166742118968/

Quanto ao super-homem, encontramos sua atitude heroica na necessidade de pertencimento, fazer parte de um conjunto com nossas particularidades em evidência, a qual todos buscamos. Ele é um extra terrestre, sendo assim está só e longe de casa, sua raiz, mas foi muito bem educado e amado por humanos, então sua necessidade de pertencer é inteira quando se fragmenta, por um lado ele é Clark Kent, jornalista, um homem comum, repórter com seus conflitos tal qual qualquer ser humano, por outro ele é um super poderoso protetor dos fracos e oprimidos, e quando usa seus poderes e atua com suas particularidades extraterrestres, dessa forma ele abraça dois fragmentos singulares que fazem dele quem ele é e que resolvem sua sensação de pertencimento aceitando tudo que o compõe, então os fragmentos aceitos juntos podem formar o todo que o compõe, a unidade que o faz um ser inteiro. Quando ele é kriptoniano consegue participar integralmente do mundo a sua volta. Vemos aqui que o problema da fragmentação que observamos fazer parte do mundo humano, principalmente na contemporaneidade como vimos no capítulo 1, não está em desenhar uma linha reta de unificação interna mas sim aceitar e integrar sua sinuosidade. Essa integração deve para tanto, penso eu, ser estudada, é o autoconhecimento, para que possa ser identificado o que são

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nossas sinuosidades e o que são fragmentos sinuosos apropriados de terceiros que muitas vezes não dialogam com o que buscamos, sendo só um reflexo do ego reprimido. Voltando ao personagem, quando ele participa do mundo a sua volta é que se sente realizado. O autor cita que quando Aristóteles quis descobrir a felicidade explorou o que é viver com excelência, conforme descoberta do superhomem. “Mas se a felicidade consiste na atividade de acordo com a virtude, é razoável que seja atividade de acordo com a virtude maior (excelência), e esta será a virtude da melhor parte de nós. ” [ Aristóteles apud Weschenfelder]. Essa virtuosidade em ajudar ao próximo vem de seus instintos naturais em consonância com sua formação, mas esse altruísmo se estende a “uma quantidade saudável de interesse próprio” e a grande qualidade ao equilibrar as necessidades alheias com a suas individuais observando o benefício mútuo e geral. Ao ajudar o outo o personagem ajuda a si mesmo exercendo seus poderes singulares e desenhando seu destino. É seu equilíbrio interno que o faz não estar escravo do medo e tão pouco enfrentar a tudo sem considera-lo. “ Assim a temperança e a coragem são destruídas pelo excesso e pela deficiência e preservadas pela observância da mediana”. (Weschenfelder, 2012). No

caso

particularidades

dos das

X-Man,

encontramos

experiências

do

em

constância

Homem-Aranha.

São

uma

das

também

adolescentes, sendo assim em constante conflito interno e tem a base moralmente virtuosa em seu tutor Charles Xavier. Entretanto, esses adolescentes passam quase que todos os episódios tendo que se defender internamente das pressões vidas das pessoas a quem ajudam. São mutantes vistos como mal exemplo e perigo por parte das pessoas comuns fruto do medo do desconhecido, e acrescentaria aqui de uma certa inveja das competências desenvolvidas pelos mutantes às quais as pessoas comuns não possuem. O Batman, personagem com mais 70 anos de existência tem sua máxima no fato de ser um humano comum e a captação de recursos financeiros para executar continuamente seu propósito. É um órfão que dedicou anos ao treinamento físico e mental, para vingar a o assassinato dos pais e ao longo dos episódios estende essa visão à proteção de outras pessoas contra o crime e a corrupção e às vítimas de crimes em Gotan City. Bruce Wayne tinha na figura do

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pai um exemplo a seguir. E entendia o propósito do exemplo e principalmente do exemplo como ícone, como um homem comum poderia ser destruído mas como símbolo poderia ser incorruptível e eterno. Então dá continuidade aos propósitos do pai com visão ampliada do contexto, possível pela experiência perda e privação junto com base e referência. O pai de Bruce foi à falência combatendo à pobreza acreditando que seu exemplo motivaria outros ricos de Gotan, mas o assassinato do pai interrompeu esse propósito ao qual Bruce deu continuidade assumindo a identidade de Batman, como símbolo de mudança, perseverança, virtuosidade, moralmente incorruptível e ético é exemplo para os outros e por sua vez, desta maneira, encontra sua satisfação e motivação pessoais. Estendo minha observação a figura feminina que também mostra sua força e sua luta pelas ações da mulher maravilha. O lado feminista da personagem, a força que está além dos condicionamentos sociais. O isolamento das amazonas mostrando ao mesmo tempo a exclusão pelo machismo e a exclusão escolhida pelas personagens pela batalha que tem de travar pelo respeito, aceitação e livre escolha. E até em alguns vilões a maldade pela escolha ou pela falta de base de referência como o amigo de Peter Parker, Harry Osborn, que movido cegamente pelos sentimentos de ódio e vingança, pelo assassinato do pai, sem compreender a real figura do pai, um homem ganancioso que sucumbiu ao mal, começa a se apresentar como vilão mostrando as consequências de uma base mal construída juntamente com sentimentos e experiências auto destrutivas que acabam por conduzi-lo à escolha danosa a si e aos outros, pois falta base sólida para escolhas acertadas com equilíbrio. Então vemos aqui também, particularidades que movem as escolhas. Em todas as personagens dos quadrinhos podemos encontrar um fragmento ou referências filosóficas interessantes na construção de crianças, adolescentes e até nas reflexões adultas. Anderson Chalhub e Dionis Soares se aprofundam no que se refere especificamente as crianças na sua construção individual em seu artigo sobre a diferenciação do self em crianças. Em acordo com os autores, a criança começa a vida em fusão completa com a mãe em situação de dependência física e principalmente emocional.

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Emocionalmente são interdependentes e ao longo dos anos o objetivo de seu desenvolvimento é torna a criança independente tendo os pais tarefa de conduzila a tal propósito com um comportamento que permita alcançá-lo. A referência de self aqui exposta parte da teoria apresentada por Bowen. Então aqui será observada como a “ capacidade de se auto referenciar como indivíduo, de se distinguir como sujeito perante o objeto”. (Soares &Chalhub, 2010, Pg. 4). Faço aqui um adendo sobre o fato de utilizarmos conceitos diferentes sobre mesmo assunto e ou palavra, sem concordar necessariamente entre si. Estamos falando sobre autoconhecimento, e esse processo inclui principalmente a visão singular que temos de um fato bem como o aperfeiçoamento em qualidade e quantidade de conhecimento. Então o presente texto é construído de forma a possibilitar a liberdade de pensamento e assimilação por parte do leitor de todos os conhecimentos aqui presentes bem como seu fundamento e conceitos, compreendendo que um não exclui o outro e se acaso tem definições diferentes, não nos dificulta compreensão se estivermos trabalhando com consciência aberta, mas pelo contrário, possibilita maior número de interrelações pela mente e consequentemente maior possibilidades conclusivas em formação de opinião. Por exemplo, o fato do autor, observando pela ótica de Bowen definir o self infantil como o momento que o mesmo se observa independente emocional e psicologicamente da família, ainda assim dialoga com o conceito de self das filosofias budista e tântrica que o observam como o a nossa essência mais pura de ser divino, pois a criança está no processo de descoberta de si, assim como o adulto pelo autoconhecimento na busca de se compreender e exercitar o melhor de si. Como descrevem os autores anteriormente citados, a criança começa a desenvolver esse self, por volta dos dois anos de idade apresentando características físicas e de gênero mais concretas nesse período e a partir de então suas percepções de mundo se ampliam e sua diferenciação da família de origem começa a se apresentar e conduzi-lo à individualização, com suas próprias vontades, anseios, aspirações e forma de ver atuar no mundo. Na primeira infância, principalmente, o exemplo vivenciado cotidianamente é referência de conduta como já vimos anteriormente com Freud e Jung e neste período os efeitos e cores fortes e explosões das linguagens cinematográficas

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dos super-heróis criam na criança um apelo à imitação, tendência já natural que se manifesta com relação aos pais. As personagens supersônicas e imbatíveis ao passo que, criam identificação nas crianças, suas particularidades vão sendo internalizadas como traço de identidade na primeira infância. Como as experiências vividas pelos super-heróis, a criança experimenta tanto o pertencimento quanto a diferenciação, onde o pertencimento está em participar, dividir crenças, valores, sentir-se membro (família, amigos) e a diferenciação em sua singularidade no direito de se expressar e pensar em valores independentes dos de sua família. Há uma energia que o impulsiona ao processo de individualização, para alcançar sua autonomia, como esclarecem os autores, porém o vínculo inicial nunca é totalmente quebrado, havendo uma diferença entre o vínculo individual mantido e massa indiferenciada do Eu familiar. Não há uma individualização completa. Seria a extensão de Eu no outro na relação de Jung, vista anteriormente. Essa massa indiferenciada do eu familiar se refere à aglomeração e fusão desse selfes, onde existe o sentimento de pertencimento, que se apresenta com extrema renúncia de autonomia em uma fase de transição. De acordo com Chalhub & Soares (2010), Bowen baseia sua teoria em duas energias fundamentais a serem observadas, onde uma é a que impulsiona o indivíduo no caminho da diferenciação e, a outra, leva a pessoa à união com a família de origem e, embasada por essas duas, cria a escala de diferenciação de self. A escala classifica o grau de independência emocional do indivíduo diante de sua família de conforme descrevem os autores. Nos números mais baixos a dependência e necessidade de aprovação são maiores. Como mencionam Medeiros, Pedreira e Nunes (2008), a escala de diferenciação do Self de Bowen apresenta os seguintes níveis: de 025, 25-50, 50-75 e 75-100. Nos níveis mais baixos de diferenciação, as pessoas estão imersas em seu mundo sentimental e procuram aprovação dos outros, tornando-se assim incapazes de aumentar seus níveis básicos de indiferenciação. Nos níveis mais altos há uma maior consciência entre sentimentos e pensamentos. Como a individualidade já é mais desenvolvida, as pessoas nesses níveis têm uma maior flexibilidade nos relacionamentos íntimos, sabendo que podem se libertar dos mesmos a qualquer momento, descartando velhas crenças a favor de novas. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, 2010, Pg. 5]

O autor nos diz que quem vive nessas camadas mais baixas do inconsciente, que é quando a individualização não foi eficiente para sua

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independência emocional, o indivíduo acaba por se manter imerso em sentimentos que não são seus tendo como resultado a projeção da culpa por seus insucessos e/ou sentimentos de insucessos, em seus responsáveis ou pessoas emocionalmente ligadas a ele, pois não consegue discernir o sistema afetivo do intelectivo. Então aqui compreendemos como a base familiar é de suma importância nas possibilidades de sucesso de indivíduo ao longo de sua vida, tendo forma maior em sua primeira infância. Nós podemos observar, desde Freud, Jung e outros autores nos capítulos anteriores até aqui, que todo indivíduo carrega em si inúmeras referências internas como fantasias inconscientes e conscientes, infantis e projetadas, condicionamentos adquiridos, experiências que são armazenadas em forma de emoções, enfim um vasto mundo onde todos seus fragmentos se relacionam entre si e onde a individualidade do indivíduo está na relação de desse vasto mundo interno com o mundo externo. O autor Chalhub & Soares (2010), também cita Winnicott para falar do processo, que defende que o self, que não é ego, é a pessoa que o indivíduo realmente é e que sua totalidade está na forma como se opera seu processo de maturidade. E que todas essas partes do self, descritas anteriormente, se aglutinam dando ao indivíduo seu sentido interior-exterior no processo de maturidade e forma suas possibilidades e forma de ver o mundo conforme o ambiente que cuida dele, que se faz referência pra ele e como este lhe permite expressar sua liberdade de escolha e compreensão conforme ela se apresenta. Assim como vimos no capítulo 2, o “ego”, como chama OSHO, se apresenta como sistema de defesa da psique, ou segundo Freud no sub capítulo 1.3 o “ego reprimido” se defende de uma nova experiência negativa, que aqui vemos se construir diante de negativas constantes recebidas por parte do ambiente de referência (família) durante seu processo de maturação impedindo e/ou dificultando a individualização e a diferenciação do indivíduo. Independente da diferenciação do nome para conceito o processo é o mesmo, lembrando aqui novamente que é o processo individual que deve ser observado e que a necessidade de apresentar conceitos diferente para o mesmo processo, entendemos se fazer necessária pela proposta de indução ao pensar por parte do leitor e não somente armazenamento de nosso ponto de vista,

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vejamos aqui toda exceção tem sua regra e jamais toda regra sua exceção. Como por exemplo, Freud entender que somos compostos de Egos e dividi-los em ego consciente e ego reprimido, ou para Osho que temos a essência divina e os egos que são agregados danosos a nossa saúde emocional e para este ainda espiritual, por apesar de se apresentarem como sistema de defesa é um sistema autodestrutivo pois vai criando teias cada vez mais complexas de dependência do medo para o sujeito. Ambos identificam mesmos danos e semelhante origem para a fragmentação danosa. Ao nos aprofundarmos em cada autor com outros ensaios e pesquisas perceberemos diferenças maiores, mas que não necessariamente se excluem, mas sim apontam continuidade em caminhos diferentes e que podem ser complementares. Convido os leitos aqui, a partir de agora, exercitar esse olhar de agregar e não excluir como de costume. Temos uma tendência a abraçar comprovações e a partir de novas comprovações excluir as anteriores, e nesse caminho, a continuidade de compreensão não se apresenta, somente armazenagem. O psiquiatra suíço Carl Jung, apesar de observar inicialmente aprofundamento na área de psicologia não excluiu seu interesse à parapsicologia, que estudava percepções exta sensoriais, que efervesceu em interesse inicial como pesquisa científica entre as décadas de 20 e 30 nos Estado Unidos, o que acrescentou muito em seus trabalhos póstumos. Como vi no livro que citei no texto, Poderes da Mente- Mistérios do Desconhecido da Editora Abril, livro de 1992, através do qual eu praticava exercícios telepáticos aos cinco anos de idade. Voltando a Chalhub & Soares (2010), vamos desenvolver aqui a ordem segundo referências do autor de como se desenvolve essa diferenciação do self. O primeiro ponto é que o senso de auto consciência começa a se desenvolver através

do

autoreconhecimento,

primeiramente

com

os

bebês

o

autoreconhecimento físico. Primeiramente, reconhecem sua imagem, depois de 21 meses em diante apresentavam noção de auto conceito, entendendo detalhes como manchas e seus nomes juntamente com reconhecimento de sua imagem. Já na escola elementar, pelos 6 anos, há uma mudança forte onde a criança passa a voltar-se cada vez mais para as características internas. A linguagem é importante como mediador do processo de socialização na construção de sua

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individualização, pois através dela se dá a troca de conhecimento e experiência fazendo com que ela entenda ela e outro, seja a linguagem corporal ou falada. Outro ponto importante de acordo com o autor é a forma como a mãe e a referência família desenvolve os padrões de apego da criança para que a mesma possa construir sua individualidade e ir se desvinculando de sua dependência emocional. O autor nos esclarece que isso acontece durante a troca de estímulos mãe-criança ou família-criança. A criança sinaliza sua necessidade e recebe um feed back da mãe ou da família, a forma como acontece esse feedback é que vai ser responsável pela individualização nesse período. Casais que se relacionam bem, compartilham emoções positivas entre si, tem crianças emocionalmente seguras, capazes de regular suas emoções, ou seja, o contexto externo também influência na formação de vínculos afetivos, tanto como a cultura, pois nessa perspectiva, o apego só pode ser entendido quando imerso no contexto relacional entre cuidador e criança. Embora as relações parentais sejam constituintes ao sujeito por serem o núcleo relacional da vida familiar, contextos como trabalho, lazer escola, influenciam também na formação do apego. Assim sendo, o apego é considerado como um constructo numa rede ativa de relações, e para se entender seus padrões é indispensável que se entenda o funcionamento do contexto familiar em sua totalidade. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, 2010, p.9].

Então, a qualidade do apego depende da característica dos casais juntamente com a capacidade de sinalização das necessidades por parte da criança. A solidez desse processo é responsável por permitir a maior liberdade da criança no entrar e sair na relação segura. Esse vínculo não é exclusividade da família, no mundo contemporâneo principalmente, ele se estende abrangendo figuras parentais de modo mais genérico como amizades e até mesmo relações mediadas por objetos simbólicos como valores e crenças, como esclarece o autor, que sinaliza também a observação pessoa, processo, contexto e tempo como vertentes para entendimento do apego. É necessário que se considere características da pessoa e dos membros familiares, como cor da pele, as interações da família e criança e m suas atividades e o desenvolvimento da família no sentido histórico, ou seja, que se entenda a vinculação humana em multiníveis de um sistema dinâmico de relações. Para Fromm (1990), o apego é gerado por um anseio profundo de desamparo e essa figura de apego pode ser de toda espécie, um professor, um astro de cinema, ou até os ídolos, sejam eles reais ou imaginários. O ídolo seria uma figura necessária ao homem, tendo como função dar apoio e força. A figura do ídolo, do herói, sempre fez parte da história do homem desde a mitologia grega. Essa função ao

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ídolo se daria pelo fenômeno da transferência, que é encontrado durante toda a vida, principalmente em relações duradouras de amizade e afetividade. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, 2010, p. 9]

Interferimos aqui novamente, para acrescentar que o homem, o ser tem suas escolhas e que quanto mais próximo da consciência está a mente, e isto necessita conhecimento e questionamento, conforme visto em capítulo 2, mais acertada são suas escolhas para a felicidade e satisfação. Ocorre que o ídolo como figura a dar apoio e força deve ser compreendido e absorvido como exemplo e referência, mas nada pode fazer se o próprio admirador não fizer por sua própria vida. Vemos pessoas que “se rasgam”, gritam e choram na presença de seres midiáticos, mas não se julgam, capazes de tal feito para suas vidas. Observam suas referências de longe, como um Deus externo, muito longe das suas possibilidades. Sendo assim, vivenciam as possibilidades de alcançar seus sonhos e propósitos mentalmente sem jamais conseguir a força necessária para transformar tal exemplo em ação. O autoconhecimento nesse ponto, vemos, seria a ponte que liga essa projeção e ou transferência mental, nesse sentido, à ação construtiva, pois através dele não encontramos somente a força para tal fato, mas principalmente podemos nos libertar de fardos subconscientes que podem estar bloqueando a ação mesmo com tanta vontade de fazê-lo. É necessário que se saiba diferenciar fanatismo de admiração para que isso possa acontecer. Na admiração o sentimento pelo idolatrado é o mesmo, porem o admirador não se vê tão distante do admirado como o fanático, mas sim entende que a distância que separa os dois é esforço, dedicação e tempo, sendo assim poderá um dia alcança-lo e até superá-lo. A grande sinapse entre o sonho e a realização é a base emocional construída, então a forma como a família orienta esse olhar é de suma importância. Nosso mundo é cheio de dualidades, quem escolhe que lado da moeda observar e exercitar somos nós, e para tal é necessário ir se libertando dos agregado simultaneamente ao trabalho de visualização do que queremos para nós. Caso nossos responsáveis não tenham tido esclarecimentos suficientes para perceber a importância de seu papel, ou para aplica-lo, ainda temos escolhas, cabe saber que o caminho se apresentará mais árduo, pois teremos de destruir as referências emocionais que nos criam barreiras para criar novas que nos libertem a mente, não sendo entretanto, impossível. É preciso coragem para quebrar a imagem com a qual convivemos

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tantos anos e construir uma nova, porém bem mais eficiente. Será que vale a pena, tanto sofrimento? Pergunte-se antes, quanto valor você dá a você? É um trabalho que pode demorar anos, mas com certeza, nos trará possibilidades que podem ir muito além do que imaginamos para nós. Trouxemos aqui então, duas formas para refletir esse apego no que se refere à idolatria. Chalhub & Soares (2010), traz em seu artigo alguns detalhes destas duas formas de apropriação do ídolo como referência, tendo em sua base também análise prática da relação do comportamento infantil com seus superheróis de referência feita com crianças de classes sociais diferentes, ambos os sexos entre 5 e 6 anos de idade, em uma escola na Bahia, além da base de referência teórica. O autor nos esclarece que a mídia atual está distante de seu papel inicial de divertimento e lazer sendo hoje “um instrumento pelo qual o mundo é apresentado ao indivíduo. ” (p.10, 2010). A televisão modela comportamentos, relações e reações de conduta. As crianças passam muitas horas em frente à televisão, que também pode ser forte tendência no ambiente da família, sendo infelizmente, por vezes, a única razão de interação familiar no fim do dia. Em um artigo publicado pela revista Comunicação e educação, Cordelian e Gomes, (1996) fizeram um levantamento sobre pesquisas realizadas relacionadas à temática da audiência televisiva pelas crianças. Percebe-se que as mesmas fazem uso demasiado do televisor, sendo que crianças entre três e quatro anos interpretam e percebem as imagens da tela como reais. [...] Ainda sobre o artigo anteriormente mencionado, o uso extensivo da televisão por crianças levanta o questionamento sobre o efeito que produz nas mesmas. A mídia televisiva participa ativamente no processo cognitivo das crianças, sendo muitas vezes uma mediadora entre elas e a realidade, ganhando espaço na formação subjetiva de algumas crianças”. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, 2010, p.10].

Então, dentro desta observação a televisão tem seu papel influenciador, forte, no processo de diferenciação do self infantil. Os programas assistidos fornecem “roteiros” de comportamento perante situações do cotidiano, gerando um processo de imitação e modelagem pelas crianças, (MARTINS, 2008) sendo algumas vezes até naturalizado pela família, como algo comum e normal à idade. [CHALHUB, Anderson & SOARES, Dionis, p.11, 2010].

As roupas e brinquedos de super-heróis estão além da vontade da criança sendo também um mediador simbólico da “realidade” associada a apropriação, de forte interesse publicitário. A características de guerreiros fortes,

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traços e cores forte e jingles fortalecem o vínculo com apropriação e imitação das mesmas por parte da criança. E nesse processo encontramos tanto os comportamentos agressivos, explosões e agressões que podem potencializar a agressividade cotidiana das crianças, como o virtuosismo, a coragem, honestidade, perseverança e vitórias dos heróis pontuando uma moralidade ética a ser seguida, conforme as observações do autor ao longo de todo artigo. Então, nós aqui, vinculando essas observações com todos os conhecimentos anteriormente expostos, pontuamos que de nada adianta, a quem deseja “ mudar o mundo” críticas direcionadas à mídia, relacionando à cultura de massas ou deficiências intelectuais específicas em uma área ou outra. São necessárias ao esclarecimento, mas que já o possui deve mudar antes a si e seu meio. Todo ser humano se constrói com uma base de dados única e intransferível, e na idade adulta exercita seus fragmentos tendo a possibilidade de destruí-los ou reconstruí-los. Então para quem quer mudar o mundo, só há um caminho, mude antes a si mesmo! Tendo responsabilidade conosco e com nossos protegidos e ou dependentes, podemos ser o exemplo a ser reproduzido mais adiante. Para quem quer mais, é fato que deverá fazer mais! Não se muda um fim fazendo o mesmo caminho. Muitos já conhecem todas estas máximas, discutem sobre ela, mas podem não perceber o quanto inserido e anestesiado estão dentro do mesmo processo. Dentro dessa indústria midiática encontramos tanto à construção de consciências consumidoras, quanto exemplos de agressividade e virtuosismo. Cabe a nós o esforço de selecionar o que importa a nossa própria construção e das crianças pelas quais somos responsáveis. Ser presente na vida da criança, selecionar seu tempo de exposição às informações midiáticas e, principalmente, pontuar os pontos que realmente interessam em conversas francas, algumas vezes, durante a relação tevê-criança-família. Façamos esse esforço!

1.4 - Relações de identidade do indivíduo, sociedade e cultura As culturas são compostas de instituições culturais, símbolos e outras representações, constituindo um modelo de conduta e construção dos nossos sentidos, influenciando nossas ações e a visão que temos de nós mesmo.

54 As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são constituídas. Como argumentou Benedict Anderson (1983), a identidade nacional é uma “comunidade imaginada”. [HALL, 1997, p. 50].

Aqui interessa compreender, como se relacionam os indivíduos e as personalidades de sua identidade individual com a identidade social e a cultural e, como é o intercâmbio de cada uma delas entre si, podendo talvez dessa forma, compreender o processo de construção do indivíduo, considerando sempre a singularidade de associação de seus fragmentos. Conceito de identidade no dicionário:

Identidade. [Do lat. Escolástico identitate. ] S. f. 1.Qualidade de idêntico: Há entre as concepções dos dois perfeita i d e n t i d a d e. 2.Conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa: nome, idade, estado, profissão, sexo, defeitos físicos, impressões digitais, etc. 3. Reconhecimento de que um indivíduo morto ou vivo é o próprio. 4. Carteira de identidade. 5. Mat. Relação de igualdade válida para todos os valores de variáveis envolvidas. [FERREIRA, 1975, p. 738]. Qualidade de idêntico; Paridade Absoluta; Circunstância de um indivíduo ser aquele que diz ser ou aquele que outrem presume que ele seja; Circunstância de um cadáver ser o de determinada pessoa; Equação cujos dois membros são identicamente os mesmos” [AURÉLIO on-line].

Devemos observar, em especial, a definição “[...] um indivíduo ser aquele que diz ser ou aquele que outrem presume que seja”; inicialmente pensamos o conceito diretamente ligado às questões que identificam o indivíduo e suas escolhas, como profissão, nome, estilo de vestir, se expressar, e conduzir ações entre outras; algumas dessas escolhas que vão dando forma a nossa identidade (características próprias ou exclusivas de algo através das quais é possível diferenciá-lo dos outros) que, porém, tem relação com detalhes abstratos desse indivíduo se relacionando com sentimentos que por sua vez, estão ligados a experiências vividas, como lembranças com sentimentos e emoções em relações com a família e com o meio social, que tendem a influenciar decisões e escolhas. A teoria do princípio de prazer (FREUD 1920) faz jus a esta observação que fizemos:

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1. Decidimos relacionar o prazer e o desprazer à quantidade de excitação, presente na mente, mas que não se encontra de maneira alguma ‘vinculada’, e relacioná-los de tal modo, que o desprazer corresponda a um aumento na quantidade de excitação, e o prazer, a uma diminuição.[...] Os fatos que nos fizeram acreditar na dominância do princípio de prazer na vida mental encontram também expressão na hipótese de que o aparelho mental se esforça por manter a quantidade de excitação nele presente tão baixa quanto possível, ou, pelo menos, por mantê-la constante. Essa última hipótese constitui apenas outra maneira de enunciar o princípio de prazer, porque, se o trabalho do aparelho mental se dirige no sentido de manter baixa a quantidade de excitação, então qualquer coisa que seja calculada para aumentar essa quantidade está destinada a ser sentida como adversa ao funcionamento do aparelho, ou seja, como desagradável. O princípio de prazer decorre do princípio de constância; na realidade, esse último princípio foi inferido dos fatos que nos forçaram a adotar o princípio de prazer. Além disso, um exame mais pormenorizado mostrará que a tendência que assim atribuímos ao aparelho mental, subordina-se, como um caso especial, ao princípio de Fechner da ‘tendência no sentido da estabilidade’, com a qual ele colocou em relação os sentimentos de prazer e desprazer. [FREUD, p.1-2, 1920].

Então o que foi sentido com prazer é referência de escolha positiva e o que foi sentido com desprazer passa a ser referência de escolha a ser descartada ou evitada. Essa seleção começa com referências da primeira infância e se estende às referências sociais [FREUD, 1920] e culturais (HALL, 1997] com as quais convivemos. As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influência e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. [HALL, p.51, 1997].

A escolha de uma profissão, por exemplo, pela influência da convivência com um ente querido que a exerceu e que admiramos ou respeitamos, ou pela forma deslumbrante com que essa lhe foi apresentada por meios de comunicação. O Gênero de música favorito pela lembrança feliz de um período com algum grupo ou pessoa ou pela frequência com que ouvia em sua casa na infância. O sotaque pela localidade onde nasceu e/ou cresceu. A escolha por determinado tipo de pessoa para se relacionar por medos que desenvolveu ao longo da vida ou pela relação feliz ou não, que conviveu dos pais. Cada fragmento desse indivíduo se relaciona com vários outros fragmentos de outro indivíduo, num processo contínuo de construção, desconstrução e reconstrução de suas particularidades através das atividades sociais.

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E num momento tão pleno de informações diversas, como a contemporaneidade, com a variedade e velocidade dos meios de comunicação e as possibilidades de construção de uma personalidade publicitária-social com o advento da Globalização, fica cada vez mais evidente essa fragmentação interna que o sujeito carrega em si e, por muitas vezes, até contraditórias, sendo assim inevitável o acontecimento de grandes conflitos da percepção de si e do mundo circundante. É uma crise de identidade no mundo moderno com uma descentralização do sujeito, social e culturalmente (HALL, 1997). Podemos observar que cada segmento cultural de linguagem como estilo musical, dança, teatro, produções televisivas entre outros, carrega conceitos da sua concepção, selecionando seu público pela identificação com esse conteúdo. E entre as relações diretas, mais estreitas entre indivíduos tomam forma pequenos grupos, comunidades ou

“tribos” em cada segmento:

do regue, da mpb, das raças (negros, branco, índios, japoneses), dos partidos políticos, dos esportistas e dos sedentários, dos empresários, dos assalariados, dos cooperativos etc. E não há uma receita com “combo” que inclua impreterivelmente um conjunto coerente desses segmentos na formação íntegra do indivíduo; o que queremos demonstrar nessa pesquisa é que toda construção é única e, por mais que se assemelhem, a forma como foi construída em cada indivíduo jamais será igual à de outro. A postura desse indivíduo diante de uma situação, seu ponto de vista, vai depender de qual dos seus fragmentos se identifica com a mesma e qual tem mais força no momento. Hall (1997) cita uma situação de escândalo político acontecido nos Estados Unidos em que um juiz é acusado de assédio por uma camareira. As opiniões ficaram divididas entre as questões de sexo, raça, classe social ou inclinação política. Em uma situação em que um político branco é acusado de estuprar uma mulher negra e pobre, poderemos encontrar vários pontos de vista, dependendo da construção de vida desse indivíduo. As mulheres conservadoras que se opõem ao feminismo, com uma inclinação machista, podem culpar a mulher, já as feministas e progressistas na questão das raças podem opor-se ao homem; e, dependendo do partido e das ideias que este carrega, teremos mais divisões, a depender de qual fragmento dessa identidade se manifesta mais forte

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diante dessa situação, se a questão da raça, da visão machista ou progressista, de classe social ou de humanidade. Qualquer um, assim como nós, é capaz de perceber o trabalho de auto marketing social, temos o facebook como bom exemplo, e nessa superexposição de qualidades dentro das convenções sociais de acordo com seus segmentos e necessidades, acontecem trocas de conceitos, de trejeitos, de gestualidade, de opiniões e conceitos, em que cada um vai agregando novas formas de ser no seu sistema interno, algumas vezes excluindo umas, outras mantendo conflito entre elas. O trabalho no escritório pede uma postura, a ida ao mercado outra, os happy hours outra e as redes sociais outra. Alguns podem manter a mesma calma e tranquilidade em todos os segmentos, já outros mantêm a conduta exigida em ambiente de trabalho (sério, tranquilo, imparcial), por exemplo, mas fora desse ambiente mostram um desprendimento maior para se posicionar a favor ou contra certos padrões intolerantes e preconceituosos. Enfim, somos atores no palco da vida trabalhando com vários personagens diariamente e buscando selecionar ao longo do tempo uma unicidade entre eles, tarefa muito difícil sem um trabalho que aconteça de dentro para fora do sistema do indivíduo. Vamos pensar essas referências em termos de cultura ou culturas, outro termo, diga-se de passagem, bastante abrangente. Cultura, na sua origem, vem do verbo colére, tendo como significado o cultivo, o cuidado que estava relacionado à terra de onde brota a vida. Vendo a cultura como cultivo concebiase como a ação “que conduz às plenas potencialidades de alguma coisa ou de alguém; era fazer brotar, frutificar, florescer e cobrir de benefícios” [CHAUI, p. 55, 2007]. Mas ao longo da história do ocidente foi-se perdendo esse sentido até que no século XVIII, com a Filosofia da Ilustração a palavra cultura torna-se sinônimo de civilização que deriva da idéia de vida civil, vida política e regime político. Então, no Iluminismo, o grau de civilidade de uma sociedade passa a ser medido pela cultura como um critério de avaliação. Assim a cultura passa a ser encarada como um conjunto de práticas (artes, ciências, técnicas, filosofia, os ofícios) que permitem avaliar e hierarquizar o valor dos regimes políticos, segundo um critério de evolução. No conceito de cultura introduz-se a idéia de tempo, mas de um tempo muito preciso, isto é, contínuo, linear e evolutivo, de tal modo que, pouco a pouco, cultura torna-se sinônimo de progresso. Avalia-se o progresso de uma civilização pela sua cultura e avalia-se a cultura pelo progresso que traz a uma civilização. O conceito

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iluminista de cultura, profundamente político e ideológico, reaparece no século XIX, quando se constitui um ramo das ciências humanas, a antropologia. [...] As sociedades passam a ser avaliadas segundo a presença ou ausência de alguns elementos que são próprios do ocidente capitalista e a ausência desses elementos foi considerada sinal de falta de cultura ou de uma cultura pouco evoluída. [CHAUI, 2007, p. 55].

Esse padrão naquele período foi a Europa Capitalista. Então observe nova reflexão, sobre cultura como sinônimo de progresso de uma civilização. Pensemos aqui sobre a palavra progresso. Tratamos adiante de um progresso que começa internamente na individualidade de cada um com Osho (2002). Mas Chauí (2007) dentro dos conceitos de cultura trata do progresso associado a sociedade; e trazemos aqui uma pergunta que já nos fizemos antes, para acompanhar a continuidade desse capítulo: Onde começamos a transformação de “progresso”? No todo ou no individual? O que estamos observando aqui é se é realmente possível um progresso, uma melhora coletiva, sem antes interferir no individual, já que o coletivo é composto de várias singularidades em cada indivíduo. Percebemos esse conceito coletivo de progresso como condicionamentos sociais, ou seja, modelos prontos estabelecidos como referência de pensamento e conduta. É a mente coletiva, que está bem longe da consciência “essencial". Estamos pensando aqui de forma mais abrangente, pensando na formação da identidade de nação, no geral e não só Europa capitalista. Voltando à nossa referência da Europa capitalista para compreensão desses valores coletivos, foi introduzido um conceito de valor com base nos elementos Europeus: Estado, mercado e escrita, de forma que tudo que fugisse a essa regra seria considerado primitivo se colocando em posição etnocêntrica diante de toda civilização. Estamos discorrendo este período para que pensemos como se desenvolvem os valores que partem do coletivo para o individual. Na segunda metade do século XX começou a substituir-se ideologia etnocêntrica e imperialista de cultura pela antropologia social e pela antropologia política, em que a expressão cultural de uma sociedade tem sua individualidade e estrutura próprias dentro de seu desenvolvimento histórico e material. A cultura passa a ser compreendida como o campo no qual os sujeitos humanos elaboram símbolos e signos, instituem as práticas e os valores, definem para si próprios o possível e o impossível, o sentido

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da linha do tempo (passado, presente, futuro), as diferenças no interior do espaço (o sentido do próximo e do distante, do grande e do pequeno, do visível e do invisível), os valores como verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o justo e o injusto, instauram a idéia de lei, e, portanto, do permitido e do proibido, determinam o sentido da vida e da morte e das relações entre o sagrado e o profano. [CHAUI, 2007, p. 57]

Essa abrangência de cultura encontra como problemática nas sociedades modernas o fato de serem sociedades e não comunidades, o que nos leva à diferenciação dos dois termos. Uma comunidade é a idéia de bem comum, sem mediações institucionais, na relação direta entre os indivíduos; possui o sentimento de um destino comum, segundo Chauí. O mundo moderno e seu modo de produção capitalista dá origem à sociedade com indivíduos separados uns dos outros, por seus interesses e desejos, em “isolamento, fragmentação ou atomização de seus membros, forçando o pensamento moderno a indagar como os indivíduos isolados podem se relacionar, tornar-se sócios. ” (Chauí, 2007, p. 57) Ora, a comunidade percebida pelo princípio da indivisão, segundo Chauí (2007) é oprimida pela divisão interna nas sociedades, em classes, gêneros e interesses diferenciados. A marca da sociedade é a existência da divisão social por classes, que por sua vez instituiu a divisão cultural, formando grupos isolados uns dos outros e competitivos. Então, a partir da compreensão da origem dos condicionamentos sociais pela “necessidade” de progresso, consideramos que a compreensão individual de si, pode trazer grandes transformações coletivas. Essas divisões sociais em meio ao ilimitado fluxo de informação da era tecnológica coloca o sujeito em meio a um turbilhão de ideais, conceitos, pensamentos, práticas e visões de vida diferenciados e divididos, sufocando as percepções internas e externas desse sujeito e fragmentando sua identidade [Hall, 1997] e confundindo sua ânsia original de construção e progresso interno da aceitação de si, com aceitação do outro. Hall [1997] diz que uma cultura nacional constrói sentidos que influenciam e organizam nossas ações e o modo como nos percebemos, construindo assim, um senso comum de pertencimento. O autor observa ainda, que essa construção se baseia em uma narrativa de nação, que é contada e

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recontada, enfatizando as origens em continuidade através da tradição e atemporalidade, tradição esta, que também pode ser “inventada” para inserir “valores e normas através da repetição, a qual, automaticamente, implica continuidade com o passado histórico”. [Hall, 1997, p.54] O que observamos adiante é que para que aconteça algum progresso interno, que é nosso foco de pesquisa, deve haver contínua mudança, e que processos repetidos levam sempre ao mesmo fim. Não há como mudar o objeto de destino sem mudar o caminho. Enquanto criança absorvemos o que vivenciamos com forte tendência a reproduzir o que foi absorvido, depois em contato com o meio social, recebemos mais informações que são selecionadas conforme relação que estabelecem com as informações da primeira infância, gerando assim processos repetitivos, seja no entorno próximo ao indivíduo ou se estendendo ao indivíduo como fragmento da sociedade. Conhecer a origem das informações que carregamos, acreditamos ser fundamental, para sair dos padrões repetitivos que vivemos em nosso dia-a-dia, em especial no que se refere a condutas intolerantes e pré-julgadoras, bem como, problemas psíquicos traumáticos que tendem a gerar ações danosas tanto ao próprio indivíduo quanto ao meio em que ele vive. Por exemplo, não podemos resolver os pré-conceitos de todos as pessoas que carregam valores que as levaram ter visões preconceituosas e compreendendo que esse pré-conceito teve origem em valores já arcaicos que protegiam os interesses de um grupo de determinado período histórico, a única maneira de modificar o padrão coletivo é em nós mesmos, no individual, que se estenderá a nossos descendentes que terão em nós nova referência, mais adequada ao convívio coletivo. Para cada ser que se construir dessa maneira, se estenderá inevitavelmente, a um núcleo ao seu redor (família), que tendo seguido esse caminho de autoconhecimento, terá seus valores sobre a base sólida do conhecimento e não o processo repetitivo sem consciência. Esse processo de autoconhecimento tem um caminho vasto, que faremos experimentalmente aqui, passando por diversos fragmentos de nós, sendo a primeira infância e os padrões sociais préestabelecido o pequeno começo. Podemos dizer então, que o Sujeito contemporâneo se dissolve na própria história, se tornando um sujeito

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“pixelizado”, se compondo de várias ilusórias partículas identitárias que o representam com ser uno que, por sua vez, é um pixel no contexto geral social. Vimos aqui porque a transformação coletiva pode ter um caminho mais assertivo a começar na individualidade, bem como os fragmentos que compõem parte dela.

1.5 – Semiótica, ciência cognitiva e psicologia Nörth et All (2005) aponta, dentre tantas formas de observação das imagens e representações visuais, o mundo das imagens divididos em dois domínios:

o

primeiro,

das

representações

visuais

como

imagens

cinematográficas, desenhos, pinturas, gravuras, fotografia, entre outros e, o segundo, é o domínio imaterial, ou seja, das representações em nossa mente, que aparecem como fantasias, imaginações, esquemas, sonhos. Esses dois estão, apesar disso, inextrincavelmente ligados. Os conceitos de signo e representação fazem união entre os dois domínios. Então o lado perceptível material e o lado mental desenvolvem o que chamamos signo e representação. Cabe ressaltar que na semiótica geral as definições são muito variadas e frequentemente imprecisas, mas aproveitáveis na construção de uma linha observatória desse processo. Vamos dissertar nesse momento do texto primeiramente com base em duas ciências: a Semiótica e a Ciência Cognitiva. Da semiótica citamos aqui uma das correntes oriundas de Charles Sanders Peirce desenvolvida por pesquisadores como Lucia Santaella e Winfried North. Tratamos de conceitos centrais como “signo, veículo do signo, imagem (“representação imagética”) ” bem como, significação e referência e da ciência cognitiva discussões sobre imagens como ideias, ideias como imagens, a imagem na mente. E no campo da psicologia, trazemos esclarecimentos sobre o Princípio de Prazer (Freud, 1920), um recurso de autoproteção da psique, que seleciona informações recebidas pelo indivíduo como agradáveis (prazer) ou não (desprazer) em um sistema que é constantemente reestruturado pelas experiências vividas e determina ou influencia escolhas e condutas por parte do sujeito. Com North et All (2005) observamos as possíveis maneiras de observar uma imagem (lembrando tudo visto pela retina como imagem), e os caminhos de

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construção e reconstrução de seus significados através dos observadores e com Freud, entenderemos como os recursos da psique em diálogo com experiências vividas pode interpretar e selecionar uma informação que a imagem carrega, bem como, que tipo de sentimento pode ser amplificado no observador influenciando sua conduta ou fortalecendo traços dela. Pierce apud Nörth et All (2005), observa signo, ou representamem, como aquilo que representa algo para alguém, criando na mente desta pessoa um signo equivalente ou até um signo mais desenvolvido, se o signo recebido se relacionar com mais de um signo no banco de dados (memória) do receptor. Esse signo criado é denominado interpretante do primeiro signo. O signo, então, representa um objeto, não em todos os seus aspectos mas com relação a algum tipo de idéia, que Peirce denominou fundamento do representamem. Temos na figura abaixo, o representamem como uma ideia inicial que é representada pelo objeto, e os interpretantes como o sujeito que tem a compreensão da ideia inicial relativa ao conhecimento e experiência particular que carrega em si, podendo compreender parcialmente a ideia inicial até ir além dela, através de novas relações de conhecimento. Figura 4: signo e representamem.

Figura 2 - Signo Fonte: BARROS, Jorge Luiz. Panorama sobre a filosofia de Charles Sanders Pierce. Mestrando em Filosofia, área de concentração Ciências Cognitivas e Filosofia da Mente - UNESP/Marília.1998.

E “representar como ‘estar para, querer dizer, algo está numa relação tal com o outro que, para certos propósitos, ele é tratado por uma mente como se fosse aquele outro”. [PEIRCE apud Nörth et All. 2005. p.17]. Outros autores como “Speber (1985:77) ”, observam representação como um sinônimo de signo dividindo-o em representação mental (representações internas ao dispositivo) e

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representações públicas (representações externas ao dispositivo). E ainda, representação como relação sígnica (significado), como já na escolástica medieval era abordado, como processo de apresentação de algo por meio de signos.

As relações humanas mantêm a mente nesse processo semiótico

contínuo e conflituoso. Penso que tanto os pré-conceitos e rótulos acerca das coisas têm por base esse mesmo processo; não sendo, portanto, o processo em um problema ou uma solução, mas a forma como ele acontece em cada situação; como o interpretante é atualizado em cada mente. As emoções, se danosas, quando agregadas ao processo, deturpam as possibilidades de compreensão do objeto semiótico, limitando a observação e as interpretações do objeto, nas quais encontraríamos a compreensão e o discernimento, para nos desviar, por exemplo, dos padronizados processos repetitivos de defesa da psique. As emoções relacionadas às experiências, conceitos e imagens, trabalham num sistema complexo de processos internos, como descreve Pimenta et All (2012), na imagem abaixo: Cabe dizer, por fim, que, a partir de uma perspectiva sócio-semiótica, concebemos as emoções como fenômenos complexos que se constituem em várias dimensões, pois, além de possuírem um substrato biológico, são construídas através de processos psicológicos e estão inseridas em contextos históricos, culturais e sociais interativos e dinâmicos. Elas fazem parte de conteúdos internos, subjetivos dos seres humanos e se ligam, de forma dialógica, ao espaço social e objetivo, mantendo, com ele, integração e articulação constantes. [Pimenta et All, 2012, s/nº p.] Figura 5 – Emoção. Esquema signos derivados da emoção que se relacionam diretamente com signos imagéticos que por sua vez, derivam de signos- objeto-matéria

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Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44502012000300009&script=sci_arttext

Isso pode ser pensado também quando a imagem (arte) se relaciona com o público. Uma imagem pesada, opressiva e caótica com certeza agregará mais energia negativa às informações (experiências, condicionamentos, emoções, etc.) que o interprete que se relaciona com ela carrega em si. Posso dizer, então, que imagens dessa natureza utilizadas na busca de denunciar fatos antiéticos ou despertar o observador para uma consciência individual ou social mais participativa e positiva, podem não alcançar tal propósito já que, o contato contínuo do interprete com o objeto semiótico em questão é, correspondente às informações negativas que o intérprete carrega, podendo portanto, também ampliar uma visão ainda mais negativa dos fatos apresentados (pela narrativa da imagem – mais abstrata ou não) e neste caso, com menor possibilidade de influenciar mudanças que se oponham ao que foi apresentado, já que a resposta

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do observador depende também das informações que o mesmo carrega em seu histórico de vida. Acrescentamos que não desconsideramos a importância de denunciar a natureza negativa da realidade, porém, diante dos esclarecimentos anteriores, consideramos que, se queremos fortalece no outro (sujeito-interpreteinterpretante), sua visão mais positiva e construtiva dos acontecimentos e informações que o objeto representa, temos de considerar que uma construção de imagem (objeto) que dialogue com o que buscamos solucionar, pode ser eficiente mais eficiente, dependendo do interpretante, do que uma imagem que reproduza a negativa com a qual discordamos. O problema é uma busca de solução, então consideramos que a solução deve se apresentar com mais força que o problema, para que o mesmo, possa ser resolvido. Pois para cada informação sígnica que recebemos, já temos extenso banco de dados de semelhança ao qual ela pode ser relacionada e, como as emoções (tanto de caráter positivo quanto negativo) também fazem parte desse processo semiótico mental, seria importante refletir na construção da imagem: que informações emocionais estamos acessando no interprete e qual a consequência delas? Estamos influenciando pessimismo ou soluções? E como para uma informação podemos ter uma avalanche de sentimentos diferenciados, então para várias informações isso provavelmente poderá ser multiplicado. Então para um caminho eficiente no autoconhecimento e na melhor relação com o outro devemos selecionar nossas informações de acordo com o que buscamos. Se queremos paz e equilíbrio, justiça e ética, como nos concentraremos na prática diária de nosso propósito com os olhos pregados em informações de assassinato, programas de baixo calão, e pinturas de telas com figuras mórbidas e demoníacas? E o outro em contato com elas? O leitor pode estar se perguntando: Devemos então, afastar-nos de certos aspectos da realidade, selecionando uma realidade individual? Nós podemos considerar que sim e que não. Sim, no sentido de que as emoções humanas, podem ser impulsoras da vontade, que por sua vez, leva a ação, sendo assim, manter a constância de nossa atenção em informações que movimentem nossa vontade positiva de maneira otimista, pode ser uma escolha crucial e determinante na perseverança de buscar soluções e talvez conseguir solucionar um problema coletivo. Pois, somente, nossa força individual, ou seja,

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acreditar e visualizar a mudança, pode ser capaz de se estender ao coletivo. Por outro lado, não podemos ignorar os aspectos negativos da realidade, entretanto, consideramos que já observada e compreendida tal realidade, seria um desperdício de nossas energias enfatizá-la ainda mais. Quem tem um problema, almeja solução, então, uma simples narrativa do mesmo não é capaz de fazê-lo. Podemos considerar aqui que há uma desproporção enorme entre as narrativas dos problemas e soluções apresentadas, estando esta última, menos favorecida quantitativamente e, se nos construímos pelo exemplo desde a terna infância até o fim da vida, como verão adiante com Travis, é na observância do bom exemplo e das idéias e conduta positivas, que poderemos mudar nossos padrões de realidade, que começam do subjetivo para o material, mudando antes nossos padrões mentais. Poderíamos dizer que não sentimos o que vemos mas, como vemos, sendo assim, a realidade que vivenciamos é a realidade que observamos, criando padrões mentais que interferem nas escolhas de ação. Se não escolho amar – se escolho reter o meu amor – naquele momento é criado um vácuo psíquico. E o medo se apressa em preencher o espaço. Isso se aplica aos meus pensamentos sobre os outros e sobre mim. Tendo focado nos aspectos da sombra de outra pessoa, não posso deixar de entrar nos meus: o aspecto da raiva, do controle, da carência, da desonestidade, da manipulação, e por aí em diante. Uma vez que entro na escuridão de culpar e julgar, fico cega para enxergar minha luz, e não consigo achar meu self melhor. [...] O mundo está dominado pelo pensamento baseado no medo [...], o medo fala primeiro e mais alto. Não há escuridão para analisar aqui, é a luz que temos que ascender! De forma a evitar as garras da sombra precisamos constantemente ir em busca da luz. [...] Nosso estilo de vida é em geral uma presa aos pensamentos sombrios, por nenhuma razão além de ser excessivamente ruidoso. Televisão demais, computador demais, excesso de estímulo exterior diminuem a luz que só é encontrada no pensamento reflexivo e contemplativo. [...] O problema então não era a presença da negatividade, mas a ausência da positividade! Assim que preenchi minha mente com gratidão, o traço sombrio de autoaversão já não tinha como existir. Na presença do amor o medo some. [...]A consciência é uma energia dinâmica, criativa. Ela não é inerte estagnada. Está sempre se expandindo; qualquer que seja a direção, está se movendo. O amor sempre constrói sobre o amor e o medo sempre constrói sobre o medo. A sombra é um impulso inexorável na direção do sofrimento e da dor. [...] A única forma de superar a sombra é nos tornarmos nosso verdadeiro self. [ Chopra et All, 2005, p.201 – 217].

E, acrescentando a Chopra et All (2005), a vontade de mudança positiva não existe onde há medo. Aprofundamo-nos nessa reflexão adiante compreendendo recursos de proteção da psique que influenciam escolhas e conduta (Freud 1920) e, no

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capítulo 2, damos continuidade, com compreensão dos estados da mente e possíveis caminhos para a melhora da postura mental com Chopra et all (2010), Osho (2002), Travis (2006), Travis (2014) e Tunner et All (2009). Freud (1920) comenta, que há um período pré consciente, anterior a consciência, algo como um período pré-reflexivo e somente depois o reflexivo. O pré-reflexivo está entre o consciente e subconsciente e, por esse motivo, busca referência na experiência do outro, mantendo o subconsciente protegido, enquanto que a reflexão, que vem da compreensão no próprio “Eu”, é a relação consigo mesmo. Acreditamos que mostrar informação de agressões cotidianas, continuamente, seja através de mídia, arte ou outro veículo de linguagem, sem contraponto de exemplo imagético positivo de como deveria ou poderia ser o mundo ou o indivíduo, é estar no estágio pré-reflexivo e sem percebê-lo, se mantendo no medo de resolver as próprias deficiências. Pois, antes de muda-las é necessário admiti-las, e estando nesse estágio pré-reflexivo, a mente mascara os próprios desequilíbrios emocionais do sujeito, na tentativa de resolver o que está no outro. É o eu do sujeito se projetando como eu externo (no outro), para evitar a dor. Desta maneira, assumir a responsabilidade pela própria mudança é constantemente adiada, pois a culpa está sendo projetada no outro. Não que este outro, não possa ter cumprido algum papel de interferência danosa na vida do sujeito que projeta, entretanto, pode haver de ser fato passado, mas a mente não trabalha com linearidade de tempo (aprofundamento em Travis mais adiante), então entende o fato como genérico e não um fato isolado se mantendo em estado de constante proteção para tal fato danoso ou outros semelhantes. Projetar-se na consciência do outro, deriva de um sistema de sentido do inconsciente que seria o signo da consciência pelo qual o outro é percebido num processo de projeção do eu no outro. Entenderemos esse processo melhor adiante pelo mecanismo de seleção de prazer e desprazer. Abaixo, exemplo em esquema sobre reflexão e pré reflexão do ponto de vista semiótico, neste caso, com relação a meninos que sofreram abuso sexual, considerando o fato como um exemplo de dano à psique: O modelo apresenta três diferentes níveis referentes aos procedimentos reflexivos, conforme descreveu Lanigan (1988, pp. 173174). Na descrição, o foco é a experiência, que consiste na dialética entre eu (self) e outros (others), onde a reflexão como função

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significante é reflexivamente a pré-reflexão como função significada. No segundo nível (redução), a experiência é uma consciência do (significante) eu (significado) como uma reflexão; enquanto que no plano da pré-reflexão, experiência é a consciência de (significante) um outro (significado) como requerido pela percepção do outro. Ao nível da interpretação focaliza-se a consciência ao situar o fenômeno no campo pré-consciente que é o signo (significante/significado) do eu na consciência como parte do pano de reflexão; reflexivamente, no plano da pré-reflexão, focaliza-se o inconsciente como o signo (significante/significado) da consciência (significante) pelo qual um outro (significado) é percebido. [Kristensen et All, 2001]. Figura 6 - Modelo semiótico de relação humana.

Fonte: http://www.ufrgs.br/museupsi/lafec/a2001a.htm

Adaptando o primeiro modelo aos: [...] diferentes contextos (as partes) da experiência de abuso sexual (o todo), obtiveram-se seis variações de acordo com a relação de significação apresentada na descrição. No sistema de signos do contexto do abuso, é possível conceituar os prejuízos vivenciais como significantes, enquanto os significados seriam os prejuízos relacionais. [Kirstensen et All, 2001].

Como figura abaixo: Figura 7 – Modelo semiótico de relação humana 2.

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Nesse ponto analisemos a diferença entre referência, representação e apresentação. Enquanto referir-se é um ato de remetimento ao mundo, representar significa “apresentar algo por meio de algo materialmente distinto (...) nas quais certas características ou estruturas daquilo representado devem ser expressas, acentuadas e tornadas compreensíveis pelo tipo de apresentação, enquanto outras devem ser conscientemente suprimidas (...) ‘apresentação’ é utilizada tendencialmente para a presença de conteúdo na mente, enquanto ‘representação’ é reservada para casos de consciência de um conteúdo, nos quais um momento de redação, reprodução e duplicação está em jogo. [Nörth et All, 2005, p. 20]

Marx Bense apud Nörth et All (2005, p.20), conclui que um objeto apresentado (diretamente, se mostrando a si mesmo) funciona ontologicamente3 e objetos representados (mediados) funcionam semióticamente. Até a Renascença era atribuída aos signos uma relação de semelhança com seu objeto de referência e, já no limiar da era clássica, o signo já não representa uma coisa, mas a ideia de uma coisa. Sendo assim, já duas idéias: uma do objeto que representa, outra, do objeto representado. Aqui temos uma ideia de autoreflexividade dos signos. A partir desse período os signos não são

3

Ontologia implica no estudo do comportamento do ser humano por si mesmo, o conhecimento do seu íntimo e da razão de sua existência.

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mais representações materiais mas sim subjetivas e únicas de conceitos (North et All, 2005, p.23). A partir do século XIX a premissa clássica de que algo é verdadeiro por não poder ser visto de outra forma, além dos moldes clássicos, deixa de vigorar quando sofre intervenção do tempo na síntese da representação. A ordem das coisas não é mais fundamentada na razão e suas representações, mas nas regularidades históricas, que são inerentes aos sistemas das coisas. (...) a representação deixou de ter valor para (...) “as palavras como seu lugar de origem e localização primitiva de sua verdade. (...) A representação que se faz das coisas (...) é a aparência de uma ordem que agora pertence às coisas mesmas e sua lei interior” (Nörth et All, 2005, p. 24).

E o signo passa a carregar consigo vários vestígios de outros signos. Na imagem abaixo o sujeito observa o objeto sígnico e cria possíveis significados a partir da relação que objeto sígnico estabelece com as informações (emocionais, imagéticas, conceituais entre outras) que fazem parte da construção interna do sujeito. Figura 8 - Semiose as possíveis interpretações originárias de outros signos

Fonte: http://theorykal.blogspot.com.br/2011_03_06_archive.html

Pensemos essa visão semiótica dentro das considerações de Hall (1997) da construção de identidades ao longo do tempo e sua fragmentação nos tempos de hoje, em conflitos internos na simbiose de novas informações. Poderíamos ver o indivíduo como um grande signo compartimentado em infindáveis signos menores, sempre se reordenando com informações acrescidas que assim como

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os signos passados, ao longo dos períodos, também está sob a pressão dos mesmos no julgamento de si pelos olhos dos outros, tirando o foco de seu centro. É fato que a troca de experiência e a convivência entre os indivíduos é de suma importância para a maturidade dos mesmos, mas o que observamos aqui são os detalhes fragmentados nesse processo que possam causar danos na percepção e conduta do sujeito, tanto para si quanto para o outro, o que acontece quando não há compreensão e aprendizado dos fatos vividos. Pensar em representação mental não é só uma exclusividade da semiótica, mas de outras áreas do conhecimento como a Ciência Cognitiva e a Psicologia e através delas entenderemos a natureza dos signos e processos apontados pela semiótica. A partir daqui as perguntas pertinentes, segundo Nörth et All (2005) são: como será o armazenamento de conhecimento e informação? É armazenada por meio de símbolos? Por meio de novas imagens? E as representações mentais do

conhecimento

linguístico?

Imagens

abstratas

são

codificadas

simbolicamente? Será que há momentos para representações diferentes? Vejamos! Nörth et All (2005) apresentam de início quatro modelos sobre a forma de nossa representação mental. O Primeiro é o modelo das ideias como uma matéria mental estruturada, que considera que não somente coisas físicas validam-se como matéria estruturada mas também as idéias. Ou seja, a representação mental formada a partir da idéia na mente também compõem-se em matéria e forma. No segundo modelo imagético, trata de criação de imagens a partir do conhecimento, hoje denominado representação analógica. No terceiro, por meio de símbolos, trata da linguagem e, em especial, dos conceitos abstratos que se apresentam representados como símbolos. E, no quarto modelo, representações mentais constituídas somente a partir de processos neurofisiológicos, defendida pelo coneccionismo (aspecto cognitivo assemiótico) onde o “conhecimento é representado mentalmente [...] na forma de processos de ativação ou inibição fisiológica de ligações sinápticas em redes neurais”. (Nörth et All, 2005, p.27). O coneccionismo contrapõe-se ao cognitivismo (aspecto cognitivo semiótico) onde os processos de transmissão de impulsos eletroquímicos entre neurônios podem ser interpretados, ao nível biossemiótico, como (neuro) semióticos.

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Discussões no campo da Ciência Cognitiva, segundo Nörth et All (2005), trazem questões quanto às imagens, como ideias e ideias como imagens, onde as ideias poderiam se constituir primeiramente de palavras em contraponto à observação de que o pensamento só é possível através de imagens. Idéias como cópias da realidade onde, segundo os epicuristas, “os objetos da realidade irradiam, na forma de átomos invisíveis, cópias materiais que alcançam o cérebro humano eidola ou simulacra. Assim, a imagem mental é um ícone da realidade”. (Nörth et All, 2005, p.28). Os autores também trazem à reflexão sobre o assunto a Teoria Representativa da Percepção de Descartes, “de acordo com a qual o percebido provoca representações internas que tem uma relação de semelhança com os objetos percebidos sem, no entanto, possuir necessariamente o caráter de imagens reais” [Nörth et All, 2005, p.29] E, acrescentam, ainda, a observação de pensamentos como cópias da realidade conforme a epistemologia marxista-leninista onde: Cada ato de cognição tem uma imagem mental como resultado. Cada cópia mental é um tipo de cópia da realidade. Tais cópias vigoram como resultados ideais de um processo de espelhamento no qual o homem adquire mentalmente uma “realidade objetiva”. Nesse caso, a cópia é distinta do objeto que ela copia devido a processos neurofisiológicos de transformação no cérebro. Contudo, a cópia e o objeto são dependentes um do outro e congruentes um com o outro. [Klaus & Segeth 1962; Klaus 1963; Resnikou 1997 apud Nörth et All, 2005, p.29].

Nörth et All (2005) observam que as discussões se dividem em controvérsias entre defensores de dois modelos cognitivos: os “modelos simbólicos proposicionais” da representação mental do conhecimento de mundo visual e não visual consideram que “ as proposições representam idéias, e que a linguagem (ou imagery) expressa proposições, e consequentemente idéias. O pensamento ocorre no nível proposicional”, que é o enunciado de uma verdade que se quer demonstrar ou de um problema que se pretende resolver, ou seja, “imagens não são armazenadas de forma visual icônica, mas finalmente, na forma de símbolos digitais elementares, dos quais se originam redes de sistemas simbólicos através de regras de combinações” (Nörth et All, 2005, p.31); e o “modelo analógico” do pensamento em forma de imagem, representam mais

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diretamente objeto de referência, organizadas por regras específicas à modalidade através da qual a informação/imagem foi originalmente encontrada. Os autores, concluem que: Após controvérsias iniciais entre os defensores dos dois modelos, a opinião de que a representação imagética não se baseia realmente em cópias armazenadas, mas que mesmo assim, tem que ser icônica de uma outra maneira [...]. Pesquisas neurofisiológicas também mostraram que imagens mentais ativam, no cérebro, os mesmos padrões de excitação neuronal (do córtex visual) que a visão real e essas regiões do cérebro ativadas no processo visual são outras do que aquelas ativadas por conceitos abstratos. Por outro lado, operações simbólicas também devem ter, ao mesmo tempo, um papel na evocação de imagens mentais, pois a ativação de regiões do cérebro que, em outros casos, ocorre no processamento linguístico, também pode ser observada. (Nörth et All, 2005, p.32).

Os autores observam um caminho mediador entre as duas posições da psicologia cognitiva com as teorias de Paivio e Kosslyn: A Teoria de Paivio (1986) da codificação dual é uma teoria mediadora das duas posições da psicologia cognitiva. De acordo com ela, é verdade que existem dois sistemas mentais separados, dos quais a informação verbal e visual é processada dominantemente. No entanto, no processamento cognitivo de imagens, não somente o sistema visual, mas também o sistema verbal está envolvido. “Cópias” verbais da imagem se originam paralelamente à codificação imagética, que é, assim, codificada duplamente (ver Yiulle, org. 1983). Uma outra posição mediadora entre as teorias da representação mental da imagem e do signo verbal é defendida por Kosslyn (1980; 1981). Ele diferencia entre uma representação de imagens de superfície e uma profunda. A primeira se refere à memória de curto prazo, a última à memória de longo prazo. A representação imagética na memória de curto prazo é, para Kosslyn (1981: 213, 217), “quase pictural” e acontece num “meio espacial”, enquanto a representação de longo prazo de imagens é literal e proposicional. Neste caso, no entanto, a representação profunda estruturada simbolicamente pode, a qualquer momento, gerar uma representação superficial estruturada pictoricamente. [Nörth et All, 2005, p. 32].

Pensando agora em todas essas possibilidades, vamos primeiramente considerar que a ciência ainda conhece muito pouco sobre os mecanismos e processos mentais e que nesse vasto campo a ser descoberto ainda para descobertas, todas podem acontecer simultaneamente ou alternadamente, dependendo do que se observa e de como se observa. Vamos lembrar também que a generalização de estudos em questões científicas se propõe a fixar uma base de referência de acordo com uma maioria de casos semelhantes, mas não todos os casos existentes no mundo; e que particularidades emocionais e outras de cada indivíduo interferem de maneiras diferenciadas nesses processos mentais, emocionais e fisiológicos que constroem cada fragmento que compõe

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o indivíduo. Aqui o foco são essas particularidades. E que a busca de solucionar e compreender questões diversas está diretamente ligada à necessidade humana de buscar segurança e fugir do medo. Pensem aqui então, todas as questões colocadas com a mente aberta, sem julgamentos de certo e errado mas,

simplesmente

de

possibilidades

que

devem

ser

observadas

particularmente em cada indivíduo e pelo próprio indivíduo para sua construção. Quando uma obra (pense imagem conforme apontado no início do capítulo) é criada pelo artista, ela pode ter sido influenciada por outras imagens, por pesquisa, em um processo de observação direta de outro material (imagens), ou ter sua criação livre dessas influências, ao menos diretamente (diante do papel em branco sem tema pré-definido e imagem de referência. No primeiro caso, a escolha da imagem ou das partes das imagens-referência obedece a ordenação do sistema interno do produtor, em diálogo com sua percepção de mundo. No segundo caso, o mesmo também acontece, porém, há maior liberdade à expressão do subconsciente além do consciente, já que a criação por ser livre permite o uso de maiores recursos e produtos (subjetivos) armazenados. No caso do observador, receptor, interlocutor da obra, a assimilação da obra e sua proposta é relativa às informações de semelhança que o interpretante carrega em si, e a quantidade e a qualidade dessas informações possibilitam também inter-relações que podem ir muito além da proposta inicial da obra. A emoção tem papel importante nesse processo e costuma estar associada a imagens, fatos e linguagens variadas, direta ou indiretamente, tendo seu peso na movimentação das informações entre o consciente e o inconsciente. Entender a organização das imagens só pela própria imagem nesse sistema de reflexão espelhada não basta, pois não esclarece sobre o possível responsável pela seleção delas. Vimos como as informações possivelmente se manifestam na mente ou na execução física (obra ou ação), de uma ideia, que surgiu a partir de outra ideia, entre outras possibilidades. Mas porque escolhemos uma informação em detrimento da outra? Como a mente seleciona o que vai ser signo do signo e o que não vai? Além dos fatores sociológicos, citados no capítulo anterior, onde hà

busca

de

poder,

segurança,

status,

a

aceitação

por

meio

de

75

condicionamentos sociais passados ao longo dos séculos, entender um pouco a função do consciente e do subconsciente é fundamental para começar a trilhar esse caminho de escolhas acertadas e achar o “eu” interno em nossa essência mais pura. Já ouvi muitas vezes a expressão: “ Se nascêssemos com um manual de instruções...’, mas eu acredito que, de certa forma, nascemos. Porém, ele é único e intransferível e se encontra dentro de cada um, por isso modelos genéricos das coisas do mundo jamais satisfarão qualquer dúvida interna, uma vez que funcionam como um mapa do tesouro, podem apontar caminhos; mas, dentro de cada um, esses caminhos são diferentes e cada um tem de que achar o seu. Para tanto, vamos percebendo ao longo da pesquisa, a necessidade de conhecer seu processamento interno. Essa forma de como usar as referências informacionais para encontrar o “caminho de si” sabendo que é único e intransferível, é a base da obra de instalação proposta nesse projeto de pesquisa. E meu interesse em desenvolver uma pesquisa teórica tão focada no assunto e não circundando apenas o desenvolvimento técnico de obra, é porque ao longo desse processo percebi que, apesar do papel didático da arte, como Fisher acrescenta no começo do texto, essa didática só será possível pela qualidade do autoconhecimento que o sujeito possua de si, em sua capacidade de percepção, qualitativamente. Então, concordo que seja didática. Fisher (1997) diz, que a arte é naturalmente didática sugerindo a construção interna do observador exclusivamente positiva, sem aprofundamento nas questões que observamos aqui, mas pode não ser impreterivelmente didática para construções positivas. Finalmente, em acréscimo, pode-se lembrar que a representação e a imitação artísticas efetuadas por adultos, as quais, diferentemente daquelas das crianças, se dirigem a uma audiência, não poupam aos espectadores (como na tragédia, por exemplo) as mais penosas experiências, e, no entanto, podem ser por eles sentidas como altamente prazerosas. [FREUD, p.6, 1920].

Pode ser interessante deixar a mente do observador (criador artista) fluir sozinha, quando o criador, enquanto indivíduo também fragmentado e em contínuo processo de construção, pode encontrar nessa prática muitas particularidades internas a serem trabalhadas para sua melhora, não se apresentem claramente para ele, por estarem inconscientes. Mas, seria interessante pensar em como o que foi criado irá influenciar o observador,

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quando a obra é exposta ao público. No caso de a obra resultar de uma transformação interna, uma exteriorização de algo negativo para o artista, devemos considerar que na relação com o público o significado será também transformador? Consideramos então, aqui, a necessidade de que quando o autor/artista cria diálogo com as pessoas, através de sua obra, deve procurar ter ciência de seu papel influenciador através das informações contidas na obra que, por sua vez, dialogam com as informações internas do observador. O artista não deve esquecer que ele próprio é também, influenciado constantemente por informações externas, tanto quanto o observador, e que essas podem ter grande peso nas escolhas que ele faz para si. Assim para todos os intermediários de conhecimento e informação, usando seja qual for a linguagem das artes, ou da comunicação, observamos aqui a imensa responsabilidade envolvida e, em consequência, a necessidade de autoconhecimento; nesse caso, principalmente por parte de quem veicula a informação. Poderíamos então sugerir aqui, que algumas criações são de importância maior para o executor, seja pela sua necessidade de expressar-se para seu equilíbrio emocional diante de determinadas situações ou para se descobrir em fragmentos inconscientes, podendo não ser necessariamente apropriadas à construção positiva no observador, enquanto que outras estariam mais adequadas a tal propósito, motivando e sugerindo mudanças de conduta e pensar mais positivas que realmente possam movimentar mudanças práticas e consistentes. Considerei esse exercício teórico na execução de obra importante para a própria força da obra em sua apresentação. O óbvio absoluto não existe. O óbvio pode ser óbvio para uns e não para outros, consideramos que a observação de algo como óbvio é relativo a conhecimento quantitativa e qualitativamente, que possua o sujeito que faz o julgamento de algo como óbvio. Não tratemos pois, somente de compreender uma idéia ou proposta mas também dividir o processo de relacionar idéias, processo de pensar, de descobrir, de mostrar como se constrói materialmente uma idéia pelas artes, e como se absorve uma idéia da construção física artística. Então, retomando o tema, qual o papel do consciente e subconsciente nesse processo de construção do SER, com seus mecanismos de seleção de informações singulares, que podemos observar aqui, tanto quanto ao criador de

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objeto de arte, quanto ao receptor das informações artísticas e o que são o consciente e o inconsciente? Como funcionam nesse processo de construção do indivíduo? Freud é uma boa referência inicial para essa compreensão. Em seu ensaio de 1920, Além do Princípio do Prazer – Livro XVIII (1920), o autor analisa que o curso tomado pelos eventos mentais está diretamente ligado ao princípio de prazer4, que parte do instinto, funciona como um regulador de tensão, entre o prazer e o desprazer que participa dos mecanismos do consciente e do subconsciente. O consciente é a luz, onde podemos visualizar com clareza os eventos vividos; e o subconsciente é o quartinho escuro onde fica guardado o que é nocivo à saúde emocional e à psique.

4

Nos primeiros trabalhos, Freud sugeria a divisão da vida mental em duas partes: consciente e inconsciente.

Nos

trabalhos posteriores, Freud reavaliou essa distinção simples entre o consciente e o inconsciente e propôs os conceitos de Id, Ego e Superego. Id: fonte de energia psíquica e o aspecto da personalidade relacionado aos instintos. Ego: aspecto racional da personalidade responsável pelo controle dos instintos. Superego: o aspecto moral da personalidade, produto da internalização dos valores e padrões recebidos dos pais e da sociedade. O "ID", grosso modo, correspondente à sua noção inicial de inconsciente, seria a parte mais primitiva e menos acessível da personalidade. O id contém a nossa energia psíquica básica, ou a libido, e se expressa por meio da redução de tensão. Assim, agimos na tentativa de reduzir essa tensão a um nível mais tolerável. Para satisfazer às necessidades e manter um nível confortável de tensão, é necessário interagir com o mundo real. Por exemplo: as pessoas famintas devem ir em busca de comida, caso queiram descarregar a tensão induzida pela fome. Portanto, é necessário estabelecer alguma espécie de ligação adequada entre as demandas do id e a realidade. O ego serve como mediador, um facilitador da interação entre o id e as circunstâncias do mundo externo. Enquanto o id anseia cegamente e ignora a realidade, o ego tem consciência da realidade, manipulaa e, dessa forma, regula o id. O ego obedece ao princípio da realidade, refreando as demandas em busca do prazer até encontrar o objeto apropriado para satisfazer a necessidade e reduzir a tensão. O ego não existe sem o id; ao contrário, o ego extrai sua força do id. O ego existe para ajudar o id e está constantemente lutando para satisfazer os instintos do id. Freud comparava a interação entre o ego e o id com o cavaleiro montando um cavalo que, fornece energia para mover o cavaleiro pela trilha, mas a força do animal deve ser conduzida ou refreada com as rédeas, senão acaba derrotando o ego racional. O superego representa a moralidade. Freud descreveu-o como o "defensor da luta em busca da perfeição - o superego é, resumindo, o máximo assimilado psicologicamente pelo indivíduo do que é considerado o lado superior da vida humana" . Observe-se então, que, o superego estará em conflito com o id. Ao contrário do ego, que tenta adiar a satisfação do id para momentos e lugares mais adequados, o superego tenta inibir a completa satisfação do id. O superego, desenvolve-se desde o início da vida, quando a criança assimila as regras de comportamento ensinadas pelos pais ou responsáveis mediante o sistema de recompensas e punições. O comportamento inadequado, sujeito à punição torna-se parte da consciência da criança, uma porção do superego. O comportamento aceitável para os pais ou para o grupo social e que proporcione a recompensa torna-se parte do egoideal, a outra porção do superego. O comportamento aceitável para os pais ou para o grupo social e que proporcione a recompensa torna-se parte do ego- ideal, a outra porção do superego. Dessa forma, o comportamento é determinado inicialmente pelas ações dos pais; no entanto, uma vez formado o superego, o comportamento é determinado pelo autocontrole. Nesse ponto, a pessoa administra as próprias recompensas ou punições.

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Figura 9: Consciente e Inconsciente

Fonte: cosmicapoeira.blogspot.com

Mas como funciona esse recurso? De acordo com as observações do autor, o instinto nesse sentido funciona pela seleção de informações e conduta pelo prazer e desprazer, que por sua vez se encontram vinculados à quantidade de excitação presente na mente, uma vez que o desprazer corresponde a um aumento na quantidade de excitação, ao passo que o prazer está ligado a uma diminuição na quantidade de excitação. A observância em questão é o fator determinante do sentimento relacionado ao aumento ou diminuição de excitação em um período de tempo específico e não somente uma relação entre as intensidades dos sentimentos de prazer. Vamos entender que essa excitação está mais vinculada ao caminho que em excesso encontra o stress e a ansiedade e irritabilidade ou outros sentimentos como estes. A imagem abaixo nos introduz à reflexão da força de nossos pensamentos (manifestação de informações que carregamos, por vezes se apresentando inconscientemente), como fator condutor de ações e realidades que viremos a vivenciar. No caso da figura abaixo, a observância da ansiedade originada de medo diante de projeções futuras na mente, é como antecipação

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de um problema que ainda não aconteceu e é visto pela mente em simbiose com emoções de insegurança e medo, trazendo o problema inexistente para o presente. Figura 10: Ciclo vicioso de ansiedade.

Figura 9 - Desenvolvimento de Ansiedade Fonte: cosmicapoeira.blogspot.com

O princípio do prazer é nato do método primário de funcionamento do aparelho mental e, de acordo com Freud (1920), ineficaz e altamente perigoso. Quando se encontra sob a influência do instinto de autopreservação do ego é substituído pelo princípio de realidade. Este último mantém a intenção fundamental de obtenção de prazer, entretanto efetua o adiamento da satisfação e uma tolerância do desprazer. É dessa maneira que costumamos adiar nossa felicidade. A mente sempre mantendo o pensamento de que “quando tal coisa acontecer” ou “quando tal coisa for resolvida”, então serei feliz. E assim a mente nos mantém num futuro que nunca chega e a experiência de prazer e alegria no presente, no agora, nunca se faz possível, pois está sempre em adiamento. O desprazer também é liberado nos conflitos do ego, enquanto está se

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desenvolvendo para organizações mais altamente compostas, que são as fragmentações dissertadas anteriormente por Hall (1997). É quando os instintos individuais ou parte deles se mostram “incompatíveis com seus objetivos e exigências, com os remanescentes, que podem combinar-se na unidade exclusiva do ego”. (FREUD, 1920, p. 32). Crenças e valores que entram em choque enquanto o indivíduo está no processo de compreensão das mesmas na tentativa de escolhas com consequências mais acertadas e previsíveis. O autor, para melhor exemplificar a questão, nos convida a imaginar “um organismo vivo na sua forma mais simplificada possível, como uma vesícula indiferenciada de uma substância que é suscetível à estimulação” (FREUD, 1920, p.11), sendo esse organismo nossa psique. A superfície da mesma voltada para o mundo externo se diferenciará de seu interior para o recebimento de estímulos externos de energia. A continuidade de estímulos conflituosos com a natureza da psique (qualquer informação recebida que desencadeie emoções fortemente danosas ao indivíduo, que mantém o sujeito com a mente em constante estado de excitação, por exemplo, stress, ansiedade, raiva, tristeza) a torna inorgânica, formando uma membrana grossa na área externa a fim de proteger seu interior da morte. A membrana externa salva todas as camadas mais profundas com sua morte e a partir daí as energias externas só acessam as camadas adjacentes com fragmentos de sua intensidade original. Esse mecanismo não só diminui o acesso de quantidades excessivas de estimulação como também exclui tipos inapropriados de estímulos (como exemplificado, anteriormente). Passam a apanhar apenas amostras do mundo externo. Ocorre que se esse processo se fizer continuo, certa hora a camada interna estará impenetrável a qualquer tipo de estímulo externo. Como o interior, não tendo a mesma natureza do escudo protetor da parte externa, quando em constante contato com estímulos externos danosos, ocorre que em grandes doses de sofrimento (estímulo) o escudo passa a ser atravessado em alguma região e a mente reage à invasão convocando energia catéxica de todos os lados e fornecendo catexias altíssimas nos arredores da ruptura. A Catexia é o processo pelo qual a energia libidinal disponível na psique é vinculada a representação mental de uma pessoa, ideia ou coisa. Por exemplo, a raiva sentida contra uma pessoa é uma catexia ou fixação de energia na

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representação mental dessa pessoa e não dela como objeto. Sendo assim, o objeto de observação interno passa a ser sentido como externo no processo de proteção contra um mal eminente. Os processos mentais inconscientes são atemporais, ou seja, as informações nele contidas se mantem imutáveis e o sentimento relacionado às mesmas permanece sempre como no momento em que a informação chegou. E, considerando que boa parte dos conceitos e condicionamentos sociais, religiosos, familiares e outros, têm base nos sentimentos de medo, acompanhado de falso senso de proteção, como por exemplo, evitar que algo não previsível possa causar danos, ou mecanismos de projeção de danos anteriormente sofridos (por parte do próprio indivíduo ou de suas referências), que é quando o indivíduo projeta no outro (pessoa externa) problemas sofridos no passado que acrescento, podem também não necessariamente, ter relação com esse outro, se a pessoa estiver num processo de projeção posterior ao fato danoso, ou seja, relacionando nova experiência a experiência negativa pretérita. Como exemplos citados por Cukier (2008), no Subcapítulo 1.2, vemos que esse processo não se limita a questões de traumas graves que desencadearam processos psíquicos mas são inerentes à todos os indivíduos, em graus diferenciados, relativos às experiências vividas. Simplificando, o consciente, com seu mecanismo base de prazer e desprazer para proteção psíquica, quando exposto a excessiva quantidade de estímulos de excitação, manda a informação relacionada à situação ao subconsciente, que são as camadas menos acessíveis e quando isso acontece há uma mudança na relação prazer/desprazer. Pois o que antes era prazer, quando mandado para as regiões mais obscuras passa a ser desprazer por ser reprimido. O reprimido, por sua vez, se mantém em constante adiamento do prazer, com medo de sofrimento de desprazer em altas cargas novamente. A maior parte do desprazer que experimentamos é um desprazer perceptivo. Esse desprazer pode ser a percepção de uma pressão por parte de instintos insatisfeitos, ou ser a percepção externa do que é aflitivo em si mesmo ou que excita expectativas desprazerosas no aparelho mental, isto é, que é por ele reconhecido como ‘perigo’. [FREUD, p.3, 1920].

Por exemplo, relacionamentos íntimos têm situações de prazer como confiança, amizade, troca de afeto entre outras. Se uma pessoa sofre grandes quantidades de estímulos danosos em experiência negativa desse caso, passa

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a evitar relações, pois estas passaram em sua percepção à condição de perigo e viram sinônimo de desprazer futuro. O mesmo ocorre quanto a condutas nocivas ao “outro”, como roubo, dissimulação, fofoca, pessimismo, que não necessariamente precisam ser experienciadas de fato. Uma pessoa que cresce ouvindo que “todo mundo não presta”, e que “passar a perna no outro é uma questão de sobrevivência”, a famosa expressão “antes o outro do que eu”, esteve sob constante estímulo pela fala de sua referência e passa a se defender da possibilidade de sofrer o dano. Então, não tendo outra referência em estímulos mais fortes, passa a causar o dano, nesses exemplos, ao outro. Podendo também causar dano a si mesma, em um “autoboicote” inconsciente, quando cresce ouvindo que nada do que ela faz presta ou frases contínuas como: “você não vai ser ninguém na vida”, “se escolher isso vai morrer de fome”. Como Cukier (2008) esclareceu anteriormente, ela passa a representar o papel que o outro definiu para ela através dos estímulos danosos que Freud (1920) observou, como forma de se defender dos mesmos. E nesse processo familiar a todos acontece que, assim como recebemos estímulos externos, recebemos também internos, que estando em conflito passam a aumentar cada vez mais a excitação, desencadeando ansiedades, medos, frustrações, raivas e outros similares. Dessa situação surge a projeção, quando o indivíduo que está em profundo conflito em seu princípio de prazer não consegue uma independência emocional eficiente de sua base de referência (família), que tem papel fundamental nesse processo, como aprofundamos no subcapítulo 1.3, tratando a indiferenciação do self em crianças. Então, passa a projetar seus conflitos emocionais e problemas nos responsáveis mais próximos por estes não terem sido eficientes em seu processo de individualização. Por mais que tente, o indivíduo não consegue a separação emocional necessária do ambiente familiar e vive uma co-dependência emocional que gera culpas internas no indivíduo que se relacionam com culpas por parte dos familiares (no sistema de projeção), e distorce sua percepção de si mesmo por esse ambiente não ser capaz de lhe permitir manifestar sua individualidade e personalidade próprias. Além dos processos psíquicos, o autor (Freud, 1920) também considera questões biológicas, a natureza mecânica da questão, estando estas na

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hereditariedade de padrões comportamentais familiares, como os processos migratórios de aves e peixes, que buscam o caminho de seus progenitores sem antes ter passado por eles, ou seja, o autor considera a possibilidade de ter esse mecanismo de prazer e desprazer, reestruturado antes da primeira infância, tendo então herdado geneticamente de seus pais a inversão de prazer e desprazer vivenciada pelos pais. Apesar de pouco recurso no período para tal afirmativa, Freud (1920), foi capaz de considerar algo que somente a pouco tempo a ciência, dispôs de recurso e aparelhagem necessária para tal estudo. Na responsabilidade de não mascarar detalhes que possam ajudar o leitor no auto questionamentos desse caminho de autoconhecimento, apesar de não nos aprofundarmos neste assunto na presente pesquisa, deixamos esse pequeno adendo às reflexões pessoais do leitor. Temos aqui a tendência ao processo de repetição, tanto pelo biológico quanto pelos mecanismos de defesa do ego reprimido. Mas, estando tudo isso em condição de tendência, não sendo imutável portanto, é possível reverter padrões repetitivos pela compreensão dos mesmos e evitá-los pelo controle das paixões. Não estando mais controlados pelo instinto, mas sim pela razão. Estamos interconectados uns com os outros, mas temos em nossas escolhas as possibilidades que vivenciaremos.

1.6 Pesquisa: detalhes e observações sobre escolhas e desenvolvimento do projeto. Este projeto foi realmente um grande desafio e um grande risco que nos propusemos a correr e, valeu a pena. Fazer leituras de diferentes áreas do conhecimento já é uma prática que trago desde a adolescência pela própria necessidade que vai se apresentando quando, se mergulha fundo nesse caminho do autoconhecimento, o que facilitou muito e aprimorou em nós a capacidade e agilidade de inter-relacionar ideias. Antes da faculdade nunca havia pensado em escrever ou organizar materialmente aprendizado tão rico para mim, para dividir com outras pessoas e, a partir do momento em que me vi tendo que escolher o que trabalhar para graduação, vi que só poderia ser esse nosso projeto de pesquisa, caminho que conheço há muitos anos.

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Ocorre que quando comecei, já tinha em minha mente toda inter-relação de ideias e sua compreensão bem estruturadas, mas não conseguia ver um centro, ou problema em foco, mais direcionado ou específico para resolver. O que eu sabia é como funcionam inúmeros recursos de construção de um indivíduo, e possíveis soluções para problemas desenvolvidos ao longo dessa construção, tanto por experiência, quanto por conhecimentos teóricos, como argumentado com o leitor nos subcapítulos 2.2 e 3.1. Mas esse enorme caminho traz inúmeras problemáticas e não um foco em específico, o que provavelmente no começo, passou a impressão a quem comigo conviveu nos primeiros anos de organização do material teórico da pesquisa, que eu estivesse perdida no assunto que queria trabalhar. Outro ponto foi a seleção do que explicitar aqui, pois na escrita percebi que seria um trabalho para muitos anos, e que o que estava tão simples em minha mente despendia de tempo imenso para ser bem elaborado em palavras escritas. Sintetizei aqui então considerações pertinentes a compreensão de como se constrói a identidade de um indivíduo, considerando vários fragmentos que o possam compor, do racional ao emocional e selecionei praticas

experienciadas

e

conhecidas

teoricamente

por

mim

para

aprofundamento, tendo se mostrado eficientes nessa reconstrução e unificação internas, como singela sugestão, entre tantas outras citadas, como início de caminho interno para o leitor. Todo ser humano seleciona e escolhe com base em conceitos internos, que por sua vez podem ter origem externa (familiar, social, material...), principalmente familiar na primeira infância, ou interna instintiva e estão continuamente em transformação. E, observando o mundo como se encontra com tantos contrastes (interno e externo) e injustiças, podemos dizer que esse sistema interno não está trabalhando bem ou devemos compreendê-lo melhor para dominá-lo e ordená-lo. Vejamos, então, os mecanismos de seleção de informação e de atenção do observador pelas explicações de Osho, que por meio da meditação, com esclarecimento de seu real conceito (diferente do que vemos em propagandas turísticas-culturais), orienta práticas de cura interna pela atenção tanto às informações armazenadas no subconsciente quanto às observações do consciente. Qual está ordenando esse sistema e qual está obedecendo? E, com

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base em conceitos milenares do Tantra e, principalmente, do Budismo, conseguir alcançar a tão almejada cura interna.

CAPÍTULO 2 – MENTE, CONSCIÊNCIA E EXPERIÊNCIAS PESSOAIS: COMEÇANDO A INTEGRAR OS FRAGMENTOS DO INDIVÍDUO Após um mergulho em estudos sobre nossos fragmentos, entendendo sua origem e mecanismos de expressão, tratamos neste capítulo de propor possibilidades de integração, da união desses fragmentos, a ponto de aquilo que mantém a mente ausente do momento presente (transitando entre o passado e o futuro), cesse até o estado mental contínuo de não julgamento, com a mente consciente no presente. Podemos assim encontrar com o “Eu” mais puro de nós mesmos. Nossa consciência divina. Com considerações de Osho (2002), Chopra (et al.,2010) e análises do neurocientista Fred Travis (2006), de Travis (2009) e de Tunner (et al., 2009) quanto aos mecanismos de atenção da mente e estados de consciência, visualizaremos possibilidades de solução para esses conflitos internos do ser humano, resultados comprovados e sugestão de prática para o leitor ao fim do capítulo. 2.1 – Mecanismos de atenção da mente e experimentação de processos de autoconstrução. A mente está sempre inquieta, tendendo ao passado ou ao futuro. Se observarmos nossos pensamentos durante o dia, veremos que passamos mais tempo pensando no que fizemos, se deveríamos ter feito ou não, ou no que faremos, em como faremos, e se dará certo ou não. A mente tagarela o tempo todo, conforme analisa Osho (2002), professor de filosofia e mestre na arte da Meditação.

A imagem abaixo (três figuras, como ID, Ego e Super Ego,

respectivamente, e que não nos aprofundamos nesta pesquisa. Observar aqui o conflito como início para inter-relação das propostas desta pesquisa) exemplifica nossos conflitos internos. Figura 11 - Subconsciente em conflito

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Fonte: http://psicologpsique.blogspot.com.br/2012_10_01_archive.html

Osho (2002) propõe, sucintamente, dividir a percepção de um objeto em concentração, contemplação e meditação, como estados da mente. A concentração significa que a mente está focada em um único ponto. Já a contemplação é mais ampla. “Se você está contemplando a beleza, há milhares de coisas belas, e você pode passar por cada uma delas” (OSHO, 2002. p.9). A restrição se dá a um assunto e não a um ponto, como na concentração. O método da ciência é a concentração, já o da filosofia a contemplação. Na filosofia, se alguns detalhes precisarem de um esforço focado é possível acessar a concentração como ferramenta. O objeto pode ser algo material, externo a você ou sua a própria mente – como pensamento ou teorias. Osho (2002) diz que a concentração não é natural para mente, que frequentemente gosta de “vagabundear, mover-se de uma coisa à outra” (2002, p.10), o que é sempre cansativo. Já a meditação seria o caminho entre as duas. Meditar é um estado de contato consigo mesmo, com a mente mantendo-se no aqui, agora. É conseguir silenciar as turbulências da mente enquanto dirige, trabalha, conversa, enfim enquanto vive o seu dia a dia. É ter consciência do que quer, de quem é, do que está sentindo, no momento presente, é aprender a SER. Esse estado de meditação é nossa natureza essencial e natural. Inserimo-nos, pessoalmente, nos últimos anos, em experiências diversas através da umbanda, Kardec, Gnose, Budismo, Tantra e Seicho-no-ie.

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Todas elas associadas a pesquisas nas áreas de neurociência, biogenética, física quântica e religião. Todas essas experiências nos levaram à busca por conhecimentos teóricos mais aprofundados para avançar na compreensão das práticas de autoconhecimento mencionadas. A prática de meditação foi a escolhida entre todas para maior aprofundamento. Entretanto, não deixamos de comentar, em meio aos dados dos estudos realizados, experiências psicológicas e transcendentais vividas, entendendo que elas podem esclarecer detalhes do caminho que trilhamos nesta pesquisa, além de oferecer ao leitor, caso lhe seja interessante, informações que possam lhe ser úteis, caso ele queira começar seu autoconhecimento, sempre um caminho longo e de vastas possibilidades de escolha a se percorrer. Ao longo de todo capítulo 2 deixamos sublinhadas as sugestões de exercícios práticos para autoconhecimento e melhor desenvolvimento dos padrões mentais. Constatamos que as práticas das filosofias ou religiões orientais e milenares são muito eficientes nesse processo de autoconhecimento e para a integração dos fragmentos de nosso “eu”, bem como para a solução de problemáticas psíquicas e emocionais que estejam manifestando consequências danosas ao nosso dia a dia, nossa capacidade de se expressar e nossa auto confiança. A Gnose, por exemplo, trata o tema do Eu agora numa prática que se chama Chave de Sol. A proposta é dividir três focos de atenção simultaneamente: Sujeito, Objetivo e Lugar, onde Sujeito é: Quem sou eu? Identificando aqui o que sentimos de nós, o que seriam nossos “agregados” ou chamados “egos”5 (que são mecanismos de defesa para adaptação ao mundo geral, presentes como conduta para aceitação, como esclarecemos no primeiro capítulo, e ainda qualidades externas como profissão, estilo de vestir e assim por diante), que podem mostrar detalhes que são próprios de nós e reforçá-los em nossa confiança ou não, caso o observador descubra que algumas de suas

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Os mecanismos de defesa são manifestações do ego diante das exigências de outras instâncias psíquicas (Id e Superego). O Ego dribla as exigências das outras instâncias Id e Superego. São ações psicológicas que buscam reduzir as manifestações inconscientes perigosas ao ego. Freud vê o ego se desenvolvendo no nível consciente e inconsciente (que é o ego saudável e o ego reprimido), enquanto que Osho nos diz que a consciência se caracteriza pela ausência do ego. E logo adiante veremos com as pesquisas neurocientíficas de Travis, que os estágios de consciência mais puro não tem ego nem dualidade/julgamento.

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escolhas, fruto de influência da família ou outra referência externa, não expressam sua real natureza, fazendo com que se sinta sempre insatisfeito e sem confiança. Nesse caso, reconhecendo sua real natureza de expressão, poderá

descobrir

outras

possibilidades,

sendo

vontades

ainda

não

experimentadas, mas natas de sua forma de ver e sentir o mundo, considerando o melhor de si mesmo, Reconhecê-las fortalece a confiança que movimenta a vontade para expressão das mesmas, pois nem sempre o motivo do conflito interno pode estar claro para nós. Refletindo por exemplo: “Sou Arquiteto, arquiteto é minha formação profissional, como me comporto, como ser na profissão de arquiteto? Sou honesto? Sou cooperativo ou competitivo? Como é meu trabalho diário? Realmente gosto disso? Nessa observação de conduta encontraremos a parte da essência, que é nossa forma original de ser, puro, místico e perfeito; caso a resposta não seja positiva encontramos os agregados, que naturalmente aparecem primeiro e que podem ser resolvidos. Pensamos que nossa essência é uma bola de luz e que os agregados são “sujeiras” de outra natureza, presas ao redor de nossa bola de luz. Acrescentamos ainda que essa “sujeira” não passa de ilusão da mente, embora vista como real; e que a falta de consciência de nós mesmo acaba nos fazendo ver inversamente: vemos a essência, que é real e livre de prejulgamentos e medos, como ilusória; e vemos os agregados como reais. A mente gera a realidade que vivenciamos e com a qual nos relacionamos; pelos mecanismos de defesa do ego selecionamos sempre, pessoas, experiências, lugares, que se relacionem com ele. Assim nos privamos da liberdade interna, de ir além, ao inusitado, ao imprevisível, de considerar a beleza possível. Em Objetivo: O que estou fazendo agora? E em Lugar: Onde estou? O exercício é levar essas perguntas constantemente no nosso dia a dia, até que o processo se torne natural e a mente se mantenha naturalmente atenta e vivenciando o momento presente.6 Em objetivo podemos observar o agora, tanto como tempo real do momento da pergunta, quanto o presente como período, que envolveria então, a semana, o mês ou o ano. Deixe a mente livre para se expressar, ela lhe dirá o que você particularmente precisa observar. E a forma 6

Sublinhado para facilitar identificação de práticas citadas, em uma busca posterior ao longo do texto.

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como ela observa o agora dependerá das relações que ela esteja estabelecendo entre as experiências vividas, que estão tentando sair da repressão. Lembremonos aqui das observações de Freud (1920) sobre consciente e subconsciente. As informações negativas se encontram no subconsciente por instinto primitivo de proteção, que pode ser imensamente danoso. Esse processo tem função emergencial de proteção pela exposição da mente a contínuas e altas quantidades de excitação, mas as informações que estão reprimidas tentam se expressar de alguma maneira tentando alcançar a luz da consciência. O inconsciente, ou seja, o ‘reprimido’, não oferece resistência alguma aos esforços de tratamento. Na verdade ele próprio não se esforça por outra coisa que não seja irromper através da pressão que sobre ele pesa, e abrir seu caminho à consciência ou a uma descarga por meio de alguma ação real. (FREUD, 1920, p.07).

Para pessoas menos reflexivas e filosóficas no dia-a-dia a chave de sol da gnose pode ser mais eficiente por ser direcionada, ajudando a pessoa a focar as perguntas em si mesmo para auto percepção, mantendo a mente presente. No Tantra e no budismo o processo mental para observação do mundo em processo meditativo é, de certa maneira, semelhante. A observação da mente é livre, não tem a orientação das perguntas, deixando a mente livre para “tagarelar” até que sesse por completo e atinja o silêncio original. Esse silêncio mental traz instantaneamente um sentimento de paz e equilíbrio; e nesse momento observamos o agora sem julgamentos, condicionamentos sociais e auto cobranças, possibilitando maior eficiência na execução e compreensão das tarefas do dia a dia. Pude ainda experimentar nessa prática o alinhamento do equilíbrio energético interno, pude sentir como se fossem bolas de energia girando em pontos do meu corpo, que mais tarde soube que (nessas filosofias) chamam-se chacras. A mente está sempre confusa com vários pensamentos que nos embaçam a clareza de interação entre nossos espaços interno e externo de forma equilibrada. A clareza vem quando estamos sendo apenas nós mesmos. Então a meditação não é contra a ação. Isso não significa que você tenha que fugir da vida: você se torna o centro do ciclone. Sua vida continua e, na verdade, torna-se mais intensa, mais cheia de alegria, com maior clareza, mais visão e mais criatividade. Ainda assim, você está nas nuvens, um observador nas montanhas, apenas vendo o que ocorre a seu redor [...]. As ações continuam em seu nível não há

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problema. Você pode fazer coisas pequenas ou grandes. A única coisa que não lhe é permitida é perder o seu centro. (OSHO, 2002, p.15)

Sobre as repetições no pensamento que levam a repetições de conduta, Osho (2002) nos traz à reflexão a diferença entre mente e consciência. Osho compara a mente a um mecanismo. Então a mente é um biocomputador que tem habilidade funcional, mas não percepção e inteligência. É um aparelho de registro de informações que age 24 horas por dia mantendo padrões repetitivos para que a consciência não retorne à sua origem não é linear e livre. “A mente significa palavras, o ser significa silêncio. A mente não é nada além das palavras que você acumulou (OSHO, 2002, p.25)”, que por sua vez estão ligadas à experiências vividas, emoções e conceitos. Se você vive uma vida repetitiva é porque sua mente tem controle demais sobre você. Tente fazer algo novo a cada dia, e a mente terá menos controle sobre você. Não preste atenção às velhas rotinas: quando a mente disser alguma coisa, responda: ‘Nós estamos fazendo isso a muito tempo. Vamos fazer algo novo. ’ [...] A mente é seu passado tentando constantemente controlar seu presente e seu futuro. É o passado morto, que permanece controlando o presente vivo. Fique alerta quanto a isso. [...] A mente obtém seus dados dos pais, da escola, de outras crianças, de vizinhos, de parentes, da sociedade como um todo. A mente é um fenômeno social, um subproduto da sociedade. (OSHO, 2002, p.30-71).

Então é a mente mandando na consciência enquanto que a nossa origem essencial (pureza do estado de SER, mente livre de julgamentos) é que deveria ordenar a mente. “Nenhum pensamento na mente é original, são todos repetições” (OSHO, 2002, p.31). Entender a natureza da consciência é entender a diferença mais profunda entre SER e FAZER (relacionado ao estado transitório das coisas e não à nossa essência primeira; é necessário refletir aqui sobre ser e estar). “O fazer é sempre algo superficial. O ser deve permanecer transcendental em relação a seu fazer” (Osho, 2002, p.51). Como a mente controla essas repetições? É como se a mente nos dissesse que se não a escutarmos não seremos tão eficientes quanto ela, te convencendo de que a eficiência está no que já foi feito antes e trazendo a informação que se fizer algo novo poderá não ser tão eficiente. Ou seja, é um caminho que oferece menos resistência por já ser conhecido; pelo medo do desconhecido você se mantém na certeza dos padrões repetitivos, que trazem conforto, mas vão contra o avanço, o progresso e a transformação do Eu, tão necessários à evolução interior. Segundo Osho (2002), a mente é transe, é

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estado de inconsciência. Mantém o ser “protegido” de correr os riscos do inusitado, do diferente, dos padrões que observou a vida inteira; e você pode até não concordar, mas ela lhe diz: “Isso tem sido feito há muito tempo, é muito mais seguro! Outro caminho pode ser perigoso. A maioria não faz isso. O que os outros vão pensar? ”. É um processo de medos repetitivos na carapuça da aprovação alheia e da autoafirmação, fruto de uma vida inteira na observação de vários outros padrões de repetição. Não estamos propondo uma contestação do sistema do mundo e sobre a importância que esses padrões adquirem para certas funções, mas uma reflexão sobre para que proposito esses padrões funcionam e, principalmente, como funcionam em nós? Realmente estão funcionando? Estou satisfeito comigo dentro desses padrões? Freud (1920) diz que a projeção é um meio de sobrevivência da psique nos tirando do momento presente e nos colocando no passado ou no futuro, livres do sentimento doloroso de assumir os riscos e responsabilidades pelas mudanças necessárias e dolorosas que o inconsciente solicita. O sentimento de liberdade do indivíduo, que só é possível internamente, se altera conforme o padrão em atividade no momento. Todo ser humano tem como finalidade encontrar a felicidade. Uns procuram no dinheiro, outros nas relações sociais, outros em livros de autoajuda e assim por diante. Mas a verdade é que a felicidade é um estado de SER e não de TER. Esses são todos caminhos, não soluções prontas; e todos necessitam de equilíbrio conjunto. O que não significa que deixaremos as observações mentais para a prosperidade material, mas olharemos de modo diferente. O ponto é observar cada coisa em seu momento e em seu lugar. Levar tudo o que for sendo acessado na nossa essência e que ela tem de mais puro, através da consciência no presente, na nossa conduta do dia a dia, em meio às necessárias buscas materiais. Os processos repetitivos e a mente tagarela resultam num contínuo “efeito sombra”. Chopra (et al., 2010) nos fala sobre esse efeito sombra; esse lado negro e autodestrutivo natural do ser humano, esclarecendo que se a sombra é parte de nós, não é negando-a que solucionaremos o problema, mas sim reconhecendo, aceitando e abraçando todas as nossas particularidades sombrias, conforme se apresentam. Essa sombra é como a criança ‘birrenta’ que

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incomoda tentando chamar a atenção para sua necessidade de amor e afeto. E devemos reconhecer os condicionamentos sociais na sombra coletiva. Os noticiários mostram a pior forma da natureza humana em todos os seus aspectos. Vemos também isso em nosso dia-a-dia. Precisamos saber identificar o poder desse tipo de informação em nossa mente, pela observação constante que fazemos da mesma. O caminho para essa consciência é, antes de tudo, reconhecer em nós a sombra que carregamos. A sombra expressa seu poder fazendo com que a escuridão pareça com luz [...] Passando os canais de televisão pelos desastres e horrores, você jamais imaginaria que os seres humanos sempre tiveram poder de encontrar a paz, a elevação e a liberdade na escuridão. [...] O segredo está na palavra “consciência”. (CHOPRA et al., , 2010, p.19-20).

E para que haja consciência tem que ser ultrapassada a dualidade na mente humana. O self reprimido (sombra) tem que ser integrado ao self verdadeiro (luz) para que, sendo reconhecido e estando na luz vire um self único e verdadeiro. A sombra é ausência de luz. Se a luz se estender a todas nossas particularidades, não haverá sombra, a mente tem de estar limpa para não projetar sombra, como explica Chopra (et al., 2010): Há muito tempo os realistas desistiram de ver o lado bom da natureza humana superando o lado mal. [...] Sigmund Freud, um dos pensadores mais realistas a confrontarem a psique [...] havia concluído que a civilização existe a um custo trágico. Precisamos reprimir nossos instintos selvagens e atávicos, de modo a mantê-los em xeque; porém, apesar de nossos melhores esforços, haverá muitas derrotas. O mundo irrompe na violência em massa; os indivíduos irrompem na violência pessoal. Essa análise implica em uma forma terrível de resignação. Meu “eu bom” não tem nenhuma chance de viver uma vida pacífica, afetuosa e organizada, a menos que meu “eu mau” seja preso na escuridão, enjaulado em confinamento solitário. [...] sempre que qualquer aspecto do Self for separado, rotulado como mau, ilícito, vergonhoso, culposo ou errado, a sombra ganha poder. Não importa se o lado sombrio da natureza humana se expressa de forma violenta ou branda, socialmente tolerada. O fator essencial é que uma parte do Self foi separada. [...] Depois de separado, o fragmento “ruim” perde contato com a essência do self, a parte que consideramos “boa” por conta de sua permanente ausência de violência, raiva e medo. Esse é o self adulto, o ego que se adaptou tão bem ao mundo e às outras pessoas. [...] Você só tem um self. É o seu eu real. Ele está além do bem e do mal. A sombra perde o poder quando a consciência para de se dividir. Quando você já não está mais dividido, não há nada para ver além de um self em todas as direções. Não há compartimentos ocultos, calabouços, celas de tortura ou rochas limosas onde se esconder. A consciência vê a si mesma. Essa é a sua função mais básica, e, ao descobri-la, veremos que dessa simples função pode nascer um novo self, talvez um novo mundo. (CHOPRA et al.,, 2010, p.21-26).

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Esse nosso lado sombrio nada mais é do que fragmentos de nós ainda em busca de amor; e negá-los só intensifica seu poder destrutivo, porque o interesse primeiro de nossa sombra é resolver conflitos e não gerar mais; mas a partir do momento em que ela é excluída, se vê em conflito novamente e projeta esse conflito em nossa consciência para que, incomodados, não a deixemos mais ignorada. Chopra (et al., 2010), observa que já a religião, que é o veículo mais antigo na busca de si e de uma melhor relação com mundo, põem em dúvida a solução almejada. É difícil saber se a religião derrota a sombra ou se dá mais poder a ela, instigando sentimentos fortes de pecaminosidade e culpa, vergonha e medo das torturas de uma posteridade infernal. A religião enquanto objeto de reflexão filosófica pode ser muito útil para nossa construção interna, se não a observarmos como objeto de verdade absoluta em si. É necessário lembrar que as instituições religiosas, ao longo dos séculos estiveram diretamente vinculadas à política como recurso de poder e, por este motivo, podem carregar distorções de sua raiz mais pura de conhecimento na construção do indivíduo como ser íntegro, virtuoso e consciente de sua natureza divina. Lembremos lá do início do texto: o medo é uma sombra também, que pode atrair aquilo que queremos evitar por estarmos observando mais o que não queremos do que o que de fato queremos. A natureza humana inclui um lado autodestrutivo. Quando o psicólogo suíço Carl Jung pressupôs o arquétipo a sombra, disse que ela cria uma névoa de ilusão que cerca o self. Encurralados nessa névoa, lançamo-nos a própria escuridão e, consequentemente, damos a sombra cada vez mais poder sobre nós. (CHOPRA et al., 2010, p.18)

“O lado obscuro da natureza humana viceja na guerra interna, na dificuldade e no conflito”. (CHOPRA et al., 2010, p.21). Se há dualidade sempre haverá guerra interna, pois teremos duas particularidades em conflito, e estaremos tentando fazer a escolha de uma ou da outra. Se negar a necessidade de receber amor, como o receberá? Isto é, se o ser humano se julgar tão autossuficiente, onde fica a beleza da troca, do doar e receber, amor, alegrias, conhecimento? Os demônios, as doenças os conflitos não passam de sombras, névoa de ilusão, que se apresentam pela ausência de luz. Observando o presente podemos levar luz a cada fragmento sombrio que está em busca dela. Devemos observar a sombra desfilando em nossos pensamentos sem julgamento, somente observando, e achar sua origem. É para essa finalidade que a

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sombra se apresenta e se reapresenta nos processos repetitivos, até que lhe demos o devido valor. Precisamos evoluir nossa inteligência emocional. Então, temos o self individual (self reprimido e verdadeiro), que existe a fim de evitar que nosso cérebro seja bombardeado com infindáveis imagens sensoriais que não fariam sentido, e o self coletivo. E os dois estão em diálogo mútuo e contínuo. Nenhum deve ser desconsiderado do outro, pois um não existe sem o outro. Cada um de nós é um (individual), ao mesmo tempo em que somos, todos, fragmentos de um uno maior (coletivo). “Eu e meu” existem por um motivo – para lhe dar um direito pessoal no mundo” (CHOPRA et al., 2010, p.27) e, consequentemente, desencadeiam a comparação com o outro e com o seu eu coletivo. Então esse caminho nos apresentou as origens e as forma de trabalhar da sombra em nossa vida. Quanto à relação emocional, realidade “material” e presença do coletivo o autor descreve, por exemplo: Em casamento feliz o deixa saudável. Em princípio essa descoberta foi difícil de aceitar, porque pesquisas médicas não viam ligação alguma entre um estado mental e o corpo. Como poderia o coração ou uma célula pré-cancerígena em algum lugar do corpo saber como a pessoa se sente? Foi preciso a descoberta das chamadas moléculas mensageiras para demonstrar que o cérebro traduz cada emoção em um equivalente químico. À medida em que as moléculas mensageiras percorrem a corrente sanguínea, circulando através de centenas de bilhões de células, a infelicidade, ou a felicidade é transmitida ao coração, fígado, intestino e rins. Subitamente, a medicina corpo-mente tinha uma base real. (CHOPRA, 2010. p.31).

E novamente menciono aqui a responsabilidade do artista. Imaginem quanta força dão à sombra as imagens grosseiras, penosas, chocantes e destruidoras? E quanto ao artista? Como pode estar preparado para interferir de forma eficiente em seu meio social, exercendo um papel importante e necessário, sem trabalhar suas próprias sobras, seu autoconhecimento, correndo o risco de projetá-las e, assim, dar mais força tanto às suas próprias sombras quanta às coletivas? Segundo Chopra et all (2010, p. 49): Quando damos força à sombra? 1 – segredos: medo de exposição de quem é você, com base em condicionamentos repressivos, às vezes oriundos de família desequilibrada.

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2 – culpa e vergonha: ninguém é perfeito. Não se acomoda nessa máxima de forma a manter os padrões confortavelmente, nem se puna em excesso por um erro cometido. Tente de novo. Com consciência. 3 – injustiça: o julgamento é a culpa mascarando a dor. Mesmo que veja potencialidades em si diante do outro. Saiba que o que é pérola para uns é lixo para outros. Cada um tem seu tempo, respeite e não acelere o outro, cuide de você. 4 – Ignorar as próprias fraquezas ao criticar os que estão à sua volta: Em contrapartida, não justifique o que vê de melhor no outro em menosprezo e conclusões simplistas; se esforce em buscar o que é seu, pois não encontrará no outro, só dentro de você. Não projete! 5 – Se ver separado dos outros aumenta a sensação de medo e desconfiança. 6 – Pensar que o mal está à espreita a todo momento, em toda parte, mantém o mal contido, fazendo com o que o criador de ilusões seja iludido por suas próprias criações. Qual então a saída? Chopra (et. Al., 2010, p. 51) simplifica, dividindo em quatro categorias: 

“Pare de Projetar-se



Desprenda-se



Abra mão do julgamento pessoal



Reconstrua seu corpo emocional”.

E acrescento aqui mais uma observação de suma importância: faça as pazes com tudo e com todos! O perdão e a gratidão são duas forças poderosas! Chopra (et al., 2010) nos orienta a observar o perdão como realidade positiva já concreta, da seguinte maneira: [...] quando vê a Realidade, em si mesmo e nos outros, você ganha poder para evoca-la. Somos curados quando nos sentimos perdoados. Saramos na presença da compaixão. Se você realmente quer que alguém mude, o milagre está na habilidade de ver quão perfeito ele é. A sombra não vai embora quando é atacada mas promove a cura quando é perdoada. Não removemos nossa máscara sombria na presença de alguém que nos culpa, mas na presença de alguém que diz, através de palavras ou comportamentos: “Eu sei que isso não é você”. Milagrosamente saramos na presença de alguém que acredita na nossa luz, mesmo quando estamos perdidos em nossa escuridão. E, quando aprendemos a ver os outros na luz de seu verdadeiro ser, estando ou não sob essa luz, temos o poder de realizar esse milagre por eles.

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O perdão à uma ação, mas ele surge de uma postura. O verdadeiro perdão significa saber que [...] nossa luz é que é real. (CHOPRA et al., 2010, p.229).

E Osho nos diz que quando emanamos gratidão a todas às coisas o universo converge numa simbiose pura e plena dentro de nós e ao nosso redor. Então a meditação aparece aqui como sugestão para processo de autoconhecimento e para essa cura interna, sendo mais importante manter a disciplina e a continuidade, mesmo que o caminho escolhido seja outro de mesma finalidade. A busca de todo ser humano até a felicidade, precisa do entendimento de que ela já se faz presente, só precisa da observação correta para ser acessada, sendo a felicidade e satisfação um estado de SER da nossa essência mais pura, que só pode ser acessada com a consciência do EU em MIM - e jamais do outro em mim, ou do eu no outro em processo de projeção. As interrelações e as já comprovadas experimentações, pessoais e profissionais, empíricas ou científicas, podem ser referências, mas jamais determinantes de um processo, já que os estudos citados mostram que ele sempre vai ser individual, único e intransferível, embora nunca isolado do todo que nos une e que temos de observar em sua melhor expressão para que possamos vivenciála. Somente quando temos coragem para enfrentar as coisas como elas são, sem qualquer autoengano ou ilusão, é que uma luz surgirá dos acontecimentos, pela qual o caminho do nosso sucesso poderá ser reconhecido - I CHING (CHOPRA et al., 2010, p.239).

2.2 – Consciência pura, funcionamento cerebral e benefícios pela Meditação como sugestão de prática para o autoconhecimento. Neste subcapítulo dissertamos sobre benefícios da meditação no desenvolvimento da consciência mais elevada, sua influência na percepção do self e experiências transcendentais. Há muitas outras maneiras de trilhar o caminho do autoconhecimento, mas na presente pesquisa escolhemos como referência para maior aprofundamento, além dos conhecimentos sobre construção individual do social ao psicológico, a meditação. A meditação pode ir muito além do que se espera dela no referencial material ou fisiológico e independe de crenças ou religiões, estando a serviço do bem estar comum de todos. Aqui nos embasamos em pesquisas do Dr. Fred Travis (2006) e (2014) e

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Tanner et al (2009), neurocientista renomado que há mais de 30 anos se dedica à pesquisa sobre os efeitos da meditação para melhorar o funcionamento do cérebro e a saúde em geral, tendo publicado mais de 70 artigos nas melhores revistas científicas e palestrado em grandes conferências internacionais. Em suas pesquisas ao redor do mundo, o Dr. Travis usou medições eletroencefalográficas (EEG) para observar as mudanças no funcionamento do cérebro que ocorrem durante a prática da Meditação Transcendental (MT). Essa pesquisa mostra que a MT aumenta a coerência das ondas cerebrais e promove o

funcionamento

do

cérebro

integrado.

Vários

estudos

indicam

o

desenvolvimento do Total Funcionamento Cerebral através da prática regular da técnica da Meditação Transcendental. A descoberta mais interessante, particularmente para nós, no que se refere à consciência é à descoberta do que o pesquisador chamou de uma quarta dimensão no cérebro de pessoas com Transtorno de atenção e hiperatividade (TDAH), por meio da qual esses conseguem ter senso de self sem conteúdo mental focado. A psicologia moderna, por sua vez, só aceita e compreende a consciência (em processo de vigília – acordado), com foco em objeto e tem dificuldade de compreender, portanto, como o indivíduo TDAH, consegue manter seu senso de self com ausência desse conteúdo mental focado. Essa descoberta traz novos olhares para o hiperativo, bem como as possibilidades de ampliação da consciência por parte dos que não são sobre esses indivíduos. Um equilíbrio maior para os hiperativos pode ser oferecido pela meditação, como os benefícios da ampliação da consciência. Em seguida, explicamos melhor sobre o funcionamento do cérebro e os estados de consciência alcançados pela meditação. Travis (2006) explica que a diferenciação dos estados de consciência está na definição dos padrões mentais quando experiências subjetivas se excluem mutuamente; esses padrões podem ser divididos em duas dimensões: presença e ausência de self (consciência real de si) e de conteúdo mental. Durante o sono a ativação das áreas frontais é reduzida; o autor define essa área como chefe do cérebro, pois todas as outras áreas enviam energias/informação para a parte frontal que organiza esses insumos para nossa próxima resposta.

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A finalidade do sono é de reparação do aparelho cerebral, então, enquanto a área frontal é menos ativa as outras estão em maior atividade (Figura nº 12). Figura nº 12: Diminuição de atividade parte frontal cerebral durante o sono e outras áreas em atividade de reparação.

7

Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

Quando não há tanto sentido de self quanto conteúdo mental estamos dormindo (Figura nº 13, primeira); e quando não há sentido de self, mas há conteúdo mental durante o sono, estamos sonhando (Figura nº 13, segunda). Nesse momento, o senso de self se identifica com as experiências caracterizadas por experiências oníricas vívidas. 7

Diminuição de atividade na região frontal cerebral durante o sono / O sono é um momento de atividade de reparação do cérebro.

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Figura nº 13: Estados da consciência relacionando conteúdo mental e senso de self. Aqui dois estados da consciência.

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Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

O autor esclarece que o cérebro durante o sonho é tão ativo quanto no estado de vigília. As áreas frontais e parietais (atrás) estão menos ativas porque sua função está relacionada ao contato com o mundo externo, do qual estamos isolados durante o sono. A figura nº 14 indica em azul a diminuição das atividades cerebrais e em vermelho as áreas de aumento delas. Figura nº 14: Atividades cerebrais durante o sono.

Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

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As tabelas mostram os estados de consciência relacionando senso de self (autoconsciência) e conteúdo mental (pensamentos). Yes / NO = presença / ausência

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As áreas visuais e do sistema límbico são também extremamente ativas durante o sonho, estando ligadas a imagens fortes, bizarras e/ou emocionais. O sistema límbico é uma unidade responsável pelas emoções e comportamentos sociais e se localiza na superfície medial do cérebro dos mamíferos (Figura nº15). Figura nº 15: Localização do sistema límbico

Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

Pesquisamos para melhor entendimento desse sistema, que o termo límbico corresponde a um adjetivo que dá o valor de relativo ou pertencente ao limbo, ou seja, remete para o conceito de margem. O Sistema Límbico compreende todas as estruturas cerebrais que estejam relacionadas, principalmente, com comportamentos emocionais e sexuais, aprendizagem, memória, motivação, mas também com algumas respostas homeostáticas. Resumindo, a sua principal função será a integração de informações sensitivosensoriais com o estado psíquico interno, onde é atribuído um conteúdo afetivo a esses estímulos; a informação é registrada e relacionada com as memórias pré-existentes, o que leva à produção de uma resposta emocional adequada, consciente e/ou vegetativa. Quando acordamos temos o senso de self com conteúdo mental. Durante a vigília diferentes áreas do cérebro se encontram ativas para suportar diferentes experiências racionais, sensoriais e emocionais na relação de ação e reação ao mundo externo.

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Na figura nº 16, o topo esquerdo está vendo palavras; o topo direito, ouvindo palavras; o inferior esquerdo, falando palavras e, no inferior direito gerando palavras; cada coisa em áreas específicas do cérebro. Figura nº 16: Áreas ativadas no cérebro para desenvolvimento de tarefas diferenciadas.

Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

A parte frontal do cérebro aumenta o tempo simbólico de espaço e de tempo quando experiências concretas se relacionam com valores, memórias e metas. E para cada experiência as ondas de atividade elétrica que se movem através do cérebro reforçam as conexões entre os neurônios, o que indica que a prática fortalece o processo praticado. O autor nos diz que a experiência muda o cérebro ao longo de toda a vida e não somente na infância, como se pensava, sendo essa uma visão bem nova da neurociência. Pensamos aqui, então, que padrões comportamentais, para serem melhorados e aprimorados devem atentar à compreensão de uma série de fatores em áreas distintas, da psicologia à neurociência, pois uma não tem trabalho eficiente sem a outra, já que trabalhamos fragmentos particulares e diferenciados que se relacionarão com áreas distintas do conhecimento. Dr. Fred Travis (2011), fez um experimento com um gorila, mapeando as atividades cerebrais antes do estímulo na ponta dos dedos do animal por 20 minutos por dia, durante 3 meses e, depois (Figura nº17), constatou que após os

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estímulos contínuos, quando o gorila tinha contato com algo através do toque, mais áreas do cérebro eram ativadas do que antes do estímulo. Figura nº 17: Áreas cerebrais ativadas antes e depois do experimento.

Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

Então, talvez possamos interpretar que também os padrões repetitivos adquiridos na primeira infância e adolescência podem ser modificados e o caminho do indivíduo pela sua conduta reescrito pelas novas escolhas do ser. Para comparação de diferenças nas atividades cerebrais o Dr. Travis analisa o funcionamento do cérebro em Disléxicos e Hiperativos (os TDAH), adendo importante aqui, já que uma observação no funcionamento do cérebro TDAH possibilitou a conclusão de algo não aceito pela psicologia moderna: de que é possível senso de self sem conteúdo mental, sendo esse o mesmo sistema de consciência atingido pela meditação, o da consciência pura sem referencial a objeto e, então, mente livre de pré-julgamentos. Three major themes emerged from this analysis. Sixty-eight percent of the subjects explicitly characterized deep experiences during practice of the Transcendental Meditation technique by the absence of space, time, or body-sense. The other two themes—peaceful (32%) and unboundedness (20%)—implicitly include the lack of boundaries of space, time and body-sense, but further describe the experience when these boundaries were absent. For instance, one subject described the experience of pure self-awareness as: [...] a couple of times per week I experience deep, unbounded silence, during which I am completely aware and awake, but no thoughts are present. There is no awareness of where I am, or the passage of time. I feel completely whole and at peace.” (TRAVIS,. 2006, p.11).9

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Três grandes temas emergiram desta análise. Sessenta e oito por cento dos indivíduos explicitamente caracterizado experiências profundas durante a prática da técnica da Meditação Transcendental pela ausência de espaço, tempo, ou senso de corpo (percepção de seu corpo). Os outros dois temas: pacíficos (32%) e ilimitação (20%) - incluem implicitamente a falta de limites de espaço, tempo e percepção corporal, mas descrevem ainda mais a experiência quando esses limites estavam ausentes. Por exemplo, um sujeito descreveu a experiência de autoconhecimento puro como: [...] Um par de vezes por semana

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O autor explica que a dislexia é uma doença de desenvolvimento, enquanto que o TDAH é um transtorno no desenvolvimento entre as áreas frontais (cerebrais) e a área motora. Para entender melhor, recorremos às explicações sobre o assunto no livro Mentes Inquietas de Ana Beatriz B. Silva (2003). A autora explica que no lobo frontal as áreas responsáveis pelo emocional e pelo racional trabalham super ativadas e livres. O fluxo de informação chega em maior quantidade e intensidade, estando a função de ação filtrante que modula esse fluxo diminuída “ tem-se o cognitivo e o emocional exacerbados na tomada de decisões” [SILVA, 2003, p.102]. Os hiperativos apresentam grande potencial criativo e uma enorme amplitude de soluções para um mesmo problema. Aprendem com facilidade pela observação, podendo ser bem eficientes em ação, pela capacidade de criar mentalmente maquetes virtuais muito eficientes com potencial de antever situações ainda não experiênciadas, com a referência virtual se for de interesse emocional dos mesmos. O importante aqui, contudo, pela observação, do Dr.Travis (2001), quanto às mentes hiperativas, é que com esse fluxo intenso de informações de todas as ordens, sensorial, racional, emocional, mais um mediador de informação trabalhando pouco em relação a ela, o HTDA não regula seu comportamento. Ele entra e sai do foco de atenção conforme a intensidade de seus sentidos, trabalhando simultaneamente; e ai está o ponto que, segundo o pesquisador, nos leva à “quarta caixa” dos estados de consciência: apresentase aí um senso de self sem conteúdo mental. Intendemos, então, através de Travis (2011), que o hiperativo pode estar com vários focos simultâneos e nenhum ao mesmo tempo, o que equivale, talvez, ao conceito de meditação de Osho (2002), segundo o qual observamos, contemplamos e meditamos alternadamente conforme a necessidade observada pelo observador, sem seguir regras lineares pré-estabelecidas, mas respeitando o nosso próprio movimento.

que eu profunda experiência, o silêncio ilimitado, durante o qual eu estou completamente consciente e desperto, mas não há pensamentos presentes. Não há consciência de onde eu sou, ou a passagem do tempo. Eu me sinto completamente inteiro e em paz.

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No início deste subcapítulo relatamos que o estado de vigília (acordado) tem de ter um estado de consciência (senso de self) mais um objeto, enquanto que o caso TDAH se opõe à essa definição de consciência ou de estar consciente. De acordo com Travis (2006), a meditação nos leva a essa autopercepção sem foco em um objeto. A second reliable marker of this state are skin conductance responses at the onset of breath changes (Travis et al., 1997). This autonomic response is similar to that seen during orienting—attention switching to environmental stimuli that are novel (Sokolov, 1963; O'Gorman, 1979) or significant (Maltzman, 1977; Spinks et al., 1985). These autonomic responses could mark the transition of awareness from active thinking processes to pure self-awareness devoid of customary content. (TRAVIS, 2006, p.10].10

Aquela “mente tagarela” como descreveu Osho (2002) cessa e passa a observar sem julgamentos, no caso da meditação, e se apresenta à consciência mais pura, como uma consciência sem conteúdo, um vazio na mente, um silêncio de paz na mente. A meditação é um estado de clareza e não um estado de mente. [...] As palavras são as figuras, o silêncio é o fundo. Palavras vão e voltam, o silêncio permanece. Quando você nasceu, nasceu como silêncio – apenas intervalos e intervalos, espaços e espaços. Veio ao mundo com um vazio infinito, um vazio sem limites que trouxe você à vida. E então você começou a colecionar palavras. O vazio é seu ser. [OSHO, 2002, p.20 e 25].

Apesar de Osho (2002) ver consciência pura como estado de clareza e não de consciência, como Travis (2006), os dois concordam quanto a todos os benefícios do processo. Dessa perspectiva, a definição por Osho, do ponto de vista espiritualista, e a de Travis (2006), de um ponto de vista científico, são coincidentes. Sobre esse estado de consciência sem objeto de referência ou o quarto elemento Travis elabora a tabela abaixo (Figura nº18). Figura nº 18: Tabela com os quatro estados da consciência conforme pesquisa do Dr. Fred Travis.

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Aqui o autor identifica apresentação de sinais que indicam a mudança do estado de consciência com pensamentos e a pura consciência; apontando como marcador confiável deste estado, respostas condutância da pele no início da alteração da respiração. Esta resposta é similar ao observado enquanto há uma orientação de mudança de atenção para estímulos ambientais que são novos ou significativos.

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Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

Na base direita, dormindo=conteúdo mental (objeto) e senso de self ausentes; no topo direito, sonhando= objeto presente sem senso de self; no topo esquerdo acordado= objeto e senso de self presentes; e por fim, na base esquerda temos a consciência pura= objeto ausente + senso de self presente. A consciência pura é caracterizada pela ausência de tempo, espaço e sensação de corpo, com elevada coerência das ondas cerebrais. O autor diz que para entender esse conceito é preciso visualizar a mente como tendo uma dimensão vertical (Figura nº 19), semelhante a um copo d’água.

Figura nº 19: Dimensão vertical da mente

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11

Fonte: http://www.drfredtravis.com/talking%20points%20Med%20and%20SOC.htm

Na tabela acima, a bolha menor é o início dos pensamentos, como um “burburinho”, e à medida que sobe vai encontrando e sendo influenciado por emoções, lembranças, expectativas e aspirações, até chegar à superfície onde é observado superficialmente, sem julgamento. E desse ponto em diante pode continuar em processo de progresso, o que leva ao desenvolvimento das percepções extras sensoriais, por esse motivo comentamos anteriormente experiências pessoais dessa natureza. Fazemos breve observação do ponto de vista de quem é uma hiperativa e conheceu e experimentou as práticas descritas nesta pesquisa, sendo essas observações, portanto, fruto de experiências pessoais. Vimos nessa construção vertical da mente que do início de um pensamento até a superfície da água (topo – exemplo do copo d’água), antes há uma efervescência nas tagarelices (experiência própria, inclusive) da mente com uma ampliação pela influência de outros fatores. O hiperativo estaria no auge das tagarelices mentais, mas, por apresentar configuração semelhante à da consciência pura pela meditação de: ausência de objeto + presença de senso de self, penso que talvez estejam a um passo da superfície. Já as mentes lineares ainda estão no meio de caminho da bolha e, se considerarmos os detalhes dos princípios de prazer, os recursos de defesa do subconsciente e a tendência à repetição como consequência deles, mais as possibilidades de projeção e transferência, então criei um esquema 11

A mente tem uma dimensão vertical. A seta azul indica a localização dos pensamentos e a consciência acima deles.

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mental de que a justificativa corrente para se manter na zona de conforto, fruto desses mecanismos, conforme subcapítulo 1.3, mantém o indivíduo sempre no meio desse caminho vertical e mais, fazendo um caminho horizontal, se mantendo sempre na mesma dimensão mental. Essa nossa maneira de visualizar influenciou muito a construção da obra artística apresentada como parte deste estudo, com seus vários elementos refletidos nos espelhos, que podem refletir várias vezes entre si, além de me acrescentar muitas facilidades na forma de orientar minha mente para meditação, pois nos facilita criar imagens mentais que induzam nossa atenção às palavras proferidas, como se nós montássemos um gráfico mental, tanto para ordenar os pensamentos, quanto para manter a mente consciente. E compreender melhor, em estágios de tempo livres, nas possibilidades espaciais sem linearidade, todas as experiências extras sensoriais que experimento desde a primeira infância, sem poder compreender nem minimamente na época em que começaram a se apresentar. Descobrimos também que, mesmo para quem não nasceu com essas particularidades como telepatia, vidência, viagem astral, vidas passadas, é possível desenvolvê-las, pois quando tive acesso a trabalhos em grupo de meditação, pude conviver com pessoas que desenvolveram isso posteriormente. Mas vi mesmo que, antes de tudo, é preciso estar leve e livre de traumas e egos. As experiências extra-sensoriais acrescentam muito à elevação pessoal, emocional e espiritual, mas sem resolver os agregados nocivos à nossa psique de medos e traumas, de regras e condicionamentos que não dialogam conosco. A confusão interna no caminho pode ser enorme, pois os egos lutam para sobreviver; e para estar em paz travamos, antes, uma guerra interna. Por esse motivo fizemos questão de acrescentar a esta pesquisa a formação de nossas particularidades do ponto de vista semiótico, metapsicológico, sociológico, até chegar à meditação como recurso sugerido. Assim temos uma base para encontrar nosso caminho interno respeitando as particularidades de cada um e, ainda, abrindo possibilidades inúmeras na mente do leitor e experimentador da obra artística desenvolvida durante todo esse processo de pesquisa bibliográfica, associada a uma autorreflexão e a uma reflexão retrospectiva sobre nosso próprio self, para solução de problemáticas pessoais com o impulso par a criatividade ilimitada que nos afeta.

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Vejamos como vai transitando a percepção de si mesmo para quem inicia a prática de meditação como autoconhecimento, também, ao longo dos anos em que o faz com frequência. Veremos os não meditantes, os de médio prazo e os de longo prazo. Compreender isso requer relembrar o diálogo sobre identidades-personalidades que compõem o sujeito e pelas quais o sujeito se identifica, apresentado no capítulo 1 desta pesquisa. Tomando a pesquisa de Travis como base, os indivíduos não transcendentais, de mente não expandida, entendem seu self como sistema de crença, estilo cognitivo, sentimentos e regras sociais. Enquanto que os sujeitos MT de médio prazo veem o self gerenciando essas particularidades e os MT de longo prazo se percebem independentes delas! Como tabela abaixo (Figura nº20): Figura nº 20: Tabela do resultado de pesquisa por seleção de tipo de palavras de resposta de questionário dos indivíduos, por software:

Gro up

Avera ge Word Count

Avera ge Quotations

Tot

Superco des

al Cod es

554±4

Non -TM

59

Shor t-Term

60

Lon g-term

9.5 ±

57

9.3 ±

56

10.1 ± 6.2

59

5.0

850±7

1156 ±1180

3.2

Self is identified with thoughts, feelings, and actions12 Self is the director of thoughts, feelings and actions13 Self is underlying and independent of thoughts, feelings and actions14

Fonte: http://www.drfredtravis.com/CV.html (TRAVIS, Fred. From I to I. 2006)

Entre os não meditantes (Non-TM) há os que dizem estar abertos a experiências novas, os que querem inovar, os que se veem como seus sentimentos e dizem gostar de coisas ímpares e diferentes que outras pessoas não tinham. Os meditantes de médio prazo (Short-Term), se veem como a própria consciência, a capacidade de aprender, dividida em níveis (mãe, amiga, irmão, 12

A pessoa se auto percebe (Self) e se identifica por pensamentos, sentimentos e ações Self percebido como diretor dos pensamentos, sentimentos e ações. 14 O Self é adjacente e independente de pensamentos, sentimentos e ações. 13

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filho,

esportista,

estudante...),

o

que

o

representava

internamente,

subjetivamente com relação ao mundo externo, de uma forma geral, com uma observação mais cósmica, do que dia a dia comum. Os meditantes de longo prazo (Long – Term) veem a si mesmos além de suas experiências, para além do universo, sentindo uma totalidade em si como se fossem o próprio universo, vendo em si o “eu” com “eu”, o “eu” com “todos”, num “eu” penetrante e sem limites, quase sem vocabulário que pudesse descrever. Vejamos a seguir os benefícios que se apresentaram aos meditantes na pesquisa do Dr. Travis. Em análise de grupo de pessoas experimentando a meditação védica da Índia (numa média de 4 – 5 anos), tendo foco na atenção superficial de percepção e pensamento, Dr. Travis identificou maior coerência entre as ondas cerebrais no estado de consciência, bem como de frequência de pico nos eletroencefalogramas, de forma que várias partes do cérebro estão em atividade e, estando em coerência, há maior equilíbrio e compatibilidade simultânea de trabalho em várias regiões cerebrais, além de fortalecimento das ligações sinápticas. A third marker, which is less obvious but has been reported in most studies, is a trend for increasing frequency of the peak power in the EEG. Compared to the period prior to the experience of pure selfawareness, the frequency of peak power of the EEG increases from 0.5 to 1.5 Hz. Fluctuations in frequency of peak power follow fluctuations in alertness. For instance, during sleep 1 Hz EEG is seen, while during very focused tasks 40 Hz EEG activity is reported. The observed increase in frequency of peak power during respiration suspensions could be associated with increased alertness during this experience. These changes in EEG power occur on the background of high global EEG coherence. Coherence represents level of connectedness between different brain areas (Florian et al., 1998; Pfurtscheller, 2001). Higher EEG coherence is associated with higher emotional stability, higher moral reasoning, more inner motivation, and lower anxiety (Travis et al., 2004). Alpha EEG coherence rises to a high level in the first minute of TM practice and continues at that high level through the rest of the session (Travis et al., 1999). Recent research also reports higher frontal/parietal phase synchrony during TM practice (Hebert et al., in press). This unique constellation of physiological patterns is unlike any seen in normal waking, sleeping, or dreaming. [TRAVIS, 2006, p.11]15 15

Um terceiro marcador, o que é menos óbvio, mas tem sido relatado na maioria dos estudos, é uma tendência para o aumento da frequência da potência de pico no EEG (Abreviação para Eletroencefalograma). Em comparação com o período anterior à experiência de autoconsciência pura, a frequência de potência de pico do EEG aumentou de 0,5 a 1,5 Hz. Flutuações da frequência de potência de pico acompanham as flutuações no estado de alerta. Por exemplo, durante o sono 1 Hz EEG é visto,

110

O pesquisador observou o estado de consciência da mente como estando na base dos estados de vigília, sono e sonho e, principalmente, que pode se integrar a estes não sendo, portanto, somente um subjacente. Quando essa integração acontece é amplia a capacidade de solucionar problemáticas de várias ordens e naturezas. Repeated experience of the state of pure self-awareness alternated with customary waking activity gives rise to a new integrated brain state in which pure self-awareness co-exists with waking, dreaming and sleeping (Maharishi Mahesh Yogi, 1969; Travis et al., 2002). In this new integrated state, pure awareness is experienced as a foundational state that gives rise to ongoing experience (Maharishi Mahesh Yogi, 1969). It is analogous to the vastness of the ocean that is not lost with each rising wave of daily life. Research has identified physiological and phenomenological markers of this integrated state during sleep and during problem solving.” (TRAVIS, 2006, p.13).16

O sono também ganha em qualidade para reparação de células e desgaste cerebral, como ficou sugerido pela pesquisa. All subjects appeared to have similar requirements for the restorative value of sleep, which recent research suggests is for cellular repair following normal day-to-day wear and tear on the brain (Huber et al., 2004).([TRAVIS, 2006, p.15).17

O autor identificou que, com o passar dos anos de prática de MT, a relação de autoconsciência pura com os estados de vigília, sono e sonho ia se apresentando cada vez mais frequente; já em torno de 25 anos de práticas de

enquanto que durante tarefas muito focadas 40 Hz atividade EEG é relatado. O aumento observado na frequência de potência de pico durante suspenção da respiração poderia ser associado ao aumento da vigilância durante esta experiência. Estas alterações no poder de EEG ocorrem no fundo de alta coerência EEG global. Coerência representa o nível de conectividade entre as diferentes áreas do cérebro. Maior coerência EEG é associado com maior estabilidade emocional, raciocínio moral mais elevado, mais motivação interna e menor ansiedade. Coerência de ondas Alfa EEG sobe para um nível alto no primeiro minuto de prática TM e continua a este nível elevado através do restante da sessão. Pesquisas recentes também relatam maior sincronia na fase superior/parietal durante a prática TM. Esta constelação única de padrões fisiológicos é diferente de qualquer uma vista em vigília normal, dormindo ou sonhando. Ondas Alfa (8 – 12 Hz), caracteriza relaxamento, mediação, mente clara e tranquila, aprendizagem acelerada, visualização.... 16 Experiência constante do estado de autoconsciência pura alternado com atividade de vigília habitual dá origem a um novo estado cerebral, integrado, em que a autoconsciência pura coexiste com vigília, sonho e sono. Neste novo estado integrado, consciência pura é experimentada como um estado fundamental que dá origem a experiência em curso. É análogo à vastidão do oceano que não se perde com cada onda crescente da vida diária. A pesquisa identificou marcadores fisiológicos e fenomenológicos deste estado integrado durante o sono e durante a resolução de problemas. Apresentou-se uma melhora no sono, na solução de problemas cotidianos, observando-o com mais simplicidade e melhoras consideráveis na estrutura fisiológica dos meditantes. 17 As pesquisas sugerem que o sono serve para que possa ser feita a reparação das células do desgaste cerebral do dia a dia, sendo assim, o bom sono, torna esse processo de reparação muito mais eficiente. Mantendo as regiões do cérebro mais saudáveis para execução de suas tarefas.

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MT a experiência de autoconsciência passou a ser contínua ao longo de atividades diárias. Você leitor pode pensar: Como estar sem pensar nada com tantas tarefas para cumprir ao longo do dia e, ainda, enquanto na prática delas? Explico: É como se os pensamentos não “aderissem à mente” eles vêm e vão conforme necessidade de observação, mas não ficam se estendendo em burburinhos mentais para além disso; e o principal disso é que não há julgamentos com relação a nada, há somente cálculo de escolha e consequência para definir uma ação, além de uma profunda integração do indivíduo com o todo (mundo interno, externo e universo), como explicamos na tabela acima. É o contemplar, observar e meditar naturalmente, como descreveu Osho (2002), se permitindo viver cada momento aqui e agora e sentindo o movimento natural dos acontecimentos e suas consequências. Travis (2006) observou que também é ampliada, ao longo do tempo, a capacidade de descrever experiências subjetivas e que a experiência da consciência transcendental é responsável pela continuidade de ações com consciência (termo conceituado anteriormente) como subproduto. Outro fator positivo é o aumento de atenção plena que, por sua vez, descobriu-se associada ao bem estar psicológico: “[...] whereas mindfulness was positively correlated with self-rated physical health, self-esteem, and satisfaction with life.” 18[TANNER et all. 2009, p.19]. O autor também transcreve que as experiências transcendentais (TRAVIS, 2014) promovem maior desenvolvimento humano, proporcionando maior integração do cérebro, diminuição da ansiedade durante tarefas desafiadoras e maior estabilidade emocional. Um estado integrado entre auto consciência, vigília, sono e sonho é chamado consciência cósmica na tradição Védica. A relação sujeito/objeto durante essas experiências é caracterizada por ausência de espaço/tempo/corpo/sentido, bem como por ausência da estrutura que dá sentido às experiências de vigília. Na transcendência é apresentado um estado não dual segundo o autor, o que significa que não há certo X errado, bom

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Mindfulness (atenção) foi positivamente correlacionada com a autopercepção de saúde física, a autoestima e satisfação com a vida

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X mau, há somente escolha e consequência, que é possível por transcender processos cognitivos e afetivos. Na meditação transcendental repete-se um mantra continuamente até que a mente pare de observar sentido na palavra ou significado e seja apenas som. Outra característica é a sincronização do mantra com a respiração. Esse tipo de meditação faz parte do modelo Védico usado pelo autor em suas pesquisas, que pude experimentar em retiro, sendo este de origem Tantra e não Védico, com Monge Indiano Acharya Jinanananda (Dada, como gosta de ser chamado), nascido no Congo e praticante de tantra Yoga desde 1986, que com larga experiência adquirida em 11 anos de trabalho no sudoeste da Ásia, atua no Brasil desde 1999, divulgando o Neohumanismo, o Tantra Yoga (meu objeto de interesse), o vegetarianismo e o Prut, oferecendo uma visão de futuro sustentável para todos. Meditamos entre várias palavras e seus significados, em “Baba Nam Kevalam”, sendo que no literal, baba significa pai, nam nome e kevalam somente. Seu significado é, porém, bem mais profundo, pois cada uma dessas palavras tem outros significados; o contexto geral pode ser compreendido como “somente existe o amor”, amor em deus”, “somente o nome do pai supremo”, “supremo amor do pai”, entre outras. Agora tente juntar todas essas sentenças e poderá ter ideia de sentido, mas não definição em palavras. Também há o modelo que conheci pelo budismo (que divido com vocês abaixo e com os experienciadores da instalação artística proposta), onde há uma repetição de sentenças e não de palavras, em sincronicidade com a respiração, que vai orientar a mente até seu estado natural de pura consciência. Encontrei nessas pesquisas do Dr. Travis grande identificação com minhas experiências: Transcendental Meditation practice can be superficially described as thinking or repeating a mantra—a sound without meaning—and going back to it when it is forgotten.21 A person with this understanding might maintain that thinking a mantra and experiencing pure self-awareness are mutually exclusive. They are right. In pure consciousness there can be no shadow of thought or individual intention. Other mantra meditations involve keeping the mantra in awareness, linking the mantra with our breath, or thinking about the meaning of the mantra. These would be counter to the process of transcending. The TM technique does involve a mantra; but TM is a process of transcending perception of the mantra. Transcending means appreciating the mantra at “finer” levels in which the mantra becomes increasingly secondary in experience, ultimately disappearing, and self-awareness becomes primary.9, 22 Silence, expansion and evenness begin to dominate awareness, while mental activity decreases in intensity and frequency,

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and ultimately ceases. Transcending is automatic, conducted by the natural tendency of the mind.9 Transcending must be an automatic process. Any intention or individual directing of the mind leads to increased activity in a localized area—the mind cannot transcend. Maharishi Mahesh Yogi, who brought the TM technique to the West, described pure consciousness in this way:9 The state of Being is one of pure consciousness, completely out of the field of relativity; there is no world of the senses or of objects, no trace of sensory activity, no trace of mental activity. There is no trinity of thinker, thinking process and thought, doer, process of doing and action; experiencer, process of experiencing and object of experience. The state of transcendental Unity of life, or pure consciousness, is completely free from all trace of duality. (p.222). (TRAVIS, 2014. p.5).19

São inúmeros os benefícios da prática de meditação para saúde do corpo e da mente. E tendo as práticas de meditação relação direta com mente, pensamentos, ordenação mental e emocional, todos esses caminhos que percorremos nos capítulos anteriores consideramos escolha apropriada para compor o esqueleto da obra de instalação, fruto desta pesquisa. Este subcapítulo compartilha potenciais desenvolvidos pela prática de meditação védica do Dr. Travis, mas deixamos como adendo uma sugestão de meditação da Seicho-noie, que é uma vertente da filosofia budista, chamada meditação Shinsokan (que já experienciamos), (ver figura 18 e 19), com as devidas orientações do Prof. Masaharu Taniguchi, líder religioso japonês fundador da Seicho-no-ie (vista como filosofia e não religião, que tem adeptos exclusivos bem como atende pessoas de várias outras crenças). Sugiro um mantra de palavra a escolha do

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A pratica da Meditação Transcendental pode ser superficialmente descrita como ficar pensando ou repetindo um mantra até que a palavra perca o sentido e seja esquecida. Uma pessoa com esse entendimento pode sustentar o pensamento de que o mantra e a experiência de consciência pura são mutuamente exclusivos. Estarão corretos. Na consciência pura não há qualquer sombra de pensamento ou intenção individual. Outras meditações em mantras envolvem manter o mantra na consciência, associando o mantra à respiração, ou pensando no significado do mantra. Isto poderia ser contrário ao processo de transcendência. A técnica TM envolve um mantra; mas é um processo de transcender a percepção do mantra. Transcender significa apreciar o mantra em nível sutil onde o mantra começa, cada vez mais, a ficar secundário na experiência, finalmente desaparecendo e mantendo a autoconsciência como primordial. Silêncio, expansão e uniformidade começam a dominar a consciência, enquanto que a atividade mental diminui de intensidade e frequência, e, finalmente cessa. Estar transcendendo deve ser um processo automático, realizado pela tendência natural da mente. Qualquer intenção ou direcionamento individual da mente leva ao aumento da atividade em uma área localizada, em que, a mente não pode transcender. Maharishi Mahesh Yogi, que trouxe a técnica da MT para o Ocidente, descreveu a pura consciência desta forma. O estado de Ser é um dos estados da consciência pura, completamente fora do campo da relatividade; não existe um mundo dos sentidos ou de objetos, nenhum traço de atividade sensorial, nenhum traço de atividade mental. Não há trindade do pensador, processo de pensamento e pensamento, executor, processo de fazer e ação; experimentador, processo de experimentar e objeto de experiência. O estado de unidade transcendental da vida, ou consciência pura, é completamente livre de qualquer traço de dualidade.

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meditante, para quem não tem experiências anteriores, anteriormente à prática Shinsokan, por ser bastante favorável a melhora de concentração para essa posterior prática de sentenças, não sendo impreterivelmente necessário, entretanto. Deixo sugestão que aprendi com o monge: não é necessário que procure uma palavra indu ou budica, mas uma que esteja em seu interesse ou necessidade, como por exemplo: “amor, amor, amor, amor....”, “luz, luz, luz, luz, luz....”, “sol, sol, sol, sol...”, pois depois de alguns minutos repetindo a palavra perderá sentido e a percepção a observará de outra forma como som ou frequência de onda. Outra observação (Dada) é quanto ao tempo de dedicação, é ideal que seja feita diariamente, mas o monge atenta que é melhor fazer três vezes por semana, ou 5 a 10 min, por dia que não fazer. Apesar de não ter muita eficiência, pouco tempo pode ir despertando o hábito gradualmente e facilitando o processo diário. Estarão disponíveis também no espaço da obra 200 impressos dessa prática, para que os “meditantes” possam levar para seu dia-a-dia e experimentar os benefícios mencionados, que para serem desenvolvidos precisam de disciplina diária, sendo a obra então concebida como um convite atraente e inicial à prática da meditação, oferecendo-se assim como um modo de a artista estender e compartilhar experiências vividas e transformadoras de si mesma, ciente de que as suas experiências, ainda que fortemente individuais, têm um fundo universal que as teorias abordadas aqui ajudam a compreender.

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Figura nº 21: Meditação Shinsokan 1

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves

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Figura n º 22: Meditação Shinsokan 2

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves

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CAPÍTULO 3 – PROJETO E OBRA – IDÉIA INICIAL E SUAS MODIFICAÇÕES O interesse inicial desta pesquisa partiu de outra pesquisa que vinha fazendo há alguns anos, com o intuito de me autoconstruir e resolver padrões repetitivos que identificava em meu meio familiar, bem como de superar dificuldades de confiança e relacionamento social, incomuns na minha forma de agir, visto que passei a convive-las depois de certo período da vida. Este capítulo trata tanto da obra plástica nos projetos iniciais, quanto das modificações realizadas até execução final, quanto dos bastidores do desenvolvimento teórico, que se distanciou bastante da pesquisa inicial pela necessidade de preservar a qualidade do mesmo, sendo necessário maior tempo de pesquisa, para seguir um caminho de estudo que aborda diferentes áreas relacionando-as, conforme foram percebidas como complementares. A obra plástica foi a parte que mais sofreu modificações em relação ao meu interesse inicial. A pesquisa teórica teve força maior no desenvolvimento deste projeto, porque para mim desde conhecimentos anteriores à faculdade, o conhecimento linguístico vem antes que o visual, explicita e exemplifica melhor seu conteúdo. Toma como um interesse particular ser clara tanto para indivíduos com

formação

superior

quanto

para

pessoas

com

menor

grau

de

desenvolvimento educacional institucional. Falar em educação pela arte, arte-educação ou em autoeducação pela arte significa pensar em atender a interesses coletivos considerando a individualidade humana além das fronteiras institucionais, sociais, egoísticas e competitivas. Do ponto de vista desenvolvido aqui, o primeiro interessado em se autoconstruir deve ser o próprio artista, para que possa realmente trazer modificações sólidas e efetivas, às pessoas com as quais sua arte interage. 3.1 - Pesquisas: detalhes e observações sobre escolhas de conteúdo teórico, desenvolvimento do projeto e minha relação particular com a obra na experimentação dos processos envolvidos na pesquisa. b) PROJETO TEÒRICO As relações entre conhecimentos teóricos são fruto menos de uma análise sintética do assunto e mais fruto do modo como minhas experiências de

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vida me levaram a relacioná-las. Uma característica especial deste trabalho é de que faço aqui relação entre conhecimentos oriundos de áreas da ciência (metapsicologia, psicologia cognitiva, semiótica e neurociência) e de “filosofias” consideradas não científicas, como as práticas espiritualistas, em particular as orientais de estudo da meditação através de Osho e observações para construção interna do indivíduo de Chopra et All. Início a presente proposta comentando particularidades a meu respeito, a deixar explícito que não se trata simplesmente de situações de conhecimento teórico para mim, mas também de situações vivenciadas, tanto nas problemáticas quanto nas soluções. Essa dupla vivência, fez delas, acredito eu, mais acertadas e intensas no seu desenvolvimento. Padrões de conduta em meu meio familiar como pré-conceitos e, uma visão de vida baseada quase que exclusivamente em construir uma vida com base em recursos materiais sem considerar minha pré-disposição, afinidade ou dom, em algumas escolhas na vida como, profissão por exemplo, visão essa, baseada no medo do desconhecido, pois define a vida dentro do quesito sobrevivência (pagar contas e conseguir uma posição admirável no padrão coletivo social, sem considerar minha relação dia-a-dia com tal escolha), bem como pouca tolerância quanto à diferenças, identifiquei como padrão repetitivo a partir do momento que tive contato com as experiências que tiveram esses familiares mais próximos a mim, com sua família de origem, que por sua vez tinham os semelhantes padrões de conduta e pensamento. Eu, não sentindo conforto, confiança ou adequação a esses padrões, passei a reagir ao longo do tempo, com agressividade e indiferença a meu meio familiar, passando cada vez menos tempo no ambiente e evitando ao máximo qualquer proximidade de convivência. Essa minha reação por sua vez, tendo acontecido no auge de minha adolescência, se manifestou de forma tão bruta e rápida, que a distância que começou a se apresentar não permitiu que eles me conhecessem de fato, me observassem realmente. Como eu era? Porque eu era? Juntamente com todas as mudanças que se construíam em mim, e menos ainda eles se manifestavam muito interessados, pois eu via que ali a referência de viver era o viver do outro, e não nossas particularidades em expansão contínua de construção, que por sua vez, mantinham o ambiente geral familiar sempre caótico, não deixando espaço

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para que pudessem perceber sequer a origem de suas suposições acerca da vida. Desta forma, criaram com o passar do tempo a imagem de mim, a partir dos poucos minutos de convivência que tinham comigo, mais conveniente a justificar minha conduta bem como manter seus padrões repetitivos protegidos. Nesse momento eu que já não tinha referências, pois as que me foram apresentadas não faziam sentido à minha forma de observar a vida, perdi qualquer possibilidade de referência, nem que fosse com fragmentos daquela base emocionalmente caótica e de ambiente ora agressivo, ora indiferente e sempre desunido. Cabe ressaltar que vivenciei extremos emocionais, pois se por alguns eu conheci a indiferença, por outros eu conheci o excesso de zelo, o que me permitiu vislumbrar como seria o equilíbrio, o meio. Apesar da primeira infância, conturbada, cada um à sua maneira me passou bons valores e fortaleceu em mim um senso ético muito forte, minha maior dificuldade foi, apesar de saber de tudo isso, com o passar dos anos não ver isso sendo aplicado por eles, com convicção em ações cotidianas, principalmente no ambiente familiar, conforme me ensinaram. Estavam presos aos padrões pretéritos de família e muitos padrões sociais. Tive que escolher. Escolhi o que aprendi e compreendi como sensato, mais do que o que vi dentro das conveniências nas ações de cada um. Principalmente escolhi tentar compreendê-los sem esperar que me compreendessem. E meu ponto de partida foi me compreender primeiro, a fim de que pudesse no mínimo ter mais confiança em defender minhas particularidades não aceitas e sempre em questionamento. Nesse momento iniciei uma busca difícil, dolorosa e ao mesmo tempo maravilhosa, para construir minha própria base de referência, e fortalecer minhas convicções positivas, com o campo imensamente ampliado que a vida e, as diferenças podem oferecer, indo muito além da referência familiar. Durante o caminho percebi que, em alguns aspectos, como confiança, a forma como me percebo, a minha capacidade de correr riscos, inovar em soluções variadas para solucionar problemas do dia a dia, que sempre se manifestaram de forma eficiente em minha relação com ambiente social até a primeira infância, passaram a se apresentar de forma danosa em minha vida se agravando a partir da adolescência. Percebi que necessitava buscar muito mais recurso emocional para resolver pequenos problemas, do que outras pessoas

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que cresceram em ambiente mais equilibrado e unido. Identifiquei que, por mais que eu quisesse melhorar algo em mim, só o quere não bastava, pois eu precisava “deletar”, “destruir” os padrões que ecoavam em minha mente, absorvidos ao longo de tantos anos, para que qualquer reprogramação mental e emocional positiva pudesse se manifestar. Não foi tarefa fácil. Essa minha observação de minhas intensões, conduta e pensamentos conflituosos foi determinante para que eu começasse um aprofundamento teórico com tudo que se relacionasse com a forma com nós, indivíduos, somos construídos ou vamos nos construindo até o que manifestamos no presente, bem como em solucionar os problemas, pois para tal eles precisam estar à luz da consciência, na sombra do inconsciente pode-se perder detalhes valorosos de nossas experiências que precisam ser desconstruídos para que o melhor de nós possa se expressar. Criando uma analogia seria o mesmo que destruir uma casa para construir outra em seu lugar, que é o início do processo de autoconhecimento e parte mais dolorosa dele, ou colocar a casa em reforma. Mas nossa reforma interna, precisa ser feita ao longo de toda à vida, já que durante todo este período estamos expostos a todo tipo de informação e experiência. Além da necessidade de equilibrar os conflitos emocionais e mentais de ambiente caótico no meu cotidiano, precisava compreender também, particularidade que trago de nascimento, com relação a experiências consideradas fenomênicas ou extrafísicas, que manifesto desde a infância, tendo convivido com elas com mais profundidade minha avó materna, por ser a única pessoa aberta a me orientar em tais questões, ou pelo menos me ouvir e incentivar a extrair o mais positivo delas. Apesar de manifestar nitidamente, certo receio ao interesse em me aprofundar em tais experiências e me trazer alguns conflitos pelo mesmo motivo. No período não consegui compreender tais manifestações como, telepatia, experiência fora do corpo, previsões de coisas que estavam por vir, lembrança de vidas passadas, entre outras, que no Kardec são chamadas mediunidade, pois naquela época não havia tido contato com nomes e conceitos específicos da metafísica, espiritualista e afins, assim como não tinha procurado por isso. Venho de base católica, então apesar de tudo ser vivido, não tinha

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nomes explicáveis pra mim e até aquele momento o pré-conceito e o medo do desconhecido por parte da maioria das pessoas era enorme no que se referisse a essa questão. Era difícil conversar com qualquer um sobre isso, o desconhecimento do assunto e o medo do desconhecido, talvez, levavam as pessoas a evitar o assunto. Também não havia porque buscar pois estava em equilíbrio interno e havia sido, pra mim, desde a infância, muito natural, todas esses sentidos incomuns à uma grande maioria, na época, sentidos estes que me ajudavam a solucionar rapidamente problemáticas internas e externas com muita facilidade, além de por vezes ampliar meus sentidos mais comuns, os cinco sentidos. O fato de esses sentidos “extras” terem relação com minhas percepções mais comuns, acabou por ampliar muitíssimo os problemas emocionais, pois os sentidos “extra-sensoriais” também começaram a necessitar de equilíbrio e conhecimento mais aprofundados, precisaram ser trabalhados por estarem sofrendo influência das minhas percepções e sensações comuns. O máximo que tive quando criança foi o treino mental, que me colocava para fazer às vezes: eu ficava radiante, pois sempre acertava. Era um jogo sugerido por um livro chamado Poderes da Mente da Editora Abril (ver fig. 20), que falava sobre conexão quântica, Xamãs, dimensão sensitiva, sonhos, espectros sensoriais da natureza entre várias outras coisas. Mas, aos 5 anos eu me concentrava nos joguinhos, esses realmente me interessavam, e havia um dentro do livro sobre telepatia. Vinham 28 cartas com figuras diferenciadas. Duas pessoas pegavam cada uma, uma carta e olhando fixo nos olhos uma da outra, tinham que tentar acessar o pensamento da outra para “ver” o que essa estava vendo na carta. Então, se minha irmã estava com uma carta na mão ela olhava e eu acessava o que ela estava observando e tinha enorme número de acertos, quando eu não acertava, ela me dizia: “essa não foi a carta que escolhi, mas a última figura que olhei no livro foi essa! ”. Cada carta tinha uma figura diferente. Nós já sabíamos todas. Difícil ficava quando o pensamento era focado em imagem nunca vista antes, pois nem sempre a pessoa consegue focar só a imagem, e o pensamento vem sujo e a imagem desconexa. Aconteciam naturalmente. Figura nº 23: Livro de prática da primeira infância da autora

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Só quando, depois da adolescência, que comecei a manifestar padrões familiares danosos à minha saúde física, psíquica e de ambiente é que me interessei e “dar nome aos bois” e em conhecer todos os nomes e conceitos. Só muito anos depois fui conhecer teóricos. E mais alguns anos adiante, na faculdade é que me interessei a escrever sobre eles, associando as idéias desenvolvidas por eles com aquelas que eu própria havia desenvolvido a partir de minha experiência de vida. Começou com estudos que partiam de conceitos religiosos controversos à cerca do mundo e das sugestões por meio das instituições religiosas de padrões de conduta e da forma como deveríamos, segundo cada uma, nos observar perante a essência criadora e o universo juntamente com pesquisas históricas sobre os mesmos assuntos e seus períodos. Onde foi possível identificar, por exemplo, que a seleção e organização das escrituras antigas que compõem alguns livros religiosos, obedeciam a interesses políticos do período, e que várias outras escrituras que haviam sido excluídas de tal organização, mudariam em muito a interpretação que fazemos hoje desses fragmentos selecionados (esses manuscritos e essa observação vem de historiadores da área). Ou seja, neste momento de minha vida, passei a questionar e experiência ao máximo o que eu entrava em contato. Vejamos neste caso que cito, o responsável por passar adiante o conhecimento religioso é o próprio homem, que tem suas limitações e fraquezas, bem como, interpretações que só são possíveis a partir do conhecimento que possua e da liberdade mental que se permita. Ou seja, a compreensão das coisas da vida e da morte serão sempre

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individuais e intransferíveis. Perguntas como: “Porque tal fulano consegue ver espíritos e eu não? ”, “Existe reencarnação? ”, acredito serem perguntas a se fazer a si mesmo, jamais ao outro. Não precisamos de nenhum pesquisador assinando embaixo, para considerarmos que das leis e recursos do universo, o homem sabe quase nada e ainda tem muito a descobrir sobre sua própria natureza. No ensino médio comecei a relacionar conceitos de matemática e física sobre planos, tempo, aceleração e visão espacial de plano, dentro das duas matérias. Em 1999, tive contato pela primeira vez com teorias que explicavam exatamente o que eu supunha anos antes: A Teoria das Supercordas. Tudo o que pensava e escandalizava as pessoas com quem eu conversava estava ali anos depois, defendido por um físico de quem eu nunca ouvira falar (naquela época abrir a mente para conhecimentos metafísicos, metapsíquicos e, principalmente, espiritualistas, era motivo de muita crítica e até de médico; às vezes, era mesmo para “me acabar de rir” o medo do desconhecido nos olhos das pessoas e a necessidade de todos de se provar o que é dito, sem considerar as novas e maravilhosas possibilidades de observação de nossa natureza, que elas possam trazer. Mas havia também, aquelas pessoas que embora com medo, tinham uma curiosidade, que me faziam questionamentos e que acabavam por me indicar novos caminhos. No final simplesmente percebiam que já consideravam tais possibilidades, mas, talvez, não se aceitassem por que estavam buscando sempre a aceitação do outro, eu inclusive, principalmente por parte da família. A partir desse momento fui me aventurando em todas as vertentes do conhecimento que se relacionassem com comportamentos, ideais, emoções, traumas, crenças, que formam personalidades ou, por vezes, controlam personalidades em massa, personalidades essas que, por sua vez, gerenciam ações num processo imediatista, autoprojetor e, às vezes, repetitivos. Mas, meu interesse maior no início eram os traumas graves, sendo que ao longo desse processo percebi que o caminho de construção e desconstrução de traumas graves era o mesmo para identidades pouco tolerantes, preconceituosas ou simplesmente não maleáveis e autoritárias. Quanto as práticas espiritualistas, vivenciei Umbanda, Kardec, Gnose, Seicho-no-ie (que conheci a convite de meu padrasto José Irany a quem tenho imensa gratidão), Tantra e Budismo: apesar de ser

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de família de base católica me senti muito mais à vontade com os conhecimentos espiritualistas, principalmente a partir das filosofias orientais, por seu conteúdo teórico bem organizado em conjunto com as práticas. Em 2010, já no do curso de Artes, quando me vi tendo que escolher uma pesquisa para conclusão de curso, foi inevitável que eu continuasse o caminho que comecei lá atrás, pois meu foco nos últimos anos, até por uma necessidade particular de me livrar de traumas graves de infância e adolescência, havia sido este. Agora, porém, com o acréscimo das referências que tive que atualizar às minhas vivências, pois no começo meu interesse não era passar a outras pessoas. Essa busca dos conhecimentos de base, os primeiros com os quais tive contato, me trouxeram caminhos novos; e minha ansiedade em me aprofundar em cada um deles acabou se estendendo, ampliando demasiadamente a pesquisa inicial e tornando-a muito complexa. Precisei de um ano, só para organizar até estar bastante satisfeita com o mergulho que fiz em cada uma delas: neurociência, física, física quântica, metafisica, biogenética e, mais um pouco para selecionar quais os conhecimentos eu apresentaria nesta pesquisa. Tive novos acréscimos quando a colega de curso, Liege Dreyer foi convidada a conhecer A Homeostase Quântica da Essência, do terapeuta em formação Sérgio Ceccato, me estendendo o convite. O tema tratava de boa parte das questões que eu já conhecia pelas experiências espirituais, principalmente budista e tântrica, que têm em sua base o controle da mente pela observação presente e consciente das coisas, gerando realidades curativas do ponto de vista material ao psicológico. A homeostase pontuava novas formas de aplicação terapêutica, tendo como base os mesmos conhecimentos, no tratamento doenças graves, através da limpeza de traumas e condicionamentos pela expansão da consciência, por meio de comandos verbais de indução mental (frases especificas identificadas depois de muitas experimentações, que dão acesso direto à consciência de base das informações armazenadas pelo indivíduo e que desencadeavam acesso ao subconsciente e consequentemente ao registro das experiências gravadas protegidas pela psique nesse departamento mais obscuro de difícil acesso e pouca atividade). Não me aprofundei, nessa pesquisa, nesse caminho homeostático, apesar de estar vivenciando inteiramente e continuamente o processo, de forma tanto prática quanto teórica: mas trato, até onde for pertinente, dos conhecimentos e práticas búdicas e tântricas que experiênciei. Esses comentários pretendem incitar seu olhar,

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observador, desde já, à forma como funcionam as divisões de informação do consciente e do subconsciente e sobre sua seleção, conhecimento de suma importância para quem busca aprofundamento em si, a tal ponto que o equilíbrio interno supere qualquer turbulência externa ou, pelo menos possa desenvolver auto controle e tranquilidade diante das adversidades, bem como oferecer uma educação cada vez mais acertada a seus dependentes, seja familiares ou institucionais. Esta

pesquisa,

então,

concentrou

seu

foco

na

necessidade

do

autoconhecimento, tanto por parte do público das artes quanto do artista produtor, considerando principalmente que se tenha em mente que o óbvio não é absoluto, e sim relativo ao conhecimento e às informações que cada um carrega em si e, sendo assim, é muito importante saber prever as possíveis identificações que o interlocutor, em vários graus de conhecimento, pode fazer da imagem. É importante usa-la com responsabilidade consciente da influência que exerce sobre o outro, amplificando a emoção dos mesmos através de lembranças e informações que são acessadas no contato com a obra. Não me limitando a isso, percebi também que o conhecimento por meio de linguagem escrita deve ser considerado parte importante em obras quando a mesma já tem um conteúdo de direção de pensar determinada mas muito abstrata, para que todos do menor ao maior grau de conhecimentos sejam institucionais ou não possam se sentir igualmente inteirados com a obra e possam se observar e conseguir observar também, isoladamente as intenções do autor da obra. Por exemplo, um texto explicativo ou sugestivo acerca de possíveis formas interpretálo, ou ainda melhor, mais sugestivo e menos óbvio para não quebrar a magia da obra, uma lista de perguntas, que possam orientar os pensamentos de pessoas menos instruídas e menos acostumadas a inter-relacionar conhecimentos e formar opinião própria acerca das coisas, podendo assim também, talvez, estimular essa prática no cotidiano

do

observador, mesmo

que

inconscientemente.

Assim,

estamos

colaborando com a formação de opinião e não só armazenagem da opinião alheia. Para isso, precisamos entender como funciona nossa absorção de informações, os mecanismos da mente, e ampliar nossa visão de mundo, de tempo e espaço, das diversas realidades das mentes humanas, suas verdades individuais

e,

individualmente.

principalmente,

precisamos

entender

a

nós

mesmos,

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Como a pesquisa inclui experiências próprias, cito aqui também, a Seicho-no-ie, uma vertente filosófica do budismo nos diz que a matéria é criação ilusória de nossa mente, ainda em começo do processo evolutivo do mundo fenomênico que vivenciamos. A Seicho-no-ie entende como fenomênico a experiência da matéria, sendo assim a mente gera a realidade, não sendo um instrumento de percepção do mundo que vivemos, mas o que o cria dentro de nossa realidade dimensional. E que a realidade mesmo, só passa a existir conforme vamos acessando a consciência mais próxima da nossa essência divina. Experimentei mudanças sólidas, de ação e matéria, pela mudança de meus padrões mentais. Descobri que não há sombras, trevas, demônios, sofrimentos e doenças isso é somente a ausência da luz. E na ausência da luz (onde mora a verdade divina da pureza e perfeição originais), a mente, principalmente as mais longes da consciência e mais escravas do subconsciente, por não ter domínio das paixões, começa a criar fenômenos que venham confortar, ajudar a aceitar realidades dolorosas num círculo vicioso contínuo. E você se pergunta, mas como assim? Vejo o sofrimento na tevê, no vizinho, na minha casa, e crio isso com a mente e a doença então? De certa forma, sim! Nós não podemos evitar a conduta danosa alheia, todos têm direito à sua escolha, mas podemos evitar o fruto da mesma, assim temos que melhorar primeiramente

nossa

própria

conduta,

instruir

aqueles

sobre

nossa

responsabilidade nesse caminho de seu reino interno. Sem esquecer que o reino de seu filho não é o seu, os caminhos dele também não! Suas experiências de vida podem ser suas referências, mas jamais determinantes; só ele é capaz de gerenciar corretamente o reino dele e se você o invadir só prejudicará em vez de colaborar. Isso vale para o respeito entre todos os reinos, não só entre mãe e filhos. A doação de experiência deve ser despretensiosa e cheia de amor, caso contrário jamais será doação. E doação não é caridade, nesse caso é reflexo do amor incondicional por alguém, onde o prêmio é a paz e a satisfação pela própria ação. E, conforme andamos nesse caminho, vamos naturalmente nos afastando de pessoas de natureza desonesta, ou bloqueando seu acesso a nosso reino, caso seja inevitável conviver com eles em situação de trabalho, faculdade ou escola. Esse foi meu maior aprendizado nesse período. Bloquear essas pessoas

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sem apego, medo ou ressentimento. Simplesmente escolhendo o que dialoga com meu reino. Aceitando e vivendo o melhor de mim e do outro que dialoga comigo. Nem sempre é tarefa fácil. E a doença? Descobri sua relação direta com as informações emocionais danosas no subconsciente. Isso será base sólida de construção da continuidade desta pesquisa. Lembram-se da catexia quirense de Freud? Pois então, recebendo energia danosa ao nosso sistema continuamente, geramos reflexo semelhante na tentativa de autoproteção; mas sendo a energia de frequência semelhante, não há bloqueio definitivo. Então, com o passar do tempo essa energia fica insuportável ao sistema e começa a se manifestar materialmente, tem relação com os pontos de energia do corpo, os cháckras, que em desequilíbrio começam a concentrar essa energia em pontos específicos relacionados, gerando matéria densa da mesma informação. É o fenômeno matéria. Mas a partir do momento que não observamos mais suas referências dolorosas e focamos na saúde mental e física, essa se apresenta na matéria. E no caso de doenças existentes, o processo de cura é mais eficiente e mais rápido, não desconsiderando para tanto o uso dos medicamentos necessários para saná-la por completo. Vemos matérias e documentários sobre isso com muita frequência nos tempos atuais. Observemos então o que queremos para nós e não o que não queremos. Pois é o que é observado, que logicamente se apresenta aos olhos. Então vamos abandonar os condicionamentos e os pré-conceitos a respeito das coisas, observá-los, compreendê-los, escolher o que queremos com consciência e, o principal praticá-los. Não vamos mais falar de amor. Vamos fazer o amor no nosso dia a dia. Amor é ação! Então o foco aqui é autoconhecimento. Mas, damos um indicativo de vários caminhos a pensar a partir disso: quanto ao artista produtor, quanto ao espectador, quanto ao ser individual no todo e o todo manifestado de maneira genérica de várias individualidades coordenadas pelo subconsciente. Esta pesquisa é um pequeno fragmento introdutório às outras duas em construção simultânea a esta. O mais interessante foi observar que fiz o caminho inverso do costumeiro. Vim do mais complexo para voltar a esse mais simples, um conhecimento sobre o meu eu particular; sempre evitei as coisas simples por não manterem minha atenção contínua. Sou hiperativa e aprendi a usar esse

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sistema mental a meu favor. Percebi que minha mente trabalha em produção de teias simultâneas de conhecimentos absorvidos, armazenados e criados ao mesmo tempo e num fluxo tão grande que quase minha coordenação corporal não consegue acompanhar. Essa forma de gerência mental é de nascimento, mas foi alvo de muita crítica e repressão pelo simples fato de eu não observar o mundo a partir do que tem que ser provado, o que me abriu muitas portas especiais, sem dúvida! Não sou a única em minha família, e conheci muitas outras ao longo da vida, e percebi que os problemas gerados para essas pessoas ou projetados por elas estão principalmente no fato de terem o funcionamento de seu sistema não respeitado, sendo obrigada a vivenciar padrões programatórios que não lhes são natos. Aceitando essa particularidade em mim pude extrair o melhor dela e ter a coragem de afirmar que quem busca a solução de um fato apenas em si mesmo jamais a encontrará. Os conhecimentos das distintas áreas são inevitavelmente complementares, onde um te falta, o outro vem completar; então temos que deixar a mente aberta; e para que a mente esteja assim é preciso saber controlá-la e não ser controlado por ela. É preciso saber sentir o momento presente e estar sempre na companhia do consciente mandando, e saber resolver as “pendengas” do inconsciente que inclina todo ser humano aos processos repetitivos, sejam sociais, traumáticos entre outros, por fazer parte de um mecanismo de defesa natural instintivo da nossa espécie. a) OBRA A obra de instalação apresentada é consequência natural de pesquisa teórica, sem referências imagéticas ou pesquisas anteriores de outras obras. A obra é uma instalação que sugere um ambiente meditativo, entretanto, com adendos pertinentes a representar todo o caminho de construção do indivíduo desenvolvidos no conteúdo teórico, convidando o interlocutor a refletir sobre cada particularidade de si, de forma que, o próprio estivesse livre de representações imediatistas que pudessem influencia-lo em seu processo de busca interna. Trataremos o indivíduo em contato com a obra aqui de meditante. Dentro do espaço de uma tenda branca de 2,40 m², está toda a organização da obra. Logo na entrada o meditante, se depara com um tapete colocado para que sente e comesse uma experiência por seus caminhos

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internos. A frente dele se forma um caminho com rostos de crianças, todos brancos, representando a pureza e a inocência da criança, bem como, que representando a criança interior como base importante de compreensão dos fragmentos que compõe o meditante, terminando em um grande espelho colocado de frente do meditante. Nas laterais do tapete, um pouco atrás do meditante, tem dois espelhos em ligeira diagonal direcionados para o espelho que está à frente do meditante. Nas laterais direita e esquerda da tenda, bem como o fundo, à frente do meditante estão espelhos e máscaras (rostos) flutuantes, intercalados e presos por fios de nylon. Nas laterais do caminho construído com os rostos das crianças, há seixos brancos e, sobre eles, mais algumas máscaras representando os fragmentos que compõem o indivíduo bem como as inter-relações dos indivíduos entre si. Fica disponível, no espaço da obra, áudio de indução meditativa, bem como um papel com orientação de meditação Tântrica e um modelo de meditação Budista este último, especificamente da vertente Seicho-no-ie, para que o meditante leve para casa. Até que a obra chegasse a essa configuração final, sofreu inúmeras modificações. A única coisa em comum à todas as propostas era o uso das máscaras para construir a obra. A primeira idéia necessitaria de um número imenso de máscaras, todas em resina cristal e mais programação por programa Arduíno, projeção e construção de vídeo projetado, porém, além de estar totalmente fora do tempo disponível, exigiria um gasto inviável para o período. Outro, fator determinante para não produzir essa idéia, foi o fato de ter sido excluído de conteúdo teórico algumas pesquisas que dialogavam perfeitamente com a proposta. A segunda proposta também com máscaras, era uma organização das mesmas divididas sobre três painéis de madeira, com trabalhos de pintura construído a partir de conhecimentos de psicodinâmica das cores. Esta porém, não senti que tivessem poder representativo perante à complexidade da pesquisa feita e foi desconsiderada. Entre essas duas fiz inúmeros croquis, à mão livre, sempre ao fim de leitura de pesquisa ou práticas de autoconhecimento ou espiritualista, mas não encontrava nada que me tocasse como o conteúdo teórico. Decidi então, deixar de lado a construção de obra e me dedicar profundamente à pesquisa teórica e às práticas espiritualistas que participam de minha rotina, entre elas a meditação. Já ao fim de delimitar o

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quê, de tudo que havia me aprofundado em pesquisa teórica, iria ser apresentado para este trabalho, foi que a idéia de obra me veio à mente à medida que eu ia intercalando conhecimentos, como se explicasse a alguém e, em menos de 15 minutos, ela estava pronta em minha mente. Todos os recursos plásticos utilizados na obra estavam sendo desenvolvidos e ou estavam se relacionando comigo e com a pesquisa de alguma forma direta ou indiretamente, mas sem minha observação direta de criação da obra, estavam funcionando mais como passa tempos para mim. Depois de idéia montada na mente, me apliquei em reproduzir a quantidade de máscaras que precisava para essa montagem de instalação, sendo a fôrma criada para reprodução contínua das máscaras a parte mais difícil da produção, principalmente pela necessidade de que as máscaras fossem encaixáveis ao rosto. Esse detalhe foi de suma importância para diminuir o peso das mesmas para que a tenda pudesse suportar bem como economia de material. Assim como o teórico, corri alguns riscos imprevisíveis ao escolher executar a obra escolhida. O tempo foi um deles. Outro ponto a considerar, foi a montagem que visualizei em projeto. Essa montagem poderia não ser possível na prática pela leveza das arestas da tenda (de alumínio, encaixáveis até dar o comprimento da altura) em relação ao peso dos elementos presos ao seu redor. Consegui vislumbrar algumas soluções e entre elas escolhi o uso de ferro de fundição para sustentação de vigas na construção civil estando então, no comprimento das arestas completas, para fortalecer a estrutura da tenda, sendo então colocados por dentro das arestas de alumínio da tenda, já encaixadas. Foi ainda assim um tiro no escuro. O resultado realmente, só visualizei na montagem. Essa foi a melhor parte de todo esse trabalho: qualquer inusitado no resultado, tendo se materializado a partir de conhecimento teórico!

3.2 - Produção, acabamento e montagem Os materiais utilizados na obra foram uma tenda branca 2,40 m², máscaras possíveis de serem encaixadas ao rosto e outras, de fundo maciço, espelhos, tinta, plástico grosso e transparente, seixos brancos e áudio de indução autoreflexiva.

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Os recursos de áudio foram baixados da internet e todos os selecionados fizeram parte de minha experiência pessoal em meditação e canalização de pensamento, me trazendo resultados incríveis na descoberta e às vezes solução de conflitos psicológicos familiares na criança interior até situações que havia experimentado antes de começar essa busca. Os áudios meditativos participantes no processo dialogam com o espaço. Ficam disponíveis na tenda algumas cópias dos áudios em cd para quem quiser levar. O áudio parte da instalação permanece sempre no aparelho de execução. Para o áudio tem um pequeno aparelho de som, com cd e fones de ouvido. A maior complexidade na criação da instalação foram as máscaras encaixáveis, especificamente a produção da fôrma para produzi-las com maior rapidez. Foram várias formas produzidas para chegar à forma final. Na 1ª etapa comecei tirando formas de vários rostos feitas de atadura gessada. Nesse processo é passada uma camada de vaselina sobre o rosto de uma pessoa e são colocados gradualmente retalhos de atadura gessada sobre esse rosto até cobri-lo totalmente, como mostra figura 24. Figura 24: Rosto coberto com atadura gessada e protótipos prontas

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

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Figura 25: Colocação de atadura no rosto

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014

Dessas fôrmas foram tiradas máscaras (ver fig. 26) com fundo sólido; isto é não encaixáveis ao rosto. Mas a proposta da obra é que sejam encaixáveis, em sua maioria tanto pela possibilidade de interação do público com as mesmas, como pela economia de resina cristal e de massa plástica. Figura 26: Máscaras de gesso e resina, respectivamente.

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

A fôrma de reprodução contínua foi possível pelo uso do silicone (ver figura 33), pois as fôrmas de atadura gessada não têm durabilidade para resina e massa plástica. A resina, depois de duas tiragens, danifica totalmente a forma. Para a “fôrma reprodutiva”, primeiro tirei uma máscara de gesso de uma fôrma de atadura gessada, passando vaselina sólida no interior da máscara com um pincel e depois colocando a mistura de gesso. Desenformei e lixei até ficar bem lisa, sem imperfeições fortes (fig. 27). Figura 27: máscara de gesso lixada

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Depois montei uma caixa de folhas grossas de isopor, presas com palitos de madeira para churrasco e fita crepe. Por dentro, nas junções do isopor, passei argila para lacrar totalmente a caixa. A máscara de gesso feita anteriormente foi coberta com plástico filme, depois com uma manta de argila aberta, igual massa com rolo de macarrão. (Ver figuras 28)

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Figura 28: Máscara com manta de argila e argila no silicone.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Na caixa de isopor foi passada vaselina sólida em todo seu interior; depois despejei uma mistura de gesso; e quando a mistura começou a reagir e se solidificar mergulhei a máscara coberta com argila na mistura dentro da caixa (ver figura 30). Figura 29: Primeira fôrma para moldar.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

A argila entre o bloco de gesso e a máscara de gesso é o espaço para o primeiro trabalho com silicone. Retirei então a argila, fiz o preparo do silicone e despejei sobre a cavidade no bloco, e por cima coloquei novamente a máscara de gesso, agora sem argila e com uma camada de vaselina sobre ela. Figura 30: Modelo gesso mergulhado em silicone

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Dessa forma saiu a primeira forma de silicone para protótipo de forma final (figura 31). Figura 31: Molde de silicone de máscara-fôrma-protótipo com gesso usado para produzi-lo.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

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A primeira dificuldade surgiu aqui. Tentei inicialmente tirar um protótipo dessa fôrma feito de argila para poder modelar e aperfeiçoar e depois de seco revesti-lo com massa plástica. Não deu nada certo, pois fica difícil manter a espessura da massa plástica em igualdade por toda a máscara manualmente, toma muito tempo e onde ficou muito fina ela quebrou (figura 32). Figura 32: Máscara que não deu certo

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

O protótipo foi feito então somente de massa plástica, pela sua resistência para várias manipulações na fôrma e pela facilidade de lixar e dar acabamento. Passei camadas sucessivas de massa plástica dentro da máscara, fôrma de silicone (figura 31). Retirei, acrescentei mais massa, até chegar à espessura esperada; e finalizei com máquinas de lixa e, lixa d’água dentro de uma bacia de água (figura 33). Figura 33: Máquinas para dar acabamento e, lixando máscara de massa plástica

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014. Figura 34: Protótipo para produzir fôrma-reprodutiva

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014. Figura 35: Protótipo com vara para suporte na fôrma-reprodutiva.

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

A partir desse protótipo de máscara encaixável de massa plástica (ver figura 34) pude começar a fôrma final. Na 2ª etapa da produção de máscaras fiz novamente uma caixa com paredes de isopor grosso com mesmo processo da primeira, mas agora maior, pois precisava ter sobras largas ao redor da máscara protótipo. Cobri a máscara protótipo com argila, centralizei no meio da caixa e fiz uma parede de argila para isolar a fôrma em duas metades. Passei vaselina sólida num dos lados e enchi com preparado de gesso. Depois de seca, mantive a máscara com argila no mesmo lugar, mas retirei a parede de argila. Passei vaselina sólida novamente na parede de gesso e laterais do lado ainda em isopor. Enchi com outra mistura de gesso e esperei secar. (fig. 36) Figura 36: Caixa fôrma 2º etapa.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Quando aberto fica um espaço do tamanho da máscara mais a folga da argila com a qual foi revestida. Nessa folga entra o silicone da forma final.

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A máscara protótipo foi lavada e fixada no queixo da figura (que é a parte que fica para cima, na abertura do bloco de gesso para colocar o silicone), com uma vareta feita de quatro palitos de churrasco de madeira revestidas de massa plástica (figura37). Passei argila nas paredes rente ao formato vazado, coloquei a máscara com a vareta para cima e centralizei deixando espaço ao redor do protótipo. ▼Figura 37: Protótipo mascara dentro da fôrma para colocar silicone.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014. Figura 38: Vista de adequação do protótipo e, já com silicone na fôrma.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Com pincel comprido passei vaselina no interior da fôrma bloco de gesso. Fixei a vareta no gesso (figura 38) e fiz marcação de canetinha do lado de fora para evitar perder o protótipo da posição correta depois do silicone.

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Coloquei o preparado de silicone (figura 38) e esperei dois dias para secagem total. Fôrma de máscara encaixe concluída.

Figura 39: Silicone da fôrma final

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

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Figura 40: Fôrma reprodutiva concluída.





Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Depois de concluída, foi só passar vaselina sólida com pincel na parte interna, fechar a fôrma com câmara de bicicleta e colocar a mistura desejada para máscara (gesso, massa plástica e resina) pelo orifício (▼) no queixo da face na fôrma de silicone. (figura 40). As máscaras de encaixe foram feitas de resina, massa plástica e gesso. Primeiro tirei máscaras de gesso dessa fôrma e depois massa plástica. Depois de 12 tiragens a lateral mais fina do silicone perdeu um pedaço e consegui consertar com silicone incolor em bisnaga (figura 41), o mesmo que se usa para box de banheiro e aquários. Figura 41: Correção de lateral com silicone bisnaga

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Mais adiante, essa lateral mais fina perdeu um pedaço. Corrigi cavando mais o gesso na parte interna da forma, delimitando espaço de preenchimento com argila e por fim colocando mais silicone nesse espaço, conseguindo desta forma engrossar a lateral que estava fina. O problema foi resolvido sem mais intercorrências. Detalhes a considerar na produção das máscaras: Para que não correr nenhum risco de danificar a fôrma novamente, envolvi a parte de silicone (azul) com plástico filme, pois no caso da resina, por exemplo, se vazasse e chegasse às paredes da caixa de gesso a fôrma estaria perdida. Com as máscaras de gesso nenhum problema, o material pode ser retirado tranquilamente sem necessidade de passar vaselina nas paredes internas da forma. A massa plástica também, porém, recomendo passar a vaselina sólida para maior durabilidade da fôrma. No caso da resina deve ser passado, impreterivelmente, vaselina tanto na parte interna onde está a forma a desejar reproduzir, quanto nas laterais que partem desta, para que, caso a resina vase um pouco, não deixe grudada as duas partes da fôrma. Para que o material escorra com eficiência preenchendo toda a fôrma deve estar mais líquido. Se a massa plástica vier muito firme, pode ser diluída em álcool antes de ser acrescentado o catalizador. Já a resina, normalmente vem mais liquida que a massa plástica. Na primeira tiragem que fiz, entretanto, já estava mais viscosa, então tive de pesquisar um diluente para resina. Inicialmente descobri o Etil-metacrilato ou metacrilato de etila, da família do éster, fórmula molecular C6 H10; é um liquido sem coloração, odor penetrante e degradável e flutua na água. Essa substância é comumente utilizada por

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dentistas para polimento químico de materiais de resina, como a parte que encaixa ao céu da boca em aparelhos dentários móveis, bem como em alguns elementos de implante dentário. É altamente tóxica e inflamável. Para a finalidade ortodôntica, a substância é aquecida a 75º C, o aparelho dentário então é mergulhado na substância sendo movimentado por 10 segundos. A resina sai lisa e polida. Pode ser interessante para facilitar o processo de finalização de materiais de resina, entretanto tem um gasto considerável, pois é preciso um aparelho que aqueça e mostre a temperatura ideal bem como com capacidade de mantê-la. Outro material mais específico para diluir a resina e não polimento como o anterior, é o Monômero de Estireno. O estireno é um hidrocarboneto aromático não saturado. À temperatura ambiente é um líquido oleoso incolor, que polimeriza com facilidade à temperatura ambiente na presença do oxigénio. É o ideal para diluição da resina, mas não encontrei à venda em Campo Grande, então liguei para uma empresa no Paraná que me orientou a procurar um similar, que foi testado por eles na diluição do material. A sugestão é o thiner, mas não é qualquer thiner que reage conforme o esperado; é necessário que seja um thiner para tinta PU (poliéster) automotiva. Na hora de testar deve-se observar a reação dos dois produtos, caso o thiner seja fraco a resina talha, fica como leite coalhado, se for forte demais a resina dilui, mas não enrijece com o catalizador. Existem várias numerações de thiner PU, então para achar o mais adequado observei a composição química que mais se parecesse com o Monômero de Estireno. Dos dois que encontrei um tinha álcool na composição e hidrocarboneto diferente, já o outro não tinha álcool e tinha acetona como no monômero e mais hidrocarboneto similar. Foi o que escolhi e deu certo. É o thiner para Poliéster/PU da marca Wanda, número 1.100. Lembrando que essa numeração muda de acordo com a marca. Consegui uma consistência mais liquida e o processo de produção acabou se mostrando mais eficiente até do que o da massa plástica, pois a resina escorreu pela forma com mais facilidade. Figura 42:Diluição de resina com thiner para P.U.

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

A resina deve ser misturada ao catalizador suavemente, e durante sua colocação na fôrma é necessário movimentar a forma com batidas leves na mesa de apoio para que as bolhas subam e se desfaçam e para que a resina escorra mais rapidamente; e aos poucos se vai colocando mais até preencher toda a fôrma. É necessário o uso de luvas, óculos de proteção totalmente fechado, máscara de pó (branca) e máscara de odor (cinza e preta) para manipulação dos materiais químicos aqui discriminados (figura 43). Figura 43: Materiais de segurança para manipulação dos produtos

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

A maior parte das máscaras de super-heróis foi feita de gesso sem encaixe, direto na atadura gessada, por facilitar a pintura e o tempo de processo (figura 44).

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Figura 44 : Máscaras super heróis - gesso

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Para as máscaras de verso preenchido de gesso e resina: Coloquei uma toalha grossa em baixo das máscaras e potes de iogurte virados do avesso entre elas, para que não virassem (figura 45). Passei camadas grossas de vaselina sólida industrial e, por último, coloquei a mistura de gesso e água. Para fazer o gesso coloquei água em uma bacia e fui polvilhando com peneira, pois facilita a mistura e evita bolhas e sujeiras. Quando começarem a formar ilhas de gesso sobre a água já teremos a quantidade necessária para misturar. Misture com a mão até que fique um pouco mais grosso e depois despeje sobre a fôrma.

Figura 45: Preparo do gesso

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Figura 46: Tiragem de máscara de gesso com fundo preenchido.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

As máscaras que não têm encaixe ao rosto foram tiradas diretamente da fôrma de atadura gessada, de adultos e crianças (figura 46).

Figura 47: Rostos das crianças que formam caminho em frente ao meditante na obra.

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves

As máscaras de encaixe de molde de rosto adultos foram tiradas da fôrma de silicone. As de encaixe das crianças foram tiradas diretamente da atadura gessada. A fôrma de silicone foi feita especialmente para atender as necessidades de reprodução rápida e mais de uma tiragem de resina, material que mais danifica a fôrma se tirada diretamente da atadura gessada ou gesso. Como a confecção de uma fôrma de silicone como esta é demorada e de custo alto, tive de optar por tirar máscaras de encaixe das crianças de massa plástica direto da atadura gessada (figura 48). Se tiver uma espessa camada de vaselina sólida industrial é possível tirar até 3 moldes da atadura gessada sem muitas danificações; a partir daí a fôrma começa a quebrar e a perder partes dos retalhos de atadura que a compõem. Consegui tirar mais moldes refazendo a fôrma com cautela para aproveitá-la ao máximo.

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Figura 48: Rostos de massa plástica (crinaças), feitos sem fundo preenchidoe à mão nas fôrmas de atadura gessada.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

Um outro elemento importante da instalação são os espelhos. Os espelhos de pequenas dimensões foram retalhos de corte de uma fábrica de espelhos que me doou. Os grandes são de uso pessoal. Os seixos marmorizados brancos, usados no piso, colaboram com a limpeza visual do espaço, com a luminosidade, pelo branco e brilho leve das pedras. (figura 49) Figura 49: Seixos Brancos.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, fotografia, 2014.

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A tenda que delimita o espaço da instalação é um produto industrializado; é simples, branca, de arestas leves de fácil montagem.

Figura 50: Tenda branca

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, 2014.

A obra passou por quatro projetos diferenciados até se concretizar. Inicialmente, não haveria obra, somente pesquisa teórica, logo depois surgiu uma assemblage, a primeira sugestão para obra plástica. A segunda que realmente estava em concordância com a primeira pesquisa teórica proposta, foi projetada para ser realizada em grandes dimensões e com inúmeros recursos tecnológicos de montagem e apresentação; esta era a mais diferente das possibilidades sugeridas para esta pesquisa e a mais coerente com toda pesquisa que fiz até hoje, incluindo os anos anteriores ao curso, quando me iniciei nessa busca. Esta pesquisa, então se estabelece a partir de fragmentos teóricos de uma pesquisa maior, que segue em andamento; e a de instalação aqui apresentada juntamente com este relatório de pesquisa foi criada especificamente para este trabalho. Esta terceira opção, teve suas modificações e acréscimos em paralelo com a revisão do conteúdo teórico, só tomando forma conclusiva à medida que este ia sendo desenvolvido e concluído. Esta terceira

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opção, como as outras, nasceu sem referências diretas de obras anteriores de outros artistas, tomando forma com base nos conhecimentos teóricos, associada às experiências vividas por mim no budismo, tantra com monge Dada e Gnose, além das experiências com técnicas de escultura. Posso dizer, então, que minha referência

foram

imagens

eidéticas20,

vindas

naturalmente

de

meu

subconsciente durante a pesquisa. Os únicos objetos que se mantiveram imutáveis em todas as propostas foram as máscaras, que representam identidades e/ou personalidades tratadas no texto, além da estamparia/pintura em cores sobre as mesmas, realizadas com base em estudos do texto Psicodinâmica das Cores, de Modesto Farina, observando os possíveis efeitos das cores, tanto de caráter fisiológico como psicológico, e suas potencialidades para influenciar no ser humano certos sentimentos ou significados. Mas como o foco aqui é o autoconhecimento, produzir as máscaras a partir dos conhecimentos da psicodinâmica das cores seria uma contra proposta. Então, as máscaras foram produzidas livremente permitindo a manifestação do meu consciente e subconscientes naturalmente e analisadas

posteriormente

sob

à

ótica

da

psicodinâmica

das

cores

especificamente aqui através das observações de Modesto Farina. Apenas algumas pinturas sobre as máscaras são com base em superheróis. Outras têm pinturas livres, que buscam um equilíbrio visual pelas formas e cores. Apesar do estudo sobre psicodinâmica das cores, não criei as pinturas com base nesse estudo, mas deixei a pintura fluir do subconsciente para depois analisar algumas peças sobre o ponto de vista de Modesto Farina; já que estamos em um processo de descoberta interna, nada mais cabível do que analisar o que nasceu naturalmente, sem manipulações controladas de formas e cores, apenas pelas relações das mesmas com emoções e situações. Palavra originária do grego ‘eidos’ que se refere a idéia. Termo de muita importância e empregado tanto na filosofia quanto na psicologia. Mais recentemente tem tido supremacia na fenomenologia, notadamente a partir dos estudos de Edmund Husserl. Essa palavra fenomenológica foi usada pela primeira vez por Hegel. É uma teoria psicológica de que algumas pessoas possuem a capacidade de evocar visual e exatamente eventos passados ou imagens de objetos vistos (imagens eidéticas). Acrescento que no caso desse projeto não tive nenhuma lembrança ou referência vivida de obra ou idéia de outrem, considero então o termo na presente questão, pelo fato de que as idéias partem de meu banco de dados de experiências e conhecimentos armazenados ao longo da vida, então não podem ter origem sem referência ao mesmo tempo que se manifesta sem acessa-las conscientemente. Esse processo de criação subconsciente foi escolha pessoal e acredito eu de acordo com os interesses de quem busca se conhecer em si e não no outro. 20

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Quanto à montagem, a tenda tem ao redor um plástico duro e transparente para proteção da chuva; este plástico tem abertura em dois lados paralelos. De um lado fica o “tapete real”, para o convidado sentar para meditação reflexiva e, de frente para ele, do lado oposto, fica um espelho grande. Nas laterais do meditante, um pouco mais atrás, ficam outros dois espelhos em diagonais fechadas, no sentido do meditante, sendo que cada um desses dois alcançam o reflexo do meditante e mais parte do jardim. Quanto ao acesso aos materiais, optei por aqueles de custo mais baixo; tive dificuldades em encontrá-los em Campo Grande, e quando encontrei eram muito caros. Muitas vezes, o material mais o frete sai muito mais barato do que os comprados aqui na cidade, pois não há representação de fábricas dos materiais no Estado e os encargos são altíssimos. Quando há, as empresas só vendem para atacado com quantidade mínima muito alta. Foram acrescentadas à tenda máscaras flutuantes (presas no teto) e pequenos espelhos pela parede ao redor de todo espaço da obra, como símbolos da “inter-ferência” entre os mundos individuais (que defendo como reais já que a construção mental do indivíduo gera ações “reais”), gerando o mundo (espaço físico) – e as consequências entre o choque ou concordância desses mundos. Os três espelhos grandes, mais os vários pedaços de espelhos pequenos espalhados por toda obra, geram reflexos de reflexos de reflexos, multiplicando tanto a imagem do meditante, das máscaras e de todos os elementos da obra até chegar ao jardim. Entre o tapete (local do meditante) e o espelho grande à frente dele há um caminho feito somente de faces de crianças, todas brancas como os seixos ao seu redor. A criança é como o caminho para início de nossas construções internas, com sua pureza representada pelo branco. Somando todos esses elementos temos um ambiente agradável e “reflexivo” (palavra que pode ser observada de vários ângulos neste caso), para nossa viagem ao nosso EU mais íntimo.

Maquete virtual de projeto:

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Figura 51: Projeto virtual de instalação em perspectiva.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, Croqui virtual, 2014.

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Figura 52: Projeto virtual de instalação em vista superior.

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves, Croqui virtual, 2014.

3.3 - O convite: a filosofia do “EU” revelando a essência individual divina da totalidade essencial da criação - A Obra e os reflexos do “Eu” Para conseguir ser um artista, é necessário dominar, controlar e transformar a experiência em memória, a memória em expressão, a matéria em forma. A emoção para um artista não é tudo; ele precisa também saber tratá-la, transmiti-la, precisa conhecer todas as regras, técnicas, recursos, formas e convenções com que a natureza – esta provocadora – pode ser dominada e sujeitada à concentração de arte. A paixão que consome o diletante serve ao verdadeiro artista; o artista não é possuído pela besta-fera, mas doma-a. [FISCHER, 1997, pg.14]

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Quando escolhi os materiais não me prendi ao detalhe de sua dureza poder estar em contraponto à busca pela leveza emocional, mas, novamente, aos conhecimentos budistas sobre a necessidade da matéria e do dinheiro no caminho de evolução espiritual. Osho (2002), bem como, o Monge Dada, falam sobre esse fato nos esclarecendo que a visão que temos do Budismo, da Índia como referência da religião ou outras vertentes dessa filosofia, é distorcida pelos interesses de divulgação turísticos. Ele diz que a referência que temos da Índia é de seus tempos áureos de riqueza e que hoje, em meio a tanta miséria e pobreza, não é possível manter as mesmas práticas. Como uma pessoa que está em constante preocupação com a comida na mesa e todas as suas necessidades mais básicas pode conseguir mente livre para meditar em seu espírito? Sendo assim, observei que a proposta, não deveria estar presa a considerações externas, como o material por exemplo, mais sim na mensagem. O autor fala que o conhecimento real de base budista tem se distanciado até mesmo de alguns monges e guias espirituais. Sem riqueza não há contraponto de comparação e aprendizado. Ele diz que melhor sabe da humildade aquele a quem não falta nada, pois é ai que ela pode se apresentar, já que ela está no desapego e que, para perceber esse desapego é necessário que haja algo para testá-lo. Ele nos conduz a observar tudo com gratidão e o papel de todas as coisas; e a se distanciar de estereotipar o conhecimento e a filosofia em mais uma máscara. Não é para construir a máscara da pureza e da leveza; é para senti-la e compreendê-la. Sendo assim, não vi necessidade de escolher o material pela proposta, mas de compreender seu papel dentro da proposta. Os materiais empregados na fabricação das máscaras atentem aqui, antes a, questões de tempo e reprodutibilidade do que a leveza ou a dureza relacionadas as observações de pesquisa, pois é a mensagem sendo absorvida e compreendida que transforma. Assim como existem pedras duras que carregamos de experiências passadas e a serem jogadas fora, há também o aprendizado no tempo em que convivemos com elas; e aceitar a dor é a única forma de eliminá-la. Não uma aceitação acomodada e imóvel, mas o reconhecer que sentimos e porque sentimos. Pensamos? Julgamos? Porque pensamos? Por que julgamos? É achar a pergunta certa, para a resposta certa sem interferir

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no mundo externo, mas sim nosso reino interno, que é o que realmente pode ser modificado. Os granilhos e seixos branco que forram o chão, nas laterais, do caminho com rosto das crianças, vem fazer a essa idéia. As pedras, costumam ser símbolo de problemas, obstáculos e percalços. Aqui elas vem representar a superação dentro da proposta de montagem. Por serem brancas e brilhantes (representação de pureza e reflexão), e estarem abaixo de outras máscaras que estão pelo chão, fazem força à superação dos conflitos que outrora foram percalços, mas hoje, são equilíbrio fruto de superação. Pode ter outra conotação, caso a pessoa veja as máscaras pintadas como egos, sobre a pureza, pela brancura dos seixos. Deixamos livre à mente do observador percorrer as possibilidades. Consideramos uma boa escolha, a primeira montagem da obra no jardim do Bloco de Artes, pois atenderia perfeitamente a proposta de integração do ser em nosso universo interno, sendo o ambiente elemento a reforçar o que tem de mais puro na criação de nossa natureza. O céu livre de concreto e o verde ao redor em contraste com a brancura e brilho dos granilhos pelo chão, traria mais leveza ao espaço interno da tenda. Figura 53: Teste de montagem - 1

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)

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Figura 54: Teste montagem - 2

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)

As máscaras dos super-heróis rememoram fragmento de nossas primeiras referências externas de valores éticos e força moral, como justiça, amor, honestidade, dedicação, cooperativismo, superação e principalmente a força diante dos enganos atraentes do mundo externo, na figura de cada representante de tais referências, cada qual, com sua história, que carrega dualidades, entretanto, sempre com as escolhas mais acertadas, conforme já foi desenvolvido em Subcapítulo 1.3. Figura 55: Máscaras Super Heróis

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)

As máscaras com cores vivas e com formas fluidas e ou geométricas recobrindo sua superfície total, e outras em graduada desconstrução, até chegar aos transparentes, vêm traçar o caminho de purificação do “eu interno” pelo autoconhecimento e limpeza dos agregados: os egos. Vislumbrei inicialmente as máscaras translúcidas como sinal da pureza, da iluminação almejada e/ou alcançada, mas posteriormente percebi que o observador poderia fazer a mesma observação de um caminho de melhora pelo revés, se considerar, por exemplo, as cores como sinal dessa iluminação, o que continuaria de acordo com conhecimentos budistas abordados, já que cada cor tem sua localidade energética no corpo humano, partindo da nossa essência divina, os chamados chacras21. 21

Chacras ou xacras, também conhecidos pela grafia chakras - segundo a filosofia iogue, centros energéticos dentro do corpo humano, que distribuem a energia (prana) através de canais (nadis) que nutre órgãos e sistemas. A palavra chakra vem do sânscrito e significa "roda", "disco", "centro" ou "plexo". Nesta forma eles são percebidos por clarividentes como vórtices (redemoinhos) de energia vital, espirais girando em alta velocidade, vibrando em pontos vitais de nosso corpo. Os chakras são pontos de interseção entre vários planos e através deles nosso corpo etérico se manifesta mais intensamente no corpo físico. Os Vedas (5.000 a.C.), contêm os mais antigos registros sobre chakras de que se tem notícia. Quando foram escritos, o Yoga já sistematizava o conhecimento e o trabalho energético dos chakras. São sete os principais chakras, dispostos desde a base da coluna vertebral até o alto da cabeça e cada um corresponde à uma das sete principais glândulas do corpo humano. Cada um destes chakras está em estreita correspondência com certas funções físicas, mentais, vitais ou espirituais. Num corpo saudável, todos esses vórtices giram a uma grande velocidade, permitindo que a "prana" (sopro de vida, energia vital), flua para cima por intermédio do sistema endócrino. Mas se um desses centros começa a diminuir a velocidade de rotação, o fluxo de energia fica inibido ou bloqueado - e disso resulta o envelhecimento ou a doença. 1º) Chakra básico (Rádico), localizado nos órgãos genitais e na pélvis, relacionado com as gônadas (glândulas sexuais), governa o sistema reprodutor. Este chakra anima a substância do corpo físico, o poder e o instinto de sobrevivência. É a ligação com a terra. Concentra as energias da Kundaliní (É a energia espiritual que permanece adormecida na base da coluna vertebral de todos os seres humanos. Quando desperta no aspirante espiritual e passa através dos centros de consciência (chakras) no canal

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Figura 56: Chakras e as cores

Fonte: www1.folha.wol.com.br Figura 57: Efeitos do equilíbrio e desequilíbrio dos chakras

central da espinha, essa energia manifesta-se em experiências místicas e vários graus de iluminação), que uma vez despertadas progridem coluna acima, seguindo um padrão geométrico similar ao padrão apresentado na dupla hélice das moléculas de DNA que contém o código da vida. Sobrevivência, alimento, conhecimento, autorealização, valores (segurança financeira), sexo (procriação), longevidade e prazer. 2º) Chakra Esplênico, localizado na lombar e abaixo do umbigo, está relacionado com as glândulas suprarrenais, regendo a coluna vertebral e os rins. Rege os rins, sistema reprodutor, circulatório e bexiga. As energias como a paixão, sensualidade e a criatividade são manifestadas através deste chakra. Poder de seduzir criatividade e relacionamento. 3º) Chakra Umbilical ou plexo solar, localizado um pouco acima do umbigo. Rege o pâncreas. A área de influência deste chakra é o sistema digestivo: estômago, fígado e a vesícula biliar, além do sistema nervoso. Escolhas do que você quer. Individualidade e poder pessoal (como você se vê), sua identidade no mundo. 4º) Chakra do coração ou cardiochakra, situa-se na região do tórax e está conectado com a glândula timo, responsável pelo funcionamento do sistema imunológico. É o chakra do coração, centro energético do amor. 5º) Chakra laríngeo, localizado sobre a garganta, se comunica com a glândula tireoide. Está ligado à inspiração, a comunicação e a expressão com o mundo. 6º) Chakra Frontal, localizado entre as sobrancelhas, se relaciona com a glândula pituária. Intuição (eventos paranormais) e a consciência. Capacidade de se observar sem julgamento. 7º) Chakra coronário ou coronochakra, localizado no topo da cabeça. E o portal da espiritualidade, do reconhecimento de Deus/Deusa em nós e no outro. Iluminação.

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Fonte: https://acuracomosanjos.wordpress.com

Ao criar os desenhos sobre as máscaras, considerei os pontos energéticos de cada região no corpo (chakras) e suas cores representantes, relacionados as emoções trabalhadas pelos processos citados, e a possível desproporção de equilíbrio das mesmas, antes do caminho de limpeza e regeneração interna. As formas e linhas sobre as máscaras respeitaram as necessidades de expressão do meu subconsciente, visto que, o trabalho se propõe antes de tudo ao autoconhecimento com o adendo de minhas experiências pessoais, sendo então a meditação, entre outras possibilidades citadas, budistas, indianas, védicas, gnósticas, tântricas ou quânticas e homeostáticas, caminhos de escolha singular, dentro da necessidade e interesse de cada um, então evitei o uso de símbolos ou imagens que fizessem parte de qualquer uma destas filosofias. O fato de a pintura ter sido feita, exclusivamente, sobre rostos e nenhuma outra parte do corpo, foi com propósito de explicitar a natureza ao mesmo tempo singular e coletiva que compõe a todos nós, sendo o rosto, representação primeira de identidade e reconhecimento de sua individualidade por parte das pessoas. Figura 58: Máscaras

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografias)

O Chakra, é algo bem conhecido da cultura oriental pelos ocidentais e, nesse caso, a máscara transparente poderia representar a essência que não foi ainda acessada. Pela teoria das cores, também, podemos desenvolver observações acerca do fato de que as cores são fruto da luz, que quando fragmentada sobre um prisma de cristal, se apresentam aos olhos em várias direções translúcidas e vívidas, as cores luz. E, ainda, no caso das cores pigmentos, todas são fruto do branco, que representa a pureza e a paz. E ainda, de maneira mais abrangente, tudo isso, cores, formas, transparências, desencadeia processos diferenciados nas relações internas de cada um, considerando a singularidade de cada criatura e de seu caminho de iluminação interior, na busca de sua divindade única e intransferível a ser descoberta. Quanto aos materiais utilizados, foram excluídas a madeira e o insulfilme espelhado,

que

participariam

da

assamblage

no

primeiro

projeto,

e

acrescentadas a tenda, os espelhos e a algumas imagens de super-heróis,

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representando seus poderes especiais, e, ao mesmo tempo, as aspirações e sonhos comuns à todo ser humano, nessa busca corrente pela perfeição. Os três espelhos grandes mostram o meditante em várias reflexões de si e da natureza circundante, enquanto que os fragmentos de espelhos ao redor da tenda, juntamente com as máscaras, mostram as várias personalidades do meditante e, ainda, as possíveis fragmentações das mesmas, vindas de outras pessoas; fragmentações estas que não fazem parte de sua natureza, mantendoo sempre em conflito interno; e que, entretanto, foram absorvidas pelo princípio de prazer, na necessidade de aceitação pelo outro e por esses reflexos encontrar a auto aceitação e o amor próprio desapegado. Outro fator importante a considerar é o local de exposição dessa instalação. Eu particularmente, não havia pensado muito a respeito e quando visualizava algum local no bloco de artes, nenhum me parecia adequado, mas logo que inseri a tenda na proposta, necessária para criar um ambiente mais aconchegante e fazer de sua finalidade fato possível aos convidados, ela acabou por colocar-se naturalmente em minha mente no único local que poderia estar: o jardim. Nossa essência divina só poderia sentir-se realmente à vontade em contato com o que ainda há de mais puro na criação do todo: a natureza. Temos assim, então, em diálogo, as naturezas: humana, vegetal, animal (pássaros, gatos, borboletas e outros no local), mineral e divina. As máscaras das crianças conversam com a criança interior em nosso subconsciente. As memórias de nossa infância contêm as armas mais poderosas nessa luta de egos, já que é na primeira infância que nosso “sistema operacional” começa a ser programado pela educação que recebemos, os exemplos que observamos e as experiências vividas. São também de forma geral, referência de processos de mudança, visto que, a partir do momento que a criança com padrões negativos identifica os mesmo, o adulto compreendendo essa sua criança interior, pode a partir de então mudar esses padrões, que tendem a se repetir em seu meio familiar, mudando sua conduta e agindo com consciência do seu papel programador como responsável dessa nova personalidade que se forma, que podem ser filhos, netos, primos e qualquer outra criança que mantenha relação afetiva e ativa estreita com o mesmo.

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O caminho convite é feito pelas crianças. O adulto que acolhe e compreende sua criança interna pode melhorar continuamente os padrões de conduta e experiências de seus descendentes; a criança também é, em termos gerais, referência de transformação, pois para cada novo indivíduo existe uma nova oportunidade de criar novos sistemas de seleção, pelo aprendizado e pelas referências que recebem, quebrando e bloqueando cada vez mais os padrões nocivos e repetitivos, tanto no indivíduo quanto no núcleo familiar. Figura 59: Caminho crianças (detalhe)

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)

O “tapete real” funciona como trono de nossa divindade humilde, desapegada e cheia de amor. É um tapete colocado em local estratégico na cena

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da tenda, tal qual ficaria o trono de um rei ao fundo de uma sala, observando tudo ao seu redor, mas agora sem a pompa que representaria os “agregados”, mas somente para representar seu espaço, de forma que o “meditante”, tenha amplo campo de visão da instalação e para além dela, já que a tenda mantém as laterais livres, sem paredes sólidas. Observem da seguinte maneira: quando conhecemos nosso mundo interno, conhecemos na verdade nosso reino interno pelo qual somos responsáveis. O que acontece quando um rei se ausenta de seu trono? Corre o risco de ter seu reino roubado ou invadido e prejudicado. O trono é colocado de tal forma que o rei possa visualizar todo o salão de sua realeza, mas aqui sem a pompa dos “agregados”. O tapete no chão mostra o rei que sabe ser combatente quando preciso, esse caminho de limpeza não são só flores, temos de lembrar que estamos limpando ervas daninhas e a inda reflorestando muitos cantos do reino. Mas a simplicidade e o desapego das paixões são necessários para vivenciar a paz e o amor de seu reino na calmaria, sem se manter no repetitivo processo de guerra ou de acomodação. O tapete real vem abrir as possibilidades da observação, contemplação e meditação para o meditante. O rei deve aprender o momento certo de observar, contemplar ou meditar seu reino, de forma eficiente para identificar corretamente e solucionar problemas e manter o equilíbrio no reino, considerando a singularidade de tempo em seu espaço e de seu espaço no tempo e de seu espaço tempo intransferível de seu reino real: a consciência. Os áudios disponíveis na tenda tornam possível a experiência também a quem não tem referências e conhecimento suficientes para se observar inteiramente, induzindo essa viagem ao seu reino interno e ao seu encontro com o todo. Esse encontro com a parte dela que, ao longo do caminho, vai deixando os julgamentos e a dualidade humana de lado e se manifestando o amor e na gratidão despretensiosa a tudo e a todos. Todos esses olhares resultaram nesse cantinho de choque entre interno e externo, pelos reflexos de si e dos outros em fragmentos contraditórios, escancarados e imperativos a se resolver e, ao mesmo tempo, de aconchego e acolhimento. Para que realmente não seja só observado mas experienciado a identificação e cumprimento de seu propósito pessoal a só assim assumir seu

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real valor, fora do olhar ao mundo fenomênico ilusório que criamos para nós, mas sim, livre na verdadeira essência de nossa luz e poder internos.

3.4 Mudanças de última hora e Obra conclusa Figura 60: Montando instalação Memorial da Cultura, com modificações.22

Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografia)

Conforme explicado anteriormente, no ato da montagem, poderíamos encontrar algumas intempéries, como sustentação da tenda, entre outras, e encontramos. Os vários espelhos, nas laterais da tenda foram retirados, pois não foi financeiramente viável manter a dupla face espelhada, e não tendo os dois lados reflexivos em tamanho adequado, a sensação de amplitude de espaço não pode ser alcançada. As máscaras laterais, foram também, retiradas, pois sem os espelhos, trariam uma sensação de opressão no ambiente. Os três espelhos grandes, sofreram modificação de local. Como os espelhos não eram tão grandes quanto o necessário para refletir o meditante, adequadamente, conforme proposta de um deles à frente do meditante e, outros dois, ligeiramente na diagonal, atrás do meditante, foram então, colocados, os dois espelhos que ficariam atrás do meditante, nas laterais da tenda, à

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A Exposição citada no Memorial da Cultura, faz parte do Projeto Território Ocupado. Todos graduandos Bacharéis em Artes Visuais, pela UFMS, expõem, suas obras desenvolvidas para trabalho de conclusão do curso, em exposição coletiva.

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frente do meditante, voltados para ele em diagonal. Essas modificações resultaram em um espaço mais leve e claro, dentro das possibilidades de custo e tempo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Observamos aqui a necessidade de observação de vários ângulos simultâneos para a solução de qualquer problemática do Eu nesse caminho de busca de nossas particularidades mais puras. Temos vertentes que partem da referência familiar, aqui apontamos educação, exemplo, referência, amor e temperança, tendência à imitação e as vertentes da singularidade, onde começam a ser vinculadas à referência familiar experiências únicas, conhecimentos novos e novas referências do externo, entre ambas temos ainda o princípio de prazer que seleciona e ordena informações e direciona conduta, que por sua vez se desenvolve na vivencia entre as duas anteriores, família e singularidade e, ainda sofrem interferência de condicionamentos e padrões sociais. Compreendemos também como todas essas observações podem ter suas problemáticas resolvidas por meio da meditação através de conhecimentos experimentais, tanto pessoais quanto pela visão do meditante Osho, com respaldo de pesquisas da neurociência através do Dr. Fred Travis. Observem como é um sistema complexo para se observar, já que esses fragmentos anteriores quando pensados e aprofundados nesse conhecimento do eu abrirão mais uma infinidade de detalhes que nos constroem ou destroem ao longo de nossos anos de vida. Por esse motivo buscamos elaborar o presente texto de forma a passar por várias opções de observação pertinentes à busca de nós mesmo. Nós compreendemos aqui que as referências da figura dos superheróis e suas representações conforme transcrito na primeira parte deste subcapítulo, vão dialogar e ser selecionadas em conformidade com os modelos experiênciado de diferenciação do self com a criança e a família e a necessidades nesse sistema, particular de cada criança, e que as referências podem ser usadas e orientadas à mente da criança de forma a solidificar as referências absorvidas dos pais e de seu ambiente mais próximos, mas podem também tender a uma válvula de escape no caso de o ambiente referência não ter estabilidade. Nesse último caso essas referências poderiam ser parte do conflito interno causado pelo sistema de princípio de prazer apresentado por

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Freud. Então a referência é ruim mas o contato com outra que lhe parece mais estável acaba por abrir nova possibilidade de escolha. O sistema se apresentará confuso enquanto houver esse conflito, mas uma possibilidade melhor já existe e pode ser escolhida a qualquer momento. Isso não acontece somente com a referência de super-heróis mas qualquer outro objeto representativo de informação, seja material ou sensorial. Compreendemos também que uma primeira infância ou adolescências mal vividas não podem determinar uma vida dependente e internamente instável, apesar dos recursos de proteção primitivos da nossa psique, desde que, conheçamos a origem das mesmas. E que isso, deve ser compreendido por parte de quem quer se construir e se superar, bem como, dos que busquem trabalhar, ou já trabalhem de forma a motivar essa superação e progresso no desenvolvimento dos talentos de outras pessoas. É necessário que essa pessoa entenda que precisará de muito mais batalha interna e recursos emocionais para superar problemáticas que podem ser extremamente simples para o indivíduo que teve em seu processo de construção e individualização, equilíbrio, incentivo, experiências afetivas positivas e respeito. Observamos que a compreensão de todos esses fatores no caminho de auto construção, devem ser considerados, não só pelas pessoas em geral, mas especialmente o artista produtor, da responsabilidade na produção de obras expostas ao público, visto que, as informações visuais, como analisa esta pesquisa, caso tenha conteúdo informacional emocionalmente negativo ao observador amplifica as informações de mesma natureza que ele traga em seu histórico de vida. Sendo assim, no caso de obras onde o artista pretende despertar o indivíduo para uma mudança em sua conduta com relação à sociedade, e usa de recursos de imagem opressivos e deprimentes, esses recursos não farão além de reforçar informações negativas ao observador, podendo ser, portanto, o resultado, o oposto do que pretendia o artista. Devemos dividir as emoções que queremos vivenciar. Não é estar alheio a certos tipos de realidades, mas sim acrescentar possíveis soluções, visto que, as negativas da natureza humana estão expostas constantemente em altíssimo grau através dos veículos de informação, com um contraponto desequilibrado em relação às soluções que se encontram em menores qualitativamente e quantitativa. Desta

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forma, o artista é primeiro que precisa antes, ser o primeiro a trilhar seu caminho interno para que possa atuar em sociedade consciente da influência que exerce sobre a mente humana com seus mecanismos de defesa. E ainda, sobre, os mecanismos de defesa, podemos também acrescentar, que as imagens, que por ventura, tenham sido criadas livremente, isto é, sem cópia ou referência de outra imagem, e tenham caráter negativo ou não, podem ser um recurso para que o produtor possa observar detalhes de si, que subconscientemente esteja ali, detalhes com os quais, não está conseguindo se resolver bem ou não havia observado para valorizá-lo como deveria, assim trazendo levando a mente ao caminho autoconsciente. E, como mostra a pesquisa considerando o sistema mental e seus recursos de proteção da psique, as produções artísticas de caráter opressivo, ou qualquer característica negativa, que possa ser um dano para os observadores, seria interessante que se mantivessem dentro desta proposta de auto construir. Sendo esse, um caminho para que a criação de obra seja pensada para exposição ao público, considerando seu papel influenciador da razão e estimulante quanto às emoções que dialogam com a informação do observador, com uma ação artística mais responsável e consciente. Outro ponto, observado foi a amplitude do que podemos alcançar dentro das práticas de autoconhecimento, nos levando da superação de nossos medos, traumas e limitações até o desenvolvimento de novas percepções sensoriais, conhecidas como manifestações de paranormalidade, que conforme observado pelo Dr. Travis em suas pesquisas, sugerem ser naturais de todo ser humano, dependo seu desenvolvimento, da amplitude, do estágio de consciência do indivíduo. Nos trazendo novos questionamentos e perspectivas do Ser, e nos levando a novos caminhos de compreensão de nossa natureza, bem como, nossa percepção de realidade, espaço e tempo. Quanto ao convite-obra-de-instalação os espelhos podem nos mostrar o que de fato é nosso e o que foi apropriado de outrem, se essa apropriação realmente nos faz feliz, ou se na verdade faz um outro alguém e nos deixa confortável pelo ego teimoso, vaidoso mas mentiroso, que pelas dependências emocionais, nos tomam a origem divina e a consciência e ainda oprime o inconsciente que quer se libertar, para manter o poder pela repetição das ilusões

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de um mundo fenomênico doloroso gerado por nós mesmos. Podem também nos ajudar a ver o que evitamos a todo custo e também o que procuramos em lugares onde jamais seria possível encontrar, podemos ainda descobrir que o que procuramos não é realmente o que procurávamos e aprender que, as perguntas vindas antes das respostas devem ser muito bem elaboradas com as dúvidas que as geraram bem observadas para que tenhamos certeza de que o que procuramos é realmente o que procurávamos quando encontrarmos. É o se olhar de todos os ângulos, físicos, metafísicos, metapsicológico, interespaciais, espirituais, universais e todos mais que a mente quiser encontra e falar, até que cesse por completo e possa estar na frequência mais sutil e mais forte, meditando seu mundo entre todos os outros, ausento da dualidade e pleno de amor, palavrinha de cinco letras que resume tantas coisas ao mesmo tempo, palavra nada simples de compreender para a condição de evolução humana ainda hoje. Precisamos nos empenhar. Ser feliz não é tarefa fácil, precisamos nos conhecer antes de tudo, para atingir tal propósito em nosso estado de espírito. O sucesso é ser feliz!

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“II. Um coro com várias vozes. De um lado, a Noite e de outro o Universo. Coro da Noite – Tudo é poder em nós e tudo grita. Coro do Universo – Não há poder maior que a força viva. Coro da Noite – Mas que força viva sem os olhos ou que olhos são esses tão por dentro, que em vez de serem fontes são espelhos? Coro do Universo – O poder é a memória que pressente o frio de haver memória. Coro da Noite – O poder é a demora da semente. Os dois Coros Juntos – E aurora é o que está dentro do ventre.”

(Carlos Nejar – O Pai das Coisas. 1985)

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APÊNDICE A - Portfólio Figura 61: Instalação – Montagem Final – Vários ângulos

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Fonte: Cybelle Manvailer Gonçalves (Fotografias)

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Ficha Técnica Artista: Cybelle Manvailer Gonçalves Título Obra: Universos em Transformação Técnica: Instalação Dimensões: 2,40 m² Currículo Nome: Cybelle Manvailer Gonçalves Contato: [email protected] / (067) 9928-6941 Nacionalidade Brasileira Campo Grande – Ms

Formação: Conservatório de Artes Centro de Arte Viva (Campo Grande – MS): 

Canto e Técnica Vocal com Clarisse Maciel (1996);



Canto Erudito Coral da Fundação de Cultura com Maestro Denis Lopes (1997 e 1998);



Canto erudito, Coral do Rádio Clube) com Maestro Luiz Quirino (1999 e 2000);



Pintura em tela – Prof. Silvio Batistela (1996 – 1998);



Técnicas Mistas – Prof. Wilton Dourado (1998 – 1999);

Atelier Massaico Fujita (1999 – 2001). Workshop de texturização em tela com Ulisses de Andrade (2005). Oficina de Cenografia com Dóris Rollemberg da UFRJ em 2009 em Campo Grande MS. Oficina de Desenho Artístico com Elomar Bakony (2011) – UFMS. Oficina de Introdução de Animação 2D com Tiago Moraes (2011), Festival de Arte e Tecnologia 3.0, UFMS. Oficina de Escultura com Carla de Cápua (2012) UFMS. Oficina de Cerâmica com Maria Alice Porto Rossi (2012) UFMS. Oficina de Tratamento da Imagem Fotográfica em Software Livre, com Alexandre Sogabe (2012) Festival de Arte e Tecnologia 4.0. Oficina Criatividade Designer em publicações com Thiago Darlan (2013) Festival de Arte e Tecnologia 5.0.

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Oficina de Montagem Teatral com Leandro Faria (2013). Oficina de Técnica Vocal com Christina Passos (2013) UFMS. Oficina de Montagem e Produção Musical com Christina Passos (2013) UFMS. Canto e Coral (2013) UFMS. Artes Visuais, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Bacharelado. (2014).

Exposições *Coletivo I Esticadores de Horizontes, Parque Ayrton Sena em Setembro de 2010. No Compasso das Cores (série 3 pinturas) * Individual Experimentações 1 – Rockers sound Bar, em dia de Gravação de cd ao vivo da Banda campograndense Dombráz em Campo Grande MS (2011). *Coletivo Esculturas, Unidade VII UFMS em Junho de 2011 – Égua de Fogo (Altíssimo Relevo em Massa Plástica *Coletivo Olhares, Cubo de Vidro – Estação Ferroviária em Novembro de 2013 Série 3 pinturas em técnica mista *Coletivo Olhares, Cubo de Vidro – Estação Ferroviária em setembro de 2014 Auto Construção em Foco (série 3 Pinturas) *Coletivo Click – Primeira Amostra Acadêmica de 2014 Arte Digital – Ascenção mulher contemporânea *Coletiva INTRO do Projeto Território Ocupado no Memorial Apolônio de Carvalho em Campo Grande, Ms. (2014) Obra de Instação: Universos em Transformação.

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